metalinguagem e ensino: vivÊncia com poemas de ferreira...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO METALINGUAGEM E ENSINO: VIVÊNCIA COM POEMAS DE FERREIRA GULLAR Caroline Mabel Macedo Santos Martins Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves CAMPINA GRANDE – PB FEVEREIRO DE 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO

METALINGUAGEM E ENSINO: VIVÊNCIA COM POEMAS DE FERREIRA GULLAR

Caroline Mabel Macedo Santos Martins

Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves

CAMPINA GRANDE – PB FEVEREIRO DE 2010

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CAROLINE MABEL MACEDO SANTOS MARTINS

METALINGUAGEM E ENSINO: VIVÊNCIA COM POEMAS DE FERREIRA GULLAR

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), para obtenção do título de Mestre em Linguagem e Ensino.

Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves

CAMPINA GRANDE – PB FEVEREIRO DE 2010

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METALINGUAGEM E ENSINO: VIVÊNCIA COM POEMAS DE FERREIRA GULLAR

CAROLINE MABEL MACEDO SANTOS MARTINS

Defesa de Dissertação:

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves – UFCG (ORIENTADOR)

_______________________________________________________________Prof. Dr. Derivaldo dos Santos – UFRN

_______________________________________________________________Profª. Dra. Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega – UFCG

Campina Grande – PB, 26 de Fevereiro de 2010

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG

M386m 2010 Martins, Caroline Mabel Macedo Santos

Metalinguagem e ensino : vivência com poemas de Ferreira Gullar / Caroline Mabel Macedo Santos Martins. ─ Campina Grande, 2010.

293 f.

Dissertação (Mestrado em Linguagem e Ensino) – Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Humanidades.

Referências. Orientador : Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves.

.

1. Poesia 2. Metalinguagem 3. Ensino 4. Recepção I. Título. CDU – 82-1(043)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, meu refúgio, meu sustento, minha alegria, minha luz. Aos meus pais, queridos alicerces da minha vida. À irmã Marina, pela enorme ajuda em tudo. À irmã Gisele, pelo incentivo mesmo de longe. A minha família como um todo. A Pablo, com quem quero dividir minha vida. A Hélder, pelo grande privilégio de sua parceria. A Marta, pela compreensão e confiança em mim. A Angélica, pelos diálogos que só me fazem crescer. Aos professores Edilson e Derivaldo, pelas contribuições. A Rosa, por sua indispensável colaboração. Aos alunos da turma do primeiro ano, pelo aprendizado mútuo. A Manassés, pela amizade que incentiva. A Michelle, pela doçura que acalma. A Gesimiel, por torcer sempre por mim. A todos os queridos professores da Unidade Acadêmica de Letras, em especial a Rosângela Melo e José Mário. Aos colegas do Mestrado. Ao programa REUNI. À UFCG, pela minha formação acadêmica e humana.

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RESUMO

Nesta pesquisa realizamos e relatamos um experimento de convivência com poemas metalinguísticos do poeta Ferreira Gullar, em uma turma do primeiro ano do ensino médio de escola pública da cidade de Campina Grande. O objetivo do experimento foi refletir sobre a recepção dos alunos aos metapoemas gullarianos, a partir da seguinte problemática: a poesia de caráter metalinguístico consegue ter alguma repercussão em jovens leitores? Os principais instrumentos de coleta de dados foram: 1) antes do experimento: encontros com a professora efetiva da turma para planejamento de aulas / observação de aulas dessa professora / questionário escrito para sondar os gostos de leitura dos alunos / nosso diário reflexivo; 2) durante o experimento: gravação de nossas aulas em áudio / atividades escritas pelos alunos / blog criado para debater os poemas com os alunos / nosso diário reflexivo. Como referencial teórico para o experimento utilizamos estudos de Jakobson (1971), Barthes (1970), Bosi (2000) e Benjamin (1994), acerca da metalinguagem. Além disso, tomamos os pressupostos da Estética da Recepção – especialmente Jauss (1979 e 1994), Jouve (2002) e Eagleton (2001) – e suas implicações para o ensino de literatura – Zilberman (1979), Leite (1983) e Pinheiro (2006). A nosso ver, a grande contribuição da Teoria da Recepção para este ensino é perceber o leitor como figura ativa a quem o texto literário, em primeira e última instância, se dirige. Daí advém a maior tarefa do professor: deixar o aluno ser o centro da aula de literatura. Os resultados da pesquisa nos indicaram que a metalinguagem era tema novo para a maioria dos leitores; que a turma lia poemas, mas que a sua relação com a poesia não estava baseada na experienciação; que os alunos mostram-se mais abertos e motivados ao trabalho com a literatura quando percebem que podem se manifestar acerca dos textos sem o risco de recriminações/discriminações, tendo a sua voz tomada como valor único e singular; que a poesia metalinguística possui um valor peculiar, que reside essencialmente na possibilidade de levar-nos a discuti-la, a descobrir seu valor através de sua própria voz; que o diferencial não é exatamente o tipo de texto levado à sala de aula – embora devamos ser criteriosos na escolha – mas o método através do qual esse texto é trabalhado. Não importa se metalinguística, amorosa ou social, a fonte mesmo é a Poesia. Palavras-chave: Poesia, Metalinguagem, Ensino, Recepção

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ABSTRACT

In this research we performed and reported an acquaintanceship experiment of the poet Ferreira Gullar’s metalingüístic poems in a group of the first year of High School of a public school of Campina Grande city. The experiment goal was to bethink about the student’s reception on Gullar’s metapoems, starting of the following question: Can the metalingüístic poetry have some repercussion in young readers? The main instruments of data collection were: 1) before the experiment: meetings with the effective group’s teacher in order to plan the classes / observing the teacher’s classes / written questionnaire to gauge the tastes of students' reading / our reflective diary; 2) during the experiment: audio recording of our classes / student’s written exercises / blog made in order to talk about the poems with the students / our reflective diary; The theoretical framework used for the experiment were the studies of Jakobson (1971), Barthes (1970), Bosi (2000) e Benjamin (1994), about metalanguage. Beyond that, we took the assumptions of the Aesthetics of Reception – especially Jauss (1979 and 1994), Jouve (2002) e Eagleton (2001) - and its implications for the Literature teaching - Zilberman (1979), Leite (1983) e Pinheiro (2006). In our view, the great contribution of the Theory of Reception for this teaching is to see the reader as an active figure to whom the literary text, in the first and last instance, is addressed. Hence the major task of the teacher: let the students be the center of the literature class. The survey results indicated that the metalanguage was new to most readers; the class read poems, but their relationship to poetry was not based on EXP; that students are more open and motivated to work with the Literature when they feel they can express about the text without the risk of recrimination / discrimination, and making their voices as unique and value; metalinguistic poetry has a peculiar value, which is essentially the ability to lead us to discuss it, to discover his value through his own voice; no matter whether metalinguistic, loving, social, the source really is Poetry. Apparently, the difference is not exactly the type of text brought to the classroom - although we must be careful in the choice - but the manner in which this text is presented. Keywords: Poetry, Metalanguage, Education, Reception

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................. 9 CAPÍTULO I – REFLEXÕES TEÓRICAS 1. SOBRE A METALINGUAGEM.................................................................. 14 2. SOBRE A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E O ENSINO............................... 22 CAPÍTULO II – RELATO DE EXPERIÊNCIA PARTE I – CONHECENDO OS COLABORADORES: A ESCOLA, A PROFESSORA, OS ALUNOS LEITORES................................................... 33 1. SOZINHA, COM MEUS BOTÕES............................................................ 33 2. NA COMPANHIA DA PROFESSORA COLABORADORA....................... 35 2.1. Quem era essa professora?.............................................................. 36 2.2. A descoberta dos encontros.............................................................. 37 3. OBSERVAÇÃO SILENCIOSA DAS AULAS............................................. 40 3.1. Analisando a observação.................................................................. 41 4. QUEBRANDO O SILÊNCIO ................................................................... 45 4.1. O questionário – rica fonte de conhecimento da turma ................... 46 PARTE II – O EXPERIMENTO .................................................................. 74 1. MÓDULO I .............................................................................................. 74 1.1. Conversa sobre os gostos de leitura ............................................... 74 1.2. O contato com a poesia: “Bilhete”, de Mário Quintana..................... 81 1.3. No blog ............................................................................................ 87 1.4. Reflexão sobre a aula ...................................................................... 90 2. MÓDULO II ............................................................................................. 91 2.1. Depois do bilhete, a carta ................................................................ 91 2.2. Rápida reflexão................................................................................ 97 2.3. No blog............................................................................................ 97 2.4. Uma base construída....................................................................... 100 2.5. A estreia do tema “metalinguagem.................................................. 100 2.6. Reflexão sobre a estréia................................................................. 106 2.7. No blog........................................................................................... 109 3. MÓDULO III........................................................................................... 113

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3.1. Traduzindo....................................................................................... 113 3.2. O desafio lançado............................................................................ 117 3.3. O momento do áudio....................................................................... 118 3.4. O ensaio de conversa sobre o poema............................................. 120 3.5. Um significativo aprendizado........................................................... 122 3.6. O Poemúsica.................................................................................. 123 3.7. A repercussão do evento no blog.................................................... 125 4. MÓDULO IV........................................................................................... 128 4.1. Em prosa, uma reflexão sobre a poesia.......................................... 128 4.2. Justificando a escolha de “O poema”.............................................. 130 4.3. A metalinguagem descoberta pelos alunos..................................... 131 4.4. A percepção oral dos leitores.......................................................... 135 4.5. Os jovens leitores em sua primeira atividade escrita....................... 137 4.5.1. O tempo como fator adversário............................................. 137 4.5.2. Reflexão sobre os dados...................................................... 139 5. MÓDULO V............................................................................................ 161 5.1. A luta na escolha dos poemas......................................................... 161 5.2. A discussão em grupo sem a intervenção do professor................. 163 5.3. Análise dos escritos dos leitores..................................................... 167 5.3.1. “Desastre”............................................................................. 167 5.3.2. “Poema poroso”.................................................................... 177 5.4. Encerrando o experimento.............................................................. 188 5.5. No blog............................................................................................ 188 5.6. Alguns resultados........................................................................... 189 5.6.1. “Gesso”, de Manuel Bandeira................................................ 190 5.6.2. Conversas off line................................................................. 192 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 196 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 205 ANEXOS.................................................................................................... 208 Anexo 1..................................................................................................... 209 Anexo 2..................................................................................................... 211 Anexo 3..................................................................................................... 244 Anexo 4..................................................................................................... 255 Anexo 5..................................................................................................... 260 Anexo 6..................................................................................................... 262 Anexo 7..................................................................................................... 285 Anexo 8..................................................................................................... 287 Anexo 9..................................................................................................... 291

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INTRODUÇÃO

É como resultado da vivência com o texto literário, e, mais

especificamente, com a poesia, que surge este trabalho. Dentro do universo

amplo da poesia, optamos por trabalhar com a vertente metalinguística da obra

poética de Ferreira Gullar, e isso por algumas razões: primeiro, o fato de Gullar

apresentar-se como voz viva e contemporânea que pode dizer muito do

homem de nosso tempo, por meio de uma obra cuja “representação e

linguagem estão mais próximas” das nossas próprias experiências, “se

comparadas com escritores de 5 ou 6 séculos passados”1 (PARAÍBA, 2006, p.

83).

A segunda razão fundamenta-se no fato de parecer ainda pouco

conhecido o veio metalinguístico de Gullar, apesar da boa quantidade de

poemas que versam sobre o fazer poético, e da significativa realização estética

de muitos desses textos. Sem descartar o valor da poesia social do

maranhense – que, aliás, o consagrou como um dos poetas nacionais – vemos

nos poemas metalinguísticos um terreno fértil para a compreensão e (possível)

descoberta do valor da poesia.

É importante esclarecer que não entendemos a metalinguagem como

tema superior a nenhum outro; apenas acreditamos que há um valor peculiar

nessa poesia que está voltada para si mesma, que toma a si como objeto da

própria linguagem. Aliás, um dado significativo do universo da metalinguagem

gullariana é a tendência à “impureza”, à pluralização: boa parte dos

1 Essa afirmação dos “Referenciais Currilares para o Ensino Médio da Paraíba” merece uma ponderação. Nem sempre os escritores contemporâneos apresentam uma obra cuja “representação e linguagem estão mais próximas” de nossas vivências. Esse é, no entanto, o caso de Ferreira Gullar, daí trazermos a voz do documento oficial para fundamentarmos a nossa escolha.

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metapoemas se associa a outras temáticas – em especial, a questões sociais –

como se falar da poesia fosse também enxergá-la em sua relação com o

mundo.

Uma terceira razão, essa bastante afetiva, é a própria afinidade que

desenvolvemos com o tema2 desde o ingresso no curso de Letras. Chamava-

nos atenção o fato de existir uma poesia que, tendo toda uma gama de objetos

exteriores sobre os quais falar, optava por falar sobre si. Por que ela fazia isso?

Como imaginar um criador inquieto, que se pergunta sobre a própria criação?

A descoberta da metalinguagem fez-nos conflitar com o entendimento

ingênuo de que a poesia só podia versar sobre os sentimentos do homem – tal

como o amor, a tristeza e a morte – encaminhando-nos a perceber a

necessidade de momentos introspectivos, em que ela, a poesia, buscava se

entender.

A quarta e última razão para a escolha do autor e do tema é a

convivência que temos estabelecido com a poesia metalinguística do

maranhense. O trabalho monográfico A metalinguagem no Muitas vozes, de

Ferreira Gullar, apresentado em 2007, é um dos resultados mensuráveis dessa

busca por significação poética, que, por tão complexa, instiga-nos a mais.

Esta dissertação é de certa forma a continuidade desse percurso, mas

agora dentro de uma perspectiva mais ampla e vertical, centrada na relação

pesquisa-ensino. Para sermos mais claros, caminhamos do terreno da

descoberta solitária para o da descoberta solidária, por causa da necessidade

preeminente de, como professores de literatura, experienciarmos o texto

2 Aqui falamos da poesia metalinguística de forma geral, e não apenas da poesia de Ferreira Gullar.

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literário, oportunizando aos alunos conviver com peças literárias que tanto nos

inquietam, a ponto de se tornarem objetos de nossos estudos por anos a fio.

O trabalho possui dois capítulos. O primeiro é a fundamentação teórica,

que está dividida em dois tópicos. Tendo em vista que o nosso foco são os

poemas metalinguísticos, o tópico inicial é uma reflexão acerca do tema

“metalinguagem”: através de estudos significativos como os de Roman

Jakobson (1971), Alfredo Bosi (2000) e Walter Benjamin (1994), destacamos a

metalinguagem como estratégia recorrente da poesia moderna, que parece

propensa a desvendar os bastidores da própria atividade artística.

No segundo tópico o leitor encontrará algumas reflexões teóricas sobre a

“Estética da Recepção”, de Hans Robert Jauss (1979 e 1994), e algumas de

suas implicações para o ensino de literatura (ZILBERMAN, 1979; LEITE, 1983;

PINHEIRO, 2006). Indubitavelmente, a maior contribuição da teoria para esse

ensino é perceber o leitor como figura ativa a quem o texto literário, em

primeira e última instância, se dirige. Daí advém a maior tarefa (e temor) do

professor: deixar o aluno ser o centro da aula de literatura. O capítulo inicial é,

pois, o construto teórico no qual se assentam os demais capítulos.

O capítulo segundo é a parte prática da pesquisa, mais precisamente o

relato de um experimento de convivência de leitores jovens com a poesia

metalinguística do maranhense Gullar – os sujeitos da pesquisa são alunos do

primeiro ano do ensino médio de escola pública da cidade de Campina Grande.

Como não éramos professores efetivos da escola, o espaço da sala de aula foi

cedido por uma professora colaboradora, que já conhecíamos.

O experimento, realizado entre os meses de março e junho de 2009,

objetivou estudar a recepção dos leitores aos metapoemas, a partir da seguinte

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problemática: a poesia de caráter metalinguístico consegue ter alguma

repercussão em jovens leitores? Desdobrando a questão: haveria para aqueles

leitores um valor peculiar nessa poesia que fala sobre a poesia? Ela seria

também, assim como a poesia lírico-amorosa, ou a social, uma oportunidade

de descoberta da Poesia?

O relato se estrutura em duas partes: a primeira delas refere-se ao

período que antecedeu as nossas aulas propriamente ditas, no qual fizemos a

observação de 9 horas/aulas da professora efetiva. Ali tivemos a oportunidade

de conhecer mais a respeito da escola, da professora, e dos leitores, os três

principais colaboradores da pesquisa. Nesse período, os instrumentos de

coleta de dados foram: os encontros com a professora efetiva para

planejamento de aulas / a já referida observação de aulas da professora / o

diário reflexivo / a aplicação de questionário escrito para sondar os gostos de

leitura dos alunos.

Na segunda parte do relato, descrevemos as 10 horas/aula “ministradas”

por nós. O vocábulo está em aspas mesmo, e tem sua razão de ser: o que

fizemos foi proporcionar aos alunos momentos de convivência com poemas de

caráter metalinguístico, utilizando-nos mais da pergunta que da resposta,

porque o que queríamos mesmo era ouvir os alunos, ver como eles “liam” os

poemas, captar o modo de percepção deles, ainda que fosse diferente do

nosso, ainda que não se configurasse em interpretações nos moldes

academicistas – nem poderia.

O trabalho realizou-se por meio de cinco módulos, que iam sendo

aplicados com intervalos de uma semana. Os instrumentos de coleta de dados

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do experimento foram: gravação de aulas em áudio / fotografias3 / diário

reflexivo / atividades escritas / blog – esse blog foi um espaço virtual criado

para que os alunos pudessem comentar os poemas que iam sendo levados

para a sala de aula, além de outros textos, músicas, imagens, que iam sendo

postados gradativamente.

Os resultados da experiência serão conhecidos ao longo do relato. Por

agora, vale dizer que nossa hipótese caminhou para uma resposta afirmativa:

“Sim, os poemas de caráter metalinguístico conseguem ter alguma

repercussão em leitores jovens”. A partir de agora, seremos levados em um

caminho que nos mostrará como e por quê.

3 As fotografias não serão utilizadas neste trabalho, porque necessitaríamos de autorização dos pais dos jovens leitores para a publicação de suas imagens.

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CAPÍTULO I

REFLEXÕES TEÓRICAS

1. SOBRE A METALINGUAGEM

O prefixo meta remete à etimologia grega, e significa “mudança”,

“posteridade”, “além”, “transcendência”, “reflexão”, “crítica sobre” (CHALHUB,

1998). Em termos simplificados, metalinguagem é um estudo reflexivo sobre a

própria linguagem, que se dá toda vez que o código fala sobre si.

Assim, quando uma música fala sobre música, quando a televisão

procura expor como se faz televisão, ou quando dentro da pintura um quadro é

pintado, estamos diante de fenômenos metalinguísticos. Seguindo igual

raciocínio, a metalinguagem literária acontece quando a literatura toma a si

como objeto, e, mais restritivamente ainda, existe metalinguagem poética

quando a poesia fala de poesia. É aí que se dá o “casamento” entre poesia e

metalinguagem:

É preciso observar, em estreita ligação, o trabalho da mensagem, a função poética, que deixa exposto o código, a função metalinguística. A relação entre esses dois níveis de trabalho – com o código e com a mensagem – vai resultar na metalinguagem das formas poéticas (CHALHUB, 1998, p. 39).

Roman Jakobson foi um dos grandes teóricos a abrir caminhos no

estudo da metalinguagem, especialmente a literária. No célebre ensaio

“Linguística e Poética” (1971), ele informa a respeito das seis funções da

linguagem, que recebem seus nomes de acordo com o elemento que

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enfatizam. Desse modo, a função que está centrada no emissor é a “emotiva”;

a que se centra na mensagem é a “poética”; a que enfatiza o destinatário da

mensagem é a função “conativa”; a que está enraizada no contexto é a

“referencial”; a que enfoca o código, comum a emissor e destinatário, é a

função “metalinguística”; e por fim, a que enfatiza o canal que permite a

comunicação é a função “fática”.

Segundo o teórico, todo ato de comunicação verbal envolve os seis

fatores, em maior ou menor grau. Por conseguinte, o que determinará a

estrutura da mensagem é a predominância de um dos elementos, e não sua

exclusividade: “A diversidade reside não no monopólio de alguma dessas

diversas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções. A

estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função

predominante (JAKOBSON, 1971, p. 123).

Dentre as funções elencadas, interessa-nos mais de perto a função

metalinguística, pautada no código da mensagem. Mas como o código só

existe na mensagem, e esta só se efetiva por meio do código, a função poética

também se faz essencial ao estudo. É o entrelaçar de ambas as funções que

moverá todo o trabalho.

Mas se a metalinguagem poética ocorre quando a poesia resolve falar

de poesia, o horizonte que se desvenda é demasiadamente amplo,

plurissignificativo, porque diferentes poetas encontram diferentes maneiras de

falar sobre poesia. Nesse sentido, não é exagero falar em uma metalinguagem

drummondiana, em uma metalinguagem gullariana, em uma metalinguagem

bandeiriana, cabralina, e assim por diante. É significativo perceber que cada

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poeta encontra uma maneira particular de comunicar “a poesia da poesia”. O

terreno aqui é bastante vasto: mais uma razão para investigá-lo.

Segundo Chalhub (1998), apesar da Retórica pensar a linguagem desde

Aristóteles, as especulações sobre metalinguagem tem sua origem nos estudos

da Poética4, de maneira que esse objeto pode ser interpretado como traço

típico da modernidade. Dois níveis de linguagem se fariam, então, presentes na

lógica moderna: a “linguagem-objeto” e a “metalinguagem”.

No primeiro nível, a linguagem versa sobre objetos, e, portanto, fala

sobre o outro; no segundo nível, tira o olhar de sob o outro e o coloca sobre si

(JAKOBSON, 1971). É a linguagem falando da própria linguagem, porque

parece que falar de outrem já não lhe satisfaz.

Note-se o seguinte: no nível da metalinguagem, a literatura não deixou

de versar sobre o outro. Para Barthes (1970), ela finge destruir-se como

linguagem-objeto, para, através da metalinguagem, continuar sendo uma nova

linguagem-objeto. Assume, então, uma dimensão dupla: ao mesmo tempo

objeto e olhar sobre esse objeto, fala e fala dessa fala, literatura objeto e

metaliteratura (BARTHES, 1970, p. 28).

Haroldo de Campos (1977) aproxima-se do pensamento de Barthes, ao

entender o metapoema como objeto perpassado pela linguagem ensaística e

pela especulação teórico-filosófica, não dentro de uma perspectiva

pedagogizante, de como se ensinar a fazer poesia, mas dentro de uma

dimensão questionadora do próprio poetar:

4 Para Jakobson (1971), a Poética é a parte da Linguística que relaciona a função poética com as demais funções da linguagem.

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Trata-se de um poema que se questiona a si mesmo sobre a essência do poetar, num sentido muito diferente, porém, das “artes poéticas” versificadas da preceptística tradicional: o que está em causa não é um receituário de como fazer poesia, mas uma indagação mais profunda da própria razão do poema, uma experiência de limites. Assim, a linguagem do ensaio e da especulação teórico-filosófica (...) passa a integrar-se no poema, que se faz metalinguagem de sua própria linguagem-objeto (CAMPOS, 1977, p. 36).

Mas por que razão o texto moderno5 tenderia a essa atitude

metalinguística questionadora, o que não se veria bem delineado na tradição

literária clássica? Um vislumbre de resposta para questão tão complexa estaria

na consideração das mudanças de caráter histórico e cultural por que passa a

sociedade pós-romântica, que redundariam também em uma mudança de

consciência em torno das formas artísticas. É o que nos ensina Hildeberto

Barbosa Filho:

O texto moderno envolve, portanto, uma atitude metalinguística. Sistematicamente metalinguística. E essa particularidade, considerada em função da longínqua tradição clássica, não resulta naturalmente do acaso literário: a mudança de consciência em torno das formas artísticas prende-se, sem dúvida, às mudanças de caráter histórico e cultural por que passa a sociedade como um todo. A necessidade, pois, de fazer da literatura objeto de investigação de si mesma trai a presença da crise da “boa” consciência burguesa, desencadeada a partir do momento pós-romântico e a partir do enrijecimento do Capitalismo, da fragmentação do mundo, do crescimento das cidades, da clivagem da subjetividade, etc”. Foram precisos os primeiros abalos no momento pós-romântico, com sua urgência em problematizar as relações entre a arte e a vida social, de problematizar as suas formas de articulações, para que o discurso literário vivenciasse uma dimensão crítica, percorrendo aquilo que,

5 Não que essa atitude metalinguística questionadora não se encontre também em outros estilos de época literários, anteriores ao próprio Modernismo. Um importante trabalho de Sergio Alves Peixoto (1999), intitulado A consciência criadora na poesia brasileira: do barroco ao simbolismo, procura “mostrar exatamente como a preocupação consciente com o fazer poético se manifestou e se impôs como elemento significativo em nossa poesia”, “de Bento Teixeira ao simbolista Cruz e Sousa” (pp. 12 e 15). O que queremos deixar claro, porém, é que, especialmente na modernidade, tal atitude se intensifica, assumindo um nível de profundidade muito maior.

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muitas vezes, chamamos de tradição metalinguística da modernidade (BARBOSA FILHO, 1989, pp. 26 e 27).

Alfredo Bosi também concebe a metalinguagem como característica dos

tempos modernos. Sua leitura, posta em “Poesia-Resistência” (2000), percebe

na metalinguagem poética uma forma de sobrevivência em meio ao sufocante

mundo das ideologias dominantes. O autor esclarece que desde o Pré-

Romantismo encontra-se na poesia a tendência de resistir aos discursos

burgueses.

É importante lembrar que o Romantismo brasileiro surge em meados do

século XIX. Na segunda metade do século XVIII, o mundo assistira à eclosão

da Revolução Industrial. É o período em que o capitalismo encontra toda a sua

força, e o pensamento burguês segue na tentativa de dominar não só as

esferas político-econômicas, mas também as sócio-culturais. As artes, a

literatura, tenta sobreviver em meio ao caos. É assim que surgem “as saídas

difíceis: o símbolo fechado, o canto oposto à língua da tribo, antes brado ou

sussurro que discurso pleno, a palavra-esgar, a autodesarticulação, o silêncio”

(BOSI, 2000, p. 165).

Trata-se de um momento extremo, no qual o poeta, não encontrando

mais fora de si a matéria que o mova em seu ofício, tira da própria poesia a

“substância vital” (BOSI, 2000). A metalinguagem poética se processa, pois,

como uma tentativa de conhecimento do ser da poesia, “uma forma peculiar e

singularíssima de episteme”, que deixa “à mostra os recursos que usa para

formular sua questão” (CHALHUB, 1998, p. 42).

Sob esse prisma, a matéria-prima parece ser fonte inesgotável. Havendo

poesia, haverá quem se debruce sobre ela, procurando descobrir-lhe os

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segredos, desvendar-lhe a arquitetura. Talvez por isso seja possível

reconhecer na metalinguagem poética um caso de amor e ódio: ora o poeta

venera a poesia, quando ela se entrega de pronto; ora a repulsa, quando ela se

fecha em seus cadeados. A constante busca do poeta pelo objeto se justifica,

portanto, por esse jogo de sedução infindável.

Retornando ao que ensina Bosi, em seu percurso de resistência a

poesia parece ter trilhado caminhos indesejados. O teórico fala de uma “poética

da metalinguagem”, isto é, uma poesia extrema, assentada em uma

perspectiva pedagogizante que procura ditar regras de como a própria poesia

deve ser; o poético, então, encontra-se “deslocado e posto em código até

adquirir a consistência de uma retórica de formas ou de conteúdos” (BOSI,

2000, p. 170).

Apesar de relativizada por Bosi, a experienciação desse tipo de

metalinguagem foi necessária. Se em meio à procura do seu “eu”, a poesia

escorregou ditando regras ou (re) produzindo fórmulas, como ocorreu em certa

medida no Parnasianismo – lembre-se da famosa “Profissão de fé” bilaquiana –

, e, mais recentemente, na vanguarda futurista6, é porque ela, poesia, estava

buscando horizontes. E o fato é que foi assim mesmo, empiricamente, que a

poesia conseguiu encontrar um outro caminho de metalinguagem, não mais

ditatorial; porém, libertário.

Essa metalinguagem libertária, abraçada por Bosi, não é uma que dita a

norma, mas aquela que a resiste, através de um discurso de recusa e invenção

pela lucidez (BOSI, 2000). Não mais uma “poética da metalinguagem”, mas

6 Bosi nos lembra do “Manifesto técnico do Futurismo”, escrito por Marinetti em 1912, o qual propunha “verdadeiras ordens de serviço técnico-gramaticais”: empregar o verbo sempre no infinitivo, abolir categorias como adjetivos e advérbios, entre outras (BOSI, 2000, p. 172).

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uma “metalinguagem da poética”. Uma poesia que não quer ditar,

simplesmente porque sabe que não há o que ditar. Uma poesia que olha para o

seu próprio modo de construção como um mistério a ser continuamente

desvendado.

Nessa nova maneira de metalinguagem não se sustentam mais os

lugares altos e secretos da Arcádia e do Parnaso, onde o poeta, o “doador de

sentido” (BOSI, 2000), recebia inspiração para escrever a poesia única e

sacralizada, impassível de ser penetrada pelo leitor. Agora, o poeta é alguém

que escreve da terra, do mundo dos homens. E, mais que isso, é alguém que

compartilha com o leitor a angústia de “precisar conhecer”. O desvendamento

da poesia não é mais uma escolha; é urgente necessidade. Descobrir–lhe os

segredos é desvendar o poeta; é, igualmente, desvendar o homem.

A modernidade nos trouxe esse benefício. Como assinala Walter

Benjamin (1994), ela modificou a maneira de encarar o objeto artístico,

introduzindo na humanidade uma nova consciência de linguagem – as massas

modernas teriam a preocupação apaixonante de fazer as coisas ficarem mais

próximas de si (BENJAMIN, 1994, p. 170). O conceito de arte como expressão

perde espaço para o de arte como construção. O público, antes contemplativo,

passa a interferir no objeto na medida em que participa ativamente de seu

desvendamento.

Nessa conjuntura de arte “construída”, e não apenas “expressada”, o

objeto artístico, o poema, antes concebido como objeto sagrado, inviolável,

ditado aos homens por inspiração divina, começa a ter sua aura7 maculada. É

7 Benjamin define a aura como “uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja” (BENJAMIN, 1994, p. 170).

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o que Benjamim chama de “retirar o objeto do seu invólucro” (1994, p. 170) e o

que Samira Chalhub (1998) denomina “desvendamento do mistério”:

A metalinguagem, como traço que assinala a modernidade de um texto, é o desvendamento do mistério, mostrando o desempenho do emissor na sua luta com o código. O poema moderno é crítico nessa dimensão dupla da linguagem – que diz que sabe o que diz. Um meta-poema não é aurático, e isso porque sua feitura está à mostra, dessacralizada e nua (CHALHUB, 1998, p. 47 – grifo nosso).

A luta do emissor com o código tem sido revelada pelos poetas do nosso

tempo, como é o caso de Ferreira Gullar. As questões metalinguísticas postas

ao longo de sua obra desnudam aos olhos do leitor a luta travada entre poeta e

poesia – batalha que, diga-se de passagem, sempre existiu.

A poesia advém do esforço; o problema é que o poeta, por muito tempo

visto como o semideus inspirado, não podia admitir tal esforço. Agora pode. O

título “doador de sentido” já não satisfaz, pois o poeta é agora o “construtor de

sentidos”, um plural que denuncia a abertura de possibilidades. E, mais que

isso, é o “questionador de sentidos”, na medida em que passa a indagar sobre

a própria construção poética.

Moderna, portanto, não é a luta; é o seu desvendamento. Moderna é a

atitude de deixar cair a máscara, a fim de revelar os segredos do reino da

metalinguagem. Por isso, aquela “luta vã com as palavras”8, preconizada por

Drummond no século XX, pleiteava a causa de poetas de todos os tempos. A

“poesia da poesia” é, agora, objeto cognoscível: podemos adentrar.

8 A ideia foi tomada do poema “O lutador”, de Carlos Drummond de Andrade.

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2. SOBRE A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E O ENSINO

Um dos desafios do professor de literatura continua sendo o de estimular

no alunado o gosto pela leitura literária. Não são raros os depoimentos de

professores que afirmam que os alunos não gostam de ler, não suportam aulas

de literatura, não entendem o que lêem9, e assim por diante. Em se tratando de

poesia, talvez a tarefa do educador seja ainda mais complicada. Por seu

caráter demasiadamente plurissignificativo, muitas vezes os textos poéticos

são encarados como impenetráveis e incompreensíveis, tanto por professores,

quanto por alunos.

Quando dizemos “leitura”, não estamos pensando apenas em

questionários de interpretação textual, os quais muitas vezes podem ser

respondidos pelo aluno de forma mecânica, sem atentar para beleza de

imagens, ritmo e sem a mínima reflexão sobre o texto. A leitura pode sim

passar por esse estágio, mas este só fará sentido se o aluno tiver tido a sua

própria experiência com o poema, se tiver sentido, ele próprio, o “frescor” da

criação poética: “A poesia produz no leitor uma percepção nova sobre

determinada experiência, ou constitui ela própria uma experiência sempre

renovada, como se guardasse sempre o frescor de sua criação” (OSAKABE,

2005, p. 49).

Atentemos de novo para as palavras de Haquira Osakabe: “a poesia

produz no leitor uma percepção nova (...)”. De fato, é para o leitor que o texto

existe; enquanto a obra estiver intocada, permanecerá inerte, infrutífera. O

texto anseia ser lido, interpretado, questionado por quem o lê, e desse modo,

9 Para saber mais sobre os discursos por vezes antagônicos de professor e aluno, ver a dissertação A literatura na 1ª série do Ensino Médio: voz do aluno e do professor, de Euda Cordeiro de Araújo (2002).

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só faz sentido pensar em trabalho com literatura por meio da consideração do

aluno como leitor literário.

É bem aqui que entra a Estética da Recepção, uma teoria que começou

a tomar forma nos anos 1970, e que tem como fundamento principal a

peculiaridade de voltar-se para o leitor, até então a instância mais esquecida do

tripé “autor-texto-leitor”, ou, nas palavras de Regina Zilberman (1989), “o

‘Terceiro Estado’, seguidamente marginalizado, porém não menos importante,

já que é condição da vitalidade da literatura enquanto instituição social”

(ZILBERMAN, 1989, p. 11).

Hans Robert Jauss, principal expoente da Estética da Recepção, define

essa “nova” estética como “uma teoria da história” que procura dar “conta do

processo dinâmico de produção e recepção e da relação dinâmica entre autor,

obra e público, utilizando-se para isso da hermenêutica da pergunta e resposta”

(JAUSS, 1979, p. 48). Nessa definição curta, mas significativa, podemos

mapear os pontos-chave da teoria do alemão, sendo o primeiro deles o fato de

se tratar de uma “teoria da história”.

Quanto a esse aspecto, a ER10 opera duas coisas: primeiro constata o

atraso ou “fossilização” da história da literatura, visto estar engessada em

padrões ainda herdados do século XIX, seja no idealismo, com a busca da

idéia fundamental que conectaria todos os acontecimentos da história, seja no

positivismo, com a crença na fôrma metodológica das ciências exatas para

explicação dos fenômenos literários (JAUSS, 1994); depois propõe uma

revisão da própria história literária, desta feita a partir da consideração da

relação entre autor, obra e público, com enfoque especial sobre o público: “A

10 Ao longo do texto, utilizaremos a sigla ER para referimo-nos à Estética da Recepção. Em alguns momentos, usaremos o termo “teoria da recepção” como equivalente.

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obra literária – e a obra de arte, em geral – só se impõe e sobrevive por meio

de um público. A história literária é menos a história da obra do que a de seus

sucessivos leitores” (JOUVE, 2002, p. 14).

O enfoque sobre o leitor é, então, o diferencial dessa teoria, pois como

ensina Karlheinz Stierle (1979), o significado de uma obra não está apenas na

sua análise isolada, como se ele fora um sistema autosuficiente, nem tão

somente na sua relação com a realidade, naquilo que se pode ver do real na

ficção, ou vice-versa, nem unicamente na reconstrução da intenção de seu

autor (JAUSS, 1979), mas também, e bem especialmente, na “análise do

processo de recepção, em que a obra se expõe, por assim dizer, na

multiplicidade de seus aspectos” (STIERLE, 1979, p. 134).

E aqui caminhamos para um outro ponto significativo da definição de

Jauss, que estamos mapeando aqui: o aspecto dinâmico “do processo de

produção e recepção”. Realmente a Estética da Recepção se interessa em

perscrutar mais a fundo o lugar de intersecção entre autor, texto e leitor – a

leitura – mas isso só acontece porque cada uma dessas três instâncias possui

uma dimensão singular e ativa, que as torna indispensáveis à concretização de

sentidos.

Dois modos de relacionamento entre texto e leitor são então concebidos:

a recepção, uma dimensão condicionada pelo próprio leitor, ao contribuir “com

suas vivências pessoais e códigos coletivos para dar vida à obra e dialogar

com ela” (ZILBERMAN, 1989, p. 65), e o efeito, uma dimensão condicionada

pelo texto / pelo autor, que constrói uma espécie de orientação ao seu leitor

“substantivo”, isto é, seja ele quem for. A concretização de sentido depende da

articulação, ou “fusão de horizontes” para usar o termo da ER, entre o efeito e

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a recepção. A tarefa da hermenêutica literária é, portanto, diferenciar

metodicamente esses dois modos de relacionamento, ou seja:

de um lado aclarar o processo atual em que se concretizam o efeito e o significado do texto para o leitor contemporâneo e, de outro, reconstruir o processo histórico pelo qual o texto é sempre recebido e interpretado diferentemente, por leitores de tempos diversos. A aplicação, portanto, deve ter por finalidade comparar o efeito atual de uma obra de arte com o desenvolvimento histórico de sua experiência e formar o juízo estético, com base nas duas instâncias de efeito e recepção (JAUSS, 1979, p. 46).

No que concerne à dimensão ativa da obra literária, é preciso esclarecer

que a orientação ao leitor não é uma camisa-de-força que obriga todos a lerem

da mesma maneira, mas apenas a imposição de coordenadas ou “deveres

filológicos” – termo de Umberto Eco – para que sejam evitadas as

“decodificações absurdas” (JOUVE, 2002, p. 26). Trata-se de uma relação

pactual: o leitor submete-se às convenções da obra, enquanto esta se

subordina à criatividade do leitor. Nem sempre, porém, os limites serão

respeitados.

Jouve (2002) lembra que há casos em que as próprias coordenadas

deixadas pelo autor criam um lugar de liberdade para o público, ao deixar

espaços de indeterminação propositais, que ativam a criatividade do leitor na

construção da interpretação. Surgem, assim, as novas possibilidades de leitura,

ou, pelo menos, elementos inovadores que enriquecerão uma dada leitura.

Esse importante conceito de “vazio” ou de “negação”, de Wolfgang Iser11,

permite constatar que por mais que a obra direcione a leitura, ela sempre

11 Embora advindos da “Escola de Constância” – a primeira grande tentativa de renovação de estudos de textos a partir da leitura – Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser tomaram rumos teóricos diferentes: de uma certa maneira, o primeiro encabeça a “Estética da Recepção”, e o segundo, a “Teoria do Leitor Implícito” (JOUVE, 2002, p. 14). Nesse trabalho enfatizamos a ER.

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precisará do leitor para concretizá-la. Em outras palavras, o viés direcionador

da obra esbarra na autonomia e especificidade do leitor, pois cada um traz

consigo sua experiência, cultura, valores, elementos que, em conjunto,

possibilitam a cada indivíduo ler o texto de um modo singular.

Isso explica, pelo menos em parte, por que leitores de uma dada época

podem ler a mesma obra de modos tão diversos, ou por qual motivo leitores tão

distantes no tempo e no espaço podem fazer leituras até certo ponto

aproximadas de um mesmo objeto artístico. O conceito de “horizonte de

expectativa social”12, de Jauss, ajudará a compreender tal fenômeno. Trata-se

de um sistema de referências ou um esquema mental que um indivíduo

hipotético pode trazer a qualquer texto (ZILBERMAN, 1989) e que influencia

decididamente na maneira como a obra será recepcionada. A ER almeja

reconstruir esse horizonte do leitor, ainda mais em se tratando do primeiro

público a que a obra se destina, pois aí se encontrará um critério de aferição do

caráter artístico do próprio texto:

A maneira pela qual uma obra literária, no momento histórico de sua aparição, atende, supera, decepciona ou contraria as expectativas de seu público inicial oferece-nos claramente um critério para a determinação de seu valor estético. A distância entre o horizonte de expectativa e a obra, entre o já conhecido da experiência estética anterior e a mudança de horizonte exigida pela acolhida à nova obra determina, do ponto de vista da estética da recepção, o caráter artístico de uma obra literária (JAUSS, 1994, p. 29).

É assim que Jauss distingue a “arte genuína” da “arte culinária”, sendo

esta aquela que não proporciona nenhuma mudança ou ampliação do

horizonte do leitor, porque se encontra no campo do já conhecido, do

12 Assinalamos “horizonte de expectativa social” porque Jauss (1979, p. 50) percebe também um outro horizonte, interno ao texto e derivável dele mesmo. Esse está dentro da dimensão do efeito; aquele, ligado à dimensão da recepção.

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esperado, do que satisfaz as expectativas do gosto dominante. Por sua

previsibilidade, ou seja, por não se achar nela “uma tensão mais ou menos

aberta entre questão e respostas, problema e solução” (ZILBERMAN, 1989, p.

75), esse tipo de arte não é capaz de sobreviver ao tempo, nem tampouco

conseguirá se tornar história literária – a condição sine qua non para isso seria

haver um público contínuo para agir sobre a obra, mas ninguém procura

responder ao que já está respondido.

Daí constatamos a postura reconhecidamente iluminista de Jauss, ao

assinalar que “a função social da arte advém da possibilidade de influenciar o

destinatário” (ZILBERMAN, 1989, p. 50). Ao estabelecer comunicação com o

leitor, a obra “transfere-lhe” normas que são padrões de atuação; tais normas

podem apenas reproduzir os padrões vigentes – e aí estarão no campo da arte

culinária – ou então criar novos padrões – e assim chegarão ao terreno da arte

genuína – cujo efeito básico é o estranhamento13 do leitor. (ZILBERMAN, 1989,

p. 51). Para a teoria da recepção, o caráter emancipatório da arte reside

apenas nessa última alternativa.

Chegamos, agora, ao último ponto essencial da definição de Jauss,

fechando o mapeamento que ora fazemos aqui. Para isso, traremos a

conceituação novamente: a Estética da Recepção é “uma teoria da história”

que procura dar “conta do processo dinâmico de produção e recepção e da

relação dinâmica entre autor, obra e público, utilizando-se para isso da

hermenêutica da pergunta e resposta” (JAUSS, 1979, p. 48 – grifo nosso).

13 A noção de estranhamento advém especialmente dos estudos do Formalismo Russo: “um bom produto artístico mobiliza vários artifícios, visando motivar um choque no destinatário: somente quando se dá de modo tenso a relação entre o sujeito da percepção e o objeto estético, este pode ser considerado de valor” (ZILBERMAN, 1989, p. 19).

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Como se vê, trata-se agora de examinar um pouco o método utilizado pela

teoria da recepção para dar conta de seu objetivo.

E é a Georg Gadamer, ex-professor de Jauss, que a estética alemã deve

a premissa basilar de sua metodologia: “só se pode entender um texto quando

se compreendeu a pergunta para a qual ele constitui uma resposta” (JAUSS,

1994, p. 37). Esse entendimento é importante porque rompe com a percepção

comum de que a interpretação de um texto reside na possibilidade de

responder às suas perguntas, quando o objeto artístico já é a resposta que o

leitor tem diante de seus olhos. Que função restará, portanto, ao leitor? Para

Terry Eagleton (2001), pelo menos duas ações precisam ser realizadas – a de

indagação incessante à obra e a de investigação da pergunta-chave a que a

obra responde:

(...) aquilo que a obra nos “diz” dependerá, por sua vez, do tipo de perguntas que somos capazes de lhe fazer, dependerá de nosso ponto de vista na história. Dependerá também de nossa capacidade de reconstituir a “pergunta” para a qual a obra é uma “resposta”, pois a obra é também um diálogo com a sua própria história (EAGLETON, 2001, p. 98).

Veja-se, então, que é no leitor que reside a possibilidade de ampliação

da leitura; o raciocínio é simples: terá as melhores respostas aquele que

conseguir fazer, à obra, as mais certeiras perguntas. Essas contribuições da

Estética da Recepção nos permitem enxergar que as mudanças pretendidas no

trabalho com o texto literário, e afunilando o objeto de estudo, com o texto

poético, passam necessariamente pela consideração do leitor como figura ativa

a quem o poema, em primeira e última instância, se dirige.

Documentos oficiais como as “Orientações Curriculares para o Ensino

Médio” absorveram essa idéia, e afirmam que o erro na formação escolar dos

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leitores de poesia está em não se permitir que o leitor seja um co-autor no

desvendamento dos sentidos do texto, co-autoria que se configura como chave

para se chegar a uma experiência poética de leitura produtiva (2004, p. 74 –

grifo nosso). Como se viu, a atividade do leitor perante o texto não é uma

opção, mas uma exigência que o próprio texto, como “formação porosa”,

carrega em si (ZILBERMAN, 1989).

E para os temerosos que supõem que o professor está anulado nesse

processo, entenda-se que é ele o sujeito da consideração do leitor, ou, em

outras palavras, aquele que tem nas mãos o privilégio de dar “voz e vez a seus

alunos” (NEVES e MEDEIROS, 2006). É dele o papel de perguntar ao aluno-

leitor, estimulando-o também a fazer suas próprias indagações ao texto.

Infelizmente, a tarefa que deveria ser simples, e mais ainda, que deveria

ser o fundamento de toda e qualquer aula de literatura, torna-se difícil para nós,

acostumados a dar sempre a primeira, a segunda, a terceira, a última palavra:

Nosso papel é muito simples e, ao mesmo tempo, porque estamos professoralmente viciados, bem difícil. Requer algo bastante sutil: uma presença meio ausente, e, no entanto, atuante; um apagar se da figura do mestre que, muito embora, conduz o jogo; condução do jogo que se deixa conduzir (LEITE, 1983, p. 113).

Note-se que Lígia Chiappini Leite assinala o professor como o mediador

do jogo, e não como o juiz dele. Assumir esse papel é permitir que a sala de

aula se torne um espaço privilegiado de discussão e debate, onde todos podem

falar, discordar, opinar, questionar, enfim, ser protagonistas de sua própria

história literária. Trata-se da vivência diária de uma “pedagogia da autoria”, que

tem professores e alunos como autores de mesmo patamar e importância

(NEVES e MEDEIROS, 2006).

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Para o educador, isso implica uma postura crítica e humilde ao mesmo

tempo: criticidade para não aceitar qualquer leitura trazida pelo aluno, pelo livro

didático, pelos próprios críticos, observando sempre se tal leitura está

autorizada pelo texto literário; humildade em reconhecer que a sua leitura não é

a única, e que certamente será enriquecida pelo modo de ver do outro

(PINHEIRO, 2006, p. 118).

Assumir essa segunda postura parece ser o maior desafio do professor

de nosso tempo – a ação de “criticar” não parece distante da maioria das salas

de aula – mas a tarefa se torna mais fácil quando se entende que, por ser

múltiplo em si, o texto literário só poderá gerar leituras e recepções que

também o são.

Ora, se tomarmos apenas uma possibilidade de leitura, em um universo

de tantas outras, já ali constataremos uma atividade rica e multifacetada, que

se constrói com idas e vindas, com expectativas concretizadas e frustradas,

com a desconfiança até mesmo diante das coordenadas do autor, pois o texto

é uma voz perpassada por muitas outras vozes. É o que se depreende do

conceito fundamental de “polifonia”, de Mikhael Bakhtin, referido em trecho das

“Orientações Curriculares para o Ensino Médio”:

Embora não tenha explicitamente tratado da recepção ou dos efeitos da obra de arte sobre o leitor, Bakhtin, ao desenvolver o conceito de ‘polifonia’, chamando a atenção para a dimensão dialógica do texto, apontou para sua pluralidade discursiva, que ultrapassa os limites da estrutura interna da obra, estendendo-se à leitura. A palavra plural, disseminadora de sentidos, requer uma leitura também ela múltipla, não mais regulada pela busca do significado único ou pela verdade interpretativa, mas atenta às relações e às diferentes vozes que se cruzam nos textos literários (BRASIL, 2004, p. 66).

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Essa polifonia que perpassa o texto, a leitura, a recepção, exige do

professor uma prática pedagógica atenta, polifônica também, e, sobretudo

aberta, para entender que o aluno não terá necessariamente a sua leitura; que

a leitura do aluno pode enriquecer o seu próprio modo de ler, chamando a

atenção para aspectos despercebidos, ou até impensados; que os alunos não

lêem da mesma maneira, nem mesmo quando se considera o universo da

mesma sala de aula; que o alvo não é fazer o aluno ler da maneira x, mas

simplesmente ajudá-lo a chegar à sua própria leitura.

A literatura só manifesta sua função social, da qual se fala tanto, quando

o leitor, e aí devemos pensar tanto no aluno-leitor quanto no professor-leitor,

assume sua condição ativa, tocando a obra e deixando-se ser tocado por ela.

“O leitor que, num primeiro tempo, deixa a realidade para o universo fictício,

num segundo tempo volta ao real, nutrido da ficção” (JOUVE, 2002, p. 109).

Não nos enganemos: essa troca entre universo real e fictício é um dos

caminhos para ver sentido em nossas aulas de literatura. Na prática, isso

significa que o texto, o conto, o poema, tem que se tornar experiência singular

para cada leitor, história particular que, por isso mesmo, influencia na história

geral da literatura. É o que se depreende das palavras de Hans Robert Jauss,

com as quais (quase) finalizamos este tópico:

A tarefa da história da literatura somente se cumpre quando a produção literária é não apenas apresentada sincrônica e diacronicamente na sucessão de seus sistemas, mas vista também como história particular, em sua relação própria com a história geral (...). A função social somente se manifesta na plenitude de suas possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática, pré-formando seu entendimento do mundo e, assim, retroagindo sobre seu comportamento social (JAUSS, 1994, p. 50).

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No anseio de que essas reflexões caminhem do patamar da teoria para

a prática, primeiro na nossa, concluímos este tópico com um esclarecimento.

Vale lembrar que aqui não tocamos em todos os pontos da teoria da recepção,

nem mesmo na questão da pesquisa histórica, de que tanto fala Jauss.

Tomamos dele apenas algumas categorias, precisamente aquelas que ajudam

a construir a desejada ponte entre teoria e ensino de literatura: a valorização do

leitor – não o histórico, mas o real, o nosso aluno – como chave para dar

sentido às aulas de literatura; o horizonte de expectativa do leitor e sua

possibilidade de mudança/ampliação; o efeito, dimensão ativa da própria obra

que deve ser considerada na concretização da leitura; e, finalmente, o diálogo

de perguntas e respostas entre obra e leitor, o caminho necessário para que se

passe da especulação à interpretação da obra.

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CAPÍTULO II

RELATO DE EXPERIÊNCIA

PARTE I

CONHECENDO OS COLABORADORES:

A ESCOLA, A PROFESSORA, OS ALUNOS LEITORES

1. SOZINHA, COM MEUS BOTÕES

Antes de começarmos a relatar o experimento propriamente dito, temos

que nos remeter a todo um percurso anterior, a preparação até que chegassem

os dias de ministração das aulas. O que tínhamos em mente para esse

experimento? Queríamos experienciar com leitores jovens os poemas

metalinguísticos de Ferreira Gullar, os quais tantas vezes haviam sido

vivenciados por nós em leituras solitárias. Em termos mais acadêmicos,

queríamos testar a recepção de leitores jovens a metapoemas do autor

maranhense.

Para isso, teríamos a opção de trabalhar com ensino fundamental ou

com o ensino médio, mas, pelo fato de a metalinguagem por vezes aparecer

atrelada a um viés filosófico, entendemos que seria melhor procurar um público

mais maduro – embora essa maturidade nem sempre se concretize – ou seja, o

leitor jovem, em vez do leitor adolescente.

Mas, dentro do ensino médio, com que ano trabalhar? Duas razões

principais nos levaram ao primeiro ano: nessa faixa escolar, essa é a série que

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ainda oferece alguma flexibilidade em relação aos conteúdos dos concursos

vestibulares. A cobrança, é verdade, já se inicia ali, mas aumenta

gradativamente, chegando ao ápice no terceiro ano do ensino médio.

O outro motivo é ainda mais justo: se quisermos intervir na maneira do

nosso aluno enxergar o texto literário, o ideal é que tenhamos mais tempo para

isso. Não esqueçamos que, para muitos estudantes, os anos de ensino médio

serão a última oportunidade de contato com o texto literário. Se pelo menos

esses três anos finais trouxerem experiências de leituras literárias

significativas, teremos mais chance de levar o aluno ao gosto, e não ao

desgosto literário, como comumente tem acontecido.

Definida a série, o passo seguinte era pensar em que escola trabalhar.

Como já dissemos, um dos intuitos de nossa pesquisa era testar um tipo de

metodologia diferente da usual, que tomasse a instância mais esquecida do

tripé “autor-texto-leitor” (ZILBERMAN, 1989), considerando o aluno como leitor

literário a quem o texto, em primeira e última instância, se dirige. Como a nossa

intenção era contribuir d’alguma forma para a melhoria do ensino gratuito,

optamos por fazer o experimento em escola pública.

Como não estávamos atuando em sala de aula, precisávamos de um

espaço cedido por um outro professor para realizar o experimento. O nosso

desejo era fazer um experimento de colaboração, por isso optamos por

trabalhar com alguém conhecido.

Logicamente que essa posição era até certo ponto cômoda para nós. O

desafio, porém, continuava sendo grande: iríamos a uma escola totalmente

nova, com alunos com os quais nunca tínhamos tido contato, testar pela

primeira vez uma metodologia de trabalho com poemas metalinguísticos que,

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até então, eram para nós reflexão introspectiva. Portanto, independentemente

da facilidade de trabalhar com um professor conhecido, o passar da pesquisa

solitária para a pesquisa solidária era, ao mesmo tempo em que o nosso

desafio, a provocação que nos movia.

2. NA COMPANHIA DA PROFESSORA COLABORADORA

O primeiro contato que tivemos com a professora efetiva foi no dia

12/03/09, ao telefone. Sondamos, então, se seria possível fazer um

experimento com a poesia metalinguística na turma do primeiro ano do ensino

médio em que ela ensinava, ao que a professora se mostrou bastante

receptiva.

Chamou-nos a atenção a maneira calorosa como fomos recebidos

naquela conversa, e o modo instigante como a educadora se referia aos alunos

e ao trabalho desenvolvido com eles. Ao que nos parecia, a sua principal

preocupação era fazer a escola ser útil para os estudantes, ou seja, criar a

necessária ponte entre a sala de aula e a vida. Desde esse dia, ficamos mais

motivados para o experimento, pois tudo indicava que teríamos uma parceira

ao nosso lado. Ainda ao telefone, marcamos de nos encontrar no dia seguinte,

na UFCG.

Ao todo tivemos sete encontros presenciais com a professora, os quais

duraram cerca de duas horas, cada um – foram nos dias 13/03/09, 20/03/09,

27/03/09, 03/04/09, 10/04/09, 17/04/09 e 24/04/09. A maior parte deles

aconteceu antes do experimento iniciar, pois o nosso objetivo principal era

conhecer o perfil da escola e, especialmente, da turma: sondar, por exemplo, a

relação dos alunos com a literatura e, de modo mais específico, com a poesia;

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conhecer os materiais didáticos utilizados (se trabalhavam com livro didático ou

não); receber algumas dicas da professora para o trabalho com os alunos; e, é

claro, acertar os detalhes para a execução do experimento.

Desde o início, a nossa intenção era não fazer nada precipitado, por isso

procurávamos aproveitar ao máximo os momentos na companhia da

professora para delinear o planejamento do nosso trabalho. Mas antes de

relatarmos os frutos desses encontros, falemos um pouco do perfil da nossa

colaboradora.

2.1. Quem era essa professora?

Era uma jovem que havia concluído os estudos de graduação em 2005,

e os de mestrado em 2008, ambos pela Universidade Federal de Campina

Grande e encaminhados pelo viés da Linguística. Em termos de experiências

de ensino, a professora havia lecionado pouco tempo em uma escola particular

de Campina Grande – uma experiência rápida, mas frustrante, da qual ela não

gostava muito de falar. Além disso, ministrara aulas em escola pública do

interior da Paraíba, trabalho do qual lembrava com satisfação.

Desde fevereiro de 2009, ou seja, há pouco tempo, estava lecionando na

escola pública em que o experimento foi realizado – ali ingressara por concurso

público. Ao mesmo tempo, exercia a função de professora substituta na UFCG,

ministrando a disciplina “Português Básico”.

Apesar da pouca idade e experiência, a professora mostrava maturidade

na realização de sua atividade: no ensino médio, por exemplo, seu foco não

era exatamente o vestibular – até porque, infelizmente, poucos alunos

pareciam se imaginar ingressando no ensino superior – mas o fato de

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aprenderem para a vida, de sentirem-se capazes de relacionar os saberes com

a sua própria história.

Embora sua familiaridade com a literatura não fosse tanta, as aulas

dessa disciplina, que ela preferia chamar de “Leitura e interpretação”, eram

ministradas na busca de transformar os alunos em leitores literários, em

sujeitos que manifestassem sua voz ao mundo, que usassem a língua materna

em seu próprio favor. Ao que nos parecia, a colaboradora estava conseguindo

assumir a postura equilibrada de que nos fala Leite (1983, p. 113), “meio

ausente, e, no entanto, atuante”, deixando o aluno desempenhar o papel ativo

que lhe cabe, mas sem permitir o apagamento da figura do mestre.

2.2. A descoberta dos encontros

As conversas com a professora colaboradora foram bastante produtivas,

e nos fizeram descobrir elementos fundamentais para o traçar do experimento.

Descobrimos:

– que a turma era formada por 31 alunos, com faixa etária média de 16

anos;

– que o ensino médio da escola havia começado no ano de 2009, e, de

certa forma, ainda estava em fase de adaptação, experimentação;

– que a grande maioria do alunado tinha feito o Ensino Fundamental II

na mesma escola;

– que havia uma pequena biblioteca na escola, não utilizada pela

professora nem pelos demais professores da turma;

– que os alunos do ensino médio não possuíam livro didático (isso

existia apenas no ensino fundamental), e que assim, cabia aos professores

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elaborar e levar materiais para as aulas. É claro que esse fato poderia ser

bastante positivo por um lado, especialmente pela liberdade didático-

metodológica conferida ao professor, mas por outro, nem sempre haveria

meios de arcar com as despesas de xerox para as turmas, já que a escola não

imprimia os materiais elaborados pelos professores, exceto as provas.

Daí decorria um outro dado significativo para nós: as aulas de “Leitura e

interpretação” da turma eram quase sempre desenvolvidas por meio da leitura

oral de textos. A professora falou-nos, então, da necessidade de criar um clima

de expectativa nos alunos, para que desejassem ouvir os textos que seriam

trabalhados. Tomamos essa informação como uma sugestão metodológica

para o experimento que desenvolveríamos; ao mesmo tempo, porém,

entendíamos ser ínfimo o contato dos alunos com o texto literário escrito, o que

poderia criar certa resistência inicial;

– que desde o início do ano até aquele momento, o contato literário dos

alunos havia se restringido basicamente ao gênero “conto”, o que é de se

compreender, pois tinham ocorrido apenas dois meses de aulas. Os contos

trabalhados até ali eram as narrativas “Piabinha”, de Luiz Vilela e “Um

apólogo”, de Machado de Assis, as duas pelo viés da leitura oral, sem texto

escrito.

Segundo a professora, a estratégia de leitura oral vinha funcionando

(quando quer, o professor é capaz de contornar muitas das situações

adversas) tanto que, ao ler o conto “Piabinha” para a turma, alguns alunos

guardaram detalhes da história, chegando a reproduzir trechos tal qual

estavam no conto. Isso seria fácil se estivessem com o texto escrito em mãos,

mas em se tratando unicamente de escuta, essa informação era intrigante. Isso

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nos leva a refletir que não devemos duvidar da capacidade de nossos alunos

leitores, e muito menos, do valor que a literatura pode ter para eles;

– que o conceito de metalinguagem não era totalmente estranho aos

alunos, pois já em 2009 a professora havia solicitado uma atividade de

pesquisa sobre as funções da linguagem14: a turma fora dividida em grupos, e

cada um deles ficara responsável por uma das funções (poética, emotiva,

metalinguística, fática, referencial, conativa). Além de pesquisar sobre o

assunto, os alunos teriam o desafio de observar, no dia a dia deles, onde as

funções se encontravam. A idéia era fazê-los transcender os limites da escola,

para que relacionassem o conhecimento da sala de aula com as suas próprias

vidas. Como entre essas funções estava a metalinguística, criamos a

expectativa de que, em algum momento de nosso experimento, os alunos

trariam esse conhecimento à tona. Em momento oportuno, saberemos se isso

aconteceu.

É importante ressaltar que essa atividade de pesquisa não foi um plano

ou uma solicitação nossa, até porque foi realizada antes mesmo de termos o

primeiro contato com a professora efetiva, ao telefone. Tratou-se apenas de

uma coincidência, mas que abriu novas possibilidades para o experimento;

– que além do trabalho com o gênero “conto”, já concluído, a professora

estava iniciando um trabalho de leitura e interpretação com músicas de Renato

Russo e Lulu Santos. O procedimento metodológico era o seguinte: as letras

eram entregues por escrito aos alunos (essas sim), que, junto com a

professora, liam e debatiam as músicas. Depois, então, escutava-se o áudio

das canções. De certo modo, esse era o primeiro contato que a turma do

14 A teorização sobre as funções da linguagem é de Roman Jakobson. Pode-se ler a respeito em Linguística e comunicação (1971), livro do autor.

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primeiro ano estabelecia com a poesia no ano de 2009, uma atividade que

deveria funcionar como uma espécie de alicerce para o que seria feito no

experimento dali a alguns dias.

Além dessas informações significativas acerca da turma do primeiro ano,

nos encontros presenciais com a professora recebemos várias sugestões de

trabalho, algumas das quais acatamos. Uma delas foi a idéia de iniciarmos o

experimento com poemas de temática amorosa, ou seja, começar com algo já

conhecido, que estava dentro do horizonte de expectativa do alunado, e depois

ampliar esse horizonte, levando o tema da metalinguagem.

Lembremos que, para Jauss (1994, p. 29), o caráter artístico de uma

obra é determinado justamente pela distância entre o “já conhecido da

experiência estética anterior e a mudança de horizonte exigida pela acolhida à

nova obra”. Era principalmente fundamentados nesse conceito que julgávamos

pertinente começar o trabalho com poemas de amor.

Juntamente com a professora, íamos tendo cada vez mais claro que o

alvo inicial do experimento era fazer com que o contato da turma com o poema

fosse algo prazeroso, uma semente em potencial para desenvolver nos alunos

o gosto pela poesia. Para isso, a temática do amor era, a nosso ver, um “prato

cheio”. No relato das aulas propriamente ditas, detalharemos melhor essa

questão.

3. OBSERVAÇÃO SILENCIOSA DAS AULAS

Nos encontros com a professora efetiva, pedimos a permissão para

observar algumas aulas dela, pois assim, além de estreitarmos os laços com a

turma, poderíamos conhecer mais de perto o trabalho desenvolvido. Esse

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também era um modo de tentar estabelecer uma ponte entre os “conteúdos”

que os alunos já tinham visto, e o que veriam no experimento. Ao todo foram

nove horas de observação de aulas, a saber: duas horas em 31/03/09, duas

horas em 01/04/09, duas horas em 07/04/09, duas horas em 15/04/09 e 1 hora

em 22/04/09.

Uma semana antes que iniciássemos a observação, a professora avisou

aos alunos que iriam receber a visita de uma professora pesquisadora da

UFCG, a qual, no momento oportuno, iria desenvolver um trabalho com a

poesia naquela turma.

Nessa etapa da pesquisa trabalhamos apenas com o diário reflexivo. Ali

fizemos muitas anotações, colocando as impressões que nos vinham ao

pensamento. É desse oportuno instrumento de coleta que fazemos agora uma

análise da observação das aulas.

3.1. Analisando a observação

No primeiro dia em que chegamos à escola, estávamos com aquela

expectativa digna de qualquer estréia: fomos bem recebidos pelo corpo de

professores e pelos funcionários; os alunos da turma do primeiro ano, porém,

olhávamos com um misto de curiosidade e temor, sem saber ao certo o que

estava por vir.

Foi um momento difícil no início: estávamos em um ambiente estranho,

sendo, também, estranhos para os alunos. Como já foi dito, a professora

apresentou-nos à turma definindo-nos como uma professora pesquisadora da

UFCG que iria passar uns dias observando as aulas, e depois, ministrando

aulas para eles. Demos uma palavra rápida com os alunos, deixando claro que

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estávamos ali para aprender também, e que tínhamos certeza de que a

experiência com poemas seria significativa para todos.

Embora percebêssemos o receio (normal) da turma, tínhamos bem

definido que não estávamos ali para medir/julgar o trabalho de ninguém, nem

da professora, nem dos alunos. Pelo contrário, aquele momento era

imprescindível para que fôssemos nos aproximando deles, criando caminhos

para a realização do experimento. Quanto à professora, ela se mostrou aberta

à observação das aulas, sem fazer quaisquer objeções.

As aulas que observamos eram referentes à disciplina “Leitura e

interpretação”, nome com o qual a professora designava as aulas de literatura.

Infelizmente, boa parte desses momentos acabou se transformando em aulas

de produção textual, pois a professora recebeu da diretoria a determinação de

que os alunos teriam de escrever um texto, no gênero “carta pessoal”, para

participar de um concurso dos Correios15.

Não detalharemos aqui as aulas porque fogem ao objetivo desta

pesquisa. Diremos, porém, que foram momentos bastante produtivos (afora o

fato de que as aulas de literatura foram prejudicadas), que se deveram

principalmente ao fato da professora ter uma “bagagem” teórico-prática

consistente acerca do trabalho com produção textual. Deixando de lado o

aspecto conteudístico do período de observação, muitos dados importantes

foram colhidos. Eis alguns:

– dentro da sala de aula, a maior parte da turma se mostrava atenta e

submissa à autoridade da professora; fora desse ambiente, porém, havia muito

15 A participação em tal concurso era obrigatória, e a proposta era a seguinte: “Escreva uma carta a alguém para explicar-lhe como condições de trabalho decentes podem levar a uma vida melhor”.

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barulho, pois não raro as turmas vizinhas estavam sem professor16 e ficavam

conversando nos corredores; isso desviava um pouco a atenção da turma;

– a professora mostrava-se preparada para as aulas, ou seja, era nítido

que planejava bem cada encontro. Além disso, procurava ouvir seus alunos,

respeitando suas opiniões e colocações, e, mais do que isso, construindo a

aula a partir da “voz” deles;

– as pessoas que participavam oralmente das aulas eram quase sempre

as mesmas, cerca de quatro alunos; os demais também participavam, mas de

outras maneiras: alguns faziam comentários apenas entre os colegas, e outros

preferiam estar calados, o que também não deixava de ser uma forma de

expressão, pois o silêncio pode significar muita coisa;

– quando tinham que realizar alguma atividade escrita, como foi o caso

da produção textual, mostravam-se bem resistentes, e pareciam “perdidos”,

mesmo quando a professora havia explicado o que tinham que fazer; no oral,

porém, pareciam estar mais à vontade, e mais atentos à aula;

– estando sentados entre os alunos, tivemos a oportunidade de

testemunhar situações que passariam despercebidas se estivéssemos na

condição de professor ministrante. Por exemplo: no dia de escrever a produção

textual (carta), depois da explicação da professora sobre o que teriam que

fazer, uma aluna que ficava o tempo todo calada, aparentemente atenta,

perguntou à outra: “Que é isso, hein? É pra fazer o quê?” A outra aluna, bem

conversadeira e aparentemente dispersa nas aulas, deu a explicação

adequada do que deveria ser feito.

16 Um dos problemas dessa escola, especialmente no ensino médio, era a falta de professor, talvez porque ainda estivesse havendo uma estruturação do ensino nessa faixa escolar. O número de professores pro tempore era grande, mas, com problemas de atrasos de salário, muitos não aguentavam e abandonavam o trabalho.

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Esse tipo de situação nos confirma a necessidade de sermos

educadores sensíveis à nossa sala de aula, que não vêem apenas o que está

posto diante dos olhos, mas o que está por detrás do aparente. Alunos calados

não são, necessariamente, alunos atentos; alunos conversadores não são,

necessariamente, alunos descompromissados;

– a escola tinha uma boa estrutura física: as salas eram limpas,

ventiladas e espaçosas;

– a turma do primeiro ano possuía um público feminino um pouco maior:

eram 17 meninas e 14 meninos;

– os alunos iam se mostrando mais à vontade conosco com o passar

dos dias de observação. No terceiro dia, houve uma aluna que nos cedeu o

próprio assento. Outro incentivo para nós era o sorriso de alguns alunos, que

nos dizia, sem palavra alguma, que éramos bem-vindos naquele lugar. Após

uma semana de observação, a professora efetiva nos confidenciou que os

alunos já começavam a perguntar por nós, ou seja, a sentir a nossa falta. Essa

informação nos motivou, pois nunca imaginávamos que, calados, apenas

ouvindo e acompanhando as aulas, pudéssemos fazer alguma diferença no

meio deles; como os próprios alunos, nós também estávamos aprendendo e

descobrindo.

E no dia 22/04/09, depois de nove horas de silêncio naquela sala de

aula, chegou a hora de falar. Era o momento de aplicar o questionário, do qual

falaremos adiante.

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4. QUEBRANDO O SILÊNCIO

Essa aula inicial, em que deixamos de lado a condição de observadora

para assumir a de professora foi um romper para nós; era difícil falar depois de

tanto tempo calados, ainda mais porque estaríamos em um espaço que, de

fato, não era o nosso. Por mais que a professora efetiva tivesse uma forma de

trabalho parecida conosco em alguns pontos, os alunos teriam que aceitar uma

nova dinâmica nas aulas de “Leitura e interpretação”.

Optamos, então, pelo caminho da sinceridade: dissemos que depois de

inúmeras aulas observando a turma – os alunos praticamente só haviam nos

ouvido no primeiro dia de observação de aulas, quando a professora efetiva

nos apresentara – agora chegara a hora de falar. Expusemos também o quanto

tinham sido importantes aqueles momentos de silêncio, e como tínhamos

crescido e aprendido a conhecer cada um deles.

Os alunos nos olhavam meio desconfiados, até que veio a parte mais

surpreendente da aula, quando afirmamos saber o nome de muitos deles –

tínhamos decorado o nome de cerca de 10 alunos. Como duvidassem de nós,

começamos a chamá-los pelo nome, apontando para cada um, a fim de

saberem que realmente os conhecíamos.

A turma ficou atônita, pois nunca imaginou que pudéssemos ter prestado

tanta atenção neles; não faziam idéia de que, todos aqueles dias, estávamos

ali procurando “lê-los”, para que pudéssemos realizar um experimento

prazeroso para todos nós. Sentimos que essa atitude de aproximação,

mostrando à turma o seu valor, foi fundamental e contribuiu para que os alunos

se “abrissem” para nós.

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Percebemos, também, o quanto a experiência de observação das aulas

foi importante, e, mais que isso, necessária, embora às vezes fosse também

difícil, pois aquela posição nos fazia sentir como espiões, como estranhos no

meio dos alunos. Deste ponto em que estamos, é nítido que precisávamos

estar ali, observando-os, nos “misturando” a eles, e aprendendo com eles.

Depois dessa conversa de rompimento, avisamos que a turma

responderia um questionário escrito (ver anexo 1), o qual tinha sido elaborado

com o intuito de conhecermos mais o perfil da turma do primeiro ano, o que nos

ajudaria no planejamento das aulas. As perguntas giravam em torno dos gostos

dos alunos em relação à leitura, programas de televisão, internet, bem como

sondavam acerca da relação da turma com a poesia, e com as aulas de

literatura em geral.

4.1. O questionário – rica fonte de conhecimento da turma

Após entregarmos a folha do questionário, fizemos uma leitura oral

explicando cada tópico à turma. Ressaltamos a importância da sinceridade dos

alunos nas respostas, porque queríamos percebê-los como eram, inclusive

dizendo se não tinham costume de ler, se não gostavam de poesia ou de

literatura, ou qualquer coisa desse tipo. Alguns poucos se mostraram avessos

ao início, como se responder àquelas perguntas não fizesse sentido algum; a

maioria, porém, se mostrou receptiva.

Procuramos fazer do questionário um momento descontraído para a

turma, frisando que ninguém estava obrigado a responder, como estava

evidente na introdução, mas deixando claro que as colocações deles seriam

significativas para o trabalho que desenvolveríamos ali. Dos 32 alunos

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presentes, que receberam o questionário, 31 o preencheram (ver anexo 2), ou

seja, apenas 1 aluno assinou o nome e não respondeu nenhuma pergunta.

Quanto ao tempo utilizado nas respostas, apesar da turma ter tido cerca

de 30 minutos para responder a folha, a maior parte o fez em quinze minutos, e

alguns poucos, em cinco minutos – somente um aluno ultrapassou o tempo

disponível, de modo que ficamos aguardando a sua finalização mesmo depois

da aula.

O pouquíssimo tempo utilizado pela turma do primeiro ano na feitura do

questionário, principalmente em se considerando que muitas perguntas exigiam

um exercício de rememoração, leva-nos a indagar se os alunos leitores

estariam apenas sem vontade de escrever, ou se suas experiências de leitura

eram tão incipientes a ponto de não terem muito sobre o que discorrer. Uma

análise acurada dos dados logo nos revelará que a segunda explicação é a

mais plausível.

Mas vale dizer que consideramos esse primeiro momento com a turma

bastante positivo, melhor até do que poderíamos imaginar. Muitos alunos se

“abriram” para nós principalmente quando puderam perceber que estávamos

interessados neles, da forma que eram. Abaixo, então, os principais dados

coletados ali e a análise deles – não comentaremos todas as questões, mas

aquelas que estão mais diretamente relacionadas à nossa pesquisa.

Pergunta 1

Você lê com frequência? Que tipo de livro?

Esta questão foi uma das mais significativas para nós, pois as respostas

dadas pelos alunos vieram d’alguma maneira nos impactar, e render bons

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frutos para as aulas que seriam ministradas. Para a pergunta 1, os alunos

tinham as seguintes opções de respostas: “histórias em quadrinhos”, “livros de

poemas”, “folhetos de cordel”, “histórias” (romances, novelas, etc.) e “outros”.

Nessa última opção, havia um espaço para o aluno escrever o seu tipo de

leitura costumeira.

É importante ressaltar que era possível a cada leitor marcar mais de

uma opção, desde que ele convivesse com vários tipos de leitura. Eis o número

de marcações para cada opção17:

Histórias em quadrinhos = 14 Livros de Poemas = 12 Histórias (romances, novelas, etc.) = 6 Outros = 6 Folhetos de cordel = 5 Não marcaram nada = 3

Como se pode ver, os gêneros de leitura maciçamente assinalados

pelos alunos foram “histórias em quadrinhos”, em primeiro lugar, e “livros de

poemas”, em segundo; os demais, “histórias” e “folhetos de cordel” ficaram

bem aquém dos primeiros, o que para nós soou como um dado significativo a

ser investigado.

Estávamos um tanto surpresos com os números, pois sinceramente não

imaginávamos que eles pudessem marcar tantas vezes a opção “livros de

poemas”, ou seja, não fazíamos idéia de que a poesia fizesse parte da vida de

tantos deles. O dado nos parecia importante, então resolvemos compartilhar os

números do questionário, especialmente desta pergunta 1, com a professora

efetiva – esse foi o assunto principal de um dos encontros que tivemos.

17 Os números serão apresentados em ordem decrescente.

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Quando mostramos os questionários à professora ela se mostrou

bastante interessada, pois poderia conhecer mais o perfil de seus próprios

alunos, e assim, melhorar o trabalho com eles. As respostas à pergunta 1

também a intrigaram. Era esperado que assinalassem as histórias em

quadrinhos, mas os livros de poemas...18 Que poemas será que eles liam? O

que eles estariam entendendo por livros de poemas? E ainda: será que o fato

de saberem que realizaríamos um experimento com a poesia havia

influenciado os jovens leitores, de modo que queriam apenas nos agradar com

aquelas respostas? Esses e outros questionamentos foram colocados na nossa

conversa, então veio a sugestão da professora colaboradora de investigarmos

melhor acerca disso. Foi o que fizemos na primeira aula do experimento, relato

que ficará para mais adiante.

Mas retornando aos dados, a opção “outros” foi assim especificada pelos

seis alunos que a marcaram: “bíblia, mensagens de reflexão, histórias de

sabedoria, contos de guerra, romances, revista e rock”. Alguns aspectos

significativos a esse respeito: note-se que os três primeiros tipos de leituras são

realizados com um objetivo semelhante, e podem se enquadrar em uma

categoria que chamaremos “texto de prazer”, para usar uma importante

conceituação de Roland Barthes (1987)19.

18 Essa colocação pode parecer um descrédito de nossa parte quanto ao trabalho com a poesia. Não é. É que ainda se fala tanto da dificuldade de trabalho com o gênero poético, da fragmentação de poemas em livros didáticos, da predominância da prosa sobre a poesia, da resistência de alunos ao texto poético, do poema como pretexto para exercícios gramaticais, que parece surpreendente que possamos ver dados assim. 19 Barthes distingue “texto de prazer” e “texto de fruição”: o primeiro seria aquele ligado a uma prática confortável de leitura, porque é capaz de contentar, encher, e dá euforia; em outras palavras, trata-se do texto que não exige tanto do leitor, porque se encontra dentro do seu horizonte de expectativas. O segundo, por sua vez, estaria ligado a desconfortabilidade; seria aquele texto capaz de pôr em crise a relação do leitor com a linguagem, fazendo vacilar a sua própria visão de mundo, o que o teórico chama de bases históricas, culturais, psicológicas, “a consistências de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças” (BARTHES, 1987, p. 22).

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Os dois tipos seguintes, contos de guerra e romances, poderiam ser

colocados dentro da opção “histórias”, posta no questionário, embora alguns

alunos não tenham feito tal associação20. Elas seriam aquela literatura “de

fruição”, se pensarmos ainda na teorização de Barthes (1987), ou então aquela

“arte genuína”, se nos remetermos a Jauss (1994), em referência a uma leitura

capaz de proporcionar alguma mudança ou ampliação do horizonte de

expectativa do leitor.

Por último, alguns alunos escreveram em “outros” a revista e o rock.

Embora não possamos afirmar com certeza, é provável que o aluno que

registrou “rock” estivesse falando de revistas relacionadas a esse gênero

musical. Desse modo, talvez seja possível enquadrar esses dois tipos de leitura

na categoria “de entretenimento”, ou de “arte culinária”, para utilizar mais um

termo de Jauss (1994), já que não se encontram nelas, pelo menos à primeira

vista, “uma tensão mais ou menos aberta entre questão e respostas, problema

e solução” (ZILBERMAN, 1989, p. 75).

Ainda sobre os dados coletados nesta pergunta, vale dizer que três

alunos optaram por não marcar nenhuma opção, nem mesmo a categoria

“outros”, o que nos faz supor que tinham pouca ou nenhuma vivência com a

leitura.

Pergunta 3

No ensino fundamental, você teve aulas de leitura? Fale um pouco desta

experiência.

20 No caso dos contos essa associação era quase impossível, pois cometemos uma falha na elaboração do questionário: dentro da opção “histórias” destacamos “romances” e “novelas”, mas esquecemos do “conto” e da “crônica”, gêneros narrativos de menor extensão e que talvez fizessem parte da vida de muitos alunos.

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Esta pergunta era significativa porque instigava os leitores a discorrerem

acerca das aulas de leitura das séries anteriores ao ensino médio – as

respostas da turma poderiam influenciar, e muito, o planejamento do nosso

experimento. Vejamos os números:

Sim = 19 Não = 10 Dúvida = 1

Como se vê, uma maior parcela de alunos vivenciou aulas de leitura no

ensino fundamental. Mas antes de analisarmos algumas respostas daqueles

que escreveram “sim” ou “não”, olhemos o depoimento da aluna Ed21, a única

que demonstrou dúvida na resposta:

Depende do professor, as vezes eles falam tanto que dá sono.

Pela fala da aluna, pode-se entender que as aulas de leitura no

fundamental podiam ou não acontecer, atitude que dependia muito do

professor da disciplina “Língua portuguesa”. Além disso, na sua resposta Ed

identifica aulas de leitura com aulas que provocam sono, o que nos causa

estranheza, a ponto de nos perguntarmos que aulas de leitura eram essas –

até onde sabemos, a literatura pode nos levar a “mares nunca dantes

navegados”22, arrancando-nos da apatia, da sonolência, da inatividade. A aluna

tem mesmo razão: grande parte da responsabilidade (não ela toda), cabe ao

educador.

21 Neste trabalho, os alunos terão sua identidade preservada: eles serão referidos por duas letras de seu nome. Uma outra informação: transcreveremos a escrita e a fala deles tal como escreveram/falaram, mesmo que a variedade de língua não seja a padrão. 22 O verso é emprestado do poema épico Os Lusíadas, de Luís de Camões.

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O mais intrigante, porém, foi ver que mesmo entre aqueles que

afirmaram ter tido aulas de leitura, houve testemunhos negativos na hora de

comentar tais aulas. Foi o caso de cinco alunos:

Sim, elas eram um pouco intediantes, mas porém importantes. (An) Sim, um pouco chata. (Sa) Tive algumas aulas de leitura, mais eram um pouquinho chatas. (Ay) Tive sim, mas não quero falar nada. (Me) Sim, mas erram muito chata. (Ja)

À semelhança do que ocorre com Ed, esses alunos lembram das aulas

de leitura adjetivando-as com as expressões “entediantes” e “chatas”. O aluno

Me, por exemplo, se absteve de falar qualquer palavra sobre o assunto. Ele

não teria tido nenhuma aula de leitura significativa no ensino fundamental ou

apenas estaria sem vontade de escrever?

Não sabemos ao certo, mas o fato é que as colocações desses leitores

nos induziam a refletir. Nosso papel não era julgar como professor A ou B

tinham procedido, e sim procurar fazer diferente, de modo que as aulas que

ministrássemos, ainda que poucas, pudessem ser proveitosas, a ponto de

render depoimentos positivos em um futuro próximo.

Olhando outros dados coletados, percebemos que alguns poucos alunos

identificaram aulas de leitura unicamente com aulas de exercício oral. É

possível que a pergunta do questionário não estivesse mesmo clara, mas,

como dissemos, cada tópico dele foi explicado oralmente, antes da realização.

Mesmo assim, alguns não conseguiram entender que estávamos falando de

aulas de leitura e interpretação de textos, e não apenas da leitura oral, diga-se

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de passagem, um passo importante e quase indispensável nesse trabalho.

Vejamos a fala deles:

Sim aulas de leitura mas eu tenho dificuldade para ler. (Wa) Sim, a professora levava alguns textos para lermos em sala e eu gostava de ler. (Am) Sim, mas foram poucas, e apezar de tudo era praticamente forçado, era muito raro eu ler, eu gosto mas de lê é poemas eu sou ligada mas a poemas. (Ma)

A resposta da aluna Ma chamou-nos a atenção e merece ser

comentada: para ela, as aulas de leitura ficaram como lembrança de leituras

forçadas de outros textos, que não os poemas. Ora, por que será que a poesia

também não frequentava essas aulas23? Assim, a chance de Ma ter uma

rememoração positiva dessa experiência pelo menos existiria.

A esse respeito, vale lembrar a proposta dos Referenciais Curriculares

para o Ensino Médio da Paraíba: no ensino de literatura, ao invés de se

privilegiar o puro historicismo, pleiteia-se um trabalho a partir dos gêneros

literários, o que inclui a poesia ao lado – não abaixo, como muitas vezes

parece – da narrativa e do drama (PARAÍBA, 2006, p. 83). Dito de outra forma,

há que se entender que a diversidade de gêneros, textos e autores deve

“marcar” as nossas aulas de literatura e, assim, em algum momento e sem

muita pressão, o texto que toca o aluno chegará.

Mas voltando aos dados do questionário, existiram, é claro, avaliações

positivas acerca das aulas de leitura, e queremos falar delas também. Vejamos

algumas:

23 Embora pareça um tanto utópico ver isso em manifestação em nossas salas de aula, “um poema a cada dia seria a ‘ração diária’ de beleza de que todos necessitamos” (PINHEIRO, 2008, p. 30).

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Sim, e muito bom para aprender a compreende os textos. (Ca) Sim, gostava das aulas pois era uma forma de aprender bastante interativa. (Ni) Sim sempre “alguns” professores sempre faziam apresentação de vários livros (Al) Sim eu tive muitas aulas de leitura, o que eu achei dessa experiência é que a leitura não é si uma forma de passar o tempo e sim uma forma de conhecimento para a nossa vida. (Ru) Sim. Eu achei muito ótimo as aulas de leitura do ensino fundamental. É por esse tipo de aprendizado que a gente consegue desenvolver o nosso aprendizado e consegue evoluir no nosso conteúdo. (Ej)

Perceba-se que a maior parte desses alunos conseguiu entender que as

aulas de leitura eram momentos que iam além da oralização de textos, pois

passavam pelo viés da compreensão, do aprendizado interativo, do

conhecimento para a vida. A resposta de Ru, aliás, parece-nos bastante

significativa, pois para ela aqueles momentos de leitura não eram uma “forma

de passar o tempo”, uma “enganação” do professor, mas sim uma maneira de

crescimento e maturação. Assim, a leitora conseguiu ver sentido em suas aulas

de leitura do ensino fundamental, pois estas transcendiam os muros da sala de

aula e da escola, tocando o seu próprio mundo.

Outra resposta que merece ser comentada é a de Al, porque ela remete

a um ponto interessante: a professores que levavam livros para apresentar em

sala de aula, ou seja, educadores que iam além do livro didático, onde os

textos por vezes aparecem fragmentados, onde, querendo ou não, só se tem

um pouco do livro literário, mas nunca o livro todo.

Imaginar um professor que levava livros para apresentar a seus alunos é

pensar em alguém antenado com a visão de que o ensino de literatura deve

subscrever-se na convivência com o texto literário, não só aquele trazido pelo

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manual, mas também aquele que toca o próprio educador, e que deve ser

levado para a escola como um direito a que nosso aluno deve ter acesso. É

Antonio Candido quem nos lembra: “aquilo que consideramos indispensável

para nós é também indispensável para o próximo” (1995, p. 239).

Pergunta 4

Você lembra de algum texto (um romance, um conto, um poema, etc.)

que você leu ao longo de sua vida e que o marcou? Qual? Fale sobre ele.

Nesta pergunta, ainda no momento em que estávamos fazendo a

explicação oral do questionário, sentimo-nos à vontade para contar uma de

nossas experiências pessoais aos alunos da turma. Foi então que, de maneira

sucinta, contamos que havíamos deixado o curso de Direito pelo de Letras:

durante dois anos, tínhamos tentado conciliar ambos os cursos, mas chegara

um ponto em que essa conciliação tornara-se impossível, e então tivemos que

escolher uma das carreiras. Por que havíamos optado por Letras, visto todo o

status social de um curso como Direito?

O fator decisivo para a escolha fora a lembrança que tínhamos de uma

aula “assistida” ainda nos tempos da graduação, acerca do poema “Gesso”24,

de Manuel Bandeira. Era incrível como esse poema parecia “soprar” em nossos

ouvidos e dizer que era aquilo que queríamos. Pensando bem, era a primeira

vez que entendíamos a definição de Haquira Osakabe para a poesia: esta era

mesmo uma experiência renovada, que guardava em si o frescor de sua

própria criação (OSAKABE, 2005).

24 Nesta ocasião, aproveitamos o ensejo e lemos oralmente o poema para a turma, mas não fizemos nenhum comentário analítico acerca dele.

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Notamos que, ao ouvir esse depoimento, boa parte da turma se mostrou

atenta e interessada, mas ao que parecia, alguns estavam duvidando se

aquelas palavras podiam mesmo ser verdadeiras. Será que um simples texto

podia marcar a vida de alguém e ajudar esse alguém a tomar uma decisão tão

importante?

As respostas dos leitores a esta pergunta foram equilibradas – o número

de alunos “tocados” por algum texto literário ao longo da vida foi quase igual ao

número daqueles que não o foram, como se pode ver abaixo:

Sim = 14 Não = 12 Não lembro = 4

Nos comentários daqueles que deram resposta positiva, conseguimos

enxergar muitos aspectos significativos. Alguns alunos remeteram a textos

propriamente literários, conseguindo lembrar do título, ou contando um pouco a

história:

Sim eu já li um livro chamado ciranda de pedra que me marcou muito (Ec) Lembro de um conto, um homem que sempre que saia do trabalho passava por perto de um cemiterio é dava sempre carona a uma moça até a sua casa certo dia ela apaixonado pela moça foi procurar ela na sua casa ao chegar lá a sua mãe falou que ela tinha morrido já a muitos anos (La) Sim vários. O mais marcante foi “O caçador de pipas” que mostra como uma pessoa pode mudar mesmo depois de tantos anos. (Ni) uma história que marcou foi uma história de uma formiguinha que ia andando atrás de comida e de-rrepente caiu um floco de neve no pé dela e ela ficou sofrendo muito com frio e fraca e Deus salvo ela (Wa) Bom eu le agora a pouco um livro de romance, não marcou a minha vida, mas deixou uma coisa marcante, que a menina se relacionava com o primo e acabou ficando grávida ela tinha 12 anos (Ru)

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Sim. Era uma história de um pai que ficou desisperado ao vê um de seu filho sofrendo após ser vítima de um desabamento na escola que ele estudava (Ej) Sim, é uma das histórias do livro (histórias de Sabedoria) “A árvore que produzia pão” é uma história incrível que emociona e nos faz ver o quanto Jesus e maravilhoso. (Si) Era um conto chamado A viagem de (...) (indecifrável). Contava a estória de uma menina orfam que vivia em meio a gerra do Afeganistão. (Ty) A cartomante porque o final da história parece com de novela. (Is)

É notório que todos os alunos se referiram a narrativas, nenhum a

poemas. Esse dado é importante porque havíamos relatado que tínhamos sido

tocados por um poema, mas aluno algum parece ter sentido o mesmo ao longo

de sua trajetória como leitor.

Verdadeiramente ficamos satisfeitos ao ver que quatorze alunos

conseguiram lembrar e discorrer acerca de um texto que os marcou. É positivo

ver também que nomes como Lygia Fagundes Telles (Ciranda de Pedra) e

Machado de Assis (“A cartomante”) figuram como autores de algumas dessas

peças literárias marcantes; não menos positivo é ver ainda a referência a

outras histórias, como a da formiguinha que teve seu pezinho preso – quem

nunca ouviu essa narrativa? – textos que, independentemente de nossos pré-

conceitos ao não-canônico, alcançaram a grande proeza de fazer parte da

memória desses jovens leitores.

Longe de nós esteja tirar/diminuir o valor da narrativa, ou mesmo ocultar

a tendência de que é muito mais fácil guardar uma história do que um poema,

pois aquela quase sempre parece mais palpável, mais delineada, menos

opaca. No entanto, é preocupante não ver um aluno sequer trazer um texto

poético como rememoração de sua história de vida. Será que isso se deve ao

fato da poesia não ter essa propensão de ser um texto significativo para o

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leitor, ou uma das razões possíveis seria o fato de que os poemas pouco

frequentam as aulas de literatura na escola? Acreditamos mais na segunda

hipótese, pois é certo que não existem gêneros literários maiores ou menores;

ademais, gostamos daquilo que conhecemos e provamos apenas aquilo que

nos é oferecido.

Mas outros dados que podem ser tomados na análise das respostas

positivas advém da percepção de dois alunos, os quais não assinalaram

exatamente textos literários como marcantes, e sim outros gêneros. Vejamos:

Sim, teve um que marcou muito à minha vida, que foi no passado aos meus 14 anos de idade, quando uma amiga minha me falou isso e que até hoje, tá difícil de esquecer, que foi esse: A vida é feita para quem topa qualquer parada, não para quem para em qualquer topada. (Ma) O que o marcou não foi um romance foi uma carta de uma prima (Bu)

Note-se que a aluna Ma foi impactada por uma espécie de

“pensamento”, que a outros pode parecer simplório, mas que certamente foi

importante por marcar algum momento de sua vida – ela o transcreve

literalmente. Já o aluno Bu é bastante sincero a ponto de dizer que não foi um

romance que o marcou (talvez ele achasse que essa era a única resposta que

queríamos ouvir), mas sim uma carta recebida da prima.

Bu não entra em detalhes acerca da carta, mas nem precisa: respostas

como essas nos lembram da necessidade de estarmos atentos ao que

realmente faz parte da história de nossos alunos; mais do que isso, nos

confrontam a refletir se vale mesmo a pena passar por cima dos “tesouros”

deles para imprimir os nossos, os do cânone, os do livro didático, enfim, os

alheios.

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Somos professores de literatura, e seria no mínimo ignorância de nossa

parte não acreditar no valor do texto literário, mas não menos ignorante é a

atitude de deixar de aproveitar os valores dos indivíduos que estão nas nossas

salas de aulas. O nosso alvo, o cume do monte para nós deveria ser sempre

esse casamento frutífero entre vida e escola, entre o que o aluno já tem de

significativo, e o que ele ainda pode conhecer.

Com relação às respostas negativas não há muito o que se comentar,

pois como os alunos não se viam “tocados” por nenhum texto, não tinham algo

a dizer sobre isso. Uma resposta, porém, nos chamou a atenção; foi da aluna

Ta. Ela disse:

Até aqui ainda não.

Sobre o “ainda não” da aluna, pelo menos duas considerações: primeiro,

ela parece acreditar que um texto pode realmente marcar a vida de alguém,

porque é como se estivesse à espera daquele que será parte de sua própria

história; segundo, sem saber direito, Ta estava nos motivando a um esmero

ainda maior no trabalho que desenvolveríamos com o primeiro ano. Não

podíamos saber se naquelas dez aulas a aluna iria encontrar o “seu” texto, mas

pelo menos teríamos a oportunidade de oferecer-lhe momentos de convivência

com a poesia, e isso, para nós, já era um grande passo.

Só para concluir as colocações acerca desta pergunta, vale lembrar que

quatro alunos não souberam precisar se haviam sido marcados ou não por

algum texto ao longo da vida. Esse fato, porém, nos leva a crer em respostas

negativas, já que o exercício de rememoração não os fez se deparar com

nenhum texto que julgassem “tocante”.

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Pergunta 5

Qual a sua experiência com poemas? Já leu alguns? Lembra-se do

título, do autor ou de alguns versos?

Esta pergunta é importante para a nossa pesquisa porque ela é a

primeira que remete especificamente à experiência dos jovens leitores com a

poesia. Os números foram positivos – a quantidade de alunos que deram

resposta “sim” superou em muito a quantidade daqueles que deram resposta

“não”, como vemos abaixo:

Sim = 22 Não = 7 Sem resposta = 2

Entre os alunos que disseram “sim”, um número significativo (9) não

conseguiu lembrar de nenhum título, autor ou alguns versos de um poema com

o qual conviveu. Invariavelmente, esse dado nos leva a questionar sobre a

qualidade do contato desses leitores com a poesia, já que o simples fato de ter

lido poemas não garante que tal experiência tenha sido significativa. A resposta

da aluna Se deve elucidar nossa colocação:

Já lie mas não tive nenhuma experiencia.

Perceba-se que ela faz distinção entre leitura e experiência: ela leu

algum poema, mas naquela leitura, naquele trabalho, não existiu um “quê” a

mais que se tornasse uma experiência suficientemente valiosa para ser

guardada. Como professores de literatura, essas poucas palavras de Se nos

fazem refletir acerca da necessidade de caminharmos do lugar da comodidade,

onde a mera leitura do poema satisfaz, para o lugar do desafio, onde o aluno

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assume a condição de leitor, e vivencia uma experiência de leitura tão

produtiva que é capaz de “marcá-lo”, e de, assim, ser recontada a outros.

Fora esses nove alunos que não souberam especificar sua experiência

com poemas, todos os outros lembraram de algum elemento que pudesse

singularizar esse contato com a poesia. A aluna Ej, por exemplo, conseguiu

citar o título do poema, o autor, e alguns versinhos:

Ótimas, eu já li alguns lembro de um cujo o título era As borboletas. O nome do autor era Paulo Paes25. As borboletas azuis gostam de luz.

Outros citaram apenas os autores, a saber: Castro Alves, Carlos

Drummond de Andrade, Augusto dos Anjos, José Paulo Paes, Manuel

Bandeira e Machado de Assis26.

Além de nomes de autores, houve citação de nomes de livros, como

José, de Drummond e Dispersão, de Mário de Sá Carneiro – a referência a

esse poeta português foi uma surpresa para nós. Outros alunos conseguiram

lembrar de versinhos de algum poema, ou procuraram dizer sobre o que o texto

falava:

Eu li gato na china, que diz assim: era uma vez um gato chinês que morava em Xangai sem mãe e nem pai. (Da) Já lia alguns, lindo nome de filha belo nome de Amada, coisa por demais linda teu nome... (We)

Queremos refletir um pouco sobre esses dados da pergunta 5,

confrontando-os com os coletados na pergunta 4. Ora, aqui esses alunos

25 Ao contrário do que disse a leitora, o autor é Vinicius de Moraes. 26 Embora Machado tenha escrito poemas, esse lado do autor é pouco conhecido. Como o gênero que o consagrou foi mesmo a narrativa, é bem provável que o aluno que remeteu a Machado estivesse falando de algum conto, crônica ou romance do autor.

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estão nos revelando que tiveram experiências com os poemas – que podem

ser pouco ou muito significativas – pois conseguem falar delas de algum modo.

No entanto, causa estranheza o fato de que esses mesmo alunos, nenhum

deles, aliás, conseguiu associar essa experiência a uma que tenha marcado a

sua vida, como pedia a pergunta anterior.

Os dados da pergunta 4, por sua vez, podem ser confrontados com os

da pergunta 1, aquela que discorria sobre os gostos de leitura da turma, pois ali

os “livros de poemas” foram os vice-campeões na marcação dos leitores. Era

de se esperar, portanto, que o número significativo pudesse elucidar uma

experienciação também significativa com a poesia, mas nesse aspecto, os

dados das duas perguntas entram em conflito.

Portanto, mais uma vez somos desafiados a pensar sobre o tipo de

abordagem que temos dado aos textos poéticos em sala de aula. Por que

esses alunos só conseguiram lembrar dos poemas na pergunta 5 do

questionário, que remetia diretamente a esses textos, e apenas a eles? Por

que dentro do paradigma da pergunta 4, que continha “romance, conto e

poema”, os alunos só puderam falar sobre a experienciação com romances e

contos? Por que os poemas não tem marcado os nossos alunos, se também

são a literatura em que acreditamos?

Talvez um vislumbre de resposta esteja na colocação da aluna Ma:

Minhas experiências com poemas, são muitas, eu sou mas atenta aos poemas que fala de coisas que as vezes eu até acho que eles realmente foram feitos para mim, mas no momento não vem nenhum não.

Perceba-se que ela afirma ter uma ligação com poemas, mas não

consegue lembrar de nenhum para compartilhar. A impossibilidade de

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rememoração parece residir em algo simples: Ma espera uma identificação

com os poemas que lê, como se os textos fossem endereçados especialmente

a ela. Não queremos aqui discutir se a atitude da leitora é ingênua, pois

certamente haverá quem diga que ela está misturando ficção e realidade. O

que podemos entrever, e essa é a informação importante, é que Ma não pode

lembrar de nenhum texto assim porque não lhe foi dada essa oportunidade

(deram-lhe outras), ou melhor, porque não houve alguém sensível à sua

singular necessidade.

Para terminarmos a análise dos dados desta pergunta, é válido citar

algumas respostas daqueles – ao todo, foram sete alunos – que afirmaram não

ter experiência com poemas:

E não tive nenhuma e não gosto (Na) Não gosto muito de poemas (La) A minha experiências com poemas, não é muito legal porque eu não costumo ler poemas e sim romance. (Ru) Eu não tenho nenhuma experiência com poemas, por enquanto (Ta)

A aluna Na é bem enfática ao afirmar sua intolerância a poemas, como

se dissesse: “nem adianta porque ninguém vai me conquistar”. Mais tarde

veremos se a conquista aconteceu ou não, mas por enquanto é válido dizer

que não devemos desanimar com os depoimentos nem sempre favoráveis de

nossos alunos.

As duas respostas seguintes, as de La e Ru, são mais modalizadas: La

coloca um “muito” para demonstrar que a poesia não é um de seus gêneros

preferidos, enquanto Ru procura justificar o seu pouco gosto por poemas pelo

fato de ler mais romances. A justificativa, como sabemos, não é plausível: o

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fato de Ru ler mais romances é apenas um elemento ratificador de sua

preferência por esse gênero; ela não lê o texto poético porque não teve

experiências significativas com ele, e assim, não se motiva a buscá-lo; o círculo

vicioso se perpetuará, até que uma nova maneira de ver/sentir a poesia lhe

seja oferecida.

Por último, destaquemos a colocação da aluna Ta, cuja expressão “por

enquanto”, no final da frase, remete a seu anseio por mudança na maneira de

encarar os poemas, ao mesmo tempo em que alimenta a nossa esperança de

ver alunos se tornarem leitores de poesia. Mais interessante ainda é vermos

que Ta demonstrara uma postura semelhante na resposta à pergunta 4, a qual

questionava sobre algum texto que marcou a vida dos alunos. A isto ela

respondera: “Até aqui ainda não”.

Pergunta 7

Você costuma ir à biblioteca da sua escola, sala de leitura ou biblioteca

pública?

A pergunta 7 também será comentada por nós porque as respostas

dadas pelos alunos podem fornecer dados significativos em relação à

experiência de leitura da turma do primeiro ano. É preciso notar que a questão

não remete necessariamente ao espaço físico “biblioteca”, mas a algum lugar

onde o alunado teria contato com a leitura.

Outra informação relevante é que, na explicação oral desta pergunta,

deixamos claro o que seriam as “salas de leitura”, dando inclusive o nosso

próprio depoimento acerca desses espaços: durante as séries do ensino

fundamental II, tivemos a sorte de ter professores incentivadores da leitura

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literária; mas foi na sexta série (hoje sétimo ano) em especial que começamos

a construir uma experiência mais frutífera com os livros de literatura.

Toda sexta-feira, em que tínhamos duas aulas seguidas de língua

portuguesa, a professora reservava o dia para lermos. Ela espalhava os livros

no birô de madeira, e cada um tinha a oportunidade de escolher o seu livro e ir

para algum cantinho da sala. Se quiséssemos, podíamos ler deitados, ou

comentar o livro com algum colega. A experiência era simples, mas temos

certeza de que foi decisiva para a valorização que ora fazemos dos livros

literários. Essa vivência que aquela professora nos proporcionara era o que

também queríamos oferecer aos nossos alunos, não exatamente daquela

forma, mas do nosso modo, pelo viés da nossa prática.

Será que a turma do primeiro ano teria alguma experiência semelhante

para relatar? Os dados apontaram uma superioridade do número de alunos

que não tinham costume de ir a espaços de leitura:

Não = 21 Sim = 10

Entre as 21 respostas negativas, queremos destacar algumas:

Não, mas já fui (Se) Eu ia não vou mais (Je) Não porque não está funcionando (Wa) Não, A biblioteca da escola só vive fechada (Ad) Não, eu só vou quando é necessário, ex: trabalhos de escola (Ma)

Os relatos da aluna Se e do aluno Je revelam que ambos já tiveram

alguma experiência com espaços de leitura, mas que isso não acontece mais.

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Como os alunos haviam iniciado o ensino médio há pouco tempo, podemos

afirmar com certeza que tais momentos de convivência com os livros

aconteceram no ensino fundamental I e/ou II, ou seja, foi criado algum

caminho27 para que esses alunos pudessem se tornar leitores literários.

No entanto, em um dado momento esse caminho deixou de ser trilhado

– por falta de incentivo do professor, por falta de infra-estrutura da escola, ou

por qualquer outro motivo que não somos capazes de entrever agora – e esse

fato ajudou a construir uma barreira entre os alunos e os livros. As palavras de

Se e Je são objetivas e decisivas: os alunos afirmam não ter mais contato com

espaços de leitura, e parecem dizer que não estão muito interessados em que

essa situação mude.

Os dois depoimentos seguintes, os do aluno Wa e da aluna Ad, remetem

a uma situação ainda preocupante em muitas escolas do país: as bibliotecas

“fantasmas”, aquelas que existem, são bem equipadas, mas que estão sempre

fechadas. Era essa a situação na escola em que nos encontrávamos. Ali

detectamos um círculo vicioso que é um espelho de muitas instituições de

educação do Brasil: uma diretoria despreocupada com questões de incentivo à

leitura, e professores bastante acomodados com essa situação.

A resposta que resta, a da aluna Ma, nos desperta para o fato de que as

raras idas de alguns alunos à biblioteca resumem-se à feitura de trabalhos da

escola, como pesquisas de geografia, ciências ou língua portuguesa. Para Ma,

as idas àquele espaço estavam associadas à necessidade, ao utilitarismo, não

ao prazer. Quando nos perguntamos por que nossos alunos não gostam de ler,

esquecemos que muitas vezes nós mesmos fomos criadores dessas barreiras

27 Pelo menos em tese, já que muitas vezes as idas dos alunos à biblioteca são motivadas por fins mais pragmáticos, como a realização de pesquisas para a feitura de trabalhos de escola.

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de resistência, pois fazemo-los associar espaços como a biblioteca a um único

e mesmo fim: o pragmático.

Felizmente a turma do primeiro ano contava com as aulas de “Leitura e

interpretação” ministradas pela professora efetiva, uma espécie de “espaço de

leitura” existente na própria sala de aula. De fato, o próprio professor pode

garantir a seus alunos o que lhe é de direito, mesmo quando a escola não

incentiva isso.

Quanto aos dez alunos que deram respostas positivas à pergunta, cinco

afirmaram ter ido à biblioteca poucas vezes, como é o caso do aluno Da:

Eu só fui uma vez, eu não tenho muita vontade nem costume de ir a biblioteca, por que também na minha escola não tem.

A resposta do aluno confirma a pouca motivação de ir a espaços de

leitura, mas também revela algo mais sério: Da sequer sabia que a escola em

que estudava atualmente possuía biblioteca; como poderia ir até ela? Portanto,

a resposta dele, aparentemente positiva, revela-nos aspectos negativos do

ensino público, os quais precisam ser conhecidos para ser modificados.

Mas existiram relatos realmente positivos. Destacamos três: no primeiro,

o aluno Ni utiliza o adjetivo “interessante” para qualificar os livros da biblioteca.

Mais tarde saberíamos que esse aluno era o leitor literário ideal28, incentivado à

leitura desde a infância, comprador de romances, frequentador de bibliotecas:

Sim, há muitos livros interessantes la.

No segundo relato a aluna Ru associa a biblioteca ao canto tranquilo da

concentração. Vale dizer que essa aluna também deve ter tido experiências

28 Que não se enxergue no uso da palavra “ideal” nenhum preconceito de nossa parte: ela foi utilizada para designar esse tipo de leitor literário formado desde o “berço”.

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significativas com a leitura ao longo de sua vida escolar, pois, ao longo do

questionário, tende a responder positivamente acerca do assunto.

Costumo ir muito a biblioteca da escola, porque lá é um canto tão tranquilo que nós nos concentramos na leitura.

O último relato que destacamos aqui é o da aluna Ej, que concebe a

leitura como atividade interessante desde que satisfaça a condição de ser

relevante para ela mesma:

Sim, eu gosto muito de ler livros poéticos e gosto de desenvolver a minha leitura lendo algo que seja bastante interessante do meu ponto de vista como aluna.

Ej tocou em um ponto crucial: não é toda leitura que nos agrada, mas

aquela em que conseguimos ver algum sentido; ora lemos por diversão, ora por

aprendizado, ora por pura fruição, mas sempre buscando alguma coisa – e

dando também, embora talvez a aluna não tenha consciência disso.

Ainda da resposta da aluna podemos extrair um detalhe significativo: ela

demonstra uma preferência pelos “livros poéticos”, mas mesmo assim não se

referiu a nenhum poema na resposta à pergunta 4, aquela que perguntava

sobre algum texto que marcou a vida. Relembremos a sua colocação: “Sim.

Era uma história de um pai que ficou desisperado ao vê um de seu filho

sofrendo após ser vítima de um desabamento na escola que ele estudava”.

O fato dela citar uma narrativa como texto importante dentro de sua

trajetória como leitora destoa da sua evidente preferência por livros poéticos,

atestada na pergunta 7. Não temos muitos dados para afirmar com certeza,

mas é bem provável que a escola em que Ej estudou tenha oferecido muito

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mais histórias que poemas; quando pode ir sozinha à fonte, no entanto, ela

opta pelo que mais gosta: a poesia.

Pergunta 8

Costuma acessar a internet? O que costuma buscar, ler?

As respostas a esta pergunta serão aqui comentadas rapidamente, e

com um propósito específico que logo será revelado. Vejamos primeiro os

números:

Sim = 27 Não = 4

Como era de se esperar, o levantamento quantitativo confirmou que

quase todos os alunos tinham acesso a internet, ou seja, estavam antenados

com o mundo virtual – em momento posterior, tivemos a oportunidade de saber

que esse acesso eles o obtinham nas chamadas lan houses, pois poucos

tinham computador residencial.

Quanto aos sites visitados, eles citaram preponderantemente o site de

relacionamentos orkut e o espaço para bate-papo msn. Além disso, alguns

citaram sites de bandas musicais, de jogos, e o google, para pesquisas de

trabalhos da escola.

Essa informação era importante porque, por sugestão de nosso

orientador, estávamos pensando em criar um espaço virtual para debater os

poemas que seriam trabalhados no experimento. Isso realmente aconteceu

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através de um blog29, onde postamos poemas, músicas, imagens, fotos, clips, e

outros elementos que atraíssem os jovens a um intercâmbio virtual.

Mas a parte fundamental dessa página era o fato dos alunos terem um

local para expor suas vozes, seus valores, suas opiniões. Em momento

posterior, no relato das aulas após a aplicação do questionário, faremos

referência maior ao blog, trazendo sobretudo os diálogos virtuais estabelecidos

com a turma.

Pergunta 9

O que você tem achado das aulas de “Leitura e Interpretação”? Tem

alguma sugestão para essas aulas?

Esta pergunta foi introduzida no questionário por dois motivos principais:

primeiro para que soubéssemos como os alunos estavam recebendo as aulas

de literatura ministradas pela professora efetiva, o que poderia nos auxiliar no

planejamento do experimento; e segundo, para que a própria professora

pudesse ter uma visão de como os alunos estavam percebendo a sua prática.

E aqui, uma observação: cremos ser importante dar esse retorno aos

colaboradores da pesquisa, pois nenhum trabalho desse tipo se constitui como

atividade unilateral, mas como troca de saberes, experiências, informações,

que só desse modo podem gerar uma transformação das nossas práticas

pedagógicas.

Os números dessa pergunta foram os mais positivos de todos:

Sim = 30 Não responderam nada = 1

29 O endereço eletrônico do blog é: www.poesianoprimeiroano.zip.net

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Como se nota, quase todos os alunos, exceto um, que não deu resposta

alguma, afirmaram estar gostando das aulas de “Leitura e interpretação”, o que

aponta para um excelente trabalho desenvolvido pela professora efetiva.

Dentre as inúmeras respostas que poderiam ser trazidas aqui, selecionamos as

seguintes para comentar:

Eu tenho gostado é das leituras, e o que eu mais gostei que ela leu foi do conto da agulha, que muitas vezes a gente abri caminho para os outros e depois se esquecem do que fazemos por ela e nos dão as costas. (Is) A na verdade eu gosto, conferço que antigamente eu não gostava das aulas de literatura, mas depois eu vi que não é tão chato assim, mas era mas chato porque as vezes dava sono, e o que me chama mas atenção na aula de (nome da professora), é que apesar de eu não gostar de participar e de chamar a atenção, eu me animo e fico bem atenta no que os meus colegas de classe vão dizer, e eu acho legal, que isso vai me ajudando a entender as coisas. (Ma) Bom, tem sido ótimo pois eu tenho um pouco de dificuldade na interpretação e com essas aulas eu tenho me desenvolvido um pouco. (Si) Tenho achado ótimo, tenho aprendido a interagir com a aula, mais ainda tenho medo dessa partir, as vezes não sei como se expressar. Tomara que as aulas continuem assim. (En) Eu achei uma boa aula de leitura e interpretação mas eu gostaria mas ainda se fose uma aula fàcil (Wa)

O comentário de Is traz a referência ao conto “Um apólogo”, de Machado

de Assis, narrativa que foi lida e comentada apenas oralmente em sala de aula,

mas o suficiente para marcar de alguma forma a aluna. Ela consegue fazer

uma associação entre a história dos personagens e sua própria vida, quando

lembra que nem sempre se é reconhecido pelo que se faz pelos outros. A

colocação de Is sinaliza para o modo singular de percepção de cada leitor; a

aluna procurou em sua própria história alguma correlação com aquela fábula, e

foi justamente isso que a fez prontamente lembrar do conto machadiano.

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Já o depoimento de Ma é significativo porque revela uma mudança de

perspectiva em relação às aulas de “Leitura e interpretação”: a aluna é

bastante sincera ao admitir que, no início, aquelas aulas eram chatas e davam

sono, o que deve apontar para uma possível resistência à maneira diferente

como a professora efetiva trabalhava, privilegiando a convivência com o texto

literário e a voz do aluno leitor. Porém, o sentimento de Ma agora era de

animação, o contrário do sono e da apatia, pois mesmo sem participar

oralmente das aulas, ela estava atenta a participação de seus colegas para

aprender com eles: “isso vai me ajudando a entender as coisas.”

É interessante ver que, além de Ma, outros alunos conseguiram

enxergar em si mesmos algum crescimento nas aulas, como se estivessem

fazendo um auto-exame. O mais significativo é perceber que esse “olhar para

si” não era diretamente exigido pela questão, que propunha olhar para as aulas

de “Leitura e interpretação” e fazer algum juízo de valor sobre elas.

Consideramos bastante positiva essa atitude de ir além do que está

proposto, o que pode ser visto nos depoimentos de Si e En. A primeira aluna

percebe-se como alguém que possui um nível de dificuldade na interpretação

de textos, mas que já tem demonstrado algum desenvolvimento por meio das

aulas. Já a aluna En diz estar aprendendo a interagir com as aulas, mas por

outro lado demonstra receio em não saber se expressar no ambiente de sala

de aula.

A preocupação de En, que também está “embutida” na resposta de Ma,

foi percebida ainda no depoimento do aluno Wa: “Eu achei uma boa aula de

leitura e interpretação mas eu gostaria mas ainda se fose uma aula fácil”. Ao

mostrar-se saudoso das aulas fáceis, Wa deve recordar-se daquelas aulas de

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literatura pouco desafiadoras, talvez concretizadas em uma única e mesma

metodologia – a leitura do texto proposto pelo livro didático e o seu posterior

exercício.

A dificuldade do aluno é bastante compreensível, pois as “novas” aulas

de “Leitura e interpretação” se constroem por uma via de mão-dupla, à primeira

vista bem desconfortável: o texto que desafia o leitor; o leitor que desafia o

texto. A esse respeito vale lembrar dos chamados “vazios” do texto, ou seja,

aqueles espaços de indeterminação deixados propositadamente pelo autor, e

que exigem a ativação da criatividade do leitor na construção da interpretação

(JOUVE, 2002). Se por um lado lidar com tais “vazios” não parecia estar sendo

fácil para Wa, por outro ele estava tendo a oportunidade ímpar de assumir a

sua dimensão ativa na relação autor-texto-leitor.

Em aulas assim não é suficiente que os ouvidos do alunado estejam

prontos a ouvir; é preciso que suas vozes estejam dispostas a ecoar, seja para

concordar, seja para discordar, contanto que possam ser mais do que alunos

robôs. E embora seja redundante, sempre vale dizer que queremos mais que

alunos em nossas aulas de literatura; queremos leitores.

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PARTE II

O EXPERIMENTO

1. MÓDULO I (29/04/09)

Para esse módulo I, que aconteceu uma semana após a aplicação do

questionário, havíamos planejado duas ações principais: na primeira aula do

dia, o objetivo era conversar sobre alguns dados do questionário que nos

haviam chamado especial atenção; e na segunda aula, trabalhar com o

primeiro ano dois poemas de amor, “Bilhete”, de Mário Quintana e “Cartas de

amor”, de Fernando Pessoa. Para se ter uma ideia mais clara do que foi o

planejamento, ver anexo 3.

1.1. Conversa sobre os gostos de leitura

Como relatamos, nós havíamos compartilhado os dados do questionário

com a professora efetiva, e, assim como nós, ela se mostrara um tanto

surpresa com os números coletados na pergunta 1, a saber: “Você lê com

frequência? Que tipo de livro?”.

Apenas a título de rememoração, vale dizer que os dados apontaram a

seguinte ordem decrescente de tipos de leitura: Histórias em quadrinhos = 14;

Livros de Poemas = 12; Histórias (romances, novelas, etc.) = 6; Outros = 6;

Folhetos de cordel = 5; Não marcaram nada = 3.

Por sugestão da professora colaboradora, decidimos, então, sondar

mais acerca dos gostos de leitura dos alunos. Para isso, no dia anterior à

nossa primeira aula propriamente dita, a professora efetiva pediria para que a

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turma levasse para a sala de aula os livros de sua preferência, ou seja, aqueles

que cada um costumava ler – se não tivessem os livros em casa, poderiam

pegá-los na biblioteca. Assim ela o fez, e, para estimulá-los mais, garantiu até

algum ponto de participação para os que cumprissem a “atividade”.

No outro dia, chegamos à escola para efetivamente iniciar o experimento

de poesia na turma do primeiro ano. Estávamos mais tranquilos do que no dia

do questionário; ao que parecia, aquela barreira inicial havia sido rompida.

Apesar da professora efetiva estar todo o tempo presente nas aulas

deste dia, ela nos dera a liberdade de adentrarmos na sala de aula já como

professores, enquanto que, agora, ela seria a observadora. A relação de

cumplicidade que se desenvolvia entre nós baseava-se em dois elementos

fundamentais: a nossa vontade mútua de fazer a escola ter sentido para os

alunos; o desejo de trocarmos experiências: ela colaborava conosco com sua

prática pedagógica mais experiente, com a sua familiaridade com a área da

Língua, e colaborávamos especialmente com a vivência com a Literatura.

Começamos a aula avisando aos alunos que os nossos encontros

seriam gravados em áudio, pois assim teríamos um registro fiel de todo o

trabalho que seria realizado. Comunicamos ainda que a identidade deles seria

preservada, e que, portanto, não precisariam ficar tímidos ou constrangidos

com aquela situação; queríamos que eles fossem autênticos. É claro que a

turma ficou a princípio meio desconfiada, mas com o passar do tempo, foram

até esquecendo a gravação. Nos últimos dias de experimento, os alunos é que

nos lembravam de colocar o gravador em ação.

Após essa introdução, falamos que havíamos lido os questionários

respondidos na semana anterior, e que naquela aula conversaríamos um

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pouco sobre alguns dados coletados ali. Relembramos, então, a pergunta 1, e

escrevemos no quadro as quatro opções de respostas – a opção “outros”

deixamos para comentar no final.

Perguntamos à turma qual teria sido a opção campeã, e a maioria

acertou ao responder as “histórias em quadrinhos”. Quando questionados

acerca da segunda opção mais assinalada por eles, disseram que tinham sido

as “histórias”, alternativa que incluía os romances e as novelas.

Ao ouvirem que essa resposta não correspondia aos dados, e que na

verdade o segundo lugar estava com os “livros de poemas”, notamos que,

como nós, eles também ficaram surpresos. Podíamos sentir que havia um

ambiente de empolgação na sala de aula, pois os alunos estavam instigados a

conhecerem melhor uns aos outros, e se sentiam em uma espécie de jogo,

desafio.

Agora, só restavam duas opções, e a turma conseguiu acertar a ordem

decrescente dos dados: as “histórias” primeiro, e os “folhetos de cordel”,

depois. No quadro, colocamos os números correspondentes a cada opção,

para que tivessem clareza do que estávamos discutindo.

Foi aí, então, que afunilamos a conversa oral sobre os gêneros.

Perguntamos se eles haviam trazido os materiais de leitura de que gostavam,

os quais tinham sido solicitados pela professora efetiva na aula anterior.

Mesmo com a estratégia de pontos de participação para a turma, e mesmo

escrevendo no quadro o aviso, como nos contou a professora, poucos alunos

levaram os materiais. Ainda assim, foi possível trabalhar com o que tínhamos

ali, como veremos agora.

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Histórias em quadrinhos

Para iniciar uma conversa sobre a opção campeã, perguntamos quais

histórias em quadrinhos a turma costumava ler. Algumas meninas disseram “A

turma da Mônica” e os meninos citaram alguns nomes de histórias japonesas,

que trabalham muito com o suspense e o terror. Pedimos, então, para que os

rapazes viessem ao quadro escrever o nome de algumas delas, mas ficaram

meio acanhados, afirmando que não sabiam escrever esses nomes

estrangeiros.

Aproveitamos ainda a oportunidade para comentar um pouco sobre os

desenhos animados da atualidade, em sua grande maioria vindos do Japão

mesmo, bem diferentes dos desenhos animados de outras épocas30.

Por último, perguntamos por que a turma gostava das HQ, ou seja, o

que atraía tanto nelas. Muitos responderam gostar das imagens que traziam, e

também do fato de serem engraçadas – essas informações iam sendo

anotadas no quadro.

Infelizmente, nenhum aluno levou alguma história em quadrinhos para

mostrar, o que nos impediu de comentar mais sobre elas.

Histórias

Se fosse para seguir a ordem das preferências dos alunos, deveríamos

comentar depois das HQ, os livros de poemas. Porém, no nosso planejamento

havíamos pensado em deixar a poesia para o final, e assim ter o gancho para

iniciar o trabalho com o poema “Bilhete”, de Mário Quintana, na segunda aula

do mesmo dia. 30 Apenas a título de conhecimento, uma pesquisa no site da Rede Globo (www.globo.com) revelou-nos os nomes de alguns desenhos animados japoneses da atualidade: Dragon Ball z, Yu Gi Oh, Kamen Rider e Digimon.

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Fomos então para as histórias, perguntando quais eles já tinham lido,

para que pudéssemos anotar no quadro. Um aluno citou e inclusive mostrou o

romance O caçador de pipas, best-seller do autor Khaled Hosseini, publicado

em 2003. Solicitamos que o leitor contasse a história e ele prontamente o fez.

Esse aluno era Ni, que viria a ser um dos mais participantes das aulas e do

blog, um leitor formado desde o berço.

Além do best-seller, houve citação do romance Dom Casmurro, de

Machado de Assis, ao mesmo tempo em que alguns afirmaram ter assistido na

TV a uma recente adaptação do livro, realizada pela Rede Globo. Ainda foram

citados os clássicos Branca de Neve e os sete anões, Pinóquio e Romeu e

Julieta, os quais continuam sendo lidos, perpassados de geração em geração,

ressignificados.

Folhetos de Cordel

Quando fomos comentar acerca dos cordéis, que inclusive tinha sido o

tipo de leitura menos assinalada pelos alunos, sentimos uma grande

resistência da turma. Ouvimos na sala de aula expressões do tipo “É chato

demais”, mas mesmo assim perguntamos se haviam trazido algum folheto de

cordel para mostrar. O aluno An mostrou então a narrativa Seu Lunga, que

tomamos nas mãos e mostramos para que todos pudessem ver como era um

cordel.

Devolvemos o folheto ao leitor, e solicitamos que nos contasse a

história, caso se sentisse à vontade para fazê-lo. Ele disse que Seu Lunga era

um senhor muito mal humorado, que dava “patada” em todo mundo – a turma

riu quando ouviu isso.

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An era um aluno calado, não gostava muito de falar nas aulas, por isso

pedimos novamente o cordel e lemos oralmente as três primeiras estrofes, para

que a turma pudesse “sentir” o ritmo acelerado da leitura, e um pouco do

humor. Eles ficaram bem atentos nesse momento.

Depois questionamos por que alguns tinham marcado os folhetos de

cordéis como opção de preferência, e apenas o mesmo An animou-se a falar:

ele gostava do gênero por causa do humor e das rimas.

A participação da turma do primeiro ano foi tão inexpressiva quando

conversamos acerca do cordel que nos incitamos a investigar o motivo. Foi aí,

então, que veio uma luz: o aluno Je disse que no ano anterior, ou seja, no nono

ano do ensino fundamental, eles haviam trabalhado com folhetos de cordel.

Procuramos apreender mais informações a respeito, e o aluno Ty

complementou dizendo que a professora31 da turma os havia “obrigado” (foi

esse o termo do aluno) a fazer um cordel, e “isso era chato demais”.

Com esse comentário de Ty, outros alunos se sentiram motivados a

falar, demonstrando também aversão à atividade e aos cordéis. Aproveitamos

para falar à turma acerca da diferença entre leitura e escritura de cordel,

explicando que todos podiam ler cordéis, mas que elaborá-los era uma outra

história, que exigia um trabalho específico.

O aluno Ty, que parecia ser o mais traumatizado com a atividade

solicitada pela professora, disse que era difícil elaborar um folheto de cordel

por causa da “estrutura toda igualzinha” – ele se referia às sílabas métricas,

que tinham que ser iguais para garantir a sonoridade poética desejada.

31 Só para deixar claro, essa professora do nono ano não era a professora colaboradora da nossa pesquisa.

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A essa altura entendíamos por que os folhetos haviam sido tão

minimamente assinalados pelos alunos do primeiro ano. Compreendíamos

também que, antes de julgarmos por que o nosso aluno entende algo de

determinada forma, devemos investigar o porquê, pois ninguém gosta ou deixa

de gostar sem razão alguma. Finalmente tínhamos a confirmação: um trabalho,

dependendo de como é realizado, pode levar ao gosto, ou ao desgosto literário,

pode afastar ou aproximar o aluno da literatura. Eram depoimentos como esses

que não queríamos construir naqueles alunos.

Livros de poemas

Finalmente chegamos ao ponto de comentar os livros de poemas, que

tinham sido a segunda opção mais assinalada pela turma. A aluna Ru havia

trazido o livro Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles, que fazia parte da coleção

Meus primeiros versos – ela o pegara emprestado na biblioteca.

Pedimos para ver o livro e mostramos para os alunos a capa, alguns

poemas, bem como algumas ilustrações. Aproveitamos para ler em voz alta o

primeiro poema do livro: “Colar de Carolina”. Eles fizeram silêncio e ouviram

atentos. Quando terminamos a leitura, a aluna Ed soltou espontaneamente a

seguinte frase: “Eita, chega dá agonia!”. O aluno Ty complementou: “Parece

um trava-língua...”.

Quando questionada sobre a razão da agonia que sentiu, Ed

prontamente respondeu que era por que os sons se repetiam muito. Apesar da

reação aparentemente negativa32 dos dois alunos, suas colocações eram bem

32 A reação negativa dos leitores faz-nos refletir que um ensino de poesia tradicional, pautado nos recursos formais do poema, não tende mesmo a lograr êxito, a não ser que tais recursos estejam associados aos sentidos do poema, ou seja, o conteúdo ligado à expressão (Hjelmslev), ou o significante aliado ao significado, para lembrar o célebre Saussure.

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significativas: eles haviam percebido a sonoridade construída pelas inúmeras

aliterações/assonâncias do poema, que tinha mesmo o “trava língua” como um

de seus recursos de construção.

É importante lembrar a seguinte informação: a turma do primeiro ano

vinha experimentando um trabalho oral de leitura literária com a professora

efetiva, já que não estava sendo possível imprimir os materiais para os alunos.

Essa situação, que por um lado era complicada, por outro favorecia o

desenvolvimento do “ouvido” dos leitores.

No momento seguinte à leitura de “Colar de Carolina”, perguntamos

acerca de outros poemas que já tinham lido, mas eles não souberam, ou não

quiseram, responder. Era intrigante: por que eles haviam assinalado tantas

vezes os livros de poemas no questionário, e agora se calavam acerca deles?

Essa era uma resposta que ainda não tínhamos, porém, mais uma vez íamos

sendo levados a pensar sobre a diferença entre leitura de poemas e

experiência com poemas.

Consideramos a discussão sobre as preferências dos gostos de leitura

dos alunos um momento ímpar dentro do experimento, muito mais proveitoso

do que poderíamos supor. Visivelmente os leitores da turma tinham estado à

vontade naquela aula, porque não estavam falando de terceiros, mas deles

mesmos. A estratégia estava funcionando como firme pilar para o início do

trabalho com a poesia, que aconteceria dali há pouco.

1.2. O contato com a poesia: “Bilhete”, de Mário Quintana

Iniciamos a aula que ocorreu após o intervalo afirmando o quanto aquele

primeiro momento de discussão sobre os gostos de leitura tinha sido

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importante. Então, anunciamos que ali se iniciava um outro momento, em que

receberiam duas coisas: primeiro, um bilhete, e depois uma carta – até então

achávamos que naquela aula daria tempo de trabalhar os dois poemas que

havíamos planejado: “Bilhete”, de Mário Quintana e “Cartas de amor”, de

Fernando Pessoa.

Para começar o trabalho com o poema de Quintana (ver anexo 4),

perguntamos se os alunos já haviam escrito ou recebido um bilhete de alguém.

A aluna Sa disse que já tinha recebido sim, mas que não podia comentar.

Diante disso, a turma fez um ruído de “hum...”, insinuando que provavelmente o

bilhete era de amor.

Procuramos instigá-los mais a falar: “Quem mais já fez ou recebeu um

bilhete e quer contar para gente?” Vieram outras respostas. El disse que sua

mãe costumava deixar-lhe algum bilhete com as recomendações domésticas

do dia, do tipo “Varra a casa e faça o almoço”. Na, por sua vez, disse que

costumava escrever bilhetes para as amigas, dizendo algo como “Hoje passo

na tua casa”. E Ni lembrou que há quem escreva bilhete para o colega na hora

da aula, em vez de falar oralmente alguma informação. Isso causou um riso na

turma, e em nós também, já que ali havia duas professoras presentes.

Ainda nessa conversa inicial sobre bilhetes (é bom lembrar que até esse

momento eles não tinham recebido o poema), o aluno Ty disse que eram as

meninas quem costumavam escrever bilhetinhos, porque colocavam “essas

besteiras de amor”. Foi uma ótima oportunidade para questionarmos: “Mas os

meninos não escrevem bilhetes não?” A turma ficou na dúvida, e então alguns

rapazes responderam positivamente. O aluno We confirmou até que já tinha

escrito um.

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Após essa discussão, mostramos aos alunos os bilhetes que

receberiam: eles eram bem coloridos, estavam enrolados com fita e se

encontravam dentro de uma caixa redonda de papelão com tecido – no blog há

uma foto dessa caixa. A turma ficou entusiasmada e curiosa ao ver os bilhetes,

principalmente quando dissemos que teriam direito de escolher a cor.

Depois da entrega a cada aluno, avisamos que eles poderiam abrir e

fazer uma leitura silenciosa do bilhete; enquanto isso, nós os observávamos

atentamente. É difícil descrever o que vimos, mas nitidamente havia uma

expectativa positiva naqueles jovens leitores. Uns leram o poema rápido, outros

demoradamente. Ouvimos um primeiro suspiro de uma aluna dizendo

“Maravilhoso!”, e depois um leitor dizendo “Fantástico!”. Existiram também

alguns meninos que “torceram a cara”, como se achassem aquilo muito

meloso. Mas a maioria ficou mesmo com os olhos brilhando naqueles dez

segundos de leitura em silêncio.

Fizemos, então, uma leitura oral expressiva33 do poema “Bilhete”, que

poderia ser acompanhada no papel, ou apenas ouvida por eles. Depois dessa

leitura, os suspiros voltaram a acontecer, especialmente por parte das alunas.

Para engatar uma conversa, perguntamos de que o poema tratava, e

unanimemente disseram que era um texto “de amor”. Em seguida, lemos

novamente o poema, e, verso a verso, fomos fazendo alguns questionamentos,

no intuito de instigá-los a falar: “O eu lírico... é assim que se chama a voz que

fala no poema... escreve esse poema para quem?”. Como ficaram calados,

33 “A poesia tem no ritmo uma de suas grandes cartadas para nos fisgar. Alfredo Bosi (2003) lembra que se o leitor conseguir dar, em voz alta, o tom justo ao poema, ele já terá feito uma boa interpretação, isto é, uma leitura ‘afinada’ com o espírito do texto. Esta leitura afinada pressupõe repetidas leituras em que se deverá tentar inflexões as mais diversas de palavras, frases, do poema como um todo” (PINHEIRO, 2008, p. 24).

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resolvemos complementar a questão: “Quem escreve o bilhete é um eu lírico

masculino ou feminino, dá para saber?”.

O aluno Ni observou um detalhe significativo: que no verso 7 o eu se

dirigia à sua “Amada”, e, que portanto, só poderia ser um homem se

expressando ali. E complementou: “Só se ele for gay, porque tem a palavra

‘Amada’ aqui”. A turma riu. Com a boa argumentação do leitor, derrubaram-se

as possíveis especulações que estavam se formando na turma acerca de um

eu lírico feminino.

Munidos da idéia de um eu lírico masculino, continuamos a perguntar

sobre o texto, sempre relendo os versos: “Se tu me amas, ama-me baixinho /

Não o grites de cima dos telhados” (vs. 1 e 2). Questionamos, então, se

existiam modos diferentes de amar; o que seria, por exemplo, esse “amar

baixinho” do qual o eu lírico falava? Alguns leitores se manifestaram dizendo

que seria um amor “escondido, sem ninguém saber”. Aproveitamos para

perguntar também sobre um modo de “amar altinho”, que não era referido no

poema, mas que poderia ser imaginado. Seguindo o mesmo raciocínio,

afirmaram que seria “uma coisa que todo mundo ia saber”. De fato, como nos

ensina Hélder Pinheiro, o poema se filia ao “topos do carpe diem”,

especialmente no sentido de uma mensagem de amor que “recusa a

estandardização”, porque prefere ser “sussurro ao pé do ouvido” (PINHEIRO,

2007, p. 91).

É significativo atentar ainda para outro detalhe: no início do poema

aparece o elemento condicional “se”, que coloca o “amar baixinho” como a

própria “prova” ou manifestação do sentimento amor. É como se o sujeito

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dissesse: “Bem, eu não sei se tu me amas, porém, se me amas mesmo, ama-

me baixinho”.

Nos quatro versos finais do poema, o “se” também está presente, mas

agora em estrutura oracional diversa, embora a ideia de “amor baixinho” de

certa forma permaneça: “Se me queres, / enfim, / tem de ser bem devagarinho,

Amada, / que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...”.

A condição do “querer bem devagarinho” confronta-se antiteticamente

com a afirmação categórica de que vida e amor são breves, e esse “mais breve

ainda”. Ora, era que se esperar que tal brevidade exigisse um amor “bem

rápido”, “apressado”, “dinâmico”, até como maneira de compensar o ritmo

acelerado da existência. Mas não: a compensação, para utilizar o mesmo

termo, parece vir justamente da experimentação de um amor sussurrado,

calmo, demorado, vivido instante a instante, dia a dia, beijo a beijo. O

remetente do “Bilhete”, que à primeira vista não parece exigir grande coisa,

procura na verdade um tipo de amar e querer bastante raros (“baixinho” e

“devagarinho”, respectivamente), que são as duas condições exigidas para a

permanência da relação amorosa.

Voltando ao relato da aula, um dos mais significativos momentos

aconteceu quando comentávamos dois versos centrais do poema: “Deixa em

paz os passarinhos / Deixa em paz a mim!” (vs. 3 e 4). Os questionamentos

que lançamos aos jovens leitores dessa vez foram os seguintes: “Por que será

que o eu lírico está dizendo ‘deixa em paz a mim’ para a sua amada? Será que

ele ama mesmo essa mulher?”. Foi aí que a aluna La, uma das mais divertidas

da sala, se posicionou afirmando meio em tom de brincadeira que essa mulher

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para quem o eu lírico escrevia era a sua amante, por isso ele falava sobre esse

“amar baixinho”, “sem ninguém saber”.

Fomos surpreendidos pela colocação da leitora, pois já havíamos lido

inúmeras vezes o poema de Quintana, mas nunca sob essa perspectiva.

Imaginávamos sempre um amor entre um homem e uma mulher, mas desde

que fossem namorados, ou casados, não amantes. O modo de ver de La

confrontava nossos próprios valores morais e religiosos, o que era uma

divergência com nós mesmos. As vivências pessoais e códigos coletivos da

leitora estavam sendo acionados para dar vida ao poema e dialogar com ele

(ZILBERMAN, 1989, p. 65).

Meio sem ter o que dizer, lembramos a aluna da necessidade de

comprovarmos as nossas hipóteses de interpretação por meio do próprio texto

literário – sinceramente, queríamos ganhar tempo para ver como sairíamos

daquela situação. Ela teria como provar que a mulher era a amante do sujeito?

A leitora manteve-se na argumentação da súplica do eu lírico por um “amor

baixinho”; nas palavras de La, aquilo era “um negócio escondido”.

Tentamos persuadi-la da nossa interpretação (a idéia de professor como

centro da aula de literatura falou mais alto) ao lembrar que o eu lírico chamava

a sua interlocutora de “amada”. Será que ele chamaria sua amante assim? A

turma ficou pensativa, mas não se manifestou. Logicamente nosso contra-

argumento não fora suficiente para fazer La mudar de idéia, e nem mesmo o

poderia. Deixamos a questão em aberto, dizendo que todos precisávamos

pensar mais, conviver mais com o texto para poder afirmar alguma coisa a

respeito. Na verdade estávamos receosos de seguir em frente, porque aquela

leitura era um tanto inesperada para nós.

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Do lugar de agora, é nítido que deveríamos ter considerado melhor a

resposta da leitora, deixando de lado os nossos preconceitos e encaminhando-

a a um aprofundamento de sua própria leitura, que geraria um crescimento na

interpretação de toda a turma. Afinal, de fato, aquele “personagem” poderia sim

estar se dirigindo à sua amante, bem como à sua namorada ou esposa. O foco

do poema era a relação de amor estabelecida entre homem e mulher, e o

sentimento do eu lírico que colocava a condição do “amor ao pé do ouvido”

para a continuidade do relacionamento.

1.3. No blog...

A polêmica que deixamos “morrer” na sala de aula sobreviveu no blog.

Como dissemos, havíamos criado esse espaço virtual especialmente para a

turma do primeiro ano, com o foco de debatermos os poemas. O blog já estava

organizado com os primeiros poemas e imagens duas semanas antes do

experimento começar, mas só avisamos aos alunos da sua existência no dia

dessa aula. Escrevemos no quadro o endereço eletrônico

www.poesianoprimeiroano.zip.net e convidamos toda a turma, e a professora

colaboradora, para participar.

Essa parte do blog estava organizada assim: vinha primeiro o texto de

Mário Quintana, e logo abaixo a pergunta: “E aí galera, o que acharam do

poema “Bilhete”?34 O texto foi o recorde de comentários do blog. Abaixo

trazemos os diálogos que se estabeleceram por conta da polêmica leitura da

aluna La. Tudo começou com um comentário feito pela professora

34 Os textos foram retirados do blog do modo como estão lá, ainda que estejam em desacordo com a variedade padrão da língua portuguesa.

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colaboradora, que também questionou, assim como nós, a perspectiva da

leitora:

[Professora colaboradora] Simm... Não poderia deixar de comentar a hipótese de La... O eu-lírico do poema Bilhete seria uma Amante??!!rsrs Foi uma hipótese interessante para se discutir, mas a gente pode provar isso no texto??? Isso foi uma acusação, viu?!rsrs Como você prova essa acusação ao eu-lírico, Hein, La?? Beijo pra vc, e espero resposta, viu?! 30/04/2009 09:22

Como éramos os mediadores do blog, abaixo do texto da professora

efetiva postamos um comentário35 que provocasse as colocações dos alunos, e

também de La. Dessa vez fomos mais cautelosos, admitindo a possibilidade da

hipótese dos amantes, mas deixando clara a necessidade de argumentação

consistente:

Eita, essa parte foi polêmica mesmo... =)Será que a gente pode afirmar com certeza que o eu lírico tá falando pra sua amante? Por outro lado, não haveria possibilidade de ser mesmo uma amante? Comentem, turma! Vcs todos têm direito de se expressar aqui! Vc tb, viu, La!

Ao ver esse diálogo, o aluno Ni quis dar sua opinião também. Para ele

não havia sustentação para a teoria de La, já que aquele “amar baixinho” se

tratava de um amor discreto, só entre os dois, e não de um amor escondido por

serem amantes:

[Ni] Acho que a teoria da amante ñ e comprovada no texto, na mina teoria o eu-lírico gosta da pessoa para quem ele manda o bilhete, só que ele quer um amor resevardo só entre os dois, por isso quando ele fala " ama-me baixinho" ele tem a intenção de dizer que ñ quer que todas as pessoas saibam que há uma relação de amor entre os dois 30/04/2009 21:56

35 Os nossos comentários virtuais aparecerão sempre em negrito, para diferenciação dos demais.

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Finalmente, alguns dias depois da positiva provocação no blog, La

sentiu-se à vontade para responder alguma coisa acerca da polêmica. Eis a

sua resposta à professora colaboradora:

[La :)] oiiiiiii PROF. AI TA A RESPOSTA NO MOMENTO EM QUE ELE PEDIU PRA ELA DEIXAR O EM PAZ Q A VIDA É BREVE E O AMOR MAIS BREVE AINDA ,EU ENTEDIR Q É UM AMOR PROIBIDO COMO ELA FOSSE SUA AMANTE E NO FUTURO TALVEZ ELES REALMENTE FICASSEM JUNTOS E ASSUMISSE ESSE AMOR PRA TODOS... BJINHOS.... S2 07/05/2009 19:33

Como se pode ver, a resposta da leitora foi bem consistente. O mais

significativo é saber que La sentiu-se motivada a reler o poema, na tentativa de

achar ali as “pistas” para a sua argumentação. No seu modo de leitura,

influenciado diretamente por seus valores e cultura, a relação amorosa do

poema “Bilhete” era um amor proibido, mas nem por isso menos digno do que

os outros amores. Interessante também é notar a ousadia da aluna, que em um

universo de cerca de trinta alunos, foi a única que defendeu essa ideia, e o fez

com veemência.

À professora efetiva restou apenas modalizar sua colocação, já que La a

convencera de outra possibilidade de leitura, assim como tinha acontecido

conosco:

[Professora colaboradora] Oi La...analisando por esse lado, faz sentido, mesmo...Vc até prova com partes do texto...Mas será que qndo lemos o todo do poema ainda fica essa impressão?? è só pra vc pensar... Essa sua justificativa é realmente interessante!! Bjo, La...e até mais.. 08/05/2009 09:26

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De “detentoras do saber”, passávamos à posição de “aprendizes dos

alunos”; ao ouvir a voz dos jovens leitores, estávamos crescendo, e não

diminuindo: “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus

sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de

objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina

ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23).

1.4. Reflexão sobre a aula

A aula com o poema “Bilhete” era a primeira que ministrávamos

procurando seguir uma metodologia diferente, porque privilegiava o leitor como

centro do trabalho com a literatura. Para se ter uma ideia, em todas as outras

aulas de poesia que havíamos ministrado até aquele momento, costumávamos

levar uma folha contendo inúmeras anotações no poema a ser trabalhado,

como se a análise estivesse ali pronta para ser repassada para os alunos –

alunos mesmo, e não leitores.

Na turma do primeiro ano, porém, impomos a nós mesmos o desafio de

levar a folha contendo apenas o poema, para não cair na tentação de “jogar”

para os alunos as metáforas, as assonâncias, as rimas, a metrificação, sem

que existisse uma ligação entre esses recursos estilísticos e a interpretação do

texto poético.

Nessa nova perspectiva de trabalho, a leitura solitária, de investigação

do texto, continua sendo indispensável ao professor, não no sentido de achar

uma interpretação a ser imposta ao alunado, mas de ter, anteriormente, a sua

própria experiência com o texto. Afinal, o professor dificilmente conseguirá que

seus alunos se tornem leitores literários, se ele mesmo não o for primeiro.

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O fato é que as leituras sobre a Estética da Recepção e as reflexões

sobre o ensino de literatura abriam os nossos sentidos e nos faziam

experimentar uma nova ordem de ações: estávamos “falando menos” e

“ouvindo mais”, e a aula com “Bilhete” era uma amostra de como esse método

funcionava melhor que o outro.

Entendíamos pouco a pouco que a nossa magna função como

professores de literatura era mediar o contato dos alunos leitores com o texto;

se estivéssemos lidando com cinema, diríamos que eles seriam os

protagonistas, e nós, os diretores. Ficaríamos nos bastidores, e eles, em

holofotes.

2. MÓDULO II (06/05/09)

Para esse módulo, havíamos planejado três ações principais (ver anexo

3): conversar sobre o blog; continuar propiciando aos alunos a convivência com

a poesia lírico-amorosa, desta feita através do poema “Cartas de amor”, de

Fernando Pessoa; iniciar o trabalho de convivência com a poesia

metalinguística, o foco central do experimento, por meio do “Poema obsceno”,

de Ferreira Gullar.

2.1. Depois do bilhete, a carta

Desde a aula anterior, em que havíamos trabalhado o poema “Bilhete”,

de Mário Quintana, a turma do primeiro ano estava ansiosa para ler a carta que

entregaríamos em um envelope. Como o intervalo entre as aulas ministradas

era de uma semana, aproveitamos o espaço do blog para criar um ambiente de

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expectativa acerca do que poderia haver dentro dos envelopes. Assim,

colocamos uma foto das cartas e os seguintes dizeres abaixo:

Galerinha, tá chegando o dia da carta hein?! É quarta-feira... Alguém imagina o q é que tem dentro dela? Tentem adivinhar!!!

Os alunos Ni e Ar, os que mais comentavam no blog, fizeram suas

apostas: o primeiro estava esperando que as cartas contivessem “algo ligado a

romance”, assim como tinha acontecido com os bilhetes, pois esse seria o

tema que chamaria a atenção da turma. Já o outro aluno demonstrou o desejo

de que as cartas contivessem algo “bem dramático”, o que se encaixaria com a

sua maneira de ser – Ar era um aluno de estilo gótico, que se vestia de roupa

preta e adorava ler gibis com histórias de suspense e terror. Vejamos o diálogo

virtual estabelecido entre eles:

[ni] (...) espero o conteudo na carta esteja ligado a romance, pois esse tema sempre chama atenção da sala, especialmente as meninas da sala 02/05/2009 19:55 [ar] poxa esse ni é viciado num romance, vamos mudar espero q venha um conteúdo bem dramático!!! 05/05/2009 07:21 [ni] ñ vou negar q gosto de romance é meu gênero literário favorito msm, mas se haver um conteudo em q haja drama tbm gostarei pois gosto de histórias tristes tbm 05/05/2009 21:16

Alguns dias depois, chegamos à turma do primeiro ano com as tão

esperadas cartas. Como os dois leitores haviam dado suas opiniões no blog,

aproveitamos para iniciar o trabalho com as “Cartas de amor” (ver anexo 4) a

partir daí, indagando se alguém tinha uma opinião diferente. A turma preferiu

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não se posicionar, dizendo apenas que dentro dos envelopes deveria haver um

poema.

Entregamos as cartas avisando que as mantivessem fechadas até que

todos estivessem com o material em mãos. Dissemos então que podiam ler

silenciosamente, e, como era de costume, ficamos observando a reação deles.

Os alunos demoraram a ler o texto, tanto porque era maior que “Bilhete”,

quanto porque lhes pareceu mais obscuro. Quando iam terminando a leitura,

diziam expressões do tipo “Não entendi foi nada...”, “Nãaao....”; “Só tem

ridículo, ridículo...”. Em contrapartida, o aluno Je interrompeu por alguns

instantes a leitura, olhou para nós e disse: “Tô gostando!” Ao final, falou com

empolgação: “Massa!”.

Percebemos, pois, que boa parte dos meninos teve uma boa impressão

do poema, parecendo se identificar com a proposta do eu lírico. Significativo é

pensar que, em “Bilhete”, a reação foi inversa: ao que parece, as meninas se

identificaram muito mais com o poema de Quintana.

Depois desse momento fundamental de captar a reação dos alunos,

dissemos à turma que, se o poema parecia difícil, nós iríamos compreendê-lo

juntos. O leitor Je, aquele que tinha exclamado “Massa!”, aproveitou para dizer

que só não tinha entendido a última parte do texto, a que falava de “esdrúxula”,

e foi logo nos perguntando acerca do significado da palavra. Dissemos que ele

deveria esperar um pouco, e que no momento certo descobriríamos o sentido

do vocábulo no poema.

As reações negativas da turma do primeiro ano às “Cartas de amor” nos

surpreenderam um pouco; até achávamos que eles ficariam meio perplexos

com a primeira leitura do poema, principalmente depois de tanta expectativa

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em torno dos envelopes, mas, por se tratar ainda do tema “amor”,

imaginávamos que a recepção seria outra.

Mas as alunas da sala tinham razão: o poema de Fernando Pessoa se

inscrevia em uma perspectiva amorosa bem diferente do poema de Quintana.

Enquanto “Bilhete” trazia a doce voz do eu lírico pleiteando o “amor baixinho”

de sua amada, o eu lírico da carta vinha com uma voz de desdém em relação

aos escritos de amor, que eram, pelo menos à primeira vista, “naturalmente

ridículos”.

Aquela situação de resistência das alunas e de alguns poucos alunos

nos “desbaratou” um pouco, pois era muito mais cômodo trabalhar com leitores

“abertos” ao poema. Sentimos uma espécie de peso: será que eles

participariam da aula, ou teríamos de fazer a interpretação sozinhos,

justamente a atitude da qual desejávamos fugir?

Na continuidade da aula, realizamos uma leitura oral do poema,

procurando dar uma entoação que viesse a transmitir os sentimentos do eu

lírico de “Cartas de amor” (quais eram esses sentimentos, nós os

descobriríamos juntos). Isso parece ter ajudado, pois alguns alunos já

começaram a perceber o tom de ironia do texto. E então, verso a verso, estrofe

a estrofe, fomos perguntando aos leitores as suas impressões, a fim de captar

o seu modo singular de leitura e compreensão do poema.

Ao debatermos o primeiro verso, “Todas as cartas de amor são

ridículas”, os leitores da turma discordaram da posição do eu lírico. Do alto dos

seus 16 anos, a maioria disse que o amor não era um sentimento ridículo, e

que, portanto, as cartas de amor também não o eram. A discordância da turma

era ótima, porque conduzia os leitores a caminhos adequados de interpretação;

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afinal, o próprio eu negaria adiante a sua primeira afirmação, dizendo que “as

cartas de amor, se há amor”, tinham “de ser ridículas” (vs. 5 e 6).

Outro momento significativo da aula aconteceu quando indagamos

acerca da idade do sujeito, ou seja, se existiam pistas no texto que

comprovavam se tratar de alguém jovem ou velho. Eles releram

silenciosamente os versos por algum tempo e então um primeiro aluno afirmou:

“Ele é mais velho”. Ni concordou, e para argumentar, utilizou o verso 3 –

“Também escrevi em meu tempo cartas de amor” – que trazia na expressão

“meu tempo” uma sinalização para um momento passado.

No esteio da leitura de Ni, o leitor We citou os versos 11, 12 e 13, que

traziam uma ideia semelhante: “Quem me dera no tempo em que escrevia /

sem dar por isso / cartas de amor ridículas”. Por último, o aluno Je ratificou a

teoria dos meninos, utilizando os versos 15, 16 e 17: “As minhas memórias /

dessas cartas de amor / é que são ridículas”.

Essa interpretação coletiva era uma prática corrente em nossas aulas.

Os leitores mais participantes eram quase sempre esses três rapazes citados,

além de Ar, que também sentava à frente, e Ty, que sentava ao fundo da sala.

Quando íamos indagando sobre os poemas, eles se sentiam instigados a

responder, e geralmente iam acrescentando informações ao que os colegas

diziam, ou discordando uns dos outros, o que também era muito positivo.

Logicamente que queríamos a participação de todos os leitores, mas

respeitávamos o fato de que nem todos se sentiam à vontade para falar, para

expor oralmente a sua percepção sobre os textos.

Mas voltando à leitura dos alunos acerca da possível idade do eu lírico

de “Cartas de amor”, temos que dizer que a argumentação dos leitores deixou-

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nos satisfeitos. Para sermos sinceros, nem nós havíamos percebido que

existiam tantos versos que comprovavam a condição etária madura do sujeito,

e o tom até certo ponto memorial que perpassava o poema. Realmente, eles

estavam nos ensinando.

No avanço do trabalho com o texto de Pessoa, perguntando verso a

verso, relendo estrofes oralmente, pacientemente, foi possível à turma do

primeiro ano perceber o movimento de idas e vindas do eu lírico, que muda a

sua percepção a respeito do que é efetivamente ridículo.

Em relação a essa mudança de perspectiva, houve um momento da aula

que consideramos exemplar, o qual se deu quando o leitor Je fez uma aguçada

colocação: na sua leitura, o eu lírico começava dizendo que as cartas de amor

eram ridículas, depois que as criaturas que nunca escreveram essas cartas é

que eram ridículas, e então que as memórias dessas cartas é que eram

ridículas. Em outros termos, ele achara a principal chave do poema, ao

perceber que o eu lírico não compartilhava de uma visão ridícula acerca do

amor, como uma primeira leitura superficial parecia apontar. Ao final de tudo se

entendia que ridículo mesmo era não amar mais, e viver esse sentimento agora

apenas através das memórias.

Quando chegamos à parte final do poema, onde aparecia a expressão

“palavras esdrúxulas”, utilizamos a seguinte estratégia: pedimos para que

algum leitor se voluntariasse a tomar o dicionário (nós havíamos levado um),

procurar o significado do vocábulo e ler em voz alta para a turma. Assim, a

turma ficou sabendo que “esdrúxulo” nada mais era que “esquisito” ou

“excêntrico”, palavras bem conhecidas deles. Com essa informação, voltamos

então aos três versos finais do poema, a saber: “(Todas as palavras

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esdrúxulas, / como os sentimentos esdrúxulos, / são naturalmente ridículas)”.

Em conjunto, à guisa de conclusão, chegamos ao entendimento de que um

sentimento como o amor era, por sua própria natureza, ridículo, no sentido de

diferente mesmo, único e excêntrico. Um esdrúxulo que todo mundo um dia,

mais cedo ou mais tarde, iria experimentar.

2.2. Rápida reflexão

Ficamos satisfeitos com a aula sobre “Cartas de amor”, especialmente

porque ela tinha sido construída com os alunos, e não exposta a eles.

Felizmente havíamos aprendido algo com a situação anterior, que envolvia a

leitora La e sua “tese” acerca dos amantes de “Bilhete”. Agora estávamos mais

atentos às colocações dos alunos, não para aceitar tudo o que dissessem, mas

para ao menos dar-lhes a oportunidade de falar, mesmo que não fosse aquilo

que nós queríamos ouvir.

Embora os jovens leitores tivessem se mostrado mais abertos e

participativos ao trabalho com o poema de Quintana, o texto de Fernando

Pessoa dava-lhes a oportunidade de vivenciar uma outra experiência acerca do

amor, nem pior nem melhor, apenas diferente. Foi o que percebemos depois,

pelas colocações de alguns alunos no espaço virtual.

2.3. No blog...

Ainda no mesmo dia da aula, à noite, postamos o poema “Cartas de

amor” no blog, fazendo as seguintes perguntas:

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IMPORTANTE!!!!!!! Agora eu quero saber: todas as cartas de amor são mesmo ridículas? Seja qual for a resposta, tem que argumentar viu? Quem já escreveu ou recebeu uma carta de amor e quer compartilhar com a gente?

Os questionamentos que fizemos não foram respondidos pelos leitores;

eles preferiram comentar o poema a falar de suas experiências pessoais sobre

cartas de amor, o que para nós foi ainda mais significativo. Mais uma vez os

alunos que deram suas opiniões foram Ni e Ar. Primeiro trazemos todo o

diálogo virtual travado, e depois, a análise acerca dele:

[ni] cartas de amor, também é um poema muito bom, confesso que no começo é difícil de entendê-lo (e tive essa dificuldade tbm) mas depois de reler, das explicações e ajudas de Mabel ele ficou bem claro e quase foi melhor que poema obsceno36 que na minha opinião foi o melhor poema lido em sala de aula até hoje 07/05/2009 22:00 Aquela reação de estranhamento q vcs sentiram ao ler "Cartas de amor" pela primeira vez é bem normal. Vc notou que era isso mesmo que o eu lírico queria causar no leitor? O poema é muito bom, porque a gente começa achando uma coisa e termina achando outra... É meio que uma surpresa pra nós! [ar] tbm gostei afinal um poema sem aver alguma coisa estranha ñ tem graça, principalmente o primeiro verso q expressa bastante bem q uma carta de amor é uma coisa ridícula q agente só se dá conta depois... 11/05/2009 17:58 Realmente, diante do estranho temos uma curiosidade maior né? Aí o poema fica sendo uma espécie de desafio... Senti que vcs, principalmente os rapazes, gostaram muito de "Cartas de amor". O mais legal é que o eu lírico nos surpreende, lembra? Ele acha mesmo as cartas de amor tão ridículas quanto diz no primeiro verso? [ni] só respondendo a "deixa" no seu último comentário, não no final o autor ou o eu-lírico na verdade sente falta da sua adolescência ou do passado quando ele escrevia cartas de amor 12/05/2009 20:46

36 O “Poema obsceno”, de Ferreira Gullar, primeiro texto metalinguístico levado ao primeiro ano, foi trabalhado no mesmo dia de “Cartas de amor”, por isso a referência do aluno.

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Como se nota, o aluno Ni falou de sua dificuldade inicial de compreender

o texto de Fernando Pessoa, mas também sinalizou para uma compreensão

acerca dele, que adveio da releitura e debate em sala de aula. Na nossa

resposta ao leitor, aproveitamos para falar que aquela reação de

estranhamento experimentada pela turma era uma das sensações que o eu

lírico do poema queria causar em nós, e isso era um dos motivos que faziam o

texto tão intrigante.

Já o leitor Ar disse ter gostado do poema exatamente pelo fato de haver

alguma estranheza nele. Em outros termos, “Cartas de amor” tinha “graça”

porque fugia da previsibilidade e da mesmice, e não esqueçamos que Ar era

aquele sujeito gótico que achava uma bobagem as histórias melosas de amor.

Como se vê, ainda estávamos dentro do tema “amor”, mas focalizado sob uma

perspectiva bem diferente de “Bilhete”, que agradava a uns, e desagradava a

outros.

Na nossa resposta ao aluno Ar, dissemos que o poema de Pessoa

parecia uma espécie de “desafio” aos seus leitores. Não perdemos também a

oportunidade de lançar uma questão para os jovens leitores, cuja resposta nos

daria uma ideia de como teriam compreendido o poema em sua totalidade:

“Ele” (o eu lírico) “acha mesmo as cartas de amor tão ridículas quanto diz no

primeiro verso”?

Apenas o leitor Ni respondeu à nossa pergunta, e suas palavras

mostraram que ele estava indo em caminho adequado: na verdade o eu lírico

sentia falta do passado adolescente em que escrevia cartas de amor, e nisso

residia o ridículo de agora. O que fora vivência antes, hoje era só uma saudosa

recordação.

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2.4. Uma base construída

O trabalho com os poemas “Bilhete” e “Cartas de amor” funcionou como

a construção de um alicerce firme, para que em cima dele edificássemos a

experienciação com os poemas metalinguísticos de Ferreira Gullar. Como

esperávamos, os poemas de amor haviam aberto a “porta” do gosto literário da

turma do primeiro ano. Agora era a hora de avançar, oportunizando aos jovens

leitores a vivência/convivência com um novo tema da poesia: a própria poesia.

2.5. A estreia do tema “metalinguagem”

No mesmo dia em que trabalhamos o poema “Cartas de amor”, de

Fernando Pessoa, levamos também o “Poema obsceno”, de Ferreira Gullar

(ver anexo 4), que foi apresentado aos alunos na aula que aconteceu após o

intervalo.

Com o texto de Gullar, o nosso objetivo geral era propiciar aos jovens

leitores a convivência com a poesia metalinguística, por meio dos seguintes

objetivos específicos: ler e conversar sobre o poema; perceber possíveis

diferenças, especialmente a temática, entre os poemas já trabalhados e o

metalinguístico; desmitificar a idéia ingênua de que poesia só podia versar

sobre o amor.

Começamos a aula propriamente dita escrevendo com letras bem

grandes o título “Poema obsceno” no quadro. Isso chamou um pouco a atenção

dos alunos, que iam paulatinamente se dirigindo à sala. Uma outra informação

importante a ser colocada é que a professora efetiva, por motivos pessoais,

teve de se ausentar da escola nesse dia. De certa forma, sentimo-nos mais à

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vontade com a turma, assim como os alunos pareceram mais confortáveis em

nossa presença.

Quando avisamos que leríamos um poema com aquele título escrito no

quadro, muitos alunos se mostraram surpresos. Então, aproveitamos o

momento para perguntar o que seria “obsceno” para eles. We prontamente nos

advertiu: “Não faça o povo pensar nisso não, professora...”. Achamos

pertinente a colocação do leitor porque ela instigou ainda mais a curiosidade da

turma. De que assunto “obsceno” esse poema trataria?

Sentindo que o momento de expectativa era significativo, perguntamos

novamente o que seriam assuntos obscenos para os alunos e, dessa vez,

fomos anotando no quadro as respostas. Eles citaram: “safadeza”, “sexo”,

“gestos obscenos” e “palavrões”, ou seja, preponderantemente associaram

obscenidade ao desejo sexual, e a algum tipo de trangressão à ordem.

“Mas será que havíamos levado um poema falando de alguma dessas

coisas escritas no quadro?”. Foi o outro questionamento que fizemos a eles. A

reação de alguns alunos foi de riso; houve alguém que respondeu que não,

pois havia “muita gente de menor na sala”.

Como queríamos uma aula dialogada, e não expositiva, aproveitamos

para questioná-los mais uma vez: “Se não era sobre aqueles assuntos, sobre o

que o ‘Poema obsceno’ trataria? O que poderia ser obsceno, além daquilo?”.

Os alunos não mais se manifestaram. Na percepção deles, não havia mais

nada obsceno além dos elementos já apontados.

Após esse momento introdutório, entregamos a cada aluno a folha que

continha o poema, e avisamos que deveriam fazer uma leitura silenciosa dele.

Essa folha vinha com uma imagem em preto e branco contendo o nome

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“censurado”, e então, logo abaixo, vinha o texto de Gullar (rever anexo 4). Essa

foi apenas mais uma estratégia para tentar chamar a atenção da turma.

Enquanto liam, ouvimos muitos comentários que demonstravam

incompreensão do texto, como por exemplo: “Oxe”; “Não entendi nada”; “O que

é que ele tá dizendo?”. Pelo que percebemos depois, pouquíssimos alunos

conseguiram, nessa primeira leitura, ter uma ideia mais clara do poema de

Ferreira Gullar, o que é bastante compreensível.

Publicado no livro Na vertigem do dia (1980)37, o “Poema obsceno” se

constitui como um canto de protesto de um eu lírico identificado com o “lado

escuro do país” (v. 27), em meio ao contexto de opressão e censura do regime

militar. Ali, Ferreira Gullar faz um poema tão obsceno “como o salário de um

trabalhador aposentado” (v. 25).

A percepção desses elementos, no entanto, não é clara à primeira vista.

Note-se que o eu lírico começa o texto com uma convocação para uma festa

(v. 1), enquanto ele mesmo soca o “pilão”, o “surdo poema” (vs. 16 e 17). Ora,

se há festa, então está tudo bem, não? Essa ironia do poeta parece ter sido o

fator de maior dificuldade dos alunos na compreensão do poema.

Aliás, é significativo dizer que não ouvimos nesse momento inicial em

que os alunos liam silenciosamente o texto, nenhum comentário positivo acerca

dele, diferentemente do que ocorrera com o poema “Bilhete”, de Mário

Quintana. Pelo que podemos entrever, o texto de Gullar causou um

estranhamento nos alunos, pois não puderam ver posta ali a noção de obsceno

que tinham. Nos termos da Estética da Recepção, houve algum

rompimento/ampliação do horizonte de expectativa (JAUSS, 1994) da turma,

37 Todos os livros e poemas de Ferreira Gullar citados neste trabalho estão na edição Toda Poesia (2004).

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pois se depararam com uma noção nova de obscenidade, proveniente de uma

tensão entre o significado usual da palavra, e o sentido peculiar que ela

assume no contexto do poema.

Na continuação da aula, quando realizamos uma leitura oral do texto,

sentimos que alguns alunos começaram a entender melhor a proposta do eu

lírico – procuramos fazer uma leitura expressiva, como um discurso eloquente,

um canto de protesto. Questionados se já seriam capazes de apontar a

obscenidade sobre a qual o poema tratava, o aluno Je releu em voz alta os

versos finais: “terá o destino dos que habitam o lado escuro do país / – e

espreitam”, e falou um pouco sobre as desigualdades sociais que tornam o

Brasil um país dividido em lados.

Então, retornamos aos versos iniciais e fomos perguntando acerca

deles, pois o poema ainda parecia um tanto obscuro para a turma. Dessa vez,

chamamos a atenção para as adjetivações usadas pelo eu lírico para se referir

ao próprio poema que escrevia: “poema duro” (v. 3), “poema-murro” (v. 4) e

“sujo” (v. 5). “O que seria, por exemplo, esse “poema murro?”.

Como não se sentissem prontos a responder, tomamos apenas a

palavra “murro”, e perguntamos sobre o seu significado. Prontamente alguns

falaram acerca de bater, socar alguém ou alguma coisa, e, então,

questionamos novamente por que o eu fazia essa comparação. Os leitores

compreenderam que o “Poema obsceno” era um “tapa na cara” daqueles que

fingem que o país é formado por um único lado, o da claridade. Sim, havia um

lado escuro, que também precisava ser visto.

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Com a expressão “poema sujo”38, fizemos o mesmo procedimento. Para

um dos alunos, o poema era sujo porque versava sobre esse “lado escuro do

país”, entendido como “podre” para muita gente. Aproveitamos para ampliar

essa discussão: de fato a sujeira física podia existir em muitos lugares, mas

havia uma outra sujeira, a moral, e era essa que o eu lírico estava denunciando

com fervor.

Na segunda estrofe, destaque para a conversa que tivemos acerca das

referências do samba. Note-se que o eu lírico fala de uma festa frequentada

por nomes como Bethânia, Martinho, Clementina, Estação Primeira de

Mangueira, Salgueiro, gente de Vila Isabel e Madureira – os artistas estão na

mesma condição da gente simples dos bairros populares do Rio de Janeiro.

Os alunos conseguiram identificar todas as referências, exceto

“Clementina”, sobre quem nós pesquisamos no momento de preparação da

aula. Explicamos, então, a importância de Clementina de Jesus para o samba

brasileiro, e a necessidade de nos abrirmos para conhecer personagens como

ela, que fazem parte da história do nosso país.

No blog, colocamos o link Quer saber + sobre a Clementina citada no

“Poema obsceno???, o qual remetia a uma rápida biografia da sambista. Os

alunos que acessaram o link puderam saber que, antes de ser reconhecida

como cantora, Clementina fora por vinte anos empregada doméstica e

lavadeira, ou seja, conhecia de perto o “lado escuro do país” ao qual o eu lírico

se referia.

38 Embora não tenhamos feito nenhuma referência na turma do primeiro ano, vale lembrar que Ferreira Gullar publicou um livro intitulado Poema sujo (1975), um longo poema escrito enquanto o maranhense esteve exilado em Moscou. Para grande parte da crítica literária, o livro é considerado a obra prima do autor.

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Após a conversa sobre os nomes citados no poema, questionamos a

turma por que razão o eu lírico trazia referências do samba, e não de outro

ritmo qualquer. Para o aluno Ty, isso acontecia porque o texto estava falando

do Rio de Janeiro e os demais alunos concordaram com essa colocação.

Procuramos instigá-los a algo mais, porém, vendo o silêncio da turma do

primeiro ano, respondemos que o samba era um ritmo realmente nascido do

povo, que possivelmente identificaria bem aqueles que habitam o lado da

escuridão; a “bossa-nova”, por exemplo, não causaria o mesmo efeito.

Ao ouvir essa informação, percebíamos um olhar de surpresa no rosto

de alguns leitores. Talvez eles não imaginassem quantos elementos existiam

naqueles versos, naquelas imagens, na voz do eu lírico. Aos poucos, podiam

perceber que a interpretação de um texto literário passava por um caminho de

mão dupla: o leitor questionando o texto; o texto questionando o leitor. A esse

respeito, aliás, vale lembrar de Terry Eagleton (2001, p. 98): “aquilo que a obra

nos ‘diz’ dependerá (...) do tipo de perguntas que somos capazes de lhe fazer”.

Na última estrofe, conversamos acerca das metáforas “pilão” e “surdo /

poema” (vs. 16 a 18). Na tentativa de aproximarmo-nos das imagens criadas

pelo eu lírico, refletimos primeiramente acerca do objeto “pilão”, e para a nossa

surpresa, muitos alunos já tinham visto aqueles pilões grandes que ainda hoje

existem em zonas rurais. Assim como o milho ou o café são pilados, o eu lírico

de “Poema obsceno” estava pilando alguma coisa: quem sabe a indiferença

dos que habitam o lado “claro” do país, quem sabe a frieza dos que pagam

sem culpa o obsceno “salário de um trabalhador aposentado” (v. 25).

Mas por que será – perguntamos à turma – que o eu lírico está pilando

um “surdo poema”? O aluno Je justificou de forma simples, mas pertinente: “É

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porque ninguém quer ouvir...”. De fato, aquele canto de protesto do eu lírico

seria ouvido por poucas pessoas, e nós éramos algumas delas. Os que

habitam o lado claro do país não poderiam ouvir por causa da indiferença; os

do lado escuro, porque aquele canto não tocaria no rádio (v. 19). Estaria

escrito, mas quem ali poderia ler?

A parte final do poema, mais precisamente os sete últimos versos, foi

melhor compreendida pelos alunos, possivelmente por dois motivos: primeiro,

devido ao percurso anterior de conversa sobre o texto, e, segundo, porque é ali

que o eu lírico revela a razão da obscenidade do poema. Em outras palavras, é

naquele momento que o título e o texto são de fato concatenados. Tivemos a

sensação de que, apenas nessa altura da aula, a turma do primeiro ano

conseguiu vislumbrar de fato a proposta do eu lírico de “Poema obsceno”.

2.6. Reflexão sobre a estreia

O “Poema obsceno” era o terceiro texto poético que trabalhávamos no

experimento, e o primeiro de caráter metalinguístico. Intencionalmente,

preferimos levar para os jovens leitores um poema em que a metalinguagem

estivesse associada a outro tema – no caso desse, a crítica social. Assim, a

aula se configurou como uma espécie de “aperitivo”, uma preparação para que

no momento apropriado viessem poemas cujo caráter metalinguístico estivesse

mais evidenciado.

Apesar da participação da turma não ter sido tão intensa, pois quase

sempre os que falavam eram aqueles quatro alunos que se sentavam à frente,

conseguimos visualizar um crescimento naquela aula. De uma situação

adversa, em que a quase unanimidade dos leitores disse não ter compreendido

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o poema na leitura silenciosa, saltamos para uma situação bem mais favorável,

em que foram capazes de se manifestar acerca de imagens do texto, chegando

a uma compreensão parcial através da conversa coletiva.

Um outro fato foi também positivo: dois alunos que se sentavam ao

fundo da sala, e que vinham se mostrando bastante desinteressados em

nossas aulas, estiveram atentos à conversa sobre o “Poema obsceno”, talvez

porque se identificassem com aquela realidade apregoada pelo eu lírico, sendo

também parte daquele “lado escuro do país”. Eles não chegaram a expor sua

voz na turma, mas era nítido que, pela primeira vez desde que o experimento

começara, estavam realmente presentes na sala de aula.

Ainda assim, a inevitável comparação entre a aula desse dia, e aquelas

em que levamos os poemas de amor, fez-nos sair da escola com um

sentimento de decepção. Nitidamente a turma do primeiro ano sentira-se muito

mais instigada a debater “Bilhete”, de Mário Quintana, e “Cartas de amor”, de

Fernando Pessoa, do que “Poema obsceno”, de Ferreira Gullar.

Analisando a situação do lugar de agora, podemos inferir que o tema

“amor” fazia muito mais parte dos “códigos coletivos” (ZILBERMAN, 1989)

daqueles jovens leitores do que o tema “metalinguagem”; e diante do novo, ou,

pelo menos, do relativamente novo, sempre nos mostramos meio acanhados.

Naquele momento do experimento, porém, só podíamos pensar que o

lirismo social que perpassava o “Poema obsceno” trazia em si uma propensão

à discussão, por isso o nosso estranhamento diante da pequena participação

dos alunos. Ficamos receosos: se no trabalho com um poema lírico-social

como aquele, em que a metalinguagem era mais um pano de fundo, os alunos

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haviam ficado calados, o que fariam em poemas com uma dimensão

metalinguística mais forte, às vezes até filosófica?

Preferimos não pensar tanto nisso, e adotar a postura de quem estava

testando, fazendo um experimento que podia ou não dar certo. De todo modo,

nos motivava saber que os alunos estavam amadurecendo como leitores, e

que, aula a aula, estavam conseguindo ir mais longe no exercício da

interpretação. Além disso, nós também estávamos amadurecendo como

professores, ao analisar criticamente a nossa prática.

A essa altura não entendíamos ainda – hoje já podemos – que os alunos

haviam se sentido confrontados com o poema de Gullar, exatamente aquela

sensação que o eu lírico desejava provocar em seu leitor. O texto “mexera”

com os valores da turma, fazendo-os pensar se tantas vezes não eram também

surdos àquele grito de protesto, se tantas vezes não ajudavam a manter um

lado escuro no país. E aqui lembramo-nos de uma reflexão exemplar de

Haquira Osakabe, que de certa maneira explica o que se processava naqueles

jovens leitores – a “extemporânea” e “inadequada” poesia estava

sensibilizando-os, acordando-os para o exercício da crítica, transformando-os:

(...) nada mais extemporâneo do que a poesia, nada mais inadequado do que ela nesta época em que critérios como utilidade e eficácia impõem-se como determinantes dos valores de prestígio. E nada mais fecundo do que ela para embasar o exercício crítico e a perspectiva transformadora (OSAKABE, 2005, p. 54).

Do lugar em que estamos agora, refletindo sobre a situação, podemos

entender que o silêncio pode ser bastante positivo, como tempo necessário à

maturação das sementes lançadas em terra. Através do blog, os próprios

alunos nos mostraram isso.

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Vale lembrar também que uma primeira leitura do poema39, por mais

aplicada que seja, sempre nos revelará pouco acerca dele, pois o que

desvenda o texto aos nossos olhos é a convivência demorada com ele, é o

diálogo sem hora para acabar. O blog era um instrumento significativo porque

fazia os leitores voltarem ao poema sem a pressão de estarem rodeados pelos

olhos e ouvidos do professor e dos colegas. Assim, podiam rever suas

hipóteses de leitura com mais calma, confrontar seu modo de ler com o dos

outros, preencher espaços ainda vazios, e até mudar sua visão em relação ao

texto, passando a gostar dele, ou mesmo rejeitando-o ao deparar-se com

compreensão nova de leitura. Talvez muito mais do que na sala de aula, ali os

leitores conseguiam ser eles mesmos.

2.7. No blog...

No mesmo dia em que ministramos a aula, ao chegarmos em casa

postamos o “Poema obsceno” no blog, com o seguinte comentário:

IMPORTANTE!!!! Iiiii, vcs viram “obscenidade” na aula de hj? Kkkkkkk. Quem gostou desse poema? E que parte mais gostou?

39 Mais uma vez é Roland Barthes quem nos esclarece. O teórico distingue dois modos de leitura: no primeiro, a que podemos chamar “leitura superficial”, o aluno vai direto às articulações da anedota, considerando a extensão do texto, mas ignorando os jogos de linguagem. Nesse nível, o aluno capta apenas o elementar, ou seja, o sentido global do texto literário. No segundo modo de leitura, a que denominaremos “leitura profunda”, o aluno “não deixa passar nada; pesa, cola-se ao texto, lê (...) com aplicação e arrebatamento, apreende em cada ponto do texto o assíndeto que corta as linguagens – e não a anedota” (BARTHES, 1987, p. 19). Nesse nível o leitor está atento aos detalhes mais ínfimos do texto, quase como se fosse um detetive que precisa desvendar um mistério, e para tanto, não deixa passar nada. Vale lembrar, porém, que para se chegar à leitura profunda, necessário se faz passar pelo estágio da primeira leitura. A questão é, portanto, não ficar apenas nesse primeiro passo.

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Eis a resposta do aluno Ni, um dos leitores mais participantes na aula

presencial:

[ni] Na realidade nem sei o que comentar sobre este poema, ele é muito diferentes do que havíamos lido na sala de aula e por isso tamanha minha fascinação por ele. Verdadeiro, brasileiro e voltado para os pobres e de certa forma para elite da economia brasileira para que estes abram os olhos do que acontece no Brasil, mas afinal como o própio Ferreira Gular diz em um trecho do poema "terá o destino dos que habitam o lado escuro do país - e espreitam". Espetacular esse poema Mabel gostaria de parabenizá-la pelo seu trabalho como educadora. by: Ni 07/05/2009 21:54

A resposta revela o estranhamento que o aluno sentiu ao se deparar

com o “Poema obsceno”, ao mesmo tempo em que demonstra a sua

fascinação por ele. De fato, muitas vezes sentimo-nos tocados por alguma

coisa, mas nem sempre sabemos explicar como e por quê.

As palavras de Ni revelam ainda uma percepção interpretativa aguçada:

como já tinha feito oralmente na sala de aula, o aluno percebe que o poema

“terá o destino dos que habitam o lado escuro do país” (v. 27), ou seja, passará

despercebido a muitos. Esse jovem leitor, de apenas 15 anos, era um dos que

mais participavam das nossas aulas. Pelo que pudemos perceber ao longo do

experimento, tinha sido incentivado à leitura desde a infância, costumava

comprar livros e frequentar bibliotecas.

Abaixo, a resposta que demos ao comentário do aluno no blog:

Excelente comentário o teu, Ni! Concordo contigo: o poema é diferente mesmo, é algo inesperado, e principalmente qd a gente pensa que pouco refletimos sobre aquele tipo de obscenidade... Aquele texto é meio que "um tapa na cara da gente" =) Pena que quase sempre vai ter esse destino obscuro, como vcs perceberam... Continua dando tuas opiniões. Elas são muito válidas mesmo!!! Sim, e obrigado pelos parabéns, mas essa é a minha função, não só ensinar, mas aprender junto a vcs =)

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Um outro aluno que comentou acerca do poema foi Ar. Em suas

palavras, bastante rápidas, mas reveladoras, pode-se perceber um sentimento

de revolta por viver em um país tão obsceno:

[ar] gostei do poema pq ele revela a verdadeira fase do Brasil, pqo Brasil é um país obsceno, q ñ tem vergonha,q é sarcástico e fas da gente de HÓTARIO!!!!!!!!!!!!!! 11/05/2009 18:02

Eis as nossas palavras para o leitor:

Legal o teu comentário, Ar... é mais ou menos esse tipo de reação de revolta que o poema quer despertar em nós. Afinal, poucos são aqueles que "olham para o lado obscuro do país", como o eu lírico está fazendo, e querendo que a gente faça... Aliás, de que verso do poema vc gostou mais?

Como se vê, na resposta que demos ao comentário de Ar procuramos

demonstrar que ele estava encaminhando bem a sua leitura. Além disso,

buscamos assegurar a continuidade da comunicação, fazendo-lhe um

questionamento ao final do texto. No entanto, esse jovem leitor não quis

comentar mais nada acerca do “Poema obsceno”, opção que nós respeitamos

totalmente, pois queríamos que a turma fosse ao blog por prazer, e não por

obrigação.

Mas os diálogos virtuais estabelecidos não ficaram apenas entre nós e

os alunos. O próprio Ni sentiu-se à vontade para comentar as palavras escritas

por Ar, como se pode ver abaixo:

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[ni] concordo com o que ar disse,o poema nos puxa pra ver o lado do pobre no Brasil, pobre este que não é valorizado pela elite brasileira, essa desvalorização é muito parecido quando nos deparamos com os mendigos, muitas vezes passamos por eles e nem notamos, esta mesma coisa acontece com o pobre, a elite prefere pensar que o pobre não existe 12/05/2009 20:44

Na nossa resposta final ao comentário de Ni, aproveitamos para instigá-

lo a continuar participando com suas colocações:

Você falou bem: o poema nos "puxa" para ver esse outro lado que quase ninguém vê, ou finge q não vê... A intenção do eu lírico é exatamente essa: nos tirar de uma posição de olhos fechados para outra de olhos abertos. Vc tá indo muito bem nas suas colocações. Parabéns!!!

Dispensamos comentar muito esses textos dos alunos porque cremos

que eles falam por si mesmos. A conversa do blog tirou de nós aquele

sentimento de decepção que tivemos ao término da aula sobre o “Poema

obsceno”. Ni e Ar eram exemplos de alunos para quem o poema tinha

significado, e se ao menos eles dois tinham sido tocados de alguma forma,

levados a refletir um pouco mais sobre o texto, e mais que isso, sobre a vida, já

havíamos conseguido grande coisa.

Se para Jauss, em postura reconhecidamente iluminista, “a função social

da arte advém da possibilidade de influenciar o destinatário”, era isso o que

estava acontecendo naquela sala de aula. A obra, o poema, não estava apenas

“transferindo” normas reprodutoras dos padrões de atuação vigentes na

sociedade, mas criando novos padrões, cujo efeito básico era o estranhamento

dos leitores (ZILBERMAN, 1989, pp. 50 e 51). O caráter emancipatório da arte

estava em franca atividade. O desafio agora era continuar levando a turma do

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primeiro ano pelos caminhos da metalinguagem.

3. MÓDULO III (13/05/09)

Para o módulo III, que continuaria o trabalho com a poesia

metalinguística iniciado na aula anterior, havíamos planejado (ver anexo 3)

levar dois poemas: “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar, e “Emergência” de Mário

Quintana. Com o texto gullariano, a ideia era discutir a concepção de arte

presente e, para tanto, utilizaríamos também uma versão do poema musicada

por Raimundo Fagner.

Já com o texto de Quintana o objetivo era fazer um trabalho de leitura e

conversa, como vinha acontecendo nas outras aulas, só que de maneira mais

rápida para a posterior realização de um exercício escrito. Focalizaríamos,

então, a concepção de poema trazida pelo eu lírico, e, ao final, tentaríamos

estabelecer com os alunos algum confronto entre “Traduzir-se” e “Emergência”.

Apesar do nosso plano, nesse módulo só foi possível trabalhar o

metapoema gullariano, como veremos a seguir.

3.1. Traduzindo...

Nesse dia de aula, logo que adentramos a sala com um micro system

em mãos, os alunos foram nos perguntando se iríamos escutar música.

Respondemos que sim, e achamos propícia a expectativa deles.

Depois de conversamos um pouco sobre o blog – em todo início de

módulo fazíamos isso – descrevemos à turma do primeiro ano o que seria feito

nas aulas do dia: na primeira aula, leríamos um poema juntos e depois

escutaríamos uma música; na aula seguinte, depois do intervalo, faríamos uma

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atividade escrita acerca de um outro poema, que contaria como uma das notas

do segundo bimestre de língua portuguesa (isso havia sido acertado com a

professora efetiva).

Quando falamos sobre a atividade, que não se realizou porque não

houve tempo, percebemos uma nítida resistência da turma, e um certo medo

também. Tentamos tranquilizá-los, dizendo que eles estavam indo muito bem

no trabalho de leitura e interpretação de poemas, e que a atividade escrita seria

basicamente a mesma coisa, mas só que agora, em vez de apenas falarem,

escreveriam. Mesmo assim, notamos um clima tenso em sala de aula: era

nítido que os alunos se sentiam desconfortáveis até com a ideia de expressar-

se por meio do papel.

Entregamos o poema “Traduzir-se” (ver anexo 4), de Ferreira Gullar, e

avisamos que, ao receberem, já poderiam ir fazendo uma leitura silenciosa.

Quando todos leram, propomos uma leitura oral diferente: os meninos leriam os

dois primeiros versos de cada estrofe, e as meninas, os dois últimos versos de

cada estrofe; todos leriam juntos a última estrofe.

A primeira leitura coletiva não saiu muito boa. Eles estavam lendo em

ritmos diferentes, uns mais lentos, outros mais apressados, e nem toda a turma

estava participando. Insistimos, dizendo que poderiam fazer melhor; e fizeram.

Leram com mais empolgação, e sentimos no clima da sala que gostaram da

“brincadeira” oral.

Ainda nas conversas com a professora efetiva, antes mesmo de

entrarmos para observar as aulas, ela nos abria os olhos para a necessidade

de fazer os nossos alunos se sentirem – e serem mesmo – sujeitos de sua

história, os construtores da aula e não apenas os frequentadores dela.

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No experimento, há quatro aulas éramos nós quem líamos os poemas,

pois achamos essa estratégia necessária para que pudessem ir desenvolvendo

o “ouvido” para a leitura oral expressiva. Agora era a hora deles falaram, e

percebemos que a empolgação da turma era muito maior do que quando

somente nos ouviam. O clima estava bem propício a um bom trabalho, e

quando a leitura conjunta terminou, quisemos ouvir as primeiras impressões

acerca do poema. Eis aí alguma delas: “Interessante, mas quero descobrir

mais coisas...”; “Eu achei estranho.”; “Não achei muita coisa não: nem bom

nem ruim...”.

Depois desse momento, avisamos a turma que um cantor brasileiro

havia musicado o poema de Gullar, e perguntamos se alguém tinha

conhecimento de tal informação. Apenas uma aluna levantou a mão, dizendo

que tinha ouvido a música havia algum tempo. Para manter a atmosfera de

expectativa, pedimos para que ela não entrasse em detalhes, e seguindo o

nosso plano de aula, propomos a seguinte situação a todos: “Imaginem que

todos vocês aqui são cantores, e que receberam o poema “Traduzir-se” para

musicar, ou seja, para colocar uma música nele. Como vocês fariam isso?”

A ideia era, antes de ouvir a versão de Fagner, ver como a turma do

primeiro ano “traduziria” o poema em música, sendo eles mesmos, criadores. A

princípio eles acharam meio difícil “responder” àquela questão, mas, como

sempre, fomos perguntando com paciência: “Que ritmo colocariam, ou seja, o

que se encaixaria bem nessa letra? Seria um ritmo lento ou acelerado? Que

tipo de instrumentos deveriam ser colocados?”.

O momento foi de intensa participação da turma, tanto que, por vezes,

muitos falavam ao mesmo tempo. No quadro, fomos anotando as sugestões da

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turma. Ao final, tivemos três possibilidades diferentes de musicar o poema

“Traduzir-se”. Vejamos:

Ritmo: “sambinha de mesa” / Instrumentos: pandeiro, cavaquinho,

surdão

O aluno Ty, que inclusive é tocador de violão, propôs como ritmo o que

chamou de “sambinha de mesa”. Pedimos para que nos explicasse melhor o

que era aquilo, então ele disse que era um samba mais suave e lento,

semelhante ao que cantores como Zeca Pagodinho fazem na atualidade. Para

o jovem leitor, a ressignificação do poema “Traduzir-se” em música pedia uma

determinada suavidade, mas sem deixar de trazer também alguma alegria.

Quase nenhum aluno concordou com a sugestão de Ty, mas ele foi firme,

defendendo sua opção.

Ritmo: mpb / Instrumento: violão

O aluno We, que também sabia tocar violão, propôs a mpb como ritmo –

na sua visão, o encaixe entre música e poesia sairia melhor assim. O jovem

leitor ainda propôs que fosse utilizada apenas a voz e o violão, para garantir

uma leveza maior à canção. Grande parte da turma acompanhou a sugestão

de We, concordando com ele. De certa maneira, intuitivamente, eles estavam

se aproximando da maneira como Fagner percebera o poema.

Ritmo: rock / Instrumentos: guitarra, baixo, bateria

A aluna Ed, que gostava muito de rock internacional, propôs que o

poema fosse musicado dentro desse ritmo, com a utilização de fortes sons de

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guitarra, baixo e bateria. Alguns gostaram da idéia, mas a maioria disse que

seria impossível unir aquela “letra” a esse tipo de música. Em nenhum

momento nos posicionamos: importava ver o ponto de vista dos alunos, e não

queríamos interferir nesse processo em que eram artistas, criadores.

Após a exposição das sugestões da turma, perguntamos sobre outros

ritmos não citados por eles, como o funk, o rap, o forró. Eles disseram que

esses não se encaixariam com o “Traduzir-se”, e, portanto, demos por

encerrada essa parte do trabalho.

3.2. O desafio lançado

Pelo plano de aula que havíamos elaborado, o momento que se seguia

era para passar o áudio da música de Fagner, mas, percebendo que o

ambiente da sala de aula estava bastante favorável a um aprofundamento do

trabalho, fugimos do script e fizemos uma proposta desafiadora para a turma.

Ao longo da semana, os meninos da sala se reuniriam em um grande

grupo, bem como as meninas em outro grande grupo, a fim de musicar o

poema “Traduzir-se”, cada um à sua maneira. Eles teriam a liberdade de

escolher o ritmo, os instrumentos (que não precisavam ser realmente

instrumentos musicais, mas as “batidas” das mãos, o som da boca, etc.). O

importante era que “traduzissem”40 o poema em canção, fazendo um

“casamento” entre som e sentido.

40 A princípio a proposta pode parecer tão desafiadora quanto impossível. Nós tínhamos a consciência, no entanto, que não estávamos lidando com cantores, mas com leitores literários que podiam lançar-se no terreno misto e instigante da poesia e música. Além disso, acreditávamos nos alunos, e mesmo que eles não viessem a conseguir, tínhamos a certeza de que eram capazes de tentar.

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Assim, ficou combinado que os grupos passariam a semana produzindo

a versão do “Traduzir-se” para apresentá-la no módulo seguinte. Deixamos

claro que a atividade não era uma obrigação, mas dissemos o quanto seria

significativo que a fizessem. Eles pareciam em êxtase.

Quando chegamos em casa, no mesmo dia, tivemos a ideia de chamar

esse desafio de Poemúsica, e, no blog, fizemos o convite virtual para que todos

participassem do evento que aconteceria dali a uma semana.

3.3. O momento do áudio

Voltando à descrição da aula, após lançarmos o desafio aos alunos

chegou a hora de ouvirem a versão de Fagner para o metapoema de Gullar. É

bom lembrar que, até então, não tínhamos conversado profundamente sobre o

“Traduzir-se”, mas apenas ouvido algumas impressões dos leitores.

Enquanto a música tocava, muitos alunos riam; na verdade, poucos

eram os que efetivamente prestavam atenção no aúdio. Quando a canção

terminou, procuramos sondar a opinião da turma, o que eles haviam achado,

se era aquilo que esperavam; a quase unanimidade disse não ter gostado do

modo como Fagner “traduziu” o poema em música, o que, confessamos, foi

uma surpresa para nós.

Mas a reação do primeiro ano tinha razão de ser: depois de “soltar” tanto

a imaginação, propondo a própria maneira de musicar o poema, agora eles se

deparavam com uma versão41 que se afastava do horizonte de expectativa

41 Vale lembrar que a versão de Raimundo Fagner data de 1981, ano em que o cantor lançou o álbum de mesmo nome, Traduzir-se. Em outras palavras, a canção tem quase 30 anos de existência, e logicamente carrega um estilo musical próprio dos anos 80, o que deve ter contribuído para o estranhamento dos alunos.

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deles. Não era aquela voz que eles estavam imaginando, nem aquele ritmo,

nem aquela batida, nem tampouco aqueles instrumentos musicais…

As expectativas deles foram frustradas, e as nossas também. Até

esperávamos que eles viessem a estranhar a música, mas não tanto, a ponto

da sala ficar em grande silêncio no momento posterior ao áudio. Nitidamente, o

clima havia esfriado, sensação também percebida pela professora efetiva, o

que ela nos confidenciou no intervalo.

Talvez o maior motivo da nossa decepção diante da atitude da turma

tenha sido o fato de que sempre gostamos daquela versão musical do poema

“Traduzir-se”, e assim, esperávamos que a resposta da turma do primeiro ano

fosse a mesma. Essa parte do módulo III do experimento tinha sido planejada

com aquela sensação de “com certeza dará certo”. E deu, especialmente como

aprendizado para nós.

Como professores, há uma urgência em entendermos que os nossos

gostos nem sempre correspondem aos gostos dos nossos alunos. O que nos

encantou, por exemplo, enquanto éramos adolescentes, não é

necessariamente o que encanta os adolescentes de agora, pois os tempos são

outros. Eles, os alunos, continuam sendo tocados, maravilhando-se, mas com

outras coisas. Por isso, deixar de lado os julgamentos é a primeira grande

atitude para conquistá-los.

Outra lição que aprendemos? Que o fato de levar uma música para a

sala de aula não significa sucesso garantido. Muitas vezes mudamos a

metodologia, mas nossas posturas permanecem as mesmas, autoritárias e

absolutas. De nada adianta “bolar” estratégias bem intencionadas se não

levarmos em conta a singularidade do público com o qual estamos lidando.

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Música, teatro, filme, tudo isso é muito bom, mas desde que esteja “casado”

com a realidade de nossos alunos.

A aula estava quase no fim, e, como descrito, o clima era de silêncio.

Após passar o áudio, lemos o poema “Traduzir-se” em voz alta, e liberamos a

turma para o intervalo. Era preciso pensar no que fazer, pois, pelo plano de

aula, o momento posterior ao intervalo seria usado para um trabalho com o

poema “Emergência”, de Mário Quintana.

Saímos para a sala de professores com um grande temor: aquele

esfriamento diante da música comprometeria o trabalho de tradução artística

que estava sendo planejado para a semana seguinte? O Poemúsica viria

mesmo a acontecer?

3.4. O ensaio de conversa sobre o poema

Após dialogarmos com a professora efetiva no intervalo, decidimos

utilizar a segunda aula do módulo III para continuar investindo no poema

“Traduzir-se”, deixando o trabalho com o poema “Emergência” para um outro

momento – tínhamos a sensação de que o metapoema gullariano não tinha

sido devidamente explorado, o que foi um equívoco, como logo veremos.

Começamos, então, a aula perguntando se os alunos haviam gostado

mais do momento em que leram o poema, ou do momento em que ouviram

Fagner cantá-lo. Os alunos confirmaram a nossa hipótese ao responderem a

primeira opção. Ora, aquela estratégia tão simples, de leitura oral conjunta,

tocara muito mais a turma do que a música do cantor cearense, como se a

poesia em si mesma já carregasse aquilo tudo de que o leitor precisa.

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O fato é que, principalmente devido àquele clima de “esfriamento” no

momento do áudio, a aula que aconteceu após o intervalo não se mostrou

produtiva. Talvez se tivéssemos deixado a música para o final de tudo, a

reação da turma tivesse sido diferente – uma simples inversão na ordem das

ações planejadas pode mudar, e muito, os resultados.

Como não conseguimos fazer essa reflexão naquele momento,

quisemos utilizar o tempo da aula para debater, conversar sobre o poema de

Gullar, ver se e como os leitores perceberiam o caráter metalinguístico a ele

intrínseco, mas os alunos não se sentiram nem um pouco motivados a falar

(pelo menos, não mais).

E não foi só isso. Pensando sobre a aula, podemos enxergar outras

razões para o insucesso dessa parte do módulo: além do “esfriamento” já

referido, o nosso próprio abalo sentimental influenciou. Muitas vezes falamos

do professor como se ele fosse um indivíduo imune a sensações de qualquer

tipo, mas somos, antes de tudo, humanos, e, assim como os alunos, também

criamos expectativas que podem ser frustradas.

Ficamos um tanto decepcionados com a recepção da turma do primeiro

ano à canção de Fagner, o que é compreensível, mas certamente também nos

faltou maturidade para contornar tal situação. Assim, desmotivados que

estávamos, não tínhamos como motivar o alunado.

A inexperiência também nos impediu de ver algo fundamental: que o

trabalho com o “Traduzir-se” já havia se realizado na aula inicial, e insistir nele

seria procurar o caminho da saturação. Era como se, d’alguma maneira,

estivéssemos movendo alicerces bem colocados.

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A ideia de que trabalhamos literatura quando lemos e conversamos

sobre os textos literários é positiva, desde que não se torne uma camisa-de-

força. Equivocadamente, sentíamos que o trabalho com o poema de Ferreira

Gullar não se faria completo enquanto não vencêssemos o estágio da

conversação – pensamos exatamente assim: “não podemos passar pelo

poema sem interpretá-lo juntos”.

No entanto, não ouve conversa, mas só silêncio: logicamente, eles

estavam exaustos de ler/ouvir/reler o poema, que já tinha dado muito a eles, e

recebido muito deles, nessa troca frutífera entre autor e leitor por meio do texto.

Além disso, não esqueçamos que a turma ainda iria conviver com o “Traduzir-

se” durante a semana, por causa do desafio de musicá-lo. Não havia mesmo

mais espaço para insistir nele.

Quando percebemos a improdutividade da estratégia, resolvemos

finalmente mudar de tática. Faltavam poucos minutos para concluir o módulo,

então sugerimos que os alunos se reunissem em grupos, e começassem a

pensar em como musicariam o poema “Traduzir-se” – definir o ritmo, as vozes,

os instrumentos, etc. A maioria, porém, aproveitou o tempo para conversar,

enquanto uma ou outra equipe fazia alguma anotação no caderno ou

combinava alguma coisa acerca do desafio. E assim, a aula acabou, na

expectativa de que o Poemúsica ainda viesse a dar certo.

3.5. Um significativo aprendizado

Toda essa situação vivenciada no trabalho com o poema “Traduzir-se”

despertou-nos para o fato de que, em nossas aulas, devemos ter como alvo

não exatamente o interpretar poemas, mas o conviver com eles. Nesse

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processo, as estratégias metodológicas são muitas, e a interpretação textual é

somente um dos resultados.

A metodologia de leitura e conversa sobre os textos, que vinha

funcionando tão bem com os poemas anteriores, simplesmente não logrou

êxito com o metapoema mais famoso de Gullar. E a música, que levamos como

estratégia infalível para motivação dos leitores, foi simplesmente um fracasso.

Há, portanto, uma urgência em refletirmos continuamente sobre a nossa

prática, entendendo que toda vez que adentramos a sala de aula, temos diante

de nós um momento único, seja quais forem os métodos de ensino utilizados.

Desejaríamos ter tido essa maturidade ali, naquela hora, mas resta-nos

aprender com o momento de crise. Dos módulos todos, esse foi o mais

complicado, mas também foi o que nos fez refletir mais a fundo acerca de

nossa atividade pedagógica. Em suma, saímos da crise ainda mais fortalecidos

para a continuidade do experimento.

3.6. O Poemúsica

O evento Poemúsica aconteceu na primeira parte do módulo IV, o qual

se realizou no dia 20/05/09, ou seja, uma semana depois do módulo III.

Optamos por relatá-lo aqui por entendermos que essa atividade está

diretamente relacionada a esse momento do experimento.

No plano de aula elaborado para o novo módulo (ver anexo 3), tínhamos

decidido deixar toda a primeira aula para que os grupos apresentassem a sua

versão musical para o poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar. Nesse dia,

levamos gravador e câmera digital para registrar tudo.

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Começamos a aula anunciando com grande animação que aquele seria

o dia do tão esperado evento. Relembramos, então, o desafio dos alunos; eles

tinham ficado incumbidos da “tarefa” de musicarem o poema de Gullar, o que

tinha se tornado uma responsabilidade maior porque quase ninguém havia

gostado da versão musical criada por Fagner. Aquele seria o momento de

mostrarem uns para os outros que haviam traduzido poesia em música, ou

seja, “uma parte na outra parte”, como dizia o eu lírico do poema.

Como os alunos não eram obrigados a cumprir a tarefa, ficamos

receosos de que ninguém topasse o desafio. Apenas um grupo o fez, mas foi o

suficiente para que ficássemos satisfeitos: um grupo de quatro rapazes

musicou a canção, utilizando um estilo a que chamaram “pop com mpb” – note-

se que eles não seguiram aqueles três ritmos que a turma havia proposto no

quadro, o “sambinha de mesa”, a “mpb” e o “rock”, mas criaram um outro.

Os meninos levaram até violões, um que foi tocado pelo aluno Ty, e

outro pelo aluno We. A versão criada pelo grupo era bastante original, difícil de

descrever aqui: havia uma harmonia na disposição das vozes; a melodia era

suave, mas ao mesmo tempo carregava a batida do pop, o que dava uma cara

jovial à canção. Não temos outra expressão senão dizer que, como a “mão na

luva”, aqueles jovens haviam encaixado poesia e música.

O que víamos e ouvíamos naquele momento era resultado do trabalho

de leitura e interpretação do “Traduzir-se”, experimentado por aqueles quatro

jovens. Em outras palavras, a canção só aparecera daquele modo porque

antes eles tinham vivenciado o poema. O mais significativo é que a maior parte

dessa etapa de descobrimento e investigação do texto acontecera sem a nossa

intervenção, durante a semana em que planejavam a apresentação. Por

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exemplo, eles mesmos haviam selecionado que partes do poema destacar, o

que seria o refrão, que sons se encaixariam com os sentidos do texto, e assim

por diante.

Ao final da apresentação da música, que foi cantada duas vezes a

pedido nosso, perguntamos a opinião da turma. Sentimos que alguns alunos,

talvez por não terem feito a sua própria versão, tentaram desmerecer o

trabalho do grupo. Nós, porém, tratamos de incentivá-los e achamos pertinente

quando a professora efetiva pediu a palavra para anunciar que a equipe teria

uma participação extra na disciplina.

Concluindo a aula, retomamos a idéia de tradução artística posta no

poema de Ferreira Gullar, afirmando que ali havíamos presenciado ao vivo o

que seria o “traduzir-se” do título. De fato, após vivenciarem a arte literária, os

jovens leitores estavam transformando a sua experiência em arte musical, ou,

em outros termos, estavam comunicando a sua própria maneira de ver o

mundo por meio da literatura e da música: “Traduzir uma parte / na outra parte /

– que é uma questão / de vida e morte – / será arte?” (vs. 25 a 29). Sim, aquilo

era arte.

3.7. A repercussão do evento no blog

No blog, colocamos um espaço para que o evento Poemúsica fosse

comentado. Eis as nossas palavras de felicitação aos alunos, bem como o

nosso estímulo para que a turma desse a sua opinião:

E aí, galerinha??? O “Poemúsica” foi muito bom!!! Quero parabenizar virtualmente a Thy, We, Ar e Ni, com destaque especial pra Thy e We, que arrasaaaaram na voz e no violão! Vcs traduziram poesia em música, fizeram arte. Parabéns!

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Agora, quero saber o que a turma achou da versão de vcs para o poema “Traduzir-se”. Comentem à vontade. Vamos dialogar aqui!

A seguir podem ser vistos os comentários de três alunas. Apesar de

rápidos, eles revelam que a aula foi d’alguma maneira marcante,

especialmente quando se notam as adjetivações positivas utilizadas em cada

fala. Abaixo trazemos ainda a opinião da professora efetiva, que fez questão de

expressar seu contentamento diante da criação artística dos meninos.

Provavelmente ninguém naquela sala ficara tão entusiasmado com aquela

situação quanto nós duas:

[So] eu gostei muito da versão dos meninos 21/05/2009 22:21 [Na] legal. enquanto a aula foi bem extrovertida e interessant.. abraços. 21/05/2009 23:41 [Em] foi otimo 22/05/2009 10:01 [Professora colaboradora] Autenticidade e superação...São qualidades que eu destaco na equipe de Thy, we, Ar e Ni... Autenticidade pq eles CRIARAM uma nova melodia para o poema (não se conhece outra semelhante a deles!!) Superação...pq a cada apresentação, vozes que não conseguimos ouvir de ínicio, na segunda apresentação apareceram mais, superando a timidez de alguns da equipe... Muito Bom, meninos...é por essas e outras que sempre destaco meu orgulho em tê-los como alunos! (...) 23/05/2009 00:10

Depois, alguns dos integrantes do grupo que apresentaram a canção

agradeceram os elogios. Uma das falas de Ar sinaliza para o trabalho que deu

fazer aquela tradução; em resposta a Ar, só podemos dizer que “nada na vida

se consegue sem esforço”:

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[ar] obrigado gente!!!!!!!!!! 23/05/2009 18:15 [ar] deu muito trabalho mas nós superamos isso (...) 23/05/2009 18:22 É verdade, Ar, nada na vida se consegue sem esforço. Mas valeu a pena, pq vcs deram um presentão pra nós... :)

Na fala do aluno We, que aliás estava participando do blog pela primeira

vez, pode se ver a superação de seus próprios limites: provavelmente nem ele

achava que, junto a seus colegas, conseguiria fazer uma versão inédita e

original como aquela que ouvimos na sala de aula:

[we] foi muito legal pela superação de transformarmos a musica em algo inedito ou orijinal por isso q eu gostei ass:we (...) 03/06/2009 10:04

Por fim, destacamos a fala do integrante Ni, para quem o grande mérito

da equipe foi o fato de terem tido a coragem de expor o seu trabalho diante da

turma, mesmo estando sujeito a críticas:

[ni] Embora só ter cantado no final, gostei muita da apresentação,autenticidade, coragem e força de vontade no grupo.Sabe acho que o maior do mérito do grupo não foi musicar o poema, mas sim ter coragem para ir na frente da sala e mostrar o seu trabalho. 06/06/2009 22:02

O aluno tinha razão em fazer tal comentário, pois era bastante tímido;

vê-lo ali na frente, cantando, revelava o quanto aqueles meninos e meninas

estavam crescendo e aprendendo lições que iam muito além da arte literária. O

mais significativo era que eles mesmos chegavam a essas reflexões,

construindo pontes firmes entre a escola e a vida.

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4. Módulo IV (20/05/09)

Como dissemos em momento anterior, a aula inicial do módulo IV foi

utilizada para a realização do evento Poemúsica, mas não somente para isso.

Como havíamos previsto que poucos alunos poderiam musicar o poema,

levamos como “carta na manga” uma célebre frase do poeta Manuel Bandeira,

que é na verdade uma reflexão sobre a própria poesia. Já na aula que

aconteceu após o intervalo, realizamos um trabalho com o texto “O poema”, de

Mário Quintana, fazendo pela primeira vez uma atividade escrita com a turma

do primeiro ano. Falaremos desses dois momentos a seguir.

4.1. Em prosa, uma reflexão sobre a poesia

Depois que os alunos apresentaram a versão musical do poema

“Traduzir-se”, percebendo que havia algum tempo para o término da aula,

copiamos no quadro a seguinte frase de Manuel Bandeira: “A poesia está em

tudo – tanto nos amores quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como

nas disparatadas”42.

Lemos em voz alta a frase e começamos a fazer os já costumeiros

questionamentos à turma, indo de parte em parte. “Por que a poesia estava

tanto nos amores quanto nos chinelos?”. Alguns alunos riram ao ouvir isso, e

um deles até falou-nos que iria, então, fazer um poema falando do amor pelo

seu chinelo. A percepção do aluno era ingênua, porque tomava a ideia

bandeiriana ao “pé da letra”, mas pertinente porque revelava o estranhamento

compreensível diante daquela colocação do poeta.

42A frase está no Itinerário de Pasárgada (1967).

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Aproveitamos a ocasião para perguntar aos demais alunos se achavam

que o poeta estava literalmente falando de chinelos, e grande parte da turma

respondeu negativamente. “Mas, então, por que ele está aproximando essas

duas coisas tão diferentes?” – foi a nossa questão seguinte. Diante do silêncio

deles, ajudamos dizendo que era até comum ver poesia falando sobre amor,

mas sobre os chinelos... A partir daí, eles construíram o entendimento de que o

poeta não estava se referindo estritamente aos chinelos, mas que a sua

intenção era dizer que a poesia podia também falar sobre as “coisas do dia-a-

dia”43 – foi esse o termo que um dos alunos utilizou.

Com essa compreensão inicial da frase, questionamos então a parte das

“coisas lógicas” e “disparatadas”. “O que seriam coisas disparatadas?”. A aluna

Na foi rápida e afirmou que eram “coisas loucas”. Desse modo, conversamos

um pouco sobre o interesse da poesia tanto por aquilo que é lógico, quanto por

aquilo que é loucura; e, fazendo a ponte com o outro pedaço da frase, tanto por

aquilo que é amor, quanto por aquilo que é chinelo.

No intuito de aproximar a poesia do universo dos alunos, perguntamos

se seria possível fazer um poema sobre os objetos ali presentes, talvez a

cadeira, o quadro, a janela, ou mesmo o anel que estávamos usando... Os

jovens ficaram mais atentos nessa hora, vindo a confirmar a nossa hipótese de

que se sentem motivados quando a aula diz respeito a eles. Quanto à pergunta

que fizemos, responderam positivamente.

Juntos estávamos descobrindo que a matéria da poesia não era

determinada a priori, pois qualquer uma podia ser importante, dependendo do

olhar que a focalizava. É como se ela, a poesia, quisesse estar provida de um 43 Alfredo Bosi entende que, a partir de Ritmo dissoluto, Manuel Bandeira pode ser considerado o mais feliz incorporador de motivos e termos prosaicos à literatura brasileira (BOSI, 2006, p. 361).

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leque de objetos em sua estante, para falar sobre quaisquer deles quando bem

entendesse: “tudo é passível de ser engrandecido pela poesia”, como bem nos

disse Clarice Lispector (OSAKABE, 2005, p. 52).

Chegara a hora do intervalo. A discussão em torno da frase de Bandeira

havia sido simples e rápida, mas bem proveitosa, o que nos fazia enxergar a

necessidade de às vezes sair do script, superando nossos próprios temores.

Ter levado aquela reflexão sobre a poesia contribuíra muito para o que seria

feito na aula seguinte, com “O poema”, de Mário Quintana.

No último minuto de aula, anunciamos que o momento posterior ao

intervalo seria utilizado para conversarmos sobre um novo poema, e que, em

seguida, realizaríamos um exercício escrito acerca dele. Ao sentir o temor no

semblante de alguns alunos, deixamos claro que a atividade era bastante

simples, principalmente se tivéssemos um bom momento de discussão sobre o

texto, em que todos pudessem participar.

4.2. Justificando a escolha de “O poema”

Começamos a aula entregando logo “O poema”, de Mário Quintana (ver

anexo 4), pois tínhamos pouco tempo para executar tudo o que havíamos

planejado (rever plano de aula no anexo 3). Vale lembrar que no módulo III,

aquele do “Traduzir-se”, havíamos pensado em trabalhar o texto “Emergência”,

também de Quintana, e aplicar uma atividade sobre ele. Como isso não tinha

sido possível, tivemos mais uma semana para refletir e decidimos levar um

outro poema do autor gaúcho, no qual o caráter metalinguístico estivesse mais

evidenciado. Assim se justifica a nossa opção por “O poema”.

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Não podemos deixar de admitir, porém, um certo receio em trabalhar tal

texto, pois ele carrega em si uma dimensão reflexivo-filosófica bastante

profunda, o que poderia parecer “inadequado” a leitores de dezesseis anos.

Por outro lado, as palavras que havíamos lido em Vincent Jouve nos

encorajavam a permanecer com a nossa escolha: os textos mais interessantes

não são os que estão dentro das supostas disposições do leitor, mas os que

vão de encontro a elas. “Quando é confrontado com a diferença, e não com a

semelhança, o sujeito tem a possibilidade, graças à leitura, de se redescobrir”

(JOUVE, 2002, p. 131).

Além de estarmos embasados neste fundamento teórico, tínhamos a

consciência de que o nosso objetivo não era que os alunos chegassem ao

nosso nível de interpretação, mas sim que lessem o poema à sua maneira.

Ficamos pensando como seria uma experiência significativa ver um

adolescente lendo “O poema”: o que será que chamaria a atenção dos leitores?

Os resultados foram satisfatórios. A turma esteve bastante atenta e

participativa no momento de discussão do texto, o que também se deveu ao

fato de que realizariam um exercício escrito no momento posterior. Como se

poderá ver, aquelas imagens metalinguísticas, de alto nível de densidade lírica

(PINHEIRO, 2004, p. 13), aguçaram nos leitores o desejo de compreendê-las.

4.3. A metalinguagem descoberta pelos alunos

Nos poucos minutos que tínhamos para discutir com os alunos “O

poema”, utilizamos a seguinte estratégia: escrevemos o título no quadro, e, em

seguida, lançamos a primeira questão – “Será que a gente pode imaginar de

que esse poema vai tratar?”.

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O aluno Ty, lá de trás da sala, prontamente nos respondeu que “sobre o

próprio poema”. Na frente, Ni e Ar complementaram a colocação de Ty, quando

baixinho comentaram entre si que o poema era metalinguístico. É claro que, a

essa altura, os jovens leitores sequer tinham visto o texto de Quintana, mas

aproveitamos a oportunidade para explorar aquela colocação dos meninos,

porque percebíamos que eles estavam trazendo os seus saberes, as suas

descobertas para a discussão.

Escrevemos, portanto, a palavra “metalinguístico” no quadro, e

perguntamos por que aquele poema seria dessa estirpe. A resposta foi simples

e direta: “porque ele vai falar sobre ele mesmo”. “E existe metalinguagem só

quando o poema fala sobre ele mesmo, ou vocês conhecem outras formas de

metalinguagem?” – foi o outro questionamento que lançamos à turma. Ni

respondeu: “Não, quando um filme conta a história dele mesmo também

acontece...”

É importante que se diga que, desde que o experimento começara, não

havíamos mencionado a palavra “metalinguagem” na turma do primeiro ano. O

que os alunos faziam naquele momento era trazer um conhecimento

apreendido em outra situação, mais precisamente naquela pesquisa44 sobre as

funções da linguagem solicitada pela professora efetiva no início do ano.

É claro que nosso objetivo ali não era levá-los a estudar a

metalinguagem de maneira “seca” e teórica, mas conviver com poemas que

possuíssem uma dimensão metalinguística e ver como recepcionavam tais

44 Na página 33 deste trabalho, já falamos sobre esta pesquisa. Só para lembrar, a turma fora dividida em grupos, de acordo com o número de funções da linguagem proposto por Jakobson (1971). Os alunos deviam observar em seu próprio cotidiano, onde e de que modo encontravam a função a eles designada, relacionando assim o conhecimento com a própria vida. Os alunos Ty, Ni e Ar tinham ficado com a função metalinguística, daí a nítida lembrança deles acerca do assunto.

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textos. Porém, o fato dos três alunos terem sinalizado para um possível caráter

metalinguístico em “O poema” ajudou a turma no trabalho que seria feito, como

se tivessem achado ali a primeira grande pista ou coordenada deixada pelo

autor – são muitas, ainda mais em um poema como esse.

Satisfatoriamente, na atual conjuntura de ensino literário já temos

conseguido sair da ordem limitativa da “teoria e prática”, ao proporcionar que o

aluno construa a teorização por meio da convivência com o texto literário.

Como ensina Hélder Pinheiro, a nossa intenção deve ser essa mesmo: “fugir o

mais possível a um modelo aplicativo de teoria e de conceitos e buscar, a partir

da experiência concreta de leitura de obras de diferentes gêneros literários,

elaborar os conceitos” (PINHEIRO, 2006, p. 111), ainda que apenas iniciais,

pois nem sempre caberá aprofundar-se na teorização.

Mesmo cientes disso, o conhecimento que alguns alunos tinham acerca

da conceituação de metalinguagem não foi desprezado por nós, mas, pelo

contrário, aproveitado e estendido à turma como um todo. A ordem estava

invertida, – era teoria, sem ainda termos chegado à prática – mas valia a pena

considerarmos a informação, desde que o fizéssemos com cautela.

Até ali, já havíamos levado os textos “Poema obsceno” e “Traduzir-se”,

de Ferreira Gullar, mas em nenhum deles o caráter metalinguístico tinha sido

percebido pelos alunos, pelo menos a ponto de trazerem à tona o

conhecimento adquirido na pesquisa. Também, naqueles metapoemas

gullarianos, e mais especialmente no primeiro, a metalinguagem aparecia mais

como pano de fundo do que como tema central.

Como dissemos, esse procedimento na seleção de textos tinha sido

proposital, pois não queríamos cair no reducionismo de metalinguagem poética

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apenas como “poesia que toma a si como tema”, mas fazer o aluno conhecer

também outros metapoemas, em que a metalinguagem se associasse a outras

temáticas, até mais evidenciadas.

Expliquemos melhor com um exemplo concreto: no “Traduzir-se”, os

leitores perceberam um caráter metalinguístico sim (apesar de que em nenhum

momento esse nome foi mencionado) ao traduzirem “uma parte na outra parte”,

ao relacionarem poesia e música. Eles intercambiaram o campo da arte literária

com o da arte musical, e, nesse processo, estiveram o tempo todo a refletir

sobre a própria linguagem, que é etimologicamente “metalinguagem”. A

diferença era que agora, no caso de “O poema”, de Mario Quintana, a

metalinguagem saltava aos olhos de maneira mais direta.

Depois da conversa rápida acerca do termo “metalinguagem” e da

possível temática de “O poema”, entregamos o texto e realizamos uma leitura

oral. Em seguida, procedemos assim: cada verso foi lido e discutido

separadamente45 na intenção de podermos captar a percepção dos jovens

leitores para cada uma daquelas imagens criadas pelo eu lírico. No quadro,

íamos anotando as colocações dos alunos.

Como sugerem o título do texto e o verso inicial – “Um poema é...” – as

imagens procuram significar o que seria o próprio Poema, em sentido genérico,

subjetivo mesmo, tanto que aparece o artigo indefinido “um”, em vez do

definido “o”. Apesar do caráter metalinguístico evidenciado, as metáforas que

compõe o texto são à primeira vista quase impenetráveis, como se essa

45 A nosso ver, o texto de Quintana exigia uma reflexão mais pausada, como se fosse preciso decompor o todo em partes, para depois se chegar de novo ao todo. Esse procedimento de análise e interpretação tão bem explicitado e aplicado por Antonio Candido (2007) talvez se aplique a todo e qualquer texto poético, mas nos parecia uma exigência maior no caso de “O poema”.

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aparente evidenciação estivesse revestida de um caráter de opacidade

instigante. Por isso, era preciso ter cautela no trabalho com “O poema”.

4.4. A percepção oral dos leitores

Enquanto perguntávamos aos leitores sobre as imagens do poema,

fazíamos, como dissemos, anotações no quadro para registrar suas

percepções. Vale lembrar que o debate foi rápido, pois depois seria realizada a

atividade escrita. Abaixo falaremos do momento de discussão dos três

primeiros versos do texto:

Verso 1 – Um poema é como um gole d’água bebido no escuro.

Ao lermos em voz alta o verso inicial, esperando dos alunos uma

posterior impressão sobre ele, houve grande silêncio na turma do primeiro ano.

Então, resolvemos nos aproximar da imagem de maneira bem simples:

pedimos para que todos se imaginassem em uma sala ou quarto bem escuro,

com um copo d’água na mão. Ao beberem essa água, que sensação teriam?

A percepção do leitor Ty foi bem significativa: “você não vê, mas sente

a água”. A partir daí, juntos fomos chegando ao entendimento de que, ao beber

o líquido em um local escuro, estaríamos mais sensíveis ao seu gosto, ou em

outros termos, ele nos “tocaria” de uma maneira mais forte. “O poema seria

assim também?”. Deixamos a pergunta para que eles pensassem.

Outra colocação do mesmo aluno nos deu uma nova luz na

interpretação do poema. Ele lembrou-nos de que “a gente só vai tomar água

porque sente sede”, e assim, fez uma elucidativa associação: quando líamos

um poema, é porque estávamos com sede de alguma coisa, é porque tínhamos

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necessidade de algo. De fato, é por meio da literatura que é possível vivenciar

o que Antonio Candido chama de “superação do caos”, pois, “quer percebamos

claramente ou não, o caráter de coisa organizada da obra literária torna-se um

fator que nos deixa mais capazes de ordenar a nossa própria mente e

sentimentos; e em conseqüência, mais capazes de organizar a visão que

temos do mundo (CANDIDO, 1995, pp. 245 e 246). Essa é uma das razões

porque, uma vez provado o “gosto” da leitura, mais dela queremos beber.

Verso 2 – Como um pobre animal palpitando ferido.

A metáfora do “pobre animal” foi uma das que causou maior impacto nos

leitores, pois, segundo eles, remetia à “dor” e à “solidão”. É bem provável que

os alunos tenham se identificado, e mais que isso, se condoído com essa

imagem, porque ela era a única que trazia um ser vivo para a comparação com

o poema. A turma ainda esteve atenta às adjetivações “pobre” e “ferido”, que

caracterizavam, respectivamente, o animal e a ação de palpitar.

Outro elemento significativo que chegou a ser comentado por algum

aluno foi o fato de, ao encontrar-se machucado, o animal buscar o seu próprio

isolamento, como se essa fosse uma maneira de sentir sua própria dor, de

experimentar, sem interferência de outros, os seus últimos minutos de vida. “E

o que tudo isso tinha a ver com o poema, já que era com esse propósito que o

eu lírico trouxera tal metáfora?”. A questão foi apenas “lançada” aos leitores;

eles deveriam ir refletindo sobre ela, e manifestar sua percepção na atividade

escrita.

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Verso 3 – Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na

floresta noturna.

Em relação ao terceiro verso de “O poema”, os leitores fizeram duas

colocações pertinentes: primeiro, chamaram a atenção para o vocábulo

“pequenina”, que indicava o tamanho insignificante da moeda diante da

imensidão da floresta noturna; em segundo lugar, falaram sobre o material que

constituía a moeda: tratava-se de um metal nobre que trazia “luz” e “brilho”, de

modo que aquele pequeno objeto se constituía como uma espécie de tesouro,

e merecia ser procurado ainda que fosse difícil de achar.

O desafio empreendido à turma do primeiro ano era relacionar essas

percepções com a caracterização do próprio poema, pois essa era uma das

convenções programadas pelo próprio texto, ou, dito de outra forma, essa era

uma das “regras” do pacto de leitura (JOUVE, 2002) estabelecido entre os

jovens leitores e Mario Quintana.

4.5. Os jovens leitores em sua primeira46 atividade escrita

4.5.1. O tempo como fator adversário

Após a conversa sobre os três versos iniciais do metapoema, os demais

versos foram comentados apenas de relance, pois o tempo que tínhamos era

mínimo – a aula posterior ao intervalo parecia sempre menor, pois os alunos

demoravam a retornar à sala de aula.

Pensando bem, já que estávamos diante de uma peça literária mais

complexa, talvez tivesse sido melhor dispensar o exercício, e desenvolver toda

a aula na conversa sobre o texto. Nem sempre podemos esquecer, no entanto,

46 Os alunos já tinham feito o questionário, também escrito, mas aqui referimo-nos a uma atividade específica acerca da poesia.

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do sistema em que estamos inseridos: uma das coisas que havíamos

combinado com a professora efetiva era que faríamos algumas atividades

escritas – pelo menos duas – as quais ajudariam a compor a nota do segundo

bimestre de Língua Portuguesa. Tínhamos uma espécie de “dívida” com a

colaboradora, e então paramos a conversa sobre o texto de Quintana, que

ainda estava “embrionária”, e entregamos a atividade aos alunos.

Por outro lado, havia outra razão para insistirmos no exercício. Nós

mesmos queríamos ver como os leitores se expressariam na forma escrita, já

que, no oral, faziam pertinentes colocações, mas sentiam-se pouco à vontade

para falar. Além disso, seria significativo ver como cada um deles trabalharia

nesse momento mais só com o poema, ainda que tivesse havido uma

discussão rápida e coletiva sobre o texto.

Faltavam apenas quinze minutos para o término da aula quando

entregamos a atividade à turma, e, devido ao avançado da hora, não

explicamo-la oralmente. Mas o exercício era simples (ver anexo 5): tratava-se

de um comentário sobre “O poema”, onde os leitores iriam dizer: a) algum

aspecto do texto que houvesse chamado a atenção; b) reescrever e comentar

o verso de que mais haviam gostado, ou o que mais os havia inquietado; c)

refletir sobre o título do poema.

Como era de se esperar, nenhum dos leitores conseguiu terminar a

atividade em sala de aula. Assim, dissemos que levassem o exercício para

casa e que o trouxessem respondido na aula seguinte. Durante a semana,

aproveitamos para lembrar, no blog, a tarefa que tinham a realizar:

AVISO IMPORTANTÍSSIMO Não esqueçam de fazer a atividade sobre “O poema”, de Mário Quintana, e me entregar na quarta-feira (03/06). Avisem uns aos outros, ok?

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Bom trabalho a todos!!!

4.5.2. Reflexão sobre os dados

Uma semana depois da aula, quando aplicaríamos o último módulo do

experimento, recebemos a atividade sobre “O poema” – 22 alunos a

entregaram, e este é, portanto, o nosso corpus de análise; todos os exercícios

respondidos encontram-se no anexo 6. A partir de agora, observaremos cada

uma das três assertivas do exercício, começando pela letra a:

a) Após leituras e releituras, algum aspecto do poema chamou sua

atenção? Diga qual e comente livremente.

Para responder a esse questionamento, alguns leitores optaram por uma

visão mais generalizada acerca do poema. Foi o caso das alunas La e Ay:

O que mais me chamou atenção foi o modo que o autor descreveu o poema, pois alves dele falar sobre a poesia de forma direta ele coloca versos no qual devemos pensar para chegar uma conclusão o que realmente ele quer dizer (La) Algumas coisas me chamou atenção como os sentimentos que são destacados no poema como a angustia, a tristeza, a dor, o sofrimento e etc. Mário Quintana mostra tudo isso no poema, ele faz com que a gente reflita e tente explicar alguns aspectos, não só nesse poema mais em outros também (Ay)

Embora a leitora La não comente qualquer das imagens do texto, ela

percebe a construção de um processo de metaforização acerca do próprio

poema. Em outras palavras, a aluna está atenta ao fato de que quase sempre a

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poesia opta pelo caminho indireto, deixando a evidência das coisas para a

linguagem prosaica47.

Em sua resposta, a aluna ainda aponta para a necessária atividade do

leitor diante do texto: a de refletir para chegar a uma conclusão sobre o que o

autor quer realmente dizer. Nesse sentido, o máximo que o texto pode fazer é

dar indícios, conferir coordenadas, cabendo ao leitor o papel de construir o

sentido global da obra (JOUVE, 2002, p. 65). Não é exagero, portanto, ao

lermos um texto, pormos à prova o seu próprio construtor.

A leitora Ay, por sua vez, revela em sua fala uma visão peculiar do

poema, ao enxergar os sentimentos do eu lírico que estão por detrás das fortes

imagens do texto, a exemplo da “angústia”, da “tristeza”, da “dor” e do

“sofrimento”. Note-se que, com exceção de “angústia”, nenhum desses

vocábulos aparecem em “O poema”; essa é a interpretação singular de Ay, ao

deparar-se com versos tais como “Um pobre animal palpitando ferido” (v. 2), ou

talvez “Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de

poema” (v. 4). É, portanto, significativo ver como nossos alunos são capazes

de enxergar além da superfície, preenchendo espaços vazios com a sua

singular percepção.

Outras respostas dos alunos focalizaram aspectos mais específicos do

poema metalinguístico de Quintana, mais precisamente um ou outro verso que

chamou a atenção:

O autor está definindo poema, para ele é como um gole dágua bebido no escuro. Que é uma comparação bem elaborada, (Am)

47 Não queremos discutir aqui o fato de que a linguagem prosaica também se reveste de metaforização. Tomamos prosaísmo aqui no sentido de “linguagem usual”, “linguagem do nosso dia a dia”.

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“Ferido de mortal beleza” - retrata que o poema tem beleza, ilustrações e versos que emocionar mais é ferido porque ninguém dar valor ao poema a pequenas letrinhas (Na) O verso que chamou a minha atenção foi “Ferido de mortal beleza”, porque quando o autor escreve o poema, ele escreve para que as pessoas leiam e reflita sobre ele, mais as pessoas nem ligam para isso inclusive alguns jovens. Por isso que ele diz: triste, sozinho solitário. (Ru)

Veja-se a sensibilidade crítico-literária do jovem Am, ao caracterizar a

metáfora “gole d’água bebido no escuro” (v. 1) como “comparação bem

elaborada”, que certamente causou nele algum impacto. Já as alunas Na e Ru

fizeram referência ao verso “Ferido de mortal beleza”; de certa maneira, a

interpretação de ambas as jovens se aproxima, pois elas enxergam a

“emoção”, a beleza do poema, mas assinalam que tais características não são

vistas por “ninguém” (Na), nem por “alguns jovens” (Ru). Nesse ponto temos de

discordar da colocação das meninas, já que elas são exemplo de jovens para

quem o poema, ou pelo menos um verso dele, significou.

Note-se ainda que em sua resposta Ru traz os versos “Triste.”,

“Solitário.” e Único.” (vs. 5 ao 7), estabelecendo uma relação entre eles e o

derradeiro verso do poema. É como se a leitora quisesse dizer algo do tipo: “eu

percebo que o poema é ‘Ferido de mortal beleza’ justamente porque ele é

triste, solitário e único”. Essa interrelação não é percebida senão com atenção,

por meio da atuação interativa do leitor, por meio do preenchimento dos

espaços vazios do poema, como dissemos reiteradas vezes.

Mas além da leitora Ru, outro aluno citou os versos “Triste.”, “Solitário.” e

Único.”. Vejamos sua resposta:

O que mais me chamou a atenção foi quando mario quintana fala assim: triste, solitario, unico. eu comparei esse trecho do poema comigo; por que

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eu vivia triste, sozinho no caso solitário, mas agora que eu encontrei a solução hoje vivo feliz mas continuo unico. (Da )

Claramente, Da faz uma associação entre o poema e a sua própria vida,

transformando a “metapoética”, o olhar da poesia sobre si, em uma espécie de

“metaindividualidade”, o olhar do indivíduo sobre si. Na comparação entre o

poema e si mesmo, o leitor enxerga as características “triste” e “solitário” como

parte de seu passado, embora continue a sentir-se “único” em seu presente.

Pouco importa saber exatamente o que teria levado o aluno a essa

mudança do estado “triste” para o “feliz”; o significativo é notar que Da

conseguiu ver-se no poema, isto é, foi impulsionado a um confronto consigo

mesmo, a uma reflexão sobre o “estar no mundo”, em um texto metalinguístico

em que aparentemente não haveria espaço para tal. Não cremos em

superinterpretação neste caso, mas em uma interpretação perfeitamente

possível, já que é evidente que o leitor percebeu o caráter metalinguístico do

poema de Quintana, e caminhou além dele.

Os mesmos versos “Triste”, “Solitário” e “Único” chamaram a atenção de

mais alunos. Das três características trazidas pelo eu lírico para caracterizar o

poema, é a última a que mais marca os leitores:

O poema é único pois cada poeta tem sua percepção sobre algo. (Is) O que mim chamou atenção foi as palavras: triste, solitário, único, porque o poema em si é as vezes triste, as vezes solitario e sempre único e é assim que nos sentimos muitas vezes ao refletir sobre certas coisas. (So ) “triste, solitário, único”. “Pois por mais triste que ele é, por mais angústia que ele traga ele vai ser único e talvez possa até ficar marcado na vida de alguém. (Ed)

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Observemos inicialmente as respostas das alunas Is e So: para a

primeira leitora, a unicidade do poema reside na percepção singular de cada

poeta sobre os objetos que focaliza; já a segunda leitora entende que, assim

como ela, o poema pode ser triste ou solitário, mas o imutável é que sempre

será único. Essa individualidade, tão bem constatada pelas meninas, põe cada

poema no âmbito da “experiência nova e fundante” (OSAKABE, 2005, p. 50)

que se depara com a singularidade de cada leitor, provocando uma recepção

também única.

Na resposta da aluna Ed, que também enxerga a unicidade do poema

como característica peculiar, destaque-se o modalizador “talvez”: ele pode

sugerir certo descrédito em relação ao poder de significação da própria poesia,

mas por outro lado assinala a possibilidade de “alguém”, quem sabe até ela

mesma, vir a ser marcada pela poesia.

Deixamos por último a percepção do leitor We, e logo se entenderá o

motivo:

O poema fala de que, no mundo há diversos tipos de poemas e coisas para se fazer as pessoas estão voutada para a tecnologia e se esqueceram dos livros de poemas. (We)

A primeira ideia do aluno é significativa, pois o sortimento de metáforas

metalinguísticas construídas pelo eu lírico pode apontar mesmo para uma

diversidade de tipos de poemas – por exemplo, um pode ser “como um gole

d’água bebido no escuro”; outro pode ser “como um pobre animal palpitando

ferido”; outro pode ser apenas “solitário” ou “triste”; e outro ainda, e parece ser

esse o caso do texto de Quintana, pode ser tudo isso junto.

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No entanto, na continuidade da resposta de We deparamo-nos com uma

interpretação inadequada de “O poema”: o aluno contrapõe a referida

diversidade ou sortimento de poemas existentes no mundo à pouca ou

nenhuma leitura deles, pois as pessoas “estão” mais “voltadas para a

tecnologia”. A percepção do leitor é válida como reflexão que relaciona o

poema com a sua própria realidade, mas é inadequada porque “o poema não

“fala” acerca disso, nem abre espaço para tal.

A leitura deste jovem nos surpreendeu, principalmente porque ele era

um dos mais participativos de nossas aulas. Mas, como aqui estamos em

caráter de investigação, temos que dizer que sua percepção não veio do nada.

Na aula, quando comentávamos o verso “Como pequenina moeda de prata

perdida para sempre na floresta noturna”, construímos junto à turma o

entendimento de que essa “moedinha” que é o poema, apesar de feita de metal

nobre, não raro ficava perdida na floresta noturna de nossas próprias vidas.

Daí, então, na tentativa de fazer alguma ponte entre aquela imagem

metalinguística e a juventude deles, fizemos de relance um comentário acerca

da realidade atual, em que muitas vezes prefere-se estar na internet – nada

contra ela, nós a utilizamos aqui – em lugar de dar um passeio com os amigos

ou ler um livro. Os tesouros ou preciosidades vão, então, mudando, conforme o

homem muda.

Deixemos claro, porém, que em nenhum momento tomamos essa

reflexão como argumento do poema, mas apenas como um comentário extra,

aqueles “devaneios necessários” que nos fazem ter a consciência de que o

poema, o poeta, de alguma maneira nos fala. Tanto isso é verdade que, dos 22

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alunos que estavam presentes na aula e que responderam a atividade, apenas

o leitor We fez uso do comentário. O que o teria levado a agir assim?

Difícil saber, mas lembramo-nos de que, ao falarmos sobre o assunto,

esse jovem foi o único que dialogou conosco, inserindo-se entre aqueles que

não costumavam ler poemas, porque preferiam fazer outras atividades. É

possível que, por ter ajudado a construir a informação, tenha guardado-a com

mais afinco.

Ao que parece, o equívoco residiu em uma pouca maturidade do leitor

para reconhecer o que cabia no poema, e o que não cabia, já que nem tudo

que comentamos na aula será estritamente relacionado à leitura e

interpretação que fazemos do texto literário.

b) Reescreva o verso do qual mais gostou ou que de algum modo o

inquietou e, em seguida, diga como você o compreendeu;

Na análise dos dados desta assertiva, traremos os versos citados pelos

leitores, na ordem em que aparecem no poema, e, em seguida, os necessários

comentários acerca de seus escritos.

Um poema é como um gole d’água bebido no escuro.

Dos 22 leitores da turma do primeiro ano, 6 remeteram ao verso inicial

do poema. Abaixo, selecionamos duas dessas respostas:

“Um poema é como um gole d’água bebido no escuro”. O que mais ou menos entendi foi que mesmo no escuro e com vários sentimentos saltando é como um gole satisfatório mesmo com muita sede. (Je) O verso que eu mais gostei foi o primeiro verso, que diz assim: um poema é como um gole d’agua bebido no escuro, como já foi debatido na sala de aula o que o autor quis passar foi o seguinte sentido que quando você bebe água no escuro você não vê mais no entanto esta sentindo, a mesma

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coisa acontece com poema, você não vê mas esta sentindo o que o eu lírico quer passar através do poema. (Da)

A colocação do leitor Je é significativa: ele lembra que o poema é como

um “gole”, uma pequeníssima quantidade de água, mas o suficiente para saciar

a sede, ainda que grande. Note-se que o aluno percebe “vários sentimentos

saltando” do poema, ou, em outros termos, está sensível à carga emocional

que perpassa o metapoema de Quintana.

Já o comentário do leitor Da revela pelo menos duas coisas: primeiro, a

sua atenção ao debate em sala de aula, e segundo, e isso é o mais

significativo, a necessidade de se “sentir” o poema. Embora os nossos olhos

enxerguem o papel onde está escrito o poema, a experiência com o texto

literário não virá senão pela “degustação” dele, como se estivéssemos mesmo

no escuro, saboreando esse “gole d’água” tão pequeno, mas indiscutivelmente

precioso. Essa experiência singular e personalíssima, no entanto, aplaca a

sede apenas momentaneamente (PINHEIRO, 2004, p. 14), o que aponta para

a poesia como alimento diário, cotidiano, vivificante.

Como um pobre animal palpitando ferido.

A metáfora do “pobre animal” foi referida por 5 leitores do primeiro ano.

Aqui, traremos os comentários de duas alunas:

“Como um pobre animal palpitando ferido”, eu gostei mais desse verso porque um animal ferido ele só que ficar sozinho, as pessoas nem querem ajudar a eles, ele fica desamparado, triste, solitário, deixando a dor só pra ele, é como o autor do poema se sente quando as pessoas não dão a mínima importância ao poema. (Ru) “Como um pobre animal palpitando ferido”, e acho que diz que o poema, alguns pessoas não gostam. (Se)

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Para Ru, assim como um animal ferido, o eu lírico – ela usa o termo

“autor” – precisa do momento de solidão para vivenciar a sua dor. Logicamente

que a imagem foi criada por Quintana para metaforizar o próprio poema, mas,

em certo sentido, o poema é a extensão do poeta, e só existe por meio dele.

A leitora está no caminho adequado, pois a ideia da solidão perpassa

mesmo o poema de alto a baixo: no primeiro verso, a imagem do “gole d’água

no escuro” evoca a ocultação; no segundo, o animal ferido a palpitar leva de

pronto a uma condição de isolamento, primeira reação típica de todo ser

convalescente; no terceiro verso, com a “moeda de prata perdida” na

imensidão da floresta noturna vem à tona a condição de “perdição”; e o que

dizer do verso “solitário”, ou do “único”, ambos individualizando,

particularizando, cada vez mais o próprio poema?

Na visão da jovem leitora, a dor do “autor” reside no fato de não haver

quem ouça o seu canto, já que “as pessoas não dão a mínima importância ao

poema”. Mais uma vez, o modo singular de percepção de Ru tem razão de ser;

para chegar a esse entendimento, provavelmente ela também trouxe a

memória o verso seguinte – “Como pequenina moeda de prata perdida para

sempre na floresta noturna” – que de certa maneira corrobora o anterior: o

poema é tesouro, mas nem sempre encontrado.

Note-se ainda que a aluna faz uma associação entre o verso do animal

ferido e os versos “triste” e “solitário”, trazendo inclusive o termo

“desamparado”, que não existe no poema, para descrever a forte sensação

emocional daquela imagem.

De fato, há muito o que pensar sobre o segundo verso do metapoema:

“mais que fragilidade, estamos diante de uma condição absolutamente agônica,

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das mais dolorosas” (PINHEIRO, 2004, p. 14). O verbo “palpitando”, que está

no gerúndio, evoca uma situação em contínua vivência, onde o bater do

coração do animal ferido é o bater do poema em “constante resistência”, para

lembrar Bosi (2000). A forma verbal contrasta inclusive com as adjetivações

“pobre e ferido”, pois nem elas são capazes de paralisar a “pulsação”, a

“palpitação” do coração do animal, do coração do poema.

Analisemos o comentário da outra aluna, que também selecionou o

verso do “pobre animal ferido” como sua maior preferência ou inquietação. Se

percebeu que a imagem do animal ferido causa certa repulsão, e entendeu ser

isto uma metaforização para o próprio poema.

Não há como negar que por vezes somos tentados a fechar o livro

diante de imagens/cenas que nos inquietam, nos chocam, nos enojam, nos

paralisam... No entanto, esse texto que nos desconforta, que faz vacilar as

nossas bases históricas, culturais, psicológicas, é justamente aquele que nos

faz fruir (BARTHES, 1987, p. 31). Se por um lado temos que admitir, como diz

a aluna, que “algumas pessoas não gostam” do poema, por outro não significa

que o poema de que não gostamos não tenha nada a nos dizer. A resposta da

leitora reitera isso, pois ela mesma citou um verso que d’alguma forma lhe

repulsionou.

Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta

noturna.

Outros leitores, exatamente 6 deles, fizeram referência a este verso.

Algumas colocações desse grupo de alunos:

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Eu compreendi o verso “Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna” o autor compara o poema com uma pequena moeda so que seu valor é caracterizado por cada pessoa que le o poema. (El ) “Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna” – citou uma moeda como exemplo que uma coisa mais simple na escuridão da floresta agente temos que dar valor muitas vezes o livro o poema nas bancas. (Na) “Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna”. O autor está retratando o poema como pequeno más porém brilhante e estará para sempre. (Am)

A leitora El percebe que existe uma singularidade do leitor em sua

relação com o poema, ou seja, é o leitor quem dará a medida de seu valor.

Lembremos que a imagem criada pelo eu lírico compara o poema a uma

“pequenina moeda de prata”, mas no cenário “floresta noturna”. Há um nítido

choque aí: a claridade da prata e a escuridão da noite, a pequenez da moeda e

a grandiosidade da floresta se confrontam e ao mesmo tempo se associam em

uma metáfora que, por isso mesmo, diz muito do poema, esse “objeto”

indizível. Como entende El, somente o leitor pode encontrar a moeda, ou,

então, deixá-la perdida na imensidão da floresta.

Vale acrescentar que tal busca não é somente do leitor, já que existe

uma relação forte de cumplicidade entre ele, o texto e o autor, e que foi tão

bem colocada por Roland Barthes (1987). No fundo, esses três elementos se

procuram, e só o intercâmbio entre eles possibilitará a concretização de

sentidos:

O texto é um objeto fetiche e esse fetiche me deseja. O texto me escolheu, através de toda uma disposição de telas invisíveis, de chicanas seletivas (...); no texto, de uma certa maneira, eu desejo o autor: tenho necessidade de sua figura (...), tal como ele tem necessidade da minha (BARTHES, 1987, p. 38).

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Voltando às respostas dos alunos, a leitora Na interpreta a metáfora

“pequenina moeda de prata perdida” à sua maneira, como tem que ser,

fazendo uma ligação pertinente entre o que o eu lírico diz e a sua própria

realidade: em suas palavras, a “coisa mais simples na escuridão” era o livro, o

poema nas bancas, mas que parecia ficar perdido em meio à floresta de

exemplares.

E embora nem sempre o leitor busque o texto literário, o significativo era

ver que d’algum modo o texto literário estava buscando o leitor: a turma do

primeiro ano estava realmente tendo acesso a um tesouro, estava tendo o

direito de satisfazer sua necessidade universal de fantasia (CANDIDO, 2002), e

a impressão que tínhamos era que alguns viviam esta experiência pela primeira

vez.

O terceiro comentário, o do aluno Am, chega a ser poético: de

“pequenina moeda de prata” ele extrai que o poema é “pequeno e brilhante”; do

restante da metáfora, “perdida para sempre na floresta noturna”, ele focaliza o

“estará para sempre”. Realmente, o poema permanece, mais do que na página

do livro, na lembrança do leitor a quem marcou.

É T. S. Eliot (1991) quem nos diz: se há de fato uma função social

essencial da poesia, é que ela nos dê prazer. Um poema só consegue “estar

para sempre”, quando, primeiro, atingiu esse estágio no leitor.

Neste ponto em que estamos já é possível vislumbrar como “a poesia

pode ser um elemento fundamental de educação da sensibilidade”. De fato,

“em todas as épocas os poetas e poetisas (...) nos oferecem experiências

humanas que carreiam forças, sentimentos capazes de nos tocar (PINHEIRO,

2008, p. 25).

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Talvez o mais significativo em tudo isto seja a descoberta de que a

poesia, e a literatura de forma geral, só é “fator indispensável de humanização”

porque ensina como a vida: ela “confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e

combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas”

(CANDIDO, 1995, p. 243).

Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.

Nenhum aluno respondeu a assertiva b citando este verso, e é bom

observar que todos os demais versos do poema foram pelo menos referidos48

nas colocações dos leitores. Como explicar tal ausência?

Temos pelos menos duas hipóteses: primeiro o tratar-se de uma imagem

difícil, construída com duas abstrações – “angústia” e “misteriosa condição” –

que pouco ajudam na compreensão do que seria “o poema”. Uma análise

cuidadosa nos mostrará, no entanto, que essa é exatamente a intenção do eu

lírico: o verso é tão nebuloso, e, consequentemente, o leitor fica tão embebido

por uma aura de mistério, que ele mesmo experimenta a angustiosa “condição

de poema”; ela é quase palpável.

A nossa segunda hipótese para a não citação do verso é simples e

direta: essa foi a imagem menos comentada em sala de aula. Como ocorreu

com os jovens leitores, a metáfora também causa desconforto em nós. Pinheiro

(2004) nos dá alguma luz, ao sinalizar que a misteriosa condição do poema

“talvez consista em ser algo discreto, mas de brilho perene que pede olhar

atento”. Sua condição misteriosa seria então, a sua própria angústia

48 Os versos “Triste.”, “Solitário.” e “Único.”, que são posteriores ao verso “Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema”, também não foram diretamente citados pelos leitores, mas eles vez por outra aparecem como referência indireta nas respostas dos alunos.

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(PINHEIRO, 2004, p. 15), sentimento difícil de descrever, mas vivenciado à

medida em que avançamos na leitura do poema.

O fato dos leitores ficarem temerosos de citar o verso 4 fez-nos refletir

sobre a importância do compartilhar juntos as impressões do poema, sobre a

necessidade da mediação do professor como condutor do “jogo” de leitura e

interpretação (LEITE, 1983), e não como juiz dele.

Na nova perspectiva de trabalho que queremos, devemos fugir das aulas

expositivas mas não podemos abrir mão das aulas dialogadas, construídas por

meio da relação de troca de experiências entre educador e educando. Muito

provavelmente, se tivéssemos conversado mais sobre o verso da “misteriosa

condição”, ele teria sido referido pelo alunado.

Ferido de mortal beleza

O último verso do poema foi citado por 3 leitores. Abaixo, trazemos

como exemplo o significativo comentário de Ed:

“Ferido de mortal beleza”. Pelo que eu entendi ele quis dizer que por mais triste que o poema seja ele pode ser muito bonito. (Ed)

A aluna conseguiu perceber duas características fundamentais da

imagem: a tristeza e a beleza, um misto aparentemente impossível, mas talvez

por isto mesmo inquietante. Note-se que para indicar a maneira como percebe

a metáfora, Ed usa o intensificador “muito”, o que sugere ter sido tocada pelo

verso.

Corroborando o que vem sendo dito ao longo de “O poema”, o verso

“Ferido de mortal beleza” surge como se fosse resultado das sete metáforas

anteriores, ou melhor ainda, como se as concentrasse nele mesmo.

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Uma observação

Para terminar a análise das respostas referentes à assertiva b, vale citar

ainda as colocações dos leitores Ni e Em, que se diferenciaram das demais

pelo seguinte aspecto – como se poderá ver a seguir, eles falam de um verso

do qual mais gostaram, e de outro que os inquietou:

Na verdade no poema houve dois versos especiais: um que gostei e outro que me deixou inquieto. O que gostei foi o primeiro verso “um poema é como um gole d’agua bebido no escuro” neste verso o “eu-lírico” descreve muito bem o poema, pois o poema realmente é isso pra mim, nós não vemos o poema, mas simplesmente o sentimos. Já o verso que me deixou inquieto foi o último verso que diz o seguinte: “Ferido de mortal beleza”, o que me deixou inquieto neste verso foi o fato de não compreende-lo muito bem, ou seja, minha inquietação se deve ao ar de mistério que este verso tem para mim. (Ni) O verso que mais gostei foi - Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna. E é assim que mais uma vez, certas pessoas se sentem; Elas tem um brilho enorme mas, se perderam no meio de tanta angústia e solidão. Mas o que me deixo inquieta foi - Ferido de Mortal beleza - justamente pelo fato que eu não o entendi. (Em)

No início da fala de Ni, trechos como “o poema é isso pra mim”, ou o “ar

de mistério que este verso tem para mim”, remetem a um importante processo

de particularização em que o leitor caminha da experienciação do eu lírico para

a sua própria experienciação. É claro que a significação do leitor só é

construída por meio da vivência do mundo particular que é o poema, mas longe

de ser uma recepção passiva, a leitura se apresenta como uma interação

produtiva entre o texto e o leitor, de modo que é este quem lhe dá completude

(JOUVE, 2002, pp. 61 e 62).

Outro aspecto válido a se notar é que a inquietação de Ni diante do

verso “ferido de mortal beleza” provém de sua própria incompreensão acerca

da imagem, o que só nos leva a confirmar o quanto somos atraídos pelo

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mistério, por aquilo que passa além da nossa lógica49. A esse respeito, vale

trazer uma citação de Lígia Chiappini Leite (1983):

Quando a mediação é o texto literário, um texto que expressa a vontade de criar, um texto que mais interroga do que responde, um texto opaco, cuja obscuridade misteriosa é o desafio que propõe a busca de sentido, ela facilita a tarefa. Mas desde que tentemos explorar ao máximo as suas potencialidades, ou, pelo menos, desde que não atrapalhemos o encontro dos alunos com ele e, através dele, consigo mesmos e com os outros (LEITE, 1983, p. 113).

Olhemos agora para o comentário da aluna Em. Repare-se que ela

procura trazer o poema para mais perto de si: a pequenina moeda de prata

passa a ser metáfora para o próprio ser humano, precioso tesouro às vezes

ofuscado nas situações difíceis da vida, com “tanta angústia e solidão”. A

reflexão da leitora mostra-nos como a maturidade literária não se confunde

necessariamente com a maturidade etária; a jovem Em sabia que o poema

estava falando sobre ele mesmo, mas isso não a impediu de ir além, de traçar

novos caminhos de interpretação.

Interessante é notar também que, à semelhança do que ocorreu com Ni,

a aluna sentiu-se inquieta com o verso “ferido de mortal beleza” justamente

pelo fato de não o ter compreendido – não raro ficamos marcados por um texto

literário, lendo-o e relendo-o por anos a fio, justamente por não

compreendermos um verso, uma estrofe, ou ele todo.

Só para deixar claro, não estamos fazendo aqui uma “apologia da

incompreensão”, mas tão somente admitindo a importância de lidarmos

49 Só para lembrar, Ni já havia assinalado a sua fascinação pelo “impenetrável” no trabalho com o “Poema obsceno”, de Ferreira Gullar; para o aluno, aquele havia sido o mais marcante poema do experimento, como ele deixou explícito em comentário postado no blog.

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também com o incompreensível, pois é na ultrapassagem desta barreira que

reside o caráter emancipatório da arte (JAUSS, 1994).

c) Reflita sobre o título do texto: por que será que o autor o

chamou de “O poema”?

Para responder a esta questão, a maior parte dos alunos apenas definiu

o que seria metalinguagem poética, o que não é de se estranhar, visto que não

se exigia mais do que isso deles. O que queremos dizer é que a assertiva ficou

“pobre”, ou, dito de outra forma, careceu de uma melhor elaboração para que

pudesse vir a extrair algo mais dos leitores. Eis algumas respostas deles; no

fim, todas procuram dizer a mesma coisa:

Foi chamado de “O poema” porque fala sobre o próprio poema. (Ad ) Fala do próprio poema e como ele estivesse contando a história do poema falando o que ele é (...) (Wa) Pois ele quis explicar o poema fazendo um poema. (La) pelo fato de se referir aos poemas. (We) Acho que porque tem esse titulo por que é um poema que fala do proprio poema que diz o que é um poema. (Se) eu acho que o Altor escolheu o título do texto justamente para falar sobre o que é um poema então ele faz algumas comparação que o poema é isso e aquilo como está escrito no poema. (Ec)

Não é difícil ver que há um nítido empobrecimento quando se considera

a metalinguagem pela metalinguagem, isto é, quando a compreensão do

metapoema está alicerçada unicamente em se perceber que ele volta-se para

si mesmo. Pouco adianta identificar que “O poema” fala sobre o próprio poema

a não ser pelo que advém de suas imagens, pelo que esse texto diz como

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indagação profunda de sua própria razão (CAMPOS, 1977, p. 36). Quase como

aquele ideal de “arte pela arte” dos parnasianos, a metalinguagem, se ficar

apenas nesse nível, é aquilo que Alfredo Bosi chama de “poética da

metalinguagem”, já que o poético, que deveria ser o foco toda vez que se lida

com poesia, encontra-se encoberto, “deslocado e posto em código até adquirir

a consistência de uma retórica de formas ou de conteúdos” (BOSI, 2000, p.

170).

Mas na turma do primeiro ano existiram algumas respostas, poucas é

verdade, que foram além da simples definição de metalinguagem. Vejamos

algumas:

Porque eu acho que o autor queria tratar um sentimento forte e transformá-lo em um poema. (Je) Porque ele refletiu sobre o que um poema pode ser, o que ele causa nas pessoas e então escreveu esse poema com o nome de poema para chamar a atenção dos leitores. (Is) porque reaumente dava tudo pra ser um poema por causa das frases. e é muito bonito. (Ed)

Note-se que Je focaliza “O poema” não exatamente por seu caráter

metalinguístico, mas pelo nível de sentimentalidade nele presente, como se a

metalinguagem estivesse subordinada à esfera maior da significação.

Pensando bem, o texto de Mário Quintana nos toca porque antes tocou o eu

lírico. Dito de outra forma, não é por falar sobre o poema, mas sim por falar

sobre esse objeto por meio de um olhar emocionado, para quem o próprio

poema, e, abstraindo, a poesia, é tão surreal que só pode ser comparado a

imagens da estirpe de “um gole d’água bebido no escuro”, “um pobre animal

palpitando ferido”, ou de “uma moeda de prata perdida para sempre na floresta

noturna”.

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A segunda resposta, a de Is, revela um alto nível de percepção

interpretativa e merece ser analisada com cuidado. Inicialmente, devemos

atentar para o detalhe de que a leitora utilizou o verbo “refletir” para demonstrar

a atitude do eu lírico na construção do poema. E, na sua reflexão, o eu lírico

teria pensado em duas coisas: no “que um poema pode ser” e no que o poema

“causa nas pessoas”.

Pensemos agora no “que um poema pode ser”. É significativo especular

por que Is utilizou a forma verbal condicional “pode ser”, em vez de um tempo

verbal de certeza como “é”. A leitora notou que o eu lírico se expressa por meio

de comparações, como se olhasse o mundo ao seu redor e procurasse

encontrar aquilo que seria igualado a seu objeto mais caro, o poema. Na sua

difícil tarefa, o poeta alcança profundo nível de densidade lírica, com a

construção de imagens insólitas e misteriosas, especialmente nos três versos

iniciais (PINHEIRO, 2004).

Mas parece que mesmo essas metáforas tão bem elaboradas ainda não

dizem tudo o que “um poema é...”, mas tão somente o que ele “pode ser”. É

como se as reticências estivessem ali, mesmo sem estar. É como se a jovem

leitora soubesse que oito versos, mesmo aqueles, são pouco para traduzir “O

poema”.

Daí advém outra questão: importa considerar também que “o poema

pode ser” porque, para lembrar um texto de Cecília Meireles, pode ser “isto”

para mim, e “aquilo” para outra pessoa. A ideia estruturalista de poema como

“organização auto-suficiente e auto-produtora de sentido” construída pelo poeta

se abala quando tal poema chega ao leitor. Aí, então, é preciso admitir que o

texto poético é uma formação porosa, constituída de vazios a serem

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preenchidos pela figura que nele deposita seu conhecimento e experiência

singulares: o leitor (ZILBERMAN, 1989 / In: SMOLKA, 198950). No fim das

contas, é ele, o leitor, quem dirá o que “um poema é...”.

Is captou bem essa informação: na outra parte fundamental de sua

resposta ela diz que o eu lírico reflete sobre o que o poema “causa nas

pessoas”, porque, de fato, o poema não age da mesma maneira em todo

mundo, assim como cada leitor age de um modo único sobre o poema.

Refletindo, então, sobre os versos de Quintana, pode-se perceber que a

relação de causalidade apontada pela jovem Is está alicerçada no fato do

poema ser aquele gole d’água que bebemos, aquele palpitar do animal ferido

que sentimos, aquela moeda de prata perdida que desejamos... Há uma

identificação entre o que o poema é, e o que ele provoca em nós: ele só é

porque atua em nós; ele só é porque, como em Adélia Prado, o “trem de ferro”,

a coisa mecânica, “virou só sentimento”51.

E sentimento que não se constrói necessariamente em uma relação

amistosa, mas por vezes em um relacionamento conflituoso, no qual poeta e

leitor se enfrentam, medem forças, e, por fim entendem que ninguém tem que

vencer, porque quem permanece mesmo é a Poesia.

Chegamos, agora, ao último comentário selecionado, que de certa

maneira exemplifica o tópico sobre o que falávamos há pouco. A leitora Ed

revela em sua resposta o que o poema “causou” nela mesma: na sua visão,

aquilo “dava tudo pra ser um poema por causa das frases”. As frases são,

como sabemos, os versos do poema; cada pedacinho da construção poética

50 Como estamos fazendo uso de dois textos de Regina Zilberman, ambos de 1989, escreveremos “In: SMOLKA” toda vez que utilizarmos este. 51 A ideia está presente no metapoema “Explicação de poesia sem ninguém pedir”, de Adélia Prado.

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parece ter tocado a leitora, a ponto dela terminar o seu texto com a sincera

expressão “e é muito bonito”.

Para quase concluir as colocações acerca da questão c da atividade,

convém dizer que apenas dois alunos remeteram ao termo “metalinguagem”

em suas respostas, o que para nós soou como um dado positivo. Logo se

entenderá o porquê, mas, antes, olhemos para os escritos dos leitores:

Eu acho que o autor usou essa metalinguagem o “poema” por que ele queria passar o sentido do poema para que a gente venha refletir sobre este lado de leitura. (Da) Na minha opinião Mário Quintana pôs esse nome no poema porque ele explica o próprio poema com um poema. Vale lembrar que ele utiliza a função metalinguística (quando explicamos um tema com o mesmo tema) nesse poema. (Ni )

Deixemos claro o seguinte: não temos aversão ao termo

“metalinguagem” ou qualquer coisa assim. De certa maneira é relevante ver

que dois alunos da turma lembraram-se de que o procedimento estilístico de

falar do poema em um poema recebe a designação técnica “metalinguagem”.

O que nos deixa satisfeitos, porém, é ver que todos os demais leitores, que não

remeteram diretamente a essa nomenclatura, perceberam também a

metalinguagem que existia ali.

A esse respeito, Teresa Colomer nos lembra de que as crianças, e por

que não dizer, os jovens leitores, têm facilidade de aprender o que é um título,

um personagem, um conto ou um poema. Mais tarde, então, vão saber “o que

é uma comparação ou uma lenda e, logo, o que é uma metáfora, um

personagem secundário ou um início in media res. E, no entanto, todas essas

coisas já existem nos livros que lêem antes de sabê-las explicitamente”

(COLOMER, 2007, p. 66)

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Estamos, pois, caminhando para uma descoberta-chave deste trabalho:

a metalinguagem poética é significativa não como teorização, mas como tema

que nos introduz, por meio da vivência com o poema metalinguístico, na

reflexão e percepção sobre a própria poesia. Dessa vivência pode sim nascer a

teorização, e esse é, inclusive, um passo a mais nesse caminho.

O contrário, entretanto, é mais difícil. Da teorização raramente nascerá a

vivência, porque aquela tende a ficar no nível da racionalidade, enquanto a

outra, no patamar da experiência. O jogo é o seguinte: experimentamos

primeiro, e, se quisermos, podemos racionalizar tal experiência; quando

começamos racionalizando, porém, trancamos a porta dos nossos sentidos

para a significação, porque tudo já nos é dado de pronto.

Nesse sentido, não é difícil entender porque somente dois alunos da

turma remeteram ao termo “metalinguagem” em seus exercícios. Lembremos

que, no dia da aula, a conversa acerca da pesquisa sobre as funções da

linguagem aconteceu antes dos alunos chegarem à leitura de “O poema” – até

então, o único conhecimento que tinham era do título do texto. Eles não haviam

experienciado o poema metalinguístico, e por isso, por mais que se

esforçassem em “decorar” o que era metalinguagem, a informação dizia-lhes

pouco, ou mesmo nada.

Como ensina Roland Barthes, era preciso que a porta do prazer fosse

aberta, e que o metapoema, à semelhança dos prazeres da vida (um petisco,

um jardim, um encontro, uma voz, um momento, etc.), entrasse no catálogo

pessoal das sensualidades do leitor; ou então que se abrisse, ao invés do

caminho do prazer, “a brecha da fruição, da grande perda subjetiva,

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identificando esse texto com os momentos mais puros de perversão, com seus

locais clandestinos” (BARTHES, 1987, p. 76).

Concluindo este tópico, e mais que isso, o relato do módulo IV, é preciso

dizer que não postamos “O poema” no blog por uma razão principal: ele já

havia sido bastante explorado em sala de aula, e já contávamos com uma boa

quantidade de dados escritos acerca dele. Temíamos utilizar sempre as

mesmas estratégias, pois isso poderia cansar os internautas.

5. Módulo V (27/05/09)

Para o último módulo do experimento com a poesia metalinguística,

planejamos talvez o “desafio dos desafios”: era a hora de testar a hipótese de

que, mesmo os textos mais difíceis, ou seja, aqueles que contrariam a

percepção usual do sujeito (ZILBERMAN, 1989), são passíveis de ser

interpretados pelos leitores – a seu modo. De certa forma, o módulo anterior,

em que havíamos levado “O poema”, tinha funcionado como uma preparação

para o que aconteceria agora.

No plano destes momentos finais (ver anexo 3), pensamos no seguinte:

na primeira aula e em parte da segunda iríamos concluir o trabalho de

convivência com a poesia metalinguística trabalhando dois poemas de Ferreira

Gullar, “Desastre” e “Poema poroso”; no momento restante, então,

conversaríamos sobre o experimento.

5.1. A luta na escolha dos poemas

É preciso se dizer inicialmente o quanto nos deu trabalho a escolha dos

últimos metapoemas a serem levados à turma do primeiro ano. Dentre uma

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grande variedade de textos do poeta Gullar, tínhamos muitas opções: levar um

outro poema lírico-social atrelado à metalinguagem, como é o caso de “Agosto

1964”, “Meu povo, meu poema”, “A bomba suja” e tantos outros textos do livro

Dentro da noite veloz (1975); levar poemas metalinguísticos mais “leves”, onde

há de certo modo uma brincadeira com a metalinguagem, como acontece em

“A voz do poeta”, “That is the question” e “O poema na rua”; optar por um outro

metapoema consagrado como o “Traduzir-se”, escolhendo talvez “Arte poética”

ou “Subversiva”; ficar com os “poemas-desafiadores”, caso de “Desastre” e

“Poema poroso”, a nossa escolha.

Ao ler os poemas que selecionamos (ver anexo 4), temos a certeza de

que poucos professores de literatura se arriscariam a introduzi-los em uma

turma de leitores de primeiro ano. Mas por que razão não fazê-lo? Na nossa

ainda ínfima, mas, para nós, significativa experiência de ensino, sabíamos de

uma coisa: os poemas “lírico-sociais”, os “leves” e os “consagrados” já parecem

carregar em si uma característica que os torna propensos ao gosto dos leitores;

os “poemas-desafiadores”, não. Esses são aqueles que tendem a causar no

aluno certo impacto, e não raro certa aversão, mas é interessante como esse

agir diferenciado do texto sobre o leitor pode ser um caminho de conquista do

gosto literário.

De fato, segundo Regina Zilberman, o estranhamento ou choque no

destinatário, que advém da relação tensa entre o sujeito da percepção e o

objeto estético, é o que torna esse objeto de valor (ZILBERMAN, 1989, p. 19).

Era esse caminho contraditório que queríamos experienciar com aqueles

jovens, mesmo sabendo da real possibilidade de fracassarmos.

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5.2. A discussão em grupo sem a intervenção do professor

No trabalho propriamente dito, a metodologia utilizada foi a seguinte:

dividimos a turma em grupos de 4 alunos, e entregamos a cada equipe a folha

avulsa contendo os dois metapoemas de Ferreira Gullar. Designamos, assim,

parte dos grupos para ler e discutir o texto “Desastre”, e outra parte para fazer

o mesmo com o “Poema poroso”.

Dessa vez optamos por não ler os poemas em voz alta, e avisamos que

eles mesmos é que fariam e testariam entre si a leitura expressiva. Ficamos

então a observar e passear pelos grupos, e pudemos ver o quanto lhes parecia

dificultoso encontrar um caminho de leitura oral, por causa da dificuldade de

dar significação aos poemas metalinguísticos.

Também pudera: que “desastre” era aquele que tinha a ver com “poema

podre”, e não com acidente de carro ou de avião? E se ninguém ali sabia o que

era uma coisa porosa, como ia entender do que tratava o “poema poroso”?

Eram mais ou menos esses os questionamentos aflitos que os alunos da turma

lançavam sobre nós.

Apesar disso, tínhamos a convicção de testar aquilo a que nos

propuséramos, e por isso permanecemos na posição de não ajudá-los nesse

momento. A oportunidade era única: no nosso entender, os leitores podiam ir

muito além do que imaginavam, e era preciso que eles também se dessem

conta disso. Ademais, todos nós vínhamos em processo de convivência com a

poesia há cinco semanas, lendo e conversando sobre os poemas, tanto na sala

de aula quanto no blog, o que levava a crer que já eram capazes de se

expressarem mais sozinhos.

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O período de tempo, admitimos, era pouco, mas esse não era, nem é, o

ponto principal. O fundamental é entender – e este trabalho subsiste nisso –

que a literatura, a poesia, faz o trabalho por si mesma, quando damos aos

alunos a oportunidade de viver e conviver com ela. Isto é para nós mais do que

uma teoria; é uma experienciação em que acreditamos tanto que sentimo-nos

constrangidos a repassá-la. Afinal, onde mais haverá tanta liberdade de “ser

outro sem deixar de ser o mesmo”?

A literatura permite ‘ser outro sem deixar de ser o mesmo’, uma experiência que, como a do jogo, oferece o mistério de permitir ser e não ser – ou ser mais de uma coisa – ao mesmo tempo. É através dessa experiência tão particular de sonhar-se a si mesmo que se dá ao leitor um instrumento poderoso de construção pessoal e uma completa dimensão educativa sobre os sentimentos e ações humanas (COLOMER, 2007, p. 61).

Na aula, aquele era o momento da turma do primeiro ano experimentar o

jogo do “sonhar-se a si mesmo”, como nos disse Teresa Colomer. Ou, para

usar outra metáfora, era o momento de serem como que bandeirantes. A “terra”

a ser encontrada parecia difícil, mas eles receberiam as ferramentas para

chegar lá. Foi nesse momento que entramos com a nossa contribuição mais

direta; após dar tempo para que fizessem a leitura oral em grupo, escrevemos

no quadro duas perguntas para direcionar a discussão sobre os poemas:

1) Que tipo de poema o eu lírico quer escrever?

2) Por que ele procura o poema com essas características?

Como se pode notar, os questionamentos estavam bem interligados:

primeiro vinha o momento de identificar o tipo, ou seja, a característica

essencial do poema que o eu lírico desejava escrever. Em seguida, os leitores

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deveriam refletir sobre a razão, ou as razões, dessa procura. Haveria algo de

diferente nesse poema que o eu lírico buscava? O que era? Por que ele queria

esse, e não um outro tipo de poema?

Esses desdobramentos que surgiam das duas questões-chave iam

sendo colocados por nós enquanto visitávamos os grupos. A compreensão,

porém, eram eles que iriam construir. Demos, portanto, um tempo para que

pudessem conversar sobre as possíveis “respostas” – em termos, pois para

Gadamer, toda obra já é a resposta a uma pergunta (ZILBERMAN, 1989); caso

os alunos quisessem, poderiam também fazer alguma anotação no caderno.

Novamente, sentimos que o instante era desafiador para a turma do

primeiro ano. Muitos grupos nos chamavam ao mesmo tempo, alguns para

pedir auxílio, direção, e outros – a grande maioria, diga-se de passagem – para

solicitar de nós respostas prontas.

Se aquele era um desafio para os jovens leitores, não era diferente

conosco. Tínhamos diante de nós duas opções: voltar à metodologia usual de

ler e discutir os textos com a turma, e assim cessar o desespero dos alunos

diante dos “incompreensíveis” metapoemas; persistir com a estratégia de

trabalharem entre si, acreditando que seriam capazes de compreender os

poemas à sua maneira.

Ficamos com a segunda opção, a que nos oferecia o diferencial de

conhecer várias possibilidades de interpretação literária: não nos interessava

“transmitir” para os leitores a nossa própria leitura, mas captar o modo único de

leitura de cada um daqueles grupos.

Enquanto a discussão se processava, percebíamos que os alunos iam

crescendo no exercício da investigação literária, como bandeirantes que

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procuram pistas da terra almejada. Ao captar o sentido de um verso, de uma

estrofe, acendia-se uma luz cada vez maior que ia indicando caminhos para a

interpretação do “todo”52.

Terminado o momento da discussão oral em grupo, pelo planejamento

da aula seria a hora de externarem uns para os outros o que haviam

descoberto acerca dos poemas – isso enriqueceria muito a aula, pois permitiria

aproximar/confrontar percepções diferentes de “Desastre” e “Poema poroso”.

Infelizmente não houve tempo para tal socialização, e tivemos que utilizar

“outra carta da manga”, ou o “plano b”, como se costuma dizer.

Prevendo que algo assim poderia acontecer, em casa havíamos digitado

as mesmas duas perguntas que colocamos no quadro com um espaço de

linhas abaixo para que os grupos pudessem se expressar na forma escrita (ver

anexo 7). Como os leitores já haviam discutido os textos oralmente por um bom

tempo, não tiveram grandes dificuldades de transmitir as ideias para o papel, e

na mesma aula, nos entregaram a atividade. Essa foi, pois, a estratégia que

utilizamos para assegurar os dados da nossa investigação, já que ficamos

impossibilitados de gravar em áudio a socialização, que não aconteceu.

E que dados significativos foram aqueles: os jovens leitores superaram

todas as nossas expectativas. Sem sombra de dúvidas, eles foram muito além

do que nós, e eles mesmos, poderiam imaginar. O módulo V estava sendo

concluído e apontava para uma real maturação daqueles jovens leitores. É o

que se constatará no tópico seguinte. 52 Essa ideia de interpretação do “todo” é muito relativa: será que alguém chega a uma interpretação total de um poema? Muito provavelmente não. Como nos lembra Teresa Colomer, “a compreensão literal de um texto (...) só existe em formas extraordinariamente limitadas de comunicação. Se pensarmos em uma boa telessérie de humor, “literal” seria o que diz o personagem, mas para rir o espectador tem que entender muito mais” (COLOMER, 2007, p. 70). Como os dois metapoemas de Gullar eram textos reconhecidamente difíceis, o que queríamos mesmo era captar e refletir sobre o modo de aproximação e leitura dos alunos, ou, sendo mais claros, ver o que conseguiriam compreender deles, como iriam interpretá-los.

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5.3. Análise dos escritos dos leitores

O nosso corpus de análise constou de 10 exercícios, cada um deles

referente a um grupo diferente de alunos. É preciso se dizer que houve um

equívoco metodológico de nossa parte: deveríamos ter designado 5 grupos

para o poema “Desastre”, e 5 grupos para o “Poema poroso”, mas o que

tivemos mesmo foi 6 equipes para o primeiro, e 4 equipes para o segundo

poema. De todo modo, isso não veio a comprometer os dados da pesquisa,

pois continuamos com um bom número de interpretações distintas para os

metapoemas. E isso era, de fato, o que nos interessava.

5.3.1. “Desastre”

Começaremos este momento trazendo e analisando respostas de alguns

grupos que ficaram com o poema “Desastre” – as respostas de todas as

equipes referentes a esse texto se encontram no anexo 8. Como as duas

perguntas da atividade se complementam, traremos sempre os escritos de

ambas. Lembramos, mais uma vez, que as colocações dos leitores são deles

mesmos, sem interferência nossa. A única atitude que tivemos foi a de lançar-

lhes os questionamentos; a leitura oral, a discussão grupal do poema, e a

posterior escritura do que foi discutido, tudo isso foi obra dos alunos.

GRUPO 153

Me, Da, Wa e Am

1) Ele quis fazer um poema diferenciado que estivesse relacionado ao público. Porque quando ele falou das frutas podres no prato ele se refere ao mercado publico”

53 Coincidentemente estamos iniciando com o grupo 1, mas não consideraremos aqui ordem crescente ou decrescente na numeração dos grupos.

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2) Ele quer demonstrar neste poema que o poema não é feito só pra ricos mas para gente mais pobre também

Para responder ao questionamento inicial, ou seja, “que tipo de poema o

eu lírico quer escrever”, o grupo 1 percebeu uma característica essencial do

metapoema “Desastre”: ali o eu lírico procura fazer uma criação poética

diferenciada, que d’alguma maneira se destaque dentre as outras, os poemas

apenas “comuns”. Para falar com mais precisão, o eu está rejeitando o poema

“mármore ou cristal” (vs. 3 e 4), e está em busca do “poema podre” (v. 14), ou,

na outra metáfora, o poema que se compara a “um desastre em curso” (v. 25).

Em sua resposta, os rapazes Me, Da, Wa e Am também apontaram para

um segundo elemento crucial, que se perfaz na relação entre o poeta e o seu

público – lembremos sempre que não há sobrevivência do texto sem o leitor,

pois “qualquer obra, por mais sólida que pareça, compõe-se na realidade de

“hiatos” (EAGLETON, 2001, p. 105) a serem preenchidos por quem a lê.

Nas linhas de “Desastre”, o eu lírico revela o anseio por um poema que

se processa à semelhança de “pêssego/ pêra / banana apodrecendo num

prato” (vs. 5 ao 7), em um misto de desintegração que contraditoriamente se

processa como a forma de integração do poema, do poeta, no mundo.

O desejo intenso de estar na “varanda”, em meio às vozes e barulhos da

rua, pode ser facilmente revisitado ao longo da obra poética de Ferreira Gullar,

é claro, em criações54 sempre novas e únicas. Quase sempre o que aparece é

a matéria calada, amorfa, em processo de mortificação; a essa matéria não dão

54 Ver poemas como “As pêras”: “As pêras, no prato, / apodrecem. / O relógio, sobre elas, / mede / a sua morte?” (...); ou então “Frutas”: “Sobre a mesa no domingo / (o mar atrás) / duas maçãs e oito bananas num prato de louça / São duas manchas vermelhas e uma faixa amarela / com pintas de verde selvagem: uma fogueira sólida acesa no centro do dia (...)”; conferir ainda “Bananas podres” e “Bananas podres 2”.

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mais a mínima importância, mas é ali, naquele seu último estágio, que ela se

embebe e se impregna da mais latejante vida: a que vem do povo, a que vem

da rua. Assim, a podridão do poema, que à primeira vista parece ser a sua

sentença de morte, é na verdade a sua tábua de salvação – nunca ele esteve

tão vivo, tão “exposto” em sua “química de sílabas”, em sua “desintegração de

metáforas”, como naquele momento.

Esta reflexão que ora fazemos nos vem a partir da resposta dos leitores

da turma do primeiro ano. Ali, no entanto, os alunos se equivocam em um

aspecto, mais exatamente quando afirmam que, ao falar das frutas podres no

prato, o eu lírico “se refere ao mercado público”. Embora a percepção tenha a

sua lógica, pois esse é o espaço provável de se encontrar frutas, verduras, o

poema não nos permite fazer tal colocação. Se há algum local no metapoema é

tão somente a varanda, que inclusive aparece não como concretização, mas

como possibilidade: “e se possível /numa varanda / onde pessoas trabalhem e

falem “(vs. 8 e 9).

Esse entendimento acerca do espaço “mercado público” levou os jovens

leitores a responderem ao segundo questionamento da atividade da seguinte

forma: “Ele quer demonstrar (...) que o poema não é feito só pra ricos mas para

gente mais pobre também”. Ora, tomando-se o mercado como lugar aberto a

todas as classes sócio-econômicas, mas especialmente frequentado pelos

mais pobres, que inclusive são os que vendem os produtos, há que se

entender por que os alunos raciocinaram assim.

E apesar de “Desastre” não ter sido feito exatamente para “demonstrar”

que o poema é feito para todos, como diz o grupo, há dois pontos bem

significativos no modo de ver dos alunos: o primeiro é que eles repararam no

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caráter metalinguístico do poema, ou seja, passaram pela porta principal na

interpretação do mesmo; o segundo ponto é que os leitores atentaram para a

necessidade de identificação do eu lírico com o povo, com a gente de qualquer

classe, de qualquer cor, pois o que esse eu quer mesmo é misturar-se com as

ações, vozes e barulhos que procedem da rua, o único meio de chegar ao

“poema podre” – é perecendo que o poema se tornará imperecível.

Além disso, a equipe ainda foi capaz de notar que a poesia não costuma

acertar-se muito com rotulações: esse poema é para rico, esse para pobre,

esse para criança, esse para adulto... O poema se mostra como “polpa fendida

e exposta” ao leitor que satisfaça apenas uma condição: a de doar-lhe os

sentidos para ver, ouvir, e sentir-lhe o odor. A própria escritura do texto, aliás,

já é a prova cabal de que ele deseja o leitor (BARTHES, 1987, p. 11).

GRUPO 10

Ra, Ed, Dy e Ma

1) É um poema estranho pelo qual chame atenção de muitos, e que possa lançar um desafio de ler e tentar interpretá-lo. 2) Como a maioria dos poemas falam de amor e entre outros eles apenas quis fazer um poema pobre, para fazer com que o mesmo seja comentado.

Pensando especificamente no caráter metalinguístico do poema

“Desastre”, à semelhança do grupo 1 quase todas as equipes de alunos

entendeu a metáfora do “poema podre” como a busca do poema diferenciado,

exausto de ser apenas “verde” ou “maduro”, se assim podemos nos expressar.

Como se pode constatar, no trecho em que respondem à pergunta 1, as

leitoras do grupo 10 usam o termo “poema estranho”, no esteio daquilo que o

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eu lírico quer provocar, e que, de fato, provoca nelas. As alunas percebem

mais: que a reação de estranhamento está associada à intenção de chamar a

atenção do leitor, e “fisgar-lhe” para o desafio da leitura e interpretação. Talvez

o mais significativo em tudo isto seja o fato de que Ra, Ed, Dy e Ma estão

descrevendo a sua própria situação de leitoras, isto é, elas próprias vivenciam

a desafiadora interpretação de “Desastre”.

Na resposta ao segundo questionamento, novamente as alunas trazem

dados de investigação relevantes para a nossa pesquisa: na visão delas, ao

procurar fazer o “poema podre55”, o eu lírico está rompendo com a ideia comum

de que os poemas costumam versar sobre o amor; a metalinguagem, então,

aparece como tema inesperado, que irá por isso mesmo causar uma reação

diferente no leitor: nas palavras das meninas, “fazer com que o mesmo seja

comentado”.

Um dos mitos que queríamos desfazer ao desenvolver o trabalho na

turma era justamente esse que a colocação do grupo evocou. Não é verdade

que dentro da poesia só cabem as temáticas relacionadas aos sentimentos

humanos, embora grande quantidade de poemas tomem essa matéria como

assunto principal. Como já dissemos, a poesia não gosta nem de limitações,

nem de rotulações, mas prefere estar livre para tomar qualquer tema, desde

que seja do seu interesse no momento singular de feitura do poema.

Ao utilizar a estratégia de iniciar o experimento com a poesia lírico-

amorosa, e só depois levar a poesia metalinguística, era isso que queríamos

que os alunos percebessem. E foi o que ocorreu, sem que tenhamos feito

nenhum comentário direto a esse respeito. Os leitores descobriram por eles

55 Na resposta, elas usam o termo “pobre”, mas cremos que queriam dizer “podre”.

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mesmos, construíram um conhecimento teórico56 significativo a partir da

convivência com o texto literário. E, nesse ponto, vale trazer as palavras de

Pinheiro:

(...) não defendo a idéia de se começar a estudar literatura partindo de conceitos advindos da teoria da literatura. Acho a teoria literária importantíssima, mas para os professores, para os críticos, para os leitores já iniciados. Para jovens leitores, não me parece boa idéia e os resultados para a formação de leitores de literatura estão aí para comprovar (PINHEIRO, 2006, p. 115).

Temos mesmo que pensar: em que a “transmissão” da teoria literária

tem ajudado na formação de jovens leitores, especialmente de ensino médio?

Muito pouco, para não dizer nada. O máximo que se tem conseguido é formar

ótimos alunos que sabem de cor autores, obras e estilos de época literários,

mas que não conseguem ser leitores literários, porque se enrolam na leitura do

mais elementar dos textos.

Aliás, as “Orientações curriculares para o ensino médio” constatam

haver mesmo um declínio da experiência de leitura de textos ficcionais na

passagem do ensino fundamental para o ensino médio, de modo que nessa

última fase os livros de literatura infanto-juvenil, ou de alguns poucos autores

representativos da literatura brasileira são substituídos pela história da

literatura e seus estilos. No caso da poesia, então, um dos mais graves

problemas é a fragmentação e isolamento de poemas, que aparecem apenas

porque são considerados exemplares de determinados estilos literários

(BRASIL, 2004, p. 63).

56 Bem, não se trata exatamente de um conhecimento “teórico”, como o podemos entender na teoria da literatura. De todo modo, queremos assinalar a construção de conhecimento em que os alunos aparecem como os próprios construtores, ao invés de meros receptores de informação.

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No nosso experimento, porém, caminhávamos contra essa correnteza. O

eixo das aulas que construíamos era sempre o texto literário, não isolado,

amorfo, perdido, mas em encontro dinâmico com o leitor.

GRUPO 3

Sa, Ru e Na

1) Ele quiz divulgar um poema simples que demonstrase frutas podres que as pessoas ouvisse nas ruas este grande barulho do poema. 2) para chamar atenção das pessoas por onde passasse.

Vale a pena trazer ainda as colocações do grupo 3, composto

exclusivamente por leitoras. Aqui também se comprovará uma percepção

adequada do caráter metalinguístico de “Desastre”. É significativo notar que

diferentemente do grupo 10, que entende o poema como “estranho”, Sa, Ru e

Na o percebem como “simples”, especialmente pelo fato de haver ali uma

busca de aproximação com a rua, ou melhor, com as pessoas que nela andam,

falam e vivem. Daí decorre que, em sua resposta, as alunas “tocam” em um

outro ponto fundamental não só do texto, mas da obra poética de Ferreira

Gullar como um todo: a questão do barulho57.

Olhando para “Desastre” com atenção, percebemos que o eu lírico

pretende que seu poema seja tal qual fruta “apodrecendo no prato” (v. 7), e

prato que está “numa varanda” (v. 9), já que esse é o lugar donde é possível se

ouvir “o barulho da rua” (v. 12). Ocorre, porém, que as leitoras enxergam um

outro lado dessa história, ou, dito de outra forma, fazem uma interpretação

57 Em Gullar, não apenas o “barulho” é elemento fundamental, mas o seu diálogo com o silêncio, como nos ensina Alcides Villaça (1998).

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diferenciada desse trecho; para elas, o próprio poema se processa como um

“grande barulho”, que será ouvido pelas pessoas da rua.

No fundo, é como se houvesse entre o “poema podre” e as pessoas uma

relação de cumplicidade, em que um se impregna e depende do outro – a

“polpa fendida” se embebe dos barulhos da rua, e assim, ela também passa a

ser estrondo58, voz, barulho, que não passará despercebido. No pequeno

trecho em que dão resposta à pergunta 2 da atividade, as alunas demonstram

que entenderam justamente isso: o eu lírico faz o poema “para chamar a

atenção das pessoas por onde” passar.

GRUPO 9

Ja e Ay

1) Bem, este poema não fala sobre “Desastre” porque desastre nada mais é um prejuízo ou acidente. O nome desse poema deveria ser “coisas malucas.” 2) Porque ele queria fazer um poema com características diferentes para que algumas pessoas não conseguisse desifrar.

O último grupo a que queremos fazer referência é o de número 9,

formado por duas alunas. Olhando bem para suas respostas, pode-se entender

que o poema “Desastre” parece ter apresentado um grau de dificuldade maior

para Ja e Ay. Na resposta à pergunta 1, entende-se claramente que as leitoras

não conseguiram ver ligação entre o título do poema e o texto propriamente

58 Aqui dá para lembrar do “Muitas vozes”, um dos mais recentes metapoemas de Ferreira Gullar, que está no livro de mesmo nome, publicado em 1999. Eis a estrofe final: “Meu poema / é um tumulto, um alarido: / basta apurar o ouvido”.

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dito, ou seja, o seu conhecimento acerca do significado da palavra “desastre”

entrou em choque com a proposta metalinguística do eu lírico.

Devemos nos recordar de que tal atitude de estranhamento entre título e

texto também ocorreu no trabalho com o “Poema obsceno”, de Ferreira Gullar.

Ali, depois do necessário choque, os leitores puderam então conhecer uma

nova forma de obscenidade, assentada em uma perspectiva lírico-social.

O fato é que, na interpretação literária, são acionados muito mais

conhecimentos que o linguístico59. Mesmo assim, a partir do entendimento

básico de que “desastre” só podia ser “prejuízo ou acidente”, Ja e Ay poderiam

ter avançado um pouco mais no desbravamento do texto, já que ali o eu busca

fazer um poema que se processe “como um desastre em curso” (v. 25), isto é,

como um acidente mesmo.

O desastre almejado se explica em toda a última estrofe do metapoema,

onde, aliás, estão concentradas as metáforas mais dificultosas: aparece “o

avesso da voz / minando / no prato” (vs. 17 ao 19), “o licor a química / das

sílabas” (vs. 20 e 21) e “o desintegrando-se cadáver / das metáforas” (vs. 22 e

23). Note-se bem que a busca do eu lírico é sempre perpassada pelo

sentimento de destruição, como confirmam as formas verbais “minando” e

“desintegrando-se”.

Mais uma vez intensifica-se o desejo por aquilo que é diferente, por

aquilo que sai da ordem estabelecida por uma desordem que se constitui como

modo de sobrevivência do poema e do poeta. O grito que emana da segunda

59 No livro Lutar com palavras, Irandé Antunes (2005, p. 33) esclarece que o ato de escrever é uma atividade que envolve, além de especificidades linguísticas, outras, pragmáticas, ligadas a condições do contexto ou da situação da qual faz parte. Trazendo essa teorização para o universo da literatura, ao se deparar com um texto literário, o leitor deve estar atento sobretudo à polissemia das palavras, que muitas vezes adquirem sentidos diferentes do usual, sendo empregadas em sentido figurado, ainda mais em se tratando de poesia.

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estrofe de “Desastre” revela com veemência esse anseio, ou por que não dizer,

desespero do criador em seu processo de criação: “Ah quem me dera / o

poema podre!” (vs. 13 e 14). Na estrofe anterior, relembremos, já havia a

rejeição ao poema “mármore ou cristal”.

Assim, ao chegar à estrofe final do poema, o leitor se depara com uma

espécie de ápice ou clímax, um derramamento de emoções que é constatado

no ritmo acelerado dos versos, na “força” dos fonemas que o constituem e, é

claro, nas imagens trazidas pelo eu lírico. Não se procura a voz, mas o seu

contrário, ou mais precisamente o “minar” do som, porque o som mesmo já se

ouviu muito. Não se buscam propriamente as sílabas, essas todos os poemas

têm, mas a química, o licor que delas “escorre”. Não se querem as metáforas,

figura-mestra de qualquer poema, mas a desintegração do seu cadáver. Tudo

isso reunido, eis então o “poema podre”, o “desastre em curso”, que é

construído enquanto se fala nele. Para as meninas do grupo 9, porém, esse

“desastre” parece apenas “coisas malucas”, como elas afirmam na resposta 1.

Em contrapartida, a segunda colocação do grupo revela bastante

coerência. Semelhante ao que ocorreu com outras equipes, Ja e Ay observam

que o eu lírico procura “um poema com características diferentes” e com uma

função específica; no entendimento das alunas, essa função estaria em fazer o

poema indecifrável para algumas pessoas. Note-se que as leitoras são parte do

grupo de pessoas a quem o poema “Desastre” se mostra obscuro e enigmático

e, portanto, elas estão falando de uma situação que vivenciam.

Mas se por um lado o desejo de fazer o “poema podre” traz

necessariamente o risco de certa indecifração, devido principalmente a seu

caráter inovador, por outro não podemos esquecer o anseio do eu lírico de

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misturar-se às vozes e barulhos da rua, em uma aproximação com as pessoas

que ali estão. O poema, em franco processo de desintegração, procura a

sobrevivência na vida que emana do povo. Essa situação ambígua nos revela o

quanto um metapoema como esse precisa ser perscrutado, investigado,

duvidado por seu leitor. Como ensina Vincent Jouve, “qualquer que seja o tipo

de texto, o leitor, de forma mais ou menos nítida, é sempre interpelado.”

Caberá a ele assumir ou não para si próprio a argumentação desenvolvida

(JOUVE, 2002, p. 22). O grupo 9 estava indo no caminho certo; faltou, apenas,

ousar um passo a mais.

5.3.2. “Poema poroso”

Como já dissemos anteriormente, apenas 4 equipes da turma do

primeiro ano trabalharam com o “Poema poroso”, de Ferreira Gullar. Neste

momento, traremos e analisaremos as respostas de alguns desses grupos,

tendo como foco a valorização do modo singular de leitura de cada um deles –

as respostas de todas as equipes que ficaram com esse texto se encontram no

anexo 9.

Mas antes de começarmos, deixemos claro o seguinte: a leitura e

interpretação deste metapoema parece ter oferecido aos alunos um grau de

dificuldade maior, quando comparado ao poema “Desastre”: na discussão oral,

as equipes de leitores que mais solicitavam a nossa presença eram justamente

as que haviam ficado com o “Poema poroso”; o que os alunos mais nos

perguntavam era acerca do significado da palavra “poroso”, pois entendiam

sabiamente que esse vocábulo era chave dentro do texto.

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As respostas escritas revelam-nos algo relevante – mesmo os poemas

mais aparentemente impenetráveis são passíveis de interpretação por parte de

nossos alunos.

GRUPO 4

Ec, Ni, Ar e Ty

1) Ele quer escrever um poema que se trata de um romance diferente por uma coisa sem alma e sem rosto.” 2) Porque ele ama o que ele faz, e queria demonstrar esse Amor com seu próprio Amor, o poema

Na resposta à primeira questão, aquela que pergunta sobre o “tipo de

poema que o eu lírico quer escrever”, o grupo 4 percebeu um aspecto

fundamental: à semelhança do que ocorria em “Desastre”, aqui também há o

desejo de construir-se o poema diferenciado – os alunos o entenderam como

“sem alma” e “sem rosto”. Note-se que, destas duas metáforas, apenas a

segunda aparece no poema (v. 12), de modo que a outra, “sem alma”, é uma

interpretação de Ec, Ni, Ar e Ty. De fato, o que se quer mesmo é o poema “de

terra”, “poroso”, “de poeira”, não havendo muito espaço para se pensar na

alma, que é transcendência, ou na forma do rosto, que é individuação que

empobrece.

A segunda resposta dos leitores e leitoras é ainda mais significativa, já

que aponta para uma estreita ligação entre o poema e o poeta, ou, por que não

dizer, para a relação passional que se estabelece entre ambos. Se notarmos

bem, no “Poema poroso” há uma linha progressiva de intensificação do desejo,

que se evidencia principalmente no fato do poema aparecer como interlocutor a

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quem o eu lírico dirige-se diretamente: “De terra te quero; / poema, / e no

entanto iluminado.” (vs. 1 a 3); “assim te quero / sem rosto / e no entanto

familiar” (vs. 11 ao 13).

O poema aparece, então, como uma espécie de musa do poeta, o que

não se aplica, por exemplo, ao texto “Desastre”, no qual o poema aparece

referido ora em terceira pessoa – “Há quem pretenda / que seu poema seja /

mármore” (vs. 1 ao 3) –, ora em primeira – “o meu / o queria pêssego / pêra /

banana apodrecendo num prato” (vs. 4 a 7) – sugerindo uma relação mais

laboral entre artista e criação. Em “Poema poroso”, no entanto, parece haver

um envolvimento afetivo muito maior, como se o que existisse fosse um

romance entre o poeta e o poema.

Deve-se notar, inclusive, que os leitores utilizam o termo “romance” em

sua primeira resposta. Isso pode ter ocorrido por alguma confusão entre poema

e narrativa, mas é mais aceitável pensar que o grupo interpretou o “Poema

poroso” pelo viés da sentimentalidade, o que fica facilmente comprovado na

resposta que dão à segunda pergunta da atividade: “Porque ele ama o que ele

faz, e queria demonstrar esse Amor com seu próprio Amor, o poema”.

A interpretação metalinguística dos leitores surpreende: eles percebem

que há uma carga de afetividade tal envolvida no ofício de poeta, que o próprio

poema aparece como objeto de demonstração do amor. Mais uma vez o desejo

de construção desse objeto – em “Desastre”, o “poema podre”, aqui, “o poema

poroso” –, ao ser expresso, desencadeia o seu próprio nascimento. Em outros

termos, o que era apenas “pretensão” no primeiro metapoema, e “anseio” no

segundo, torna-se concretização em ambos por meio da escritura do que se

pretende e do que se deseja.

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GRUPO 7

Ad , Se e So

1) Ele quer um poema que escreva as formas, ou mudanças dessa terra, como os eclipses; ou um poema que demostre como funciona. 2) Para demostrar como é que a terra funciona.

O grupo 7 traz em sua resposta inicial a referência a uma metáfora

significativa dentro do “Poema poroso”, que se encontra exatamente na

segunda estrofe: “De terra / o corpo perpassado de eclipses, / poroso / poema /

de poeira (...)” (vs. 4 a 8). Trata-se, pois, da referência aos “eclipses”, bem

entendida pelas alunas Ad , Se e So como aquilo que sugere mudança,

transformação. Se o eclipse é o espetáculo que faz a terra parar para assisti-lo,

assim também o eu lírico deseja que aconteça com seu poema poroso – ali, o

que se quer de fato é o poema “de terra” e, ainda assim, “iluminado” (vs. 1 e 3).

Repare-se mais uma vez nesta última idéia: o eu lírico deseja que sua

poesia carregue a porosidade da terra, o chão que os vivos pisam, e no qual os

mortos dormem. Ele aceita que a morte irremediável apagará a “forma” da

“mão/ por ora ardente” (vs. 20 e 21), mas também sabe que esta mesma mão

escreverá o poema “iluminado”, porque feito da matéria imprescindível a vivos

e mortos. Assim, o poema e a poesia sobreviverão, a despeito do

aniquilamento do poeta.

A segunda resposta das alunas, que repete em parte a primeira, toca no

veio metalinguístico do “Poema poroso”, exatamente no que se refere à

intenção de se fazer um poema que demonstre o funcionamento de alguma

coisa – para as leitoras, “como é que a terra funciona”.

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Se atentarmos para o fato de que a expressão “De terra” é recorrente no

início das três estrofes, e também para outros elementos, a exemplo da

referência aos “eclipses” (v. 5), à “poeira” (v. 8), “ao chão do quintal” onde “a

galinha cacareja e cisca” (v. 14 e 17), e, principalmente, se consideramos que

as jovens leitoras estavam diante de um poema de interpretação

demasiadamente difícil, entenderemos como bastante coerente o seu

raciocínio.

Portanto, embora não possamos dizer expressamente que o texto

gullariano foi feito com a intenção de demonstrar como a “terra” funciona, há

que se perceber que as leitoras captaram a ideia metalinguística essencial: o

poema constrói-se por meio do desvendamento de algo, mais precisamente a

exposição de sua própria matéria, ou seria melhor dizer, a revelação daquilo

que se deseja que o poema seja: “De terra te quero; / poema, / e no entanto

iluminado”.

Sem o saber, as alunas estão dialogando com uma importante ideia de

Walter Benjamin (1994, p. 170): na era moderna, a obra de arte deixa de ser “a

aparição única de uma coisa distante, por mais perto que esteja”, e começa a

ter sua aura relevada. A arte não é mais apenas expressão, mas construção

que advém da participação do próprio público.

Na poesia metalinguística, em especial, o que era misterioso aparece

quase como se estivéssemos diante do making off de um filme, novela ou

documentário de TV. Um meta-poema não é aurático, e isso porque sua feitura

está à mostra, dessacralizada e nua (CHALHUB, 1998, p. 47).

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GRUPO 2

Ke, La, Je e Ge

1) Ele quer escrever, um poema que seja feito como plantas na terra, que os sentimentos e palavras brotem sem esforço, e como o perfume das flores surgem a partir de algo minúsculo, e até mesmo a poeira, e mesmo assim consegue, que não tenham um rosto mas ainda se dá para sentir o que quer nos passar, mas do jeito que cresce também se apaga com o tempo. 2) Porque os seus sentimentos estão em puro nascer; ou seja; estão fluindo e ele quer ou deseja muito, que esses sentimentos perdurem e que eles venham com muita felicidade ou bons sentimentos.

Questionados sobre a pergunta inicial, o tipo de poema que o eu lírico

deseja escrever, os alunos e alunas do grupo 2 construíram uma resposta

bastante reflexiva, que merece ser analisada com atenção. Eles comparam o

nascer do poema a duas metáforas principais: a primeira é “plantas na terra”, e

a segunda, “perfume das flores”.

Com relação à primeira imagem, vale observar que ela não está

expressa no texto, de modo que surge como uma espécie de “interpretação

criativa” dos alunos, bem adequada por sinal. Terry Eagleton nos ensina que a

obra literária, quando valiosa, violenta ou transgride os modos normativos de

ver e, desse modo, nos ensina novos códigos de entendimento (EAGLETON,

2001, p. 108). De certa maneira, esta transgressão estava sendo vivenciada

pelo grupo de leitores quando eles criaram uma imagem, talvez mais próxima,

para o entendimento da metáfora do poema que o eu lírico deseja escrever.

Ke, La, Je e Ge notaram o seguinte: o poema almejado deve ser o mais

natural possível, com “sentimentos e palavras” que “brotem sem esforço”.

Realmente, o “poema poroso” deve ser simples “como o chão do quintal /

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(sombra de todos nós depois / e antes de nós / quando a galinha cacareja e

cisca).” (vs. 14 a 17).

A presença do chão do quintal, bem como da galinha60 que o pisa, não é

novidade na poesia de Gullar. Ela aparece à maneira de fixação, revelando a

permanência do universo diante da impermanência do homem. Se ele, homem,

fica d’alguma maneira, é somente por meio de sua “impregnação” nos

elementos, sejam objetos, frutas ou animais: no avião, em “Electra II”; nas

tábuas do soalho em “Sob os pés da família”; na tangerina, em “O cheiro da

tangerina”; nas águas sujas e rasas, em “O poço dos Medeiros”; no grito rouco

do galo antes da morte, em “Galo galo”, e assim por diante.

Pensemos agora na segunda metáfora que os leitores trazem em sua

resposta, o “perfume das flores”. É importante notar que a expressão vocabular

que aparece no metapoema é tão somente “perfume”, como podemos ver nos

versos seguintes: “(...) poroso / poema / de poeira – / onde berram / suicidas e

perfumes;” (vs. 6 a 10).

A imagem sinestésica dos “perfumes que berram” causa-nos

propositadamente uma estranheza, e certa aversão talvez, se pensarmos em

sua aproximação com os suicidas, constituindo uma ambiência de morte. Mas

o poema se quer dessa maneira, feito da poeira onde dormem os suicidas, e da

qual exalam os cheiros da matéria humana, porque é exatamente ali que a

terra e o homem se encontram e se entendem. O poema, assim, será

iluminado como se pretende.

É significativo notar que os alunos do grupo 2 trabalharam a

interpretação da imagem dos “perfumes” em consonância com o entendimento 60 A galinha e o galo são “personagens” recorrentes na obra poética de Ferreira Gullar. A título de exemplo, citamos os poema “Galo galo” e “A galinha”.

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da outra metáfora, “plantas na terra”. Essa foi a maneira que encontraram para

preencher alguns vazios do texto, pois “embora raramente percebamos,

estamos sempre formulando hipóteses construtivas sobre o significado” do que

lemos (EAGLETON, 2001, p. 105). Assim, tal como as plantas, pequenas e

capazes de exalar precioso perfume, o poema surge com o seu odor de pó, o

“poroso / poema / de poeira” (vs. 6 a 8).

Ke, La, Je e Ge ainda fazem referência a outro elemento importante

dentro do metapoema: a imagem do “sem rosto”, cuja indefinição não opera o

desconhecimento, pois “ainda dá para sentir o que” o poema “quer nos passar”.

Vejamos de novo os versos nos quais a metáfora está presente: “assim

te quero / sem rosto / e no entanto familiar / como o chão do quintal” (vs. 11 a

14). O poema que se deseja deve ser suficientemente genérico, para que todos

caibam em seu rosto informe, e suficientemente familiar, para que cada um se

identifique nele como objeto único.

Na finalização da sua resposta, os leitores procuram interpretar a estrofe

final do “Poema poroso”, a qual repetimos aqui:

De terra, onde para sempre se apagará a forma desta mão por ora ardente.

Logicamente o grupo continua seguindo o seu raciocínio interpretativo,

ou seja, fazendo uso da metáfora das flores. Tal como a planta que cresce,

mas que “se apaga com o tempo”, assim acontecerá com o poeta,

metonimicamente representado pela sua “mão / por ora ardente” (vs. 20 e 21).

De certa maneira, o aniquilamento do poeta será a salvação do poema, já que

ali ocorrerá a mistura de ambos, formados pela única e mesma matéria, a terra.

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Esse é o momento em que o poema se fará “iluminado” (v. 3), terá o “corpo

perpassado de eclipses” (v. 5), com os berros “dos suicidas e perfumes” (vs. 9

e 10). É aí também que será “sem rosto / e no entanto familiar” (vs. 12 e 13),

em uma reunião de metáforas que se resume na pretensão de ser apenas o

“poema poroso”.

Em relação ao segundo questionamento da atividade, o grupo 2

justificou o desejo do eu lírico em construir o poema “de terra” por meio da

necessidade de expressão de sentimentos, que estariam “fluindo”, “em puro

nascer”. Nesse sentido, o próprio poema surge como maneira de garantir a

permanência de tais sentimentos, pois ainda que o poeta se aniquile, sua voz

perdurará através de sua criação.

GRUPO 5

An, El, Ta e We

1) O eu lírico retrata uma comparação sobre vários tipos de poemas, entre eles o dramático e o poema mais suave. 2) Ele quer dizer que muitas vezes o poema é passageiro (esquecido) para algumas pessoas, e o compara com a terra, que escrevemos algo nela e depois de um tempo ela o apaga.

O grupo 5, formado por alunos e alunas, acaba por trazer uma resposta

à primeira vista incoerente para a primeira pergunta da atividade. Como se

nota, An, El, Ta e We enxergaram no “Poema poroso” uma comparação sobre

vários tipos de poemas, incluindo-se o dramático e o mais suave. De onde

teriam extraído isso?

Antes de julgarmos o entendimento dos leitores, devemos procurar

compreendê-los, colocar-se em seu lugar. Lembremo-nos de que as imagens

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que compõem o metapoema são bem nebulosas, mas também apontam para

uma gradação, que se inicia com a metaforização intensa e avassaladora de

um poema “iluminado” (v. 3), com “o corpo perpassado de eclipses” (v. 5) e

“onde berram / suicidas e perfumes” (vs. 9 e 10); depois, há uma nítida

suavização das metáforas, quando o eu lírico passa a almejar o poema “sem

rosto / e no entanto familiar / como o chão do quintal” (vs. 12 a 14), em um

esforço de aproximação daquilo que é simples, o território onde pisam homens

e galinhas. Por último, então, o eu abandona as inúmeras adjetivações, e quer

apenas o poema “de terra” (v. 18), já que ali é o lugar da sua própria

aniquilação, no qual poeta e poema estarão juntos. Portanto, ao enxergarem no

texto de Gullar uma comparação sobre vários tipos de poemas, é bem provável

que os leitores estivessem observando tal gradação, ainda que em menor

profundidade de análise.

Já a resposta que o grupo deu à pergunta 2 revela um entendimento

coerente, mas ainda imaturo em relação à principal imagem do poema, a

saber: “de terra”. Os alunos e alunas conceberam essa terra como lugar

“passageiro”, “esquecido”, transitório, e, para isso, utilizaram como argumento

o fato de que, quando escrevemos algo na terra, “depois de um tempo ela o

apaga” – eles provavelmente se firmaram na estrofe final do poema para fazer

tal afirmação.

Embora seja essa a lógica humana, não é assim que ocorre no poema.

No mundo subjetivo criado pelo eu lírico, a terra é, ao contrário, o lugar

“eterno”, “lembrado”, “perene”, não em um sentido místico ou transcendental,

mas em uma visão consciente de que essa é a matéria que compõe todas as

coisas, e da qual se deseja que o poema também seja feito, para permanecer.

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O modo como An, El, Ta e We interpretaram a metáfora não deve, de

maneira nenhuma, ser descartado. As “Orientações curriculares para o ensino

médio” nos advertem de que “nem sempre a leitura literária, como experiência

estética, flui de modo espontâneo”. Existem pontos de resistência no aluno-

leitor (seu repertório, os lugares-comuns em que se assenta sua experiência de

leitor), assim como há tensões de difícil desvendamento em certos textos,

especialmente o poético (BRASIL, 2004, p. 70). Este parecia ser o caso de

“Poema poroso” para os alunos.

Mas note-se o seguinte: a partir do próprio entendimento dos leitores, se

poderia facilmente trazer questionamentos que indicassem uma nova direção

de leitura, como por exemplo: “Mas será que a terra aí vai mesmo apagar o que

está escrito nela?”; “Será que, se isso ocorresse, o eu lírico ia querer escrever

um poema assim?”; “Não haveria um diferencial nesse poema ‘de terra’?”; “Que

diferencial seria esse?”.

Talvez haja quem diga que, pela ausência de nosso direcionamento, os

leitores não puderam chegar a este passo a mais na interpretação do

metapoema. Pode ser. Mas não esqueçamos o desafio que havíamos imposto

a eles, e a nós: eram sozinhos que iriam desbravar o poema, para que todos

víssemos quão longe seriam capazes de chegar. Se ninguém espera que se

aprenda a tocar um instrumento musical se não se exercitar com ele

(COLOMER, 2007, p. 65), deve-se considerar que, na aprendizagem de tal

instrumento, são imprescindíveis os momentos com o mestre, mas também

aqueles em que o aluno se exercita sozinho.

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5.4. Encerrando o experimento...

Após a atividade, o momento pós-intervalo foi utilizado para

conversarmos sobre o experimento, já que aquela seria a nossa última aula. A

nossa ideia era procurar colher depoimentos que nos mostrassem se haviam

sidos significativos aqueles momentos, se haviam crescido em termos de

leitura e interpretação de poemas, se o tema da metalinguagem havia sido

interessante, de que textos haviam gostado mais, o que fariam diferente de

nós, e assim por diante.

No entanto, quase ninguém se manifestou. Com os módulos concluídos,

podemos ver o seguinte: a maior parte dos leitores da turma ficava nitidamente

constrangida ao ter de falar em público, especialmente quando faziam alguma

“análise” de si mesmos. Já no papel, ou no blog, eram capazes de nos fornecer

dados bem significativos para a pesquisa, daí por que nos detivemos mais

nestas fontes escritas que na oral (gravações das aulas).

5.5. No blog...

No nosso espaço virtual, deixamos um recado para os leitores da turma

do primeiro ano, para que ficassem cientes de que tinham sido capazes de

dizer algo sobre os textos “Desastre” e “Poema poroso”, à primeira vista

“impenetráveis”. Vale lembrar que a essa altura o experimento já havia

terminado. Eis o recado:

POEMAS APARENTEMENTE DIFÍCEIS PODEM NÃO NOS DIZER TUDO, MAS SEMPRE NOS DIZEM ALGUMA COISA. TAVA OLHANDO A ATIVIDADE DE VCS E FIQUEI FELIZ EM VER QUE VCS CONSEGUIRAM DIZER ALGO SOBRE OS POEMAS DE FERREIRA GULLAR: “POEMA POROSO” E “DESASTRE”. TÁ VENDO, NÃO FOI TÃO DIFÍCIL ASSIM... OU FOI? RSRSRS SAUDADES TURMINHA =)

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Apenas a aluna Dy respondeu a nossa pergunta. No seu comentário, ela

brinca com o título do poema, “desastre”, para falar da sua dificuldade de

leitura e interpretação, e insinua que a “salvação” do grupo foi a leitora Ed, que

“conseguiu decifrar aquele negócio”:

ouuu mabel n diz isso n q foi um verdadeiiro desaaaatre akle poema a sorte do dia foi ed q estava inspirade e conseguiu decifrar akele negocio. saudade viu volta mabel vai [PLEASE]

Logicamente, na nossa resposta à colocação de Dy deixamos claro que

ela também era capaz de ler e interpretar o poema, tanto quanto Ed. Além

disso, fizemos questão de dizer que o vocábulo “desastre” não cabia como

adjetivação para a leitura do grupo61, pois de fato havia bastante coerência no

modo como leram o metapoema gullariano.

Foi um desastre, foi??? rsrsr Foi nada... E não só Ed, mas TODAS vcs são capazes de interpretar poemas. Vcs já tavam ficando "experts" nisso =)Quem sabe qualquer dia não apareço pra ver vcs. Por enquanto, vamos ficar em contato aqui, né? Um xero enorme, querida aluna

5.6. Alguns resultados

Embora na aula de encerramento não tenhamos conseguido colher

depoimentos orais dos leitores, mais uma vez a comunicação via internet nos

permitiu aferir a significância do trabalho desenvolvido na turma do primeiro

ano. Nas duas situações que descrevemos abaixo, deu para perceber que a

convivência com poemas foi d’algum modo importante para alguns alunos.

61 O grupo é o número 10, formado pelas alunas Ra, Ed, Dy e Ma.

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5.6.1. “Gesso”, de Manuel Bandeira

Além dos poemas que trabalhávamos em sala, ao longo do experimento

costumávamos colocar outros textos poéticos no blog, não somente de caráter

metalinguístico. Um deles foi “Gesso”, de Manuel Bandeira, uma espécie de

marco na nossa vida, como podemos compartilhar com os alunos no dia em

que aplicamos o questionário sobre os gostos de leitura.

No blog, colocamos o poema com a seguinte frase:

ESSE É O POEMA Q MARCOU A MINHA VIDA, LEMBRAM? AGORA, EU QUERO Q DIGAM AQUELE Q MARCOU VCS. MAS TEM Q EXPLICAR PQ.

Como erroneamente imaginamos que nossos alunos só se interessam

por aquilo que está ligado a algum fim pragmático, não esperávamos que

algum leitor viesse a comentar o poema no blog. Afinal, nós tínhamos apenas

lido o texto em sala; eles sequer o tinham recebido por escrito. Mesmo assim,

dois alunos quiseram comentar. Vejamos o que eles disseram, e também as

nossas respostas a eles:

[ar] eu achei o poema um pouco gótico, pq ele expressa um lado bem obscuro, sombrio, e um pouco de um lado meio revoltoso, como se ele já soubesse q iria morrer... alguma coisa desse tipo. 11/05/2009 18:14 Que bom: vc tá de volta ao blog!!! Mas me fala mais sobre essa tua maneira de ver o poema, Ar. Eu achei ela muuito interessante: que versos revelariam o lado obscuro, e que versos mostrariam o lado revoltoso do eu lírico? Defende a tua idéia com argumentos do texto. Assim ela fica mais fundamentada, entendeu? =) [ni] poxa poemas muito bonito mabel, acho que pelo seus versos trabalhados ele deveria ser apresentado na aula presencial 12/05/2009 20:40

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É verdade! O poema "Gesso" é incrível!!! Não sei se vai dar tempo de trabalharmos ele não... =( Por isso postei ele aqui. É incrível, Ni: eu já li esse poema um "monte" de vezes, mas não me canso dele de jeito nenhum rsrs Vc tem algum poema assim, que não cansa de ler?

É significativo notar a maneira como Ar percebe o poema “Gesso”. Em

uma espécie de identificação com o eu lírico, com aquela estatuazinha, ele

enxerga um lado “gótico”, “obscuro”, “sombrio”, “revoltoso”, adjetivações que

podem mesmo se encaixar no poema, dependendo da argumentação do leitor,

se consistente ou não. Afinal, uma obra, um poema, não pode ser reduzido a

uma única interpretação, tendo-se o cuidado apenas de observar os critérios de

validação existentes, para checar se dada leitura está mesmo autorizada pelo

texto (JOUVE, 2002, p. 25).

Infelizmente não tivemos oportunidade de aferir melhor o modo de ler do

aluno, porque mesmo com o nosso convite a um debate virtual, ele preferiu não

comentar mais sobre o poema. Porém, vale notar o seguinte: Ar era um sujeito

que se definia como gótico, e esse elemento é um dado importante para

entendermos o quanto aquilo que somos influencia a nossa maneira de ver o

mundo, de ler a vida, de ser leitor literário. Mais uma vez é Jouve quem nos

acorda para a especifidade do leitor e sua consequência principal: cada um

“traz consigo sua experiência, sua cultura e os valores de sua época”, e, assim,

o livro, o conto, o poema, se abre a uma pluralidade de interpretações (JOUVE,

2002, p. 24).

O outro comentário, o de Ni, nos revela um pedido interessante: ele

achou uma pena que “Gesso” ficasse apenas no blog, e pediu para que o

poema fosse levado também à aula presencial, por ser “muito bonito”, e por ter

“versos trabalhados”. Note-se: primeiro o leitor foi tocado pelo texto, e, depois,

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desejou investigá-lo. Por isso, insistimos na importância de se vivenciar a

atitude de prazer provocada e possibilitada pela arte, como a experiência

estética primordial a que se seguirão outras62 (ZILBERMAN, 1989, p. 49).

O tempo que tínhamos na escola era bastante limitado, o que não nos

deixou atender ao pedido do leitor, embora o quiséssemos. Independente

disto, os comentários de Ar e Ni funcionaram como um estímulo a mais para o

trabalho que empreendíamos com a turma do primeiro ano, pois tal atitude

indicava que os alunos estavam deixando-se tocar pela poesia, assim como

estavam também agindo sobre ela. Mais do que nunca, fazia sentido para nós

a concepção de que a obra literária é um diálogo, “singular e assimétrico”, entre

autor e leitor:

Wolfgang Iser (...) adota a premissa de que a criação literária oferece-se ao leitor enquanto diálogo, troca de experiência a partir da qual nasce sua efetividade como discurso. O diálogo, todavia, é singular, porque assimétrico: o texto põe à disposição de seu consumidor uma idéia de mundo, que ele, fundado em suas vivências, interesses e formação, completa, aprecia ou recusa (ZILBERMAN, 1989, p. 15/ In: SMOLKA, 1989).

5.6.2. Conversas off line

Ao término do experimento, procuramos manter contato com os alunos,

pelo menos virtualmente. Uma das alunas que mais se aproximou de nós ao

longo do trabalho desenvolvido foi Na, embora ela tivesse deixado claro, desde

o início, que não gostava de jeito nenhum de poesia. Foi o que a aluna nos

62 T. S. Eliot nos lembra de que, além de nos proporcionar prazer, a poesia sempre nos comunica alguma nova experiência, ou uma nova compreensão do familiar, ou ainda a expressão de algo que experimentamos e para o que não temos palavras – o que amplia nossa consciência ou apura nossa sensibilidade (ELIOT, 1991).

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disse pessoalmente, e o que também deixou escrito no questionário, quando

indagada sobre a sua experiência com poemas63.

Embora Na tenha sido bem enfática em sua colocação, isso não

funcionou para nós como fator de desânimo. Tínhamos a certeza de que a

poesia poderia tocá-la, que o gosto por poemas poderia nascer dentro dela, o

que aconteceria com a própria convivência estabelecida com os textos. Afinal,

como ensina Regina Zilberman, “o significado de uma criação artística só pode

ser alcançado quanto esta é vivenciada: não há conhecimento sem prazer,

nem prazer sem conhecimento. Só se pode gostar do que se entende e

compreender o que se aprecia” (ZILBERMAN, 1989, p. 53).

Além disso, tínhamos a convicção de que a poesia não era, não é, “um

joguinho ingênuo de palavras” (PINHEIRO, 2001, p. 60), e que seu valor

peculiar reside em trazer livremente em si o que chamamos o bem e o mal,

modo pelo qual ela “humaniza em sentido profundo, porque faz viver”

(CANDIDO, 2002, p. 85).

De fato, essa aluna nos deu um outro depoimento ao final do

experimento. Havíamos trocado e-mail e msn, e foi justamente por meio de

mensagens off line no msn64 que tivemos a oportunidade de aferir a nova visão

de Na em relação à poesia. Vejamos os diálogos estabelecidos entre nós duas,

em dois dias diferentes (10/06/09 e 20/06/09):

63 À pergunta 5 do questionário (“Qual a sua experiência com poemas? Já leu alguns? Lembra-se do título, do autor ou de alguns versos?”), Na deu a seguinte resposta: “E não tive nenhuma e não gosto”. 64 Embora o msn não tenha sido um dos nossos programados instrumentos de coleta de dados, pedimos licença aqui para trazê-lo, por entendermos que isso enriquecerá o experimento.

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Na enviou em 10/06/2009 10:27:

OI MABEL TENHO TIDO MUITA SAUDADE D SUAS AULAS.. COM VC APRENDIR A GOSTAR D POESIA E POEMAS E INVENTAR TBM QUALQUER DIA APAREÇE VALEU..... [email protected] diz: Como fico feliz em ouvir isso, Na. Se eu pude deixar algo bom em pelo menos um de vcs, já fico grata a Deus! E é ótimo saber que vc aprendeu a gostar de poesia e poemas por causa das aulas. Me fala mais sobre isso qd tiver tempo, pois esse é um testemunho mto importante pra minha função de professora. Saiba que estou com saudades, viu? Um bjão enormeeeeeeee

Na enviou em 20/06/2009 00:00: OI AMOR BOA NOIT. NÃO DEIXO RECADINHO NO SITE DO 1 ANO PORQUE AGORA POSSO TC DIRETAMENT COM VC PELO MSN RSRSRS. BEIJOS SAUDADES MINHA PROFESSORA Q APRENDI MUITAS COISAS ATE FALAR UM POUCO NA SALA D AULA [email protected] diz: Que coisa linda de se ouvir, aluna linda... A nossa função na terra é fazer bem aos que nos cercam, e se fiz bem a vc de alguma forma, já valeu a pena. Por falar nisso, tenha certeza de que vc fez e me faz mto bem. Um grande bjo com saudades. Que vc e sua casa fiquem na graça e na paz de Deus. E é pra falar na sala de aula sim. Suas colocações enriquecem muito os seus professores, pode ter certeza. Aula só se faz assim: professor e aluno construindo o conhecimento =) Bjossssss

No diálogo do dia 10/06/09, além de ter nos dito que aprendeu a “gostar”

de poesia e poemas com as nossas aulas, Na afirmou que também aprendeu a

“inventar”. Ao dizer isso, possivelmente estava se referindo a alguns

pensamentos que agora escrevia em seu caderno, espécie de reflexões acerca

da vida, as quais ela entendia como poesia. Não estamos aqui para julgar o

grau de literariedade desses escritos; o que podemos ver é o nascimento de

uma leitora literária, pois Na, que defendia sua aversão ao texto poético, agora

dizia até que o “confeccionava”, se assim podemos dizer. Veja-se a atualidade

do apelo drummondiano: a escola precisa reparar no ser poético do aluno, e o

atender em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo

(ANDRADE, 1974).

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No outro diálogo, que se estabeleceu no dia 20/06/09, há um elemento

que merece ser comentado: Na afirma novamente ter aprendido “muitas

coisas”, mas agora acrescenta que aprendeu “até a falar um pouco na sala de

aula”. Realmente, apesar de se sentar logo à frente, na primeira carteira, no

início do experimento a leitora não se sentia nem à vontade, nem motivada

para comentar os poemas que levávamos à sala de aula. Com o passar dos

dias, porém, Na foi expondo a sua voz, a tal ponto que se mostrou uma das

mais interessadas em tudo que propúnhamos à turma.

Muitos fatores devem ter contribuído para construir na leitora essa nova

visão de poesia; um deles, talvez o mais decisivo de todos, tenha sido o

planejamento e aplicação de uma metodologia diferenciada, que percebe o

leitor como figura ativa a quem o texto literário, em primeira e última instância,

se dirige. Nas nossas considerações finais, aprofundaremos essa discussão.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

E aqui vamos concluindo esta pesquisa... Pesa sobre nós a

responsabilidade de fazer com que as descobertas e reflexões advindas deste

trabalho sejam mais do que influência sobre a nossa maneira de ver o ensino

de literatura; o nosso alvo era, e ainda é, “mexer” com a nossa maneira de

ensinar literatura, e se não é pedir muito, inquietar outros a também

vivenciarem o mesmo.

O experimento de convivência com a poesia metalinguística na turma de

primeiro ano de ensino médio ensinou-nos muito, ao mesmo tempo em que nos

deu a oportunidade de também ensinar. Nestas poucas linhas que nos restam,

tentaremos sintetizar os aprendizados mais significativos do percurso.

Inicialmente é preciso relembrar que esta pesquisa nos ofereceu a

oportunidade de trabalhar com a metalinguagem poética, objeto de estudo que

sempre nos inquietou, sob uma perspectiva nova e desafiadora: a da pesquisa

solidária. É forçoso reconhecer o quanto a pesquisa solitária é do nosso

agrado, porque proporciona momentos de encontro em secreto com o texto

literário, que depois serão revelados a outros leitores. No entanto, é na

solidarização que aguçamos os ouvidos para perceber e aprender com o outro,

exercitando o nosso senso de humildade. É ali também que vemos alargadas

as possibilidades de leitura de um texto, como também enriquecidas as nossas

próprias leituras, na medida em que só o outro pode ver o que não estamos

vendo.

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Em segundo lugar, vale dizer que a convivência com poemas

metalinguísticos tem nos ensinado o seguinte: se é verdade que cada poeta

encontra uma maneira particular de comunicar a “poesia da poesia”, o

fundamental em tudo isto é perceber na poesia, no poeta, a necessidade de

investigar e refletir sobre o próprio poetar, sobre o próprio objeto artístico,

compartilhando tal investigação e reflexão com o leitor. Essa dimensão dupla,

objeto e olhar sobre o objeto, fala e fala dessa fala, literatura objeto e

metaliteratura é, de fato, metalinguagem (BARTHES, 1970).

Em terceiro lugar, queremos destacar a relevância dos estudos da

Estética da Recepção, especialmente os de Hans Robert Jauss, na construção

de nossa identidade de professores de literatura. Embora o teórico alemão não

tenha refletido diretamente sobre o ensino desta disciplina, com suas

teorizações ele acordou-nos para um fato óbvio: qualquer texto literário existe

para ser lido. E daí advém outro fato, esse sim relacionado à prática de ensino:

só faz sentido pensar em trabalho com a literatura por meio da consideração do

aluno como leitor literário, ou em outras palavras, as aulas de literatura

precisam ser construídas visando sempre propiciar o encontro entre o texto e o

leitor, pois, do contrário, não terão razão de ser.

Foi sob este fundamento principal que assentamos o experimento na

turma do primeiro ano. Cremos que o fator mais decisivo para a significância do

trabalho foi exatamente o planejamento e aplicação de uma metodologia

diferenciada, que percebe o texto literário como instrumento magno, e o aluno

como leitor, ou seja, como a figura central da aula de literatura, a quem o texto,

em primeira e última instância, se dirige.

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Inspirados em Georg Gadamer, mestre de Jauss, para quem a

compreensão de um texto passa pelo entendimento da pergunta para a qual

ele se constitui uma resposta, utilizamos como estratégia metodológica

fundamental a realização de indagações, estimulando os leitores a também

perguntarem ao texto, e a duvidarem das respostas do autor e até das suas

próprias, na construção de uma identidade de leitores críticos e proficientes na

leitura literária.

Admitimos que assumir essa postura na sala de aula, de presença meio

ausente, e, no entanto, atuante (LEITE, 1983), não foi tarefa fácil,

especialmente porque estávamos viciados em dar sempre a primeira e a última

palavra. Lembramo-nos de que, na escola particular em que fizemos o ensino

médio, os professores ministravam aulas em um batente mais alto; eles

pareciam nos dizer: “Não esqueçam, nós somos maiores que vocês, e por isso,

vocês devem ficar calados para nos escutar”. Romper com este paradigma que

nós mesmos experimentamos enquanto alunos é um processo que se encontra

em construção, um caminhar diário de reflexão sobre a nossa própria atuação,

a vivência diária de uma “pedagogia da autoria”, que tem professores e alunos

como autores de mesmo patamar e importância (NEVES e MEDEIROS, 2006).

Pensando agora especificamente no experimento, que visou captar e

refletir sobre a recepção de leitores jovens a metapoemas de Ferreira Gullar,

destacamos primeiro a relevância dos momentos de observação de aulas, que

nos ensinaram o exercício da escuta atenciosa e da investigação. A nosso

favor tivemos a facilidade de trabalhar com uma professora conhecida, que não

ofereceu resistências ao longo do percurso. O fundamental, porém, não foi a

familiaridade que tínhamos, mas a nossa preocupação comum de fazer a

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escola ter sentido para os alunos, criando a necessária ponte entre a sala de

aula e a vida. Ainda aqui, vale relembrar que muitas das sugestões

metodológicas da nossa colaboradora foram aceitas por nós, afinal, tínhamos

que nos colocar em posição de humildade, entendendo inclusive que ela

conhecia muito mais a turma do primeiro ano do que nós.

Depois é preciso referirmo-nos ao questionário, instrumento de coleta

que se mostrou uma rica fonte de conhecimento da turma, à medida que nos

proporcionou colher informações relevantes da relação dos alunos com a

literatura, e, mais especialmente, com a poesia, mesmo antes de começarmos

as aulas propriamente ditas. Dentre tantas descobertas, o questionário nos

deixou cientes de que na sala de aula havia uma boa quantidade de alunos que

liam poemas, mas que a relação da maioria deles com a poesia não estava

embasada na experienciação. O nosso desafio principal, portanto, era fazê-los

vivenciar a poesia como experiência singular e humana, de que todos

necessitamos.

Rememorando agora as aulas ministradas, citamos o fato de termos

começado o trabalho levando para a sala de aula poemas de amor. Com o

experimento já concluído, podemos afirmar o quanto esta estratégia foi

positiva, por dois motivos principais: primeiro porque, sendo o amor um tema

propício ao agrado de todos, os poemas lírico-amorosos funcionaram como

uma porta de entrada para desenvolver no alunado o gosto, o prazer pela

poesia; e segundo porque, ao se depararem posteriormente com a poesia

metalinguística, experimentaram o rompimento/alargamento do seu “horizonte

de expectativa” (JAUSS, 1994), já que conviveram com poemas cujo tema era

novidade, ou, no mínimo, pouco familiar.

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Do trabalho com os dois poemas lírico-amorosos, “Bilhete”, de Mário

Quintana, e “Cartas de amor”, de Fernando Pessoa, queremos destacar os

principais aprendizados. Do poema quintaniano ficou o entendimento de que

toda leitura que esteja bem fundamentada no texto literário deve ser alvo da

nossa consideração, ainda quando confronta os nossos próprios valores

morais, culturais, religiosos. Era a nossa primeira aula do experimento e a

leitura confrontante da aluna La, que entendeu o casal de “Bilhete” como dois

amantes, ensinou-nos o quanto estávamos arraigados na noção de professor

de literatura como aquele que transmite a sua própria leitura do texto. Além

disso, a leitora nos mostrou o quanto precisávamos ser humildes para admitir

que estávamos diante de uma nova direção de leitura, nunca percebida por

nós, que já havíamos lido o poema inúmeras vezes.

Com as “Cartas de amor”, de Pessoa, tivemos então a oportunidade de

exercitar uma outra postura, a de quem se colocava em patamar de igualdade

com os alunos, construindo a aula com eles. Embora os jovens leitores tenham

mostrado uma resistência inicial ao poema, porque inevitavelmente o

compararam à doçura e leveza de “Bilhete”, o texto do poeta português nos

ofereceu a oportunidade de vivenciar uma nova experiência acerca do amor,

nem pior nem melhor, apenas diferente. No conjunto, as experiências com a

poesia lírico-amorosa construíram um efetivo alicerce para que em cima dele

edificássemos a experienciação com os poemas metalinguísticos de Ferreira

Gullar.

Iniciando a convivência com metapoemas gullarianos, veio o trabalho

com o “Poema obsceno”, no qual a metalinguagem aparecia como pano de

fundo, associado a um viés lírico-social. O mais significativo dessa experiência

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foi que os jovens leitores puderam experimentar o “choque” ou

“estranhamento”, conceito do Formalismo russo retomado pela Estética da

Recepção, proveniente de uma tensão entre o significado usual da palavra

“obsceno”, e o sentido peculiar que ela assume no contexto do poema.

Em se tratando do poema “Traduzir-se”, também de Gullar, destacamos

que foi no trabalho com esse texto que testamos pela primeira vez a leitura oral

coletiva, bem mais instigante para os leitores do que a nossa solitária leitura

oral. Não que aquela estratégia metodológica deva ser usada sempre; ela deve

ser acionada sempre que o texto apresente elementos que a favoreça, sendo

um importante instrumento de “conquista” dos leitores para uma posterior

conversa com o texto.

Ainda aqui, lembramos que ao levar para a sala de aula o áudio da

canção “Traduzir-se”, interpretada por Raimundo Fagner, tínhamos a (ingênua)

certeza de que estávamos trabalhando com uma estratégia infalível, porque

fugia à tradicional metodologia de leitura e conversa sobre o texto. A

dificuldade desta parte da aula nos fez pensar em muitas questões: no quanto

precisamos refletir crítica e continuamente sobre a nossa prática; na humildade

que precisamos ter para reconhecer um planejamento que não deu certo; no

quão corajosos e ousados devemos ser para mudar de direção, pisando o

terreno movediço que aparece todas as vezes que saímos do nosso script.

Agora é o momento de refletir sobre o trabalho com “O poema”, de Mário

Quintana , o terceiro texto metalinguístico que levamos à turma do primeiro ano

– a essa altura do experimento, para propiciar o contato com um modo

diferente de metalinguagem, optamos por um outro autor. A profunda dimensão

reflexivo-filosófica do texto de Quintana causou-nos certo receio, levando-nos a

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questionar se aquele poema seria “adequado” a leitores de dezesseis anos. Ao

final do trabalho desenvolvido, pudemos comprovar que os textos mais

interessantes são aqueles que vão de encontro, e não ao encontro, das

supostas disposições do leitor, pois “quando é confrontado com a diferença, e

não com a semelhança, o sujeito tem a possibilidade de se redescobrir”

(JOUVE, 2002, p. 131).

Nos dois últimos metapoemas trabalhados, voltamos ao poeta Ferreira

Gullar. Em “Desastre” e “Poema poroso”, testamos e confirmamos a hipótese

de que, mesmo os textos mais difíceis, ou seja, aqueles que contrariam a

percepção usual do sujeito (ZILBERMAN, 1989), são passíveis de ser

interpretados pelos leitores. Como dissemos no blog: “poemas aparentemente

difíceis podem não nos dizer tudo, mas sempre nos dizem alguma coisa”.

Diante da opacidade dos metapoemas, os leitores, a quem nomeamos

“bandeirantes”, buscaram atalhos, testaram o senso de direção, preencheram

vazios, criaram novos caminhos. No todo, o que vimos foi uma turma de jovens

leitores desbravando dois dos metapoemas mais intrigantes de nossas leituras

solitárias.

O trabalho desenvolvido com os cinco poemas metalinguísticos, e com

os dois poemas lírico-amorosos, nos mostrou o seguinte: o tema “amor” fazia

muito mais parte dos “códigos coletivos” (ZILBERMAN, 1989) dos jovens

leitores do que o tema “metalinguagem”. Como diante do novo sempre nos

mostramos meio acanhados, não é de se estranhar que tenhamos enfrentado

uma resistência inicial dos alunos. No entanto, com a continuidade do

experimento, e, sobretudo, com o estreitamento dos laços de convivência com

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os poemas, os leitores se abriram a uma nova experiência, a de reflexão,

indagação e valorização da própria poesia.

Encaminhando-nos para fechar estas considerações, queremos falar do

blog, um instrumento de grande valia ao longo de todo o experimento. Embora

acreditássemos que criar um espaço virtual para debater os poemas com a

turma fosse uma boa ideia, não imaginávamos o quanto ele se tornaria

importante no desenrolar da pesquisa.

Por meio do blog, oferecemos aos leitores mais do que podíamos dar

nas aulas presenciais, e aqui falamos em quantidade de poemas mesmo, e em

diversidade de recursos, já que ali os leitores tinham acesso a vídeos, imagens

e links com informações histórico-culturais. Além disso, à medida que

refletíamos sobre a nossa prática de ensino, o blog nos ofertava a possibilidade

de ponderar nossas atitudes e de corrigir nossos excessos, como aconteceu na

ocasião do trabalho com o poema “Bilhete”.

O espaço na internet ainda dava aos leitores a possibilidade de se

expressarem sem o temor dos olhos e ouvidos dos colegas e professor.

Ademais, oferecia tempo para refletirem melhor sobre os poemas, bem como a

possibilidade de verem registradas as suas descobertas, as quais, na sala de

aula, ficariam na oralização.

Ainda em relação ao experimento, queremos registrar o quanto foi

significativo para nós o depoimento de uma das alunas da turma, para quem as

aulas foram tão significativas, que a transportaram de uma situação de aversão

para outra de gosto pela poesia. Embora o número seja ínfimo diante de um

universo de 31 alunos, a mudança operada na jovem leitora deve ser tomada

como estímulo para nós, professores de literatura, pois é perfeitamente

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possível conquistar até os alunos mais avessos ao texto literário. Reflitamos,

porém, no seguinte: raros são os depoimentos desta estirpe em salas de aula

em que o aluno não tem vez, nem voz.

Por último, necessário é dizer que, ao completar esta pesquisa, temos a

sensação de que também mudamos de posição – de “detentoras do saber”

passamos a “aprendizes com os alunos”, mas sem perder a nossa honrosa e

indispensável função de mediadores entre o texto e o leitor. Relembrando as

palavras do mestre Paulo Freire: “não há docência sem discência, as duas se

explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se

reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e

quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_____________. A literatura e a formação do homem. In: DANTAS, Vinicius (seleção, apresentações e notas). Textos de intervenção. São Paulo: Duas cidades / Editora 34, 2002. _____________. O direito à literatura. In: Vários escritos. São Paulo: Duas cidades, 1995. CHALHUB, Samira. A metalinguagem. 2. ed. São Paulo: Ática, 1998 (Série Princípios). COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola (trad. de Laura Sandroni). São Paulo: Global, 2007. EAGLETON, Terry. Fenomenologia, hermenêutica, teoria da recepção. In: __________. Teoria da literatura: uma introdução. Waltensir Dutra (trad.). 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp. 75-123. ELIOT, T. S. A função social da poesia. In: ________. De poesia e poetas. São Paulo: Brasiliense, 1991. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GULLAR, Ferreira. Toda poesia. 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. JAKOBSON, Roman. Linguística e poética. In: _________. Linguística e comunicação. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1971, pp. 118 - 162. JAUSS, Hans Robert. A Estética da Recepção: colocações gerais. In: LIMA, Luiz Costa (coord. e trad.). A literatura e o leitor: textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, pp. 43-61. ___________. A história da literatura como provocação à teoria literária (trad. de Sérgio Tellaroli). São Paulo: Ática, 1994. JOUVE, Vincent. A leitura (trad. de Brigitte Hervor). São Paulo: Editora UNESP, 2002. LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Ática, 2003. LEITE, Lígia Chiappini Moraes. Invasão da catedral: literatura e ensino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. NEVES, C. M. C. e MEDEIROS, L. M. L. de. Mídias na Educação. In: BRASIL. Desafios da educação a distância na formação de professores. Brasília: Secretaria de Educação a Distância, 2006, pp. 39-49.

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OSAKABE, Haquira. Poesia e indiferença. In: PAIVA, Aparecida et al. Leituras literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: CEALE/AUTÊNTICA, 2005, pp. 37-54. PARAÍBA. Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba. João Pessoa: Secretaria de Estado da Educação e Cultura, 2006. PEIXOTO, Sergio Alves. A consciência criadora na poesia brasileira: do barroco ao simbolismo. São Paulo: Annablume, 1999. PINHEIRO, Hélder. Caminhos da abordagem do poema em sala de aula. In: Graphos: Revista da Pós-Graduação em Letras (Publicada pelo Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba). Vol. 10, n. 1, 2008 / João Pessoa: 2008, pp. 19-31. ____________. Teoria da Literatura, Crítica Literária e Ensino. In: PINHEIRO, Hélder; NÓBREGA, Marta (orgs). Literatura: da crítica à sala de aula. Campina Grande: Bagagem, 2006, pp. 111-126. ____________. Abordagem do poema: roteiro de um desencontro. In: DIONISIO, Ângela Paiva e BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs). O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001, pp. 60-72. ____________. Poesia na sala de aula. Campina Grande: Bagagem, 2007. ____________. A moeda perdida: notas sobre um poema de Mario Quintana. In: _____. (org). Território da linguagem. Campina Grande: Bagagem, 2004, pp. 11-19. STIERLE, Karlheinz. Que significa a recepção dos textos ficcionais? In: JAUSS, Hans Robert et al (coord. e trad. de Luiz Costa Lima). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro, 1979, pp. 133-181. VILLAÇA, Alcides. Gullar: a Luz e seus Avessos. In: Cadernos de literatura brasileira. nº 6. Instituto Moreira Sales, São Paulo, setembro de 1998, p. 88-107. ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989. ____________. O escritor lê o leitor, o leitor escreve a obra. In: SMOLKA, Ana Luiza B. et al. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto Alegre: Mercado aberto, 1989, pp. 10-22.

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ANEXOS

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ANEXO 1

O QUESTIONÁRIO

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QUESTIONÁRIO Nome completo: _____________________________________________________________________________ Idade:________________________________________________________________________ Olá,

Vamos conversar um pouco sobre suas experiências de leitura?

Fique bem à vontade para falar o que quiser, ou se calar. 1. Você lê com freqüência? Que tipo de livro? ( ) histórias (romances, novelas, etc.) ( ) livros de poemas; ( ) histórias em quadrinhos; ( ) folhetos de cordel; Outros: _____________________________________________________________________________ 2. Há algum programa de televisão que gosta de acompanhar? Se sim, cite alguns. __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 3. No ensino fundamental, você teve aulas de leitura? Fale um pouco desta experiência. __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4. Você lembra de algum texto (um romance, um conto, um poema, etc.) que você leu ao longo de sua vida e que o marcou? Qual? Fale sobre ele. __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 5. Qual a sua experiência com poemas? Já leu alguns? Lembra-se do título, do autor ou de alguns versos? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 6. Se pudesse escolher um assunto para ler, que assunto escolheria? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 7. Você costuma ir à biblioteca da sua escola, sala de leitura ou biblioteca pública? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 8. Costuma acessar a internet? O que costuma buscar, ler? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 9. O que você tem achado das aulas de “Leitura e Interpretação”? Tem alguma sugestão para essas aulas? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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ANEXO 2

QUESTIONÁRIOS RESPONDIDOS PELOS ALUNOS

(em ordem alfabética)

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ANEXO 3

OS PLANOS DE AULA

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PLANO DE AULA Módulo I (29/04/09)

TEMAS: 1. Leitura 2. Leitura de Poesia OBJETOS DE ENSINO: 1. Preferências de leitura 2. Poesia lírico-amorosa OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS 1. Conversar sobre preferências de leitura 1.1. Conhecer os gostos literários uns dos outros; 1.2. Perceber a sala de aula como espaço democrático, onde todos têm direito a se expressar; 1.3. Através dos materiais trazidos para mostrar, expor a visão que têm a respeito dos gêneros literários marcados no questionário, especialmente a poesia; 2. Conviver com a poesia 2.1. ler e conversar sobre poemas de temática amorosa; 2.2. serem estimulados a falar acerca de suas impressões e percepções sobre os poemas; 2.3. fazer a sua própria interpretação do poema, como leitores jovens que são. MATERIAIS DIDÁTICOS Papéis enrolados contendo o poema “Bilhete”, de Mário Quintana Envelopes coloridos contendo o poema “Cartas de amor”, de Fernando Pessoa INSTRUMENTOS DE COLETA Gravador Diário reflexivo METODOLOGIA Duas aulas (90 min)

• Introdução (5 min) - Falar acerca do trabalho de convivência com poemas, que se iniciará efetivamente ali; - Expor para os alunos as ações que serão realizadas: uma conversa instigante sobre alguns dados do questionário, o trabalho com um “bilhete”, o trabalho com uma “carta”.

• Primeiro Momento (20 min) - Ligar o gravador; - Perguntar se os alunos trouxeram os materiais de leitura que mais gostam, solicitados pela professora titular na aula anterior; - Expor os dados quantitativos da pergunta 1 do questionário, a saber: “Você lê com frequência? Que tipo de livro?”

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- Fazer alguns questionamentos para instigá-los a falar sobre seus próprios gostos, e para ampliar as informações coletadas no questionário, por exemplo: “Teve gente que marcou folhetos de cordel. Quem poderia dizer o nome de algum que já leu? Quer contar um pouco a história para nós?” “Que histórias em quadrinhos, que vocês marcaram tanto no questionário, trouxeram hoje para mostrar?” “Que romances ou novelas já leram? Por que esses livros marcaram tanto vocês? Leram porque queriam, ou porque a escola incentivou?” “Quem trouxe algum livro de poema que gosta de ler? Ou então quem trouxe um poema avulso, copiado no caderno ou na agenda?” - Enfatizar mais e deixar para o fim a conversa sobre as questões relacionadas à poesia, para ter um gancho para iniciar o trabalho com o poema “Bilhete”.

• Segundo Momento (20 min) - Criar um ambiente de expectativa para a entrega dos papéis enrolados contendo o poema “Bilhete” (por exemplo, perguntar se já receberam bilhetes, de que tipo, etc); - Entregar os bilhetes e solicitar que a turma faça uma leitura silenciosa do texto; - Ler oralmente o poema de Mário Quintana, com leitura expressiva; - Estimular a convivência com o texto e conversa sobre o texto, ouvindo atentamente as impressões e percepções dos alunos.

• Terceiro Momento (45 min) - Relembrar um pouco a discussão da aula anterior sobre o poema “Bilhete” (há um intervalo entre as duas aulas), anunciando que eles agora receberão uma carta; - Perguntar o que eles esperam dessa carta, de que acham que ela vai tratar; - Entregar as cartas, ou seja, os poemas “Cartas de amor” em envelopes coloridos, e fazer logo a leitura oral do texto, sem pedir a leitura silenciosa; - Conversar e perguntar calmamente sobre o poema, procurando acompanhar e captar o modo como os leitores o percebem (que imagens chamam a atenção deles, para que detalhes atentam, o que gostam ou não, etc.); - Fechar a aula com uma questão de reflexão para a aula seguinte, o módulo II: “Hoje convivemos com dois poemas de amor. Será que a poesia só pode falar de amor?”; - Convidar os alunos a acessarem e participarem ativamente da página www.poesianoprimeiroano.zip.net, pois ali encontrarão um blog criado especialmente para eles. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Cia. José Aguilar Editora, 1972. QUINTANA, Mário. Nova antologia poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1983.

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PLANO DE AULA Módulo II (06/05/09)

TEMA 1. Poesia OBJETOS DE ENSINO 1. Poesia lírico-amorosa 2. Poesia metalinguística OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS 1. Conversar acerca do blog sobre poesia; 2. Propiciar a convivência com a poesia lírico-amorosa; 2.1. relembrar o trabalho com o poema lírico-amoroso da aula anterior; 2.2. ler e conversar sobre outro poema de temática amorosa; 2.3. tentar fazer alguma associação entre os dois poemas; 3. Propiciar a convivência com a poesia metalinguística; 3.1. ler e conversar sobre poema metalinguístico; 3.2. perceber possíveis diferenças, especialmente a temática, entre os poemas já trabalhados e o metalinguístico; 3.2. desmistificar a idéia ingênua de que poesia só pode versar sobre o amor. MATERIAIS DIDÁTICOS Envelopes coloridos contendo o poema “Cartas de amor”, de Fernando Pessoa Folhas de papel com o “Poema obsceno”, de Ferreira Gullar INSTRUMENTOS DE COLETA Gravador Diário reflexivo METODOLOGIA Duas aulas (90 min) • Introdução (5 min) - Cumprimentar a turma, evidenciando que estávamos ansiosos por esse dia em que conviveríamos um pouco mais com a poesia; - Anunciar as duas ações que serão realizadas na primeira aula: eles lerão a carta que estão curiosos para ler desde a aula passada; antes, porém, haverá uma conversa sobre o blog, criado especialmente para eles, e anunciado na aula passada; • Primeiro Momento (10 min) - Ligar o gravador; - Na conversa sobre o blog, diremos que estamos satisfeitos com o número de pessoas que tem entrado, pois já chega perto dos 100, em apenas 1 semana; perguntaremos sobre o que mais gostaram de ver ali; sobre os comentários que já fizeram; sobre a polêmica da interpretação acerca do poema “Bilhete”, que já está também sendo colocada no blog, e outras questões que porventura venham a surgir. A nossa intenção é motivá-los a participar, pois notamos que muitos têm observado o blog, mas a participação efetiva deles ainda é pequena;

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- Relembraremos então, no quadro, o endereço eletrônico do blog: www.poesianoprimeiroano.zip.net; • Segundo Momento (30 min) - Criar um ambiente de expectativa para a entrega das cartas. Perguntar algo do tipo: “quem imagina o que tem aqui dentro?”; - Entregar a carta colorida contendo o poema “Cartas de amor”, de Fernando Pessoa, e dizer que eles mantenham a carta fechada até que todos a recebam; - Dizer que podem abrir e ler silenciosamente a carta; - Para uma aproximação inicial, perguntar se eles vêem alguma diferença entre “Cartas de amor” e “Bilhete”; - A partir das respostas deles, conversar e discutir especificamente o poema “Cartas de amor”, tendo como foco o perguntar e o questionar os alunos, para ouvi-los; - Anunciar que na aula seguinte, pós-intervalo, lerão um outro poema; • Terceiro Momento (45 min) - Recapitular que depois de terem lido e conhecido dois poemas, “Bilhete” e “Cartas de amor”, cada um vai receber agora um texto chamado “Poema obsceno” (escrever no quadro, com letras bem grandes, o título – a idéia é criar mesmo uma expectativa neles, polemizar); - Sondar se dominam o conceito, o sentido da palavra “obsceno”: “O que será que tem nesse poema obsceno? Por que será que ele é obsceno? O que é uma coisa obscena?” - Com esse fundamento da discussão, entregar o “Poema obsceno”, de Ferreira Gullar, e fazer uma leitura oral; - Para começar a conversa sobre o poema, pegar o mesmo fio condutor da discussão sobre obscenidade, com questionamentos do tipo: “Era isso que vocês esperavam? Concordam que esse poema é obsceno? Por que é obsceno ou não é?” - Ouvir atentamente as impressões e comentários dos alunos sobre o texto, sem sequer mencionar o nome metalinguagem, ou dizer que o tema tratado é também a poesia; queremos ver como eles percebem o poema, que é marcado por uma dimensão social forte, associado a uma dimensão metalinguística em segundo plano; - Depois, confrontar o “Poema obsceno” com “Bilhete” e “Cartas de amor”, perguntando se há diferenças entre eles, e quais podem ser apontadas (ex: tema, ritmo, imagens, etc.); - Fechar a aula dizendo que eles estão indo muito bem na leitura e interpretação de poemas, convidá-los de novo a acessar o blog para que estejamos em “conexão” durante toda a semana, e dizer que na outra semana continuaremos nessa convivência boa com a poesia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Cia. José Aguilar Editora, 1972. GULLAR, Ferreira. Toda poesia. 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

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PLANO DE AULA Módulo III (13/05/09)

TEMA: Poesia OBJETO DE ENSINO: Poesia metalinguística

OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS 1. Aprofundar o trabalho com a poesia metalinguística, iniciado no módulo II: 1.1. Discutir a concepção de arte presente em poema de Ferreira Gullar, musicado por Raimundo Fagner; 1.2. Perceber a concepção de poema presente no texto “Emergência”, de Mário Quintana; 1.4. Relacionar essas duas concepções – de arte e de poema – que têm afinidade com a poesia metalinguística. MATERIAIS DIDÁTICOS Micro system para passar a música “Traduzir-se”; Folha avulsa contendo o poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar; Quadro-negro onde será copiado o poema “Emergência”, de Mário Quintana; Exercício relacionado ao poema “Emergência”, de Mário Quintana; INSTRUMENTOS DE COLETA Gravador Diário reflexivo METODOLOGIA Duas aulas (90 min)

• Introdução (10 min) - Conversar um pouco sobre o blog, falando das novidades que foram postadas nele e dos comentários dos alunos; - Ligar o gravador; - Relembrar rapidamente os dois poemas trabalhados na aula anterior, “Cartas de amor” e “Poema obsceno”, enfocando mais este último (perguntar, então, o que se recordam acerca do poema de Gullar e conversar um pouco sobre isso); - Anunciar que na presente aula irão escutar uma música, mas que antes vão receber um poema chamado “Traduzir-se”, do autor Ferreira Gullar;

• Primeiro Momento (40 min) - Entregar o poema “Traduzir-se”; - Propor uma leitura oral do poema da seguinte forma: os meninos lerão os dois primeiros versos de cada estrofe, e as meninas os dois últimos versos de cada

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estrofe; todos lerão juntos a última estrofe do poema (podemos, inclusive repetir a leitura algumas vezes, sugerindo que procurem dar mais expressividade a uma palavra, uma expressão, etc.); - Depois da leitura oral conjunta, ouvir as primeiras impressões acerca do poema; - Dizer que o texto “Traduzir-se” foi musicado por um cantor brasileiro, e perguntar se alguém já ouviu tal música, ou sabe que cantor a musicou; - Criar a seguinte situação: “Imaginem que vocês são cantores, e receberam esse poema/letra para musicar. Como vocês fariam isso? Que ritmo colocariam? Seria rápido, acelerado, uma mistura dos dois? Que instrumentos escolheriam? Que tipo de voz deveria cantá-la? Grave, aguda? Haveria um refrão? Qual? Etc.”; - Depois dessa conversa, passar em áudio a música “Traduzir-se”, musicada por Raimundo Fagner; - Confrontar o modo como Fagner musicou com a maneira como os alunos o fariam; ver se as expectativas deles foram frustradas, ou não, e por quê; - Ler mais uma vez o poema, estrofe por estrofe, e dessa vez ir questionando a turma para que possam se posicionar sobre o texto; ver se e como eles percebem a concepção de arte apregoada, ou melhor, questionada (ele não responde a questão) pelo eu lírico de “Traduzir-se”;

• Segundo Momento (25 min) - Começar a aula copiando no quadro o poema “Emergência”, de Mário Quintana e dizer para que cada aluno faça o mesmo em seu caderno; - Pedir para que um ou mais alunos façam uma leitura oral expressiva do poema “Emergência”; - Questionar um pouco sobre o poema, a partir das idéias-chave: “Quem faz um poema abre uma janela / Quem faz um poema salva um afogado”;

• Terceiro Momento (20 min) - Entregar um pequeno exercício a respeito do poema “Emergência”, o qual deve ser realizado individualmente em sala e entregue à professora; - Explicar oralmente o exercício; - Durante a realização da atividade, estar disponível para orientar cada aluno na carteira; - Receber os exercícios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. QUINTANA, Mário. Apontamentos de história sobrenatural. 3. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1984.

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PLANO DE AULA Módulo IV (20/05/09)

TEMA: Poesia OBJETO DE ENSINO: Poesia metalinguística

OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS 1. Relacionar duas linguagens artísticas, poesia e música, através de trabalho com o poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar. 2. Continuar o trabalho com a poesia metalinguística, através de: 2.1. leitura e conversa sobre “O poema”, de Mário Quintana, com enfoque sobre a concepção de poema perpassada pelo eu lírico; 2.2. realização de atividade escrita acerca de “O poema”; MATERIAIS DIDÁTICOS Folha avulsa contendo “O poema”, de Mário Quintana; Atividade acerca de “O poema”, de Mário Quintana; INSTRUMENTOS DE COLETA Gravador Máquina digital Diário reflexivo METODOLOGIA Duas aulas (90 min)

• Introdução (5 min) - Falar acerca das ações deste módulo: na primeira aula, a realização do evento “Poemúsica”, e na segunda, a leitura e conversa sobre “O poema”, de Mário Quintana, com a posterior realização de uma atividade escrita sobre o texto;

• Primeiro Momento (40 min) - Ligar o gravador; - Convocar os grupos (um de cada vez) a apresentarem a sua versão musical do poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar, dizendo da importância de apreciação desse momento por parte de toda a turma (tiraremos fotos para registrar tudo); - Ao final de tudo, retomar o questionamento final do eu lírico do poema “Traduzir-se”, levando-os a pensar se traduziram “uma parte na outra parte”, se fizeram arte, o que comunicaram, de que maneira, etc.

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- Avisar os alunos de que no blog será criado um espaço para que façam seus comentários acerca do evento “Poemúsica”; será importante que exponham suas opiniões, digam o que acharam;

• Segundo Momento (30 min) - Começar a aula entregando “O poema”, de Mário Quintana e discutir um pouco o texto com eles; se for preciso, ir anotando algumas das colocações dos alunos no quadro-negro;

• Terceiro Momento (15 min) - Após esse momento de conversa, em que procuramos ouvir os alunos dando direcionamentos para que reflitam sobre “O poema”, entregar um pequeno exercício a respeito do texto de Quintana, o qual deve ser realizado individualmente em sala e entregue à professora; - Explicar oralmente o exercício; - Durante a realização da atividade, estar disponível para orientar cada aluno na carteira; - Receber os exercícios; - Avisar que na próxima aula será o último encontro com eles; todos devem estar presentes, pois será um momento muito especial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. QUINTANA, Mário. Poesias. 8. ed. São Paulo: Globo, 1989.

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PLANO DE AULA Módulo V (27/05/09)

TEMA: Poesia OBJETO DE ENSINO: Poesia metalinguística

OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS 1) Concluir o trabalho de convivência com a poesia metalinguística com dois poemas de Ferreira Gullar: “Desastre” e “Poema poroso”; 2) Conversar sobre o experimento; MATERIAIS DIDÁTICOS Folhas avulsas contendo os dois poemas de Ferreira Gullar INSTRUMENTOS DE COLETA Gravador Máquina digital Diário reflexivo METODOLOGIA Duas aulas (90 min)

• Introdução (5 min) - Avisar que este será o último encontro, e que todos devem aproveitar o momento; - Falar acerca das ações do módulo final: primeiro, o recolhimento da atividade sobre “O poema”, de Mário Quintana; depois, a realização de uma discussão em grupo, e a posterior socialização da discussão; por fim, o encerramento das aulas com uma conversa final; - Recolher a atividade dos alunos e avisar que ela será corrigida e entregue na semana seguinte;

• Primeiro Momento (20 min) - Para iniciar o momento de discussão em grupo, pedir para que os alunos se disponham em equipes de 4 alunos (serão, então, uma média de oito grupos na sala); - Entregar uma folha contendo os dois poemas de Gullar; - Direcionar um dos poemas para alguns grupos, e outro poema para outros grupos; - Sugerir que leiam em voz alta entre eles, testando diferentes modos de realização e ao mesmo tempo, aproximando-se do texto; - Escrever no quadro duas perguntas direcionadoras da discussão em grupo:

1) QUE TIPO DE POEMA O EU LÍRICO QUER ESCREVER?

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2) POR QUE ELE PROCURA O POEMA COM ESSAS CARACTERÍSTICAS?

- Caso queiram, os alunos poderão fazer anotações no caderno, mas elas não precisarão ser entregues;

• Segundo Momento (30 min) - Avisar que é hora de externar uns para os outros o que descobriram acerca dos poemas na discussão em grupo (caso seja possível, iniciaremos essa socialização ainda na aula anterior); ressaltar a importância de pararmos para ouvir a percepção dos outros, para concordar, apoiar ou até discordar, mas desde que se saiba o que se está dizendo; - Ligar o gravador; - Começar esse momento com o poema “Desastre”; - Pedir para que algum aluno o leia em voz alta; - De acordo com o direcionamento dado, perguntar como os grupos perceberam o poema, confrontando as percepções das equipes; se for preciso, anotar no quadro algumas colocações deles; - Terminado o momento de discussão de “Desastre”, fazer o mesmo procedimento com “Poema poroso”, mas com a vantagem de que, agora, ambos os poemas poderão ser comparados (aproximações, diferenças), ou seja, a discussão sobre “Desastre” deve ser trazida;

• Terceiro Momento (15 min) - Conversar abertamente sobre essas cinco aulas de convivência com poemas: falar um pouco sobre a nossa experiência, o que aprendemos com os alunos; agradecer publicamente o espaço concedido pela professora efetiva; e o principal, procurar colher depoimentos dos alunos, por exemplo, alguém que não gostava de poesia, mas que passou a gostar; alguém que não gostava e continuou do mesmo jeito; saber que poema marcou mais, e por quê, etc; - Ao final, entregar um pequeno cartão de agradecimento a cada um; - Tirar fotos para registrar o experimento concluído.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

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ANEXO 4

OS POEMAS

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BILHETE

Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

QUINTANA, Mário. Nova antologia poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1983.

CARTAS DE AMOR Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor, Têm de ser ridículas. Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são ridículas. Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor ridículas. A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são ridículas. (Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente ridículas.) PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Cia. José Aguilar Editora, 1972.

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POEMA OBSCENO

Façam a festa cantem e dancem que eu faço o poema duro o poema-murro sujo como a miséria brasileira Não se detenham: façam a festa Bethânia Martinho Clementina Estação Primeira de Mangueira Salgueiro gente de Vila Isabel e Madureira todos façam a nossa festa enquanto eu soco este pilão este surdo poema que não toca no rádio que o povo não cantará (mas que nasce dele) Não se prestará a análises estruturalistas Não entrará nas antologias oficiais Obsceno como o salário de um trabalhador aposentado o poema terá o destino dos que habitam o lado escuro do país - e espreitam. GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. 14 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

TRADUZIR-SE Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir uma parte Na outra parte – que é uma questão de vida ou morte – será arte?

GULLAR, Ferreira. Toda poesia. 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

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O POEMA

Um poema é como um gole d’água bebido no escuro. Como um pobre animal palpitando ferido. Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna. Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema. Triste. Solitário. Único. Ferido de mortal beleza.

(QUINTANA, Mario. Poesias. 8. ed. São Paulo: Globo, 1989).

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DESASTRE Há quem pretenda que seu poema seja mármore ou cristal - o meu o queria pêssego pêra banana apodrecendo num prato e se possível numa varanda onde pessoas trabalhem e falem e donde se ouça o barulho da rua. Ah quem me dera o poema podre! a polpa fendida exposto o avesso da voz minando no prato o licor a química das sílabas o desintegrando-se cadáver das metáforas um poema como um desastre em curso

POEMA POROSO

De terra te quero;

poema, e no entanto iluminado.

De terra o corpo perpassado de eclipses, poroso poema

de poeira – onde berram

suicidas e perfumes; assim te quero

sem rosto e no entanto familiar como o chão do quintal (sombra de todos nós depois

e antes de nós quando a galinha cacareja e

cisca).

De terra, onde para sempre se apagará

a forma desta mão por ora ardente.

GULLAR, Ferreira. Toda poesia. RJ: José Olympio, 2004

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ANEXO 5

ATIVIDADE INDIVIDUAL SOBRE “O POEMA”

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ATIVIDADE

Disciplina: Leitura e Interpretação Professora: Caroline Mabel

Turma: Primeiro ano do ensino médio Aluno (a): ________________________________________________________

Olá!!! Você já conhece o poema abaixo, não é mesmo? Leia-o mais uma vez com bastante atenção e procure responder a questão que se segue:

O poema (Mário Quintana) Um poema é como um gole dágua bebido no escuro. Como um pobre animal palpitando ferido. Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna. Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema. Triste. Solitário. Único. Ferido de mortal beleza. (QUINTANA, Mário. O aprendiz de feiticeiro. Porto Alegre: Ed. Fronteira, 1950).

Nas linhas abaixo, faça um comentário sobre “O poema”, de Mário Quintana, observando os seguintes pontos: a) Após leituras e releituras, algum aspecto do poema chamou sua atenção? Diga qual e comente livremente. b) Reescreva o verso do qual mais gostou ou que de algum modo o inquietou e, em seguida, diga como você o compreendeu; c) Reflita sobre o título do texto: por que será que o autor o chamou de “O poema”? ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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ANEXO 6

ATIVIDADES SOBRE “O POEMA”

RESPONDIDAS INDIVIDUALMENTE

(em ordem alfabética)

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ANEXO 7

ATIVIDADE EM GRUPO SOBRE “DESASTRE”

E “POEMA POROSO”

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ATIVIDADE EM GRUPO Disciplina: Leitura e Interpretação Professora: Caroline Mabel Turma: Primeiro ano do ensino médio Alunos (as): ______________________________________________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________________________________________

1) QUE TIPO DE POEMA O EU LÍRICO QUER ESCREVER? _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 2) POR QUE ELE PROCURA O POEMA COM ESSAS CARACTERÍSTICAS? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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ANEXO 8

ATIVIDADES SOBRE “DESASTRE”

RESPONDIDAS EM GRUPO

(em ordem numérica crescente)

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ANEXO 9

ATIVIDADES SOBRE “POEMA POROSO”

RESPONDIDAS EM GRUPO

(em ordem numérica crescente)

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