aÇÃo civil pÚblica com pedido de tutela...

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Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por conduto do Procurador da República ao final subscrito, no uso de suas legais atribuições, com supedâneo nos artigos 127, caput, 129, incisos II e III, 221 e 227 da Constituição da República, Lei Complementar nº 75/93, Lei nº 7.347/85, Lei 8.078/90, artigos 210, inciso I, e 213 da Lei nº 8.069/90 e na Portaria nº 796/00 do Ministério da Justiça, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face de: TV ÔMEGA LTDA. (também conhecida como REDE TV), empresa concessionária de serviços de radiodifusão, por seu representante legal, com endereço para citação na Rua Bahia, 205, Bairro, Alphaville, Barueri – SP, CEP: 06465-110, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir escandidos: 1. DA SITUAÇÃO JURÍDICA E DE FATO QUE ORIGINOU ESTA AÇÃO Tema recorrente é a questão da qualidade da programação televisiva. Com efeito, é notório que os princípios regedores da programação televisiva de ordinário não vêm sendo obedecidos, bastando rememorar a programação usualmente ofertada, com as honrosas e raras exceções: programas humorísticos que vão do grosseiro ao

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Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da Vara da Seção Judiciá ria de Minas Gerais

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL , por conduto do Procurador da República aofinal subscrito, no uso de suas legais atribuições, com supedâneo nos artigos 127, caput, 129,incisos II e III, 221 e 227 da Constituição da República, Lei Complementar nº 75/93, Lei nº 7.347/85,Lei 8.078/90, artigos 210, inciso I, e 213 da Lei nº 8.069/90 e na Portaria nº 796/00 do Ministério daJustiça, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICACOM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face de:

TV ÔMEGA LTDA. (também conhecidacomo REDE TV), empresa concessionária deserviços de radiodifusão, por seu representantelegal, com endereço para citação na Rua Bahia, 205,Bairro, Alphaville, Barueri – SP, CEP: 06465-110,

pelos fundamentos de fato e de direito aseguir escandidos:

1. DA SITUAÇÃO JURÍDICA E DE FATO QUEORIGINOU ESTA AÇÃO

Tema recorrente é a questão da qualidade da programação televisiva.

Com efeito, é notório que os princípios regedores da programação televisiva deordinário não vêm sendo obedecidos, bastando rememorar a programação usualmenteofertada, com as honrosas e raras exceções: programas humorísticos que vão do grosseiro ao

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patético, exibindo galeria de personagens e de situações chocantes, quando não ofensivas dadignidade do ser humano; programas de auditório, estendendo-se por quase todo um domingo,num arrastado desfile de quadros desprovidos de alguma beleza estética ou conteúdo cultural, oumesmo um lazer de qualidade mediana. Isso, num país que, sabidamente, possui a música popularmais rica e diversificada do mundo; onde cidadãos e profissionais de vários ramos, comomusicistas, professores, cientistas, escritores, empresários, administradores públicos poderiamser convidados a participar, trazendo o aporte de suas experiências; poderiam ser exibidas asnossas produções teatral e cinematográfica e, bem assim, disseminadas informações sobretemas atuais, como as queimadas que assolam nossas florestas, as ocupações nas áreasde mananciais de recursos hídricos, a prevenção e tratamento de moléstias graves que estãorecrudescendo etc. Enfim, tantos temas que, exibidos de forma inteligente e criativa, por certoprenderiam a atenção dos telespectadores, contribuindo para a formação de uma coletividade maispolitizada e participativa, ao invés de servir a televisão como (mais um) vetor para a alienaçãogeral.

Nesse sentido, Palhares Moreira Reis transcreve pronunciamento da AcademiaBrasileira de Ciências Morais e Políticas, em texto de autoria de Euro Brandão:

“Torna-se frequente o aparecimento, em horas maisinesperadas do dia e do começo da noite, de cenasrepugnantes de anomalias sexuais, violência degradante,dissolução da família, entrevistas com celerados,assassinatos explícitos, humorismo de baixo nível, enfim,uma série de cenas que levam irremediavelmente àdegradação e, por conseguinte, ao enfraquecimento daprópria nacionalidade e rebaixamento da dignidadehumana. Quando se poderia valorizar o amor, as virtudeshumanas, a fidelidade, a bondade, a renúncia, a beleza ealegria da vida, encontram-se a dissolução dos valoressociais (solidariedade, família, deveres etc.), o adultério, ohomossexualismo, o incesto etc.”1

Esse é justamente o cerne da presente ação: foidevidamente apurado pelo Ministério PúblicoFederal, a partir de representação veiculada pela TVBEM –Instituto de Defesa do Telespectador, estabelecida nestaCapital ( DOC. 01 ), que os programas REPÓRTER CIDADÃO eCANAL ABERTO, exibidos pela TV Ômega Ltda. (Rede TV), têmlevado ao ar, no período vespertino horário liv re,atrações cultural e socialmente indigentes, q uemostram o ser humano em condições degra dantes,expõem crianças a situações constranged oras,exploram o sexo de maneira libidinosa, estimul ando aerotização precoce do comportamento da cria nça e doadolescente, apresentam humor grosseiro e vulga r,estendendo-se por longas horas de convers açãotatibitate e desprovida de conteúdo. Taisprogramas, destarte, vêm reiteradamente não apenasdesrespeitando dispositivos insertos no art. 5º daCarta Maior, em especial, o direito à honra e àimagem, aviltando, por consequência, a dignidade da pessoahumana (art. 1º, inciso III, da CF/88), bem como vê m

1 Controle da qualidade da televisão sem censura. Boletim Legislativo Adcoas, nº 25, set. 1994, p. 709.

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infringindo frontalmente as normas preventivas do E statuto daCriança e do Adolescente e da própria Portaria nº 7 96/00 doMinistério da Justiça . Senão vejamos.

Deveras, Excelência, impende, aqui, anotar, antesde maiores elucubrações, que a presente demanda é f ruto deuma investigação levada a cabo por este parquet federal, apartir da provocação acima noticiada, e tem por sup orte umconjunto harmonioso de provas, que atesta demaneira inarredável as conclusões externadas no par ágrafoanterior.

De fato, diante do recebimento doexpediente requerendo atuação deste órgão minis terial nosentido de tomar as providências cabíveis quanto àprogramação da Rede TV ( DOC. 01 ), foi imediatamentedeterminada a abertura do necessário procedimentoinvestigatório, tendo sido, logo em seguida, ordena da aexpedição de ofício ao Ministério da Justiça (Co ordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos eQualificação / SNJ) ( DOC. 02 ), a fim de que o mesmo, noexercício de sua atribuição administrativa conferidapor lei, promovesse o envio de informaç õesdetalhadas acerca das irregularidadeseventualmente ocorridas e providências porventura a dotadas.

Em resposta, datada do dia 04 de setembrodo corrente ano, o órgão administrativo em questão, agindocom grande presteza, informou-nos fundamentalmente o seguinte( DOC. 03 ):

“Atendendo ao solicitado no Ofício nº 534/2-PRMG-SOTC-FAM, temos a informar que:a) – as primeiras advertências foram feitasatravés do Ofício Circular nº 04 de 10/05/02, itemI; ( DOC. 04 )b) – (...)c) – as justificativas apresentadas pela REDE TV,em visita à Coordenação Indicativa doMinistério da Justiça e confirmadaspor escrito, documentos em anexo, itens II eIII sendo o item II transmitido por fax e o itemIII, por e-mail; ( DOC. 05 )d) – quanto à informação detalhada sobre asirregularidades ocorridas, anexamos o relatórioconsequente do monitoramento dosprogramas ‘CANAL ABERTO’ (17:30 h) item IV e‘REPORTER CIDADÃO’ (16:15 h) item V, comreferência ao programa ‘CANAL ABERTO’,após exaustivos telefonemas ecorrespondências, finalizou com o recebimento derequerimento da advogada da Empresa Dra.Betina Bortolotti Calenda, que encaminhoutermo de compromisso tanto doapresentador João Kleber e doDiretor Presidente Dr. Amilcare Dalevo Junioranexo VI e, ( DOCS. 06, 07 e 08 )e) – após estes contatos e dando sequência aomonitoramento, letra d, foi constatado

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a continuação das impropriedades, quegerou o ofício MJ/SNJ/CCLASS/Nº 164 , itemVII”. ( DOC. 09 )1) o negrito não consta do original; 2) areferência aos documentos é nossa

Muito embora uma leitura rasteira da respostaacima transcrita já denote de modoinconteste as irregularidades perpetradas pela S uplicada,faz-se mister destrinchar, ainda que não pormenoriz adamente,o desenrolar dos acontecimentos, a fim de quese possa melhor compreendê-los e, ao final, c laramentese observar como a concessionária-ré tem prom ovido,face à sua postura desqualificada, oaniquilamento de preceitos consti tucionaisreguladores de uma atividade estritamente regulada, como sepassa com o serviço de radiodifusão de sons e image ns.

Assim é que, do que se depreende do próprio teordos esclarecimentos prestados pelo Ministério da Ju stiça, e,em especial, dos documentos que os acompanham, part esintegrantes desta exordial ( DOCS. 04, 05, 06, 07, 08 e 09 ),antes mesmo da instauração do procedimento administ rativocível (no âmbito desta Procuradoria da República em MinasGerais) que culminou no ajuizamento da presente açã o, vinhaaquele órgão administrativo, impulsionado pelo rece bimento dequeixas, manifestações, denúncias e apelos, en vidandoesforços no sentido de tentar assegurar um padrão m ínimo dequalidade de programação televisiva, porparte da Demandada.

Inclusive, no que pertine ao programa“ Canal Aberto ”, na oportunidade hostilizado, chegou a serfirmado termo de compromisso, a requerimento da pró priaRequerida ( DOC. 08 ) (o qual, não obstante, restou subvertidopor ela mesma, consoante dá conta o Ofício MJ/SNJ/C CLASS Nº164 – DOC. 09 ), pelo qual se comprometia a readequar oprograma aos termos da portaria ministerial nº796/00, com o especial fim de dar continuidade à suaexibição na faixa horária atual, vale dizer, no per íodovespertino livre. De tal sorte que, restou acordado que, apartir do dia 27 de maio deste ano, estariam “ vetadas cenasde violência, em especial com armas de fogo, cenas comsangue, assassinatos, estupros, troca de tiros, cri mespassionais, exploração de sexualidade, aberraçõesfísicas, e em especial toda e qualquer ex ploraçãode crianças ”.

Interessante notar, eminente julgador,neste ponto, a justificativa apresentada pela Ré co m o escopode celebrar o referido termo de compromisso. Vejamo s, pois:

“(...)O programa ‘CANAL ABERTO’ tem

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atingido ótimos índices de audiência ecolaborado de maneira insignificante para aformação do faturamento da empresa. Cabefrisar que a REDE TV entrou no ‘ar’ háapenas dois anos e meio, fato este queexigiu e ainda exige um esforço muitogrande para a manutenção de sua atividade.A classificação livre para o programaem questão é de extrema para agrade de programação da emissora.Desta forma, a empresa vem perante esta D.Coordenadoria, reafirmar o seu compromisso dereadequamento, através de um de seussócios e através do apresentador e diretor doprograma, esperando queesta Coordenadoria submeta o mesmoa nova avaliação(...)” ( DOC. 08 ) – os destaquessão nossos

Decerto, causa mesmo perplexidade osargumentos invocados. Aliás, sua leitura só nos per miteconcluir, de forma límpida e inexorável, que o espíritoque move a atividade da Requerida é o d a livreiniciativa sem responsabilidade social, do lucroempresarial às custas de um capitalismo selvagem!

A propósito, cumpre trazer à tona o magistério deRodolfo de Camargo Mancuso que, discorrendo com a p recisão ea verve que lhe são peculiares, abordou de maneirairrepreensível tema concernente à interpret ação eao conflito aparente dos princípi osconstitucionais reguladores da livre iniciativa, da liberdadede expressão e dos serviços de radiodifusão de sons eimagens, para, ao final, concluir pela prevalência destes,in verbis :

“(...)A compreensão do que se contém nos incisos doart. 221 da CF pode ser alcançada com oprestigiado método daunidade da Constituição, assimexplicado por Luiz Alberto David Araújo eVidal Serrano Nunes Júnior: ‘As normasconstitucionais não permitem interpretaçãoisolada, fora das relações decoordenação com as demais normas doTexto Maior. O exegeta deve analisara norma constitucional sabendo-a parte deum todo, sem conhecimento do qual não épossível indicar o sentido edelimitar o alcance daquela’. Desse modo,lendo-se os dispositivos queregem a programação televisiva à luzdo que visa garantir a liberdade deiniciativa e a livre concorrência (CF, art.170, caput e inciso IV), chega-se a esta

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exegese: é autorizada a exploraçãocomercial da difusão televisivaprivada, com natural apropriação doslucros daí resultantes, desde que venhamobservados os princípios e guardadas asrestrições especificadas para talatividade. Em suma, livreiniciativa com responsabilidadesocial; lucro empresarial semcapitalismo selvagem.De outra parte, deve ointérprete precatar-se de não baralhar oentendimento do que seja um padrão básico dequalidade na programação televisiva, emface de textos outros que emverdade apenas reflexamente tangenciamaquele tema, tais os que vedam acensura artística e garantem aliberdade de expressão (CF, art. 220,caput e § 2º). Aí, a nosso ver, não setrata do fenômeno conhecido per colisãoentre preceitos constitucionais, vistonão ser razoável pretender-se que os valoresliberdade de expressão e vedação decensura prévia viessem preservados àscustas do aniquilamento deoutros preceitos constitucionaisreguladores de uma atividade que éestritamente regulada, como se passa com aradiodifusão de sons e imagens.Sem esse cuidados, o intérprete pode tomar anuvem por Juno, extraindo dos textos deregência o que neles não se contêm, porque éevidente que não esteve na intenção doconstituinte franquear um laissez faire,justamente na programaçãotelevisiva, atividade para aqual a própria Constituiçãofixou parâmetros cogentes . Seria nomínimo estranhável, escreve José CarlosBarbosa Moreira, ‘que se houvesse dedeixar a determinação ao arbítrio dasemissoras, isto é, dos próprios infratorespotenciais ou atuais...’” 2 – o negrito nãoconsta do original

Sobressai evidente, desta feita,ante a transparência da justificativa apresenta da pelaSuplicada, referida alhures, que a mesma, em moment o algum,teve o bom senso e o cuidado devidos de sopesar pri ncípios,de modo a pôr a salvo os valores éticos e so ciais dapessoa e da família, além da própria dignidade da pessoahumana, nos termos explicitados na Magna Carta. Antes,feriu-os de morte, privilegiando única eexclusivamente o chamado capitalismo selvagem, em

2 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Controle Jurisdicional do Conteúdo da Programação Televisiva. Boletimdos Procuradores da República, nº 40, Agosto/2001.

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verdadeiro auto-franqueamento de um laissez faire . Some-sea isso o fato de que, ainda após a celebração do co mpromisso(em que explicitamente assumiu a veiculação de cena s comsangue, estupros, exploração da sexualidade, aber raçõesfísicas etc.), não ocorreu a interrupção prometida,o que, certamente, causa mais ojeriza.

Certo é, pois, que, na busca frenéticado patrocínio e em sua mantença, a prioridade daDemandada centrou-se na popularidade do pro gramaoferecido. Aí intervém o perverso argumento de qu e o grandepúblico “não estaria interessado em qualidade”, por aí sejustificando a oferta de programação de nível maisbaixo, senão já o malsinado “quanto pior, melhor ”. Averdade, todavia, é bem outra, como se colhe da mat éria “ Oque dizem os críticos ”, publicada no jornal O Estado deSão Paulo, de 05/08/01( DOC. 10 ):

“ Para a professora Maria TherezaFraga Rocco, da Faculdade deEducação da Universidade de SãoPaulo, o público contenta-se com ocardápio oferecido pela TV porque não temescolha. ‘É mentira que pessoas depouca renda e baixaescolaridade só gostam de porcaria, comoalegam as emissoras. O público, do A ao Esabe apreciar as coisas bem-feitas ’”. Prossegue a professora: “ Osprogramas de auditório têm osapresentadores, que ganham muitobem, as dançarinas que recebem poucomais do que nada, os atores escalados e oauditório. O que isso custa? Se os índicesde audiência e o retorno comercial sãoaltos, para que mudar? A guerra pelaaudiência é pura armação ”. – o negrito énosso

Na mesma edição, outras duas matérias (“ O que eunão aguento mais ver hoje na televisão – Críticos e públicoreclamam da programação dominical da televisão bras ileira ” e“ O que diz o público ” – DOCS. 11 e 12 , respectivamente)atestam veementemente que, mesmo o grande público f az coro àpéssima qualidade da televisão brasileira, ressenti ndo-se deuma programação com maior padrão de excelência:

“Nem Gugu nem Faustão. Pouca gente suporta aprogramação dominical da televisãobrasileira. E não só os críticos quereclamam. Até pessoas simples,sem instrução, usam palavras comomonótona, repetitiva, chata e

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insuportável para definir o prato quelhes é enfiado goela abaixo no dia delazer . ‘TV no domingo, Deus me livre’,diz o vendedor Iracino Santiago Júnior,de 34 anos. ‘Só tendo estômago’.(...)A faxineira desempregadaLindalva Nascimento, de 47, já faz isso:‘Prefiro ligar o rádio e ouvir música’,conta. ‘Na TV, só passa o quenão presta ”. – Passagens extraídas damatéria “O que eu não aguento mais ver hojena televisão”

”Nos seus domingos solitários,enquanto faz tricô, aaposentada lituana naturalizadabrasileira Marijona Polgrimas Magila, de 72anos, procura na TV alguma coisa que atire daquela letargia. ‘ Fico com o controleremoto na mão , tentando um canal e outro ’,conta. ‘Paro no Gugu, às vezesassisto ao Faustão. Sabe, a gente vaise distraindo. Mas tem coisas quepassam do limite, aí mudo de canal. Todosestão apelando!(...)Na casa do ortopedista Claudinei Pereirade Souza há três aparelhos. Aos domingos, elesó assiste a filmes no canal pago, ‘ Aprogramação da TV aberta éhorrível, paupérrima, sem criatividade,extremamente repetitiva, uma tristeza’,enumera Souza, exasperado . (...)(...)Em vez de lágrimas, o vigilante EdivaldoGonçalves de Souza, de 37 anos, queriater, nas tardes de domingo, ‘um filmaçodaqueles’ para assistir com a mulher e osfilhos. ‘A vida da gente já ésofrida demais’, diz. ‘Já pensou? Vercomo se fosse cinema, comendo pipoca,todo mundo junto? Mas hoje em dia os filmessó servem para dar mau exemplo à juventude’.A faxineira Maria de Lourdes Viana, de 38anos, também gostaria de ver televisão com afamília reunida. Casada e mãe de trêsrapazes músicos, imagina um programa comviola caipira, para satisfazer o marido;música pop para os filhos ecanções românticas para ela.Apaixonada por cinema, a vendedora DanielaPereira dos Santos acha que osprogramas de auditório deveriam acabar.‘Domingo devia passar só bons filmes.Romance, suspense, drama, comédia.Mas quando exibem é porcaria erepetida . Esqueceram de Mim mesmo já passouumas 500 vezes. Ah, e ouvi dizer que NoLimite vai voltar. Meu Deus, No Limite de

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novo não!” – Trechosextraídos da matéria “O que diz o público”

Uma vez feitas essas considerações,importa relevar, a essa altura, seguindo o conteúdo daresposta ao Ofício MJ/SNJ/CCLASS Nº 165, subscrita pela RedeTV ( DOC. 05 ), que o programa “ Repórter Cidadão ”,presentemente atacado, é “ um telejornal que traz asprincipais notícias da cidade e os acontecimentos q ue sãodestaques no Brasil. O apresentador se coloca c omodefensor dos direitos do cidadão para protes tar edenunciar as injustiças e a violência do cotidiano,além de cobrar soluções das autoridades.

Já o ‘ Canal Aberto ’, é um programa composto dejornalismo e de entretenimento, combinandoreportagens especiais, dramas pessoais e familiares . Oprograma conta com a colaboração de uma equipede profissionais habilitados em diversas área s, quese dispõem a ajudar pessoas e famílias que busca m,desesperadamente, soluções para seus conflitos ”.

Conquanto as declarações emitidasprocurem difundir uma idéia de inofensi vidadedos programas, sugerindo, mesmo, uma finalida dealtruística (veja-se, a propósito, a autoenti tulação“defensor dos direitos do cidadão”), outra é arealidade. Eis que, a teor do que demonstram cabalmenteo relatório remetido pelo Ministério da Justiça,consequência de um monitoramento daqueles f amigeradosprogramas ( DOCS. 06 e 07 ), bem como asgravações contidas nas fitas anexas ( DOCS. 13 e14), claramente se observam, durante o seutranscorrer, as irregulares condutas de repórt eres eapresentadores, que abusam de suas lib erdadesjornalísticas, exibindo personagens e situaçõeschocantes, em total infringência à Carta Política de 1988e ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesta ordem de idéia, pedimos vêniapara transcrever, na íntegra, as conclusõesexteriorizadas no relatório a que se fez menção (q ue podemser confirmadas pelas fitas juntadas), as quais dão aexata dimensão da alta perniciosidade dos program as:

“ Programa ao vivoRede TVPrograma: Canal AbertoHorário: 17:30Dia: 16/07/02Assuntos: ‘Mãe é discriminada por causade doença incurável; Mulher sai de

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casa, contrai o vírus da AIDS e mantémrelações sexuais sem preservativos com omarido, a 7 anos, o qual não é soropositivo;Moça de 16 anos transa com dois rapazesna mesma época, e não sabe quem é opai de sua filha’.Extra: o programa apresentouvários conflitos psicológicosextremos, pois enfatiza a discriminaçãosocial que ambas mulheres sofreram.Apresentou cenas de violência eo consumo de bebidasalcoólicas. A mulher soropositivo relatouvárias situações depreconceito. A reconstituição do fatoinsinuou sexo sem o uso de preservativo.Durante o caso da moça que teverelação com dois homens mais novos commulheres mais velhas.

Programa ao vivoRede TVPrograma: Canal AbertoHorário: 17:30Dia: 17/07/02Assuntos: ‘Cantor misterioso querfazer grande revelação; Mulher vê suairmã ser espancada até a morte; DNA deartistas famosos’.Extra: O programa mostroureconstituição da mulher que trabalhava em umsalão e seu marido como era muito ciumento, aagrediu fisicamente e verbalmente. Até que umdia, a espancou até a morte, acena foi presenciada pela irmã davítima , mas durante a reconstituição, acena não foi passada.O apresentador passou um bom tempodo programa indagando a platéia sobrequem poderia ser o cantor misterioso, equal seria a revelação.Um telespectador reconhece oassassino foragido e entra no ar paraconversar com a irmã da vítima, ambosficam relatando sobre a personalidade doassassino .

Programa ao vivoRede TVPrograma: Canal AbertoHorário: 17:30Dia: 18/07/02Assuntos: ‘Mãe afirma que filho está lhematando aos poucos; Mãe é discriminada porcausa de doença misteriosa; Maníacodo estilete fura nádegas demulheres em Taubaté; Polícia invadecativeiro de menino em Osasco’.

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Extra: A mulher com uma doença misteriosa norosto, vem ao palco com uma máscara, oapresentador permite que algumas pessoas avejam , embora não mostre para a platéia.Uma dermatologista liga para oferecertratamento. O caso gera debatesobre situações de preconceitos contrapessoas doentes.Durante a reconstituição do casodo maníaco de Taubaté aparecemcenas violentas dele cortando asnádegas e saindo rindo das vítimas .Na invasão da polícia ao cativeiro não foipresenciada nenhuma cena de violência.

Programa ao vivoRede TVPrograma: Canal AbertoHorário: 17:30Dia: 19/07/02Assuntos: ‘Imagem da Santoaparece misteriosamente em janela’; ‘Grandetrauma destruiu a vida da minha filha’;‘Deixei meu filho na creche e quando fuibuscá-lo estava morto’; ‘Pai foragido por nãopagar pensão alimentícia se entrega ao vivopara a polícia ’.Extra: A temática adulta durante todo oprograma fez com que muitas mulheres seidentificassem com a mulher de 200 kg que foiestuprada aos dezesseis anos, gerando umclima muito tenso e fazendo com quevárias mulheres da platéia relatassem suasexperiências pessoais .No caso da Santa o apresentadorfalou sobre a importância da fé.A tensão continua quando o pai que estáforagido se apresenta durante o programa e apolícia aparece para detê-lo . O casorelata o fato do pai não poder pagar oquanto o juiz estipulou, sendo que acriança não é realmentefilho do condenado, o qual apenasconviveu com a mãe, mas que gostaria deadotá-la.

EMISSORA: REDE TVPROGRAMA: REPÓRTER CIDADÃOHORÁRIO: 16:15 hAssunto:Data: 16/07/2002Policiais fazem perseguição a bandidos(armados) esta cena ocorre numafavela enquanto os policiais corremarmados, adultos e crianças corrempara se protegerem.Mostram imagens de criança de 10anos ferida com um tiro na cabeça.

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Família desesperada com parente deitado nochão baleado, ensanguentado e criançaspresenciando a cena .

Data: 17/07/2002Repórter entrevista o dono dapadaria, ferido na cabeça (ensanguentado),devido a um assalto .Mostram cenas de materiaisapreendidos durante uma operaçãopolicial (armas e drogas)Perseguição e prisão de bandidopelos policiais.Cena de garoto atropelado e atendido pelosparamédicos .O apresentador relata sobre oestado clínico da criança baleada.

Data: 18/07/2002Operação policial contra crime organizado.Prisão do homem que baleou a criança de 10anos.Perseguição a bandidos.Novamente mostram a prisão dohomem acusado de ter baleado a criançade 10 anos.Apreensão de contrabando(roupas, brinquedos em SP).Supostos suspeitos sendo abordadospela polícia .Polícia em busca de cativeiro.

Data: 19/07/2002A polícia contra o crimeorganizado, continua a procura do cativeiro.A polícia aborda suspeitos. Cena de 2 homensmortos. Blitz sendo realizada em SP.O apresentador relata o estado clínico dacriança.OBS.: cena dos 2 homens mortos éexposta mais de 3 vezes ”. - destacamos

É indubitável, pois, de tudo quanto se expôs até o momento, que a Demandadavem constantemente explorando a intimidade de seres humanos, oferecendo a miséria humanacomo entretenimento, subvertendo, por conseguinte, dispositivos contidos na Constituição daRepública.

De outra sorte, os programas combatidos nesta ação ainda contrariamfrontalmente as normas preventivas do Estatuto da Criança e do Adolescente, implicando uma sériede funestas influências sobre a mente e o comportamento de uma massa difusa de crianças eadolescentes que se encontram em estágio de desenvolvimento: a uma, em função de seusconteúdos e temáticas altamente perversos, promovendo a banalização da violência, levando aoar, durante todo o tempo , cenas com armas de fogo, cenas com sangue, assassinatos,estupros, troca de tiros, crimes passionais, exploração de sexualidade, aberrações físicasetc., e, a duas, porque são exibidos em uma hora absolutamente imprópria, em que todos aindatêm livre acesso à televisão (note-se, do relatório apresentado pelo Ministério da Justiça, queo programa “Canal Aberto ” vai ao ar por volta das 17:30 horas, ao passo que o programa“Repórter Cidadão ” é veiculado às 16:15 horas).

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A propósito, cabe, aqui, pontuar que os experts na área de psicologia infantil, emtom uníssono, apontam para o fato de que cenas de sexo e de violência na televisão atuam comofator decisivo nos desvios e abusos sexuais ocasionados na infância e na adolescência.

Neste diapasão, transcrevemos o seguinte trecho, extraído do parecerconsagrado Psiquiatra Infantil Haim Grüspun (Assuntos de Família, S.P., Kairós, LivrariaEditora, 1984), mencionado no livro “Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado”, págs.22/223:

“...a televisão vem exercendo, cada vez mais, marcanteinfluência sobre a imaginação, fantasia e comportamento dacriança. Suas atitudes são frequentemente passíveis demodificação sob a influência de filmes, novelas,programas variados, desde que se apresentem com umalinha mais ou menos constante de valores e padrões decomportamento: amor-sexo-agressividade-medo-terror...,suscitando reações emocionais”.

Da mesma forma, o laudo psicológico confeccionado com maestria pela Dra. MariaAlice de Andrade Palhano, a pedido do Ministério Público Federal, e que aborda tanto os efeitosperversos do uso continuado de vídeo-games, bem como da TV e outras atividades repetitivas,sobre o psiquismo do público infanto-juvenil, arremata de maneira contundente:

“(...)A má qualidade de alguns programas da televisão, dealgumas músicas filmes, notícias e vídeo-games, temsido fator de grande preocupação de muitos.Através de programas de baixa qualidade, ascrianças têm sofrido sérios danos no seudesenvolvimento psicossocial, neurológico e afetivo . Noprimeiro estágio de vida, o bebê encontra-se em plenasimbiose com a mãe, sentindo serem uma mesmapessoa. Aos poucos identifica seu corpo. Posteriormente,através da mãe, ‘conhece’ o pai, avós, constelaçãofamiliar, ou seja, seus modelos de referência, derestrições e balizamento. É o início da socialização.Por algum tempo a criança sente-se o centro dasatenções e, em seu narcisismo, supõe que o mundo gire emseu redor. Aos poucos vai esbarrando em seus próprioslimites, reconhecendo a Lei, as frustrações, as perdas. Sóassim o indivíduo se constitui, ou seja, elaborando suaspróprias perdas.Através de pesquisas temos observado fenômenoadverso. Crianças que desde cedo ficam ‘VENDO ’maus programas de televisão por tempo continuado, s ãoincapazes de solicitar adequadamente, tornando- seegoístas, sem limites e sem condição de respeitar opróximo.Os programas de TV com cenas grotescas sexuais e oude agressividade, vingança, mortes seguidas,espancamentos, transgressões várias, banalizam asemoções e tiram da criança a pouca capacidade decrítica e discernimento que possuem.

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Esses ‘heróis’ transgressores e agressivos e asconstantes e grosseiras cenas de sexo, infelizmente ,servem de modelo de referência à crianças inocentes .Além da enorme distorção de valores, verifica mosque as crianças se FIXAM na FASE NARCISISTA, ou sej a,permanecem com o imaginário fixados em si mesmos,não se identificam com iguais e sim com a televisão queELES supõem controlar. As crianças vão se identific andocom o transgressor, o algoz (ou, quem sabe, a ví tima)e o mau gosto das cenas pseudo-eróticas que ,certamente, irão interferir também na formação dasexualidade infantil.Além de indivíduo mal socializado a criança tem sid o,também, vítima da falta de criatividade, da pobrezaverbal, deficiência na escrita e na leitura, da red ução dacapacidade de atenção, falta de cooperação,capacidade de compartilhar, além de defeitosposturais, distúrbios de visão e audição, dapossibilidade de deflagração de dis túrbiosneurológicos, distorção de valores éticos, redução daafetividade e necessidade de desafiar limites socia is,escolares, familiares.É importante a conscientização destes malefíci os paraque haja maior seleção na qualidade de algunsprogramas, assim como, a adequação de horários,aumento de programas educativos e maior controle po rparte dos pais e educadores ”. (DOC. 15) – negritamos

Resta claro e notório, desta feita, que os programas “Canal Aberto ” e“Repórter Cidadão ” ensinam as crianças e adolescentes a pensar somente sobre banalidades, ouseja, têm o poder de exercer o “pensamento crítico” lá onde não é necessário. Isto, em últimaanálise, leva a um cotidiano cada vez mais esvaziado de relações, de trocas, e, até mesmo, de vidacomunitária e social, fulminando, assim, de morte os mais caros valores sociais e éticos quedevem permear a vida em sociedade.

Por outro lado, todo o arcabouço jurídico nacional, como adiante se explicitará,determina que os programas destinados ao público infanto-juvenil, bem como a toda apopulação em geral devem, não apenas ser educativos, como também respeitar aquelesvalores éticos e sociais da pessoa e da família.

Não se trata – registre-se – de nenhum radicalismo maniqueísta em prol dachamada “radiodifusão educativa”, até porque se sabe que nem sempre esse segmentoconsegue laborar os temas de modo criativo, de sorte a prender a atenção de um contingente maiorde telespectadores. Inclusive, diz o sempre citado José Carlos Barbosa Moreira: “Não falta quemdeteste programas educativos – e por força é convir que alguns deles parecem ordenados, depropósito ou não, a inculcar que educativo é sinônimo de enfadonho”3.

Trata-se, em verdade, invocando novamente os ensinamentos do cultuadoMancuso, “de buscar o medium virtus, de modo que o cunho popular que permeia e predomina naprogramação televisiva não venha significar uma porta sempre aberta para um laissez faire geral e

3 Ação civil pública e programação da TV. In “Ação civil pública – lei 7347/85 – Reminiscências e reflexõesapós 10 anos de aplicação”, coord. Édis Milaré. RT, São Paulo, 1995, p. 28.

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descontrolado, liberando acesso às baixarias, com apelo ao grotesco e à vulgaridade; e mesmo, háde se lamentar a superficialidade e banalização com que por vezes, alguns temas – de per siimportantes – vêm abordados em alguns talk shows”4.

Dessa forma, há de se ter em mente que, não obstante a própria Lei Maior atépermita a exploração do serviço de radiodifusão de sons e imagens com fins lucrativos, não sedeve olvidar, de outro turno, que essa finalidade não pode ser tomada ao pé da letra, numa idolatriaao lucro a qualquer custo ou a baixo custo. O ponto vem ferido no pronunciamento da AcademiaBrasileira de Ciências Morais e Políticas, citado em linhas pretéritas: “Certamente é possívelarrecadar muito mais divulgando-se as aberrações dos sentidos e dos instintos do que o sadioprocedimento, mas a televisão brasileira não está entregue, assim acreditamos, a homensinsensíveis e irresponsáveis”. Nesse sentido, a matéria “Lei de Radiodifusão”, estampada nojornal O Estado de São Paulo, de 28/08/01: “Um projeto de radiodifusão não pode ignorar aquestão da qualidade e do conteúdo. A lei deve pelo menos fixar critérios e responsabilidades dasemissoras que cometem abusos e baixam cada dia mais o nível de seus programas, na lutadesesperada por audiência”. (DOC. 16)

Diante, então, de todo essecontexto desalentador, levanta-se, como de cost ume, oMinistério Público, a fim de contribuir para uma me lhorianesse setor de atividade, assim atuando nos moldesda democracia participativa que a Con stituiçãovigente pretendeu instaurar: num Estado de Dire ito nãodevemos nos conformar com um regime de aporia, em q ue normasfundamentas existem, mas não são atendidas.

2. DO DIREITO

2.1 Dos direitos fundamentais afetados

No mérito, a tarefa de demonstrar o direito torna-se ainda mais fácil, ante aclareza hialina das normas constitucionais e infraconstitucionais que regulamentam a matéria.

Com efeito, à vista do exposto, tem-se que os programas em apreciaçãoinfringiram os incisos III, X e XLI do art. 5º, bem como art. 1º, III, da Constituição Federal.

É bem de ver que a Carta Constitucional de 1988 principiou pelo tratamento dosdireitos e garantias fundamentais e, já nos primeiros dispositivos a respeito, quis combater oaviltamento de qualquer pessoa, conferindo a todos, mesmo nas mais comprometidassituações, um tratamento humano, que se há de refletir no respeito ordinário ao cidadão, pois antesde tudo, a cidadania é princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, II, daConstituição Federal). Assim, para não se limitar a um aspecto apenas da questão, a Lei Maior danossa República dispôs que

“ninguém será submetido a tortura nem a tratamentodesumano ou degradante” (art. 5º, III);

querendo com isso deixar clara a proteção tanto ao elemento físico quanto psíquico. E é notável oquanto os programas em foco têm se mostrado pródigos no aviltamento de pessoas inocentes –

4 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Art. cit.

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que de resto são também de baixa condição financeira, submetendo-as para além do caráterinformativo dos fatos, inerente à espécie dos programas, ao aviltamento, escárnio, constrangimentoe rebaixamento, promovendo a exibição de situações repugnantes,aberrações físicas etc. Outras vezes, exploram o estado anímico deplorável em que se achamesses indivíduos, por ocasião da busca desesperada para solução de seus conflitos.

Não bastasse, esses programas extrapolam o tratamento degradante paraincidir ainda na franca e despreocupada ofensa ao inciso X, do mesmo artigo. Também aí, oconstituinte se fez pródigo para evitar interpretações desprovidas de conteúdo e significado, queeventualmente protegessem violações como as que ora se combate.

Para tanto, deixou explícita a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, dahonra e da imagem das pessoas. Em apartando a intimidade das demais expressões do direito àprivacidade - como apropriadamente observou José Afonso da Silva - fez por distingui-la das outrasmanifestações da privacidade, conferindo-lhe conteúdo próprio que se exprime no “modo deser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de tudo quanto se refira àpessoa mesma” ou, ainda, “esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal deevitar os demais” (José Afonso da silva in Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição, SãoPaulo: Malheiros, 1994, pag 188-190, citando expressões de Adriano de Cupís e René Ariel Dotti,respectivamente).

Para o autor, isso se reflete em três campos: a inviolabilidade do domicílio, o sigiloda correspondência e o segredo profissional. Assim, tem-se como a proteção à “vida domésticalivre de intromissão estranha”, compreendendo a intimidade sexual e a liberdade das relaçõesfamiliares, entre pais e filhos menores.

Portanto, se é possível divulgar as notícias sobre conflitos pessoais efamiliares, a pretexto de se estar atuando na defesa dos direitos do cidadão, bem como sobreocorrências criminosas e diligências policiais, e emitir opiniões a respeito dos fatos, em nome daliberdade de informação jornalística, não se pode admitir a invasão do status familiar , daatividade profissional, das particularidades, para devassar as preferências, ospensamentos e o modo de ser - que é o modo ou maneira em que a pessoa se sente melhor: noandar, falar, agir, vestir, etc.

É bem de ver-se que a violação da intimidade não poucas vezes - e com execrávelinsistência nos programas em comento - leva-os à incidir em outro dispositivo constitucional,insculpido no inc. XLI, do art. 5º:

“a lei punirá qualquer discriminação atentória dos direitosfundamentais”.

Sim, porque o devassamento da intimidade se faz com vistas ao aviltamento econstrangimento, face aos dramas pessoais e famil iares , principalmente, mas tambémquanto a aspectos físicos e psicológicos do entrevi stado . Isso quando os comentários aoaspecto físico não constituem em invasão de outro direito fundamental, também do inc. X, que é odireito à imagem, como adiante se verá.

Retornando ao inciso X do art. 5º da CF/88, é preciso falar na violação ao direito àvida privada. Muito próximo ao direito à intimidade, reduzir-se-iam a um só conceito, não fosse aConstituição dar-lhes destaque para tornar mais abrangente o conjunto de modo de ser e de viverdos indivíduos, ainda na lição no professor José Afonso da Silva. Dessarte, conferiu proteção, sobo direito à vida privada, à vida interior, que envolve a pessoa mesma, os mem bros de suafamília em si e seus amigos, impedindo o assédio so bre eles, que fazem parte da própriavida da pessoa protegida . Diverso, pois, da vida exterior-fruto das relações sociais e atividadespúblicas - essa sim submetida ao campo de pesquisa e divulgação, porquanto é pública.

Igualmente frustrado foi o direito à honra, na medida em que a dignidade da

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pessoa - inerente não ao sujeito em si, mas à qualidade de ser humano -, a sua reputação e ascaracterísticas particulares (qualidades) que lhe conferem o respeito dosconcidadãos, são ignorados e sobrepostos pela expos ição constante e irresponsável dadignidade e do decoro, da estética , que, atingindo subjetivamente a vítima, “causam-lheprejuízos objetivos, sensíveis, pelas repercussões no mundo social, político, econômico,religioso ”, como propriamente observou J. Crettella Jr. (in Comentários à Constituição de 1988,Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, vol. 1, pág. 258).

Quanto à imagem, a derradeira das expressões do direito constitucional àprivacidade, é a apresentação física, o aspecto externo perceptível visivelmente.

O direito à imagem é, portanto, a tutela da aparência, a tutela dadisponibilidade que tem a própria pessoa em relação à sua aparência, à sua apresentação visual,podendo autorizar ou não sua filmagem e divulgação, na medida em que isso se reflita na suadignidade (art. 1º, III, da CF/88) e conceito moral. Noutras palavras, toda vez que a divulgação daimagem tenha fins ofensivos, degradantes, amorais ou ilegítimos, ou meramente fora deacontecimentos realizados em público ou de interess e público, toda e qualquer divulgação epublicação caracteriza ofensa ao direito fundamenta l.

Dessarte, a ofensa tanto se verifica nas situações de publicação de fotos para finscomerciais, aproveitando-se da boa aparência ou notoriedade sem autorização, como naquelesoutros casos em que se divulga a imagem visando ridicular izar, desgraçar o prenome e onome de família, bem como nas hipóteses em que se a divulga para mostrar a aparênciatranstornada pelo conflito psicológico ou mesmo por feridas e contusões, com intuitopuramente sensacionalista.

Os reflexos da imagem na personalidade moral são oportunamente lembrados porAdriano de Cupis, citado por José Afonso da Silva:

“Essa reserva pessoal, no que tange ao aspecto físico - que,de resto, reflete também personalidade moral doindivíduo -, satisfaz uma exigência espiritual deisolamento, uma necessidade eminentemente moral”(op.cit., pág. 191).

Não obstante, prevendo a possibilidade de discriminação atentatória dessesdireitos fundamentais, a Constituição foi expressa em assegurar-lhes a integridade moral, tantoquanto a material (art. 5º, X).

Assim, não se há negar àquelas pessoas o devido respeito calcado noaforismo “defensor dos direitos do cidadão”, porqua nto os dispositivos em comento atéaqui pertinem todos em última análise à sua esfera moral, à sua integridade moral ( art. 5º, X,segunda parte).

É assim, observe-se, já no que se refere aos presos (art. 5º, XLIX, CF/88) e, então,mais ainda quanto às pessoas ditas inocentes.

Aplicação desse contexto deu-se em decisão d efinitiva que julgouprocedente pedido deduzido em ação civil públ ica ajuizada pelo Ministério PúblicoFederal no Paraná, cujo mérito, pela excelência e brilhantismo de seus fundamentos,pedimos vênia para transcrever parcialmente, in verbis (DOC. 17):

“(...)Estes fatos podem ser facilmente constatados assistindo asfitas já referidas. Assim, embora, ao que parece, ambos

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sejam programas de grande audiência e tenham caídono gosto do público e, embora, em algumas oca siõessejam cômicos e também, de certa maneira, sejam umprograma educativo, uma vez que combatem a violênci a,a marginalidade, a bebida, a corrupção e sobre tudo adroga, é inegável o tratamento desumano edegradante que dispensa aos presos e indiciados, emalguns casos sem qualquer respeito à dignidade huma na,bem como, caracteriza a violação de intimidade, da vidaprivada, da honra (mesmo os presos as têm) e da ima gemdas pessoas, sem falar em desrespeito à integridadefísica e moral e subversão do principio elementar dapresunção da inocência dos acusados, princípios estes todoserigidos na Constituição como direitos fundamentais doscidadãos que sequer pode ser objeto de mudança na CartaMagna.

Outrossim, deve ser considerado que não ocorre tão-só oferimento nos direitos individuais indisponíveis doscidadãos (direitos referentes à sua personalidade), mastambém são atingidos os valores éticos e sociais de toda umasociedade à medida que ocorre a difusão da idéia de que opreso não tem nenhum direito, e que não merece qualquerrespeito e de que o seu extermínio é necessário.

Isto posto e considerando que há prova inequívoca doalegado e que também está presente a verossimilhança daalegação, requisitos estes que, associados ao requisitodo receio da ocorrência de dano irreparável ou de difícilreparação, todos muito demonstrados na inicial aos quais mereporto, impossível é negar a concessão da tutela pleiteada.Entretanto, o faço não na intensidade requerida, mas tendoem vista coibir as partes dos programas que impliquemem desrespeito à dignidade humana, à honra, imagem emoral, bem como, à intimidade dos presos, que são odireito de não prestar declarações contra a sua vontade, odireito de não ser ofendido e de não ser filmado em situaçõesvexatórias e humilhantes o direito de não ser exposto àexecração pública, e o direito de não ser pré julgado econdenado por quem não seja competente. No caso dedesrespeito a presente decisão, desde já fixo para a Emissoraa multa de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) paracada programa em que houver descumprimento com base no§ 4°. do art. 461 do CPC, observado ainda que, além da multaretro, o descumprimento poderá resultar emdeferimento do pedido de suspensão dos programas (§§ 2°. e5°. do art. 461, do CPC). Para a União e Estado do Paraná,determino como obrigação de fazer que tomem as devidasprovidências para que as autoridades policiais coíbamquaisquer ofensas tentadas ou cometidas por repórterescontra os presos e detidos, inclusive, impedir a filmagens eentrevistas com estas pessoas sem sua autorização, sobpena de responsabilidade da autoridade e imposição de

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multa.

(...)

No tocante ao pedido de condenação daconcessionária em indenizar as vítimas por da nosmaterial, moral e à imagem causados, merec eprocedência, porquanto, diante dos fundamen toselencados na presente sentença e dos fa tostransmitidos nos programas, efetivamente ho uvedano à moral, à honra e à imagem das pesso asentrevistadas e referidas. Assim, fixo a quantia de R$20.000,00 (Vinte mil reais) para cada vítima , quepoderá postular esse valor na fase de execução desentença.

III. DISPOSITIVO

Diante do exposto, confirmo a liminar concedida e a sdemais decisões das fls. 135-144 e 231-252. JULGOPROCEDENTE O PEDIDO, para o fim de condenar aRÁDIO E TELEVISÃO OM LTDA, nos termos do artigo 461 ,§ § 1°., 3°. e 4°. do CPC, à obrigação de não fazer ,coibindo-a de transmitir programas que impliqu emdesrespeito à dignidade humana, à honra, imagem emoral, bem como à intimidade dos presos, que são odireito de não prestar declarações contra a suavontade, o direito de não ser ofendido e de não se rfilmado em situações vexatórias e humilhantes odireito de não ser exposto à execração pública , e o direitode não ser pré julgado e condenado por quem não sejacompetente.

No caso de descumprimento da presente decisão, será fixadapara a Emissora a multa de R$ 200.000,00(duzentos mil reais), para cada programa, nos termos do art.461, § 4°., do CPC.

(...)

Condeno, ainda, a RÁDIO E TELEVISÃO OM LTDA, apagar indenização às vítimas entrevistadas o ureferidas nos programas contidos nas fitas que estã odepositadas em juízo. Assim, fixo a quantia de R$20.000,00 (Vinte mil reais) para cada vítima , quepoderá postular esse valor na fase de execução desentença.

Condeno a a RÁDIO E TELEVISÃO OM LTDA ao

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pagamento das custas processuais e de honoráriosadvocatícios à UNIÃO, no montante de R$ 2.000,00 (Dois milreais).

(...)” – o negrito é nosso

2.2 Dos direitos das crianças e adolescentes constantes do Estatuto daCriança e do Adolescente, e dos direitos das crianças e adolescentes, bemcomo dos cidadãos em geral, enquanto consumidores

A Constituição determina que o Estado deve velar pela educação e condições devida das crianças e adolescentes, concedendo-se a estes direito à proteção especial, de modo apropiciar uma educação saudável e a formar um cidadão consciente de seus deveres e direitos,respeitoso pelas leis e solidário para com os outros cidadãos.

Nossa Carta Magna, por outro lado, preza pelo fornecimento de condições paraque tanto a criança quanto o adolescente possam otimizar suas capacidades, resguardando-oscontra abusos e ofensas.

Mais especificamente no tocante ao tema em testilha, o art. 221, inciso IV daConstituição Federal estabelece que a programação das emissoras de televisão atenderá aoprincípio do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Ademais, é dever do Estado colocar crianças e adolescentes a salvo de toda formade violência, ex vi do art. 227 da Constituição Federal.

A Constituição é clara. É dever do Estado colocar c rianças e adolescentes asalvo de toda forma de violência . A Constituição conferiu sentido abrangente à expressão, como que não se deve entender violência tão somente como a força física material, mas tambémcomo formas de influência em prol da violência a que fiquem submetidos crianças e adolescentes,devendo o Poder Público combatê-las.

A nível infra-constitucional, temos que oEstatuto da Criança e Adolescente, Lei n. 8.069, de 13de julho de 1990, em seu artigo 6º, prediz a regrabásica da hermenêutica das normas relativas à criançae ao adolescente, determinando o norte que deve guiaro intérprete:

“Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os finssociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, osdireitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar dacriança e adolescente como pessoas em desenvolvimento.”

Destarte, deve o intérprete estar imbuído, na inte rpretação de questões quedizem respeito às crianças e adolescentes, d e que são eles pessoas em

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desenvolvimento, cabendo ao Poder Público assegurar condições para que taldesenvolvimento concretize-se de forma sadia e frut ífera. Os programas na oportunidadeguerreados, fundamentalmente o “ Repórter Cidadão ”, em nada contribuem para umaformação e desenvolvimento saudáveis das crianças e adolescentes. Ao revés, face aoconteúdo avassalador das cenas de violências que tr ansmitem, levam à distorção dosvalores éticos e morais por esse público inf anto-juvenil, que, justamente por servulnerável, e, portanto, naturalmente tendente a repetir comportamentos, identifica-se coma violência constante.

Da mesma forma, o artigo 3ºdetermina:

“Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitosfundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo daproteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, porlei ou por outros meios, todas as oportunidades efacilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dedignidade.”

Nestes termos, garante o artigo 7º doEstatuto:

“Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e àsaúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas quepermitam o nascimento e o desenvolvimento sadio eharmonioso, em condições dignas de existência.”

Função do Estado é efetuar atividades que garantam o desenvolvimentoharmonioso e sadio à criança e adolescente, ou seja, dever é do Estado deles afastarinstrumentos de violência e agressividade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, em seu art. 71, que a criançae o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos eprodutos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Outrossim, o mesmo Diploma Legal estabelece, em seu art. 75, que todacriança ou adolescente terá acesso às diversões classificadas como adequadas à sua faixaetária, bem como, em seu art. 76, que as emissoras de televisão somente exibirão, no horáriorecomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas,culturais e informativas.

Na mesma linha, o art. 74 do ECA estabelece caber ao Poder Público, através doórgão competente, regular as diversões e espetáculos públicos, informando a natureza deles, asfaixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostreinadequada.

Ademais, todo o arcabouço legal emdefesa do consumidor, em particular o Código deDefesa do Consumidor , subsume-se inteiramente aopresente caso, visto que os telespectadores

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caracterizam-se, indubitavelmente, comoconsumidores dos serviços prestados pelasemissoras de televisão.

Saliente-se, assim, que o Código de Defesa do Consumidor estabelece, em seuart. 6º, inciso I, que são direitos do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra osriscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ounocivos.

A Portaria 796, por sua vez, de 8 de setembro de 20 00, em cumprimento àsdeterminações da CF e do ECA, estabelece os parâmet ros de classificação indicativa aserem observados pelo Departamento de Classificação Indicativa do Ministério daJustiça (DOC. 18).

Já a Portaria 692, de 21 de novembro de 1996, estabelece a competênciaadministrativa para a classificação em comento ao Departamento de Classificação Indicativa(DOC. 19).

2.3 Da liberdade de informação jornalística

Assentado que a exploração da radiodifusão de sons e imagens é umsegmento empresarial claramente regrado por diretrizes cogentes, fixadas na ConstituiçãoFederal e na legislação ordinária, cometendo ao Estado tarefas de controle e fiscalização daatividade, verifica-se a configuração de um direito subjetivo público em face desse mesmo Estado,ou, no mínimo, um interesse difuso a que a programação atenda a um padrão básico dequalidade .

Com efeito, é preciso ter presente que as garantias constitucionais queenvolvem a livre expansão das produções da mente e do espírito, como o pensamento, aexpressão, a criação, a informação (art. 220, caput, da CF/88), e bem assim a vedação de “todae qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (§ 2º do mencionado artigo), sãoparâmetros que não podem ser tomados à outrance, em modo absoluto (aliás, não há direitosabsolutos), senão que se sujeitam a restrições previstas na própria Constituição Federal, elaprópria fornecendo o contraponto daquelas liberdades: assim, é “vedado o anonimato”; é“assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,moral ou à imagem”; “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem daspessoas”; “é resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (art. 5º,incisos IV, V, X e XIV, respectivamente).

No ponto, leciona Mancuso:

“Por exemplo: a Constituição assegura a liberdade de criaçãoartística (art. 220, § 2º), mas ninguém pode pretender oexercício do ‘direito’ de promover a pichação do imóvel deterceiro ou da parede de um prédio público, ao argumento deque está dando vaza à sua veia artística ou exercendo artepopular: ao contrário, o ordenamento considera tal condutaafrontosa ao patrimônio estético urbano, tipificando-a comodelito penal – art. 65 da lei 9605/98 (lei dos crimesambientais) e, agora, a lei 10.257/2.001 – dito Estatuto daCidade – arrola dentre os interesses difusos, tuteláveis via

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ação civil pública, os valores concernentes à ordemurbanística (art. 53). Algo semelhante se passa com aprogramação televisiva: enquanto atividade empresar ial,é beneficiada com a garantia do ‘livre exercício dequalquer atividade econômica’ (CF, § único do art. 170),e consequente apropriação do lucro, mas na med idaem que se insere no segmento da comunicação socia l,fica tal atividade sujeita aos parâmetros e restri ções quea mesma Constituição impõe, seja quando comete àUnião ‘explorar, direta ou mediante autor ização,concessão ou permissão os serviços de radiodifusãosonora de sons e imagens’ (art. 21, XII, a) , sejaquando atribui à lei federal ‘regular as diversões eespetáculos públicos, cabendo ao Poder Públicoinformar sobre a natureza deles, as faixas etárias a quenão se recomendem, locais e horários em que a suaapresentação se mostre inadequada’, e,igualmente, ‘estabelecer os meios legais quegarantam à pessoa e à família de se defenderem deprogramas ou programações de rádio e televisão’ (§ 3º,incisos I e II do art. 220, respectivamente).No tocante à coletividade infanto-juvenil, é especí fico oart. 227 da Constituição Federal: ‘É dever da famíl ia, dasociedade e do Estado assegurar à criança e aoadolescente, com absoluta prioridade, o direit o àvida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, àprofissionalização, à cultura, à dignidade, ao resp eito, àliberdade e à convivência familiar e comunitária, a lémde colocá-los a salvo de toda forma denegligência, discriminação, exploração, violê nciacrueldade e opressão ”5 – destacamos

Como se observa, o controle de um padrão mínimo de qualidade naprogramação televisiva constitui-se num poder-dever imposto assim à família, como àsociedade e ao Estado, e bem se compreenda tenha a Constituição deixado em mãos daUnião a competência para “exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas ede programas de rádio e televisão” (art. 21, XVI). Destarte, não colhe a afirmação de que um“controle básico de qualidade” se aproximaria de alguma de censura prévia, mais parecendo quepor aí se quer agitar um contra-argumento, voltado a bloquear, na fonte, uma discussão maisprofícua do tema em questão.

Algo semelhante se passa, mutatis mutandis, quanto à sindicabilidade judicial dasquestões relativas à qualidade da programação televisiva, como esclarece José Carlos BarbosaMoreira6:

“O direito de ação é consagrado na Constituição (ar t. 5º,XXXV); também o é, lógica e necessariamente, o de ver deprestar jurisdição, correlato a tal direito. Não po de tolhê-lo, portanto, a proibição da censura. Sob pena de

5 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Art. cit.6 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 288.

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imputar-se à Carta da República palmar contra dição,faz-se imperioso concluir que o exercíc io da funçãojurisdicional, no terreno de que se cuida, não cons tituicensura – conceito este que se tem de fixar lev ando emconta os dados ius positum, e não idéias vagas, toscas,mal lapidadas, porventura circulantes no universoextrajurídico”. – o negrito não consta do original

É fácil perceber, dessa forma, que o que goza de ampla liberdade é opensamento, a criação, a expressão e a informação, que não se confundem com a exploração dosentimento alheio, em que acaba havendo a completa destruição moral e social de alguém.

Aliás, a própria Constituição cuida disso ao ordenar a observância do que elaprópria dispõe (art. 220, “caput”) - e aqui lembramos os direitos fundamentais atrásexpostos - e também, especificamente, do disposto no art. 5º, V e X (art. 220, § 1º).

O objetivo é claro: coibir abusos, observados normalmente em reportagens cujointuito não é a informação, mas a exposição vulgar da miséira humana. Proteger as expressões dodireito à privacidade, a honra, a imagem, etc.

Outrossim, verifica-se a preocupação com a família, célula máter do corpo social(art. 220, § 3º, II), garantindo-se-lhe, assim como à pessoa, a defesa contra programas ouprogramações que contrariem o disposto no art. 221, artigo esse que trata dos princípios daradiodifusão:

“I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais einformativas ;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo àprodução independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística,conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e d afamília”.

É fácil ver que as finalidades dos programas em comento não se aproximam nemum pouco das estabelecidas no inc. I, do art. 221. A única que ainda poderia caber-lhe, ainformativa, é de modo inacreditável deturpada.

Cultura tampouco é o que se promove, mas a anti-cultura, refletida nadesmoralização de pessoas inocentes.

Por fim, não há um rasgo sequer de respeito aos valores éticos da pessoa e dafamília.

De sorte que a perquirição jurídica acerca da observância de um padrão básico dequalidade na programação televisiva, não é obstada pela circunstância de aí porventura se lobrigarum conceito (relativamente) vago ou indeterminado. Em verdade, trata-se de matéria devidamentejuspositivada (a teor do que dispõe o próprio art. 221 da CF/88, acima referido, em que já se fixam,impositivamente, os princípios reguladores do conteúdo da programação televisiva), que nãoimbrica nem com a liberdade de expressão ou de criação artística, nem com alguma modalidade de

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censura prévia ou patrulhamento ideológico sobre a programação ofertada ao grande público, demodo que não é escusável a postergação das correlatas medidas preventivas ou repressivas.

Sobre esse mister, aliás, cumpre fazer menção, novamente, à decisão que julgouprocedente pedido formulado pelo parquet federal no Estado do Paraná, cujos termos já sereproduziram parcialmente alhures, e que enfrentou o tema de forma brilhante:

“A questão a ser dirimida nos presentes autos é idêntica emtudo à questão posta nos autos da Ação Civil Pública n.97.0011498-8 em que o Ministério Público Federal intentacontra a União, Estado do Paraná e a TVIndependência S/A e que tramita na 1a. Vara Federal destaCircunscrição Judiciária. Nesta ação, também em apreciaçãoda tutela antecipada requerida, e quanto à possibilidade dese estabelecer limitações e restrições à liberdade demanifestação de pensamento sem que tal fato configureuma censura vedada pela Constituição, bem como,quanto à possibilidade de atuação do MinistérioPúblico para coibir eventuais excessos, o Eminente JuizZuudi Sakakihara, assim se manifestou:

‘A Constituição federal, em seu art. 220, garante que amanifestação de pensamento, a criação, a expressão e ainformação, sob qualquer forma, processo ou veículo nãosofrerão qualquer restrição, observado o disposto nestaConstituição. Além disso, proíbe, no §2° desse mes moartigo, qualquer censura de natureza política, ideológica ouartística.O § 3°, por sua vez, determina que a lei federal de veestabelecer os meios legais que garantam à pessoa e àfamília a possibilidade de se defenderem de programas ouprogramações de rádio e televisão que contrariem o dispostono art. 221, bem como da propaganda de produtos,práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde a aomeio ambiente, enquanto que o citado art. 221 impõe que apropaganda e a programação das emissoras de rádio etelevisão atenderão aos seguintes princípios: l) preferênciasa finalidades educativas, artísticas, culturais einformativas; II) ... Ill) ... IV) respeitosa aos valores éticose sociais da pessoa e da família.

Tem-se, portanto, que a Constituição, do mesm omodo que garante a liberdade de manifestação dopensamento, de criação, de expressão e deinformação, e proíbe a censura, restringe, ao mesmotempo, a produção e a programação das emissoras derádio e televisão, exigindo que seja da dapreferência a finalidades educativas, artí sticas,culturais e informativas, e impõe o respeito aosvalores éticos e sociais da pessoa e da fam ília,incumbindo à lei federal a tarefa de estabelecer os meiospelos quais a pessoa e a família poderão def ender-se

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de programas e programações que contrariem taisprincípios, é válido concluir-se, portanto, qu e o art.220 da Constituição não estabelece uma li berdadeplena e absoluta de manifestação do pen samento,de criação, de expressão e de informação, poi s queessa liberdade acha-se limitada pelo art. 221.Seguindo a mesma linha de raciocínio, pode-seconcluir, também, que é equivocado o entendimento d eque todo o tipo de censura se acha proibido pelo § 2° doart. 220 da Constituição, pois a censura que tenha porobjetivo adequar o programa ou as programações derádio e televisão às exigências da própria Constitu içãonão está e não poderia ser proibida. Assim, a todocidadão, que se sinta prejudicado em direito que aConstituição lhe assegura, é lícito recorrer ao Po derJudiciário e dele reclamar a prestação jurisdicio nal,buscando a cessação da violência e a reparação dosdanos acaso existentes. O provimento judicial que, dessemodo, estabeleça limitações e restrições à lib erdadede manifestação do pensamento, não traduzir á,absolutamente, modo algum de censura vedada pe laConstituição, pois estará, justamente, impondo orespeito e a observância aos princípios estabelecid os naprópria Constituirão. Com certeza, tal atividadejurisdicional, que consiste na criação da normaindividual concreta que se refere ao respeito que sedeve ter aos valores éticos e sociais da pes soa e dafamília, não podendo ser confundida com a censu ra,proibida pela Carta Maior.

Cumpre examinar; em primeiro lugar, de que modo ocidadão e a família poderão defender-se de programas ouprogramações de rádio e televisão que transgridam asdiretrizes fixadas no art. 221 da Constituição Federal, e, emsegundo lugar, quais são as finalidades educativas, artísticas,culturais, informativas, e quais os valores éticos e sociais quedevem merecer proteção.

Estabelece o inc. II do §3° do art. 220 da Constit uição quecompele à lei federal estabelecer os meios legais quegarantam tal defesa à pessoa e à família. A lei federal,portanto, é que disciplina o modo como essa defesa será feita.

Não se pode entender que o citado dispositivoconstitucional só venha a ter eficácia quando sobrevier amencionada lei federal, que disponha sobre tais formas dedefesa, pois, quando é promulgada uma novaConstituição, como ocorreu em outubro de 1988, não há umrompimento com as leis anteriormente existentes, valendodizer que não ocorre uma revogação geral de todas as leisque, ao contrário, são recebidas pela nova ordemconstitucional, em tudo aquilo que com ela não conflite.

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Dessarte, quando a Constituição diz em seu art. 220, § 2°,II, que compete à lei federal estabelecer os meios dedefesa contra os programas ou as programações derádio e televisão, contrários aos valores éticos e sociaisda pessoa e da família, não se refere apenas às lei s que,após a promulgação da Constituição, expressame ntedispuserem nesse sentido, mas também àquelas leisque já estavam em vigor, quando surgiu a nov aConstituição, e já previam mecanismos de defesa paratais situações.

Entre estas, encontra-se a Lei n° 7.347, de 24 de j ulho de1985, que disciplina a ação civil pública e legitim a oMinistério Público para propor ações deresponsabilidade por danos morais e patrimonia iscausados a quaisquer interesses difusos oucoletivos, como previsto no inc. IV do seu art. 1°. Aliás,vale anotar que esse inc.. IV veio a ser ac rescentado,posteriormente, em 1990, para melhor adequar a Le i deAção Civil com que a própria Constituição de 1988prevê, no art. 129, quando define como funç ãoinstitucional do Ministério Público promover oinquérito civil e a ação civil pública, para a proteçãodo patrimônio público e social, do meio ambie nte ede outros interesses difusos e coletivos .

Não se pode negar que o interesse na defesa contra osprogramas ou programações das televisões, quecontrariem as diretrizes fixadas no art. 221 daConstituição, pode ser classificado como uminteresse transindividual, do tipo difuso.

O conceito de interesses ou direitos difusos está posto no inc.I do art. 81 da Lei n°8.078, de 11.09.1990 (Código doConsumidor), como aqueles transindividuais, de naturezaindivisível, de que sejam titulares pessoasindeterminadas e ligadas por circunstância de fato,conceito esse que se aplica à ação civil pública, por força daextensão feita pelo art. 21 da Lei n ° 7.347/85.

Ora, o interesse ou o direito de defender-se deprogramações nocivas levadas ao ar pelas emissoras detelevisão não possuem um titular determinado, pois que sãocomuns a um grupo indeterminado e, praticamente,indeterminável de pessoas, todas elas ligadas por umacircunstância de falo, isto é, pelo fato de possuírem umaparelho receptor de televisão. Trata-se, com efeito, de uminteresse indivisível, pois nenhuma pessoa,isoladamente ou em grupo, poderá pretender a alteração da

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programação só para si. Qualquer modificação atingirá,obrigatoriamente, todo o universo das pessoas possuidorasde televisão.

Tratando-se, assim, de um interesse difuso, a ação civilpública é um dos instrumentos aptos para pro movera sua defesa. Legitimado está o Ministério Público parapropô-la ’". – negritamos

Por tudo isso, a Constituição fez bem em lembrar a possibilidade decancelamento da concessão de serviço de radiodifusão antes do vencimento do seu prazo.Apenas condicionou-o à decisão judicial.

É preciso, então, retornar à Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962, que instituiu oCódigo Nacional de Telecomunicações, com a alteração promovida pelo Decreto-lei nº 236, de 28de fevereiro de 1967.

Recepcionado pela Constituição Federal de 1988, e sem “constituir embaraço àplena liberdade de informação jornalística”, o Decreto-lei 236/67, com a devida filtragemconstitucional, traz exemplos de abuso no exercício da liberdade de radiodifusão. Exemplos essesque, mesmo sem a previsão legal, seriam decorrência do próprio sistema normativoconstitucional:

‘Art. 53. Constitui abuso, no exercício da liberdade deradiodifusão , o emprego desse meio de comunicação para aprática de crime ou contravenção previsto na legislação em vigorno país, inclusive:.........................................................................................................h) ofender a moral familiar, pública, ou os bons costu mes,..........................................................................................................”

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Já se demonstrou cabalmente em linhas pretéritas o quanto os programas em focoestão longe de afeiçoar-se aos parâmetros concernen tes, exibindo o ser humano emcondições degradantes, expondo criança a situa ção constrangedora, banalizando aviolência e o sexo .

O destemor é impressionante e chega a se constituir em ofensa à Justiça e repúdioàs leis.

Também o Decreto nº 52.795, de 31 de outubro de 1963, que aprovou oRegulamento dos Serviços de radiodifusão, no seu artigo 28, com a redação dada pelo Decreto88.067, de 26 de janeiro de 1983, dispõe como obrigação das concessionárias epermissionárias:

“Art. 28, nº 11 - subordinar os programas de informação,divertimento, propaganda e publicidade às finalidadeseducativas e culturais inerentes à radiodifusão ;nº 12 - na organização da programação:a) manter um elevado sentido moral e cívic o, nãopermitindo a transmissão de espetáculos, trechos musicaiscantados, quadros , anedotas ou palavras contrárias à moralfamiliar e aos bons costumes ;b) não transmitir programas que atentem contra o sentimentopúblico, expondo pessoas a situações que, de algumaforma, redundem em constrangimento, ainda que seuobjetivo seja jornalístico.”

Quanto ao item 11 do art. 28 supra, remete-se às finalidades previstas no art. 221,da CF/88, já comentado.

O Regulamento vai além e estabelece, no seu art. 122, as infrações naexecução dos serviços de radiodifusão:

“Art. 122...............................................n° 8 - ofender a moral familiar, pública ou os bon scostumes ;...............................................n° 18 – não organizar a sua programação de acordo com o queestabelece o artigo 67 deste Regulamento;...............................................n° 31 – quando notificado pelo Ministro da Justiça , voltar atransmitir qualquer assunto objeto de representação, até que estaseja decidida por aquela autoridade...............................................nº 34 – executar os serviços de radiodifusão em desacordo comos termos da licença ou não atender às normas e condiçõesestabelecidas para essa execução;”

Cumpre transcrever o art. 67 mencionado no nº 18 retro reproduzido:

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“Art. 67. As concessionárias e permissionárias de serviços deradiodifusão, observado o caráter educacional desse serviço,deverão na organização dos seus programas, atender, entreoutras, às seguintes exigências:1. manter um elevado sentido moral e ético, não permitindo airradiação de espetáculos, trechos musicais cantados, quadros,anedotas ou palavras, contrários à moral familiar e aos bonscostumes;(...)”

É pertinente, ainda, com o propósito de aclarar o cometimento da infraçãonoticiada no nº 31 supra, mais uma vez registrar que, a requerimento da própria Suplicada,chegou a ser firmado termo de compromisso com o Ministério da Justiça, através de seuDepartamento de Classificação Indicativa, visando à continuidade de transmissão do programa“Canal Aberto” no período vespertino horário livre, mediante readequação da pauta; termo esseque, entrementes, restou infringido por ela (Demandada) mesma.

Para demonstração cabal da infração ao art. 53, alínea “h”, da Lei 4117/62,alterada pelo Decreto-lei 236/67 (emprego da radiodifusão com ofensas à moral familiar,pública ou aos bons costumes), importa analisar o enquadramento penal das condutas dosapresentadores e repórteres dos programas em comento, conforme a tipificação dada pela Lei deImprensa (Lei 5250, de 09 de fevereiro de 1967).

Assim, está contido no art. 17 desse diploma legal:

“Art. 17. Ofender a moral pública e os bons costumes :Pena – detenção de 3 (três meses) a 1 (um) ano, e multa de 1 (um)a 20 (vinte) salários mínimos da região.(...)”

Por tudo isso, conclui-se que o ordenamento jurídico, calcado no textoconstitucional, pretende um sentido positiv o à ampla liberdade de informaçãojornalística , que ora nos cumpre restabelecer.

2.4 Das responsabilidades da concessionária de serviço de radiodifusão desons e imagens

Assentado que não se há negar a plena vigência de disposições constitucionais elegais sinalizando, para o Estado e para as emissoras de televisão, o poder-dever de afeiçoar aprogramação aos princípios e diretrizes que, de modo cogente, regem a matéria, resulta evidenteque a contra-face desse poder-dever é que seu desatendimento ou oferta irregular acarretam aresponsabilização de quem, por ação ou omissão, tenha dado causa ou de algum modo concorridopara resultado discrepante dos objetivos fixados nos textos de regência, o que pode ser apuradojudicialmente, no bojo de uma ação civil pública.

Nessa ordem de idéia, a Constituição Federal, no ar t. 223, § 4°, previu apossibilidade de cancelamento da concessão de se rviço de radiodifusão de sons eimagens mediante decisão judicial .

Ao seu turno, a Lei 4.117/62, alterada pelo Decreto-lei 236/67, elencou comosanção por infração de seus termos a multa, a suspensão e a cassação da concessionária (art.

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59).

Segundo a mesma lei, art. 61, a pena será imposta de acordo com a infraçãocometida, considerando entre outros fatores a gravidade da falta. Assim, a infringência ao art. 53desse diploma legal, pode ensejar a suspensão ou a cassação, conforme a gravidade da infração(art. 63 e 64, c/c art. 61, a)

No presente caso, a gravidade atinge seu ápice, e é indiscutível.

Cabe ainda a pena de multa, “aplicada por infração de qualquer dispositivo legal”(art. 62, primeira parte).

Também o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto n° 52.795/93),prevê as mesmas sanções, em condições análogas.

Retornando à Constituição Federal, pelos danos morais e à imagem cabeindenização às vítimas (art. 5°, incs. V e X) , cuja condenação será genérica, fixando aresponsabilidade dos réus pelos danos causados (art. 95 do Código de Defesa do Consumidor) esubmetida à execução na forma dos arts. 98 a 100 do Código de Defesa do Consumidor.

Cabe, neste passo, novamente registrar a decisão prolatada pelo magistradofederal do Paraná, a que já se reportou em outras oportunidades:

“(...)

No tocante ao pedido de condenação daconcessionária em indenizar as vítimas por da nosmaterial, moral e à imagem causados, merec eprocedência, porquanto, diante dos fundamen toselencados na presente sentença e dos fa tostransmitidos nos programas, efetivamente ho uvedano à moral, à honra e à imagem das pesso asentrevistadas e referidas. Assim, fixo a quantia de R$20.000,00 (Vinte mil reais) para cada vítima , quepoderá postular esse valor na fase de execução desentença.

III. DISPOSITIVO

Diante do exposto, confirmo a liminar concedida e a sdemais decisões das fls. 135-144 e 231-252. JULGOPROCEDENTE O PEDIDO, para o fim de condenar aRÁDIO E TELEVISÃO OM LTDA, nos termos do artigo461, § § 1°., 3°. e 4°. do CPC, à obrigação de não fazer,coibindo-a de transmitir programas que impliqu emdesrespeito à dignidade humana, à honra, imagem emoral, bem como à intimidade dos presos, que são odireito de não prestar declarações contra a suavontade, o direito de não ser ofendido e de não se rfilmado em situações vexatórias e humilhantes odireito de não ser exposto à execração pública , e o direitode não ser pré julgado e condenado por quem não seja

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competente.

No caso de descumprimento da presente decisão, seráfixada para a Emissora a multa de R$ 200.000,00(duzentos mil reais), para cada programa, nos termos do art.461, § 4°., do CPC.

(...)

Condeno, ainda, a RÁDIO E TELEVISÃO OM LTDA, apagar indenização às vítimas entrevistadas o ureferidas nos programas contidos nas fitas que estã odepositadas em juízo. Assim, fixo a quantia de R$20.000,00 (Vinte mil reais) para cada vítima , quepoderá postular esse valor na fase de execução desentença.

(...)” – o negrito é nosso

3. DA LEGITIMAÇÃO ATIVA

O Ministério Público, como já se deixou claro, é o órgão ao qual aConstituição Federal incumbiu a guarda dos interesses individuais e coletivos quesejam indisponíveis. Assim, tem-se como funcão institucional do Ministério Público,determinadas naquela Carta Fundamental:

“Art. 129. São funcões institucionais do MinistérioPúblico:

II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos edos serviços de relevância pública aos direitosassegurados nesta Constituição, promovendo asmedidas necessárias a sua garantia;

III- promover o inquérito civil e a ação civil pública,para a proteção do patrimônio público e social, domeio ambiente e de outros interesses difusos ecoletivos;”

No mesmo sentido dispõem os artigos 1º e 2º da Lei Complementar 75 de 1993:

“Art. 1º O Ministério Público da União, organizado poresta Lei Complementar, é instituição permanente,essencial à função jurisdicional do Estado,incumbindo-lhe a defesa daordem jurídica, do regime democrático, dosinteresses sociais e dos interesses individuais

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indisponíveis.

Art. 2º Incumbem ao Ministério Público asmedidas necessárias para garantir o respeito dosPoderes Públicos e dos serviços de relevânciapública aos direitos assegurados pelaConstituição Federal.”

A ação civil pública aqui proposta com o escopo de assegurar os direitos difusosrelativos aos cidadãos em geral, tem como legitimado de forma clara o Ministério Público, nostermos da Lei n. 7.347, artigo 5º:

“Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão serpropostas pelo Ministério Público, pela União,pelos Estados e Municípios. Poderão também serpropostas por autarquia, empresa pública,fundação, sociedade de economia mista ouassociação.”

Quanto às funções institucionais do Ministério Público, deixa claro a referida LeiComplementar:

“Art. 5º São funções institucionais do MinistérioPúblico da União:

V - zelar pelo efetivo respeito dos PoderesPúblicos da União e dos serviços de relevânciapública quanto:b) aos direitos assegurados na ConstituiçãoFederal relativos às ações e aos serviços de saúde eà educação;”

O artigo 82, inciso I, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, por seuturno, confere legitimidade ao Ministério Público para atuar em prol da defesa dos direitos difusos:

“Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, sãolegitimados concorrentemente:II- o Ministério Público;”

Se, por um lado, temos a atuação administrativa efi ciente doMinistério da Justiça no cumprimento das obri gações que lhe foramimpostas legalmente (conforme deixam cl aro os documentospresentemente anexados, aos quais já se fez alusão em outrasoportunidades), qual seja, a fiscalização e classif icação dos programasatacados nesta ação, determinada pela Portaria 796/ 2000, é certo que aguarda judicial dos direitos fundamentais em tela c abe ao o MinistérioPúblico Federal .

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A jurisprudência consagra de forma clara a legitimidade doMinistério Público Federal em tais questões:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL.MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PUBLICA. 1. O MinistérioPúblico é instituição nacional, subordinada aos princípios deunidade, indivisibilidade e independência funcional (CF. art.127), e compreende o Ministério Público da União e o dosEstados(CF. art. 128). 2. A atuação dos agente do MinistérioPúblico se dá em forma estruturalmente organizada e medianterepartição de atribuições. 3. E incompatível com os princípios deregência da instituição e do sistemas de repartição deatribuições a atuação do Ministério Público Estadual, fora do seuEstado ou fora da jurisdição estadual. 4. Compete aoMinistério Público da União, e não ao do Estado, exercer asfunções institucionais do órgão relativas a promoção de ações civispúblicas de competência da JustiçaFederal."(AC 91.04.13275-0, TRF4, SEGUNDA TURMA, RelatorJUIZ TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data da decisão 17/10/91, DJU06/11/91, PAGINA 27825)."EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVILPUBLICA. MPF: LEGITIMIDADE. PROVA PERICIAL. 1- OMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL esta autorizado a ajuizar açãocivil publica na defesa da moralidade publica e também parapreservar a saúde publica (CF, art. 129, III). 2- Prova pericial deinteresse do juízo. 3- Agravo improvido."(AG96.01.17228-9, TRF1, QUARTA TURMA, Relator JUIZ ELIANACALMON, Data da decisão 14/08/96, DJU 05/09/96, PAGINA65227).”

A legitimidade ativa do MinistérioPúblico Federal é clara, sendo de ressaltar-se ainda odisposto na Lei Complementar n. 75:

“Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público daUnião:III - a defesa dos seguintes bens e interesses:e) os direitos e interesses coletivos, especialmente dascomunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e doidoso;”

No mesmo sentido, dispõe o artigo 6º da referida lei:

“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:a) a proteção dos direitos constitucionais;c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos ecoletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, àcriança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e aoconsumidor;”

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Retornando às funções institucionais que lhe foram cometidas pela Lei Maior, cabeao parquet, na forma assinalada linhas atrás, zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos edos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, em garantia dosquais pode promover as medidas necessárias, bem como promover ação civil pública paraproteção de interesses coletivos lato sensu (art. 129, II e III).

Nesse passo, a Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre as atribuições doMinistério Público da União, de que é ramo o Ministério Público Federal, determina que é suafunção institucional zelar pelos princípios constitucionais relativos à comunicação social etambém zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevânciapública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos,deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos a comunicação social(art. 6º, incs. II, ‘d’ e IV).

Definiu ainda, expressamente, a ação civil pública como seu instrumento deatuação para a proteção dos direitos constitucionais (art. 6º, VII, ‘a’) bem como, dentre os ramosdo Ministério Público da União, ser cabível especificamente ao Ministério Público Federal oexercício da defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lheso respeito pelos concessionários e permissionários de serviço público federal (art. 39, III).

Outrossim, cumpre observar que é ao parquet federal devido, comoinstrumento de atuação, a propositura das ações cabíveis para cancela mento deconcessão ou de permissão , nos casos previstos na Constituição, dentre os quais, osserviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 6º, XVII, ‘d’, da Lei Complementar nº75/93 c/c art. 223, § 4º, da CF/88).

Por fim, sobressai também evidente a legitimidade a tiva doMinistério da Justiça, que deverá, portanto, integr ar a presente lide comolitisconsorte ativo necessário do Ministério Públic o Federal.

Deveras, não se deve olvidar que a relação jurídica em cotejo permeia-se deflagrante interesse da União Federal, haja vista o poder de polícia exercido pelo Ministério daJustiça, através de seu Departamento de Classificação Indicativa, face à atividadeadministrativa em questão, em consequência do estatuído na Portaria nº 796, de 8 de setembro de2000, que, em cumprimento às determinações da CF e do ECA, estabelece os parâmetros declassificação indicativa a serem observados pelo referido órgão executivo. Por isso que, em casode recusa, deverá ser o mesmo incluído no pólo passivo desta demanda.

4. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A competência da Justiça Federal é notória no caso em questão. Sustentam acompetência desta Justiça especializada, no caso, tanto a Constituição da República quanto asLeis n. 8.078/90, 8.069/90, assim como as Portarias MJ n. 692/96 e 796/2000. A lide em questãonão se resume a dano causado à criança e ao adolescente como cidadãos econsumidores, ou ao aviltamento da dignidade da pessoa humana. É mais ampla. Tem como objetoserviço que tem sua veiculação no mercado, periculosidade e nocividade submetidas a consistenteanálise do Ministério da Justiça, através de seu Departamento de Classificação Indicativa.

Se, por um lado, temos a atuação administrativa eficiente do Ministério da Justiçano cumprimento das obrigações que lhe foram impostas legalmente, qual seja, a fiscalizaçãoe classificação dos programas ora guerreados, determinada pela Portaria 796/2000, a

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atuação jurisdicional em respeito aos direitos fundamentais em tela cabe, por conseguinte, àJustiça Federal.

A presença do Ministério da Justiça, como órgão da União federal, na demanda emapreço, seja no pólo ativo, seja no pólo passivo, justifica, desta forma, a competência dessa Justiça,como se infere dos termos de nossa Carta Política:

"Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar ejulgar:

1 - as causas em que a União, entidadeautárquica ou empresa pública federal foreminteressadas na condição de autoras, rés,assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as deacidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitorale a Justiça do Trabalho;"

Nestes termos, havendo evidente interesse da União, conforme ressaltado, oprocesso e julgamento da lide em testilha estão sujeitos à competência da Justiça Federal.

Corroboram ainda para a prevalência dessa competência o Código de Proteção eDefesa do Consumidor, o qual estatui em seu artigo 93:

“Art. 93. Ressalvada a competência da JustiçaFederal , é competente para a causa a justiçalocal.”

Ainda, é de extrema relevância o magistério da preclara Ada Pellegrini Grinover (inCódigo Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do anteprojeto – AdaPellegrini Grinover e outros, 5ª ed., Forense Universitária, p. 679), quanto ao tema:

“o artigo 93 do CDC rege todo e qualquerprocesso coletivo, estendendo-se às ações emdefesa de interesses difusos e coletivos.”

A vinculação do Ministério da Justiça, por sua vez, através de seuDepartamento de Classificação Indicativa, à atividade administrativa em questão, como jáassinalado alhures, é conseqüência do estatuído na Portaria 796, de 8 de setembro de 2000, que,em cumprimento às determinações da CF e do ECA, estabelece os parâmetros declassificação indicativa a serem observados pelo Departamento de Classificação Indicativa doMinistério da Justiça.

Assim é que, a lei atribuiu competências diretas ao Ministério da Justiça em prolda proteção da coletividade, daí advindo o interesse da União, configurando-se, portanto, acompetência da Justiça Federal para o julgamento desta ação.

5. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL EMMINAS GERAIS

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O presente interesse, que aponta para anecessidade de observância dos mandamentos do art.221 da Lei Maior, qualifica-se indubitavelmente comodifuso. Com efeito, em primeiro lugar, ele se caracteriza,à evidência, como “transindividual”, já que nãopertence, de modo singularizado, a qualquer dosmembros da comunidade, senão a um conjuntoindeterminado – e, ao menos para fins práticos,indeterminável – de seres humanos. Tais seres ligam-se uns aos outros pela mera circunstância defato de possuírem aparelhos de televisão ou, narespectiva falta, costumam valer-se do aparelho doamigo, do vizinho, do clube etc. De outra sorte, éinquestionável que o interesse em jogo é aindaindivisível, eis que, além de ser insustentável aargumentação no sentido de que cada emissora, numdado momento, transmite a todos a mesma e únicaimagem, também não se concebe modificação que sedirija só ao leitor destas linhas ou ao rabiscadordelas.

Uma vez tecidas essas breves, mas necessárias, considerações, insta frisar quea doutrina é assente no sentido de que a competência territorial nas ações civis públicas que têmpor objeto tais interesses difusos é regulada expressamente pelo art. 93 do CDC. E a regraexpressa da lex specialis é no sentido da competência da Capital do Estado (ou do DistritoFederal ) nas causas em que se discute dano ou perigo de dano de âmbito nacional.

Nesse sentido, inclusive, já se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL COLETIVA.CÓDIGO DO CONSUMIDOR, ART. 93, II. A ação civilcoletiva deve ser processada e julgada no foro da c apitaldo Estado ou no do Distrito Federal, se o dano ti verâmbito nacional ou regional ; votos vencidos no sentidode que, sendo o dano de âmbito nacional, competente seriao foro do Distrito Federal. Conflito conhecido para declararcompetente o Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado deSão Paulo. (STJ-2ª Seção, Conflito de Competência nº17.532 – DF, rel. Min. Ari Pargendler, j. 29.02.2000).

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.1. Interpretando o artigo 93, inciso II, do Código deDefesa do Consumidor, já se manifestou esta Corte n osentido de que não há exclusividade do foro do Dist ritoFederal para o julgamento de ação civil públi ca de

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âmbito nacional. Isto porque o referido artigo ao sereferir à Capital do Estado e ao Distrito Federalinvoca competências territoriais conc orrentes,devendo ser analisada a questão estando a C apitaldo Estado e o Distrito Federal em planos iguais, semconotação específica para o Distrito Federa l.2. Conflito conhecido para declarar a competência doPrimeiro Tribunal Civil do Estado de São Paulo paraprosseguir no julgamento do feito. (STJ-2ª Seção, Conflito deCompetência nº 17.533 – DF, rel. Min. Carlos AlbertoMenezes Direito, j. 13.09.2000) – os destaques sãonossos

Os telespectadores mineiros, nestaesteira, fazem parte do universo de pessoasatingidas pela irregular veiculação dosprogramas “ Canal Aberto ” e “ Repórter Cidadão ”,exibidos pela Demandada, razão mais quesuficiente para firmar a competência territorial daJustiça Federal em Minas Gerais, e, mai sprecisamente, dessa seção judiciária.

6. DA NECESSÁRIA EXTENSÃO DO PEDIDO A TODO OTERRITÓRIO NACIONAL

A presente causa tem por alicerce todo um arcabouço legal, como salientado, quepressupõe atuação administrativa por parte do Ministério da Justiça, o que vem sendo realizadode forma exemplar. Ocorre que, o órgão administrativo referido não só fiscaliza, como tambémexara a classificação repetidas vezes mencionada nesta peça com validade em todo o territórionacional.

Por isso que, os efeitos da decisão de concessão do presente pedido devemalcançar todos os Estados em que ocorra a veiculação do programa em espeque, sob pena de secriar uma situação insustentável, qual seja, a dec laração de que tal veiculação éinadequada para o Estado de Minas Gerais, e, ao me smo tempo, adequada para os demaisentes federados .

A propósito, cumpre trazer à tona trecho da decisão em que, apreciando-se lidesemelhante a esta, que fora submetida ao crivo do Poder Judiciário por este mesmo órgãoministerial, acabou sendo julgado procedente o pedido deduzido (DOC. 20):

“Os efeitos da presente sentença estendem-se a todo território nacional, umavez que atinge ato administrativo de órgão federal em sua substância que trata de matéria deforma genérica. Não há, pois, como anular o ato adm inistrativo circunscrito a determinadaregião, o que configuraria uma anomalia juríd ica. Não se lhe aplica, portanto, o art. 16da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, com a nova re dação dada pela Lei9494/97” .

Além do que, em situações análogas, mais especificamente em casos de

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produtos que se revelem nocivos, nosso ordenamento jurídico (art. 102 do Código de Defesa doConsumidor), prevê a possibilidade de ajuizamento de ações que visem compelir o Poder Públicocompetente a proibir, em todo o território nacional , a produção, divulgação, a distribuiçãoou venda deste produto, razão mais que suficiente para, por analogia, aplicar a extensãopretendida. In litteris :

“Art. 102. Os legitimados a agir na forma desteCódigo poderão propor ação visando compelir oPoder Público competente a proibir, em todo oterritório nacional , a produção, divulgação,distribuição ou venda, ou a determinar alteração nacomposição, estrutura, fórmula ouacondicionamento deproduto, cujo uso ouconsumo se revele nocivo ou perigoso à saúdepública e à incolumidade pessoal.”

Poder-se-ia argumentar no sentido de que o art. 16, da Lei 7.347/85 (LACP), com aredação que lhe foi dada pela Lei 9494, não permitiria tal entendimento.

No intuito de demonstrar a fragilidade de tal argumentação, transcrevemos trechosde excelente artigo, no qual a sempre imbatível Professora Ada Pellegrini Grinover, comentando aalteração em tela na LACP, demonstra a inaplicabilidade da mesma ao caso, por diversos aspectos(in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do anteprojeto – AdaPellegrini Grinover e outros, 5a ed., Forense universitária, p.724):

“1) Limitar a abrangência da coisa nas ações civis públicassignifica multiplicar demandas, o que, de um lado contraria toda afilosofia dos processos coletivos, destinados justamente a resolvermolecularmente os conflitos de interesses, ao invés de atomizá-lose pulverizá-los; e de outro lado, contribui para a multiplicação deprocessos , a sobrecarregarem os tribunais, exigindo múltiplasrespostas jurisdicionais quando uma só poderia ser suficiente.No momento em que o sistema brasileiro busca saídas até nosprecedentes vinculantes, o menos que se pode dizer do esforçoredutivo do Executivo é que vai na contramão da história.

Em segundo lugar, pecou pela incompetência. Desconhecendo ainteração entre a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesado Consumidor, assim como muitos dos dispositivos deste,acreditou que seria suficiente modificar o art. 16 da Lei nº 7.347/85para resolver o problema. No que se enganou redondamente. Naverdade, o acréscimo introduzido ao art. 16 da LACP é ineficaz.

Senão vejamos:

Já foi exposta à sociedade a necessidade de se lerem demaneira integrada os dispositivos processuais do Código deDefesa do Consumidor e as normas da Lei da Ação CivilPública, por força do disposto no art. 90 daquele e no art. 21 desta.

Desse modo, o art. 16 da LACA, na redação que lhe foi dada pelaMedida Provisória, não pode ser interpretado sem levar-se emconsideração os arts. 93 e 103 do CDC.

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Reza o art. 16, alterado pela medida provisória:

“ Art. 16 . “ A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, noslimites da competência territorial do órgão prolator, exceto se opedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra açãocom idêntico fundamento, valendo-se de novas provas” (grifos notexto acrescido).”

Mas o dispositivo há de ser lido em, conjunto com os três incisosdo art. 103 que permanecem inalterados.

Percebe-se, pela análise conjunta dos mencionados artigos, que oart. 16 da LACP só diz respeito ao regime da coisa julgada comrelação aos interesses difusos ( e quando muito, coletivos) pois aregra permissiva do non liquet, por insuficiência de provas, élimitada aos incis I e II do art. 103, relativos, exatamente aosinteresses transindividuais supra apontados. Na verdade, a regrado art. 16 da LACP só se coaduna perfeitamente com o inc. I do art.103, que utiliza a expressão erga omnes, enquanto o inc. II serefere à coisa julgada ultra partes. Assim sendo a nova disposiçãoadapta-se exclusivamente, em tudo e por tudo, à hipótese deinteresses difusos (art. 103, I ), já indicando a necessidade deoperação analógica para que também o art. 103, II (interessescoletivos) se entenda modificado. Mas aqui a analogia pode seraplicada, uma vez que não há diferença ente o regime da coisajulgada nos interesses difusos e coletivos..........................................................

Assim, afirmar que a coisa julgada restringe aos “limites dacompetência do órgão prolator” nada mais indica do que anecessidade de buscar a especificação dos limites legais dacompetência: ou seja, os parâmetros do art. 93 do CDC, que regulaa competência territorial nacional e regional para os processoscoletivos.

E, acresça-se, a competência territorial nacional e regionaltanto no âmbito da Justiça Estadual como no da JustiçaFederal.

O que se disse arreda qualquer dúvida quanto à previsãoexpressa da competência territorial, de âmbito nacional ouregional, nas ações coletivas em defesa de interessesindividuais homogêneos, o que configura mais um argumento parasustentar a total inoperância do novo art. 16 da LACP para osobjetivos que o executivo tinha em mente ao baixar o art. 3º daMedida Provisória.

E com relação aos interesses difusos e coletivos? Já admitimosque o acréscimo introduzido pela Medida Provisória ao art. 16 daLACP se aplica aos incs. I e II do art. 103, e somente a estes.Trata-se, agora, de saber qual é o alcance da expressão

“nos limites da competência territorial do órgão prolator” no tocanteaos interesse difusos e coletivos.

Em última análise, é preciso verificar se a regra decompetência territorial, nacional ou regional, do art. 93 do CDC éexclusiva dos processos em defesa de interesses individuais

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homogêneos, ou se também incide na tutela jurisdicional dosinteresses difusos e coletivos.

Em última análise, é preciso verificar se a regrade competência territorial, nacional ou regional, do art. 93 do CDC éexclusiva dos processos em defesa de interesses individuaishomogêneos, ou se também incide na tutela dos interessesdifusos e coletivos.Já afirmamos nossa posição no sentido de que o art. 93 do CDC,embora inserido no capítulo atinente às “ações coletivas em defesade interesses individuais homogêneos”, rege todo e qualquerprocesso coletivo , estendendo-se às ações em defesa deinteresses difusos e coletivos (supra, comentário nº 1 ao art. 93)~.Não há como não se utilizar, aqui, o método integrativo,destinado ao preenchimento da lacuna da lei, tanto pelainterpretação extensiva (extensiva do significado da norma)como pela analogia (extensiva da intenção do legislador)................................................................Mas há mais o indigitado dispositivo da Medida Provisóriatentou (sem êxito) limitar a competência, mas em lugar algumaludiu ao objeto do processo. Ora, o âmbito da abrangência dacoisa julgada é determinado pelo pedido, e não pelacompetência. Esta nada mais é do que a relação de adequaçãoentre o processo e o juiz, nenhuma influência tendo sobre o objetodo processo. Se o pedido é amplo (de âmbito nacional) não poderápor intermédio de tentativas de restrições da competência que omesmo poderá ficar limitado.Em conclusão: a) o art. 16 da LACP não se aplica à coisajulgada nas ações coletivas em defesa de interessesindividuais homogêneos); b) aplica-se à coisa julgada nasações em defesa de interesses difusos e coletivos, mas oacréscimo introduzido pela Medida Provisória é inoperante,porquanto é a própria lei especial que amplia os limites dacompetência territorial, nos processos coletivos, ao âmbitonacional ou regional; c) de qualquer modo, o que determina oâmbito de abrangência da coisa julgada é o pedido, e não acompetência. Esta nada mais é do que uma relação deadequação entre o processo e o juiz. Sendo o pedido amplo (ergaomnes), o juiz competente o será para julgar a respeito de todo oobjeto do processo; d) em conseqüência, a nova redação dodispositivo é totalmente ineficaz.

7. DAS PROVAS

O Autor provará o alegado nesta exordial por todos os meios admitidosjuridicamente, protestando por juntada de documentos durante o processo, de acordo com asdisposições legais, e principalmente a realização de provas documentais, na fase instrutória, tantoquanto depoimentos pessoais, provas periciais, testemunhais, assim como por todos os meiosadmitidos pelo ordenamento jurídico e moralmente legítimos.

8. DA TUTELA ANTECIPADA

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A antecipação da tutela justifica-se face à presença de prova inequívoca daverossimilhança da alegação e por haver fundado receio de dano irreparável ou de difícilreparação. Quanto ao direito, as infrações são cabais e fora de questionamento, postoprovadas de plano, e ofendem os princípios constitucionais do serviço de radiodifusão, osdireitos constitucionais do cidadão , e, bem assim, as normas preventivas do Estatuto daCriança e do Adolescente , recaindo nas sanções da Lei 4117/62, alterada pelo Decreto-lei236/67.

No que tange ao perigo da demora, infere-se-o claramente pelas violações adireitos constitucionais e infraconstitucionais cujas vítimas se vão sucedendo no tempo . Por issonão há que se falar que o dano já existe e vem sendo suportado pela parte Autora, porquanto, apersistirem os programas sem a suspensão que coíba de plano os danos materiais e moraiscausados a vítimas diversas a cada programa radiodifundido, ter-se-á cada vez mais acrescido onúmero de vítimas .

É importante frisar que há realmente fundado receio de dano irreparável ou dedifícil reparação, pois a não concessão da tutela antecipatória só fará por permitir quecontinuem as violações a direitos e garantias constitucionais e infraconstitucionais, e, o que é pior,permitir a exibição vulgar da miséria humana, a exposição da criança a situaçõesconstrangedoras, a banalização da violência e do sexo etc.

Mais grave ainda, em não sendo concedida a antecipação dos efeitos da tutela, asfamílias continuarão a ter os seus lares “invadidos” por programas daquele naipe, quesubvertem os bons costumes e os valores sociais e éticos da pessoa e da própria família, e, aomesmo tempo, serão desagregadas e todos os seus membros punidos com a desonra edesmoralização social, por ato de um só dos familiares e por força da irresponsabilidade doslocutores desses programas.

Reitere-se que meras advertências à emissora de televisão serão inúteis(vejam-se, a propósito, as várias admoestações remetidas pelo Ministério da Justiça, sem que, noentanto, nenhuma delas tenha surtido efeito), pois toda a razão de ser desses programas estájustamente centrada nestes atos de violação, e não se hão de interromper senão com a proibiçãode sua radiodifusão.

A reparação dos danos é muito difícil e provavelmente ineficaz, ainda que se cogitede indenização para as situações já ocorridas. Os efeitos da desagregação familiar e social nãoserão afastados mediante indenização - que de qualquer modo será devida - e nem tampouco oprejuízo à administração da justiça.

Mister, pois, a imediata concessão da tutela anteci patória, o que, desde já, ecom fundamento no art. 273, I, do CPC, requer-se, n os termos seguintes:

1. seja determinada, imediatamente após a notificação do teor dadecisão antecipatória , a suspensão dos programas “Canal Aberto ” e “Repórter Cidadão ”,exibidos pela TV Ômega Ltda. (também conhecida como REDE TV), por um período de 15(quinze) dias, nos permissivos do artigo 59, alínea “b”, da Lei nº 4.117/6, alterada pelo Decreto- leinº 236/67.

2. e/ou, seja determinada, imediatamente após a notificação do teor dadecisão antecipatória , a suspensão dos programas “Canal Aberto ” e “Repórter Cidadão ”,exibidos pela Suplicada, até que venha a ser prolatada decisão definitiva de mérito;

3. e/ou, seja determinado, imediatamente após a notificação do teor dadecisão antecipatória , que a Demandada retire definitivamente do ar os programas acimamencionados.

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9. DO PEDIDO

Finalmente, requer o Ministério Público Federal , mediante julgamento demérito:

1. a citação da Requerida, na pessoa de seu representante legal, para,querendo, contestar a presente ação, no prazo legal, sob pena de revelia e confissão;

2. a intimação do Ministério da Justiça a fim de que atue ao lado doMinistério Público Federal, como litisconsorte necessário. Em caso de recusa, fica requerida, desdejá, sua citação para compor o pólo passivo desta demanda;

3. seja julgado procedente o pedido, condenando-se a concessionária-ré naobrigação de não mais transmitir, no curso dos programas “Canal Aberto ” e “Repórter Cidadão ”,quaisquer cenas de violência, em especial com armas de fogo , cenas com sangue,assassinatos, estupros, troca de tiros, crime s passionais, exploração de sexualidade,de dramas familiares, aberrações físicas, em avilta mento da dignidade da pessoa humana, e,fudamentalmente, toda e qualquer exploração de cr ianças e de adolescentes , sob pena deser imposta multa cominatória, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por cenaexibida contrariamente à decisão de que se cuida (considerando-se o notório poder econômicoda Suplicada e evitando-se, assim, a inocuidade da medida), a qual se reverterá ao Fundo de quetrata a Lei n. 7.347;

4. e/ou, a condenação da Demandada a retirar definitivamente do ar osprogramas “Canal Aberto ” e “Repórter Cidadão ”;

5. e/ou, a suspensão da emissora-ré por 30 dias, nos termos do citado artigo59, letra “b”, Lei 4.117/62, alterada pelo Decreto-lei 236/67;

6. e/ou, o decreto da cassação da concessão da Suplicada paraexecução de serviço de radiodifusão de sons e imagens, nos termos do artigo 59, alínea “c”, da Lei4117/62, alterada pelo Decreto-lei 236/67;

7. e/ou, a condenação da TV Ômega Ltda., a indenizar as vítimas porocorrência de dano moral e à imagem, causado pelos programas referidos, nos termos daConstituição Federal, cujo quantum deverá ser fixado por Vossa Excelência, e então revertido aoFundo de Defesa dos Direitos Difusos, de que cuida o art. 13, caput, da Lei nº 7.347/85.

Nestes termos, pededeferimento.

Belo Horizonte, 16 de outubro de 2002.

FERNANDO DE ALMEIDA MARTINSProcurador da República