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MINISTRO MOREIRA ALVES DISCURSOS PROFERIDOS NO STF, NA SESSÃO DE 16 DE OUTUBRO DE 2003 POR MOTIVO DE SUA APOSENTADORIA SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASÍLIA – 2004

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MINISTROMOREIRA ALVESDISCURSOS PROFERIDOS NO STF,

NA SESSÃO DE 16 DE OUTUBRO DE 2003

POR MOTIVO DE SUA APOSENTADORIA

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BRASÍLIA – 2004

Supremo Tribunal Federal

Ministro Moreira )2[{ves

Viscursos Frojéndós no S'T!1;

na sessão de 16 de outubro de 200�

For motivo de sua aFosentadoria.

Brasília

2004

Ministro Moreira Alves

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro MAURÍCIO José CORRÊA (15-12-1994), Presidente

Ministro NELSON Azevedo JOBIM (15-4-1997), Vice-Presidente

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)

Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)

Ministro CARLOS Mário da Silva VELLOSO (13-6-1990)

Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000)

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002)

Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)

Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)

SUMÁRIO

Discurso do Senhor Ministro Gilmar Mendes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Discurso do Doutor Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Discurso do Doutor Felicíssimo José de Sena, Representante da Ordem dos Advogados do Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Palavras do Senhor Ministro Maurício Corrêa, Presidente . . . . . . . . . 37

Discurso do Senhor Ministro GILMAR MENDES

o Senhor Ministro Gilmar Mendes - Senhor Presidente, Senhores Ministros, Senhor Procurador-Geral da República, minhas Senhoras e meus Senhores.

Aposentou-se, depois de mais de 47 anos de carreira, 27 dos quais como Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Carlos Moreira Alves, um dos mais notáveis juristas que o País produziu em todos os tempos.

Nascido em Taubaté, São Paulo, aos 19 de abril de 1933, o filho de Luiz de Oliveira Alves e Maria Ismênia Moreira Alves casou-se com Evany de Albuquerque Maul Alves, com quem teve 2 filhos, Sonia Moreira Alves Mury e Carlos Eduardo Maul Moreira Alves, e 2 netas.

Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, em 1955, concluiu o curso de Doutorado (Seção de Direito Privado) na mesma Faculdade, em 1957. Ingressou no magistério no mesmo ano, na Faculdade de Direito da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, como Professor regente, nas cadeiras de Direito Civil e de Direito Romano e, a partir de 1960, também como Professor da Faculdade de Direito Cândido Mendes, na cadeira de Direito Romano. Na Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (1964 a 1968) e no curso de doutorado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro lecionou Direito Romano especializado. Foi Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1962 a 1968). Como livre-docente e, posteriormente, como Catedrático, lecionou nas cadeiras de Direito Civil e Direito Romano

na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (1965 a 1968). Foi Catedrático interino da cadeira de Direito Civil especializado no curso de doutorado da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (1968).

Lecionou, desde 1968, como Professor Catedrático, Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, depois da participação em históricos concursos públicos. Desde 1974, Moreira Alves tem-se dedicado ao ensino de Direito Privado e de Direito Público nos cursos de graduação e de pós-graduação da Universidade de Brasília.

o Advogado Moreira Alves iniciou sua carreira em 1956 e advogou até 1969, inclusive no Banco do Brasil S. A. De junho de 1970 a março de 1971 atuou como Chefe de Gabinete do Ministro da Justiça. Durante os anos de 1969 a 1975 atuou como Coordenador da Comissão de Estudos Legislativos do Ministério da Justiça, Membro da Comissão encarregada de elaborar o Anteprojeto do Código Civil Brasileiro, Presidente da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código de Processo Penal e Presidente da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código das Contravenções Penais.

Em 19 de abril de 1972 foi nomeado, por decreto, Procurador-Geral da República e, em 20 de junho de 1975, tomou posse como Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Ao longo dos anos em que foi Ministro desta Corte, cabe anotar, Moreira Alves chegou a chefiar os três Poderes da República, tendo ainda presidido a Assembléia Nacional Constituinte.

Como já ressaltado, ao lado da judicatura, Moreira Alves conferiu especial dedicação ao magistério. Professor emérito, reconhecido em célebres certames realizados na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, não mediu Moreira Alves esforços para manter-se ativo na academia.

É um Mestre autêntico, que desperta o interesse dos alunos nos estudos e consegue dar atenção a todos aqueles que o procuram. Não são poucos os que se surpreendem, ao se aproximarem, com sua simplicidade e dedicação e com o seu interesse pelos temas da vida cotidiana. Alguns não contêm a estupefação ao verem o Ministro Moreira Alves dissertar sobre os equívocos táticos da seleção brasileira de futebol.

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Professor disciplinado, dedicado e admirado, Moreira Alves presta reverência aos seus alunos ao chamá-los sempre de "senhor" e "senhora". Já se tornou lendária nos corredores da Universidade de Brasília a preocupação de os alunos conseguirem uma cadeira vaga nas suas aulas, sempre cheias de estudantes ávidos a escutar os seus ensinamentos. Anoto ainda os profundos e instigantes debates travados em sala de aula, num quadro de absoluta liberdade acadêmica.

Fui seu aluno no curso de graduação e orientando no curso de mestrado da UnB. Posso dizer que muitas das nossas discussões se alongaram por horas indefinidas após as sessões desta Corte. Às vezes, sentia-me constrangido. Sabia que estava a retardar o seu retorno para casa e para a companhia da Doutora Evany. Esse também é o testemunho de todos os demais colegas que tiveram a honra de merecer a sua orientação.

Como orientador, Moreira Alves não mede esforços para resolver as questões que lhe são apresentadas. Procura convencer ou persuadir, mas não impõe a sua opinião. Ressalta sempre, nas orientações de mestrado, que o trabalho é do aluno, ele há de fazer a opção definitiva e arcar com as suas conseqüências. Mas, nas refregas que, às vezes, se armam no exame oral, Moreira Alves jamais abandona o candidato. Um antigo colega e amigo, falando-me de sua experiência na prova de mestrado, dizia há pouco: "eu não me esqueci da agressividade com que fui tratado pelo Professor X. Mas o que mais me gratificou foi a presença forte e solidária de Moreira Alves na defesa da dissertação".

São mais de 45 anos dedicados ao magistério, exercidos em diversas instituições.

Além de ter contribuído na formação de inúmeros bacharéis e mestres em direito pela Universidade de Brasília, Moreira Alves orientou diretamente pelo menos 17 dissertações no Mestrado. Participou ativamente das bancas de conclusão de cursos, conferindo prestígio inigualável a esses eventos com a sua autoridade acadêmica, com o seu saber e o poder de sua dialética.

Talvez o significado de seu afazer acadêmico possa ser medido também pela presença aqui nesta Corte de três de seus ex-alunos: de Celso, de Joaquim e a minha própria presença.

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Expressiva tem sido a sua contribuição para a literatura jurídica. São treze os livros publicados, além dos dezenove capítulos de livros. Obras como "A retrovenda", "Posse", e "Direito Romano" são referências constantes de consulta e citação dos aplicadores do direito. Não se olvidem ainda os seus mais de 70 artigos publicados em revistas especializadas, inclusive internacionais, e os milhares de votos proferidos nesta Casa.

Como não poderia deixar de ser, Moreira Alves foi vítima da "patrulha ideológica" que muitas vezes marca as relações nos ambientes acadêmicos. Consta que, certa feita, surpreendeu, na Faculdade de Direito de São Paulo, um grupo de professores que, em animada conversa, fazia restrições ao seu perfil supostamente conservador ou de direita. Com a fina ironia de que seu espírito é dotado, Moreira Alves teria feito a seguinte observação: "É, São Paulo é interessante; os bancários são de direita, os banqueiros, de esquerda".

A frase diz muito sobre a pantomima em que, às vezes, se transforma a nossa vida acadêmica. Não são poucos os professores que participam dessa grande encenação. Assumem posições públicas que nada têm a ver com a prática. São os casos notórios de esquizofrenia intelectual que nós tão bem conhecemos.

Também notável é a contribuição de Moreira Alves na elaboração de atos legislativos.

Moreira Alves teve participação destacada na elaboração de diversas leis, como a dos direitos autorais e a da alienação fiduciária em garantia. Nada se compara, porém, ao seu trabalho na elaboração do novo Código Civil. O projeto relativo à Parte Geral é de sua autoria. Foi notável a sua contribuição para a positivação do novo Código Civil.

No âmbito do Ministério Público, Moreira Alves foi Procurador-Geral da República no período de 1972 a 1975. Tempos difíceis aqueles. Relatos de antigos colegas dão conta de que Moreira Alves teve de enfrentar os chamados "vetos" do SNI nos concursos públicos. Moreira Alves jamais se deixou contaminar por essas insinuações do poder. Alguns dos atingidos por aqueles vetos iniciais foram designados para atuar inclusive perante esta Corte.

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Esse tipo de visão republicana não permitiria também que a Procuradoria-Geral fosse utilizada para perseguição aos inimigos do regime. Moreira Alves tinha noção da gravidade histórica de tal prática em pleno regime autoritário e, por isso, recusou-se a colocar a Procuradoria da República a serviço da política do regime ou da política partidária. Sabia ele que o envolvimento do Ministério Público nas causas partidárias era um dos maiores desserviços que se poderia prestar à República e à própria instituição. Não sei quantos dos seus sucessores aproveitaram esses ensinamentos. É algo notável de se constatar, especialmente hoje, quando muitos procuradores atuam notoriamente como longa manus de agremiações partidárias, numa lógica que nada tem a ver com princípios democráticos e republicanos. É, sem dúvida, uma grande lição para os tempos atuais!

É impossível desenvolver qualquer estudo sobre o papel do Supremo Tribunal Federal nesses últimos 30 anos sem se referir à contribuição original e à liderança intelectual de Moreira Alves. O controle de constitucionalidade no Brasil, que passa a ser atividade central desta Corte, especialmente a partir da Constituição de 1988, experimentou uma verdadeira transformação graças, também, às sofisticadas construções por ele formuladas. Moreira Alves percebeu como ninguém que o STF tinha um papel importante na mediação e na decisão dos graves conflitos sociais e políticos desenvolvidos sob o novo sistema. Cabia-lhe, pois, um papel político eminente de moderação e de preservação da normalidade institucional.

Daí as cautelas que recomendava na aplicação do próprio sistema de controle de constitucionalidade.

Todos aqueles que já se debruçaram sobre o tema hão de ter percebido que muitas das decisões importantes para a consolidação do nosso modelo de controle de constitucionalidade foram inspiradas nas posições por ele defendidas.

Já na Representação 1. 016, julgada em 20 de setembro de 1979, o eminente Ministro logrou explicitar as linhas fundamentais do controle abstrato de normas no Direito brasileiro. Nesse e em outros precedentes (e. g. AR 878), sob a liderança de Moreira Alves, começou-se a precisar a característica marcadamente objetiva do processo de controle abstrato de normas.

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Também foi decisiva a participação do Ministro Moreira Alves nos debates que resultaram na consolidação do caráter erga omnes das decisões proferidas pela Corte em controle abstrato de normas, com a conseqüente dispensa de comunicação ao Senado.

No que toca às técnicas de decisão, a contribuição não é menos notável. A participação de Moreira Alves foi marcante, por exemplo, quando o Tribunal admitiu, em 1994, que a lei que concedia prazo em dobro para a Defensoria Pública era de ser considerada constitucional enquanto esses órgãos não estivessem devidamente habilitados ou estruturados1. Em tal precedente, em que também foram decisivas as participações do Relator, o eminente Ministro Sydney Sanches, e do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, apontou Moreira Alves a existência de uma justificativa de natureza temporária para o tratamento desigual em favor da Defensoria Pública, e considerou aplicável ao caso "a construção da Corte Constitucional alemã no sentido de considerar que uma lei, em virtude das circunstâncias de fato, pode vir a ser inconstitucional, não o sendo, porém, enquanto essas circunstâncias de fato não se apresentarem com a intensidade necessária para que se tornem inconstitucionais".

Fica evidente, em tal caso, um passo significativo do Tribunal rumo à flexibilização das técnicas de decisão no juízo de controle de constitucionalidade, introduzindo, ao lado da declaração de inconstitucionalidade, o reconhecimento de um estado imperfeito, insuficiente para justificar a declaração de ilegitimidade da lei.

Relevante, também, a participação de Moreira Alves nos debates acerca do controle direto de constitucionalidade da lei estadual ou municipal. Assim, na Reclamação 383, sob a sua relatoria, em que se suscitou questão relativa à competência de tribunal estadual para conhecer de ação direta de inconstitucionalidade formulada contra lei municipal em face de parâmetro constitucional estadual que, na sua essência, reproduzia disposição constitucional federal, o Supremo restabeleceu a melhor doutrina2 , fixando-se a autonomia dos parâmetros de controle de constitucionalidade

1 HC 70.514 (julgad o em 23-3-1994), DJ de 27-6-1997. 2 Cf, sobre o assunto, MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: Aspectos jurídicos e Políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. P. 300-327.

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estadual e federal. Nesse mesmo precedente, resolveu-se o debate quanto ao cabimento de recurso extraordinário na hipótese de o Tribunal de Justiça, em ação direta de inconstitucionalidade, adotar interpretação de norma estadual de reprodução obrigatória que, por qualquer razão, se revele incompatível com a Constituição Federal.

Nas discussões acerca do controle de constitucionalidade de normas constitucionais derivadas, também é original e significativa a contribuição de Moreira Alves. Assim, já a partir do julgamento do MS 20. 2573, reafirmou esta Corte, pela voz do eminente Ministro Moreira Alves, a admissibilidade de controle de constitucionalidade de emenda constitucional. E mais, em precedentes que se seguiram, fixou o Supremo Tribunal Federal, com base na orientação esposada pelo Ministro Moreira Alves, que, na interpretação das chamadas cláusulas pétreas, deveria o Tribunal desenvolver esforço de compatibilizar a idéia de proteção da identidade da Constituição e um desenvolvimento constitucional legítimo. Além disso, no que toca ao controle de normas originárias, esta Corte, seguindo voto proferido por Moreira Alves, refutou a idéia de que poderia haver existência de hierarquia entre normas constitucionais originárias e, conseqüentemente, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras4 •

Também é notória a participação ativa de Moreira Alves na consolidação e aplicação, nesta Corte, de um dos institutos centrais da teoria contemporânea dos direitos fundamentais, qual seja, o princípio da proporcionalidade.

De fato, a decisão proferida por esta Corte na Representação n° 1.077, de 28-3-19845, sob a relatoria de Moreira Alves, contém um dos mais inequívocos exemplos de utilização do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso entre nós. Discutia-se, na oportunidade, a constitucionalidade de norma estadual que majorava valores de taxa judiciária (Lei n° 383, de 4-12-80, do Estado do Rio de Janeiro, que elevava, significativamente, os valores da taxa judiciária naquela unidade federada).

3 MS 20.257, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 99, p. 1040. 4 ADln 815, Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 10-5-1996, RTJ 163, p. 872. 5 Rp 1.077, Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 28-9-1984.

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Posteriormente, em 1994, em debate relativo a disciplina legal que acabava por restringir a atividade dos pequenos partidos políticos, também foi decisiva a participação de Moreira Alves (ADI 958, Relator Ministro Marco Aurélio, em que se discutia a inconstitucionalidade do art. 5° da Lei n° 8. 713, de 30 de setembro de 1993). Naquele caso, menos do que na idéia de uma liberdade de organização partidária ilimitada e ilimitável, o fundamento central da tese da inconstitucionalidade parece residir exatamente na falta de razoabilidade do critério fixado pelo legislador para restringir a atividade dos pequenos partidos.

A decisão de 1994 consolidou o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade como postulado constitucional autônomo, com sedes materiae na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal (art. 5°, inciso LIV). Firmou-se ali, de maneira inequívoca, a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido).

Ainda no contexto dos direitos fundamentais, há uma outra contribuição de relevo. A aplicação da lei no tempo e o princípio do direito adquirido, por exemplo, um dos temas mais controvertidos do direito hodierno, que assume delicadeza ímpar entre nós, tendo em vista a disposição constante do art. 5°, inciso XXXVI, da Constituição, mereceu exemplar contribuição do Ministro Moreira Alves, seja na fixação de parâmetros seguros para sua aplicação constitucional, seja na própria construção dogmática. São de sua relatoria, sem dúvida, os mais expressivos acórdãos sobre o tema, bem como a fixação da doutrina segura no campo do direito constitucional.

Em síntese, o Brasil deve ao Ministro Moreira Alves grande parte da construção dogmática sobre o controle de constitucionalidade e sobre os direitos fundamentais, elementos essenciais da aplicação da própria idéia do Estado de Direito.

Tal como já anotara em outra oportunidade, não deixa de ser perturbador para muitos o fato de que o desenvolvimento e significativas conquistas relacionados com a jurisdição constitucional e os direitos fundamentais, isto é, com o Estado de Direito

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Democrático no Brasil, estejam indelevelmente associados a um nome que a imprensa cotidiana costuma classificar como prócer maior das idéias conservadoras no Supremo Tribunal Federal. Talvez seja mais uma dessas esquisitices brasileiras, que, paradoxalrTlente, permita que significativos avanços e progressos advenham de inspiração pretensamente conservadora. É possível que, às vezes, os paradigmas tomados não tenham sido adequados . . .

Essas classificações propostas pela imprensa têm as marcas do simplismo ou da simplificação. Faz-se, às vezes, uma distinção entre conservadores e progressistas, sem que se esclareça bem o que significa uma ou outra posição. Na tentativa de maior precisão, esclarece-se que os conservadores mostram-se simpáticos às políticas governamentais. É fácil ver que tal conceito assenta­se numa base teórica quase que primária, suscetível de distorções e manipulações grosseiras e facilmente identificáveis. Ao assentar o referencial nas medidas de governo, ao lado de empobrecer terrivelmente a atividade desenvolvida pelo Tribunal na complexa tessitura sócio-política em que está envolvido, adota-se uma pre­missa que é falsa em toda a extensão, isto é, a de que as políticas de governo são, necessária e inevitavelmente, conservadoras ou atrasadas, ou de que os governos, todos eles, seriam a personi­ficação do atraso, e as oposições, a concretização do progresso.

Em vez de tentar proceder à análise a partir de dados concretos, que transcendem de muito a própria discussão sobre a legitimidade ou não de políticas governamentais, opta-se pela simplificação grotesca. Se o paradigma é distorcido, não se deve surpreender que o resultado da análise também o seja. Assim, dependendo do momento político em que se vive, serão considerados conservadores aqueles que aceitam como legítimas fórmulas anti­corporativas, destruidoras da concentração de renda, e serão considerados progressistas aqueloutros, dispostos a chancelar fórmulas que favoreçam interesses corporativos, debilitem a capacidade de controle do Estado ou favoreçam a elevação dos custos das intervenções estatais.

o exemplo histórico mais evidente do equívoco dessa análise manifestou-se quando da implementação do "new deal"nos Estados Unidos. A maioria da Corte, que impedia a mudança de rumos na economia, estava em clara oposição à nova orientação propugnada pelo Governo Roosevelt e poderia, se exitosa, levar o país ao pleno colapso econômico.

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Não é de se estranhar que os espíritos oportunistas aproveitem-se da falha implícita no critério para adotarem posições calculadamente adequadas. Assumem-se como intimoratos defensores de causas supostamente de interesse público, quando em verdade estão a serviço, muitas vezes, de teses nitidamente corporativas. Defendem interesses privados explícitos sob a veste de defesa intransigente do interesse público. Dão ensejo a graves lesões aos cofres públicos em nome de uma suposta defesa dos interesses da sociedade.

Não é preciso dizer que a erronia do critério estabelecido é responsável, em parte, pela corrupção no mercado de idéias. As pessoas apresentam não os seus pensamentos mas as idéias que essas imaginam adequadas para obter a justa "classificação".

Também aqui se vê como, às vezes, é fácil ludibriar a opinião pública com posturas mistificadoras. Como se sabe que a ação e o seu resultado no contexto não serão analisados, opta-se pela pura encenação. Representa-se no cenário jurídico-político como numa peça teatral.

Vê-se, pois, que esse arquétipo simplista é a porta de passagem não apenas para a falsificação da realidade mas também para a prática do mais nítido estelionato intelectual.

Moreira Alves sempre teve consciência da precariedade desses modelos. Tinha a dimensão histórica do seu afazer. Por isso, jamais prestou atenção a esses rótulos ou tipificações. Seguiu sempre as suas convicções. Sabia ele também que essas classificações não eram relevantes para aferir a complexidade da tarefa do Tribunal. E, assim, fez história!

Para sua legião de alunos, Moreira Alves é muito mais do que o Professor, o intelectual invulgar ou o Magistrado criativo e corajoso. Na verdade, para todos nós, acredito, Moreira Alves é um símbolo de seriedade e competência acadêmica e de extremada honestidade intelectual, e, certamente, a personificação mais vívida da inabalável crença na força do Direito.

Por fim, neste momento de homenagens, aflora a minha emoção de ter convivido com Moreira Alves, ainda que por um período relativamente curto, como Par neste Supremo Tribunal

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Federal. Coincidência do destino: aluno e Professor, tomamos posse no mesmo dia. E é como profundo admirador do homem, do Mestre e do Ministro Moreira Alves que, em nome do Tribunal, eu registro, Doutora Evany, Carlos Eduardo e Sonia, o meu muito obrigado.

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Discurso do Doutor CLÁUDIO LEMOS FONTELES,

Procurador-Geral da República

o Doutor Cláudio Lemos Fonteles (Procurador­Geral da República) - Senhor Ministro Presidente, Senhores Ministros, Senhores Ministros Aposentados, estimadas e estimados Colegas do Ministério Público Federal, Senhores Advogados, Senhoras e Senhores Familiares, Doutora Evany, Sonia e Carlos Eduardo, com quem tive o prazer de trabalhar.

1. O momento é de homenagem, e a homenagem é merecida.

2. Merecida porque, para mim, o Ministro Moreira Alves tem na dedicação à profissão o seu ponto alto.

3. E a dedicação conduziu-o à leitura e ao estudo constantes, ao exame percuciente e à construção sistêmica, com raro rigor lógico na solução da controvérsia jurídica.

4. Nesses anos que venho atuando neste Supremo Tribunal, guardo do Ministro Moreira Alves este julgado.

5. Data de março de 1977, e um homem comum, sem títulos ou posições, por habeas corpus pugnava por não ser bastante a dicção literal do artigo 392, I, do Código de Processo Penal, que faz perfeita a intimação da decisão condenatória quando feita ao réu, pessoalmente.

6. Concedeu-lhe o pleito o Ministro Moreira Alves e disse: "A meu ver, para que fique devidamente garantido o

direito de defesa assegurado constitucionalmente ao réu, não basta que ele tenha sido pessoalmente intimado do teor da sentença -

seja ela final ou apenas de pronúncia -, mas é necessário que se lhe dêem meios efetivos para que, tempestivamente, manifeste se deseja ou não recorrer da decisão que lhe foi desfavorável, e isso porque não é presumir-se que o réu haja de ter conhecimentos de direito. Em geral, essa oportunidade de recorrer tempestivamente se verifica no momento em que seu defensor é intimado da sentença."(HC 54.983)

7. A partir de então, consolidou-se a jurisprudência desta Corte no tema.

8. Aí está: num caso que não atraiu os holofotes e a cobertura barulhenta da mídia, o Ministro Moreira Alves, para todos quantos tivessem, contra si, decisão condenatória, concedeu-lhes a oportunidade de recurso, ultrapassando, acertadamente, a estreiteza do texto processual codificado.

9. Mas nós, pessoas contingentes, temos no tempo a marca da nossa transitoriedade.

10. Não que tudo nos seja fugaz, como conclui o cético, mas porque seres viventes, e enquanto viventes, o tempo se nos abre em possibilidades contínuas.

11. É justamente isso o que nos ensina o Eclesiastes, ou no hebraico Qohélet (Coélet), ou seja, o homem que toma a palavra na assembléia.

12. Leio, então:

"Tudo tem seu tempo há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu tempo de nascer e tempo de morrer tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou tempo de matar e tempo de curar tempo de destruir e tempo de construir tempo de chorar e tempo de rir tempo de lamentar e tempo de dançar tempo de espalhar pedras e tempo de as ajuntar tempo de abraçar e tempo de se afastar dos

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abraços tempo de procurar e tempo de perder tempo de guardar e tempo de jogar fora tempo de rasgar e tempo de costurar tempo de calar e tempo de falar tempo de amor e tempo de ódio tempo de guerra e tempo de paz"

13. E concluiu Qohélet:

"Observei a tarefa que Deus impôs aos humanos, para que nela se ocupassem. As coisas que ele fez são todas boas, a seu tempo. Além disso, entregou o mundo ao coração deles. No entanto, o ser humano jamais chega a conhecer o princípio e o fim da ação que Deus realiza. Compreendi, então, que nada de bom existe senão alegrar-se e fazer o bem durante a vida".

14. Ao Ministro Moreira Alves desejo a alegria de estar com sua esposa, seus filhos e netos, os que lhe são queridos, e permanecer no fazer o bem, não importa o tempo que se esteja a viver.

Paz e Bem!

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Discurso do Doutor FELICÍSSIMO JOSÉ DE SENA, Representante da Ordem dos Advogados do Brasil

o Doutor Fel icíssimo José de Sena ( Representante do Consel ho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil) - Excelentíssimo Senhor Ministro Maurício Corrêa, ilustre Presidente desta Suprema Corte Brasileira; Excelentíssima Senhora Evany Albuquerque Maul Alves, Esposa do ilustre Ministro Homenageado deste evento; Excelentíssimos Senhores demais Ministros componentes desta Suprema Corte; Excelentíssimos Senhores Familiares do Ministro Moreira Alves, Homenageado deste evento; Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, representante desta Colenda Corte nesta homenagem justíssima ao Ministro Moreira Alves; Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Cláudio Fonteles, que representa digna e honrada mente a instituição neste evento e em sua vida profissional; Excelentíssimo Ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União; Senhores Deputados e Senadores Presentes; Ministro José Coelho Ferreira, representando o Superior Tribunal Militar neste evento; Excelentíssimo Senhor Doutor Sérgio Sérvulo da Cunha, representando o Ministro da Justiça, Márcio T homaz Bastos, neste evento; Excelentíssimos Senhores Membros de Cortes Superiores e dos Tribunais de Contas, particularmente do TCU; Excelentíssimo Senhor Amauri José de Aquino Carvalho, Presidente do Instituto dos Advogados do Distrito Federal; demais Magistrados; Membros do Ministério Público da União, dos Estados e do Distrito Federal; Professores Inocêncio Mártires Coelho e Geraldo Brindeiro, ex-Procuradores-Gerais da República; Senhores Advogados - e tantos são aqui presentes, mas destaco, para o meu gáudio pessoal, o ilustre Colega Doutor Roberto Rosas, nome nacional, e meu Colega de Goiás, Paulo Afonso de Sousa, que me prestigia neste importante evento; Senhores Alunos das Universidades em que o Ministro Moreira Alves sempre ministrou sabedoria, informação,

dignidade e cultura; Funcionários desta Suprema Corte; demais Familiares do Ministro Homenageado; meus Familiares; Senhores e Senhoras.

Por honrosa deferência da Direção do Conselho Federal da OAB, e como seu Presidente no Estado de Goiás, cabe­me a oportunidade de saudar, em nome da advocacia brasileira, Sua Excelência o Ministro José Carlos Moreira Alves em homenagem à sua carreira de vinte e oito (28) anos de honrado, digno e competente exercício na Magistratura Maior de nosso País.

O fato, por si só, seria de grande importância, mas tem contornos ainda maiores, pois estamos na homenagem a um homem que simboliza o espírito do trabalho e da dignidade forenses, atributos pessoais de tanto valor e de carência constantes.

Dizer da história do Ministro Moreira Alves melhor ficaria na boca dos que com ele conviveram no seu cotidiano, mas sua vida é pública e, por isso, nós outros, os mais distantes, também podemos fazê-lo sem muita chance de erro, sem invadir sua privacidade, embora essa, sem dúvida, também seja rica em valores pessoais.

Não há dois seres humanos numa só história. Não se é um grande Ministro sem ser um grande Homem. As virtudes e os defeitos se ligam pelos mesmos princípios dos vasos comunicantes, caminham conforme a regra da gravidade. Esse é um preceito natural que nenhuma lei humana revoga e que encerra coerência.

Aqui, não sei se homenageio a figura humana ou o Ministro e jurista Moreira Alves. Estamos no tempo em que os valores intrínsecos da alma têm prevalência. Constatamos que só é bom acadêmico, bom estagiário, bom advogado, bom procurador, bom juiz, aquele que, antes de tudo, incorpora virtudes que só os homens de boa índole e digna formação desenvolvem.

O Direito, por suas vicissitudes, tem o dever de estar na vanguarda das evoluções. Uma de suas regras mais antigas alerta no sentido de que "saibamos o que se deve fazer e não o que se tem feito". Sendo progressivo, a quase perfeição e a verdade buscadas pelo Direito estão sempre no futuro. É preciso caminhar nesse rumo.

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o Direito tem a obrigação de dar resposta a todas as mudanças, sejam elas na engenharia genética, na biodiversidade, na ocupação do espaço sideral, na comunicação eletrônica e nas controvérsias de muros de vizinhanças mal resolvidas. Ele é a ciência do tudo.

o Direito deve buscar respostas para o homem sem casa, sem terra, sem trabalho, sem esperança. Deve provocar a solução para tantos males, conter explicação para tantas dúvidas, esperanças e projetos; até mesmo para utopias e sonhos.

o Direito é uma ciência e só pode ser tratado como tal. É a ciência da vida, da tolerância, da visão de um mundo melhor, com aceitação, sem prepotência.

o Ministro Moreira Alves se dá a esse digno ofício em toda sua vida profissional. Para essa conclusão não precisa ser assíduo nos salões deste Supremo. Basta ler o que o nosso home­nageado escreveu nos tantos e coerentes votos que proferiu e na sua grande produção científica, onde demonstrou a coragem cívica dos que decidem e a consciência do saber sempre em maturação.

Em sua trajetória, o Ministro Moreira Alves não conheceu somente a magistratura, viveu as diversas vidas do Direito. Atravessou outras realidades. Esteve na advocacia, foi Chefe do Ministério Público Federal e atuou no Ministério da Justiça. Ofereceu colaboração produtiva nas nossas codificações legais mais importantes e pratica o magistério jurídico há quarenta e seis (46) anos.

Os tribunais, na grande maioria das vezes, impulsionados por propostas indóceis de advogados ousados, estruturam a regência do futuro. Isso só ocorre pela inteligência dos que estão abertos a ouvir. O Ministro Moreira Alves soube fazê-lo com sabedoria e discernimento.

O Brasil caminha para se firmar como nação madura, responsável por cidadãos de outros povos, doutros credos, exatamente nesta época em que o individualismo não faz moda e não tem rima.

Neste ponto, muitos estão a pensar que falo sem nexo, em arritmia com o evento em que nos encontramos e talvez

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perdido pelo significado da hora. Respondo, entretanto, que, na homenagem a um grande cidadão, é indispensável falar de cidadania.

Em ocasiões como esta, não se pode esquecer o exemplo de vida cidadã, pois os dados cronológicos servem apenas de referência temporal.

Os melhores modelos devem ser seguidos, estão no concerto do todo. Concerto com 'c', dos que regem a própria vida e conseguem dar ritmo à vida alheia, fazendo-o não só pela autoridade dos cargos mas, e principalmente, pela autoridade dos exemplos.

Alguns indicativos, atos e fatos estão ao alcance de todos. O tempo em que se consome a vida é irrelevante ao caráter. Cada um de nós faz o seu. Todos somos modelo, temos opção pelo manequim que quisermos usar. Melhor, sem dúvida, é conseguir que, após o fechar da cortina da exibição, ainda ecoem palmas.

O Ministro Moreira Alves está ouvindo a ovação de seu passado, embora o futuro ainda possa lhe cobrar a manutenção da habitual grandeza.

Antes de, corporativa mente, lembrar o ilustre homenageado, como advogado, posso e devo dizer que Sua Excelência honrou o compromisso da transcendência que a Justiça deve assumir sobre seus jurisdicionados.

Desculpem por me render à indispensabilidade de tratar de assuntos que o Brasil não deve deixar para depois. O amanhã pode ser tarde.

O Ministro Moreira Alves bem o sabe, pois seu exemplo não foi a omissão, e daí não cobrará que me limite a reconhecer suas incontáveis virtudes, porque esta é uma ocasião pública maior do que todas as dimensões pessoais aqui envolvidas.

Como um advogado brasileiro que integra o grande rol das quatrocentas outras mil almas muito preocupadas e meio desesperançadas, mas corajosamente lutadoras pelas mudanças para melhor, não posso inebriar-me com o inusitado desse belo palco. Também não posso, não devo e não farei deste evento os meus 'minutos de notoriedade'.

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A Justiça e a advocacia brasileira já contam com muitas estrelas. É preciso render-se ao útil, é preciso continuar descortinando uma visão melhor, mais coesa e mais sensata. É

preciso reconhecer que nós, os que podemos dispor de espaços como este, somos privilegiados. Temos o que pedir, agradecer e fazer, porque sabemos que a vida não se resolve em contemplações.

É dessa constatação que surge a consciência da indispensabilidade das reformas sociais que o Brasil está discutindo. É preciso que as mudanças que o Judiciário notoriamente merece se façam sem ódios, sem competições corporativas.

Essas transformações dispensam, ou melhor, se envergonharão dos lobbies que atravessam os corredores do Congresso e que depois alcunham de interesseiros os parlamentares que se renderam às conveniências do momento ou às ofertas dos prováveis favores futuros, sejam eles de que origem forem.

Esse é o oportunismo do despreparo, dos que não sabem a dimensão das próprias necessidades, dos que não conhecem a utilidade social dos seus cargos, dos que só vivem deles e não para eles. Daqueles que, quando as cortinas se fecham, não ouvem palmas, pois já receberam seu preço.

É indispensável que o Brasil volte a falar institucionalmente e que as diferenças pessoais não sirvam de obstáculo à solução dos gravíssimos problemas que hoje vivemos.

É preciso que sejamos uma nação independente, sem dúvida, mas é essencial também que não concedamos razões a nossos críticos. Vamos repudiar as intromissões, mas não nos esqueçamos de que o ser humano agredido e humilhado não tem nacionalidade, é só um ser humano, fale a língua que falar, professe o credo que lhe aprouver.

Como advogado que convive com uma realidade judiciária notoriamente menor do que as carências de nosso povo e mais cara do que nossa realidade sócio-econômica suporta, não posso deixar de tratar de assuntos sérios, fazendo-o, todavia, com a cautela dos que querem ser firmes sem deselegância.

Esse entendimento leva-nos à conclusão de que a ofensa e a represália desproporcionais têm a mesma dimensão, são filhas de um só sentimento: o ódio. Conhecida mente burro.

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É necessário que a Reforma do Judiciário Brasileiro se esqueça de nossas questiúnculas domésticas. É imprescindível que descubramos o Brasil que está na fila da Justiça dos carentes, dos miseráveis que precisam implorar para ter acesso a um Judiciário caro, convertido em fonte de renda e não em dever do Estado, particular e contraditoriamente nas comunidades mais pobres, pois, quanto mais o povo estiver distante da Justiça, maior a preservação dos resíduos da estrutura do corroído poder da opressão.

É bom que tenhamos consciência de que as vistosas estatísticas dos Juizados Especiais não podem representar uma Justiça meramente formal, onde só uma das partes tem direito à defesa, como na maioria das vezes ocorre, em que a outra se resolve como Deus é servido, a menos que admitamos uma Justiça unilateral quanto ao direito de uma defesa técnico-científica e sem empirismo.

Por sua vez, é necessário ver que as Cortes de Conciliação, na estrutura atual, significam uma desobrigação do Poder Público quanto à oferta de Justiça, privatizando-a.

Q Estado, entendido este como a nação juridicamente organizada para o bem comum, tem o dever de equilibrar as disputas sociais, oportunizando aos hipossuficientes o direito a uma defesa decente, equiparada na sua qualidade científica. Não vale a simulação!

De há muito, um corporativismo inexplicável vem brincando com as garantias do artigo 133 da Constituição Federal, entendendo-as como privilégios dos advogados e não como direito do povo brasileiro.

Está se restaurando agora, na nossa advocacia, a época do raizista. Está se dando, no pior sentido da doação, uma 'justiça de segunda' a quem não pode comprar passagem de primeira. Q Brasil está ficando um País judicialmente menos feliz, sob uma retórica estatística da igualdade formal. Em tese, todos podem ter Justiça, mas os que nos damos ao direito e ao dever de pensar, sabemos que isso é falso.

Uma Justiça justa é a solução para todos esses males. Q Ministro Moreira Alves serviu a esse padrão do justo e por essa razão construiu uma história de respeito. Soube fazê-Ia. Parabéns.

Muito obrigado.

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Palavras do Senhor Ministro MAURÍCIO CORRÊA Presidente

o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Presidente) ­Os discursos aqui pronunciados constarão nos anais da Corte. Registro e agradeço as presenças da Excelentíssima Senhora Doutora Evany Albuquerque Maul Alves, Esposa do Ministro Moreira Alves, acompanhada de seus Filhos: Desembargador Federal Carlos Eduardo Maul Moreira Alves, Sonia Regina Maul Moreira Alves Mury e de sua Neta Mariana Moreira Alves Mury; dos Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal de hoje e de ontem; das Excelentíssimas Senhoras Esposas e Familiares de Ministros do Supremo Tribunal Federal, que prestigiam esta Solenidade; dos Excelentíssimos Senhores: Doutor Cláudio Fonteles, Procurador­Geral da República; Doutor Felicíssimo José de Sena, Representante do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Ministro Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União; Deputados e Senadores; Ministro José Coelho Ferreira, representando o Superior Tribunal Militar; Doutor Sérgio Sérvulo da Cunha, Representante do Ministério da Justiça; Membros de Cortes Superiores e do Tribunal de Contas da União; Desembargador Federal Carlos Mathias, representando o Tribunal Regional Federal da 1 a Região; Membros de Tribunais presentes; Doutor Amaury José de Aquino Carvalho, Presidente do Instituto dos Advogados do Distrito Federal; Magistrados; Membros do Ministério Público da União, dos Estados e do Distrito Federal; Professores Inocêncio Mártires Coelho e Geraldo Brindeiro, Ex-Procuradores-Gerais da República; Advogados; Alunos da Universidade Paulista de Campinas e de São José do Rio Preto; Servidores desta e de outras Cortes; Familiares e Convidados.

Registro, também, que o Excelentíssimo Senhor Ministro Oscar Dias Corrêa enviou mensagem dirigida à Corte e ao

Ministro Moreira Alves nos seguintes termos: "transmita à Augusta Corte e ao eminente homenageado a expressão de meu mais alto apreço por suas inigualáveis virtudes de Jurista, Juiz, homem público e cidadão que honra o País".

Interrompo a Sessão para o recebimento dos cumprimentos aos familiares do Excelentíssimo Senhor Ministro José Carlos Moreira Alves, solicitando aos presentes que permaneçam em seus lugares até que a Corte se dirija ao local dos cumprimentos.

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