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Ministério Público Federal Procuradoria da República em São Paulo - SP ____________________________________________________________ Rua Peixoto Gomide, 768 – Cerqueira César – São Paulo (SP) – CEP 01409-904 www.prsp.mpf.gov.br e-mail para “denúncias”: [email protected] Fone: 11 3269-5000 Fax: 11 3269-5355 1 Excelentíssimo Juiz Federal da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo -SP Inquérito policial n.º 2001.61.81.006446-1 Investigado: Walmir Gonçalves de Oliveira Trata-se de inquérito policial instaurado por portaria de D. Delegado Federal (fl. 02) para apurar infração ao artigo 183 da Lei 9.472/97. De início, a questão a ser enfrentada é sobre a correta tipificação do delito apurado, o que merece algum aprofundamento. I – Radiodifusão e telecomunicação: histórico constitucional e legal De início, convém fazer um breve histórico dos preceitos normativos. O artigo 21 da Constituição da República, em sua redação original, dispunha que: “Art. 21. Compete à União: [...]

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Fone: 11 3269-5000 Fax: 11 3269-5355 1

Excelentíssimo Juiz Federal da 9ª Vara Federal Crim inal de São Paulo -SP

Inquérito policial n.º 2001.61.81.006446-1

Investigado: Walmir Gonçalves de Oliveira

Trata-se de inquérito policial instaurado por portaria

de D. Delegado Federal (fl. 02) para apurar infração ao artigo 183 da Lei

9.472/97.

De início, a questão a ser enfrentada é sobre a

correta tipificação do delito apurado, o que merece algum aprofundamento.

I – Radiodifusão e telecomunicação: histórico const itucional e legal

De início, convém fazer um breve histórico dos

preceitos normativos.

O artigo 21 da Constituição da República, em sua

redação original, dispunha que:

“Art. 21. Compete à União:

[...]

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XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a

empresas sob controle acionário estatal, os serviços

telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais

serviços públicos de telecomunicações, assegurada a

prestação de serviços de informações por entidades de direito

privado através da rede pública de telecomunicações

explorada pela União;

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e

demais serviços de telecomunicações” (negritado).

Como se percebe pelos trechos negritados, a

preocupação do constituinte originário era extremar, de um lado, serviço

público de telecomunicação obrigatoriamente exercido por entes estatais1 e,

de outro, serviço de telecomunicação que pudesse ser exercido por ente

estatal ou por particular.

Dessa forma, resultava do texto constitucional

original a criação de dois regimes jurídicos para os serviços de

telecomunicações, um para os abrangidos pelo inciso XI e outro para os

inseridos no inciso XII.

Entretanto, a criação desses dois regimes não

implicava que não pudesse haver subdivisões, adequadas às peculiaridades

de cada espécie. Com efeito, a disciplina legal do serviço telefônico, explorado

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pelas antigas “teles” (Telesp, Telepar, etc), não era idêntica ao regramento do

serviço telegráfico, explorado até hoje pela Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos (artigo 25 e seguintes da Lei 6.538/78).

Por outro lado, a partir da redação original do texto

constitucional percebia-se que telecomunicação é gênero, do qual são

espécies a telefonia, a transmissão de dados, a radiodifusão, etc

Essa antiga disciplina constitucional, contudo, era

incompatível com o programa de privatização ambicionado pelo Estado

brasileiro para ser implementado na década de 90. Necessária, então, uma

prévia modificação constitucional.

E, com efeito, o artigo 21 foi alterado pela Emenda

Constitucional n.º 8/95, passando a ter a seguinte redação:

“Art. 21. Compete à União:

[...]

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos

termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a

criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização,

concessão ou permissão:

1 Há uma exceção ao caso, a saber, a prestação de serviços de informações por entidades dedireito privado por meio de rede pública de telecomunicações explorada pela União – o que,aliás, está destacado no inciso XI, antes transcrito.

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a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”

(negritado).

Pois bem, a alteração pelo constituinte derivado

encerrou a diferença entre dois regimes jurídicos pautada pela forma de

exploração dos serviços.

Com efeito, comparando a redação antiga e a nova,

constata-se que a exploração poderá ser efetuada diretamente pela União ou

por particulares mediante autorização, concessão ou permissão.

Dessa forma, não mais subsistia a necessidade de

utilizar exemplos (serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados)

seguida de norma de encerramento (demais serviços públicos de

telecomunicações), bastando substituir tudo isso pela expressão serviços de

telecomunicações.

Entretanto, se o regime de exploração passou a ser

idêntico, o reformador constituinte, noutro aspecto, resolveu criar um órgão

regulador. De fato, a política de desestatização foi acompanhada pelo

movimento de criação das agências reguladoras (ANATEL, ANEEL, ANP,

ANT, etc).

Ao mesmo tempo, pretendeu que uma espécie de

telecomunicações, a radiodifusão sonora e de sons e de imagens, ficasse fora

do âmbito de normatização da agência pertinente.

Tal escolha, porém, não significa que a radiodifusão

sonora e de sons e de imagens deixou de ser serviço de telecomunicações.

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Assim como já acontecia na redação originária,

telecomunicações é expressão designativa de gênero, ao qual pertence a

espécie radiodifusão.

Também é pertinente observar ser comum, na

técnica legislativa, disciplinar um gênero e, depois, destacar uma espécie,

dando a esta tratamento jurídico diverso.

Tal ocorre, por exemplo, no artigo 7º da

Constituição da República. No caput temos a expressão trabalhadores

urbanos e rurais, enquanto, no parágrafo único, é empregada a expressão

trabalhadores domésticos. Ora, estes estão abrangidos naqueles, mas, assim

como no caso das telecomunicações, criou-se um regime jurídico diverso para

a espécie. Em suma, trata-se de técnica legislativa, cuja apreensão dos

comandos normativos exige a aplicação do princípio da especialidade2.

Ora, utilizar o dito princípio não significa reconhecer

distinção entre categorias diferentes, mas sim relacioná-las como gênero e

espécie.

Pois bem, no caso sob análise, houve mera

mudança de técnica legislativa na redação de dispositivo da Constituição.

Relembrando, na redação original do artigo 21,

incisos XI e XII, o constituinte originário criou duas espécies – de um lado,

serviço público de telecomunicação obrigatoriamente exercido por entes

estatais3 e, de outro, serviço de telecomunicação que pudesse ser exercido

por ente estatal ou por particular – e as disciplinou individualmente.

2 Vale lembrar que tal diferença de tratamento para a espécie destacada de um gênero jáocorria na redação original do inciso XI. Vide nota 1.3 Com a exceção já apontada. Vide nota 1.

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Já na redação atual, o constituinte criou outra

obrigatoriedade de duplicidade de regimes jurídicos, pautado pela

determinação da entidade normativa (União ou agência reguladora, que foi

denominada pela Lei 9.472/97 de Agência Nacional de Telecomunicações –

ANATEL).

Ao tratar da agência e seu âmbito de atuação, no

inciso XI, o constituinte derivado tratou do gênero (serviços de

telecomunicações). E ao falar da União, no inciso XII, destacou a espécie

(radiodifusão sonora de sons e imagens).

Em suma, apesar da mudança do texto

constitucional, desde antes dessa mudança (e ainda hoje) é correto afirmar

que radiodifusão sonora de sons e imagens é espécie do gênero serviços de

telecomunicações.

Então, concluindo isso, resta indagar: qual a

diferença?

Assunto a ser tratado no tópico seguinte.

II – Radiodifusão e telecomunicação: conceitos

A Constituição da República, na sua redação

original, não apresentava definições de telecomunicações e de radiodifusão.

Essa omissão continuou mesmo com a alteração efetuada pela Emenda

Constitucional n.º 8/95.

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Por conta disso, competiu à legislação

infraconstitucional trazer essas definições.

Na verdade, o antigo Código Brasileiro de

Telecomunicações, Lei 4.117/62, anterior à atual Constituição, já diferenciava

telecomunicação e radiodifusão. E o fazia de forma condizente com a idéia de

que se relacionam como gênero e espécie.

Com efeito, o artigo 4º dessa Lei já expunha que:

“Para os efeitos desta lei, constituem serviços de

telecomunicações a transmissão, emissão ou recepção de

símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou

informações de qualquer natureza, por fio, rádio, eletricidade,

meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético.”

(negritado).

E o artigo 6º acrescentava que:

“Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim

se classificam:

[...]

d) serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e

livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão

sonora e televisão;” (negritado).

Posteriormente a esse Código e, mais

precisamente, após a alteração constitucional antes exposta, foi editada a Lei

9.472/97, a qual também trouxe definições (artigo 60), destacando-se:

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“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de

atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção,

por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro

processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais,

escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.”

(negritado).

Como se percebe, o conceito, na essência, é

idêntico ao da Lei 4.117/62, só mudando a ordem das palavras.

A Lei 9.472/97 não trouxe, porém, uma definição de

radiodifusão. Aliás, somente se refere à expressão radiodifusão em poucas

passagens.

A primeira é no artigo 158, in verbis:

“Art. 158. Observadas as atribuições de faixas segundo

tratados e acordos internacionais, a Agência manterá plano

com a atribuição, distribuição e destinação de

radiofreqüências, e detalhamento necessário ao uso das

radiofreqüências associadas aos diversos serviços e atividades

de telecomunicações, atendidas suas necessidades específicas

e as de suas expansões.

§ 1° O plano destinará faixas de radiofreqüência para:

I - fins exclusivamente militares;

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II - serviços de telecomunicações a serem prestados em

regime público e em regime privado;

III - serviços de radiodifusão;

IV - serviços de emergência e de segurança pública;

V - outras atividades de telecomunicações.” (negritado).

Em seguida, de forma condizente com a nova

disciplina constitucional, exclui da competência da ANATEL a outorga dos

serviços de radiodifusão, relegando-lhe, neste ponto, papel de auxiliar técnico

da União:

“Art. 211. A outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de

sons e imagens fica excluída da jurisdição da Agência,

permanecendo no âmbito de competências do Poder Executivo,

devendo a Agência elaborar e manter os respectivos planos de

distribuição de canais, levando em conta, inclusive, os aspectos

concernentes à evolução tecnológica.

Parágrafo único. Caberá à Agência a fiscalização, quanto aos

aspectos técnicos, das respectivas estações.” (negritado)

Por fim, a Lei 9.472/97 expõe que:

“Art. 215. Ficam revogados:

I – a Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a

matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos

relativos à radiodifusão” (negritado).

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Como se vê, a Lei 9.472/97 derrogou a Lei 4.117/62

salvo quanto a dois pontos, que continuam vigorando:

a) matéria penal não tratada pela própria Lei

9.472/97; e

b) as disposições a respeito de radiodifusão.

Ora, justamente por não tratar de radiodifusão é

que a Lei 9.472/97 não trouxe definição a seu respeito.

Optou o legislador por solução tecnicamente

correta, pois recomendável que o conceito de matéria tratada por certa lei seja

trazido no bojo desta própria lei.

Portanto, válido recorrer às definições da Lei

4.117/62 para precisar o que seja radiodifusão. Também deve ser relembrado

que a definição de telecomunicações de ambas as leis é, na essência,

idêntica.

Finalmente, chegou o ponto de examinar as

diferenças entre radiodifusão e telecomunicação.

II.a – Telecomunicação

Telecomunicação, conforme os dispositivos legais

antes reproduzidos é:

i – a transmissão, emissão ou recepção de

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ii – símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens

ou informações de qualquer natureza,

iii – por fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou

qualquer outro processo eletromagnético.

Há, portanto, três elementos que caracterizam uma

telecomunicação, que podem ser obtidos dos itens acima identificados (os

quais, por sua vez, estão nos conceitos legais já vistos):

i – distância,

ii – conteúdo, e

iii – meio ou suporte material específico.

A (i) distância decorre da exigência de que haja um

ponto emissor ou transmissor diverso daquele que se mostra receptor. De fato,

quando se fala em telecomunicação, o emprego do prefixo tele já indica se

tratar de comunicação à distância. Não inclui, portanto, a comunicação entre

presentes.

Pondere-se que a lei não exige que exista,

concomitantemente, um receptor e um emissor ou transmissor. Participa da

telecomunicação aquele que só recebe, bem como aquele que só envia.

Tampouco há exigência legal de efetiva troca, isto é, de que, ao mesmo

tempo, um ponto envie e receba informações.

Por outro lado, o (ii) conteúdo é intrínseco à idéia

de comunicação. Não há exigência legal, porém, de que esse conteúdo tenha

sentido. Em suma, basta que algo (símbolo, caractere, sinal, escrito, imagem

ou informação de qualquer natureza) seja transmitido, emitido ou recebido. E,

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sem adentrar em discussões filosóficas, conclui-se que não há, para a

presente análise, comunicação sem conteúdo.

Até aqui, o conceito é extremamente amplo e

admite que nele seja inserido o envio de correspondências e, ao exagero, até

quando alguém grita para outra pessoa que está na esquina contrária ou

quando uma pessoa faz sinais de fumaça para alguém a poucos quilômetros.

Afinal, ordinariamente, telecomunicação é comunicação à distância. E todos

esses exemplos se encaixam na definição, até este ponto.

Evidentemente, não foi essa a intenção do

constituinte quando utilizou o termo nos incisos XI e XII do artigo 21 da Carta

Magna.

Portanto, a legislação apresenta uma limitação

quando lista as hipóteses de (iii) meios ou suportes materiais (fio, rádio,

eletricidade, meio ótico ou qualquer outro processo eletromagnético.).

Dessa forma, ficam excluídos, por exemplo, o

correio, o grito e o sinal de fumaça.

Portanto, o vocábulo telecomunicação que,

ordinariamente, significa comunicação à distância, para os efeitos legais têm

sentido próprio de transmitir, enviar ou receber comunicação à distância com

qualquer conteúdo de informação, ainda que sem sentido, e exclusivamente

quando realizado por determinados meios ou suportes materiais (fio, rádio,

eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético).

Tal conclusão, para ficar bem sedimentada, merece

ser exposta por meio de um quadro sinóptico.

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Comunicação:

entre presentes

Conteúdo � comunicado

à distância � pode ser por:

a) fio � Telecomunicação

b) rádio � Telecomunicação

c) eletricidade � Telecomunicação

d) meios óticos � Telecomunicação

e) processo eletromagnético� Telecomunicação

f) outro meio � não é Telecomunicação

II.b – Radiodifusão

A radiodifusão, relembrando, constitui espécie de

telecomunicação. Então, o que a diferencia de outras espécies?

Como já dito, a Lei 9.472/97 não trouxe qualquer

definição, pois, apesar de revogar a Lei 4.117/62, preservou-a quanto à

disciplina da radiodifusão.

No entanto, essa Lei 4.117/62 traz lacônica menção

que se aproxima de um conceito do que seja radiodifusão:

“Art. 6º. Quanto aos fins a que se destinam, as

telecomunicações assim se classificam:

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[...]

d) serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e

livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão

sonora e televisão;” (negritado).

Resta, portanto, olhar o que diz o regulamento da

lei em questão, Decreto 52.026/63, alterado pelo Decreto 97.057/88:

“Art. 6º. Para os efeitos deste Regulamento Geral, dos

Regulamentos Específicos e das Normas complementares, os

termos adiante enumerados têm os significados que se seguem:

[...]

65º Radiodifusão: forma de telecomunicação caracterizada

pela teledifusão de ondas radioelétricas através do espaço

livre;

[...]

83º Serviço de Radiodifusão: modalidade de serviço de

telecomunicações destinado à transmissão de sons

(radiodifusão de sons, radiofonia, ou radiodifusão sonora) ou

de sons e imagens (radiodifusão de sons e imagens,

radiotelevisão, ou radiodifusão de televisão), por ondas

radioelétricas, para serem direta e livremente recebidos pelo

público em geral;

[...]

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144º Teledifusão: forma de telecomunicação unilateral

caracterizada pela transmissão de informação para grande

número de destinatários atingidos por circuitos físicos ou

radioelétricos;

[...]

157º Transmissão: transferência unilateral de informação de

um ponto a outro por meio de sinais;” (negritado).

Em suma, conjugando as definições 65 e 144,

radiodifusão é a telecomunicação unilateral por meio de ondas radioelétricas

(termo técnico sinônimo de radiofreqüência ou via rádio).

Contudo, o que é a telecomunicação unilateral?

Conforme o conceito 144 é a caracterizada pela

transferência unilateral de informações.

Explicando melhor, basta analisar os agentes ou

pontos envolvidos na telecomunicação:

a) quando um único ponto ou agente envia

informação e os demais só recebem, há transferência unilateral dessa

informação, o que caracteriza telecomunicação unilateral. Se é feita por meio

de radiofreqüência, tem-se a radiodifusão (telecomunicação unilateral via

rádio);

b) quando pelo menos dois pontos enviam e

recebem informações, ainda que por meio de radiofreqüência, há

telecomunicação bilateral (ou plurilateral) via rádio.

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Dessa forma, dentro do quadro sinóptico antes

apresentado podemos acrescentar:

Comunicação:

entre presentes

Conteúdo � comunicado

à distância � pode ser por: bilateral

a) fio � Telecomunicação �

b) rádio � Telecomunicação � unilateral = radiodifusão

c) eletricidade � Telecomunicação

d) meios óticos � Telecomunicação

e) processo eletromagnético � Telecomunicação

f) outro meio � não é Telecomunicação

Também pode ser formulado outro quadro:

Telecomunicação:

bilateral � Telecomunicação

� unilateral � por radiofreqüência � radiodifusão

por outros meios (dentre os previstos em lei4)

4 Vide itens a, c, d e e dos quadros anteriores.

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Feita a distinção, resta saber qual a conseqüência

para a tipificação criminal da operação irregular de uma ou outra modalidade

de telecomunicação.

Antes disso, importante frisar que a legislação

pátria às vezes emprega o termo telecomunicação como gênero e, portanto,

abrangendo a radiodifusão. Noutras vezes, usa o termo como espécie oposta

à radiodifusão, ou seja, no sentido de telecomunicação bilateral (ou plurilateral)

via radiofreqüência. Daí surgirem muitas confusões na análise da questão.

III – Tipos penais de radiodifusão e de Telecomunic ação

A Lei 4.117/62, por conta da alteração efetuada

pelo Decreto-Lei 236/67, no momento em que a Lei 9.472/97 entrou em vigor,

tinha somente três tipos penais (artigos 56, 70 e 72), dos quais somente um

versa sobre exploração irregular de telecomunicação:

“Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1

(um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a

terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem

observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.”

(negritado).

E a Lei 9.472/97, por sua vez, trouxe um único tipo

penal:

“Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de

telecomunicação:

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Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada de metade

se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil

reais).

Art. 184. [...]

Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade

desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou

autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de

exploração de satélite.” (negritado).

Poder-se-ia, portanto, argumentar que a lei

posterior revogou a anterior (artigo 70) e, assim, hoje, só vigoraria o segundo

tipo penal. Afinal, dir-se-ia que instalar ou utilizar telecomunicação, sem

observar os ditames legais e regulamentares seria igual a desenvolver

clandestinamente atividade de telecomunicação. A lei mais nova teria dito a

mesma coisa de outra forma e, portanto, prevaleceria a lei posterior, solução

adequada para o conflito aparente de leis no tempo.

Entretanto, como já dito, a Lei 9.472/97 foi

expressa:

“Art. 215. Ficam revogados:

I – a Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a

matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos

relativos à radiodifusão” (negritado).

Daí se extraem algumas conclusões.

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Primeira, a Lei 4.117/62 vigora quanto a alguma

matéria criminal e que será, exatamente, a não tipificada pela nova lei e, ainda,

a relativa à radiodifusão.

Quando o artigo 215 menciona “a matéria penal

não tratada nesta Lei” conclui-se, em segundo lugar, que os artigos 70 da Lei

4.117/62 e 183 da Lei 9.472/97, acima transcritos podem ter alcance diferente.

Ora, o artigo 70, quando editado, empregava o

termo telecomunicações no sentido amplo, como gênero, pois era o único tipo

penal do então Código Brasileiro de Telecomunicações.

Vale dizer, abrangia todas as formas de

telecomunicações apresentadas no primeiro quadro sinóptico desta

manifestação5, uma vez que eram todas disciplinadas pela Lei 4.117/62.

Por sua vez, o artigo 183 tem alcance bem mais

restrito, pois esclarece, no parágrafo único, que o significado da elementar

clandestinamente está vinculado a telecomunicações via rádio

(radiofreqüência) ou com exploração de satélite.

É certo que o texto legal fala em uso de

radiofreqüência e de exploração de satélite.

Entretanto, o conectivo e, no caso, tem função

alternativa e não aditiva, pois toda exploração de satélite para fins de

telecomunicações é via radiofreqüência. Quisesse a lei limitar o tipo penal

unicamente aos casos envolvendo exploração de satélite, bastaria não ter

usado a expressão uso de radiofreqüência.

5 Relembrando, telecomunicação via fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outroprocesso eletromeganético.

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Ora, é lição sempre repetida que “a lei não tem

palavras inúteis”, razão pela qual a última expressão deve ter, no texto legal,

uma função própria.

Assim, a interpretação do conectivo não deve ser

no sentido normalmente empregado (aditivo) e sim como empregado na

função sintática alternativa.

Em suma, o artigo 183 da Lei 9.472/97 tipifica a

exploração irregular de telecomunicações via radiofreqüência ou com

exploração de satélite.

A conseqüência disso é que ainda vigora o artigo

70 da Lei 4.117/62 para todas as demais formas de telecomunicações, a

saber, por meio de fio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo

eletromagnético.

Então, a radiodifusão explorada irregularmente,

sendo forma de telecomunicação unilateral via radiofreqüência está abrangida

pelo artigo 183?

Não, pois, aí, incide a segunda parte do artigo 215

da Lei 9.472/97, ou seja, foi preservada a vigência da Lei 4.117/62 quanto aos

preceitos relativos à radiodifusão (a qual, como visto, é telecomunicação

unilateral via radiofreqüência).

Tais preceitos, uma vez que o artigo 215 não os

limitou, abrange inclusive os penais. E esses, no caso, estavam nos tipos

penais da Lei 4.117/62 que existiam à época do início da vigência da Lei

9.472/97, incluindo o tão mencionado artigo 70.

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Então, por conseqüência, o artigo 70 da lei

4.117/62 continua vigorando também para a hipótese de radiodifusão.

Portanto, excluída a radiodifusão (telecomunicação

unilateral por meio de radiofreqüência), o artigo 183 da Lei 9.472/97 fica

limitado à telecomunicação bilateral (ou plurilateral) via radiofreqüência ou com

emprego de satélite.

As demais formas de telecomunicações, incluindo a

radiodifusão (telecomunicação unilateral via radiofreqüência), quando

explorados irregularmente, estão abrangidas pelo artigo 70 da Lei 4.117/62.

Vale a pena resumir em um novo quadro.

Tipos penais:

Artigo 183 da Lei 9.472/97 � telecomunicação bilateral via radiofreqüência ou

com exploração de satélite.

Artigo 70 da Lei 4.117/62 � telecomunicação unilateral via radiofreqüência

(radiodifusão) ou

bilateral por meio de fio, eletricidade, meio ótico

ou qualquer outro meio eletromagnético, salvo via

radiofreqüência ou

unilateral por meio de fio, eletricidade, meio ótico

ou qualquer outro meio eletromagnético.

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IV – Análise do caso concreto

Feitas todas essas considerações, observa-se, no

caso concreto, que Valmir Gonçalves de Oliveira admitiu (fl. 18) ter montado

uma “estação fixa de transmissão”, mas que esta estaria desmontada quando

a fiscalização da Anatel esteve no local dos fatos.

O agente técnico da Anatel, Rogério Fellipe Gilioli,

por sua vez (fl. 17), disse que, antes de chegar ao local, sintonizou a rádio e

que acredita que o aparelho foi removido, enquanto aguardavam que o acesso

ao local fosse franqueado.

O aparelho está com o investigado e é improvável

que ele o entregue.

Nesse caso, o artigo 167 do Código de Processo

Penal estabelece que:

“Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem

desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-

lhe a falta.”

Contudo, falta indagar do agente da Anatel se a

conversa ouvida se referia à atividade de telecomunicação unilateral via

radiofreqüência (radiodifusão) ou à atividade bilateral via radiofreqüência

(telecomunicação), conforme distinção vista acima.

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V – Conclusão

Em face do exposto, o Ministério Público Federal

concorda com o pedido de dilação de prazo, para prosseguimento das

investigações pelo prazo de 90 dias .

A fim de evitar prescrição retroativa pela pena em

concreto no caso de eventual condenação por infração ao artigo 70 da Lei

4.117/62, requer à D. Delegada que busque encerrar as investigações,

indagando do agente de fiscalização da Anatel Rogério Fellipe Gilioli (fl. 17) se

a transmissão ouvida se referia à telecomunicação via radiofreqüência

unilateral ou bilateral.

São Paulo, 11 de janeiro de 2.005.

Roberto Antonio Dassié Diana

Procurador da República