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Ministério Público do Estado de Mato Grosso Promotoria de Justiça de Vera
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA
DE VERA - MT
Inquérito Civil GEAP nº 000167-088/2011
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MATO GROSSO, por seu representante
que esta subscreve, com fundamento nos arts. 37, §4º e §5º e 129, III, da Constituição Federal, no
art. 1º, IV e art. 5º, ambos da Lei Federal nº7.347/1985, no art. 25, IV, “b”, da Lei Federal nº
8625/1993, e no art. 17 da Lei nº 8.429/1992, atendo-se aos elementos de informação que
integram o Inquérito Civil GEAP nº 000167-088/2011 em anexo, vem propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA C.C.
PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL
em face de André Luiz Prieto, casado, nascido aos 26/01/1974, filho de Mariza
Gonçalves Prieto, portador do CPF nº 662.568.871-15, com endereço profissional à Rua 06, quadra
11, Setor A, Centro Político Administrativo, nos termos do art. 12, inciso I, do Código de Processo
Civil, pelos substratos fáticos e jurídicos a seguir expostos:
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Ministério Público do Estado de Mato Grosso Promotoria de Justiça de Vera
I - DOS FATOS
A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso foi instalada em 24 de fevereiro
de 1999 com a atribuição de prestar serviço de assistência jurídica gratuita ao cidadão, em
consonância com o disposto no art. 5º, LXXIV, e 134 da CF.
Consequentemente, tal instituição experimentou, nos últimos doze anos, um
acréscimo em quadro e em estrutura, com o objetivo de atender todas as comarcas do Estado de
Mato Grosso, remunerando com dignidade seus profissionais.
Para tanto, convém atentar para os últimos cinco anos, em que a instituição
apresentou um crescimento financeiro e funcional sem precedentes.
Primeiramente, observa-se que a Lei estadual nº 8.581/2006, de 13/11/2006, de
autoria da própria instituição, em que se prevê o pagamento de verbas indenizatórias que
compreendem a faixa de R$2.000,00 a R$6.000,00.
Em seguida, sobreveio a Lei estadual nº 8.937/2008, de 18/07/2008, também de
autoria da Defensoria Pública, em que se previu a revisão geral anual de subsídios, a cada mês de
maio; a considerar o teto remuneratório de 90,25% do subsídio mensal, fixado para os Ministros
do STF.
Objetivando auxiliar os Defensores Públicos no exercício de suas atribuições, foi
editada a Lei estadual nº 9.284/2009, de 22/12/2009, de iniciativa da própria instituição, na qual
foram criados 80 (oitenta) cargos de provimento em comissão, a serem acrescidos a um quadro
que já contava com 109 (cento e nove) cargos de provimento efetivo e 44 (quarenta e quatro) de
provimento em comissão; estes com previsão na Lei nº 8.831/2008.
Em meio a um processo de qualificação remuneratória, e estruturação funcional,
pelo qual atravessava a Defensoria Pública, ainda em 19/08/2010, foram empossados 25 (vinte e
cinco) candidatos aprovados no último concurso realizado pela referida instituição, a qual agora
passaria a contar com 142 membros efetivos.
Em suma, para fazer frente a tamanha despesa, a Defensoria Pública partiu de
um orçamento de R$11.800.000,00 em 2006, para R$56.539.939,00, em 2011.
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Não é por outra razão, que foi designada Defensora Pública para atuar na
Comarca de Vera em 19/06/2009 (fl.88), e posteriormente em Feliz Natal, na data de 16/09/2010
(fl. 137), com a instalação de unidades da instituição em tais municípios, com o auxílio das
respectivas Prefeituras (fl. 48/56 e 133/134).
Logo, se registrou um imenso passivo em tais comarcas, no que pertine as ações
em que uma das partes contava com o patrocínio da Defensoria Pública: 300 Processos em Vera
(fl. 57) e 84 Processos em Feliz Natal em (fls.42).
Porém, na data de 16/02/2011 foi abruptamente redesignada a Defensora
Pública que atuava em Vera – o qual respondia cumulativamente por Feliz Natal – para a comarca
de Sinop, conforme noticia a Portaria nº 23/2011/DPG (fl. 62).
Sendo assim, o serviço público de assistência jurídica foi imediatamente
interrompido, prejudicando o planejamento forense adotado pelo Juízo, no que pertine a
organização da pauta de audiências e atividades correlatadas. No que resultou na nomeação de
advogados dativo, às expensas do Estado de Mato Grosso, conforme se observa das cópias das
atas de audiências realizadas nas Comarcas de Vera e Feliz Natal, em que se verificou tal
expediente, encartadas às fls.28/44, 72/73, 83/85, 122/124 e 135/136.
Também se observa o completo desamparo da população, que antes patrocinada
pela Defensoria Pública, agora não tinha mais quem defendesse seus interesses em Juízo. A esse
respeito, há inúmeros exemplos constantes das declarações de fls. 23/26, 74, 78, 80/81, 82, 112,
116/117, 119 e 127.
Há que se atentar para os termos de convênio firmados com as Prefeituras de
Vera e Feliz Natal, que logo se viram interrompidos, a despeito das despesas empreendidas para
instalar as unidades da Defensoria.
Portanto, foi interrompido o planejamento orçamentário e financeiro da
Defensoria Pública, com a quebra da continuidade do serviço de assistência jurídica gratuita,
prejudicando a população que era assistida por profissional vinculado aos quadros da referida
instituição.
Com a finalidade de minorar as consequências advindas do ilícito em apreço, no
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bojo dos Inquéritos Civis instaurados com base na Portaria Conjunta nº 01/2011 (fls. 02/04 e
91/93), foi expedida a Notificação Recomendatória Conjunta nº 001/2011/MPE/MT (fls. 05/08 e
94/97).
Em resposta a referida notificação, o réu expediu o Ofício nº 230/2011/DPG/DP-
MT (fls. 10/14 e 94/97), tendo, em seguida, designado a Defensora Pública, mediante a Portaria nº
43/2011/DPG (fl.87), datada de 15/03/2011, agora lotada em Sinop-MT, para promover
atendimentos apenas na Comarca de Vera durante dois dias da semana, desassistindo os
hipossuficientes de Feliz Natal.
II - DO DIREITO
A análise do objeto da presente demanda recomenda a adoção de tópicos
diversos.
I.1 Das Questões Preliminares à Apreciação do Mérito
O que se pleiteia com o ajuizamento da presente demanda é a declaração de
nulidade de ato de improbidade que compreendeu a designação de Defensor Público que atuava
na Comarca de Vera, e a título de cumulação de atribuições, na Comarca de Feliz Natal;
consequentemente, responsabilizando o réu nos termos do art. 12, II e III, da Lei nº 8.429/1992.
Antes de proceder a uma análise dos fundamentos que amparam os pedidos
formulado na presente demanda, convém discorrer a respeito de algumas questões de índole
processual.
II.1.1 – Da Legitimidade Ativa do Ministério Público
A respeito da matéria em apreço, convém destacar que compete ao Ministério
Público a atribuição de garante da ordem jurídica vigente no país, conforme preceitua o art. 127
da CF:
“No essencial sua função primordial permanece sendo velar e fazer velar pela
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observância da lei. Assim é mesmo quando a Constituição lhe incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Tudo isso se resume na sua finalidade de prover sobre a exata observância do direito objetivo.” - José Afonso da Silva – Comentário Contextual à Constituição, 6ª ed. São Paulo, Malheiros, 2009, p. 595.
Assim, como fiscal da lei, compete ao Parquet impugnar qualquer ato que se veja
em desconformidade com o ordenamento jurídico vigente, sobretudo quando apresenta algum
vício insanável quanto aos pressupostos de existência e validade, em meio a desconformidade
com preceitos morais que norteiam a atividade administrativa. A esse respeito, convém atentar
para os art. 168 do CC, art. 25, IV, “b)”, da Lei nº 8.625/1993 e art. 17 da Lei nº 8.429/1992.
Trata-se de uma função intrinsecamente relacionada com as atribuições do
Parquet, uma vez que consiste em questão de ordem pública o reconhecimento da nulidade de
ato administrativo, e a responsabilização do agente pela quebra de preceito moral da
administração.
“b) os atos nulos, em juízo, podem ser fulminados sob provocação do Ministério Público quando lhe caiba intervir no feito, ou ex officio, ao passo que os anuláveis dependem desta arguição pelos interessados para serem fulmináveis” - Celso Antônio Bandeira de Mello - Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 452.
“De tal missão constitucional, admiravelmente sintetizada no art. 127 da Constituição Política, já seria possível extrair – independentemente de qualquer previsão específica, tal como ao final se positivou no art. 129, III – a legitimação do Parquet para a defesa do patrimônio público, pilar da ordem jurídica democrática e interesse social de inegável envergadura.” - Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 5º ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p. 802.
Sempre que houver uma situação em que o interesse público secundário,
instrumentalizado no ato praticado pelo agente público, afronta o interesse público primário,
corporificado na lei, compete ao Ministério Público adotar a medida legal apropriada para
reconhecer sua nulidade, responsabilizando o agente ímprobo.
II.1.2 – Da Cumulação de Pedidos
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Considerando que o Parquet apresenta atribuição para pleitear em juízo a
desconstituição do ato administrativo ilícito, bem como para postular a condenação de agente
público responsável pela respectiva improbidade, com mais razão poderá cumular tais pedidos.
Nesse sentido, convém destacar que a Ação Civil amparada no interesse coletivo
lato sensu, admite qualquer espécie de pedido, conforme preceitua o seguinte dispositivo do
Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código, são admissíveis toda as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.”
Por outro lado, há a previsão constante do art.292 do CPC, que a título de
cláusula geral de natureza processual, regulamenta o cúmulo de demandas no ordenamento
jurídico brasileiro:
“Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação:
I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.”
Já no que pertine ao rito especial da Lei de Improbidade, tem-se que ao conjugar
os arts. 1º e 19 da Lei nº 7.347/1985, o art. 17, §3º, da Lei nº 8.429/1992 e o art. 7º da Lei nº
4.717/1965, conclui-se que as regras atinentes ao procedimento ordinário, tal como regido pelo
Código de Processo Civil, também serão observadas em caráter subsidiário, em caso de lacuna
evidenciada no rito especial previsto no Lei nº 8.429/1992:
“Por fim, serão também aplicáveis ao campo da improbidade, no que for compatível, as regras previstas no CPC (art. 19 da Lei nº 7.347/85), no CDC (art. 21, idem) e no CPP, este último especialmente quanto ao inquérito civil.“ - Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 5ª ed. Rio de Janeiro, Lumem Juris 2010, p. 783.
Eis que admissível a cumulação de pedidos na ação em que se pleiteia a
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responsabilização de agente público por incorrer em ilícito moral administrativo:
“Tem-se, desta forma, a possibilidade de cumulação de pedidos em sede de ação civil de improbidade, sempre que tal solução se apresentar como a mais adequada ou necessária à tutela do patrimônio público. Ordinariamente, se terá o cúmulo de pretensões condenatórias (condenação ao ressarcimento do possível dano e aplicação das sanções previstas no art. 12) e constitutivas (principalmente constitutiva negativas ou desconstitutivas). Imagine-se uma contratação decorrente de procedimento licitatório viciado, presente o dano ao patrimônio público. Ou mesmo a irregular cessão gratuita de bem público. Em hipóteses tais, ocorrerá o que a doutrina denomina de cumulação sucessiva de pedidos, 'em que o acolhimento de um pedido dependo do acolhimento do outro.” - Op. Cit. p. 881.
Portanto, uma vez considerada a incompatibilidade de ato com a lei e,
consequentemente, sua desconformidade com preceito moral de ordem pública, é plenamente
admissível, na mesma demanda, solicitar o reconhecimento de sua nulidade, acompanhada da
condenação de seu autor por incorrer numa improbidade administrativa.
II.1.3 – Do Foro Competente
No que pertine ao Juízo competente para apreciar a presente demanda, convém
tecer algumas considerações processuais a respeito de seu regime jurídico processual.
Atendo-se ao objeto da ação, contata-se que este compreende pedido de
declaração da nulidade de ato praticado pelo Defensor Público Geral do Estado de Mato Grosso, a
qual também configurou um ilícito moral administrativo.
Inicialmente, convém atentar para o fato de que qualquer demanda promovida
pelo Parquet na seara civil, pode ser considerada como Ação Civil Pública:
“A rigor, sob o aspecto doutrinário, ação civil pública é a ação de objeto não penal proposta pelo Ministério Público.
(…)
Como denominaremos, pois, uma ação que verse a defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos? Se ela estiver sendo movida pelo Ministério Público, o mais correto, sob o enfoque puramente doutrinário, ser chamá-la de ação civil pública.” - Hugo Nigro Mazzilli – A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 17ª ed. São Paulo, Saraiva, 2004, pp. 69/70.
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Como se salientou alhures, a lei corporifica o interesse público primário, e como
tal deve ser resguardada, inclusive quando se evidencia sua desconformidade com ato praticado
por agente público sob o suposto influxo do interesse público secundário.
O Parquet, ao prezar pela observância de preceito imperativo constante de
dispositivo legal, atua em conformidade com o interesse público indisponível:
“Em caso de eventual conflito entre o interesse público primário e o secundário, será pelo primeiro deles que deverá zelar o Ministério Público, só defendendo este último quando efetivamente coincida com o primeiro.
Num sentido mais amplo, portanto, até o interesse individual, se indisponível, será interesse público, e seu zelo caberá ao Ministério Público. Da mesma forma, a defesa de interesses transindividuais de suficiente abrangência ou expressão social coincidirá com o zelo do interesse público empreendido pela instituição.” - - Hugo Nigro Mazzilli – A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 17ª ed. São Paulo, Saraiva, 2004, pp. 69/70.
Saliente-se que a interrupção do serviço público, acarretada por ato em que se
operou a designação de Defensor Público lotado na Comarca de Vera, e com atribuição na
Comarca de Feliz Natal, gerou um dano efetivo à coletividade, assim caracterizada pelos
hipossuficientes beneficiários do serviço de assistência jurídica gratuita, e um dano potencial ao
erário, com a contratação de advogados ad hoc, para fazer frente à demanda social; afora sua
desconformidade com princípios que regem a atividade administrativa.
Eis, a toda evidência, configurado um interesse coletivo a ser tutelado pela ação
de declaração de nulidade.
Não é por outra razão, que a Lei nº 8.625/1993, previu expressamente que a
ação civil pública, inserida no microssistema processual de tutela dos interesses transindividuais,
será o instrumento jurídico por excelência para pleitear declaração de nulidade de ato lesivo ao
patrimônio público1, em meio ao reconhecimento de sua desconformidade com preceitos morais
cogentes:
1 “Patrimônio público, por sua vez, é o conjunto de bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, histórica, ambiental e turística pertencentes ao Poder Público, conceito este extraído do art. 1º da Lei nº 4.717/1965 e da dogmática contemporânea, que identifica a existência de um patrimônio moral do Poder Público, concepção esta que será melhor analisada no capítulo relativo à reparabilidade do dano moral.” - - Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 5ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p. 322.
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“Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
(...)
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
(...)
b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;”
Por outro lado, em meio a uma interpretação conjugada dos arts. 1º e 19 da Lei
nº 7.347/1985, art. 17, §3º, da Lei nº 8.429/1992 e art. 7º da Lei nº 4.717/1965, conclui-se que a
lei de improbidade se vincula ao microssistema de tutela dos interesses transindividuais:
“Como visto, é cabível o manejo da ação civil pública no campo da improbidade, incidindo as regras processuais previstas na Lei nº 7.347/85 por ser a tutela do patrimônio público um interesse difuso, constatação que serve de polo metodológico à solução de intricadas questões processuais no campo de que ora nos ocupamos. Sem prejuízo, evidentemente, da aplicação das regras processuais contidas na própria Lei nº 8.429/1992 que, a nosso juízo, em momento algum se põem em choque com a normativa contida na Lei da Ação Civil Pública.
Mais ainda, considerando-se o regime integrado de mútua complementariedade a que alude o jurista acima referido, e, também que no sistema brasileiro a ação popular igualmente se volta – e sempre se voltou – à tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa (art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal), tudo recomenda a aplicação supletiva das regras processuais contidas na Lei nº 4.717/65, conclusão que se vê reforçada pelo próprio art. 17, §3º, da Lei de Improbidade, com a redação dada pela Lei nº 9.366/96.
(…)
Tais peculiaridades foram, recentemente, lapidarmente reconhecidas pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a qual, por ocasião do julgamento do Resp nº 401.964/RO, deixou assentada a existência, a partir do próprio texto constitucional, de um 'microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública', reconhecendo, assim, um 'autêntico concurso de ações entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais'.
Por fim, serão também aplicáveis ao campo da improbidade, no que for compatível, as regras previstas no CPC (art. 19 da Lei nº 7.347/85), no CDC (art. 21, idem) e no CPP, este último especialmente quanto ao inquérito civil.“ - Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 5ª ed. Rio
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de Janeiro, Lumem Juris 2010, pp. 781/783.
Sendo assim, convém observar a regra de competência constante do art. 2º da
Lei nº 7.347/1985:
“Art. 2.º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foto do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.”
Conclui-se que a ação na qual se pleiteia a declaração de nulidade de ato
administrativo e a respectiva condenação de seu autor, por também incorrer numa improbidade,
deve ser promovida no local em que se verificou o dano, a independer do foro em que tenha sido
praticado o ato.
Há que atentar para a regra insculpida no art. 93, I, do CDC, uma vez que o
prejuízo causado à coletividade compreender as comarcas contíguas de Vera e Feliz Natal:
“Se os danos, ainda que não cheguem a ter caráter estadual ou nacional, mesmo assim se estenderem a mais de um foro, o inquérito civil deverá ser instaurado e a ação civil pública deverá ser proposta seguindo os critérios da prevenção; se os danos estenderem ao território estadual, ou nacional, o inquérito civil deverá ser instaurado e a ação civil pública proposta, alternativamente, na respectiva Capital ou no Distrito Federal.” - Hugo Nigro Mazzilli, A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 17ª ed. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 345.
Portanto, a considerar que o serviço de assistência jurídica em Feliz Natal era
prestado a título de cumulação de atribuições pela Defensora Pública inicialmente lotada em Vera,
resta afigurada a competência do Juízo desta Comarca para apreciar a presente demanda, ainda
que o ato impugnado tenha sido praticado no Município de Cuiabá, sede das atividades funcionais
do réu.
II.1.4 – Da Instância Competente
Atualmente vislumbra-se uma certa controvérsia a respeito da propositura de
ação de improbidade em primeiro grau de jurisdição, compreendendo agente político com foro
por prerrogativa de função.
Em que pese entendimento em sentido diverso, vale destacar que a Constituição
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Federal, no que pertine a competência do juízo monocrático, não excepciona tal hipótese em seu
art. 37, §4º, ao passo que os arts. 102 e 105 da Lei Maior não preveem tal prerrogativa.
Por outro lado, as sanções compreendidas na Lei nº 8.429/1992 apresentam
natureza civil-administrativa e portanto não se confundem com o foro por prerrogativa de função
atinente à prática de ilícitos criminais; tradicionalmente prevista na Constituição Federal, nas
Constituições Estaduais e respectivas Leis Orgânicas.
Nesse sentido, com muita propriedade, o Superior Tribunal de Justiça, no
acórdão a seguir destacado, sintetizou o entendimento jurisprudencial predominante a respeito
da matéria:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – EX-PREFEITO – APLICAÇÃO DA LEI 8.429/1992 – COMPATIBILIDADE COM O DECRETO-LEI 201/1967 – NOTIFICAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA – ART. 17, § 7º, DA LEI 8.429/1992 – PRESCINDIBILIDADE – NULIDADE DA CITAÇÃO – INOCORRÊNCIA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO-CONFIGURADO – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – NÃO-CONFIGURADA – VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 284/STF.1. Trata-se, originariamente, de ação civil pública ajuizada contra Carlos Roberto Aguiar, ex-Prefeito de Reriutaba/CE, por não ter o mesmo emitido, no prazo de 60 dias, a prestação de contas final da aplicação dos recursos repassados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, no valor de R$ 66.645,00, o qual se destinava à construção de um centro para instalação de unidades produtivas de beneficiamento de palha, confecção de bordado e corte e costura.2. Não há qualquer antinomia entre o Decreto-Lei 201/1967 e a Lei 8.429/1992, pois a primeira impõe ao prefeito e vereadores um julgamento político, enquanto a segunda submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato.3. O julgamento das autoridades – que não detêm o foro constitucional por prerrogativa de função para julgamento de crimes de responsabilidade –, por atos de improbidade administrativa, continuará a ser feito pelo juízo monocrático da justiça cível comum de 1ª instância. 4. A falta da notificação prevista no art. 17, § 7º, da Lei 8.429/1992 nãoinvalida os atos processuais ulteriores, salvo quando ocorrer efetivo prejuízo. Precedentes do STJ.5. Está preclusa a discussão sobre alegada falsidade na assinatura de ciência do mandado citatório do réu, em razão do decurso de prazo, sem recurso, da decisão em incidente de falsificação.
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6. É competente a Justiça Federal para apreciar ação civil pública por improbidade administrativa, que envolva a apuração de lesão a recursos públicos federais. Precedentes.7. Não ocorre cerceamento de defesa por julgamento antecipado da lide, quando o julgador ordinário considera suficiente a instrução do processo.8. É incabível, em recurso especial, a análise de violação de dispositivo constitucional.9. Inviável a apreciação do recurso por ofensa aos arts. 165 e 458 do CPC (fundamentação deficiente), em razão de alegações genéricas. Incidência, por analogia, da Súmula 284/STF.10. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.” (grifei) - STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 1.034.511 - CE (2008/0040285-0) - RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON – j. 01/09/2009 – dj. 22.09.2009.
Portanto, ainda que o Defensor Público Geral do Estado de Mato Grosso conste
do polo passivo da presente demanda, tem-se que seu processamento se dará em primeiro grau
de jurisdição.
II.1.4 – Da Adequação da Vida Processual
A Lei nº 8.429/92 mencionada expressamente em seu artigo 2º, os sujeitos
ativos dos atos de improbidade administrativa, in verbis:
Art. 2o Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Da leitura do dispositivo legal supramencionado depreende-se grande amplitude
conceitual à expressão agente público.
Quanto a origem do vínculo com a Administração Pública, o preceito abrange
todas as situações possíveis, tais como eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer
outra forma de investidura. Já quanto à natureza da relação mantida com os entes elencados no
art. 1, sua vinculação se dará através de mandato, cargo, emprego ou função.
Em suma, o termo “agente público” compreende todo sujeito que mantém
qualquer espécie de vínculo com a administração, seja sob um viés funcional ou meramente
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patrimonial:
“Trata-se de conceito amplo, que abrange os membros de todos os Poderes e instituições autônomas, qualquer que seja a atividade desempenhada, bem como os particulares que atuem em entidades que recebam verbas públicas, podendo ser subdividido nas seguintes categorias: agentes políticos, agentes particulares colaboradores, servidores públicos e agentes meramente particulares:
Agentes políticos são aqueles que, no âmbito do respectivo Poder, desempenham as funções políticas de direção previstas na Constituição, normalmente de forma transitória, sendo a investidura realizada por meio de eleição (no Executivo, Presidente, Governadores, Prefeitos e, no Legislativo, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Deputados Distritais e Vereadores) ou nomeação (Ministros e Secretários Estaduais e Municipais)” - Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 5ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2011, p. 262.
Logo, se Prefeitos e ex-Prefeitos, incorrem em condutas que se amoldam àquelas
conceituadas como atos de improbidade administrativa, estarão sujeitos as sanções previstas na
Lei 8.429/92.
Há que se mencionar que no C. Supremo Tribunal Federal, com o julgamento da
Reclamação nº. 2.138, obstou-se a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes
políticos que por expressa previsão Constitucional, apenas podem ser responsabilizados por crime
de responsabilidade (processo persecutório próprio, de competência restrita).
Ou seja, tais agentes públicos, no entendimento do C. STF submetem-se a um
regime de responsabilização político-administrativa exclusivo.
Obviamente, a decisão final prolatada no referido processo criou um precedente
vergonhoso, uma vez que favoreceu inúmeros agentes políticos que respondem pela prática de
improbidade administrativa; até mesmo, aqueles que já foram condenados.
A esse respeito convém destacar o voto do insigne Ministro Carlos Velloso, no
qual consignou que "abolir a ação de improbidade relativamente aos agentes políticos" será como
"um estímulo à corrupção". Ainda ressaltou: "Precisamos nos esforçar, cada vez mais, para
eliminar a corrupção na administração pública. Ora, o meio que me parece mais eficiente é
justamente o de dar a máxima eficácia à Lei de Improbidade".
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Contudo, em que pese a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal
não se ajustar a uma exegese mai acurada da Lei 8.429/92 e do art. 37, §4º, da CF, tem-se que a
decisão prolatada na Reclamação nº 2.138 não compreendeu agentes políticos que apresentem
foro privilegiado na Constituição Estadual.
II.2 – Do Mérito
Constata-se que no ato administrativo praticado pelo requerido, mediante o qual
se designou Defensor Público que atuava nas comarcas de Vera e Feliz Natal, interrompendo a
prestação de serviço público de assistência jurídica à população, e acarretando prejuízo ao Estado
de Mato Grosso, com a nomeação de advogados ad hoc, é nulo.
Também se observa que o réu, com a prática do referido ato, incorreu em
diversos ilícitos administrativos, a justificar sua pronta responsabilização;
I.2.1 Da Nulidade do Ato
Inicialmente, observa-se que a abrupta designação de Defensor Público
empreendida pelo réu se deu à revelia da lei.
Nesse sentido, cumpre atentar para o entendimento de Celso Antônio Bandeira
de Mello a respeito da questão em apreço:
“São Nulos:a) os atos que a lei assim os declare;b) os atos em que é racionalmente impossível a convalidação, pois, se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a validade anterior.” - Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 463.
Orientação que encontra respaldo na obra de Hely Lopes Meirelles:
“... A nulidade pode ser explícita ou virtual. É explícita quando a lei a comina expressamente, indicando os vícios que lhe dão origem; é virtual quando a invalidade decorre da infringência de princípios específicos do Direito Público, reconhecido por interpretação das nomar concernentes ao ato. (…) A nulidade, todavia, deve ser reconhecida e proclamada pela Administração ou pelo Poder
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Judiciário (cap. XI, itens III e V)...” - Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed. São Paulo, Malheiros, 2002, p. 169.
Em suma, a abrupta designação de Defensor Público pelo réu consiste num ato
perfeito, inválido e eficaz:
“... quanto concluído seu ciclo de formação e apesar de não se achar conformado ás exigências normativas, encontra-se produzindo os efeitos que lhe seriam inerentes.” - Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 378.
E, saliente-se, que tal ato se viu ratificado com a Portaria nº 43/2011-DPG (fl.63),
na qual se designou a Defensora Pública lotada na Comarca de Sinop-MT, para prestar
atendimento durante dois dias da semana.
“PORTARIA N.º 43/2011/DPGO DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO, no uso de suas atribuições institucionais, conferidas pela Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (Lei Complementar Estadual n.º 146, de 29 de dezembro de 2003), a quem compete dirigir a instituição; superintender, coordenar e orientar as atividades dos seus membros, promovendo atos da gestão administrativa, financeira e de pessoal, bem como planejar e executar a política de assistência jurídica e judiciária em todo o Estado, em conformidade com seu artigo 11, I, III, IV e IX,RESOLVE:Art. 1º - Designar a Defensora Pública, Dra. Lidiany Thabda de Oliveira Marques, para atuar duas vezes por semana, sem prejuízo de suas atribuições, perante o Núcleo da Defensoria Pública de Vera.Art. 2º - A presente Portaria entra em vigor a partir da data de publicação.Cuiabá, 15 de Março de 2011.(ORIGINAL ASSINADO)ANDRÉ LUIZ PRIETODefensor Público-Geral”
Para tanto, convém proceder a uma análise pormenorizada dos pressupostos de
existência e validade do ato administrativo em apreço (Portaria nº 23/2011/DPG), no que pertine
à nomeação de Defensor Público antes lotado com exclusividade nas Comarcas de Vera e de Feliz
Natal, de modo a declarar sua nulidade, ensejando a sua pronta invalidação, bem como do ato
consequente (Portaria nº 43/2011/DPG), também contaminado por sua desconformidade com a
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lei.
II.2.1.1 – Do Objeto Ilícito
Na acepção de Celson Antônio Bandeira de Mello, o objeto consiste num
pressuposto de existência do ato administrativo, e nesse sentido:
“... é aquilo sobre o que o ato dispõe. Não pode haver ato sem que exista algo a que ele esteja reportado. É certo que, se o conteúdo do ato fala sobre algo, é porque este algo constitui-se em realidade que com ele não se confunde e, de outro lado, que o objeto não é um elemento do ato, pois não o integra. Dantes o considerávamos absorvido no conteúdo, ao invés de erigi-lo em aspecto de relevância autônoma, por entende que tal opção sistematizadora era mera questão didática, resolúvel indiferentemente de um ou de outro.”- Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 383.
Porém, para analisar o objeto do ato administrativo que resultou na abrupta
designação de Defensor Público, de autoria do réu, convém verificar a sua natureza.
Sendo assim, a Lei Complementar Estadual nº 146/2003 procurou conceber uma
estrutura de distribuição dos cargos de Defensores Públicos dentro de um critério que atendesse a
finalidade precípua à instituição, qual seja, a prestação de serviço público de assistência jurídica
de qualidade, em meio a estabilidade de movimentação na carreira, mediante promoção e
remoção.
Não é por outra razão que a designação de Defensores Públicos, à revelia da
estabilidade do provimento horizontal ou vertical dos cargos constantes do quadro funcional, em
iminente afronta à garantia constitucional da inamovibilidade (art. 134, §1º, da CF), no exercício
da discricionariedade do chefe da instituição, é apregoada como precária:
“Art. 44 Entende-se por lotação a específica distribuição dos membros da Defensoria Pública em seus órgãos de atuação.§ 1º O membro da Defensoria Pública terá lotação em órgão de atuação da instituição, ao qual se vincula pela garantia da inamovibilidade, excetuando-se a situação do ocupante do cargo inicial da carreira em estágio probatório, e as demais previstas nesta lei complementar.§ 2º Nos órgãos de atuação, os membros da Defensoria Pública regularmente lotados, ou expressamente designados, exercerão as funções como titular.
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§ 3º A designação terá sempre caráter eventual e se resultar em afastamento de seu titular, com prejuízo das funções, dependerá da anuência deste.” - Lei Complementar nº 146/2003.
Primeiramente, observa-se que o ato administrativo praticado pelo réu,
concernente na designação de Defensor Público militante nas Comarcas de Vera e Feliz Natal, se
viu reproduzido em outras Comarcas do Estado de Mato Grosso, conforme mencionado no Ofício
nº 230/2011/DPG/DP-MT (fls. 10/14 e fls. 99/102), afrontando o caráter eventual de tal medida,
convolando-se numa prática rotineira da atividade administrativa empreendida pelo réu, quando
da chefia da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso.
Contudo, o desrespeito a preceito legal imperativo, subjacente ao ato de
designação, uma vez que lhe dita sua natureza, não consistiu na única ilicitude a ser considerada
no presente tópico.
Há que se atentar para preceito constante da Lei nº 8.831/2008, no qual se prevê
um gatilho para a promoção de Defensores Públicos, em virtude da exigência de prévia nomeação
de Defensor Substituto:
“Art. 7º Fica instituído a partir desta lei que o aumento do numero de Defensores Públicos na Entrância Especial será distribuído proporcionalmente à população nas comarcas tendo por base os dados fornecidos pelo IBGE, somente podendo ter promoção de Defensor Público de uma Entrância para outra após ser nomeado substituto.” - (grifei)
Ou seja, tal preceito legal poderia ser plenamente aplicado à situações análogas,
que também envolvam movimentação no quadro (remoção/designação), ainda que provisória,
pois observa o princípio da continuidade do serviço público.
Em outras palavras, não se poderia promover, remover e designar qualquer
membro da carreira sem que houvesse disponibilidade de quadro para garantir a prestação de
serviço público nas unidades da Defensoria Pública desguarnecidas.
Sendo assim, a ilicitude do objeto do ato designação, resta configurada na
afronta a sua provisoriedade, quando senão, precariedade, em meio a ausência de quadro para
subsidiá-la. De certa forma, ainda que o conceito seja impreciso, tem-se que restou atendido o
preceito constante do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 4.717/1965:
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“c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação da lei, regulamento ou outro ato normativo”.
II.2.1.2 – Do Móvel do Agente Amparado em Fato Inexistente
Atendo-se ao fato de que o ato de designação é discricionário, convém analisá-lo
sob o influxo da conveniência e oportunidade do agente competente para praticá-lo, ou seja, sob
o prisma da chefia da Defensoria Pública.
De fato, a doutrina administrativista tradicional sustenta a impossibilidade de
impugnar o ato discricionário com fundamento no móvel do agente, entendido como:
“A vontade – e, portanto, o móvel do agente – só é relevante nos atos administrativos praticados no exercício de competência discricionária; isto é, naqueles atos cuja prática exige do administrador, por força da maneira como a lei regulou tal matéria, que sopese as circunstâncias concretas do caso, de tal modo que seja inevitável uma apreciação subjetiva sua quanto à melhor maneira de proceder para dar correto atendimento à finalidade legal.” - Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, pp. 387/388.
Nesse ponto, cumpre destacar que tal orientação tem sido superada, uma vez
que o controle substancial da discricionariedade administrativa, em sede judicial, é plenamente
suportado pelo sistema processual vigente no país:
“A lei, então, vaza sempre, nas palavras de que se vale, o intento inequívoco de demarcar situações propiciatórias de certos comportamentos e identificar objetivos a serem implementados. É esta, aliás, sua razão de existir. Salvo disparatando, não há fugir, pois, à conclusão de que ao Judiciário assiste não só o direito mas o indeclinável dever de se debruçar sobre o ato administrativo, praticado sob título de exercício discricionário, a fim de verificar se se manteve ou não fiel aos desiderata da lei; se guardou afinamento com a significação possível dos conceitos expressados à guisa de pressuposto ou de finalidade da norma ou se lhes atribuiu inteligência abusiva.
(…)
Nada há de surpreendente, então, em que o controle judicial dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e superavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio – e, de resto, fundamental – pelo qual se pode garantir o atendimento da lei, a afirmação do
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direito.” - Celson Antônio Bandeira de Melo, Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 948 e 951.
Ou seja, na condução da gestão pública, não existe ato propriamente
discricionário, mas discricionariedade quando do contexto em que se insere a prática de certos
atos. Quando estes distanciam-se da conveniência e oportunidade, são irrazoáveis e
desproporcionais, em verdade, ao revés de discricionários, arbitrários; passíveis de controle,
portanto, pelo Poder Judiciário.
Inclusive, tal orientação doutrinária tem contado com o respaldo da
Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. CARACTERIZAÇÃO. ATO ADMINISTRATIVO. AUTORIZAÇÃO. RÁDIO COMUNITÁRIA. DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA CONTROLADA. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA TÉRMINO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, COM AVALIAÇÃO DO PEDIDO FORMULADO PELO ADMINISTRADO.1. Nos aclaratórios, sustenta a parte embargante ter havido erro material, uma vez que a controvérsia subsumida a exame diz respeito a autorização de funcionamento de rádios comunitárias, enquanto o teor do julgado (voto e ementa) trata de precatório e discussão de juros. Além disso, traz argumentos para reversão do mérito.2. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, embora deva ser caso de respeitar a discricionariedade técnica nas presentes hipótese, é fato que a análise dos requisitos para a outorga da autorização de funcionamento não pode perdurar por tempo indeterminado, situação que configuraria verdadeira deferência ao abuso de direito. Precedente: EREsp 1.100.057/RS, Rel. Min. ElianaCalmon, Primeira Seção, DJe 10.11.2009.3. É de se fixar, portanto, a fixação do prazo de 30 (trinta) dias para a completa análise do pedido de outorga formulado administrativamente.4. Com base no precedente já citado, impossível falar que o Judiciário não pode se imiscuir no âmbito da discricionariedade, considerando que, em caso, existe abuso de poder administrativo.5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para dar parcial provimento ao especial, fixando o prazo de 30 (trinta) dias para a conclusão do procedimento administrativo com análise do pedido formulado.” - Processo EDcl no AgRg no Ag 1161445 / RS - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009/0038221-2 – Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141) - Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA - Data do Julgamento 03/08/2010 - Data da Publicação/Fonte DJe
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24/08/2010.
Sendo assim, a razão pela qual se praticou o ato de designação ora impugnado,
o qual se viu reproduzido em outras comarcas, segundo afirmou o réu:
“Ora, assim como os membros do Ministério Público e da Magistratura, os Defensores Públicos almejam a promoção, com a transferência para uma comarca de maios relevância, sendo, assim, tal movimentação natural e salutar.
Recentemente, os defensores de Rondonópolis, que já havia sido promovidos no ano passado para entrância especial (Cuiabá), foram lotados na capital, de tal sorte houve a necessidade de se designar cinco defensores de outras localidades para aquela comarca (Rondonópolis).
Além disso, três defensores pediram exoneração, aliado ao fato que outros três tiveram que ser designados para a capital em razão da carência de membros em Cuiabá e Várzea Grande (o que pode ser constato pelo Poder Judiciário, que envia ofícios rotineiros à Defensoria Pública noticiando a falta de profissionais na capital.” - fl. 12.
Inicialmente, observa-se que não houve menção à Comarca de Sinop, para a qual
foi designado o Defensor Público que atuava em Vera.
Por outro lado, não se afigura a razão pela qual não se vislumbrou a pronta
substituição dos Defensores Públicos que se viram designados para atender a demanda
apresentada em alguns Municípios de grande porte do Estado de Mato Grosso.
Nesse ponto, causa estranheza que se sustente a carência de quadros na
Defensoria Pública, alguns meses após a nomeação de 25 (vinte e cinco) Defensores Públicos, em
virtude do último concurso empreendido pela instituição. Quando deveria ampliar as unidades da
Defensoria Público, registrou-se uma abrupta redução.
A esse respeito, convém atentar para o seguinte trecho de uma entrevista
concedida pelo Defensor Público Geral antecessor, quanto a estrutura corporativa da Defensoria
Pública:
“A demanda cresce a cada dia. Já estamos atingindo 67 comarcas, com o preenchimento das vagas nos concursos públicos conseguiremos atingir todas. Hoje temos um quadro que trabalha numa demanda muito alta, destes defensores que estão entrando irão para o interior do Estado e preencher lacunas que ainda existem e reforçar as Comarcas maiores que têm crescido bastante a demanda. Em Cáceres são apenas três defensores e vai receber mais dois, da
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mesma forma Diamantino, Alta Floresta, serão reforçadas. Em Guiratinga, Brasnorte, Porto dos Gaúchos, Alto Taquari, Cláudia, Nova Canarana ainda são comarcas que não tem Defensoria Pública, mas as que já dispõem vão receber reforços, o que já vai minimizar bastante o nosso trabalho. No dia 19 de agosto acontece a posse de 25 novos defensores. Atualmente, temos um quadro previsto de 200 defensores públicos previstos em lei, mas trabalhando são apenas 117, saltaremos para 142 e, mesmo assim, teremos um déficit de 58 vagas, mas temos um cadastro de reservas por meio de um concurso público que tem validade de dois anos com prorrogação por igual período. Nós acreditamos que ao longo dos anos iremos preencher essas vagas, primeiro convocaremos 25 e paulatinamente, ao longo do tempo, preencheremos as demais.” (grifei) – entrevista concedida por Djalma Sabo Mendes, concedida ao Jornal “A Gazeta”, edição 6820, em 01/08/2010 (fls.59/61 .
Há ainda que se atentar para o fato de que a exoneração de três Defensores
Públicos recentemente empossados, poderia ser resolvida com a nomeação dos candidatos
aprovados, relacionados em lista de reserva do último concurso público. Se antes havia como
custear o provimento de tais cargos, não há razão para que não sejam novamente preenchidos.
Aliás, a alegada insuficiência de quadro para atendimento da demanda por
serviço público de assistência jurídica gratuita, em virtude da insuficiência de dotação
orçamentária, poderia ser contornada com a simples suspensão do repasse de verbas
indenizatórias, criadas na Lei estadual nº 8.581/2006, aliada à interrupção do gatilho salarial
previsto na Lei estadual nº 8.937/2008, na qual se prevê a revisão anual de subsídios, a cada mês
de maio.
Vale destacar que tais benefícios remuneratórios encontram-se vinculados à
prévia disponibilidade de recursos orçamentários1. Tal verba poderia ser remanejada, de modo a
garantir a nomeação de novos Defensores Públicos, que constam do cadastro reserva do último
concurso público realizado.
Contudo, o próprio réu chegou a sustentar em reunião do Conselho Superior da
Defensoria Pública o acréscimo da verba indenizatória - aproximadamente um mês antes de
empreender a movimentação na carreira, e interromper o serviço de assistência jurídica em Vera e
Feliz Natal – sob a justificativa que havia dotação orçamentária suficiente (fls. 138/140).
1 As Leis estaduais nº 8.581/2006 e 8937/2008 preveem, em seu art. 4º, a exigência de prévia disponibilidade orçamentária para o custeio desses benefícios.
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Em outras palavras, com a movimentação do quadro da Defensoria Pública,
mediante promoções, remoções, e, sobretudo, designações - em desrespeito as normas que
garantem sua coesão e estabilidade – provocando a interrupção do serviço público e acarretando
prejuízo ao erário, o chefe da referida instituição implantou uma situação artificial de descontrole
orçamentário a ser sanada, apenas, mediante o emprego de crédito suplementar.
Sendo assim, o móvel do réu, quando da prática do ato de designação, contrasta
com a realidade institucional da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso.
Eis que se afigura a seguinte situação de nulidade discriminada na Lei nº
4.717/1965, ressalvadas as imprecisões de ordem terminológica:
“Art. 2º...
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamento o ato, é materialmente inexistente...”
II.2.1.3 – Da Ausência de Causa
Ainda que se sustente a legitimidade do móvel do réu, quando das designações
empreendidas abruptamente, em diversas Comarcas do Interior, sobretudo em Vera e Feliz Natal,
há que se atentar para a desconformidade de tal ato com os objetivos apregoados.
A esse respeito, convém observar que o réu sustentou a necessidade de
proceder à movimentação da carreira da Defensoria Pública, o que levou, em algumas comarcas, a
se registrar a suspensão, quando senão, a interrupção do serviço de assistência jurídica gratuita.
Ocorre que as inúmeras designações determinadas pelo réu encontram-se em
descompasso com a legislação. Senão vejamos.
Para suprir a demanda nas grandes cidades, as designações deveriam,
ordinariamente compreender Defensores Públicos que se encontram na mesma entrância,
considerando o quadro funcional de tal instituição. A esse respeito, convém atentar para o
seguinte dispositivo da Lei Complementar Estadual nº 146/2003:
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Art. 68 A designação para auxílio ou substituição dos membros da Defensoria Pública far-se-á dentre os integrantes de igual entrância na carreira.Parágrafo único Excepcionalmente, os membros da Defensoria Pública poderão ser substituídos por necessidade de serviço, por ocupante de cargo de entrância inferior ou superior.
Portanto, a designação entre entrâncias diferentes configura uma
excepcionalidade.
Consequentemente, tal medida resta afastada em virtude do que preceitua o
art. art. 183 da Lei Complementar Estadual nº 146/2003, no qual se prevê um instrumento para
regularizar o provimento de unidades da Defensoria Pública ante a carência de quadros.
“Art. 183 Os Procuradores, atualmente, em razão do reduzido quadro de Defensores Públicos no Estado, exercerão, excepcionalmente, as funções de Defensores de Entrância Especial, nas respectivas Defensorias dos Núcleos em que antes se encontravam lotados. Parágrafo único Cabe ao Defensor Geral, com a modificação no quadro da Defensoria Pública, definir o final da excepcionalidade de que trata este artigo.”
Ou seja, enquanto predomina o casuísmo quando da designação de Defensores
Públicos de entrâncias diversas, tem-se que a Lei Orgânica da Defensoria Pública prevê outro
instrumento também excepcional, contudo com uma única finalidade: atender a carência de
quadros da instituição.
A se atentar para a profusão de designações mencionadas no Ofício nº
230/2011/DPG/DP-MT (fls. 10/14), havia a previsão constante do art. 183 da Lei Complementar
Estadual nº 146/2003, o qual se admite a designação rotineira de Defensores Públicos de Segunda
Instância para justamente atender a demanda em grandes centros populacionais; subentenda-se,
entrâncias especiais.
Eis que restou patente a ausência de causa a amparar o ato de designação
empreendido pelo Defensor Público Geral, quando poderia ter recorrido aos Defensores Públicos
de Segunda Instância, de modo a obstar, sobretudo, as movimentações registradas nas unidades
da referida instituição, localizadas no interior, afrontando, em diversas oportunidades, o princípio
da continuidade do serviço público.
“Então, a falta de 'causa', na acepção adotada, invalida o ato administrativo, isto
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é, se o agente se baseias em motivos que não mantém congruência, pertinência, com o ato que praticou, este estará viciado. A ausência de adequação lógica entre o pressuposto em que o agente se fundou e o ato que praticou compromete irremissivelmente sua conduta. É que, na lapidar expressão de Caio Tácito: 'A regra de competência não é um cheque em branco'.” - Celso Antônio Bandeira de Melo, Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p.396.
Novamente se vislumbra causa de nulidade prevista na Lei nº 4.717/1965,
ressalvadas as disparidades entre os conceitos empregados:
“Art. 2º...
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamento o ato, é (...) juridicamente inadequada ao resultado obtido.”
II.2.1.4 – Do Desvio de Finalidade
Quando da prática do ato de designação, ora impugnado, incorreu o réu em
desvio de finalidade.
A esse respeito, enquanto se justificava a abrupta movimentação na carreira dos
Defensores Públicos, sob justificativa de atender à demanda de grandes núcleos urbanos,
dissimulou-se a concomitante interrupção do serviço de assistência jurídica gratuita, que se
verificou nas Comarcas de Vera e Feliz Natal.
Não se olvida que o quadro da Defensoria Pública, como do Ministério Público e
do Poder Judiciário, não é suficiente para prover todas as Comarcas do Estado de Mato Grosso.
Porém, contrariamente a Defensoria Pública, juízes e promotores de justiça atendem a todas as
Comarcas, ainda que a título de cumulação mediante designação.
A pretexto de ampliar os serviços de assistência jurídica gratuita, o que se
constatou, foi o fechamento de unidades da Defensoria Pública, interrompendo o atendimento
prestado à população e a movimentação das demandas até então patrocinadas em juízo. Ou seja,
a interrupção da prestação de serviço público não consistirá, jamais, num objetivo público a se
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atingir com o ato de designação que atenda a sua finalidade legal.
“No serviço público - importa ressaltar - a figura estelar não é seu titular nem o prestador dele, mas o usuário. Com efeito, é em função dele, para ele, em seu proveito e interesse que o serviço existe.” - Celso Antônio Bandeira de Melo, Curso de Direito Administrativo, 25ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, pp. 666.
Em suma, com a prática do ato de designação, incorreu o réu em violação
expressa ao princípio da continuidade do serviço público, desviando da finalidade precípua do
referido ato legal, definida no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 146/2003, que se presta a
ampliar a prestação de serviço público, em situações emergenciais, e não limitá-la.
E cabe enfatizar, que a abrupta movimentação empreendida na lotação dos
membros da Defensoria Pública acarretou prejuízo ao erário. Para garantir a realização de
audiências e outros atos relevantes compreendidos no planejamento forense de cada Juízo,
instrumentalizado na pauta de audiências, houve a necessidade de nomear advogados ad hoc, à
expensas do erário, pois responsabilizou o Estado de Mato Grosso pela remuneração de tais
profissionais.
Inclusive, o prejuízo ao erário não se resumiu a mera contratação de advogados
para atender a demanda da população, mas também decorreu do custeio do próprio ato de
movimentação da carreira, seja a que título for (promoção, designação, remoção):
“Art. 80 Aos subsídios dos membros componentes da Defensoria Pública poderão ser acrescidas as seguintes vantagens, nos termos desta lei complementar:§ 1º A ajuda de custo, para atender as despesas de mudança de transporte, em virtude de designação, promoção ou remoção compulsória, será de 30% (trinta por cento) sobre o subsídio do cargo efetivo. - Parágrafo modificado pela LCE 398/2010” - Lei Complementar Estadual nº 146/2003.
Ou seja, o ato de designação gerou mais despesas à Defensoria Pública, cujo
orçamento se encontrava comprometido com diversos benefícios de seus integrantes, quando
senão com a ampliação do corpo funcional acessório. A esse respeito, convém atentar para o
comprometimento do orçamento com o custeio de pessoal, nos últimos anos, a saber:
1 – Lei estadual nº 8.581/2006, de 13/11/2006, de iniciativa da Defensoria
Pública, prevendo verbas indenizatórias que compreendem a faixa de
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R$2.000,00 a R$6.000,00.
2. – Lei estadual nº 8.937/2008, de 18/07/2008, de iniciativa da Defensoria
Pública, que prevê a revisão geral anual de subsídios, majorados a cada mês de
maio;
3. – a majoração do teto do subsídio, consistente na remuneração, em parcela
única, do Defensor Público de Segunda Instância. A Lei Complementar Estadual
nº 229/2005, de 14/12/2005, de inciativa da Defensoria Pública, previa
R$10.000,00; com o advento Lei Complementar Estadual nº 337/2009, de
21/12/2009, de iniciativa de Defensoria Pública, passou a prever o valor de R$
18.640,00, o que por sua vez foi majorado pela EC nº 59/2010, à Constituição do
Estado de Mato Grosso, prevendo o teto remuneratório de 90,25% do subsídio
mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
4 – a Lei estadual nº 9.284/2009, de 22/12/2009, de iniciativa da Defensoria
Pública, previu a criação de 80 (oitenta) cargos de provimento em comissão,
acrescidos a um quadro, criado pela Lei estadual nº 8.831/2008, que já contava
com 109 (cento e nove) cargos de provimento efetivo, e 44 (quarenta e quatro)
cargos de provimento em comissão;
Sendo assim, sob a apregoada finalidade de ampliar o atendimento prestado à
população, o réu dissimulou a quebra da continuidade do serviço público em diversas comarcas do
interior, como Vera e Feliz Natal, e ainda causou um prejuízo aos cofres públicos; e sob a assertiva
da insuficiência orçamentária da instituição:
“Para que a Defensoria Pública possa atender em todas as comarcas do Estado, precisamos dotas o órgão dos recursos necessários para tanto, assim como fora feito, de forma justificada e elogiável, ao Ministério Público.
Não é exagero quando afirmamos que a instituição não tem disponibilidade orçamentária para sanar os problemas decorrentes de tais remanejamentos, com a nomeação de novos defensores.” - Ofício nº 230/2011/DPG/DP-MT = fl. 13
Consequentemente, a violação de inúmeros dispositivos que impõem as
margens legais para a prática do ato de designação, sobretudo atendo-se a sua finalidade
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precípua, tem-se que incorreu o réu na hipótese de nulidade prevista na Lei nº 4.717/1965:
“Art. 2º...
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explicita ou implicitamente, na regra de competência.”
II.2.2 – Da Improbidade Administrativa
Uma vez evidenciada a invalidade do ato administrativo consistente na abrupta
designação da Defensora Pública que se encontrava lotada na Comarca de Vera e respondendo, à
título de cumulação, pela Comarca de Feliz Natal, também se afigura sua impropriedade.
Nesse sentido, constata-se no ato praticado pelo réu a violação de inúmeros
preceitos constantes da Lei de Improbidade, a seguir relacionados.
II.2.2.1 – Do Prejuízo ao Patrimônio Público (art. 10, caput, X, da Lei nº 8.429/1992)
Observa-se que o ato impugnado vulnerou o erário numa perspectiva material e
moral. Nesse sentido, cumpre atentar para o contexto em que seu deu a prática do ilícito moral.
A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso apresentava uma política
institucional voltada à expansão de seus postos de atendimentos pelo interior do Mato Grosso,
amparada na ampliação de seus quadros.
Como já restou demonstrado alhures, o último concurso empreendido pela
instituição – compreendido no edital nº 001/2009/DPG de 15/07/2009 - que resultou na
nomeação de 25 (vinte e cinco) Defensores Públicos não fugia a tal regra.
Ao antever a realização do referido certame, e atendo-se a política institucional
em comento, que em 19/06/2009, mediante a portaria nº 132/2009/DPG, foi determinada a
instalação de posto de atendimento da Defensoria Pública na Comarca de Vera, com a sua
posterior ampliação para a Comarca de Feliz Natal.
Contudo, com a posse do cargo de Defensor Público Geral, pelo réu, em
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02/01/2011, a política institucional adotada pela instituição experimentaria uma surpreendente
alteração.
Ainda que se registrasse, em 19/08/2010, o acréscimo de 25 (vinte e cinco)
Defensores Públicos à instituição, sobreveio a Portaria nº 23/2011/DPG em 16/02/2011, a qual
redesignou a Defensora Pública que atuava em Vera, respondendo cumulativamente por Feliz
Natal, para responder junto à comarca de Sinop.
Saliente-se que tal medida apenas foi possível mediante violação expressa da Lei
Complementar nº 146/2003, a qual prevê que a designação de Defensor Público, por consistir
numa afronta à garantia da inamovibilidade (art. 134, §1º, da CF), é excepcional.
“Art. 44 Entende-se por lotação a específica distribuição dos membros da Defensoria Pública em seus órgãos de atuação.§ 1º O membro da Defensoria Pública terá lotação em órgão de atuação da instituição, ao qual se vincula pela garantia da inamovibilidade, excetuando-se a situação do ocupante do cargo inicial da carreira em estágio probatório, e as demais previstas nesta lei complementar.§ 2º Nos órgãos de atuação, os membros da Defensoria Pública regularmente lotados, ou expressamente designados, exercerão as funções como titular.§ 3º A designação terá sempre caráter eventual e se resultar em afastamento de seu titular, com prejuízo das funções, dependerá da anuência deste.”.
Ao invés de estabilizar o quadro, aproveitando o acréscimo de 25 (vinte e cinco)
Defensores Públicos por conta do último concurso empreendido pela instituição, assim
regularizando a lotação de seus integrantes, lançou mão de um expediente excepcional: a
designação.
Saliente-se que tal ato se viu reproduzido em outras Comarcas do Estado de
Mato Grosso, conforme mencionado no Ofício nº 230/2011/DPG/DP-MT, afrontando o caráter
eventual de tal medida, a qual se convolou numa prática rotineira na atividade administrativa
empreendida pelo réu, quando da chefia da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso.
Contudo, a excepcionalidade da medida não se encerra na definição constante
do art. 44 da Lei Complementar Estadual nº 146/2003, uma vez havia outro instrumento à cargo
do réu para a suprir a apontada carência de quadros nas grandes cidades, conforme se observa no
art. 183 da Lei Complementar Estadual nº 146/2003, que se presta a regularizar o provimento de
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unidades da Defensoria Pública ante a carência de quadros.
“Art. 183 Os Procuradores, atualmente, em razão do reduzido quadro de Defensores Públicos no Estado, exercerão, excepcionalmente, as funções de Defensores de Entrância Especial, nas respectivas Defensorias dos Núcleos em que antes se encontravam lotados. Parágrafo único: Cabe ao Defensor Geral, com a modificação no quadro da Defensoria Pública, definir o final da excepcionalidade de que trata este artigo.”
Porém, ainda que se tenha lançado mão da designação, tem-se que o réu não
observou o disposto na Lei nº 8.831/2008, a qual prevê um gatilho para a promoção de
Defensores Públicos, em virtude da exigência de prévia nomeação de Defensor Substituto:
“Art. 7º Fica instituído a partir desta lei que o aumento do numero de Defensores Públicos na Entrância Especial será distribuído proporcionalmente à população nas comarcas tendo por base os dados fornecidos pelo IBGE, somente podendo ter promoção de Defensor Público de uma Entrância para outra após ser nomeado substituto.” - (grifei)
Ou seja, tal preceito legal poderia ser plenamente aplicado à situações análogas,
que também envolvam movimentação no quadro (remoção/designação), ainda que provisória,
pois visa obstar a interrupção da prestação do serviço público de assistência jurídica.
Outras medidas também poderiam ser adotadas pelo réu, e necessariamente
não acarretariam prejuízo algum ao erário e os hipossuficientes. Senão vejamos:
1. suspensão do repasse de verbas indenizatórias, criadas na Lei estadual nº
8.581/2006, aliada à interrupção do gatilho salarial previsto na Lei estadual nº
8.937/2008, na qual se prevê a revisão anual de subsídios, a cada mês de maio.
Vale destacar que tais benefícios remuneratórios encontram-se vinculados à
prévia disponibilidade de recursos orçamentários1. Tal verba poderia ser
remanejada, de modo a garantir a nomeação de novos Defensores Públicos, que
constam do cadastro reserva do último concurso público realizado.
2. a redução do número de servidores comissionados. Inclusive, trata-se de uma
medida imposta pelo art. 169, §3º, da CF, para desonerar orçamento
1 As Leis estaduais nº 8.581/2006 e 8937/2008 preveem, em seu art. 4º, a exigência de prévia disponibilidade orçamentária para o custeio desses benefícios.
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comprometido com o custeio da folha de pagamento dos servidores;
Assim, a irresponsabilidade administrativa do réu, instrumentalizada em ato nulo
de designação de Defensor Público até então lotado na Comarca de Vera, e que apresentava
atribuição junto à Comarca de Feliz Natal, acarretou a interrupção do serviço de assistência
jurídica nestas comarcas.
Consequentemente, para garantir a realização de audiências e outros atos
relevantes compreendidos no planejamento forense dos Juízos das Comarcas de Vera e Feliz Natal,
instrumentalizado na pauta de audiências, procedeu-se à nomeação de advogado ad hoc para
patrocinar as causas até então assistidas pela Defensora Pública. Contudo, permaneceu a
interrupção do atendimento prestado à população, pela Defensoria Pública.
A cada audiência realizada, houve a condenação do Estado de Mato Grosso em
honorários, a qual já perfaz o montante de 43 URH (fls. 36/44, 72/73, 83/84, 122/124 e 135/136).
Em suma, restou configurado o ilícito moral administrativo constante do art. 10,
X, da lei nº 8.429/1992:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:(...)X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;”
Em outras palavras, verifica-se uma depreciação patrimonial da Administração,
uma vez que já se vislumbra uma profusão de títulos executivos judiciais expedidos em seu
desfavor, por conta da ação negligente do réu, a qual se viu corporificada num ato nulo de
designação de Defensor Público lotado na Comarca de Vera, o qual também respondia pela
Comarca de Feliz Natal; vale dizer, à revelia de instrumentos idôneos para suprir a carência de
quadros da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso.
Saliente-se que o prejuízo ao erário não se esgotou na mera nomeação de
advogado dativo para atender a demanda da população, mas também decorreu do custeio do
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próprio ato de movimentação da carreira:
“Art. 80 Aos subsídios dos membros componentes da Defensoria Pública poderão ser acrescidas as seguintes vantagens, nos termos desta lei complementar:§ 1º A ajuda de custo, para atender as despesas de mudança de transporte, em virtude de designação, promoção ou remoção compulsória, será de 30% (trinta por cento) sobre o subsídio do cargo efetivo. - Parágrafo modificado pela LCE 398/2010” - Lei Complementar Estadual nº 146/2003.
Ou seja, o ato de designação gerou mais despesas à Defensoria Pública, cujo
orçamento se encontrava comprometido com diversos benefícios de seus integrantes, quando
senão com a ampliação do corpo funcional acessório1.
Por outro lado, convém também destacar que a sede da Defensoria Pública de
Vera é locada pelo Poder Executivo Municipal, pelo valor de R$700,00. Consequentemente, no
período havido entre 16/02/2011 à 15/03/2011, o imóvel permaneceu locado sem que houvesse
prestação de serviço de assistência jurídica, violando o Termo de Convênio nº 007/2010 (fl.
49/50); sequer houve comunicação à Prefeitura Municipal de Vera acerca da interrupção do
serviço (fls. 48/49).
Já em Feliz Natal, constata-se que sequer houve tempo de firmar o termo de
convênio, ao passo que contava com funcionário cedido pela Prefeitura do Município de Feliz
Natal.
Também se observa que a medida em apreço vulnerou a imagem da Defensoria
Pública, no que pertine a respeitabilidade que goza junta a população. É patente a indignação dos
assistidos por servidor pertencente aos quadros da referida instituição (fls. 23/26, 74, 78, 80/81,
1 A esse respeito, convém atentar para o comprometimento do orçamento da Defensoria Pública com o custeio de pessoal, nos últimos anos, conforme já discriminado em tópico anterior: 1 – Lei estadual nº 8.581/2006, de 13/11/2006, de iniciativa da Defensoria Pública, prevendo verbas indenizatórias que compreendem a faixa de R$2.000,00 a R$6.000,00; 2. – Lei estadual nº 8.937/2008, de 18/07/2008, de iniciativa da Defensoria Pública, que prevê a revisão geral anual de subsídios, majorados a cada mês de maio; 3. – a majoração do teto do subsídio, consistente na remuneração, em parcela única, do Defensor Público de Segunda Instância. A Lei Complementar Estadual nº 229/2005, de 14/12/2005, de inciativa da Defensoria Pública, previa R$10.000,00; com o advento Lei Complementar Estadual nº 337/2009, de 21/12/2009, de iniciativa de Defensoria Pública, passou a prever o valor de R$ 18.640,00, o que por sua vez foi majorado pela EC nº 59/2010, à Constituição do Estado de Mato Grosso, prevendo o teto remuneratório de 90,25% do subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal; 4 – a Lei estadual nº 9.284/2009, de 22/12/2009, de iniciativa da Defensoria Pública, previu a criação de 80 (oitenta) cargos de provimento em comissão, acrescidos a um quadro, criado pela Lei estadual nº 8.831/2008, que já contava com 109 (cento e nove) cargos de provimento efetivo, e 44 (quarenta e quatro) cargos de provimento em comissão;
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82, 112, 116/117, 119 e 127) ao constatar uma violação expressa a seu direito de obter uma
prestação jurisdicional.
A esse respeito, convém observar que o art. 10, caput, da Lei nº 8.429/1992 não
emprega o termo “erário” em sua acepção técnica:
“Entende-se por erário o conjunto de bens e interesses de natureza econômico-financeira pertencentes ao Poder Público (rectius: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, entidades da administração indireta e demais destinatários do dinheiro público previstos no art. 1º da Lei nº 8.429/1992).
(…)
O art. 10 fala em ' lesão ao erário' 'que enseje perda patrimonial', o que denota que não são noções excludentes, mas elementos designativos de noções diversas, versando a primeira sobre o sujeito passivo do ato de improbidade e a segunda a respeito do resultado deste. Não bastasse isto, diversos inciso do art. Referem-se a patrimônio, noção eminentemente mais ampla do que erário.
(…)
Como se vê, o sistema instituído pela Lei nº 8.429/1992 não visa unicamente a proteger a parcela de natureza econômico-financeira do patrimônio público, sendo ampla e irrestrita a abordagem deste, o que exige uma proteção igualmente ampla e irrestrita, sem exclusões dissonantes do sistema.”- Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 5ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, pp. 322/323.
Ao considerar que, nos termos do art. 17, §3º, da Lei nº 8.429/1992 c.c. art. 1º,
da Lei nº 7.347/1985, a ação concernente à responsabilização por atos de improbidade integra o
microssistema processual da tutela dos interesses coletivos latu senso, aliado ao disposto no art.
5º, X, e XXXV, da CF, tem-se que o dano moral encontra-se inserido no art. 10 da Lei nº
8.429/1992:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO DE FRASES DE CAMPANHA ELEITORAL NO EXERCÍCIO DO MANDATO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DO ART. 267, IV, DO CPC, REPELIDA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/92. LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO. PRESCINDIBILIDADE. INFRINGÊNCIA DO ART. 12 DA LEI 8.429/92 NÃO CONFIGURADA. SANÇÕES ADEQUADAMENTE APLICADAS. PRESERVAÇÃO DO POSICIONAMENTO DO JULGADO DE SEGUNDO GRAU.(...)
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2. A ação civil pública protege interesses não só de ordem patrimonial como, também, de ordem moral e cívica. O seu objetivo não é apenas restabelecer a legalidade, mas também punir ou reprimir a imoralidade administrativa a par de ver observados os princípios gerais da administração. Essa ação constitui, portanto, meio adequado para resguardar o patrimônio público, buscando o ressarcimento do dano provocado ao erário, tendo o Ministério Público legitimidade para propô-la. Precedentes. Ofensa ao art. 267, IV, do CPC, que se repele.(...)6. A tutela específica do art. 11 da Lei 8.429/92 é dirigida às bases axiológicas e éticas da Administração, realçando o aspecto da proteção de valores imateriais integrantes de seu acervo com a censura do dano moral. Para a caracterização dessa espécie de improbidade dispensa-se o prejuízo material na medida em que censurado é o prejuízo moral. A corroborar esse entendimento, o teor do inciso III do art. 12 da lei em comento, que dispõe sobre as penas aplicáveis, sendo muito claro ao consignar, “na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver...” (sem grifo no original). O objetivo maior é a proteção dos valores éticos e morais da estrutura administrativa brasileira, independentemente da ocorrência de efetiva lesão ao erário no seu aspecto material.7. A infringência do art. 12 da Lei 8.429/92 não se perfaz. As sanções aplicadas não foram desproporcionais, estando adequadas a um critério de razoabilidade e condizentes com os patamares estipulados para o tipo de ato acoimado de ímprobo.8. Recurso especial conhecido, porém, desprovido.” (grifei) - REsp 695718 / SP - RECURSO ESPECIAL 2004/0147109-3 - Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) - Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA - Data do Julgamento 16/08/2005 - Data da Publicação/Fonte DJ 12/09/2005 p. 234.
Uma vez configurado o dano patrimonial e moral, observa-se que todos os
incisos do art. 10 da Lei nº 8.429/1992 compreendem hipóteses específicas de ilícito moral, que
apenas se configuram se houver dolo por parte do agente, ou seja, previsibilidade de sua
ocorrência.
“... Em casos tais, não haverá que se falar em improbidade se fatores externos concorreram para a causação de dano ao erário, ou mesmo se a ocorrência deste transcendeu a esfera de previsibilidade do agente, o qual, apesar de ter valorado adequadamente todas as circunstâncias presentes por ocasião da prática do ato, não pode evitar o resultado danoso. Inexistindo dolo ou culpa, não haverá que se falar na incidência do art. 10 da Lei de Improbidade.
Por outro lado, agindo com dolo ou culpa (leve, grave ou gravíssima), sofrerá o agente político as sanções cominadas, não havendo previsão legal de um salvo-conduto para que possa dilapidar o patrimônio público com a prática de atos
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irresponsáveis e completamente dissociados da redobrada cautela que deve estar presente entre todos aqueles que administram o patrimônio alheio.” - Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 5ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p.318.
Sendo assim, sob a apregoada finalidade de ampliar o atendimento prestado à
população, o réu dissimulou a quebra da continuidade do serviço público em diversas comarcas do
interior, como Vera e Feliz Natal, e ainda causou um prejuízo material aos cofres públicos e moral
à instituição que gerencia; sempre sob a alegação de uma suposta insuficiência orçamentária da
instituição:
“Para que a Defensoria Pública possa atender em todas as comarcas do Estado, precisamos dotar o órgão dos recursos necessários para tanto, assim como fora feito, de forma justificada e elogiável, ao Ministério Público.
Não é exagero quando afirmamos que a instituição não tem disponibilidade orçamentária para sanar os problemas decorrentes de tais remanejamentos, com a nomeação de novos defensores.” - Ofício nº 230/2011/DPG/DP-MT - fl. 13
Contudo, antes de iniciar o processo de movimentação do quadro, o réu ainda
postulou, durante a reunião do Conselho Superior do Conselho Superior, a majoração da verba
indenizatória do patamar atual, em R$2.000,00, para R$4.000,00, uma vez que havia
disponibilidade orçamentária:
“O presidente relembrou que em outubro do ano passado houve a edição de Resolução que fixou verba indenizatória de quatro mil reais mensais para os meses de outubro a dezembro de 2010, sendo que anterior a esse período o valor pago de verba indenizatória era de dois mil reas. Em conversa com os servidores das Coordenadorias Financeira e de Planejamento e Orçamento, foi observada a possibilidade de pagamento de quatro mil reais mensais, cuja proposta é apresentada pelo Presidente do Conselho Superior.” - fl. 139.
Ou seja, havia disponibilidade orçamentária suficiente para ampliar a verba
indenizatória dos membros da instituição, que perfazem o total de 142 defensores.
Outro indicativo da má-fé do réu decorre da negativa em prover três cargos
vagos de Defensores Públicos, em virtude da recente exoneração de seus titulares.
Ao invés de empregar tal justificativa para mover irresponsavelmente o quadro
da instituição, poderia solucionar a questão com a nomeação dos candidatos relacionados em lista
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de reserva do último concurso público. Se antes havia como custear o provimento de tais cargos,
não há razão para que não sejam novamente preenchidos.
Conclui-se que com a movimentação do quadro da Defensoria Pública, mediante
promoções, remoções, e, sobretudo, designações - em desrespeito as normas que garantem sua
coesão e estabilidade – ocasionando a interrupção do serviço público e acarretando prejuízo
material e moral, o chefe da referida instituição criou uma situação artificial de descontrole
orçamentário a ser sanada, apenas, mediante o emprego de crédito suplementar.
Afora o prestígio que passou a gozar com os demais membros da Defensoria
Pública, sobretudo com aqueles que passaram a residir em Municípios de médio e grande porte
do Estado de Mato Grosso, como no caso da Defensora Pública até então lotada em Vera-MT, o
réu, mediante o emprego de um expediente fraudulento, ainda justificou a majoração da dotação
orçamentária da instituição.
Não há dúvida que tais medidas gabaritaram o réu a disputar a recondução do
cargo que ocupa, uma vez que a interrupção do serviço público de assistência jurídica nos
Municípios de Vera e Feliz Natal foi empreendida para beneficiar o processo de promoção e
remoção dos Defensores Públicos.
Também convém atentar para a ampliação do poder de livre disposição que o
réu detêm em relação aos membros da instituição que administra, uma vez que não se veem
resguardados pela garantia da inamovibilidade.
II.2.2.2 – Da Violação de Princípios Administrativos (art. 11, caput, I, da Lei nº 8.429/1992)
O réu, ao responder (fls.10/14) a Notificação Recomendatória Conjunta nº
01/2011 (fls. 05/08), justificou a designação de Defensores Públicos lotados em comarcas do
interior, ante a necessidade de atender a demanda por assistência jurídica em grandes centros
urbanos do Estado de Mato Grosso.
Porém, como já mencionado no tópico anterior, a abrupta designação de
Defensor Público lotado em Vera, com atribuição para atuar no Município de Feliz Natal, se deu a
revelia da legislação que rege a entidade que administra.
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Ou seja, ao invés de suspender o repasse de verbas indenizatórias, ou reduzir o
número de servidores comissionados, sem prejuízo de designar Defensores Públicos de Segunda
Instância, o réu se utilizou ilegalmente de um expediente excepcional: a designação de membro
da instituição.
Portanto, obstou o processo de estabilização do quadro da instituição,
regularizando a lotação de seus integrantes, que se fazia possível no momento por conta do
acréscimo de 25 (vinte e cinco) Defensores Públicos oriundo do último concurso empreendido
pela instituição.
O réu ao praticar ato nulo de designação, incorreu no disposto no art. 11, caput,
da Lei nº 8.429/1992, por violação expressa ao princípio da legalidade, no tocante a manutenção
da irregularidade do quadro funcional da Defensoria Pública, impossibilitando o reconhecimento
da garantia constitucional de inamovibilidade aos seus membros, constante do art. 134, §1º, da
CF:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta conta os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres da honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições...”
Contudo, a improbidade não se esgota no dispositivo legal supramencionado,
como se observou no tópico 2.1.4.
A esse respeito, enquanto o réu justificava a abrupta movimentação na lotação
dos Defensores Públicos, sob justificativa de atender à demanda de grandes núcleos urbanos,
dissimulou-se a concomitante interrupção do serviço de assistência jurídica gratuita, tal como se
verificou nas Comarcas de Vera e Feliz Natal. Inclusive, o Município de Sinop sequer foi
mencionado no Ofício nº 230/2011/DPG/DP-MT (fls. 10/14), quando o réu fez menção as
entrâncias superiores que apresentavam carência de quadro (fl.12).
É notório que o quadro funcional da Defensoria Pública, do Ministério Público e
do Poder Judiciário, não é suficiente para prover todas as Comarcas do Estado de Mato Grosso.
Porém, contrariamente a Defensoria Pública, juízes e promotores de justiça atendem a todas as
Comarcas, ainda que a título de cumulação mediante designação.
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Em outras palavras, sob o pretexto de ampliar os serviços de assistência jurídica
gratuita, verificou-se o fechamento de unidades da Defensoria Pública, interrompendo o
atendimento prestado à população e o acompanhamento das demandas judiciais até então
patrocinadas pela instituição. Obviamente, a interrupção da prestação de serviço público não
poderá jamais consistir num objetivo a se atingir com o ato de designação que atenda a sua
finalidade legal.
Em suma, com a prática do ato de designação, incorreu o réu em violação
expressa aos princípios da continuidade e da eficiência do serviço público, desviando da finalidade
precípua do referido ato legal, definida no art. 68 da Lei Complementar Estadual nº 146/2003, que
se presta a ampliar a prestação de serviço público, em situações emergenciais, e não limitá-la.
“Em nosso entender, os princípios do serviço público – que se constituem no aspecto formal do conceito e compõem, portanto, seu regime jurídico – são os seguintes:
(…)
6. princípio da continuidade, significando isto a impossibilidade de sua interrupção e o pleno direito dos administrados a que não seja suspenso ou interrompido.” - Celso Antônio Bandeira de Melo, Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, pp. 662/663.
“Os requisitos do serviço público ou de utilidade pública são sintetizados, modernamente, em cinco princípios que a Administração deve ter sempre presentes, para exigi-los de quem o preste: o princípio da permanência impõe continuidade no serviço...” - Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed. São Paulo, Malheiros, 2002, p. 321.
Sendo assim, também incorreu o réu no ato de improbidade discriminado no art.
11, I, da Lei nº 8.429/1992:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa (…) e notadamente:I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento...”
Porém, numa leitura atenta do art. 11, caput, I da Lei nº 8.429/1992 observa-se
que o legislador não emprega os termos “dolo” ou “culpa”, em oposição aos arts. 9º e 10º, do
referido documento legal, que também se prestam a discriminar atos de improbidade
administrativa.
Em que pese tal fato, a jurisprudência empregando uma interpretação
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sistemática, logo se pacificou no sentido de que o elemento volitivo (dolo ou culpa) deve
necessariamente integrar o ato de improbidade, uma vez que a responsabilidade objetiva do
agente público demanda expressa previsão legal; o que não ocorre na Lei de Improbidade.
Contudo, a amplitude do dolo exigida pela lei para que o agente se veja
responsabilizado por infração à princípio administrativo, não apresenta os mesmo contornos dos
arts. 9º e 10º da Lei nº 8.429/1992:
“In casu, afigura-se nítida a lesividade ao interesse público, sendo injúridico afirmar que a lei somente visa a punir o administrador desonesto, não o incompetente. Que seja a incompetente na gestão de seus bens, não na condução do patrimônio público; que viole sua moral individual, não a moralidade administrativa; que presenteie os amigos com seus pertences, não com cargos públicos. Enfim, até mesmo para a incompetência deve ser estabelecido um limite.(…)O Superior Tribunal de Justiça, em pronunciamento mais recente, bem expôs a necessidade de ser alterada a mentalidade da classe política brasileira. Em processo envolvendo a contratação irregular de servidores públicos sob o regime excepcional temporário, o Tribunal reconheceu que: 'diante das Leis de Improbidade e de Responsabilidade Fiscal, inexiste espaço para o administrador ' desorganizado' e despreparado', não se podendo conceber que um Prefeito assuma uma administração de um Município sem a observância das mais comezinhas regras de direito público. Ainda que se cogite, não tenha o réu agido com má-fé, os fatos abstraídos configuram-se atos de improbidade e não meras irregularidades, por inobservância do princípio da legalidade.' - STJ 2ª T., Resp. 708.170/MG, rel. Min Eliana Calmon, l. Em 06/12/2005, DJ de 19/12/2005.” - Op. Cit. pp. 454/455 e
E nesse sentido, a jurisprudência do STJ tem se orientado pelo reconhecimento
do dolo genérico, constatado na flagrante violação de princípio administrativo:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. IMPROBIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA NA ORIGEM. DECISÃO DENEGATÓRIA. REFORMA PELO STJ. NECESSIDADE DO EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DESTA CORTE SUPERIOR. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.1. No que tange ao aludido desrespeito ao art. ao art. 330, I, do CPC, a análise da necessidade ou não de produção de prova, qualquer que seja o momento processual ou o motivo que leve a tanto, é atribuição da instância ordinária. Eventual reforma dessa decisão importa em reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado para este magistrado pela Súmula n. 7 deste Tribunal.
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Este é o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça.2. Ademais, sobre a alegada afronta ao art. 11 da LIA, nota-se que esta Corte Superior pacificou-se que o enquadramento de condutas no art. 11 da Lei n. 8.429/92 requer a constatação do elemento subjetivo doloso do agente. Neste sentido, v.,p. ex., o Resp 765.212/AC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23.6.2010, e o REsp 827.445/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 8.3.2010.3. Na espécie, o Prefeito, não obstante os sucessivos alertas emitidos pelo TCE, ampliou em 75,4% a indisponibilidade financeira apurada em 31 de abril de 2004, período em que estava impedido de comprometer receitas em montante superior às que pudessem ser liquidadas no curso do exercício ou sem que houvesse disponibilidade de caixa para pagamento no exercício seguinte, deixou de empenhar despesas e cancelou empenhos, assim desobedecendo aos arts. 35 e 60 da Lei n. 4.320/64 e art. 42 da Lei Complementar n. 101/2000.4. É de se entender, portanto, configurado o dolo (ainda que eventual), manifesto na vontade livre e consciente de contrair despesas em nome do município nos dois últimos quadrimestres de seu mandato que não podiam ser cumpridas integralmente dentro dele e que tinham parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que houvesse suficiente disposição de caixa para este efeito, atentando contra o princípio da legalidade e moralidade.5. Por fim, em relação a suposta violação à Lei n. 8.429/92, em que assevera a não sujeição dos agente políticos à Lei de improbidade, esclareço que não cabe inovar em sede de agravo regimental. 6. Agravo regimental não provido.” (grifei) - AgRg no Ag 1282854 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2010/0036200-4 – Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141) - Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA – j. 15/03/2011 - Data da Publicação/Fonte DJe 22/03/2011.
“DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICABILIDADE AVEREADORES. DOLO GENÉRICO. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. ABRANDAMENTO.1. Em virtude da perfeita compatibilidade existente entre o regime especial de responsabilização política e o regime de improbidade administrativa previsto na Lei n. 8.429/92, não há falar em inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa a vereadores. Precedentes.2. A compra de bens sem o procedimento licitatório, o qual foi dispensado indevidamente, configura o ato ilegal, enquadrando-se no conceito de improbidade administrativa. Tal conduta viola os princípios norteadores da Administração Pública, em especial o da estrita legalidade.3. O dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa reflete-se na simples vontade consciente de aderir à conduta descrita no tipo, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou
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privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas. Precedentes.4. Tem-se claro, diante da análise do acórdão recorrido, que houve bem descrita a conduta típica, cuja realização do tipo exige ex professo a culpabilidade. Dito de outro modo, violar princípios é agir ilicitamente. Como bem expresso pela Corte estadual, a culpabilidade é ínsita à própria conduta ímproba.5. In casu, a má-fé do administrador público é patente, sobretudo quando se constata que, na condição de Presidente da Câmara Municipal, nem sequer formalizou os procedimentos de dispensa de licitação.6. Ressalvou, o Tribunal a quo, entretanto, que deveriam ser impostas "penalidades mínimas, de modo razoável ao contexto e proporcional à extensão da improbidade constatada". Desse modo, mostra-se um contrassenso arredar a penalidade de perda de função pública, e, ao mesmo tempo, manter a suspensão de direitos políticos - também extremamente gravosa.7. Deve-se, portanto, excluir a penalidade de suspensão de direitos políticos, mantendo-se as demais. Agravo regimental parcialmente provido.” (grifei) - AgRg no REsp 1214254 / MG AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2010/0175878-8 Relator(a) Ministro HUMBERTO MARTINS (1130) - Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA – j. 15/02/2011 - Data da Publicação/Fonte DJe 22/02/2011.
Conclui-se, portanto, que mediante um expediente desonesto e desleal1, avesso
à finalidade pública2 a que se prestava a designação de Defensor Público, o réu, além de incorrer
numa ilegalidade3 manifesta, causou a interrupção do serviço público de assistência jurídica nos
Municípios de Vera e Feliz Natal.
Sendo assim, se resta plenamente admissível a responsabilização do réu, nos
termos do art. 11, caput, I da Lei nº 8.429/1992, pela violação dos princípios da legalidade e da
continuidade do serviço público, em meio a desvio da finalidade decorrente da prática de ato nulo
de designação.
II.3 – Da Antecipação da Tutela Jurisdicional
1 “... A Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade com princípios éticos (…) Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé.”. Ao tratar do princípio da Moralidade Administrativa - Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 24ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 115.
2 “Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada” - Ob. cit. p.103.
3 “O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes (…) O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a ideia de soberania popular, de exaltação da cidadania...” - Ob. cit. p.97.
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Atendo-se a documentação encartada nos presentes autos, evidencia-se que o
ato administrativo impugnado chegou a ser revisto pelo réu em 15/03/2011 (fl. 77), sem que
contudo reconhecesse sua nulidade de modo e obstar a produção de seus efeitos.
Inicialmente, convém destacar que os autos do Inquérito Civil, que instruem a
presente demanda, prestam-se a atestar a verossimilhança das alegações, nos termos do art. 273,
caput, do CPC.
Contudo, o ato de designação impugnado (Portaria nº 23/2011/DPG), que lotou
na Comarca de Sinop, a Defensora Pública que até então atuava nas Comarcas de Vera e Feliz
Natal, continua a produzir seus efeitos.
Nesse sentido, foi designado o referido profissional, agora lotado em Sinop, pela
Portaria nº 43/2011/DPG, para prestar atendimento na Comarca de Vera durante dois dias da
semana, negligenciando por completo a Comarca de Feliz Natal; na qual já se registra condenação
do erário (fls.135/136).
Sendo assim, quando antes havia um Defensor Público lotado na Comarca de
Vera, e cumulando a Comarca de Feliz Natal, agora a população de Vera conta apenas com
atendimento durante dois dias da semana; obviamente, não se pode afirmar o mesmo, em
relação à população de Feliz Natal, que permanece desassistida.
Consequentemente, afora o comprometimento do serviço de assistência jurídica
gratuita em Vera, uma vez que se registra a responsabilização do erário pela nomeação de
advogados ad hoc em data posterior à Portaria nº 43/2011/DPG (fl. 83/85), há que se atentar para
o fato de que não há Defensor Público atuando em Feliz Natal.
Em suma, o prejuízo aos hipossuficientes, ao erário, e à imagem da Defensoria
Pública remanesce, afigurando-se a consolidação da situação descrita no art. 273, I, do CPC.
Apenas com a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, de modo a
suspender a Portaria nº 23/2011/DPG, no tocante a designação da Defensora Pública Lidiany
Thabda de Oliveira Marques, com reflexos no ato administrativo subsequente (Portaria nº
43/2011/DPG), será suplantada a violação expressa do patrimônio público, e do interesse coletivo,
instrumentalizado na garantia de acesso à justiça aos hipossuficientes das Comarcas de Vera e
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Feliz Natal.
III - DOS PEDIDOS
Ante todo o exposto, requer o Ministério Público:
1) a título de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional de mérito, a
suspensão da Portaria nº 23/2011/DPG, no tocante a designação da Defensora Pública Lidiany
Thabda de Oliveira Marques, e do ato administrativo subsequente (Portaria nº 43/2011/DPG),
restabelecendo o status quo ante, garantindo lotação de Defensor Público com atuação exclusiva
na Comarca de Vera e com atribuição para a Comarca de Feliz Natal, a qual, nos termos do art.
273, §3º c.c. art. 461, §5º, do CPC, deverá ser prontamente observada pelo réu, sob pena de
multa diária no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais);
2) Ao final:
2.1) a confirmação do provimento antecipado, com o reconhecimento da
nulidade da Portaria nº 23/2011/DPG, no tocante a designação da Defensora Pública Lidiany
Thabda de Oliveira Marques, e do ato administrativo subsequente, Portaria nº 43/2011/DPG,
restabelecendo o status quo ante, de modo a garantir a lotação de Defensor Público com atuação
exclusiva na Comarca de Vera e com atribuição para a Comarca de Feliz Natal;
2.2) a condenação do réu, em virtude da prática dos ilícitos morais
administrativos previstos no art. 10, caput, X, e art. 11, caput, I da Lei nº 8.429/1992, nas sanções
previstas no art. 12, II e III, do referido documento legal;
Para tanto:
3) uma vez observado o disposto no art. 17, §7º, da Lei nº 8.429/1992, recebida
a inicial, e apreciado o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional de mérito, que
seja determinada a citação do réu para que, querendo, conteste a presente ação, sob pena de
confissão e revelia, com todos os seus consectários;
4) nos termos do art. 17, §3º, da Lei nº 8.429/1992. a citação da Defensoria
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Pública do Estado de Mato Grosso, na pessoa do substituto legal do Defensor Público Geral, ante
ao seu impedimento para representar a instituição no presente feito, e do Estado de Mato Grosso,
para que sejam cientificados a respeito da presente ação e em querendo, intervir na presente
demanda;
5) requer a produção de todos os meios de prova admitidos em Direito, em
especial o depoimento pessoal do réu, e a oitiva das testemunhas arroladas abaixo;
6) requer seja o réu condenado ao pagamento das despesas processuais,
inclusive honorários da sucumbência, a serem arbitrados pelo Juízo
Dá-se à causa, o valor de R$10,00 (dez reais), meramente para efeitos fiscais.
Vera, 03 de junho de 2011
Daniel Balan Zappia Promotor de Justiça
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Rol de Testemunhas:1. Djalma Sabo Mendes, com endereço profissional à Secretária Extraordinária de Governo;2. Lidiany Thabda de Oliveira Marques, com endereço profissional junto à sede da Defensoria Pública do Município de Vera-MT;3. Patrícia Juliana Marocco Evangelista (fl. 80), residente à Rua Bolívia, nº 2023, Centro, Vera-MT;4. Marciana Sanches dos Santos (fl. 25), residente à Av. Otawa, nº 1114, Esperança I, Vera-MT;5. Marina Nunes (fl. 82), residente à Rua Quito,nº 1614, Esperança II, Vera;6. Ademir Dias da Silva (fl. 112), residente à Rua Pinheiro Preto, nº 449, Centro, Feliz Natal-MT;7. Marinalva Belino de Oliveira (fl. 119), residente à Rua Concórdia, nº 1312-W, Centro, Feliz Natal-MT;8. Francinete Veloso Araujo (fl. 127), residente à Rua São Carlos, nº 556, Centro, Feliz Natal-MT;
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