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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 5ª REGIÃO LMM PRR5 027/2004 Inquérito n° : 1999.83.00.014176-4 Orig: 4ª vara PE Indicado : Sem Relator : Desembargador Élio Siqueira – Pleno PARECER Nº 235/2004 EMENTA: Rádios Comunitárias de baixa potência e pequeno alcance. Atividade ostensiva, realizada às claras, a partir de antena visível, e sede na casa paroquial, anexa à igreja do lugar. Inexistência de crime. Não tipifica o crime previsto no art. 183, da Lei 9.472/97, quando a radiodifusão comunitária é ostensiva, sendo ainda ausente qualquer potencialidade lesiva em transmissões de baixa potência e pouco alcance. Parecer pelo conhecimento e provimento dos apelos, com o fim de absolver o réu, por ausência de tipicidade. Egrégio Pleno: Impedimento do Relator. Preliminarmente, o MPF observa que S. Exa. O Senhor Relator funcionou nos autos do Inquérito, na qualidade de Juiz Federal. Quer parecer, portanto,

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 5ª REGIÃO

LMM PRR5 027/2004

Inquérito n° : 1999.83.00.014176-4 Orig: 4ª vara PE

Indicado : Sem

Relator : Desembargador Élio Siqueira – Pleno

PARECER Nº 235/2004

EMENTA:

Rádios Comunitárias de baixa potência e pequeno alcance. Atividade

ostensiva, realizada às claras, a partir de antena visível, e sede na casa

paroquial, anexa à igreja do lugar. Inexistência de crime.

Não tipifica o crime previsto no art. 183, da Lei 9.472/97, quando a

radiodifusão comunitária é ostensiva, sendo ainda ausente qualquer

potencialidade lesiva em transmissões de baixa potência e pouco alcance.

Parecer pelo conhecimento e provimento dos apelos, com o fim de absolver

o réu, por ausência de tipicidade.

Egrégio Pleno:

Impedimento do Relator. Preliminarmente, o MPF observa que S. Exa. O Senhor Relator

funcionou nos autos do Inquérito, na qualidade de Juiz Federal. Quer parecer, portanto,

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que esteja impedido de atuar, embora não se trate ali de ato decisório, nem aqui de

exame em grau recursal.

Quanto aos autos, a ANATEL representou à Polícia Federal pelo alegado funcionamento,

em julho de 1999, de uma rádio comunitária no município de Água Preta, PE. Não houve

apreensão de equipamentos, nem laudo pericial sobre a potência e alcance. O registro

restringiu-se a um Termo de Lacração.

No curso das investigações, foi informado – sem acompanhamento de documentos – que

a rádio comunitária pertenceria ao Município, e seria responsabilidade do Prefeito

Eduardo Coutinho.

O Prefeito encaminhou Ofício, informando que o município fizera instalar uma rádio, para

serviços à comunidade, em parceria com a igreja católica. A rádio estaria sem funcionar

há muito. (fls. 25).

Informação nos autos dá conta de que o Pe. Venilson Marcel Gomes Rufino, da Paróquia

São José da Agonia, é que fazia funcionar a rádio. E responde a processo crime por isto.

Segundo essa informação, a freqüência da rádio é a mesma constante da representação

de fls. 3.

O Delegado da PF apresenta Relatório, sem indiciamento. O MPF na Procuradoria da

República em Pernambuco insiste em que os fatos delituosos pelos quais responde o Pe.

Venilson são distintos dos narrados na representação. E encaminha o presente IP ao

TRF, em virtude da condição de Prefeito do Senhor Eduardo Coutinho.

Vem os autos à Procuradoria Regional para pronunciamento. É o Relatório.

Deve a representação ser arquivada.

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Passados mais de 4 anos , não há prova nem de autoria, nem de fato típico pun ível.

Não há equipamento apreendido. Não há laudo pericial. Não há prova testemunhal. Há

um mero registro de que um órgão público – Município de Água Preta – fez instalar, em

parceria com uma entidade de caráter público – a igreja católica, através da Paróquia de

São José da Agonia – um serviço de fins comunitários.

Por outro lado, de acordo com o art. 183, da Lei 9472/97, existe crime quando se

desenvolve clandestinamente atividades de telecomunicação.

Ora, a lei penal não comporta interpretação extensiva. “A interpretação da Lei em

desfavor do réu deve ser sempre restritiva “(TJRS – ACr 70004558482 – 8ª C.Crim. – Rel.

Des. Roque Miguel Fank – J. 14.08.2002.)

Clandestinamente é advérbio de modo. Ou seja, algo feito de modo clandestino. Ora,

uma interpretação do conceito de clandestino não pode brigar com o seu sentido

comum, que é de algo praticado às escondidas, ou de modo sigiloso, subreptício,

furtivo. Mesmo os demais conceitos agregados nos dicionários – de algo ilegal – só o são

quando tal ilegalidade decorrer de algo feito às escondidas, de modo subreptício,

dissimulado, encoberto.

Além de não estar demonstrado nos autos a realização de atividades de radiodifusão,

ainda que se admita, pela prova indireta, é forçoso se reconhecer que teria sido feita pela

Prefeitura do Município de Água Preta, e por uma associação presidida por um Padre,

responsável pela paróquia local.

Em qualquer situação, não restaria qualquer dúvida quanto a tal atividade ter sido

totalmente ostensiva, auto-evidente, realizada às claras, e com o amplo conhecimento

e participação da comunidade ..

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Precedentes jurisprudenciais, inclusive dessa 5a Região, agasalham essa interpretação:

I- "não se pode concluir que o ato perpetrado pelo réu seja penalmente relevantepara causar concretamente dano ao serviço de comunicações, pois a potência doequipamento é baixa, motivo pelo qual não vislumbro relevância penal, abalada acomprovação da ocorrência do fato típico pela insignificância das consequências,segundo a doutrina tantas vezes lecionada por Francisco de Assis Toledo, emprincípios básicos de direito penal, ED. Saraiva, 5ª ED., p. 133, " trata-se dodenominado princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluiros danos de pouca importância... O direito penal, por sua natureza fragmentária,só vai até onde seja necessária para a proteção do bem jurídico ....II- malgrado sepossa reconhecer irregularidade na atuação de tal serviço, fato é que, não secogita, na hipótese vertente, de "telecomunicações" ao menos no sentido que lhedesejou empregar a Lei de Regência. Portanto, não se afigura que ditasirregularidades, advindas da falta de autorização para serviço de radiofusão,ingressaram na esfera penal, mas, tão somente, constituíram em ilícitosadministrativos. III- O laudo pericial anexado nos autos (fls. 31) é inconclusivoquanto ao fato de ter ocorrido efetivo perigo de dano ao bem jurídico protegidopela norma penal em questão, qual seja, o bom funcionamento dos serviço detelecomunicações. IV- negado provimento ao recurso. (TRF 2ª R. – ACR2001.02.01.022460-9 – RJ – 5ª T. – Rel. Juiz Raldênio Bonifacio Costa – DJU03.06.2003 – p. 188) JLGT.183

Rádio comunitária sem a devida concessão estatal. Baixa freqüência. Ausência defins lucrativos e de danos a terceiros. Desenvolvimento de séria atividade social.Assistência ao Poder Público. Não caracterização do dolo. – Havendo provaconclusiva de que emissora foi organizada e era mantida pela própria comunidade,possui baixa freqüência e desenvolvia séria atividade social, de interesse dacomunidade, dela se valendo, inclusive, para fins públicos, as autoridades locais,bem assim não havendo quaisquer indicativos de que quem com ela colaboratenha obtido vantagem financeira com a sua atividade, não se configura ilícito naesfera criminal, pela ausência de caracterização do dolo e pela inocorrência depotencialidade lesiva ao bem tutelado pela norma penal, já que incapaz de causardanos a terceiros. – Precedentes desta Corte e dos demais TRFs. Ordemconcedida para trancar a ação criminal originária. (TRF 5ª R. – HC 1.245 – PE – 1ªT. – Relª Desª Fed. Conv. Germana Moraes – J. 10.05.2001)

Visto que a atividade da ANATEL se destina a fiscalizar a regularidade do funcionamento

de serviços de telecomunicação, sua ação cumpriu sua função, desde que desde, pelo

menos, a data de sua lacração, não há prova de qual quer outro ato de

funcionamento clandestino .

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Assim, por ausência de prova de autoria, e por ausência de prova de fato típico punível,

vem o MPF em 2o Grau requerer o arquivamento da presente investigação.

É como requer.

N. Termos, E. Deferimento.

Recife, em 17 de fevereiro de 2004

Luciano Mariz Maia

Procurador Regional da República