knopfli, rui - poemas in ferreira, manuel - 50 poetas africanos

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  • 7/30/2019 KNOPFLI, Rui - Poemas in FERREIRA, Manuel - 50 Poetas Africanos

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    MANUEL FERRElRANaturalidade

    Europeu, me dizem.Eivam-me de li teratura e doutrinaeuropeiase eurppeu me chamam.No sei se o que escrevo tem a raiz de algwnpensamento europeu. provveL.. No. certo,mas africano sou.Pulsa-me o corao ao ritmo dolentedesta luze deste quebrantO.Trago no sangue uma amplidode coordenadas geogrficas' e mar ndico.Rosas no me dizem nada,caso-me mais agrura das micaiase ao silncio longo e roxo das tardescom gritos de aves estranhas.Chamas-me europeu? Pronto, calo-me.Mas dentro de mim h savanas de arideze planuras sem fimcom longos rios langues e sinuosos,uma fita de fumo vertical,um negro e uma viola estalando.

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    Hidrografia50 POETAS AFRICANOS

    So belos os nomes dos riosna velha Europa.Sena, DanbiO, Rena sopalavras cheias de suaves inflexes,lembrando em tardes de oiro fino,fruros e folhas caindo, a tristezaoutonia dos chores.O Guadalquivir carrega em si espadasde rendilhada prata,como o Genil ao sol poente,o sangue de Federico.E quantas histrias de terrorCantam as escuras guas do Reno?Quanras sagas de epopeiano arrasta consigo a correntedo Dniepre?Quancos sonhos destroadosnavegam com detritos superfc'ie do Sena?Belos como os rios soos nomes dos rios na velha Europa.Desvendada, sua beleza fluisem mistrios.Todo o mistrio reside nos riosda minha terra. !Toda a beleza secreta \.e virgem que restaest nos rios da minha terra.Toda a poesia oculta a dos riosda minha terra.

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    Memria come11fida, 1982

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    MANUEL FERRElRA

    Os que, cansados, sabem' tOdasas histrias do Senae do Guadalquivir, do Renae do Volgaignoram a poesia corogrficados rios da minha terra.Vlnde acordaras grossas veias da gua grande!Vinde aprenderos' nomes de Uanreze, Mazimechopes,Massinronto e Sbi.Vinde escutar a msica latejantedas ignoradas veias que mergulhamno vastO, coleante corpo 'do Incomti,o nome melodioso dos riosda minha terra,a estranha beleza das suas histriase das suas gentes altivas sofrendoe lutando nas margens do po e da fome.Vinde ouvir,entender o rirmo gigante do Zambeze,colosso sonolento da planura,traioeiro no bote como o jacar,acordando da profundeza epidrmica do sonopara galgar os matos .como cem mil bfalos esrrondeantesde verde espuma demonacaespalhando o imenso rosco lquido da morte.Vede as margens barrentas, carnudasdo Pngoe, a tristeza doce do Umbelzi, hora do anoitecer. Ouvi ento o Lrio,cujo nome evoca o lrio europeu,e que lrico em seu manso murmrio.Ou o Rovuma acordando exticas

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    50 POETAS AFRICANOSlembranas de velhos, coloniaisnavios de roda revolvendo guas pardacenras,rolando memrias islmicas de trfico e escravatura.

    Mwr ;a consent ida, 1982

    Carta ao poeta Eugnio Evtushenko .a propsito de uma suposta autocrticaNo te arrependas de nada.Um verso est sempre certomesmo quando errado. A verdadetambm, mesmo quando diou fere ou parece inoportuna.A verdade nunca inoportuna.O teu inconformismo o preoda nossa libertao e teus versosflorescem no corao do povo.No. No te arrependas de nada.No toras o verso, no obriguesa palavra: um poeta estsempre certo. No permitas que o xidodos polticos entre na lminados teus versos. Um poeta no se vende,no se compra, no se emenda.A um poeta corta-se-lhea cabea. E uma cabeacortada no di, mas temuma importncia danada.

    Mwria conse11tda, 1982381

    I.

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    MANUEL FERRElRA

    Contrioa pretexto de uma mulher de Portinariq!,e lembra Picam (ou Antoneflo.))

    Meus versos j tm o seu detractor sistemtico;uma misoginia desocupada entretm os cioscompridos, meticulosamente debruada sobrea letra indecisa de meus versos.Em viglia atenta cruza o priplo das noitesde olhos perdidos na brancura manchada do papel,progredindo com infalvel pontariana pista das palavras e seus modelos.Aqui se detecta Manuel Bandeira e almCarlos Drummond de Andrade tambmbrasileiro. Esta palavra vidafoi roubada a Manuel da Fonseca(ou foi o russo Vladimir Maiacovskyquem a gritou primeiro?). Esta,cardo, Torga indubitvel, ese Deus Omnipresente se pressente,num verso s que seja, um Deusem segunda trindade, colhido no~Rgiodos anos trinta. Se me permito wna blague,provvel que a tenha decalcado em O'Neill(Alexandre), ou at num Brechtmais longnquo. Aquele repicar de sinospelo Natal de novo Bandeira (Porque noAugusto Gil, Antnio Nobre, Joode Deus?). Esto-me interditas,com certos ri tmos, certas palavras. Assim,no devo dizer flor nem fruto,to-pouco util izar este ou aquele nome prprio,e ainda certas formas da linguagem comum,desde o adeus portugus (surrealista)382

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    MANUEL FERRElRAAuto-retratoDe portugus tenho a nostalgia l1rica. de coisas passadistas, de uma infnciaamortalhada entre loucos girassis e folguedos;a ardncia rabe. dos olhos, o pendorpara os extremos: da lgrima pronta incandescncia sbita das palavras contundentes,do riso claro angstia mais amarga.De portugus, a costela macabra, a almaenquistada de fado, resistente a todasas ablaes de ordem cultural e o saberque o tinco I melhor que o branco,h-de acescar a taa na ortodoxiade certas virtualhas de ':Orlsistncia e paladar telrico.De portugus, o olhinho malandro, concupiscentee plurirrcial, lesto na mirada. ao seioentrevisto I nesga de perna, fmbria de ndega;a resposta certeira e lpida a dardejar nos lbios,O prazer saboroso e enternecido da m-lngua.De suo tenho, herdados de meu bisav,um relgio de bolso antigo' e um vago, estranho nome.

    Memria consentido, 1982

    Cntico negroCago na juventude e na contestaoe tambm me cago em ]ean-Luc Godard.Minha alma um gabinete secreto384

    50 POETAS AFRICANOSe murado prova de some de Mao-Ts-Tung. Pelas paredesnem uma s gravura de Licheensteinou Warhol. Nas prateleirasentre livros bafientos e descoloridosno encontrareis decerto os nomesde Marcuse e Cohn-Bendit. Nebulososvolumes de qualquer fi lsofo.maldito, vrios poetas gravese solenes, recrutados entre chinesesdo perodo Tang, isabelinos,arcaicos, renascentistas, protonotrios- esses abundam. De pop apenaso saltar da rolha na garrafade verdasco. Porque eu teimo,recuso e no alinho. Sou s6.No parcialmente, mas rigorosamentes, anomalia desrtica em plena leiva.No eorro na forma, no acerto o passo,no submetO a dureza agreste do que escrevoao sabor da maioria. 'Prefiro as minorias.De alguns. De poucos. De um s se necessriofor. Tenho esperana porm; um diacompreendereis o significado profundo da minhaoriginalidade: I am realiy the Underground.

    Mem6ria consentido, 1982

    Mangas verdes com salSabor longnquo, sabor acreda infncia a canivete repartidano largo semicrculo da amizade.

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    arreto. Loureno Marques, Moamliceais em Loureno Marques. Empublicidade. Acroalmence deputadocrio-Geral da Associao dos Escridamador, com larga colaborao na

    etstas portuguesas. Representado emPublicou: Silncio escancarado

    RUI NOGAR (Francisco Rbique, 2.2.1935). Estudospregado comercia l e de umada Assembleia Nacional Po~cores Moambicanos. Poeta,imprensa moambicana e almuitas antologias de dive(1982).

    MANUEL FERRElRA

    Mlf1TJria consemida, 1982

    Sabor lemo, alegria reconstitudano instante desprevenido, na mar-baixa,no minuto da suprema humilhao.Sabor insinuante que retoma devagarao palato amargo, boca ardida, crista do tempo, ao meio da vida.

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