meu corpo meu oraculo

Upload: joao-carlos-santos

Post on 14-Apr-2018

245 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    1/87

    CESBLU Centro de Educao Superior deBlumenau

    ALUBRAT Associao Luso-Brasileira deTranspessoal

    Regina de Campos Balieiro Devescovi

    Meu Corpo Meu Orculo

    Campinas, SP

    2009

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    2/87

    CESBLU Centro de Educao Superior de Blumenau

    ALUBRAT Associao Luso-Brasileira de Transpessoal

    Regina de Campos Balieiro Devescovi

    Meu Corpo Meu Orculo

    Monografia apresentada no Curso de Ps-Graduao em

    Psicologia Transpessoal Lato Sensu do CESBLU Centro

    Educacional de Blumenau & ALUBRAT Associao Luso-Brasileira de Transpessoal como requisito para obteno

    do ttulo de Especialista em Psicologia Transpessoal.

    Orientadora: Profa. Arlete da Silva

    Campinas, SP

    2009

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    3/87

    Meu Corpo Meu Orculo

    Regina de Campos Balieiro Devescovi

    BANCA EXAMINADORA

    ....................................................................

    Profa. Arlete da Silva

    Orientadora

    ...................................................................

    Prof(a).

    ...................................................................

    Prof(a).

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    4/87

    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho vida, minha me que partiu desta para outra vida h

    menos de um ano, a meu pai que se foi h alguns anos e a todas as pessoas que

    me amam e com as quais venho aprendendo a amar.

    Dedico-o tambm Godelieve Denys-Struyf que, com sua simplicidade,

    refinamento e criatividade, transformou o gesto estruturante e funcional em pura

    poesia. Mme. Godelieve, que se foi enquanto eu ainda escrevia este texto e que

    ir toc-lo e saud-lo em outras esferas.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    5/87

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo s funcionrias da ALUBRAT inicialmente Ariana e, aps,

    Flaviane e Sueli pela pacincia constante em lidar com os assuntos burocrticos.

    Agradeo, calorosamente, aos colegas e monitoras do Curso de Ps-

    Graduao da CESBLU/ALUBRAT. Levarei comigo recordaes bastante

    prazerosas dos momentos em que compartilhamos nossas estrias e experincias.

    Agradeo Profa. Arlete da Silva pela franca disponibilidade em me orientar

    na elaborao desta monografia; pela leveza de suas argumentaes; e pela

    pertinncia de suas observaes.

    Agradeo Profa. Dra. Vera Saldanha, por ter me aceitado neste curso; por

    acreditar em meu potencial; e por confiar em minha dedicao causa transpessoal.

    Agradeo, tambm, a Profa. Rgine Hubeaut, exemplar divulgadora dos

    aspectos psicocomportamentais do Mtodo GDS, pelo interesse manifestado por

    este trabalho e pelos momentos inspirados e inspiradores proporcionados em curso

    por ela dirigido em So Paulo, em julho de 2009.

    Agradeo sinceramente a todos vocs pela oportunidade oferecida de

    amadurecimento profissional e de elevao espiritual.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    6/87

    Resumo

    O presente trabalho busca organizar algumas idias a respeito do corpo talcomo poderia estar sendo entendido e vivenciado no mbito da Psicologia

    Transpessoal. A questo norteadora da reflexo aqui apresentada a de que nossocorpo nosso prprio orculo. Para tanto, preciso decifr-lo; preciso escut-lo eentender a sua linguagem. O objetivo principal o de articular o Mtodo GDS dasCadeias Musculares e Articulares em seu enfoque de leitura, anlise e abordagemcorporal Abordagem Integrativa Transpessoal. Os objetivos especficos so: a)inaugurar uma reflexo e debate sobre a aliana entre esses dois mtodos; e b)suscitar indagaes que devero ser trabalhadas tanto em futuras investigaesquanto em propostas de procedimentos educacionais e teraputicos. A tentativa deselar essa aliana realizada aqui, por meio da coleta e organizao de umaliteratura capaz de fundamentar a noo de corpo transpessoal, bem como ospontos de contato entre o Mtodo GDS e a Abordagem Integrativa.

    Palavras chave: Corpo, Imagem Corporal, Linguagem Corporal, ConscinciaCorporal, Educao do Movimento, Terapia Psicocorporal, Mtodo Cadesta GDS,Abordagem Integrativa Transpessoal, Psicologia Transpessoal.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    7/87

    Existe apenas um templo no mundo: o corpo humano.

    Nada mais sagrado do que esta forma sublime.

    Inclinar-se diante de um homem reverenciar esta Revelao da Carne.

    Toca-se o cu quando se toca o corpo humano.

    Novalis

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    8/87

    Sumrio1. Introduo ------------------------------------------------------------------------------------------9

    2. Corpo e Imagem Corporal -------------------------------------------------------------------13

    2.1. O que o Corpo Humano -----------------------------------------------------------------13

    2.2. Corpo e Imagem Corporal -----------------------------------------------------------------14

    2.2.1. O ponto de vista de Nasio ---------------------------------------------------------14

    2.2.2. O ponto de vista de Jung ----------------------------------------------------------20

    2.2.3. A orientao transpessoal de Jean-Yves Leloup ----------------------------25

    2.2.4. Nasio, Jung, Leloup: trs autores, trs abordagens que se tocam----32

    3. A Psicologia Transpessoal ------------------------------------------------------------------34

    4. A Abordagem GDS das Cadeias Musculares e Articulares Seus AspectosPsicocomportamentais -----------------------------------------------------------------------38

    4.1. Sobre a autora e sobre os principais conceitos do Mtodo GDS --------------38

    4.2. Sobre a Tipologia GDS e suas estruturas psicocorporais ------------------------43

    4.3. Sobre as fontes de inspirao da autoraalgumas breves consideraes---50

    5. A Abordagem Integrativa Transpessoal ------------------------------------------------535.1. Sobre a autora -------------------------------------------------------------------------------53

    5.2. O Corpo Terico ----------------------------------------------------------------------------54

    5.3. Os Recursos ---------------------------------------------------------------------------------58

    5.4. A Pulso da Transcendncia ------------------------------------------------------------63

    6. O Corpo Transpessoal-------------------------------------------------------------------------66

    6.1. Introduo--------------------------------------------------------------------------------------66

    6.2. Uma Definio--------------------------------------------------------------------------------66

    6.3. Um dilogo entre GDS e AIT-------------------------------------------------------------73

    6.4. Uma aliana entre GDS e AIT------------------------------------------------------------78

    7. Concluso: Meu Corpo Meu Orculo-----------------------------------------------------85

    8. Bibliografia-----------------------------------------------------------------------------------------90

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    9/87

    1. Introduo

    Qualquer coisa experimentada fora do corpo no experimentada, a menos que a

    incorporemos, porque o corpo significa do aqui e agora (Jung, apud Farah, 1995, pg.23)

    Desde a metade dos anos 90, quando me iniciei no universo das terapias

    psicocorporais, venho atuando como terapeuta e educadora do movimento,

    buscando enfatizar os processos de conscincia corporal e gestual. Como

    sociloga e ex-professora universitria, tenho uma experincia expressiva em

    pesquisa e elaborao de textos analticos. At agora, contudo, no havia ainda

    me debruado sobre a instigante temtica do corpo em suas implicaes

    tericas e analticas. Em minha atuao, pratico e vivencio intensamente o corpo

    em mim, em meus clientes e alunos. Chegou o momento de reflexo e

    organizao dos processos vividos. Espero que este texto seja apenas o incio

    de uma dinmica de produo e investigao no mbito da Psicologia e do

    Corpo Transpessoais.

    A pressuposio bsica destas reflexes a de que a transformao pelo

    corpo um fato. Tenho a ntida convico de que o ponto de partida para a

    criao de um ser humano integrado seu corpo fsico.

    No uma afirmao bvia a de que um indivduo pode projetar apenas

    aquilo que est dentro dele? E o que est dentro dele no apenas sua psique,

    mas tambm seu corpo fsico. No uma afirmao bvia a de que nosso

    gestual vem sempre carregado de psiquismo? De algum modo, tudo indica que o

    corpo fsico mais do que a expresso da personalidade, mas de fato a

    prpria personalidade.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    10/87

    Para Reich, o corpo o prprio inconsciente; parte essencial da

    existncia humana, no como mquina, mas como algo energeticamente

    pulsante, algo vivo. Para Alexander Lowen, psicoterapeuta de formao

    reichiana, a noo de identidade de uma pessoa provm, sobretudo da

    sensao de contato que ela capaz de estabelecer com seu prprio corpo.

    Para saber quem ele , o indivduo precisa ter conscincia daquilo quesente. Deve conhecer a expresso de seu rosto, a sua postura e a forma dese movimentar. Sem esta conscincia de sensao e atitudes corporais apessoa torna-se dividida: um esprito desencarnado e um corpo sem alma(Reich, apud Farah, 1995, pg. 90).

    Para Jung, o surgimento do ego d-se, inicialmente, a partir de uma

    percepo geral de nosso corpo e existncia, e a seguir, pelos registros de

    nossa memria (Jung, 2003, pg. 7). Concebendo o ego como o cerne

    indispensvel da conscincia, Jung enfatiza que a conscincia ,

    primordialmente, resultado da percepo e orientao no mundo externo e queno tempo de nossos ancestrais essa mesma conscincia derivaria de um

    relacionamento sensorial da pele com o mundo exterior (Jung, 2003, pg. 5).

    Assim,

    ...uma abordagem muito mais satisfatria seria considerar o homem comoum todo, em vez de considerar suas vrias partes. O que preciso portermo dissociao fatal que existe entre o ser superior e inferior do

    homem; devemos pelo contrrio unir o homem consciente com o homemprimitivo (Jung, apud Farah, 1995, pg. 30).

    O objetivo principal deste estudo o de propor uma forma de

    aprofundamento da relao entre corpo e psique por meio da tentativa de

    conciliao de um mtodo bastante sofisticado de leitura, anlise, conhecimento

    e organizao corporal (o Mtodo GDS das Cadeias Musculares e Articulares)

    com a Psicologia Transpessoal em sua Abordagem Integrativa.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    11/87

    Trata-se de pesquisar e organizar uma bibliografia que possibilite articular

    dois enfoques passveis de serem utilizados tanto na educao quanto na

    sade: o psicocorporal e o transpessoal. Para tanto, cabe convocar alguns

    autores que considero basilares no ato de pensar e viver o corpo de uma forma

    global. Sero apresentados, neste espao, os estudos de psiclogos e de uma

    fisioterapeuta/terapeuta psicocorporal, com a inteno de compor uma trama

    que: 1) ordene o dilogo proposto entre duas abordagens; 2) propicie a

    construo de uma noo de corpo transpessoal; e 3) fundamente, para a

    prxima etapa do trabalho, a elaborao de vivncias corporais coerentes com

    os postulados da Abordagem Integrativa Transpessoal.

    Procura-se, portanto, desenvolver algumas reflexes que possibilitem a

    montagem de um arcabouo terico e procedimental sobre o corpo transpessoal.

    Por ser um tema bastante extenso, no se cogita esgot-lo neste trabalho. A

    inteno, aqui, a de inaugurar uma reflexo e debate sobre a questo proposta

    a aliana entre duas abordagens e suscitar algumas indagaes que

    devero ser trabalhadas em investigaes futuras.

    A questo norteadora deste estudo a de que nosso corpo o nosso

    prprio orculo; basta saber decifr-lo.

    Para responder a esse enigma, com coerncia, evoquei alguns autores

    buscando organizar as suas proposies.

    No prximo captulo sero trazidos trs estudiosos e pensadores com

    atuao no campo da psicoterapia: o psicanalista J-D. Nasio; Carl Gustav Jung;

    e Jean-Yves Leloup. Trata-se de recolher de suas proposies o que parecem

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    12/87

    ser os pontos chave para o entendimento e experienciao da globalidade do

    corpo.

    No terceiro captulo sero apresentadas algumas consideraes sobre a

    Psicologia Transpessoal, visto que esta a orientao bsica, ponto de partida e

    de chegada deste trabalho.

    No quarto captulo ser introduzido o Mtodo GDS das Cadeias

    Musculares e Articulares, alinhavando o que parecem ser seus tpicos

    principais. No quinto captulo ser feita uma incurso pela Abordagem

    Integrativa Transpessoal, para a seguir, no sexto captulo, penetrarmos no

    mago da questo.

    Na Concluso, ser apresentada uma sntese do trajeto aqui percorrido

    com nfase na dimenso oracular de nossos corpos.

    2. Corpo e Imagem Corporal

    O homem modela o mundo imagem global de seu corpo visvel.

    Tudo construdo pelo corpo e a partir do equilbrio do corpo!

    Nada destronou e talvez nunca venha a destronar a forma primitiva, graciosa e soberana do corpo

    humano: o perfil de uma cabea coroando a massa de um busto prolongado por quatro membros.

    Eis o arqutipo mais eterno, mas tambm o mais perfeito de todas as maravilhas que criamos e

    diante das quais nos prostramos

    (J. - D. Nasio, 2009, pg.83)

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    13/87

    2.1 O que o Corpo Humano?

    Organismo vivo, reprodutor e perecvel? Estrutura que d sustentaoaos nossos atos, gestos e movimentos?

    Nossa memria mais arcaica, segundo Jean-Yves Leloup logo no incio

    de seu seminrio sobre o corpo e seus smbolos1? Depositrio dos contedos

    inconscientes quando estes se tornam definidos, conforme sugere Jung em seus

    comentrios durante os Seminrios sobre Assim falou Zaratrustra (Jung, apud

    Farah, 1995, pg. 434)? Corpo sentido, corpo imaginrio e corpo significante tal

    como postula J. - D. Nasio em suas interpretaes de Dolto e Lacan sobre as

    imagens que temos de nossos corpos (Nasio, 2009)?

    So esses os autores e essas as questes que orientam o captulo que se

    inicia. O percurso pelo vasto territrio da temtica corporal ser aqui inaugurado

    com o conceito de imagem corporal de Nasio. Em seguida, ser abordado o

    corpo a partir da tica de Jung. E, por ltimo, sero revisitados os escritos de

    Jean Yves Leloup, buscando esboar uma primeira aproximao ao tema que

    aqui interessa: o corpo transpessoal.

    2.2 Corpo e Imagem Corporal

    2.2.1 O ponto de vista de Nasio

    Buscando a apropriao do corpo que, de fato, interessa ao terapeuta de

    orientao transpessoal, escolheu-se expor um ponto de vista que parece

    1 Seminrio realizado na UNIPAZ, Braslia em 1996. Esse evento transformou-se em livro em 1998,sob o ttulo: O Corpo e seus Smbolos: uma antropologia essencial.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    14/87

    iluminar o trabalho de quem se prope a desvendar (decifrar) o ser humano a

    partir de sua relao com o seu agir corporal. Essa abordagem encontra-se no

    trabalho de Nasio que ser apresentada a seguir.

    Juan David Nasio, psiquiatra argentino nascido em 1942 e radicado na

    Frana desde 1969, atua como psicanalista, educador e escritor desde o incio

    dos anos 70. Preside os Seminrios Psicanalticos de Paris; instituio por ele

    fundada em 1986.

    Sua ltima obra, publicada em 2008 na Frana, elabora o conceito de

    imagem corporal a partir de duas eminentes personalidades da psicanlise

    contempornea: Franoise Dolto e Jacques Lacan, dois apaixonados pelo

    enigma do corpo e suas imagens (Nasio, 2009, pg.11).

    Esta seo ser iniciada com a definio de corpo, tal como exposta no

    livro em revista.

    O que um corpo?

    O corpo um organismo vivo, reprodutor e perecvel. o corpo biolgico. O corpo uma fora que se dirige para os seres e as coisas que

    proporcionam seu desenvolvimento, mas tambm uma fora opondo-se aos

    seres e s coisas que entravam seu desenvolvimento. O corpo so aspulses de vida que nos ligam ao mundo, bem como as pulses de morteque nos separam de tudo que ameaa nossa integridade; os dois grupos depulses, de vida e de morte, trabalham a servio da vida. o corpo pulsionalque denominamos corpo real ou corpo sentido.

    O corpo uma forma, uma silhueta, o prottipo universal de todos os objetoscriados pelo homem. Ns o denominamos de corpo imaginrio ou corpovisto.

    O corpo, mais particularmente o rosto, o smbolo do inconsciente, suavitrine. Ns o denominamos corpo simblico ou corpo significante.

    Seja organismo, fora, forma ou smbolo, o corpo continua sendo oindispensvel substrato de todo sentimento de si (Nasio, 2009, pg. 122).

    Para Nasio, portanto, o corpo organismo, fora, forma e smbolo.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    15/87

    O corpo biolgico (ou organismo) o corpo de carne, msculos, ossos e

    nervos. a matria, o lugar onde se produz o acontecimento sensorial bruto,

    independentemente da pessoa que vive o acontecimento(Nasio, 2009, pg. 7-8).

    Todavia, o corpo que independe da pessoa que vive uma coisa inerte,

    destituda de vida. Quando preenchido de vida, o sujeito detentor desse corpo

    constri sempre, e inevitavelmente, a representao mental do acontecimento

    vivido. essa representao psquica, consciente ou no, que o autor

    denomina de imagem mental do corpo.

    Toda sensao percebida imprime inevitavelmente sua imagem; todasensao real necessariamente duplicada por uma virtualidade, [porque] ocorpo no existe s no espao; existe tambm na cabea daquele que ocarrega (Nasio, 2009, pg.8).

    Nesse sentido, a construo da imagem mental depende sempre de um

    substrato sensorial a ativao dos circuitos neuronais de recepo e resposta

    e da forma como cada um de ns assimila o impacto da experincia sensorial.

    Pois para que um acontecimento se grave automaticamente em nosso

    psiquismo, transformando-se em representao psquica ou imagem mental, so

    necessrias trs condies: que esteja investido de emoo e sentido; que seja

    impregnado da presena interiorizada do outro; e que tenha resultado de um

    encadeamento de acontecimentos anlogos.

    O conjunto diacrnico2 de representaes afetivamente investidas,impregnadas pela presena interiorizada do outro e repetindo-se em nossahistoria, constitui o conjunto das imagens mentais do corpo. precisamenteessa constelao de imagens que me d a sensao de existir num corpovivo e de ser eu (Nasio, 2009, pg. 10).

    2 Diacrnico: relativo ao estudo ou compreenso de um fato ou de um conjunto de fatos em suaevoluo no tempo.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    16/87

    De posse dessas constataes e feitas essas reflexes, deve-se

    considerar, ento, que o corpo como fora, como forma e como smbolo ou em

    outras palavras, o corpo sentido, o corpo visto e o corpo simblico , em todas

    essas condies, uma representao psquica - uma imagem mental.

    Nasio salienta que uma imagem sempre o duplo exato ou aproximado

    de algo que lhe antecede ou, mais precisamente, de um original - cada um

    pertencente a um espao diferente. Organiza sua definio em quatro categorias

    gerais: a) o duplo refletido de um ser ou de uma coisa em uma superfcie polida;

    b) o duplo nominativo que designa uma particularidade do corpo; c) o duplo

    impresso na conscincia ou no inconsciente quando vivemos uma sensao

    afetivamente importante para ns; e d) o duplo cintico de uma emoo, da qual

    o indivduo no tem conscincia, mas que se impe num comportamento

    espontneo (Nasio, 2009, pg.68-70).

    Observam-se ento, quatro imagens ou quatro formas de viver nosso

    corpo: vendo-o (imagem especular); nomeando-o (imagem nominativa);

    sentindo-o (imagem do corpo real); sentindo-o e sendo superado por ele

    (imagem-ao do corpo real).

    O corpo visto o corpo imaginrio; aquele que vejo, principalmente noespelho. o corpo especular: a imagem instantnea do corpo percebido de um

    relance e como um todo; a imagem do corpo visto com o olhar nico e singular

    do espectador (Nasio, 2009, pg. 81). 3

    O corpo nominativo o corpo simblico na acepo de que o smbolo

    tem o poder no apenas de substituir a realidade, mas, sobretudo de modific-la,3 Note que o conceito de corpo especular, tal como salientado por Nasio em trabalho j citado, ocerne do conceito de imagem do corpo de Lacan.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    17/87

    at mesmo de engendr-la. E ao alterar a realidade, o smbolo passa a ser

    denominado significante(Nasio, 2009, pg.92). 4

    Mas o que o corpo simblico ou significante? a singularidade

    corporal que determina direta ou indiretamente o curso de nossa existncia; so

    as particularidades fsicas (uma cicatriz no rosto, uma silhueta longilnea e

    atraente; uma deficincia fsica, um nariz desproporcional, etc.) capazes de

    condicionar toda a vida de um indivduo. E qual a imagem mental do corpo

    simblico? No a imagem mental de uma sensao, nem a imagem visvel de

    uma silhueta, mas o nome que designa a parte significante do corpo (Nasio,

    2009, pg.98).

    Assim, diferentemente do corpo imaginrio que sempre global, o corpo

    significante sempre parcial, sempre fragmentrio.

    O corpo sentido , segundo o autor, o corpo real. A imagem do corpo

    sentido uma imagem mental inconsciente que pode ou permanecer

    inconsciente, ou tornar-se consciente, ou ainda exteriorizar-se num agir

    (imagem-ao)(Nasio, 2009, pg.99).

    O corpo real ou corpo sentido a fora que anima um corpo. Assim, o realdo corpo a sua fora. Mas que fora? A fora que vai e o arrasta, a fora

    de nascer, desenvolver-se ao mximo, reproduzir-se e superar as doenasou a elas sucumbir... o corpo sensorial (o corpo das sensaes internas eexternas); o corpo dos desejos (nosso corpo ergeno)...; o corpo dogozo (o corpo que despende sua energia) (Nasio, 2009, pg.76-77).

    Mas como sentimos nosso corpo? Nasio responde que conscientemente

    ou em movimento; sendo que ambas atualizam as nossas antigas (e

    inconscientes) percepes.

    4 Nasio (2009, pg.92) enfatiza que no conceito de eficcia simblica, de Levi Strauss, adotado porLacan, adota-se essa denominao quando a dimenso simblica transforma a realidade . Note-se,portanto, que, neste contexto, significantenada mais do que o elemento formal e abstrato capaz demodificar a realidade.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    18/87

    Em suma, temos uma imagem consciente de nossas sensaes presentes,uma outra, motora, que assume a fora de um comportamento involuntrio,e uma terceira, na origem das duas primeiras, protoimagem inconsciente denossas sensaes passadas (Nasio, 2009, pg.79).

    Dentre as imagens ou formas de viver o corpo real, vale ressaltar a

    imagem motora por ser a que mais coloca o corpo em ao.

    A imagem-ao no representada no papel, nem refletida no espelho,nem inscrita na cabea. Ela intervm nos movimentos corporais de umsujeito que no percebe que seu comportamento pe em cena um vividoemocional antigo do qual ele no tem lembrana (Nasio, 2009, pg.66).

    A imagem-ao a imagem dos corpos em movimento. So posturas,

    mmicas ou gestos espontneos; imagens vivenciadas ao invs de refletidas;

    signos no verbais. Realizam-se concretamente em gestos corporais

    involuntrios, passveis de serem interpretados pelo psicanalista como

    reveladores de contedos do inconsciente.

    Essas mensagens emitidas por um corpo modelado pelas emoes

    (Nasio, 2009, pg.71), puras manifestaes corporais, no s fornecem a chave

    como nos conduzem pelas intrincados caminhos de acesso ao inconsciente.

    O corpo a via rgia que leva ao inconsciente!(Nasio, 2009, pg.71).

    esse o corpo que aqui nos interessa. E essa uma das principais idias

    veiculadas por Nasio em sua obra. Na verdade, o corpo que nos interessa o

    corpo tal como o vivemos, tal como o interpretamos e, para resumir, tal como o

    fantasiamos(Nasio, 2009, pg.75).

    Com efeito, a imagem que temos de nosso corpo compe o nosso

    repertrio lingstico; a linguagem que utilizamos para nos comunicar com o

    mundo. Todavia, uma linguagem que, segundo o autor, deve ser decifrada

    pelo psicanalista para que o sujeito a compreenda.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    19/87

    Mas como situar a imagem do corpo na clnica? Segundo Nasio, atravs,

    sobretudo, do desenho do corpo e dos significados a depositados; atravs dos

    comportamentos, gestos e movimentos; e atravs das palavras e associaes

    feitas pelo analisando. O que se espera que esses contedos sejam

    entendidos pelo psicanalista, o qual reconhecer a marca do corpo nas

    diferentes produes do inconsciente (Nasio, 2009, pg. 119).

    Para entender esses contedos psquicos, para entrar em ressonncia

    com o paciente e encontrar as palavras certas, necessrias e acessveis (as

    palavras que iro consol-lo de seu sofrimento e resultar em aes auto-

    reveladoras e auto-esclarecedoras para o paciente), Nasio preconiza mergulhos

    eminentemente intuitivos no inconsciente do analisando. Se o psicanalista

    conseguir perceber dentro de si mesmo o movimento interior do outro, ento as

    palavras que ter a dizer sairo espontaneamente(Nasio, 2009, pg.48).

    De fato, ao reconhecer a imagem mental que o paciente tem de seu

    prprio corpo, o psicanalista capacita-se a decifrar e a falar a linguagem da

    imagem inconsciente do corpo de seu paciente. E esse corpo imagtico pode

    bem assumir o aspecto de um ser bizarro ou caricatural, atravessado e marcado

    pelos bloqueios e tenses que o habitam.

    Dessa forma, marcado pela viso desse corpo imaginrio, e eletrizado pelaintensidade de minha sensao, decido transmitir ao paciente o que sinto eque lhe concerne, uma vez que minha sensao no outra coisa senoseu prprio inconsciente vibrando em mim. (...). Eu interpreto no momentoque estimo mais oportuno, e usando palavras simples, tocantes, mas,sobretudo, palavras que o conduziro a voltar-se sobre si mesmo. Assim, opsicanalista fala com convico, a lngua da imagem inconsciente do corpode seu analisando (Nasio, 2009, pg. 43-45).

    2.2.2 O ponto de vista de Jung

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    20/87

    O eu, isto , a sensao inefvel de sermos ns mesmos, no nada maisque a fuso ntima de nossas duas imagens do corpo: a imagem mental denossas sensaes fsicas e a imagem visvel de nosso corpo no espelho....considero a imagem do corpo a prpria substncia de nosso eu (Nasio,2009, pg. 12).

    Vale iniciar esta seo com uma frase de Nasio, pois esta no parece ser

    muito diferente da compreenso de Jung a respeito do tema.

    Nas famosas Conferncias de Tavistock 5, Jung, no incio de seu

    primeiro seminrio, apresenta, com nitidez, o que entende ser o conceito de ego.

    [Ego] um dado complexo formado primeiramente por uma percepo

    geral de nosso corpo e existncia e, a seguir, pelos registros de nossa memria

    (Jung, 1985, pg. 7).

    A percepo geral de nosso corpo a sua representao mental em

    nossa mente; a imagem mental de nosso corpo, formada pelos registros de

    fatos objetivos fornecidos pelos canais sensoriais e cinestsicos e permeada

    pelos significados afetivos e cognitivos que atribumos aos mesmos.

    Assim, o corpo fsico, tal como percebido pelo indivduo, o

    instrumento pelo qual essa pessoa pode estabelecer contato, seja consigo

    prpria, com seu ambiente ou com os demais indivduos ao seu redor (Farah,

    1995, pg. 84).

    Neste ponto, cabe afirmar que a concepo de ego para Jung, est muito

    prxima de sua concepo de imagem mental do corpo (ou nas palavras de

    Nasio, do corpo visto e do corpo sentido). Para Jung, o ego o complexo mais

    prximo e valorizado que conhecemos. sempre o centro de nossas atenes

    5 As Conferncias de Tavistock foram uma srie de palestras proferidas por Jung em Londres, em1935. Constituem uma espcie de introduo, didaticamente organizada, do pensamento de Jung.Em sua edio brasileira, aparece sob o ttulo Fundamentos de Psicologia Analtica.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    21/87

    e de nossos desejos, sendo o cerne indispensvel da conscincia(Jung, 1985,

    pg. 7). Porm, como elemento central da conscincia, o ego derivado do

    inconsciente e principalmente do arqutipo, do self6

    O processo de desenvolvimento do ego, ou, em outras palavras:

    ...a gradual ampliao da conscincia de um indivduo a respeito de suaprpria imagem corporal [ou imagem mental do corpo], acaba por seentrelaar intimamente com o processo de desenvolvimento e ampliao dasua conscincia enquanto individualidade (Farah, 1995, pg. 92).

    Sabe-se que para Jung, o auge desse movimento a individuao: o

    tornar-se um consigo mesmo, e ao mesmo tempo com a humanidade toda, em

    que tambm nos inclumos(Jung, apud Farah, 1995, pg. 94).

    Sabe-se tambm, que as reflexes de Jung nunca se centraram na

    abordagem corporal propriamente dita, e sim no funcionamento da psique como

    um todo. Farah, todavia, observa que o aspecto do corpo na histria da

    Psicologia no se restringe s idias de Reich e de seus seguidores. A autora

    enfatiza que em Tocar, Terapia do Corpo e Psicologia Profunda, de McNeely

    (terapeuta de abordagem junguiana), h um esclarecedor apanhado histrico

    sobre aqueles que considera como pioneiros da somatoterapia(McNeely, apud

    Farah, 1995, pg.386).

    Segundo McNeely, os pioneiros da somatoterapia so: Freud, Sandor

    Ferenczi, Alfred Adler, Groddeck, Reich e Jung. Comeo por esses seis

    6 Nas ltimas dcadas, a psicologia analtica tem a tendncia de encarar o eu no somente a partirdele mesmo e da conscincia, mas a partir do inconsciente e, principalmente do arqutipo, do self.

    Nessa perspectiva, o eu consciente seria a primeira manifestao do esprito inconsciente do self,agora parcialmente consciente de si mesmo, isto , conhecendo-se a si mesmo(Jung, 1985, nota dep de pgina, pg.7). Note que essa idia contraria a de Freud, que concebia exatamente o contrrio:o inconsciente sendo um resultado da conscincia.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    22/87

    terapeutas porque sua principal preocupao com relao ao corpo foi a

    distribuio da energia(McNeely, apud Farah, 1995, pg.386).

    Nota-se, nos escritos de Jung, uma atitude cautelosa e, muitas vezes

    parcimoniosa, a respeito do desenvolvimento e aprofundamento dos dinamismos

    psicofsicos. Todavia, vrias so as passagens, em sua obra, em que faz

    referncias a processos corporais, mencionando-os como componentes

    intrinsecamente interligados aos dinamismos psquicos. Rosa Maria Farah

    pontua, em seu livro, que o no aprofundamento da relao corpo-mente deve-

    se, em grande parte, a dificuldade, encontrada por Jung, em defender idias

    muito defasadas com a forma de pensar da poca. A seguir, a autora apresenta

    trechos da edio das Conferncias de Tavistock em que Jung assinala,

    implcita ou explicitamente, a importncia dos aspectos corporais nos processos

    psquicos (Farah, 1995, pg. 385-440).

    A ateno sistematizao elaborada pela autora possibilitou chegar s

    concluses expostas a seguir.

    1. Antes de qualquer tema em particular, Jung parecia interessar-se,

    sobretudo, pelo princpio da inseparabilidade entre o corpo e a psique,

    chegando a comentar, em uma de suas conferncias, que atualmentesentia-se totalmente incapaz de afirmar se o corpo ou a psique que

    prevalece (Jung, 1985 pg. 30).

    2. Em segundo lugar, destaca-se a sua ateno com relao aos

    processos psicossomticos; questo essa presente em vrias

    passagens das Conferncias de Tavistock. Farah apresenta, em seu

    livro, um trecho de sua palestra durante os Seminrios sobre Assim

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    23/87

    falou Zarathustraque parece ser bastante ilustrativo de sua posio a

    respeito da questo corporal e de sua relao com os contedos da

    psique.Nossos contedos inconscientes so potencialidades que podem vir a ser,mas que no so porque no tem definio. Somente quando se tornamdefinidas elas podem aparecer. Nada definido no inconsciente; enquantoalgo estiver no inconsciente, nada pode ser dito sobre ele. Definioaparece quando a matria aparece. Enquanto o pensamento de algum noatingir um corpo, ele no definido. (...) At mesmo certas doenas docorpo podem trazer o carter da idia; talvez representem a idia de algumacoisa que simplesmente nopode ser engolida (Farah, 1995, pg.434).

    3. Outro aspecto relacionado com o anterior o de que Jung parece

    nunca ter estabelecido relaes causais entre os eventos psicofsicos.

    Ao invs disso menciona-os como simultneos ou sincrnicos. Esse

    entendimento importante porque, em Jung, no se trata de descobrir

    a origem de uma doena em causas psquicas, mas de observar a

    doena como uma fala do corpo. E se o corpo fala, o psicoterapeuta

    deve entender sua linguagem; saber ouvi-lo em geral, por meio dos

    sonhos para ento captar sua mensagem.

    Para concluir este item, gostaria de ressaltar o tom transpessoal, digamos

    assim, da abordagem teraputica de Jung. Ao discorrer sobre o agir teraputico,

    ele mostra a relevncia do mtodo de cura da medicina antiga, onde se

    transportava uma doena pessoal a um nvel mais alto e impessoal, atingindo-se

    assim um efeito curativo.

    O mito ou a lenda emerge do material arquetpico que est constelado peladoena, e o efeito psicolgico consiste em conectar o paciente com osentido geral de sua situao. Se a situao subjacente doena forexpressa de maneira adequada, o paciente estar curado. Caso no seencontre essa expresso ideal, ele novamente arremessado ao seuprprio mal, isolao de estar doente; ficar s sem nenhuma ligao como mundo. Mas se o doente percebe que o problema no apenas seu, massim um mal geral, at mesmo o sofrimento de um Deus, a entoreencontrar seu lugar entre os homens e a companhia dos deuses, e s desaber isso, o alvio j surge (Jung, 1985, pg.96).

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    24/87

    2.2.3 A orientao transpessoal de Jean Yves-Leloup

    Convido-os a escutar, no minhas palavras, um discurso ou uma teoria.Convido-os a escutar nosso corpo (Leloup, 1998, pg.15).

    assim que Jean Yves inicia seu seminrio realizado em Braslia em

    1996, sob os auspcios da UNIPAZ7. E essa a idia central de Leloup: escutar

    nosso corpo para melhor conhec-lo, para melhor respeit-lo, para melhor

    penetrar no invisvel e mergulhar no desconhecido.

    O interesse central de Jean Yves no repousa precisamente sobre a

    imagem mental que cada um de ns tem a respeito de nossos prprios corpos,

    mas se remete s estrias que esses corpos podem nos contar.

    O corpo tem memrias; nossa memria mais arcaica. Se estivermos

    abertos para ouvir, ele nos contar estrias de ns mesmos. Em cada uma

    delas h um sentido a descobrir (Leloup, 1998, pg.15).

    O sentido recolhido dessas estrias memorveis refere-se, obviamente, a

    imagem mental que cada um de ns tem de seu prprio corpo ou o que Leloup

    denomina de corpo de memrias. Mas o que importa aqui mais do que o

    acesso aos contedos do inconsciente; isso acompanhado do refinamento de

    uma escuta que busca a ressignificao e atualizao permanente de estrias

    que orientam o nosso caminhar.

    Em Nasio psicanalista emrito, seguidor de Freud e discpulo de Lacan

    , o terapeuta prontifica-se a decifrar o corpo de seu paciente, esclarec-lo a

    respeito de suas tenses e entraves, para ento aliviar o seu sofrimento. Em

    7 Evento que se transformou em livro sob o ttulo: O Corpo e seus Smbolos: uma AntropologiaEssencial.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    25/87

    Jung, o terapeuta trata de se aprofundar na dimenso arquetpica do ser

    humano a qual ir resgat-lo de uma condio patolgica, torn-lo mais

    consciente de seus processos psquicos e servir como um fio condutor de seus

    pensamentos e aes. Jean- Yves Leloup, por sua vez filsofo, educador e

    terapeuta, estudioso exemplar da psique humana convida-nos a escutar nosso

    corpo. Ao sugerir a ampla escuta de ns mesmos, pontua a importncia da

    descoberta de nossos corpos para que nos tornemos, ns mesmos, os principais

    orculos de nossas vidas. Como afirma Leloup: o homem o seu prprio livro

    de estudo. Basta ir virando as pginas, at encontrar o Autor (Leloup, 1998,

    pg.11).

    Quais so as escutas do corpo humano?

    Leloup refere-se a trs escutas: fsica, psicolgica e espiritual. O processo

    de escuta inicia-se, segundo o autor, pela montagem de uma anamnese que, em

    seu entender, tem uma importncia crucial em sua abordagem do ser humano.

    Anamnese o conjunto de informaes colhidas pelo mdico, psiclogo ou

    terapeuta a respeito do desenrolar da doena. Mas tambm significa, em sua

    raiz grega, recordao, lembrana. Assim, dotada desses dois sentidos (o

    reconhecimento dos sintomas e o despontar da recordao), a anamnese

    essencial a arte e a prtica de lembrar-se do Ser, atravs de memrias do

    corpo fsico e das marcas psicolgicas deixadas neste corpo fsico (Leloup,

    1998, pg.16).

    por isso que a orientao de nosso trabalho, mesmo se falamos de coisas

    bem concretas ou mesmo triviais, permanece dirigida para a lembrana do

    Ser, que algumas vezes bloqueada pelas memrias do corpo e do

    psiquismo (Leloup, 1998, pg.16).

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    26/87

    Trata-se aqui do Ser Transpessoal: o campo que perpassa e, ao mesmo

    tempo, transcende o ente fsico e psicolgico que somos.

    Na escuta fsica reaviva-se a memria do que aconteceu em nosso

    corpo, dos ps cabea, buscando encontrar nosso ponto fraco, o lugar de

    nosso corpo aonde vem se alojar, regularmente a doena e o sofrimento

    (Leloup, 1998, pg.16).

    Na escuta psicolgica observam-se o medo e/ou atrao que vivemos em

    algumas partes de nosso corpo e em quais condies psicolgicas se

    manifestaram certas doenas ou certos sofrimentos (Leloup, 1998, pg.16).

    Na escuta espiritual, ao reconhecer que o Esprito est sempre presente

    em ns, busca-se acolher determinadas doenas, crises ou manifestaes no

    diagnosticveis cientificamente como manifestaes do Esprito que quer trilhar

    um caminho, que quer crescer, que quer desenvolver-se em membros que lhe

    resistem (Leloup, 1998, pg.16).

    Assim, esta abordagem dirige-se ao homem em sua inteireza. E o terapeutaque acompanha este corpo que somos, no apenas um mdico, no somente um psiclogo, no somente um sacerdote. Mas deve manterunidas, ao mesmo tempo, a competncia e a escuta destas trspersonalidades. Da mesma maneira ocorria entre os Terapeutas deAlexandria, que cuidavam do corpo, do psiquismo e tambm do serespiritual. Trata-se, pois, de escutar cada uma das partes do nosso corpo,do ponto de vista fsico, psicolgico e espiritual (Leloup, 1998, pg. 17).

    Segundo Leloup, o corpo registra, em suas diferentes partes, as diversas

    etapas de desenvolvimento da conscincia, desde a vida intra-uterina pr-

    pessoal at a abertura ao transpessoal 8. Passo a relacionar e comentar

    sinteticamente cada uma dessas etapas, notando, antes de tudo, que a

    8 De agora em diante, quando se tratar de referncias de pgina do livro de Jean-Yves Leloup, OCorpo e seus Smbolos, 1998, no sero mais inseridas notas de rodap. Cabe apenas mencionarque os trechos entre aspas encontram-se entre as pginas 18 e 26 do referido livro.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    27/87

    esquematizao do autor sobre as etapas evolutivas do indivduo baseou-se na

    teoria freudiana das etapas do desenvolvimento.

    Leloup denomina nosso primeiro local de memria a vida intra-uterina

    como conscincia matricial ou matriz.

    Ao nascer, o corpo do beb entra em contato com um outro corpo,

    buscando a unio e harmonia que ele acabou de perder. Surge o que

    poderamos chamar de conscincia oral, o momento em que a conscincia

    est concentrada em torno da boca.

    Ao desvencilhar-se do corpo da me e descobrir seu prprio corpo, a

    criana ingressa na fase da conscincia anal. o momento em que ela chupa

    seu dedo, seu p, em que brinca com suas fezes. Na verdade, estamos aqui na

    fase motora tpica desta idade a fase motora-anal.

    conscincia anal segue-se a conscincia genital a descoberta da

    sexualidade.

    Note-se, fazendo um parntesis, que em cada fase do desenvolvimento

    humano, podem ter ocorrido conflitos/tenses que, transformados em memrias,

    se inscrevem em nosso corpo e impedem que a vida, neste local, se manifeste

    de um modo simples e feliz.

    Ao atingirmos a fase inicial da idade adulta, surge a conscincia

    familiar..., fase na qual correspondemos imagem que nossos pais tm de ns

    imagem que eles tm e que esperam de ns.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    28/87

    A etapa seguinte a da conscincia social que, para Freud, o pice: a

    capacidade de ter boa relao sexual com outrem e a capacidade de, por seu

    trabalho, estar integrado sociedade.

    Contudo, segundo Leloup, a escada tem mais trs degraus: o da

    conscincia autnoma, o da conscincia do self e o da conscincia teoantrpica.

    A conscincia autnoma a de quem alcanou a percepo de que a

    adaptao social no precisamente um sinal de sade porque estar bem

    adaptado a uma sociedade doente no estar em boa sade. Esta fase,

    portanto, a de atingimento de um estado de liberdade com relao s regras e

    condutas sociais.

    Poder-se-ia dizer que a conscincia social o reino do eu, do ego bemadaptado e que, acima dela, o reino do ego autnomo. No domnio do idesto os inconscientes matricial, oral, anal, genital. O inconsciente familiar(e, freqentemente, o inconsciente social) o reino do superego. O ego

    deve libertar-se do domnio do id e do superego. Esta a psicologiaclssica que conhecemos.

    Mas alguns no se contentam com a afirmao do Eu autnomo pois

    percebem que esse ainda no o objetivo ltimo de suas vidas. Descobrem,

    ento, a conscincia do self, a conscincia da Verdade, da Vida, que anima a

    sua pequena vida e a sua pequena verdade.

    Leloup menciona, por ltimo, outro estado de conscincia, que ele

    denomina de conscincia teoantrpica...: um estado de conscincia que est

    alm do desejo e alm do medo.

    ...Ns somos todas estas etapas. E em alguma parte de ns existe esteestado de no-medo e de no-cobia (entendendo-se por cobia o desejocom interesse), como haver sempre a pulso sexual, o medo da doena, omedo da decomposio. Em ns, todas essas memrias esto semprepresentes.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    29/87

    Seguindo adiante na argumentao de Leloup, cabe agora localizar cada

    uma dessas memrias nas diferentes partes do corpo, buscando a ressonncia,

    a sincronicidade entre o nosso corpo fsico e o nosso corpo de memrias. Pode-

    se ento observ-lo e coloc-lo sobre os degraus da escada.

    Isso posto, pode-se descobrir que partes do corpo nos so prazerosas,

    estimadas e familiares; outras, nos so desconhecidas, doloridas, desprezadas.

    Pode-se tambm notar que as partes familiares foram as pores estimadas; as

    partes no amadas e amedrontadoras, as maltratadas e violentadas.

    Colocando cada uma dessas partes em ressonncia com cada uma das

    fases evolutivas da conscincia observa-se que os ps nos remetem ao perodo

    da conscincia matricial; os joelhos, conscincia oral; o sacro e genitais

    conscincia anal e genital; o ventre, conscincia familiar; o corao

    conscincia social; os ombros conscincia autnoma; e o pescoo

    passagem do pessoal ao transpessoal, do rgido ao flexvel.

    Qual o papel do terapeuta, segundo Leloup? O papel do terapeuta,

    atravs da anamnese fsica, psquica e espiritual, o de permitir a livre

    circulao da energia e da vida neste corpo. o de olhar, tocar, ouvir,

    compreender esse corpo. E quando se toca algum nunca se toca apenas umcorpo, pois nele se encontra toda a memria da existncia de algum.

    Quando voc toca um corpo, lembre-se de que voc toca um Sopro, queesse Sopro o sopro de uma pessoa com seus entraves e dificuldades etambm o grande Sopro do universo. Assim , quando voc toca um corpo,lembre-se de que voc toca um Templo. 9

    9 Segundo Leloup, essa uma frase que retorna sempre, tanto entre os Terapeutas de Alexandriaquanto na psicologia inicitica de Graf Durckheim (Leloup, 1998, pg. 26).

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    30/87

    Ao olhar, tocar e ouvir o corpo dessa forma, Leloup, em sua abordagem10,

    pode nos conduzir a uma escuta mais apurada e refinada de nosso corpo. Pois

    se se parte do pressuposto de que as memrias de todas as fases evolutivas da

    conscincia esto sempre presentes, o reconhecimento da conscincia do self e

    de conscincias superiores pode oportunizar dilogos absolutamente

    reveladores com nossos prprios corpos. E, nesse sentido, o papel do terapeuta

    mais do que o de interpretar o corpo de memrias a sua frente, mas o de

    permitir enxergar que dentro desse corpo habita uma Inteligncia pronta a ser

    mobilizada a qualquer momento. Basta apenas reconhec-la, interrog-la e

    escut-la. Ela certamente ir responder; ir jorrar do interior de nosso silencio.

    Procure a resposta l onde voc colocou a pergunta.

    Fiquemos ento com o nosso corpo em uma boa postura, os ps bemfirmados na terra, as ndegas relaxadas, a coluna vertebral to ereta quantopossvel, o queixo um pouco para dentro para liberar a nuca, as mostocando-se sobre os joelhos. Sintamos o contato de uma mo com a outra,

    os maxilares descontrados, a testa o mais relaxada possvel. Sintamos todoo nosso corpo como um templo. E neste templo, acolhamos o Sopro.Procuremos degust-lo e sabore-lo. E deixemos agir em ns a fora dainspirao e da expirao para que todo o nosso corpo seja lavado, curado.Deixemos vir a luz e que ela se inscreva nas partes mais dolorosas donosso ser. Sintamos que somos um corpo de matria, de lama e tambmum corpo de cristal, um corpo de diamante. Simplesmente respiremos napresena do Ser que ... (Leloup, 1998, pg.132).

    2.2.4. Nasio, Jung, Leloup: trs autores, trs abordagens que

    se tocam

    Finalizando esse captulo, gostaria de fazer algumas observaes a

    respeito de cada um dos autores aqui estudados Nasio, Jung e Leloup

    pontuando, em cada um deles, quais os aspectos passveis de serem recrutados

    como fontes de inspirao para uma abordagem transpessoal do corpo.

    10 Abordagem inspirada nas pesquisas das cincias contemporneas e no aporte espiritual dasgrandes tradies ( Leloup, 1998, pg. 132).

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    31/87

    Percebo que a forma pela qual Nasio capta a linguagem corporal de seus

    pacientes pode ser bastante profcua. Tomando como referncia, o mtodo de

    Dolto11

    , ele pratica, na clnica, o olhar e entendimento de quem mergulha no

    inconsciente do outro, por meio: a) da observao das manifestaes e

    expresses da imagem inconsciente do corpo de seu paciente (utilizando,

    particularmente, os recursos de desenho do corpo, observao da fala e

    gestual); b) da visualizao desse corpo inconsciente; c) da sensao, sentida

    pelo analista, daquele corpo imagtico; d) do vibrar ao ritmo das tenses que

    animam aquele corpo; e e) da transmisso, ao paciente, daquilo que ele

    (terapeuta) sente. Esse mergulho predominantemente intuitivo no inconsciente

    do outro demanda, obviamente, sensibilidade, perspiccia, disponibilidade e,

    sobretudo, o desenvolvimento dessa habilidade. Mas no parece prematuro

    reconhecer que esse mtodo pode servir como um parmetro para a atuao

    teraputica (Nasio, 2009, pg.43-45).

    Em Jung, interessa, sobretudo, seu olhar arquetpico sobre as situaes e

    processos psicossomticos. Nesse sentido, os eventos nunca so nicos, mas

    vm sempre carregados de uma significao mtica, a qual pode ser

    invariavelmente acionada em prol da ao teraputica.

    Leloup, por fim, defende a capacidade que todos ns temos de nos

    auscultarmos, alm de introduzir, com seu brilhantismo de sempre, a abordagem

    transpessoal de nosso corpo de memrias.

    Posto isso, passo a desenvolver, no prximo captulo, algumas reflexes

    e consideraes sobre a orientao transpessoal.

    11 Franoise Dolto (1908-1988), mdica e psicanalista, pertenceu ao crculo de Jacques Lacan e criouo conceito de imagem inconsciente do corpo com o qual Nasio trabalha (juntamente com o de Lacan)em seu livro j citado.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    32/87

    3. A Psicologia Transpessoal

    Sem o transcendente e o transpessoal, ficamos doentes, violentos,

    niilistas, ou ento vazios de esperana e apticos.

    (Abraham Maslow, apud Fadiman; Frager, 1986, pg.272)

    A Psicologia Transpessoal um estudo emprico e cientfico dos diferentesnveis de conscincia e suas relaes com a nossa percepo da realidade,crenas, valores e aes... o estudo e prtica psicolgica dasexperincias transpessoais na sade, educao, organizaes,instituies...(ALUBRAT, 2009, pg.2). 12

    12 Cf. tambm, SALDANHA, Vera. Psicologia Transpessoal. Abordagem Integrativa UmConhecimento Emergente em Psicologia da Conscincia. Iju: Ed. Uniju, 2008. Este captulo baseou-

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    33/87

    A Psicologia Transpessoal tem suas razes mais recentes na corrente

    humanista e despontou nos anos 60 como uma nova vertente da Psicologia.

    Oficializada por Abraham Maslow em 1968 juntamente com Victor Frankl,

    Stanislav Grof, Antony Sutich e James Fadiman , passou a ser chamada de a

    4 grande fora, emancipando-se, por assim dizer, da psicologia humanista ou 3

    grande fora.

    A primeira grande fora foi o behaviorismo; a segunda foi o movimento

    psicanaltico; e a terceira foi a corrente humanista.

    A vertente humanista surgiu nos Estados Unidos e na Europa na dcada

    de 50 com a inteno de se opor corrente behaviorista e s analogias feitas na

    poca, em vrias reas cientficas, entre o ser humano e a mquina. Inspirou-se,

    sobretudo, no pensamento fenomenolgico e existencial.

    Entre os anos 50 e 70, a cincia cognitiva evoluiu, colocando margem deseu objeto de estudo os fatores afetivos e emocionais. Os humanistas

    reagiram a essa opo metodolgica pela excluso da emoo, pois aconsideravam como algo inerente e fundamental ao ser humano. Naverdade, a viso do homem no humanismo a de um ser criativo, comcapacidade de auto-reflexo, de tomar decises, de fazer escolhas e deseguir valores em um nvel fenomenolgico e existencial (ALUBRAT, 2009,pg.5).

    O diferencial da Transpessoal com relao s outras linhas da corrente

    humanista o de que a primeira amplia sua concepo de ser humano,

    percebendo-o tambm como um ser csmico e espiritual. Essa orientao

    apresenta carter transdisciplinar e considerada a Psicologia da Conscincia,

    pois se dedica ao estudo da conscincia, propondo trabalhos em diferentes

    estados de conscincia.

    se no livro de Saldanha e nas apostilas de 2007-2009 do Curso de Ps Graduao em PsicologiaTranspessoal da ALUBRAT.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    34/87

    Com efeito, a Psicologia Transpessoal engloba os aspectos do

    desenvolvimento psquico, j abordados nos primrdios da psicologia, com

    Freud, e amplia-os inaugurando uma nova corrente: a da psicologia evolutiva.A psicologia evolutiva aponta a experincia transpessoal como uma fasemais adiantada da evoluo humana, posterior s fases instintiva,emocional e mental. O homem intelectual no seria a ltima etapa evolutivada humanidade. Alm do intelecto existe um ou vrios outros nveisevolutivos (ALUBRAT, 2009, pg. 2).

    Restabelece-se assim a possibilidade, to cara tradio filosfica

    oriental, de se viver a unidade fundamental Homem-Cosmo.

    Desde sua origem at sua viso mais recente, as definies da PsicologiaTranspessoal observam os postulados de Maslow e sua posio de que aCincia deve agregar valores. Estes mantm estreitas correlaes com aeducao, princpios ticos e necessidade de se favorecer uma Psicologiaque contemple no s as deficincias, mas tambm aspectos saudveisque podem ser estimulados e desenvolvidos na natureza humana, e queso fundamentais para a continuidade de nossa espcie e do prprioplaneta (Saldanha, 2008, pg.46).

    A orientao transpessoal, contudo, no se encontra apenas no campo

    disciplinar da psicologia. Pode desenvolver-se tambm em vrias outras reas

    do conhecimento, quando essas incluem o estudo e/ou a prtica das

    experincias transpessoais. A ttulo de exemplo, pode-se citar as seguintes

    reas, mencionadas por Saldanha: psiquiatria, antropologia, sociologia, ecologia,

    psicologia (Saldanha, 2008, pg. 42-43).

    A experincia transpessoal, por sua vez,

    pode definir-se como aquela em que o senso de identidade ou do euultrapassa (trans+passar=ir alm) o individual e o pessoal a fim de abarcaraspectos da humanidade, da vida, da psique e do cosmo (Walsh; Vaughan,apud Saldanha, pg.42).

    Neste ponto, importante salientar que a transpessoalidade no dizrespeito apenas s experincias msticas, estados de xtase e de conscincia

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    35/87

    unitiva. Diz respeito tambm aos contedos que atravessam, perpassam a

    dimenso pessoal. No se trata, portanto de excluir ou invalidar o pessoal mas

    enquadr-lo dentro de um contexto mais amplo, o qual reconhece a importncia

    de ambas as experincias: pessoais e transpessoais (Walsh; Vaughan, apud

    Saldanha, pg.42).

    No tocante prtica e reas de aplicao de orientao transpessoal,

    Pierre Weil nos fornece uma definio sucinta e didtica.

    Por educao transpessoal compreendemos o conjunto dos mtodos quepermitem descobrir ou revelar o transpessoal dentro do ser humano. Porpsicoterapia transpessoal, entendemos o conjunto de mtodos detratamento das neuroses pelo despertar do transpessoal, e de tratamentodas psicoses pela exteriorizao do transpessoal semipotencializado. Porterapia transpessoal designamos o conjunto de mtodos derestabelecimento da sade pela progressiva reduo da iluso da existnciade um eu separado do mundo (Weil, apud Saldanha, pg.42-43).

    No meu entender, a Psicologia Transpessoal trata do estudo da

    conscincia em suas mltiplas dimenses: resgata a dimenso energtica e

    considera os vrios nveis da realidade na experincia humana. A abordagem

    educacional, teraputica e organizacional de orientao transpessoal recolhe o

    conflito do mundo cotidiano e eleva-o a outros nveis da realidade. Uma vez

    recolhido e trabalhado, esse conflito devolvido, transmutado, para a nossa

    atualidade terrena e espao-temporal.

    A propsito, vale notar aqui, que o corpo um dos pontos de interesse na

    Psicologia Transpessoal na medida em que esta preconiza o existir e se

    expressar no aqui e agora. O autor que teve o mrito de introduzir a ao

    corporal no espao teraputico foi Jacob Levy Moreno. Moreno (1892-1974) foi

    o criador da psicoterapia de grupo, do psicodrama e do sociodrama e um dos

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    36/87

    precursores da Psicologia Transpessoal especialmente com relao prxis

    (Saldanha, 2008, pg. 58-60).

    Para ele, a essncia do psiquismo transmite-se pelo corpo: um gesto, umtoque, um encontro e no s a linguagem verbal. Introduziu tambm opresentificar, a dimenso do aqui e agora no espao teraputico. Arealidade experienciada no como se, denominada de realidadecomplementar, era to importante e verdadeira como a realidade vivenciadano fato original (Saldanha, 2008, pg.60).

    O tema da aplicao dos mtodos pedaggicos e teraputicos de

    orientao transpessoal, remete novamente a questo que aqui interessa: a

    abordagem corporal em sua dimenso psicocomportamental tema do prximocaptulo e em sua dimenso transpessoal tema a ser tratado no captulo 6.

    4. O Mtodo GDS das Cadeias

    Musculares e Articulares Aspectos Psicocomportamentais13

    O corpo um meio de comunicao extraordinrio, que devemos conhecer e estruturar.

    Para tanto, importante olhar as mensagens gestuais e posturais do corpo,

    de modo a decifr-las e comunicar-se com ele de forma verbal ou no-verbal.

    (Godelieve Denys-Struyf, 1995)

    4.1. Sobre a autora e sobre os principais conceitos do Mtodo GDS

    13 Este captulo baseia-se, principalmente nos seguintes textos: 1) DENYS-STRUYF, Godelieve.Cadeias Musculares e Articulares. O Mtodo GDS. Summus Editorial, SP, 1995; 2) CAMPIGNION,

    Philippe. Aspectos Biomecnicos Cadeias Musculares e Articulares Mtodo GDS. SummusEditorial, SP, 2003; 3) Fascculos montados, entre 1995 e 2000, pelo Centro Brasileiro de CadeiasMusculares e Tcnicas GDS, So Paulo, sob a direo de Ivaldo Bertazzo e Lcia Campello Hahn,com base no ICT-GDS de Bruxelas, Blgica; e Anotaes de Aulas.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    37/87

    O Mtodo GDS das Cadeias Musculares e Articulares foi concebido e

    formulado nos anos 1960-1970 pela fisioterapeuta e osteopata, Godelieve

    Denys-Struyf.

    Filha de pais belgas nasceu, em 1931, no antigo Congo Belga (atual

    Brazzaville) e l viveu at os 16 anos em uma fazenda de cacau. Vale notar que

    esse perodo, decisivo na organizao da maneira de pensar o ser humano, foi

    vivido no seio de uma etnia e de uma cultura completamente diversas daquelas

    de sua origem familiar (Bertazzo; Hahn in Struyf, 1995, pg.9).

    Chegando Blgica, seguiu inicialmente uma formao artstica, na

    Escola de Belas Artes de Bruxelas, especializando-se na forma humana.

    O talento natural de retratista, somado aos anos em que refinou sua tcnicade observao do modelo, imprimiria uma caracterstica fundamental emsua futura abordagem teraputica e docente: aprender a ver. Em todos osestgios de seus cursos, Godelieve ensinar a seus alunos como

    diferenciar na figura humana os inmeros aspectos que a personalizamcomo indivduo de uma espcie. Alm das caractersticas raciais e culturais,a autora ir considerar os modos de funcionamento e gesto de cadaestrutura humana que a tornam um exemplar nico (Bertazzo; Hahn inStruyf, 1995, pg.9).

    A busca e reconhecimento da singularidade de cada indivduo daquilo

    que o diferencia e o torna nico, apesar dos elementos estruturais e funcionais

    comuns a todo ser humano : foi esse o interesse que a acompanhou durante

    toda a sua formao acadmica, em fisioterapia e osteopatia, e aps.

    Como terapeuta e buscadora incansvel, Mme. Godelieve tem perseguido

    uma trajetria de intensa experimentao, questionamento e reflexo a respeito

    do corpo humano em seu aspecto postural, gestual e psicomotor. Seu trabalho

    sempre foi enriquecido por um sentido de observao apurada como retratista;

    por um interesse em se alicerar nos conhecimentos milenares do oriente

    (particularmente a vertente chinesa); e pela afirmao de laos com aqueles

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    38/87

    profissionais (de filsofos e socilogos a terapeutas) com os quais sentia ter um

    ponto em comum: o da abordagem global do ser humano.

    O mtodo das cadeias GDS nos ensina a ler o que o corpo diz e a

    identificar o terreno de predisposies. (Struyf, apud Campignion, 2003, pg.16).

    um mtodo de leitura psicocomportamental a partir das formas do

    corpo. No se trata, contudo de apenas produzir retratos. Trata-se, sobretudo,

    de oferecer ferramentas para se escapar de um determinismo (gentico e/ou

    resultante de fatores educacionais) que possa conduzir a um encadeamento ou

    aprisionamento do indivduo em uma tipologia motora e morfocomportamental.

    A tipologia proposta por Struyf baseia-se nas pulses

    psicocomportamentais expressas no corpo pela ativao de certos msculos e

    pelas tenses de determinadas cadeias musculares e articulares.

    Os tipos propostos so absolutamente neutros, no existindo melhoresou menos bons. Tambm no pretendem ser definitivos. Ao contrrio,revelam instantneos na vida de uma pessoa. Servem para que oindivduo entre em contato com suas predisposies, seus pontos fortes efracos tanto no terreno mecnico quanto orgnico e comportamental. Aoanalisar um paciente, o terapeuta trabalha por comparao e aproximaoaos modelos propostos por Struyf em seu mtodo. Nenhum ser humanoidentifica-se inteiramente com qualquer desses tipos. Na verdade, cada umde ns um composto dos cinco tipos propostos pelo Mtodo GDS ascinco estruturas morfocomportamentais , porm em quantidade equalidade variveis para cada um (Bertazzo; Hahn in Struyf, 1995, pg.11).

    Para alm da leitura morfocomportamental, a abordagem GDS traz a

    noo de Terreno; conceito essencial neste mtodo.

    Com efeito, o procedimento GDS busca apreender um conjunto de

    informaes referentes constituio inata ou basal e aquilo que resultou dos

    contedos adquiridos no decorrer da existncia do indivduo, quer tenha sido

    esse percurso bem ou mal vivido. A combinao da tipologia de base com a

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    39/87

    tipologia adquirida ir circunscrever um terreno de potencialidades, tendncias

    e predisposies.

    Atravs de uma anamnese psico-morfolgica e mecnica da situao

    adquirida manifesta no corpo no momento da anlise , GDS procura chegar o

    mais perto possvel do terreno original a captura da constituio basal do

    indivduo e dos contedos adquiridos , para ento considerar as estratgias de

    tratamento possveis. O que se busca o resgate e respeito sua tipologia

    original; o equilbrio de seus vrios segmentos; a unidade e organizao deles

    ao redor de um centro; o desbloqueio das tenses que obstruem a livre

    passagem dos circuitos mecnicos e fisiolgicos; a harmonizao do sistema

    locomotor e da estrutura corporal.

    Mas a harmonizao pretendida associa-se, alm de tudo, ao

    conhecimento de um em si; de um terreno a ser progressivamente decifrado.

    Na verdade, Struyf prope um mtodo que conduz o indivduo a assumir um

    compromisso consigo prprio: a responsabilidade sobre seu prprio corpo; a

    responsabilidade sobre a recordao de si a partir de uma conscincia corporal;

    a responsabilidade sobre o reconhecimento de um terreno de tendncias e

    predisposies.

    Descoberta a constituio de base e o terreno original, bem como seus

    pontos fortes e fracos, cabe-nos reconhecer que no estamos reduzidos a nos

    submeter a tudo aquilo que a natureza depositou em ns. Existe um trabalho a

    ser feito conosco.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    40/87

    Aqui, a noo de terreno emerge sob a forma de um Projeto;um vir-a-

    ser do qual somos os agentes; de um projeto a ser elaborado e realizado para

    que no nos aprisionemos nas cadeias e tramas de nossos corpos.

    As cadeias ou conjuntos musculares e articulares so:

    ...tanto estruturantes, dando forma ao nosso corpo, quanto instrumentos denossa mobilidade e de nossas metamorfoses. Garantem, ao mesmo tempo,a unidade e a coeso do indivduo e a adaptabilidade de nossas estruturass necessidades da vida, s possveis reviravoltas do destino, s mudanase aos perodos de passagem no trajeto de nossa existncia. Quando sedegradam, se desequilibram ou se tornam excessivas, elas ficamenrijecidas e criam tipologias muito marcadas, que impem restries elimitaes ao corpo. Tornam-se, ento, nossas prises, cadeias de

    forados, que diminuem nossa qualidade de vida. Prejudicam as funesfsicas e psquicas e desencadeiam alarmes, sob a forma de sintomasdiversos e dores (Struyf, apud Campignion, 2003, pg.14).

    Cada uma das estruturas psicocorporais apresentadas por Struyf um

    resultado da ao predominante de uma cadeia e tambm um componente

    daquele terreno de tendncias e predisposies. Todas esto presentes em

    cada um de ns. s vezes, uma ou outra passa a predominar. Contudo, cada um

    de ns manifesta essas estruturas em um arranjo singular. Est ao nosso

    alcance reconhec-las e integr-las conscientemente a nossa vida. Igualmente,

    cabe a cada um de ns nos responsabilizarmos ou no por nossa realizao

    como individualidade, diferenciando-nos do outro a partir da tomada de

    conscincia daquilo que nos assemelha e de tudo o que nos singulariza.

    O Projeto o potencial que importa desabrochar. E o que importa

    restaurar uma expresso corporal que seja uma livre expresso de si prprio.

    Aquela que, a partir do interior, utiliza os conjuntos musculares (as cadeias

    musculares e articulares) sem aprisionar o ser.

    O papel do terapeuta o de entender a linguagem corporal daquele

    indivduo a sua frente (fazendo a leitura da postura, gestos e formas do corpo);

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    41/87

    delimitar um tipo de terreno psicomotor com seus pontos fortes e fracos; sugerir

    uma abordagem teraputica apropriada ao terreno; e desenvolver uma

    estratgia de preveno. A posio do terapeuta a de observador, curador e,

    antes de tudo, educador.

    Quanto s tcnicas a serem mobilizadas, Struyf afirma que devem ser

    quantas forem necessrias e adequadas s singularidades psicocorporais e

    locomotoras do indivduo que est sendo tratado: ajustamentos steo-articulares

    e modelagens; harmonizao das tenses musculares; manobras que associem

    contraes isomtricas e alongamentos; posturas 14, gestos e movimentos;

    dilogos verbais e no verbais.

    Outro ponto dos mais importantes do Mtodo GDS o desenvolvimento e

    ampliao da conscincia psicocorporal do indivduo que est sendo tratado.

    Pois um de seus objetivos o de oferecer a cada um a possibilidade de assumir

    o trabalho teraputico e preventivo sobre si prprio. O que se busca, em ltima

    instncia, o despertar da memria de si e o tomar para si a responsabilidade e

    direo de sua prpria vida e destino.

    4.2. Sobre a Tipologia GDS e suas Estruturas Psicocorporais

    A partir da observao de milhares de casos, Godelieve Denys-Struyf

    comps as diferentes atitudes e encadeamentos musculares que as sustentam.

    Ela apresenta e descreve seis tipos ou estruturas que possibilitam ao corpo

    exprimir-se por meio de arranjos e tenses biomecnicas governados por cada

    uma das cadeias musculares e articulares.

    14 Centro Brasileiro de Cadeias Musculares e Tcnicas GDS; Fascculo organizado por IvaldoBertazzo e Lcia C. Hahn com base no ICT- GDS de Bruxelas, Blgica.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    42/87

    A denominao de cada cadeia est associada a sua localizao no

    tronco. Nomeia, tambm, cada uma das estruturas psicocorporais, as quais so

    entendidas como atitudes posturais que refletem diferentes pulses

    comportamentais.

    Essa tipologia ser brevemente descrita, em consonncia com as duas

    figuras apresentadas logo adiante.

    i. Na atitude em propulso para frente a atividade muscular posterior que

    mantm o corpo em equilbrio. So os grupos musculares principalmente

    posteriores e medianos que conduzem a uma atitude governada pela cadeia

    PM (posterior mediana) e que impulsionam (ou desequilibram) o corpo

    frente. Ao faz-lo est respondendo a certas pulses comportamentais e

    certas escolhas.

    As escolhas da estrutura PM dirigem-se mais facilmente para o agir ou, nolimite, para a simples agitao mental e fsica. Comportar-se em PM , porexemplo, preferir projetar-se no futuro, prever, antecipar. Para tanto, oindivduo necessita saber e dominar certos conhecimentos referentes aomundo exterior. Trata-se de uma estrutura de ideao e de ao 15.

    ii. Na atitude inclinada para trs a atividade de grupos musculares anteriores

    que garante o equilbrio. A cadeia que governa esse padro gestual a

    cadeia AM (anterior mediana), composta pelos msculos anteriores e

    medianos do tronco. Quando se acomoda nessa postura, o corpo parece

    querer recuar, apoiar-se contra uma parede, ou se sentar.

    Comportar-se em AM escolher preferencialmente uma pulso que busca oapoio atrs. Apoiar-se em baixo e atrs pode significar, por exemplo, que,para avanar, essa tipologia parte das coisas adquiridas do passado, da suaherana cultural e familiar. uma construo feita em cima da solidezdaquilo que j se possui. Trata-se tambm de uma estrutura inclinada paraas esferas afetivas e sensoriais.

    15 Centro Brasileiro de Cadeias Musculares e Tcnicas GDS; Fascculo organizado por IvaldoBertazzo e Lcia C. Hahn com base no ICT- GDS de Bruxelas, Blgica. A partir de agora, at o finaldeste captulo, quando a frase em forma de citao vier sem referncia bibliogrfica porque foiretirada desse fascculo que, a propsito, foi a base para a construo deste item.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    43/87

    iii. As trs atitudes do centro da figura so tensionadas muscularmente pela

    impulsividade e sensibilidade, bem como pelo estado de receptividade.Nessas formas de se equilibrar em p, no h desequilbrio nem para frente

    nem para trs. PA-AP est no centro e se organiza sagitalmente: ou em um

    formato simtrico ondulado e ondulante ou verticalmente retilneo.

    Neste caso, as cadeias anterior (AM) e posterior (PM) ficam praticamente

    em repouso e o tronco fica assim liberado. Aqui, os grupos que seguem um

    trajeto postero-anterior (PA) e antero-posterior (AP) ficam mais ativos. Esses

    grupos localizam-se mais internamente, tm uma ao mais sutil do que os

    das cadeias PM e AM e intervm na postura ereta do corpo e na respirao.

    As duas cadeias, quando isoladas tm dinamismos opostos: impulso para

    cima em PA; impulso para baixo em AP. Todavia, quando AP est

    associada a PA, conserva uma potencialidade enorme de impulso para

    cima.

    Fsica e psiquicamente as duas estruturas reunidas so feitas para o salto,para a impulso. AP a mola; reagrupa o corpo, que relaxa e desce paramelhor saltar. As duas estruturas PA e AP so orientadas por motivaes eescolhas que buscam ultrapassar-se, ir procura do ideal, do absoluto, daespiritualidade.

    Acima foram descritos os trs dinamismos fundamentais as trs formas

    de equilbrio do corpo em p, examinado no plano sagital. Essas resultam em

    quatro padres posturais, presentes invariavelmente em todos ns, porm em

    graus diferentes. Mme. Godelieve afirma que a sade do sistema psicomotor

    est associada, independente do padro constitucional de cada um,

    capacidade de transitar, com fluidez, de uma atitude a outra.

    A seguir, sero apresentadas mais duas formas de expresso, as quais

    so mais visivelmente perceptveis se examinadas no plano frontal. Essas duas

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    44/87

    formas de equilbrio vm sempre associadas s estruturas fundamentais acima

    descritas e refletem o modo relacional ou de comunicao com o meio ambiente.

    Na primeira figura aqui apresentada, esses dois padres comportamentais esto

    expostos na poro inferior da pgina.

    iv. A atitude arqueada e literalmente desdobrada est associada a um padro

    comportamental particularmente extrovertido. Aqui, o corpo apresenta uma

    larga base de sustentao. Os grupos musculares recrutados por essa forma

    postural agem principalmente na altura dos quadris e dos ombros. So

    msculos abdutores e rotadores externos, cuja localizao posterior e

    lateral nos quadris e nos ombros. da que vem a denominao PL

    (posterior-lateral).

    v. A atitude de recolhimento est associada a um padro comportamental

    particularmente introvertido. Aqui, a base de sustentao estreita e o corpoparece enrolado em torno de si prprio. Nesta expresso corporal, os

    msculos tambm esto ativos nos quadris e nos ombros. Todavia, so ao

    contrrio, msculos adutores e rotadores internos localizados anterior e

    lateralmente na altura dos quadris e ombros. Essa cadeia denomina-se, em

    sua abreviao, AL (anterior-lateral).

    Se o nosso PL extrovertido corre o risco de disperso, as opes do AL vo

    no sentido da reduo dos centros de interesse, do aprofundamento e da

    especializao.

    Um ponto de suma importncia neste mtodo o de que de todas as

    cadeias, quem garante o movimento as transies de uma condio

    comportamental a outra, as passagens de um dinamismo psicocorporal a outro

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    45/87

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    46/87

    Fonte: CAMPIGNION, Phillippe. Aspectos Biomecnicos: Cadeias Musculares e Articulares Mtodo GDS. So Paulo:Summus Editora, 2003, pg.32. Ilustraes de Godelieve Denys-Struyf.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    47/87

    Fonte: DENYS-STRUYF, Godelieve. Cadeias Musculares e Articulares: o Mtodo GDS. SoPaulo, Summus Editora, 1995, pg.22. Ilustraes de Godelieve Denys-Struyf.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    48/87

    4.3. Sobre as fontes de inspirao da autora algumas breves

    consideraes

    Espero que essa apresentao, bastante sumria, do mtodo GDS e dostipos descritos por Struyf, tenha sido suficiente para expor o quo rica e

    envolvente sua formulao. Mas cabe perguntar, no final deste captulo, onde

    a autora foi buscar a inspirao para a organizao de sua tipologia?

    As atitudes posturais, que servem de base a nossa compreenso do

    terreno das tendncias e predisposies, foram definidas quando, nos anos 60,

    Mme. Godelieve trabalhava em um servio de reumatologia, especializado em

    patologias vertebrais. A, passou a desenhar o retrato detalhado (frente, costas

    e perfis) dos pacientes. Tendo observado e retratado milhares de indivduos,

    iniciou um trabalho estatstico que buscava agrupar os pacientes que

    apresentassem a mesma postura com o fim de estabelecer ligaes entre tal tipo

    de postura e as algias. A seguir, passou a definir os principais conjuntos

    musculares organizadores de cada uma dessas atitudes, terminando por

    encontrar seis cadeias de tenses musculares. Vale notar, que essa iniciativa

    deu seqncia a uma experincia anterior de quinze anos no campo da

    antropometria, e como retratista de anlise morfolgica e psicolgica das formas

    (Campignion, 2003, pg.18).

    Paralelamente a isso, seus interesses em estabelecer elos mais precisos

    entre as pulses psicocomportamentais e a postura, conduziram-na a estudar a

    obra de filsofos e cientistas sociais, dentre os quais dois se destacaram em sua

    trajetria de pesquisa: Claude Lvi-Strauss e Georges Dmezil. O antroplogo

    Lvi-Strauss e o fillogo Georges Dmezil ambos grandes estudiosos da

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    49/87

    mitologia foram suas principais referncias ao longo dos processos de

    verificao e de refinamento de sua tipologia.

    Na verdade, o desenvolvimento e aprofundamento dos seis tipos de

    pulso psicocomportamental provm da teoria de Dmezil sobre a estrutura

    trifuncional das sociedades indo-europias. Segundo essa teoria, a

    humanidade organiza-se em torno de trs funes bsicas: nutriz, guerreira e

    sagrada.

    A funo nutriz (ou de fecundidade) privilegia a estabilidade e o

    enraizamento; confere importncia segurana e construo de uma famlia; e

    persegue o bem estar, as tradies e as aquisies. A funo guerreira projeta

    o homem ao, ao trabalho; privilegia a conquista de espaos nas diversas

    reas da vida; e busca o saber e saber fazer. A funo sagrada (ou mgica)

    est associada a toda a simbologia que engloba, unifica e reconstri o mundo,

    dando-lhe uma noo de ideal. Sua motivao subjacente a busca da

    essncia do ser, a espiritualidade (Dmezil, apud Valentin, 2009, pg.98-102).

    Segundo Struyf, cada um dos dinamismos psicocomportamentais por ela

    formulados representa uma dessas funes ou mitos fundadores. Assim,

    partindo da noo, de que o mito fundador aquele que se encontrainvariavelmente em toda a histria humana, Mme. Godelieve baseou-se nele

    para colher da trs arqutipos; trs expresses, trs ideogramas e trs palavras;

    trs estruturas, trs linguagens e trs denominaes: AM, PM e PA-AP.

    Posto isso, passo a tecer algumas consideraes sobre os aspectos

    chave da Abordagem Integrativa Transpessoal para, a seguir, colocar as duasorientaes face a face.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    50/87

    5. A Abordagem IntegrativaTranspessoal

    5.1. Sobre a Autora

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    51/87

    A Abordagem Integrativa Transpessoal foi criada e sistematizada por

    Vera Saldanha, psicloga brasileira e uma das mais importantes referncias

    atuais no campo da Psicologia Transpessoal. A sistematizao de seus

    principais conceitos foi feita em sua tese de doutorado (Saldanha, 2006), aps

    ter trilhado um caminho de extensa e profunda aplicao dos postulados da

    Psicologia Transpessoal nas reas da sade, educao e pesquisa.

    A autora vem percorrendo o caminho da orientao transpessoal desde

    1978, quando participou do IV Congresso de Psicologia Transpessoal. A, teve a

    oportunidade de conhecer Pierre Weil e Stanislav Grof (influentes pensadores,

    pesquisadores, educadores e terapeutas no campo da psicologia humanista e

    transpessoal), tendo estabelecido, a partir de ento, uma profunda amizade e

    uma parceria intelectual bastante profcua com Pierre Weil. Hoje, a frente da

    Associao Luso-Brasileira de Transpessoal, ela coordena o Curso de Ps-

    Graduao Lato Sensu em Psicologia Transpessoal, pesquisando e ensinando a

    Abordagem Integrativa, com base na Didtica Transpessoal por ela

    sistematizada.

    5.2. O Corpo Terico

    Ao sistematizar os conceitos essenciais, a autora organizou-os em dois

    aspectos bsicos: o estrutural e o dinmico. O aspecto dinmico integra-se em

    dois eixos: o eixo experiencial e o eixo evolutivo. A seguir, sero abordados

    sumariamente cada um desses dois aspectos.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    52/87

    O aspecto estrutural uma sistematizao do Corpo Terico da

    Psicologia Transpessoal. Organiza-se em torno de cinco conceitos: conceito de

    unidade, conceito de vida, conceito de ego, estados de conscincia e cartografia

    da conscincia.

    (1) Conceito de Unidade.

    O pressuposto bsico da Transpessoal o conceito de unidade: a unidade

    fundamental do Ser ou a no fragmentao.

    (2) Conceito de Vida.

    O entendimento de seu significado relaciona-se a uma dimenso atemporal.

    Tudo vida, energia, formas diversas de existncia, algo que no definimos

    exatamente quando comeou ou quando terminar. Vida um pulsar

    contnuo no qual nascer, morrer e renascer faz parte de um processo

    (ALUBRAT, Mdulo 1, 2009, pg.12).

    (3) Conceito de Ego.

    Tal como na psicanlise, o ego necessrio para operacionalizar a vida

    cotidiana, sendo responsvel pelo princpio secundrio, ou princpio da

    realidade. No entanto, tambm um construto mental, ilusrio, que separa o

    espao em duas partes: o eu e o outro. Para a Transpessoal, a percepo do

    ego no representa a totalidade das experincias humanas; em algumas

    delas, essa instncia psquica precisa se dissolver circunstancialmente, a fim

    de que o indivduo se torne um com o tudo o que existe, sentindo seu ser

    essencial, sua natureza de sabedoria e luz (ALUBRAT, Mdulo 1, 2009,

    pg.13).

    (4) Estados de Conscincia.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    53/87

    Os estados de conscincia so o caminhar atravs das vrias dimenses da

    conscincia. Na prtica clnica e educacional a forma pela qual se processa

    o trabalho de orientao transpessoal e, em geral, o que diferencia esta das

    outras abordagens.

    (5) Cartografia da Conscincia.

    A cartografia da conscincia indica e nomeia os diversos estados j

    vivenciados. Em geral,

    os autores [de orientao transpessoal] apontam trs nveis ou dimenses

    da conscincia: um primeiro nvel refere-se a contedos autobiogrficos desde o nascimento at o momento atual da existncia do indivduo ; umsegundo diz respeito a contedos que abrangem as experincias intra-uterinas, inclusive o nascimento; e um terceiro, que antecede o nvel intra-uterino e vai alm da existncia biolgica (ALUBRAT, Mdulo 1, 2009,pg.19).

    Os elementos do Corpo Terico em uma compreenso dinmica so os

    eixos experiencial e evolutivo.

    De acordo com o modelo de Saldanha, o eixo experiencial simboliza aintegrao da Razo, Emoo, Intuio e Sensao (REIS). representado por

    uma linha horizontal sobre outra linha vertical, as quais se cruzam ao meio.

    Para que possamos compreend-lo preciso que nos remetamos ao

    modelo junguiano de tipologia.

    Segundo Jung, o tipo psicolgico do individuo determina sua maneira de serelacionar com o mundo interior e exterior, as pessoas e as coisas; o queocorre por meio de uma atitude de extroverso ou introverso, relacionadas funes do pensamento, sentimento, sensao e intuio. A atituderefere-se ao movimento predominante da libido, ou seja, da energiapsquica, na qual a extroverso indica a conscincia do individuo voltadapara os objetos ou mundo externo, e a introverso, uma orientao para omundo interior da psique. As funes psquicas so os recursos atravs dosquais a conscincia obtm orientao para a experincia e compem, nototal, oito tipos de carter, com distintos graus entre essas combinaes deatitudes e funes psquicas, segundo Jung (ALUBRAT, Mdulo 1, 2009,pg.19).

    Jung preconiza a existncia de quatro funes psicolgicas basais:

    pensamento, sentimento, sensao e intuio. Saldanha revisita essa

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    54/87

    proposio, formula um arranjo que melhor se adqua a construo de seu

    referencial terico e cria o termo R.E.I.S.; ou seja, as iniciais das palavras razo,

    emoo, intuio e sensao, que neste contexto, parecem ser mais estados ou

    nimos psicolgicos do que as funes psquicas de Jung.

    A razo engloba as duas funes psquicas de Jung: pensamento e

    sentimento. Ambos indicam a inclinao ao julgamento: ou de idias e de

    conceitos (componentes da funo pensamento), ou de atribuio de valor (o

    gostar ou no gostar tpico da funo pensamento). A razo busca compreender

    e organizar o mundo atravs da reflexo.

    A emoo, segundo Jung, o afeto: representa um ou mais complexos

    ativados e percebida como um acontecimento, pelo qual somos

    simplesmente possudos. Jung considerava a emoo no necessariamente

    patolgica, mas indesejvel. No entanto, observa que no h nenhuma

    mudana, das trevas para a luz, ou da inrcia para o movimento, sem a emoo

    (ALUBRAT, Mdulo 1, 2009, pg.24). Na abordagem integrativa transpessoal, a

    emoo considerada uma componente chave do eixo experiencial por ser o

    elemento desencadeador da ao e por trazer a energia necessria ao processo

    de desenvolvimento psquico.

    A intuio uma percepo clara, direta, autntica e espontnea sem a

    intercesso do raciocnio. Na orientao transpessoal, a intuio concebida

    como tendo sua origem no supraconsciente.

    A sensao a funo dos sentidos (dos cinco rgos dos sentidos).

    Para Jung, a sensao tal como a intuio uma funo irracional e de

    percepo, no apresentando em si, nenhuma reflexo ou julgamento. A

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    55/87

    orientao transpessoal resgata essa funo, trazendo tona o interesse pelo

    corpo em ao e pela conscincia do corpo em sua globalidade.

    Na Abordagem Integrativa, as funes psquicas, percebidas e definidas por

    Jung, expressam-se, sobretudo como experincias ou processos psicolgicos,

    ou at estados de nimo. Deixam de ser componentes de uma tipologia

    psicolgica e comportamental16, para se tornarem ingredientes da experincia e

    desenvolvimento humanos.

    Enfim, sobre a relao do eixo experiencial com o REIS, a autora afirma o

    seguinte:

    ... a experienciao ou eixo experiencial promove a congruncia entre arazo, emoo, intuio e sensao, a qual leva a uma ampliao dapercepo da realidade e manifestao natural do eixo evolutivo ou nvelsuperior da conscincia, do qual emergem os valores positivos,construtivos, inerentes ao ser humano. a dimenso saudvel,transpessoal, aquela que vai atravs do pessoal, no relacional e mais alm(Saldanha, 2006, pg.135).

    O favorecimento ao eixo experiencial o primeiro passo para emergiremaspectos mais profundos e integr-los conscincia de viglia, o qualpermite uma expresso mais saudvel da psique em uma preparao paraas fases seguintes (Saldanha, 2006, pg.138).

    Tendo feito uma breve descrio do corpo terico da Abordagem

    Integrativa Transpessoal, interessa salientar que os parmetros aqui focalizados

    tm uma estreita relao com sua aplicao prtica. Na verdade, o que se

    16 Noto e relembro, contudo, que a formulao tipolgica de Jung considera como absolutamenterelevante para o processo de individuao, a integrao das quatro funes psquicas (sensao,pensamento, sentimento e intuio) associadas extroverso ou introverso.

    Eixo experiencialREIS

    Eixo Evolutivo

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    56/87

    pretende que o mtodo teraputico e educacional privilegie o aspecto vivencial

    (tanto na clnica quanto na educao e organizaes), por meio da ativao do

    REIS e da atualizao constante de um referencial terico embasado nas

    noes de unidade, vida, ego, estados de conscincia e cartografia da

    conscincia.

    5.3. Recursos

    A partir da formulao do corpo terico, Saldanha elaborou uma

    classificao dos recursos transpessoais a serem aplicados no mbito da sade,

    educao e organizaes. Esses recursos ou forma de interveno da

    Abordagem Integrativa foram classificados em cinco grandes nveis:

    Interveno verbal

    Imaginao ativa

    Reorganizao simblica

    Dinmica interativa

    Recursos auxiliares ou adjuntos

    o Interveno verbal - todo tipo de verbalizao que facilite o estabelecimento da

    relao entre educador-educando/terapeuta-paciente.

    Busca-se aqui, o encontro tlico; a comunicao de co-inconsciente a co-

    inconsciente, ampliando a percepo para alm dos cinco sentidos, favorecendo a

    tele (Moreno, apud Saldanha, 2008, pg. 212, 213). Busca-se o deixar fluir a

    espontaneidade e propicia-se a presena do eixo experiencial, por meio da

    mobilizao das quatro funes psicolgicas. A ativao do eixo experiencial ir

    facilitar, por sua vez, a manifestao do eixo evolutivo.

  • 7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo

    57/87

    o Imaginao ativa (ou ativada) - so exerccios que vm da Psicologia Junguiana.

    Trata-se do desenvolvimento de imagens e cenrios mentais, aparentemente

    aleatrios, que possibilitam vivenciar experincias e, assim, colori-las com os

    contedos do inconsciente (Saldanha, 2008, pg.214).

    o Reorganizao simblica envolve a imaginao, mas vai alm. Essas

    dinmicas facilitam a organizao de determinados contedos, numa

    seqncia lgica e adequada, seja no aspecto psquico, temporal ou

    espacial (Saldanha, 2008, pg.220).

    No meu entender, a reorganizao simblica atua no sentido de

    clarificar contedos manifestos durante a dinmica (o que emerge, por exemplo,

    como uma metfora na imaginao ativa, pode vir a ser mais bem compreendido

    na reorganizao simblica). Utilizam-se, aqui, tcnicas que envolvem as

    prticas de visualizao (como na imaginao ativa) e outras tais como as

    dram