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METODOLOGIA ANTROPOMÉTRICA DO DIAGNÓSTICO NUTRICIONAL. UM EXEMPLO DO NORDESTE BRASILEIRO Christiane Dricot d'Ans * Jean M. Dricot * DRICOT d'ANS, C. & DRICOT, J. M. Metologia antropométrica do diagnóstico nu- tricional: um exemplo do nordeste brasileiro. Rev. Saúde públ., S. Paulo 16: 42-53, 1982. RESUMO: Foram comparados os diferentes métodos de análise dos dados antropométricos usualmente utilizados como indicadores nutricionais, a fim de testar a sua sensibilidade e validade para a elaboração de planos de vigilância e/ou intervenção. A população estudada, numa comunidade do sertão paraibano (Brasil), constituiu em uma amostra de 110 crianças de ambos os sexos, na faixa etária de 3 a 71 meses. Várias combinações de peso e altura entre si e com relação à idade foram executadas utilizando diversos padrões de referência e métodos de avaliação comparativa. Veri- ficou-se que a utilização de desvios-padrões é preferível às percentagens na caracterização epidemiológica e quantificação do estado nutricional de populações em situação de carência; no caso do emprego exclusivo de per- centagens, o levantamento se limita à simples enumeração, as vezes exa- gerada, dos casos possíveis de desnutrição. Demonstrou-se também que o peso e a altura são realmente os indicadores mínimos, mas que para se obter dados epidemiológicos bem mais completos e proveitosos, é útil acrescentar a tomada do perímetro do braço e da prega cutânea tricipital. UNITERMOS: Inquéritos nutricionais, Nordeste, Brasil. Antropometria. * Do Departamento de Promoção da Saúde da Universidade Federal da Paraíba Campus Universitário 58000 João Pessoa, PB Brasil. INTRODUÇÃO As vantagens do uso de métodos antropo- métricos no diagnóstico epidemiológico da situação nutricional são bem conhecidas: boa aceitação por parte da população, custo pouco elevado em material e técnicas simples com, no entanto, a desvantagem relativa de que a fidedignidade dos dados depende estritamente do rigor aplicado às medidas, que permitirá compará-las com outras e assegurará a sua repetição nas mesmas condições. Serão debatidos aqui diversos tratamentos dos dados antropométricos, os mais corren- temente utilizados como indicadores nutri- cionais, com a finalidade de estabelecer qual ou quais deles refletem melhor os diversos aspectos da desnutrição energético-protéica e, por conseguinte, quais serão de uso mais adequado no estabelecimento de um pro- grama de vigilância nutricional e na elabo- ração de planos de intervenção.

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METODOLOGIA ANTROPOMÉTRICADO DIAGNÓSTICO NUTRICIONAL.

UM EXEMPLO DO NORDESTE BRASILEIRO

Christiane Dricot d'Ans *Jean M. Dricot *

DRICOT d'ANS, C. & DRICOT, J. M. Metologia antropométrica do diagnóstico nu-tricional: um exemplo do nordeste brasileiro. Rev. Saúde públ., S. Paulo 16:42-53, 1982.

RESUMO: Foram comparados os diferentes métodos de análise dosdados antropométricos usualmente utilizados como indicadores nutricionais,a fim de testar a sua sensibilidade e validade para a elaboração de planosde vigilância e/ou intervenção. A população estudada, numa comunidade dosertão paraibano (Brasil), constituiu em uma amostra de 110 crianças deambos os sexos, na faixa etária de 3 a 71 meses. Várias combinações depeso e altura entre si e com relação à idade foram executadas utilizandodiversos padrões de referência e métodos de avaliação comparativa. Veri-ficou-se que a utilização de desvios-padrões é preferível às percentagensna caracterização epidemiológica e quantificação do estado nutricional depopulações em situação de carência; no caso do emprego exclusivo de per-centagens, o levantamento se limita à simples enumeração, as vezes exa-gerada, dos casos possíveis de desnutrição. Demonstrou-se também que opeso e a altura são realmente os indicadores mínimos, mas que para se obterdados epidemiológicos bem mais completos e proveitosos, é útil acrescentara tomada do perímetro do braço e da prega cutânea tricipital.

UNITERMOS: Inquéritos nutricionais, Nordeste, Brasil. Antropometria.

* Do Departamento de Promoção da Saúde da Universidade Federal da Paraíba — CampusUniversitário — 58000 — João Pessoa, PB — Brasil.

INTRODUÇÃO

As vantagens do uso de métodos antropo-métricos no diagnóstico epidemiológico dasituação nutricional são bem conhecidas:boa aceitação por parte da população,custo pouco elevado em material e técnicassimples com, no entanto, a desvantagemrelativa de que a fidedignidade dos dadosdepende estritamente do rigor aplicado àsmedidas, que permitirá compará-las comoutras e assegurará a sua repetição nasmesmas condições.

Serão debatidos aqui diversos tratamentosdos dados antropométricos, os mais corren-temente utilizados como indicadores nutri-cionais, com a finalidade de estabelecer qualou quais deles refletem melhor os diversosaspectos da desnutrição energético-protéicae, por conseguinte, quais serão de uso maisadequado no estabelecimento de um pro-grama de vigilância nutricional e na elabo-ração de planos de intervenção.

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Para se realizar o presente trabalho es-colheu-se a região dos Cariris Velhos (Pa-raíba) pois, devido a extrema pobreza dossolos e a baixíssima pluviosidade, a regiãose apresenta como uma área de debilidadeeconômica singular, mesmo no quadro com-parativo com a pobreza nordestina, carac-terizada por suas dificuldades de ordemnutricional e alimentar.

MATERIAL E MÉTODOS

As estimativas da população do municípiode Congo, escolhido para estudo, são varia-das: de 4.000 pessoas segundo o censo de1970; e de 9.000 pessoas segundo o Car-tório Eleitoral da Prefeitura do municípioem 1978, ano de estudo; àquela época, arealidade demográfica devia se situar entreestas duas cifras, em torno de 5 ou 6.000pessoas. A população se divide entre umazona "urbana" (cerca de 2.000 habitantes)e uma zona "rural", em pequenos sítiosesparsos. A zona "urbana" conta com umainfra-estrutura de saúde mínima, semnenhuma rede sanitária básica; tem eletri-ficação parcial e grupos escolares do pri-meiro grau. A zona "rural" possui apenasgrupos escolares, não contando comnenhuma outra infra-estrutura.

Em junho e setembro de 1978, uma equipemultidisciplinar visitou o município e levan-tou uma série de dados: demográficos,epidemiológicos, clínicos, nutricionais e só-cio-culturais.

Em 1977, o município já tinha servidode área controle para estudo de dozemicrorregiões do Estado da Paraíba (Courae col.5, 1979).

As medidas antropométricas - peso, altura,perimetro do braço e dobra cutânea tricipital— foram tomadas de acordo com os reque-sitos do Programa Biológico Internacional(Wiener e Lourie 17, 1969) e aplicados tantonas mães como nos f i lhos que as acompanha-vam. Serão considerados no presente traba-lho apenas os dados de julho de 1978, rela-tivos às crianças de 3 meses até 71 meses,

ou seja, 110 crianças que se dividiram em55 meninas e 55 meninos. Neste trabalho,visamos apenas estudar o processo meto-dológico; por esta razão, não separaremosos sexos nos quadros de apresentação dosresultados.

Os dados de peso e altura serão sistema-ticamente comparados, em primeiro lugar,com os dados brasileiros da classe IV deMarques e col.9 (1974) e, depois, com osdados recentemente recomendados por Wa-terlow e col.16 (1977), a saber: os do U.S.National Center for Health Statistics10

(NCHS) (1976) que são, atualmente, osque melhor correspondem aos critérios re-queridos para formar uma válida populaçãode referência. Para o perímetro do braçoe a dobra cutânea tricipital têm servido dedados de referência, respectivamente, asmedidas da dobra cutânea tricipital reco-lhidas por Tanner14 (1973) na populaçãoinglesa e as medidas do perímetro do braçode uma população francesa (Sempe eMasse11, 1965), pois para os dados doperímetro do braço, referentes à populaçãoinglesa, somente são disponíveis os valoresda média por ano (Eveleth e Tanner 6,

1976).

Os métodos de diagnóstico nutricionalaplicados a esses dados são de três tipos:

1.°) Estabelecimentos de diversas relaçõesentre o peso, a altura e a idade a seremcomparadas com as populações de refe-rência, com cálculos de percentages:

a) Comparação dos valores ponderais parauma dada idade. Mantivemos a clas-sificação clássica de Gomez 7, (1956) emdesnutrição de primeiro, segundo e ter-ceiro graus, correspondendo a 90(75,1%, 70-60,1%) e igual ou abaixode 60% do peso médio da populaçãode referência da mesma idade;

b) Comparação dos valores estaturais parauma dada idade. Adotamos como valorlimite o de 90% da altura média da

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população de referência da mesma idade,Keller e col.8, 1976);

c) Adequação do peso com a altura. Paraconcordar com a classificação de Ariza 1

(1972), adotamos um primeiro nível dedesnutrição para peso correspondendoentre 80,1 e 90% do peso médio paraa altura e um segundo nivel para pesoigual ou inferior a 80%; para a OMS,somente este último corresponde aolimite patológico (Keller e col.8 1976);

d) Combinação das relações altura-idadee peso-altura, segundo o esquema pro-posto por Waterlow e Rutishauser15

(1974), de modo que o grau de "stun-ting", atraso na altura esperada parauma determinada idade, seja relacio-nado com o grau de "wasting", déficitdo peso esperado para uma determi-nada altura.

2.°) Cálculo e comparação dos "desvio-pa-drões score" (DP score) para as rela-ções altura-idade e peso-altura, comopreconizado por Waterlow e col.16

(1977):

a) quando a altura do indivíduo é inferiora altura média de referência para amesma idade:

DP score

b) quando a altura do indivíduo é superiora altura média de referência para amesma idade:

c) quando o peso do indivíduo é inferiorao peso médio de referência para amesma altura:

d) quando o peso do indivíduo é superiorao peso médio de referência para amesma altura:

As crianças são classificadas segundo o"score" obtido; são consideradas como des-nutridas as que se encontram a menos 2"DP score" ou mais (< — 2 DP).

3.°) Cálculo do número de indivíduo abaixode dois desvios-padrões para as re-lações perímetro braquial-idade e dobracutânea tricipital-idade.

RESULTADOS

Quantificação em percentagens

Tomando como referência os padrõs bra-sileiros estudados por Marques e col.9

(1974), as percentagens globais de criançasdesnutridas se repartem como segue: paraa relação peso-idade, 54,6%, com 8,2% do2.° grau e nenhum caso do 3.° grau; paraa relação altura-idade, 12,7% no limite de90% da altura média da população dereferência da mesma idade; para a relaçãopeso-altura, 21,8% no limite de 90% e2,7% no limite de 80% ou menos do pesomédio com relação a altura da populaçãode referência (Tabela 1).

Tomando como referência os padrõesnorte-americanos (NCHS10, 1976), as per-centagens de crianças desnutridas são, neste

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caso, as seguintes: para a relação peso--idade, 51,8% com 5,4% do 2.° grau e nenhumcaso do 3.° grau; para a relação altura--idade, 19,1%; para a relação peso-altura,respectivamente, 8,2% e 0,9% nos limitesde 90% e 80% (Tabela 1).

Constatamos que para a relação peso-idadeas cifras são sensivelmente iguais qualquerseja a população de referência, com umatendência na diminuição, especialmente dosde 2.° grau, no caso de se utilizar a refe-rência norte-americana. Para a relaçãoaltura-idade, a diferença de resultados,segundo a referência utilizada, vai aumen-tando, mas não significantemente (Qu i 2 =1,66), no sentido de uma percentagem niti-damente mais elevada de crianças desnu-tridas, quando se refere aos norte-ameri-canos. Para a relação peso-altura, observa-

-se o fenômeno inverso, com uma marcadadiminuição das crianças desnutridas, quandose considera os norte-americanos como refe-rência (Qu i 2 = 9,4; P < 0,01). Esta é aprimeira constatação: as percentagens obti-das são bastante desiguais quando se utilizauma ou outra população de referência.

Por outro lado, qualquer que seja a po-pulação utilizada como referência, observam--se as mesmas divergências entre as dife-rentes percentagens obtidas segundo arelação considerada, peso-idade, altura--idade ou peso-altura. Sobressai que, comosempre, é a relação peso-idade que fornecepercentagens de desnutrição elevadas, con-centrando-se, no caso estudado em maiorparte no 1.° grau de desnutrição.

A adequação altura-idade, com o valorlimite de 90%, fornece percentagens de casos

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de desnutrição bem menores; cabe notar,portanto, que forneceria percentagens mar-cadamente mais elevadas se fosse adotadocomo limite inferior os 92% da altura, oque, corresponde melhor (Batista F.°2, 1976)à variabilidade biológica. Ocorreria o mesmocom a relação peso-altura: um primeirolimite fixado a 10% de déficit aumentariamuito a quantidade de crianças considera-das desnutridas, quantidade insignificante nolimite de 20% de déficit.

É, hoje em dia, bem admitido que arelação peso-idade não é um indicadornutricional muito adequado para caracterizara desnutrição (Tanner13, 1976). Váriosautores simplesmente têm deixado de usá--la ou aconselham utilizar concomitante-mente outros dados antropométricos. A re-lação peso-idade permitiria, portanto, umacerta triagem prévia dos casos e a apre-ciação da amplitude do problema, conside-rando-se como casos relevantes de SaúdePública somente os de 2.° e 3.° graus. Aprevalência obtida em Congo por esta re-lação fica inferior aos resultados obtidospelos, mesmos métodos em Pernambuco(Sudene12, 1977, Batista F.°3, 1978) onde,na Zona da Mata, as percentagens globaisde crianças desnutridas chegam a atingirquase 80%.

Para caracterizar melhor a desnutrição,Waterlow e Rutishauser1 5 (1974) propõema utilização conjunta das relações altura--idade e peso-altura num quadro de entradadupla (Tabela 2). O interesse por estaapresentação é visualizar, simultaneamente,o conjunto dos efeitos da desnutrição e,de tal maneira, frisar as causas principaisda situação nutricional deficiente, levandoem consideração o contexto local. Alémdisto, tem um alcance operacional, poispermite distinguir: as crianças para as quaisa intervenção é de prioridade absoluta, ouseja, as que, retardadas para a altura alémdo limite de 90%, são de igual modo defi-citárias para o peso (« 80%); os casosem que a intervenção é altamente recomen-dada, como as crianças de peso deficitário(< 80%), qualquer que seja a sua altura,

por ser o índice de um quadro agudo; ascrianças de altura deficitária sem déficitde peso em relação a altura que estão deum certo modo, em equilíbrio, adaptadosna situação de carência crônica e, nestecaso, a intervenção é discutível, segundoo contexto sócio-econômico, a idade dascrianças, entre outros.

Conforme esta metodologia, neste estudo,não há nenhum caso de prioridade absoluta,qualquer que seja a população de referênciautilizada. As percentagens de crianças"altamente prioritárias", quer dizer, mar-cadamente deficitárias em peso (« 80%)em relação à altura, são mínimas, 2,7%(referência brasileira) ou 0,9% (referêncianorte-americana), mas se se considera umprimeiro "limite" de déficit a 90%, as per-centagens tornam-se muito mais elevadas,sobretudo com a população brasileira dereferência. Ao contrário, a percentagem decrianças cujo crescimento foi alterado devidoa uma situação cronicamente deficitária éclaramente mais elevada considerando apopulação americana de referência. Destadistorção se pode deduzir que, para amesma altura, os brasileiros estudados porMarques e col.9 são mais pesados do queos americanos. Observa-se, então, que apopulação de referência brasileira não écomparável com a americana, sendo a forma("shape") delas diferentes.

Nesta primeira parte, quando comparou-sea quantificação, em percentagens, das rela-ções de alguns dados antropométricos coma idade e entre si, em função de dois padrõesde referência, mostrou-se que entre dife-rentes populações de referência (no nossoestudo, uma brasileira e outra norte-ameri-cana), existem variações de forma ("shape")do corpo, suscetíveis de alterar a interpre-tação dos pesos e alturas observados napopulação em estudo. Desta forma, atual-mente, insiste-se na necessidade imperativa,em todos os estudos que utilizam indicadoresantropométricos da situação nutricional, dereferir-se sempre à mesma população dereferência, internacionalmente reconhecidacomo respondendo aos critérios de umaválida população de referência.

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Também podemos relevar, no termo destaprimeira análise, que a metodologia de quan-tificação em percentagens fornece indicaçõesbastante vagas quanto à determinação pre-cisa da desnutrição e a identificação deprioridades, sendo, contudo, nitidamentemelhorada pelo uso simultâneo de mais deum dos diferentes indicadores antropomé-tricos.

Quantificação em desvios-padrões

A idéia de quant if icar a desnutrição emdesvios-padrões se fundamenta na preo-cupação de um cálculo estatístico mais rigo-roso e de uma caracterização melhor davariabilidade biológica em função da idadee da forma corporal. Com efeito, esse pro-cesso é mais adequado para as populaçõesem que muitos casos se situam abaixo daescala da variabilidade e, por conseguinte,para as populações subnutridas. Mas, qual-quer população é, mesmo em região decarência nutr icional reconhecida, uma mis-tura de indvíduos, alguns sadios, e mesmoobesos, outros desnutridos e malnutridosde diversos graus.A correção introduzidapelo cálculo do "DP score" (Waterlow ecol.16 1977) remedia essas disparidades.

No município de Congo, com a populaçãode referência americana, sobressaem osseguintes resultados:

a) Relação altura-idade

De uma maneira geral, são poucas (20de 110) as crianças que se situam acimada média, e sempre de maneira pouco mar-cada; 32 das 110 crianças, ou seja, 29,1%estão a < — 2 DP ou mais; 6 crianças,ou seja, 5,5% se situam a < — 3 DP(Tabela 3).

Embora seja dif íc i l estabelecer conclusõescom amostra tão reduzida, parece que oatraso do crescimento estatural, presentedesde as primeiras faixas etárias, se acentuadepois de 18 meses, com algumas criançasatingindo — 3 DP a partir de três anos.

É importante notar que a percentagemtotal de crianças atingidas pela desnutrição

crônica é mais elevada se expressa em des-vios-padrões (29,1%), em lugar de percen-tagens simples (19,1%), com relação àmesma população de referência.

b) Relação peso-altura

Neste caso, o número de crianças acimada média é nitidamente mais elevado: 53de 110, ou seja, quase a metade das criançasda amostra apresenta, para a mesma altura,um peso acima do peso médio das criançasamericanas. Abaixo de — 2 DP, só existemduas crianças e, entre 1,5 DP e — 2 DP,apenas 4. Cabe assinalar que o déficit depeso, quando existe, parece mais notávela partir de 2 anos de idade (Tabela 3).

c) Relação altura-idade e peso-alt ura emcombinação

Observam-se duas crianças (1,8%) comdéficit ponderal pronunciado, («2 DP) masestas duas crianças, com desnutrição aguda,não apresentam atraso notável de altura(Tabela 4).

Se bem que existam 3 crianças bastantedeficientes em seu desenvolvimento estaturale ponderal, não aparece nenhum caso prio-ritário, isto é criança com crescimentoatrasado e marcadamente deficitária empeso. Uma explicação possível de talausência poderia ser uma mortalidade pre-coce, eliminando os indivíduos incapazes dese adaptar à situação de carência, que éessencialmente crônica, como mostra a per-centagem elevada de "DP score" iguais ouabaixo de 2 para a relação altura-idade.Além disso, o espaço amostral é pequeno,como suporte para conclusões epidemio-lógicas e, finalmente, pode ocorrer que oscasos de maior gravidade possam-se acharsob custódia hospitalar.

Resumindo, evidencia-se que a utilizaçãodos "DP score" aumenta, nessa amostra,a percentagem de crianças apresentandoalgum problema nutricional de longa duraçãoe também mostra que não há casos deprioridade absoluta, provavelmente por

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adaptação do peso a uma altura pequenae a mortalidade precoce dos casos de maiorgravidade.

Embora seja fora do propósito destetrabalho, não se pode excluir "a priori" ainfluência de fatores propriamente genéticospara explicar os déficits importantes dealtura encontradas na população nordestina,com relação às populações sul-brasileirasou americanas. Portanto, dado o contextosócio-econômico da região, déficits tão pa-tentes como os aqui encontrados e que vãoaumentando com a idade, não deixam deevocar a carência nutricional e alimentarcrônica.

Utilização do perímetro do braçoe da dobra cutânea tricipital

O diagnóstico nutricional baseado só nopeso e na altura fica muito elementar

(Buzina e Uemura 4 , 1974). A tomada deapenas o perímetro braquial e da dobracutânea correspondente explicitam mais ascaracterísticas da desnutrição. A Tabela 5descreve, por faixa etária e para o perímetrodo braço e a dobra cutânea tricipital, onúmero de crianças que se situam a < — 2DP. Globalmente, 19,1% das cranças têmuma dobra cutânea tricipital insuficiente(<2 DP) e são, por conseguinte, nitida-mente deficitárias em gordura; a percen-tagem de crianças apresentando um perí-metro do braço igual ou inferior a — 2 DPé ainda mais elevada (28,1%), significandoque além de dificitárias em gordura sãonotavelmente deficitárias em massa muscular.Essas cifras, apesar de serem dadas so-mente a título de indicação, pois as popu-

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lações de referência são diferentes, sãoextremamente interessantes porque exprimemcom acuidade bem maior a problemáticanutricional local. Mostram que a subnutriçãode longa duração, se produzir uma com-pensação pelo comprometimento da altura,também produz agravos notáveis no tecidoadiposo e na massa muscular, patognômicosde uma inadaptação naquela situação.

CONCLUSÕES

1.°) A fim de possibilitar inferênciascomparativas, as populações utilizadas comoreferências devem ser absolutamente compa-ráveis; se elas diferirem em termos de"shape", modificam-se as deduções feitasa partir da comparação com a populaçãodesnutrida. É, mais uma vez, a indicaçãoda necessidade de se referir sempre amesma população de referência internacional-mente reconhecida.

2.°) Os resultados obtidos na quantifi-cação da desnutrição com a mesma popula-ção de referência são diferentes se se falar

em percentagens ou em desvios-padrões,sobretudo no que se refere ao déficit daaltura, mais notável quando expresso emdesvios-padrões.

3.°) Tendo em vista que cada índiceantropométrico utilizado no diagnósticonutricional dá apenas uma visão parcial dasituação, parece indispensável, na planifi-cação de programas de vigilância nutricio-nal, prever treinamento dos profissionais daSaúde na tomada, além do peso, de pelomenos da altura e, talvez, do perímetrobraquial, a fim de ter uma caracterizaçãomelhor da natureza do problema nutricional.Porém, a tomada da prega cutânea pareceque deve ficar reservada a pesquisas espe-cializadas.

AGRADECIMENTO

Ao Professor Dr. J. Vuylsteke, da Unidadede Nutrição do Instituto de MedicinaTropical de Antuerpia (Bélgica), que parti-cipou do levantamento de dados durantesua assessoria prestada ao Departamentode Ciências Sociais (área da Saúde) da

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UFPb e ao Departamento de Promoção daSaúde (curso de Nutrição) da UFPb emjunho de 1978; ao Professor Dr. MalaquiasBatista Filho, do Departamento de Nutriçãoda UFPe, que nos ajudou a criticar otrabalho; aos Professores Elisabeth Moreira

dos Santos, José Artur R. da Costa, LeniceM. C. Rodrigues da Costa do Departamentode Promoção da Saúde da UFPb e Mariade Fátima Gomes Lucena do Departamentode Ciências Sociais da UFPb, pela partici-pação na pesquisa de campo.

DRICOT d'ANS, C. & DRICOT, J. M. [Anthropometric methodology of nutritionaldiagnosis: an example from the Brazilian North-East]. Rev. Saúde públ., S.Paulo, 16:42-53, 1982.

ABSTRACT: The research carried out consisted of the comparison ofseveral methods of analysis of anthropometric data used as indicators ofnutritional health with a view to testing their validity and sensitivity astools for nutritional surveillance or intervention. The sample populationstudied, in a town in the hinterland of Paraíba State, consisted of 110children of both sexes, aged from 3 to 71 months. Several combinationsof weight/height and weight and height by age were used, based ondifferent reference standards. The employment of the standard deviationwas found to be more adequate than simple percentages, since these lasttend to exaggerate the number of cases of malnutrition. Weight and heightwere shown to be the minimum indicators of nutritional health, but theseshould be supplemented by arm-circumference and skinfold measurements whichare useful and simple to take.

UNITERMS: Nutrition surveys, Northeast, Brazil. Antropometry.

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Recebido para publicação em 23/06/1980

Aprovado para publicação em 17/11/1981