mestres e seus aprendizes: um estudo de caso sobre a

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0 Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Ciências Sociais e Aplicadas Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a aprendizagem individual de operários da área de produção de uma indústria química Sergio Ademar Fonseca São Paulo 2009

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Page 1: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Centro de Ciências Sociais e Aplicadas

Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas

Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

aprendizagem individual de operários da área de produção de

uma indústria química

Sergio Ademar Fonseca

São Paulo

2009

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Sergio Ademar Fonseca

Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a aprendizagem

individual de operários da área de produção de uma indústria química

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie para a obtenção do título de Mestre em Administração de Empresas

Orientadora: Profa. Dra. Arilda Schmidt Godoy

São Paulo

2009

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2

Reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor Dr. Manassés Claudino Fonteles

Decano de Pesquisa e Pós-Graduação

Professora Dra. Sandra Maria Dotto Stump

Coordenador de Pós-graduação

Prof. Dr. Marcos Rizolli

Diretor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas

Professor Dr. Moises Ari Zilber

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas

Professora Dra. Darcy Mitiko Mori Hanashiro

Page 4: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

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A meus pais, Eva e Ercides, pelo amor, carinho e por terem me ensinado a valorizar a importância da educação.

A meus irmãos, Maria de Lourdes, José Paulo

e Carlos Roberto, pelo carinho e companheirismo.

A Adalberto (Beto), pelo companheirismo, incentivo e compreensão nestes dois últimos anos.

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Agradecimentos

Agradeço a todos que contribuíram com o processo de elaboração:

À Professora Doutora Arilda Schmidt Godoy, pelo carinho, compreensão e pelas valiosíssimas orientações durante o mestrado.

Às Professoras Doutoras Janette Brustein Gorodscy e Christiane Kleinubing Godoi, membras da banca de avaliação, pelas relevantes sugestões, recomendações e opiniões que contribuíram para o desenvolvimento desta dissertação.

Aos professores com quem cursei disciplinas no Mackenzie, os quais me ensinaram muito sobre administração.

À Professora Ms. Maria Thereza Rubim Camargo Soares, com quem aprendi muito durante meu estágio de docência.

A todos os meus colegas da turma de mestrado pelo companheirismo e troca. Agradeço, em especial, ao Edison D’Amario, pelo incentivo e apoio nos momentos mais difíceis.

À Dagmar Dollinger, secretária do Curso de Pós-Graduação em Administração, pessoa muito especial, por ser tão atenciosa e profissional.

Aos meus amigos, todos eles, pois souberam entender a minha ausência e sempre me incentivaram. Agradeço especialmente ao Diácono William Betonio, ao Paulo Paixão, ao Márcio Cardoso, ao Reginaldo Oliveira, ao César, à Simone Franco, à Claudinéia e Rubens Avancini, à Cristina e Hiroshi Wada, à Cleide Ferreira, à Marlene e Ademilson Santos, à Ana Célia.

Aos quinze participantes desta pesquisa que dedicaram parte do precioso tempo para ceder as entrevistas.

Aos meus companheiros de trabalho Alexandre Novoselecki, Boris Zipser, J. Antonio Rosado, Walter Müller, Sandro Fagundes, Janaina Tizeo e Letícia Setoue. E a querida Hildegard (Hilda), quem a aposentadoria afastou de meu convívio diário.

À toda a minha família, em especial a Tia Maria, pelo incentivo e pela torcida.

À CAPES e ao Mackpesquisa pelo apoio financeiro para o desenvolvimento desta dissertação.

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5

Natura simplicitatem amat Kepler (1619)

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6

Resumo

Este trabalho teve por objetivo estudar a aprendizagem individual nas organizações, buscando compreender como se dá o processo de aprendizagem das atividades operacionais na trajetória profissional dos operários na empresa pesquisada? O objetivo geral estabelecido foi o de compreender o processo de aprendizagem de um grupo de operários no exercício de suas atividades na área de produção de uma empresa química. Como objetivos específicos, foram definidos primeiramente descrever os processos de formação profissional adotados pela empresa desde a admissão do empregado até a sua promoção ao nível de supervisão, depois compreender como ocorre a aprendizagem a partir do ponto de vista dos indivíduos submetidos aos processos acima mencionados e finalmente identificar as experiências de aprendizagem vivenciadas na área produtiva que contribuem para a trajetória do indivíduo até o nível de supervisão de turnos de trabalho. Para que estes objetivos pudessem ser atingidos, optou-se por uma metodologia de natureza qualitativa, a qual se justificou em função do foco de interesse estar voltado para a descrição e o entendimento do processo de aprendizagem e de desenvolvimento de um grupo de trabalhadores. Buscou-se alcançar este entendimento a partir da análise dos processos de formação a que estes trabalhadores estão envolvidos, a partir de suas falas, da análise da documentação e dos programas de formação adotados pela empresa. Os participantes da pesquisa, num total de quinze, são membros de um grupo, dentro de uma área específica de produção de uma empresa do ramo químico. Os resultados da pesquisa indicam que as aprendizagens ocorrem a partir da interação dos aprendizes por meio de componentes individuais, que envolvem a presença de propulsores e geradores de novas aprendizagens, em conjunto com o ambiente e os mundos sociais (STRAUSS, 2006; ELKJAER, 2004; 2008) por meio da participação dos operários nos processos e trocas presentes no ambiente produtivo. Os principais autores que nortearam as buscas no campo e as análises dos achados são: Malcom Knowles (1980) no que diz respeito à Andragogia, Knud Illeris (2004), em relação à aprendizagem de adultos no local de trabalho, David Kolb (1984), em questões relacionadas à aprendizagem experiencial, Donald Alan Schön (2007) em relação ao conhecer-na-ação, a reflexão-na-ação e a importância da reflexão para a prática profissional e Bente Elkjaer (2001; 2004) para a teoria social da aprendizagem nas organizações.

Palavras-chave: Andragogia, aprendizagem individual nas organizações, aprendizagem no local de trabalho.

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7

Abstract

This dissertation had the objective of studying individual learning at organizations. The aim was to investigate how the learning processes of the shop floor activities are at the company where the research was carried out. The general objective was related to the comprehension of the learning process and the professional paths of a group of employees in their activity in the production area in a chemical industry. As specific objectives three targets were defined, fist of all was to describe the learning process adopted by the company from the time when the employee is hired until he is promoted to shift supervisor, then understand how the learning process occurs taken into consideration the employees point of view and finally to identify learning experiences lived on the shop floor that contributes to the development of the employee until he reaches the supervisory of shift level. To reach those objectives, the qualitative methodology was chosen due to the character of the research, which focused on the description and on the understanding of the learning and the development of a specific group of workers. To understand the learning process, documents related to the strategy adopted by the company were analyzed and interviews were conducted with the employees. Fifteen employees, members of a specific production area of the chemical company, were interviewed. The results of the research indicates that the learning process occurs due to the interactions of the learners with their individual characteristics, with propellers and generators of new learning, those together with the environment, the social worlds (STRAUSS, 2006; ELKJAER, 2004; 2008) and due to the participation of the workers on the processes and information and knowledge sharing in the production area. Authors that guided the research and analyses were: Malcom Knowles (1980) on relation to Andragogy, Knud Illeris (2004), regarding the adult learning and learning at work place, David Kolb (1984), related to experiential learning, Donald Alan Schön (2007) in relation to the knowing and reflection-in-action and the importance of the reflection the professional actions and Bente Elkjaer (2001; 2004) for the social theory of learning at organizations.

Keywords: Andragogy, individual learning at organizations, learning at workplace.

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8

Sumário

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 14

2. ARCABOUÇO TEÓRICO ...................................................................................... 19

2.1 Aprendizagem em indivíduos adultos ........................................................................ 19

2.2 A aprendizagem experiencial ..................................................................................... 30

2.2.1 Knud Illeris: processos da aprendizagem de adultos e suas dimensões ..................... 30

2.2.2 David Kolb: a aprendizagem experiencial ................................................................. 34

2.2.3 Donald Alan Schön: o conhecer-na-ação, a reflexão-na-ação e a importância da

reflexão para a prática profissional ............................................................................ 42

2.3 Teoria social da aprendizagem nas organizações ....................................................... 49

2.4 Da aprendizagem em indivíduos adultos de Malcom Knowles à teoria social da

aprendizagem nas organizações de Bente Elkjaer ...................................................... 57

3. METODOLOGIA .................................................................................................... 60

3.1 Estratégias de pesquisa ............................................................................................... 60

3.2 Coleta de dados. ......................................................................................................... 63

3.2.1 Os participantes da pesquisa....................................................................................... 69

4. A EMPRESA............................................................................................................. 71

4.1 A empresa pesquisada e seus processos de formação profissional ............................ 71

4.2 Máquinas de extrusão, linhas de produção e seus processos de funcionamento ........ 79

5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ....................................... 91

5.1 Perfil dos participantes da pesquisa............................................................................ 91

5.1.1 Dados demográficos ................................................................................................... 91

5.1.2 Distribuição por tempo de casa versus idade do participante .................................... 92

5.1.3 Distribuição da idade versus nível operacional ocupado ........................................... 93

5.1.4 Distribuição da escolaridade dos participantes .......................................................... 94

5.2 Formação escolar ........................................................................................................ 95

5.2.1 Formação profissional recebida no SENAI ................................................................ 97

Page 10: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

9

5.2.2 A consciência da importância da escolarização para o trabalho e o desejo do

regresso ....................................................................................................................... 99

5.3 Desenvolvimento profissional antes da atual empresa ............................................. 101

5.3.1 Contribuições comportamentais ............................................................................... 104

5.3.2 Contribuições para a carreira profissional ................................................................ 106

5.4 Crescimento profissional na empresa atual .............................................................. 110

5.4.1 O caminho percorrido pelos participantes ................................................................ 110

5.4.2 As trocas de experiências no ambiente fabril ........................................................... 112

5.4.3 A observação e a importância das avaliações e acompanhamentos dos

processos de aprendizagem ...................................................................................... 116

5.4.4 O papel desempenhado pelos aprendizes e pelos profissionais experientes ............ 117

5.4.4.1 O papel e as posturas dos aprendizes ....................................................................... 117

5.4.4.2 O papel exercido pelos profissionais experientes ..................................................... 122

5.4.4.3 O papel dos mestres .................................................................................................. 128

5.4.5 A constatação das aprendizagens e do desenvolvimento, a partir das falas dos

aprendizes ................................................................................................................. 134

5.5 Experiências formais e informais de aprendizagem ................................................. 137

5.5.1 Experiências formais de treinamento ....................................................................... 139

5.5.2 Experiências informais de aprendizagem ................................................................. 141

5.6 Propulsores de novos conhecimentos e de crescimento profissional ....................... 144

5.7 Geradores de um ambiente colaborativo e de novos mestres ................................... 148

5.8 O “jeitinho, o macete e a gambiarra” como estratégias de aprendizagem ............... 150

5.8.1 Descrição dos principais “jeitinhos, macetes e gambiarras” .................................... 151

5.8.2 O aprendizado dos “jeitinhos, macetes e gambiarras” ............................................. 154

5.9 Componentes constituintes da aprendizagem individual dos operários

pesquisados ............................................................................................................... 157

6. CONCLUSÕES ...................................................................................................... 160

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 171

Apêndice A – Roteiro suporte para entrevistas ...................................................................... 175

Page 11: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

10

Lista de quadros

Quadro 1: Comparação entre as proposições dos modelos da pedagogia e da andragogia. ..... 22

Quadro 2: Definições de assimilação, acomodação e equilibração majorante. ........................ 37

Quadro 3: Perspectivas sobre a aprendizagem e desenvolvimento .......................................... 41

Quadro 4: Três perspectivas de entendimento da aprendizagem organizacional ..................... 55

Quadro 5: Fatores relativos à manifestação das categorias ...................................................... 69

Quadro 6: Temas de formação dos operários ........................................................................... 73

Quadro 7: Treinamentos básicos do pessoal produtivo. ........................................................... 74

Quadro 8: Descrição de função do cargo Operador de Extrusora. ........................................... 75

Quadro 9: Níveis da função de Operador de Extrusora. ........................................................... 77

Quadro 10: Pré-requisitos mínimos para admissão em preparação para teste de mudança

de nível profissional ............................................................................................... 78

Quadro 11: Perfil dos participantes e tempo em cada função .................................................. 92

Quadro 12: Nível de escolaridade dos participantes ................................................................ 95

Quadro 13: Visão do participante em relação à utilidade da escolarização ............................. 96

Quadro 14: Idades dos participantes quando do início do vínculo empregatício ................... 102

Quadro 15: Resumo das atividades desenvolvidas antes da entrada na empresa atual. ......... 104

Quadro 16: Propulsores de novos conhecimentos e de desenvolvimento profissional .......... 145

Page 12: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

11

Lista de figuras

Figura 1: Ilustração de fitas de borda ....................................................................................... 14

Figura 2: Aprendizagem de indivíduos adultos e seus facilitadores ........................................ 27

Figura 3: Condições necessárias à aprendizagem de adultos. .................................................. 28

Figura 4: Processo de aprendizagem dos trabalhadores ........................................................... 31

Figura 5: Processo e dimensões da aprendizagem.................................................................... 32

Figura 6: Aprendizagem na vida profissional. ......................................................................... 33

Figura 7: Processo de aprendizagem e dimensões ................................................................... 34

Figura 8: Modelo de aprendizagem experiencial de Lewin ..................................................... 35

Figura 9: Modelo de aprendizagem experiencial de Dewey .................................................... 36

Figura 10: Modelo de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo proposto por

Piaget ................................................................................................................... 38

Figura 11: Ciclo de aprendizagem experiencial de Kolb ......................................................... 39

Figura 12: Contextos e perspectivas da prática da aprendizagem reflexiva ............................. 48

Figura 13: Templates – categorias de análise dos dados da pesquisa ....................................... 68

Figura 14: Ilustração do tipo de fitas de borda e perfis ............................................................ 72

Figura 15: Representação esquemática de uma extrusora ........................................................ 80

Figura 16: Rosca simples de dois estágios ............................................................................... 82

Figura 17: Representação gráfica da área de dosagem. ............................................................ 83

Figura 18: Representação esquemática da linha de produção de produtos extrudados. ........... 85

Figura 19: Componentes constituintes da aprendizagem individual dos operários

pesquisados. ....................................................................................................... 158

Page 13: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

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Lista de fotos

Foto 1: Máquina de extrusão .................................................................................................... 81

Foto 2: Sistema de vácuo da extrusora (1) ............................................................................... 84

Foto 3: Sistema de vácuo da extrusora (2) ............................................................................... 84

Foto 4: Linhas de extrusão ....................................................................................................... 85

Foto 5: Rolete de impressão de texturas ................................................................................... 86

Foto 6: Banheira de água gelada............................................................................................... 87

Foto 7: Estação de aplicação de tintas/primer e verniz ............................................................ 88

Foto 8: Seqüência de aplicação de tintas/verniz (1) ................................................................. 89

Foto 9: Seqüência de aplicação de tintas/verniz (2) ................................................................. 89

Foto 10: Área de etiquetagem e embalagem (1) ..................................................................... 111

Foto 11: Área de etiquetagem e embalagem (2) ..................................................................... 111

Foto 12: Ajudante de produção sendo observado por um operador experiente ..................... 116

Foto 13: Ilustração de estratégia de solução de problemas. ................................................... 152

Foto 14: Ilustração de estratégia de solução de problemas. ................................................... 156

Page 14: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

13

Lista de tabelas

Tabela 1: Total de treinamentos assistidos no período de 1997 a 2009. .................................. 76

Page 15: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa, como mencionado no título, tratou de entender como se dá o processo

de aprendizagem individual de operários em uma indústria química, do segmento industrial.

O setor de produção que serviu de campo para o desenvolvimento do estudo

de fabricação de produtos extrud

produtivo a fabricação de fitas de borda (Figura

industriais em geral.

Os processos de fabricação de uma fita de

difícil transmissão para novos trabalhadores, pois envolvem mais do que uma simples

seqüência de fabricação descrita em manuais de trabalho

que demandam o domínio de

Esta pesquisa, como mencionado no título, tratou de entender como se dá o processo

izagem individual de operários em uma indústria química, do segmento industrial.

O setor de produção que serviu de campo para o desenvolvimento do estudo

de produtos extrudados, a qual, dentre outros itens, tem como principal foco

produtivo a fabricação de fitas de borda (Figura 1) para o mercado moveleiro e perfis

Figura 1: Ilustração de fitas de borda Fonte: Documentação Interna da Empresa

Os processos de fabricação de uma fita de borda são extremamente complexos e de

difícil transmissão para novos trabalhadores, pois envolvem mais do que uma simples

escrita em manuais de trabalho. Eles envolvem também questões

demandam o domínio de técnicas e de uma perícia capaz de diferencia

14

Esta pesquisa, como mencionado no título, tratou de entender como se dá o processo

izagem individual de operários em uma indústria química, do segmento industrial.

O setor de produção que serviu de campo para o desenvolvimento do estudo foi a área

, tem como principal foco

para o mercado moveleiro e perfis

borda são extremamente complexos e de

difícil transmissão para novos trabalhadores, pois envolvem mais do que uma simples

volvem também questões

rícia capaz de diferenciar uma produção

Page 16: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

15

boa de uma ruim por meio de sua capacidade de identificar erros muitas vezes imperceptíveis

à visão de um leigo.

Para entender como se dá o processo de aprendizagem destes trabalhadores,

especialmente tendo como foco as atividades que contribuem para o desenvolvimento dos

mesmos até o nível de supervisão, foi primeiro necessário explorar o campo no qual esta

aprendizagem está inserida. Para isso, buscou-se auxílio nos trabalhos teóricos e pesquisas

empíricas que focam a aprendizagem nas organizações, principalmente naqueles que

procuram entender como ocorrem estes processos e quais são os principais fatores que o

influenciam.

Esta pesquisa procurou abordar a temática a partir dos estudos relacionados à

aprendizagem individual tendo como pano de fundo a teoria social da aprendizagem nas

organizações. A aprendizagem nas organizações somente se torna possível a partir das

aprendizagens individuais que se estabelecem nas relações sociais, nas interações e trocas de

conhecimentos que permeam as organizações.

Serviram como inspiração os estudos de Knowles (1980, 1990 e 2005) no que se

refere à aprendizagem em indivíduos adultos, de Illeris (2003, 2004 e 2007) para as questões

relacionadas à aprendizagem no local de trabalho e à aprendizagem experiencial, sendo que

para explicitar esta última também recorreu-se em parte aos trabalhos de Kolb (1984).

Buscou-se também apoio em Schön (2007) no tocante a seus estudos relacionados ao

conhecer-na-ação, a reflexão-na-ação e a importância desta reflexão para a prática

profissional e, finalmente, em Elkjaer para compreender como estes processos podem ser

analisados a partir da teoria social da aprendizagem nas organizações.

A ênfase nestes autores se justifica em função do foco do trabalho, ou seja, a busca

pela compreensão do papel da experiência e da reflexão, considerados fundamentais para o

entendimento dos processos de aprendizagem. De acordo com Elkjaer (2001a, p. 113):

“A experiência não deriva de mera atividade, mero fazer, e não é baseada em qualquer mudança que implique reflexão sobre ações anteriores com o fim de antecipar conseqüências futuras. A simples participação na prática, na ação, não cria aprendizagem. Uma pessoa está aprendendo somente quando é capaz de refletir sobre suas ações e reorganizar, assim como reconstruir a experiência, por meio de um processo contínuo de reflexão – pensamento – como meio de atuação.”

Para a elaboração desta dissertação foi realizada uma busca prévia de artigos que

pudessem iluminar o caminho fornecendo pistas a respeito da temática. Procurou-se por

Page 17: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

16

artigos e estudos relacionados à aprendizagem em ambientes fabris. Foram consultados os

trabalhos apresentados em eventos realizados pela ANPAD – Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Administração, e pela ANPED – Associação Nacional de Pesquisa

em Educação, e na seqüência uma série de revistas nacionais de estudos de educação e de

revistas de programas de pós-graduação em administração de empresas. Tal busca abrangeu o

período de 1997 a 2008. O resultado foi pouco expressivo, sendo que a maioria dos artigos

encontrados não apresentava um estudo que pudesse servir de ponto de partida e paralelo para

a realização desta pesquisa. Dentre os artigos encontrados, somente Brant e Gomes (2003),

com seu estudo sobre a “Educação e Estratégias dos Trabalhadores de Chão-de-Fábrica para

Ocupação de Cargos de Chefia”, apresentava similaridades com o trabalho realizado nesta

dissertação.

Esta ausência de estudos relacionados à temática da aprendizagem na área operacional

também foi verificada por Haro e Ruas (2008) ao examinar a contribuição da aprendizagem

organizacional no desempenho das operações de produção no segmento automotivo. Mesmo

tendo os autores estudado a aprendizagem organizacional, a qual não se trata do foco deste

trabalho, suas constatações contribuem para a verificação de que também naquele campo não

há grande interesse nos temas relacionados aos trabalhos de nível operacional e de produção.

No trabalho os autores buscam auxílio em Prange (2001) para afirmar que, apesar da dinâmica

do contexto econômico e social recente, o tema da aprendizagem nas organizações tem sido

alvo dos mais variados debates. Embora raramente esse debate tenha merecido o

aprofundamento teórico-empírico desejável, Haro e Ruas (2008) comentam:

É o que observamos ao tentar organizar um referencial teórico acerca da aprendizagem organizacional em ambientes da manufatura. Em levantamento realizado dentre publicações nacionais e internacionais no período compreendido entre 1950 e 2007, utilizando como critério de busca palavras-chave como aprendizagem organizacional, organizações de aprendizagem, manufatura, produção e chão de fábrica, tanto no idioma português quanto no inglês, chegamos a um total de 345 publicações. Entretanto, a revisão destes trabalhos revelou que apenas 56 apresentavam alguma relação com o tema proposto neste estudo. Uma análise mais profunda destas 56 publicações mostrou que muito pouco contribuíam para referenciar evidências de aprendizagem organizacional ou para teorizar a esse respeito e nem tampouco relacionavam contribuições de processos de aprendizagem ao desempenho produtivo.

Os autores afirmam ainda que:

Paradoxalmente, evidências empíricas mostram que as operações de produção é um dos mais férteis campos para o desenvolvimento de processos de aprendizagem. Exemplos apropriados dessas evidências de aprendizagem aparecem na aplicação

Page 18: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

17

das normas das séries ISO 9000 e ISO 14000 - as quais têm como um dos seus princípios e procedimentos a necessidade do aprendizado contínuo das pessoas;

Também Ferreira (2008), em sua dissertação que foca a aprendizagem das

competências gerenciais no setor da construção civil, chega aos mesmos resultados em sua

busca por referências bibliográficas no período 2002-2006.

Uma importante contribuição para este estudo está relacionada ao trabalho de Mike

Rose (2007), intitulado “O Saber no Trabalho: valorização da inteligência do trabalhador”, o

qual trata de analisar o trabalho físico e a inteligência dos trabalhadores por ele pesquisados.

Rose, em sua pesquisa, ouviu garçonetes, cabeleireiros, encanadores, carpinteiros, eletricistas,

soldadores e um capataz. Seu foco estava voltado para os saberes e as inteligências para o

trabalho que ocorrem “não somente na sala da diretoria, mas também na oficina, no

laboratório, no madeirame de uma casa, na sala de aula, na garagem, no restaurante

movimentado, vibrante de desejos e de movimentação estratégicas” (ROSE, 2007, p.343).

Foco semelhante ao de Rose (2007) inspirou a realização desta pesquisa, a qual

também partiu da motivação do pesquisador pela temática da atividade operacional e em

função da quantidade limitada de estudos teóricos e/ou empíricos relacionados à

aprendizagem em setores produtivos, no Brasil. A realização deste trabalho se justifica na

medida em que poderá trazer elementos reveladores no entendimento de como o processo de

aprendizagem individual nos níveis operacionais ocorre no interior de organizações fabris.

Este trabalho também se justifica na medida em que poderá trazer contribuições tanto para os

estudos científicos quanto para os estudos de treinamento e desenvolvimento de recursos

humanos.

Tendo este interesse como mira, colocou-se como foco desta pesquisa a seguinte

questão: “Como se dá o processo de aprendizagem das atividades operacionais na

trajetória profissional dos operários na empresa pesquisada?”

Para responder a questão de pesquisa proposta, o objetivo geral estabelecido foi o de

compreender o processo de aprendizagem de um grupo de operários no exercício de suas

atividades na área de produção de uma empresa química.

Três objetivos específicos também foram definidos, no sentido de aclarar o foco do

projeto:

• Descrever os processos de formação profissional adotados pela empresa desde a

admissão do empregado até a sua promoção ao nível de supervisão.

Page 19: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

18

• Analisar como ocorre a aprendizagem do ponto de vista dos indivíduos submetidos aos

processos acima descritos.

• Identificar as experiências de aprendizagem vivenciadas na área produtiva que

contribuem para a trajetória do indivíduo até o nível de supervisão de turnos de trabalho.

Esta dissertação foi estruturada em seis seções. A primeira tratou da introdução ao

tema e da apresentação da justificativa e da relevância do estudo, apresentando a questão de

pesquisa e o objetivo geral e os objetivos específicos que orientaram o trabalho de campo.

Na segunda seção é apresentado o conjunto de autores que foram selecionados tendo

em vista sua preocupação com a aprendizagem em indivíduos adultos (sujeitos e participantes

desta pesquisa), realizada no interior das organizações a partir das interações sociais que

ocorrem nos processos formais e informais de desenvolvimento destes indivíduos. Este

arcabouço teórico iluminou o caminho percorrido durante a fase de coleta, na análise e

interpretação dos dados encontrados no campo.

A terceira seção tem o objetivo de apresentar os procedimentos metodológicos que

orientaram a coleta de dados e a metodologia utilizada para a análise dos achados do campo.

Na quarta seção, é apresentada a empresa pesquisada, os seus processos de formação e uma

visão geral sobre os maquinários utilizados no departamento e a configuração das linhas de

produção, descrevendo inclusive o seu processo de funcionamento.

Na seqüência, na seção cinco, são apresentados e analisados os resultados encontrados

no campo, dispostos em oito diferentes subcategorias. E finalmente na seção seis encontram-

se as considerações finais, as limitações relacionadas à realização desta pesquisa e as

recomendações para estudos futuros.

Page 20: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

19

2. ARCABOUÇO TEÓRICO

Esta seção será dividida em três tópicos: o primeiro deles tratará da aprendizagem

individual em adultos, o segundo abordará a temática relacionada à aprendizagem

experiencial e o terceiro discorrerá sobre questões ligadas à teoria social da aprendizagem nas

organizações.

Para as questões ligadas à aprendizagem em indivíduos adultos, o tópico tem início

com os trabalhos de Malcolm S. Knowles, principalmente no que diz respeito às questões

ligadas à andragogia, termo defendido e popularizado pelo autor nos anos 60 do século

passado.

Na seqüência, no segundo tópico, serão apresentados alguns dos autores que abordam

a temática da educação experiencial. Entre eles destacam-se Knud Illeris, no que diz respeito

aos processos de aprendizagem de adultos e suas dimensões, David Kolb, com suas

discussões relacionadas à importância da experiência como um recurso de aprendizagem e de

desenvolvimento, e finalmente Donald Alan Schön, no tocante à educação destinada à

formação de profissionais reflexivos, principalmente no que diz respeito ao conhecer-na-ação

e a reflexão-na-ação.

Para o terceiro tópico, a principal autora será Bente Elkjaer, estudiosa dinamarquesa

que propõe uma teoria de aprendizagem social nas organizações. Nesta seção, destacam-se os

estudos do filósofo e educador John Dewey em relação aos conceitos de pensamento reflexivo

e de experiência, nos quais a autora se apóia.

O objetivo destes tópicos é fornecer o arcabouço teórico que contribuiu para iluminar

os caminhos percorridos durante a realização da pesquisa empírica e, finalmente, dar suporte à

análise das revelações do campo.

2.1 Aprendizagem em indivíduos adultos

A aprendizagem acompanha o ser humano ao longo de sua existência, inicia-se junto

com o nascimento e segue com o indivíduo até o final de sua vida. De acordo com Pinto

Page 21: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

20

(1982, p. 39), “o homem é por essência um ser inacabado, pois se constitui a si mesmo ao

longo de sua existência social”.

A noção de um homem “inacabado” suscita uma reflexão sobre as experiências de

aprendizagem a que o indivíduo é submetido ao longo de sua vida, em seu processo de

constituição enquanto sujeito e, conseqüentemente, nos remete para o fato de que o

desenvolvimento humano obedece a um ciclo, no sentido entendido por Neugarten (1980, p.

165):

O indivíduo passa por um ciclo socialmente regulado do nascimento à morte tão inexoravelmente como passa pelo ciclo biológico: uma sucessão de status de idade delineados socialmente, cada um com seus direitos, deveres e obrigações reconhecidos.

Atrelada a esta idéia de ciclo está a reflexão sobre as diferentes necessidades a que o

indivíduo é submetido nos seus processos de aprendizagem. Tanto o ciclo de vida quanto o

contexto a que a aprendizagem está relacionada têm um papel muito importante, pois é a

partir destes que são tomadas as decisões relacionadas às estratégias de aprendizagem a serem

adotadas, como também as abordagens a serem utilizadas para uma possível análise dos

processos nelas envolvidos.

Falando sobre a aprendizagem em indivíduos adultos, Oliveira (2004, p. 217) afirma

que:

O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente daquele da criança e do jovem.

Traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. Com relação à inserção em situações de aprendizagem, essas peculiaridades da etapa de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele traga consigo diferentes habilidades e dificuldades (em comparação à criança) e, provavelmente, maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre seus próprios processos de aprendizagem.

É este adulto, com suas experiências, angústias, dificuldades e habilidades que se

tornaram foco desta pesquisa. Seus processos de aprendizagem, em função de sua inserção no

mundo do trabalho e dos papéis sociais a que está constantemente submetido, não podem ser

os mesmos daqueles propostos para crianças e adolescentes. As estratégias de formação e de

desenvolvimento devem ser outras. Para este trabalho, no que se refere à aprendizagem em

indivíduos adultos, foram adotados os pressupostos apontados por Malcom Knowles em seus

estudos sobre a andragogia.

Page 22: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

21

Para Knowles (1980, p 25) a educação de adultos:

...acontece em todos os locais, envolve todo tipo de pessoa, não tem um currículo específico, e constantemente não é “rotulada” de educação de adultos, porém coisas como: desenvolvimento dos empregados de uma empresa, desenvolvimento da força de trabalho, desenvolvimento educacional, educação em serviço, educação continuada, educação ao longo da vida, e muitas outras...

Para o autor, como visto acima, a educação de adultos está presente em todas as

situações de aprendizagem a que estes indivíduos estão submetidos, podendo ser no

desenvolvimento de trabalhadores, nas atividades relacionadas à educação continuada, e em

quaisquer outras situações de aprendizagem que dizem respeito ao adulto. Pensando na

especificidade da educação do adulto, Knowles dá expressividade ao termo andragogia, o

qual, segundo o autor, foi cunhado por educadores e estudiosos europeus durante os anos 60

do século passado, os quais sentiam a necessidade de uma definição para o modelo teórico por

eles utilizado.

Etimologicamente a palavra andragogia deriva do grego ANNER (Adulto) e

AGOGUS (conduzir, guiar). Knowles (1980, p. 43) define a andragogia como “a arte e a

ciência de orientar o adulto a aprender, em contraste com a pedagogia como a arte e

ciência de ensinar a criança”. Knowles traça um paralelo entre as proposições relacionadas à

aprendizagem à luz da pedagogia e da andragogia, o qual pode ser verificado no Quadro 1.

Page 23: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

22

Concepção Pedagogia Andragogia

Conceito de aprendiz

A tarefa do aprendiz é, por definição, uma tarefa dependente. A sociedade espera que o educador tome para si toda responsabilidade por determinar o que tem que ser aprendido, quando e como, além de caber a ele também a avaliação de se o ensinado foi aprendido.

O aprendiz, por meio de seu processo de maturação, vai de um estado de dependência para um estado de auto-direção. O educador assume o papel de encorajar e nutrir este movimento.

O papel da experiência

do aprendiz

A experiência que os aprendizes trazem para os processos de aprendizagem é pouco valorizada. Ela pode ser usada como um ponto de partida, porém as experiências mais valorizadas neste modelo são aquelas apresentadas pelo professor, pelos livros, por meio dos materiais utilizados em aula e pela transmissão de conhecimento.

A experiência dos aprendizes é vista como uma rica fonte de recursos para a aprendizagem dele mesmo e dos demais. As pessoas atribuem mais significados para as aprendizagens que são frutos da experiência do que para aquelas que eles entram em contato de forma passiva.

Prontidão para

aprender

Os aprendizes devem estar prontos para aprender no momento em que a sociedade determinar. Esta determina a idade certa para se aprender, os conteúdos, o currículo e a uniformidade de passos que devem ser seguidos para o progresso do aprendiz.

As pessoas adquirem a prontidão para aprender algo a medida que elas sentem necessidade desta aprendizagem para poder lidar de forma mais satisfatória com as atividades e as tarefas do mundo-real. O educador tem a responsabilidade de criar condições a prover ferramentas para que os aprendizes descubram suas necessidades de aprendizagem. Os programas de aprendizagem devem levar em consideração a prontidão dos aprendizes.

Orientação para a

aprendizagem

Os aprendizes vêem a educação como um processo de aquisição de conteúdos, sendo que a maioria destes é apresentada como sendo úteis para situações futuras. O currículo deve ser organizado por assuntos divididos em unidades lógicas.

Os aprendizes vêem a educação como um processo de desenvolvimento que contribui para que eles atinjam o potencial máximo em suas vidas. O desejo de se tornar capaz de aplicar os conhecimentos e habilidades adquiridas para atuar de uma maneira mais efetiva no futuro é fundamental para o aprendiz.

Motivação

Os estudantes são motivados primeiramente por pressões externas de seus pais e professores, a competir por notas, o que conseqüentemente gera fracassos.

A motivação mais poderosa é a interna (o desejo de maior satisfação) em lugar da externa.

Quadro 1: Comparação entre as proposições dos modelos da pedagogia e da andragogia. Fonte: Adaptado de Knowles (1980, 1990) Knowles et al. (2005).

A valorização da experiência e da prontidão do aprendiz no modelo proposto por

Knowles (1980) é de fundamental importância, pois é a partir destas características que os

processos de aprendizagem ganham corpo e evoluem.

A experiência ganha um papel tão relevante que, segundo o autor, os adultos são o que

eles acumularam ao longo de suas vidas por meio de suas experiências. Para Knowles (1980),

Page 24: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

23

adultos entram em qualquer empreendimento com diferentes experiências que se originam na

juventude. Tendo vivido mais, eles acumulam um grande volume de experiência, das quais

derivam sua auto-identidade.

Adultos se definem em termos do acúmulo de suas experiências únicas, desta forma,

quando se pergunta aos adultos quem eles são, estes se identificam por meio da descrição de

suas ocupações, sobre onde trabalham, em relação a suas viagens, a seus treinamentos e a

partir das experiências que os equiparam e em quais foram as suas conquistas (KNOWLES,

1980).

O autor adverte, contudo, que embora as experiências prévias dos adultos tenham um

potencial valor no processo de aprendizagem, elas também podem exercer efeitos negativos.

À medida que se acumulam experiências, tende-se a desenvolver hábitos mentais, atalhos e

suposições que podem fazer com que a mente se feche para novas idéias, novas percepções e

formas alternativas de pensar.

O indivíduo adulto, na medida do possível, tem a oportunidade de escolher o que quer

aprender, quando e como. Também é ele quem vai determinar o ritmo de seu processo de

aprendizagem, sendo que se este ritmo não estiver adequado à sua necessidade, muito

provavelmente ele desistirá no decorrer do processo.

Além do ritmo, o conteúdo da aprendizagem também exerce um papel de fundamental

importância, pois sendo as aprendizagens descontextualizadas da realidade vivida pelos

aprendizes, e estes não vendo uma utilidade prática para seu dia-a-dia, o abandono do

processo é inevitável. O mesmo não ocorre, com tanta freqüência, quando os sujeitos do

processo de aprendizagem são crianças e adolescentes. Estes não escolhem, pois

freqüentemente são obrigados a se submeterem aos processos da forma como a eles é

apresentado.

Knowles (1980, p. 44) afirma que a andragogia tem como premissas, pelo menos,

quatro características cruciais que a diferem da pedagogia. Para ele, o indivíduo maduro:

1. Tem seu auto-conceito alterado em um movimento que vai de uma personalidade

dependente para uma auto-direção e auto-desenvolvimento;

2. Acumula experiências as quais se tornam um recurso importantíssimo para a

aprendizagem;

3. Sua prontidão para aprender se orienta fundamentalmente a partir de suas atividades e

tarefas desempenhadas em seus papeis sociais; e

Page 25: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

24

4. A sua perspectiva de tempo muda de uma que posterga a aplicação do conhecimento

para outra que busca a aplicação imediata, baseada na orientação para a aprendizagem.

Também se altera de uma postura de centrado em temas para outra centrada no

desempenho.

A aprendizagem neste modelo está ligada a capacitação do indivíduo para as situações

práticas de sua vida, o foco está na “serventia” daquilo que é aprendido e não na acumulação

de conhecimentos para uma futura utilização.

O adulto tem pressa, é cobrado por resultados, para ele não há tempo a perder, ele é

impulsionado por motivações internas que estão ligadas a seu próprio desejo de crescimento,

de mudança e de transformação. Segundo Knowles (1980), adultos tendem a adotar uma

perspectiva de aplicação de suas aprendizagens de forma imediata. Eles se empenham em

processos de aprendizagem em resposta a pressões que sentem de suas situações de vida. Para

o adulto, a educação é um processo que aumenta a sua habilidade de lidar com os problemas

que eles enfrentam no momento atual. De todos os modos, eles tendem a iniciar uma atividade

educacional a partir de uma construção centrada em problemas ou desempenho. O adulto

busca o vínculo entre a realidade vivida e os significados que a ele são apresentados por meio

de suas aprendizagens, a não existência deste vínculo faz com que ele deixe de acreditar nos

processos aos quais está submetido.

O adulto, em função de suas experiências e vivências, não se submete aos mesmos

processos a que a criança se submete em suas aprendizagens. Para Knowles (1980), as

crianças se colocam no mundo em uma condição de completa dependência, elas não passaram

ainda pela experiência da construção de uma família, por exemplo, não possuem experiências

relativas a responsabilidades por outras pessoas, pela sua segurança, mesmo que elas

entendam o significado destas responsabilidades por meio de suas relações familiares.

O autor afirma que as experiências das crianças estão ligadas a situações nas quais elas

são expostas, ou seja, a eventos externos que as afetam, porém, que não são integralmente

parte de sua existência. Segundo ele, quando você questiona crianças sobre quem elas são,

normalmente elas se identificam em relação a quem são os seus pais, quem são os seus

irmãos, sobre onde vivem e sobre a escola que freqüentam, suas auto-identidades estão

fortemente derivadas de fontes externas a elas.

Para o adulto o questionamento é imediato, a realidade precisa ser tratada, discutida e

desvelada. Não é possível a adoção de aprendizagens que privilegie a educação no sentido

Page 26: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

25

bancário, no qual ela “... é um ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e

conhecimentos...” (FREIRE, 1987, p.59).

Segundo Knowles (1980), existem várias implicações que influenciam os processos de

aprendizagem de adultos. Entre elas, a preparação e o clima que se estabelece, o planejamento

das atividades a serem desenvolvidas, o diagnóstico das necessidades de aprendizagem e o

estabelecimento de objetivos pertinentes a realidade dos aprendizes. Estes objetivos devem

estar baseados nas experiências vividas, na condução e em técnicas que considerem a

especificidade das aprendizagens dos adultos, a utilização de materiais específicos para um

sistema de avaliação que possa dar conta de re-diagnosticar novas necessidades que surgem

durante o processo.

Os aprendizes devem ser expostos a atividades nas quais eles sintam-se envolvidos e,

além disso, sintam a necessidade e o desejo de aprender. Tal exposição deve levar em

consideração o desejo de auto-desenvolvimento, as aspirações e os objetivos dos aprendizes

para que estes se engajem verdadeiramente nos processos de aprendizagem.

No que diz respeito ao clima, o adulto tem um auto-conceito em relação a sua

condição de aprendiz. Para ele devem ser preparados os ambientes que facilitem sua

aprendizagem por meio do estabelecimento de um clima de aceitação, respeito, apoio, de

valorização enquanto indivíduo.

Os processos de aprendizagem devem ser apoiados por um espírito de contribuição

mútuo entre aprendizes e facilitadores. O ambiente deve propiciar uma atmosfera amigável e

informal, na qual os aprendizes são conhecidos por seus nomes e valorizados em sua

individualidade.

Knowles (1980) aponta para a importância de se tomar os devidos cuidados para

desvincular qualquer tipo de símbolo que possa relacionar as atividades desenvolvidas com os

adultos com aquelas que são desenvolvidas com crianças, principalmente aquelas que possam

ser vinculadas a uma aprendizagem passiva. Para ele, as necessidades relacionadas à

aprendizagem devem ser diagnosticadas logo no início do processo, o adulto deve indicá-las a

partir de um auto-diagnóstico baseado em suas motivações para a aprendizagem. Este

processo de auto-diagnóstico consiste em três fases:

1. Construção de um modelo das competências ou características necessárias para que se

atinja o modelo ideal de desempenho determinado, o que deve levar em consideração

as expectativas dos aprendizes, do entorno e dos facilitadores;

Page 27: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

26

2. Estabelecimento de diagnósticos de experiências que possibilitem aos aprendizes uma

avaliação do seu presente nível de competências à luz dos mesmos;

3. Auxílio ao aprendiz na identificação das lacunas entre as suas competências atuais e

àquelas apresentadas no modelo ideal a ser perseguido. Esta identificação deve servir

como uma forma de incentivo para que o aprendiz persiga o modelo com o objetivo de

obter o necessário crescimento para se atingir os níveis desejados de desenvolvimento.

Os processos devem ser planejados desde o início, sempre contando com a

participação ativa do adulto aprendiz, pois conforme Knowles (1980, p. 48): “as pessoas

tendem a sentirem-se compromissadas com decisões (ou atividades) na extensão em que eles

contribuíram para essa tomada de decisão (ou no seu planejamento)”. Este planejamento deve

ser capaz de traduzir as necessidades de aprendizagens em objetivos específicos que sejam

capazes de concretizá-las, além de prever avaliações dos progressos alcançados.

A condução das experiências de aprendizagens – em congruência com o auto-conceito

e o auto-direcionamento do adulto – deve ser baseada na confiança mútua entre os

participantes dos processos. O progresso alcançado é resultado de uma troca na qual não há

relação de superioridade, o que, segundo Knowles (1980), é característica das situações de

aprendizagem na andragogia, não importando de que tipo de processo de aprendizagem se

está falando, podendo ser em um curso, em uma escola, em um programa de treinamento ou

em uma conferência etc. O importante nestas experiências é que a responsabilidade pela

aprendizagem seja divida entre os membros dos grupos. Na concepção andragógica os

facilitadores não agem no sentido de “ensinar” aos aprendizes, o seu papel central está no

apoio aos aprendizes para que estes aprendam. Contudo, aqui é preciso lembrar que a

aprendizagem sempre acontece de forma interna e individual, ou seja, cada indivíduo constrói

a sua própria experiência.

Finalmente, a avaliação da aprendizagem, neste modelo, é responsabilidade do adulto

e não de exclusividade do facilitador. A avaliação é uma etapa de grande importância nos

processos de aprendizagem, pois os progressos são avaliados e, de acordo com o nível

alcançado, o planejamento das seguintes atividades é iniciado, tendo como base o resultado

alcançado até o momento da avaliação.

De acordo com Knowles (1980), nos processos de aprendizagem, nada faz com que o

aprendiz se sinta mais infantilizado do que quando é avaliado por outro adulto. Este, com o

auxílio do facilitador, deve conduzir um processo de auto-avaliação baseado nos progressos

alcançados, inclui-se aí também a avaliação das estratégias de aprendizagens adotadas. Assim

Page 28: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

27

como nas demais etapas descritas anteriormente, na avaliação também prevalece o

empreendimento mútuo entre os aprendizes e os facilitadores.

A Figura 2 apresenta os facilitadores que se relacionam com a aprendizagem de

indivíduos adultos. A aprendizagem, núcleo do processo, é envolvida e constituída a partir das

constantes relações entre a preparação do aprendiz, o clima, o planejamento mútuo, o

diagnóstico das necessidades, o programa de objetivos para a satisfação das necessidades

sugeridas no diagnóstico, o desenvolvimento de modelos de aprendizagem a partir das

experiências, técnicas e materiais adequados e processos de avaliação da aprendizagem.

Figura 2: Aprendizagem de indivíduos adultos e seus facilitadores

Fonte: Inspirado em Knowles (2005)

A partir da interpretação do modelo e das condições necessárias para a aprendizagem

de adultos apresentado por Knowles (1990), se elabora a Figura 3, a qual segue também um

esquema circular que parte das necessidades de aprendizagens dos indivíduos – percebidas

por eles – passando por mais oito etapas. As condições apresentadas na Figura 3 devem estar

Page 29: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

28

presentes sempre que ocorrer atividades de aprendizagens de adultos, pois elas representam

uma estratégia para envolver e apoiar a aprendizagem de adultos de forma a capacitá-los para

que tomem as rédeas de seus processos de aprendizagem e de desenvolvimento.

Figura 3: Condições necessárias à aprendizagem de adultos.

Fonte: Inspirado em Knowles (1990)

O objetivo do ciclo apresentado na Figura 3 está relacionado com a necessidade de

estabelecer quais são momentos-chave que devem ser observados no trabalho com aprendizes

adultos. Estes, como já observado anteriormente, quando sentem a necessidade de aprender

algo novo devem ser envolvidos nos processos de aprendizagem a partir de estratégias

específicas de acordo com suas necessidades, ritmo, motivação, objetivos etc. Não há como

propor estratégias desvinculadas de suas realidades, o que certamente leva o adulto a um

sentimento de frustração, desmotivação e desinteresse.

Quando se fala do adulto aprendiz, sujeito foco da andragogia, se está

automaticamente falando dos profissionais que atuam nas organizações e das estratégias de

capacitação adotadas para o seu desenvolvimento.

Programa de trabalho estabelecido a partir da prontidão dos aprendizes.

Atividades de aprendizagens por meio de técnicas experienciais

Avaliação por meio de re-diagnósticos de necessidades e da adoção das medidas necessárias.

Ambiente confortável, respeito, ajuda, confiança mútua, liberdade de expressão e aceitação da diferença.

Diagnóstico das necessidades de aprendizagem a partir da avaliação mútua.

Estabelecimento de objetivos a partir de acordos mútuos.

Os aprendizes sentem a necessidade de aprender, a partir de expectativas realistas

Mecanismos de planejamento mútuo entre aprendizes e facilitadores.

Page 30: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

29

A andragogia, apesar de se apresentar como um modelo alternativo a pedagogia no

que se refere à especificidade do trabalho com adultos, é alvo de críticas por parte da

academia. Merriam (2001) menciona estudos que questionam a validade da andragogia como

uma teoria de educação de adultos, contudo o próprio Knowles (1989, p.112) afirma que a

andragogia é menos uma teoria sobre a educação de adultos que um “modelo de apropriações

sobre aprendizagem ou um esquema conceitual que serve como base para uma teoria

emergente”. Outra crítica muito corrente apontada por Merriam (2007) tem relação com o fato

de o foco do modelo estar centrado no aprendiz enquanto indivíduo, sendo que o contexto

social no qual o sujeito está inserido é completamente ignorado. A defesa de Knowles para

esta crítica está embasada no fato de que o adulto é um ser autônomo, livre e orientado para o

crescimento.

Sandlin (apud MERRIAM, 2007, p. 88), em seus estudos de orientação na teoria

crítica em estudos feministas e africanos (africentric), cita as seguintes críticas em relação à

andragogia: a andragogia 1) assume a educação como livre de valores e apolítica; 2) não leva

em consideração as diferenças individuais, e, pelo foco estar centrado no indivíduo branco e

de classe média, 3) ignora relações com outras maneiras de educação, 4) em virtude da

completa ignorância em relação ao indivíduo (self) e a sociedade, o que conseqüentemente

acarreta sistemas que privilegiem a opressão baseada em raça, gênero, e classe, os quais

influenciam a aprendizagem em virtude da falta de consideração dos impactos da cultura no

desenvolvimento do indivíduo (self); e 5) a partir de uma análise da teoria crítica, em estudos

feministas africanos as quais afirmam que a andragogia reproduz as desigualdades sociais e

favorecem a manutenção do status quo.

Outra crítica apontada por Merriam (2001, p. 5) está relacionada ao fato de que alguns

adultos são altamente dependentes do professor durante os processos de aprendizagem,

enquanto algumas crianças são independentes e auto-dirigidas. Da mesma forma, adultos

podem ser altamente motivados a aprender, quando precisam fazê-lo para manter seus

empregos, por exemplo, enquanto que as crianças podem ser motivadas pela curiosidade e

pelo prazer de aprender. Não obstante, a autora afirma que as premissas da Andragogia

constituem um dos pilares da teoria da aprendizagem do adulto, e que o tema será ainda

objeto de debates, discussões, pesquisas e em conseqüência disso de um enriquecimento do

entendimento em relação à aprendizagem de adultos.

A despeito das críticas apontadas na literatura, a andragogia, em função da

preocupação e da especificidade no trato com a aprendizagem de indivíduos adultos se

Page 31: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

30

apresenta como uma importante lente para auxiliar os processos de análise conduzidos ao

longo desta pesquisa.

Entendida a importância da andragogia e a especificidade da aprendizagem em

indivíduos adultos, é preciso agora esmiuçar as questões ligadas à experiência dos aprendizes

e o impacto destas nas aprendizagens em que indivíduos se envolvem no decorrer de cada

uma de suas jornadas.

2.2 A aprendizagem experiencial

Nesta seção serão apresentados Knud Illeris, David Kolb e Donald Schön, os quais são

alguns dos principais autores que tratam da temática da aprendizagem experiencial.

2.2.1 Knud Illeris: processos da aprendizagem de adultos e suas dimensões

Para Illeris (2003, p. 172), “o fato central para a aprendizagem de adultos está

relacionado à questão de que estes, em contraste com as crianças, tomam para si a

responsabilidade por seus comportamentos, ações, opiniões e aprendizagens”.

O autor esclarece que adultos adotam um postura cética em relação a tudo que outras

pessoas desejam que eles aprendam e que eles mesmos não sentem a necessidade e a urgência

em aprender. Os adultos – consciente ou inconscientemente – decidem por si só e, por esta

razão, no caso de suas aprendizagens, é preciso atentar para as questões apontadas pelo autor,

as quais são apresentadas a seguir:

• Eles aprendem o que desejam aprender e o que é significativo;

• Baseiam-se nos recursos que possuem a partir de suas aprendizagens anteriores;

• Assumem a responsabilidade pelas aprendizagens a que são submetidos;

• Não são inclinados a se submeterem a aprendizagens nas quais eles não têm interesse

ou àquelas que não são significativas ou que não tenham importância segundo seus

critérios.

Page 32: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

31

As aprendizagens, na concepção do autor, estão profundamente ligadas à experiência e

aos interesses do adulto. Este interesse pode ter relação com necessidades momentâneas e

superficiais, com curiosidades ou com questões provocativas que o adulto sente necessidade

de ver respondidas. Porém, além destas questões mais imediatas, ele tem também projetos

estáveis e de longo prazo, o que muitas vezes está ligado a questões familiares, de carreira, de

satisfação financeira, relacionadas ao seu lazer, enfim, questões ligadas a um projeto de vida,

a sua história e a sua constituição enquanto indivíduo.

Para Illeris (2004), a aprendizagem no local de trabalho acontece a partir da relação

entre o ambiente de aprendizagem estabelecido pela organização e os processos de

aprendizagem individual dos empregados. Há também, segundo o autor, uma grande

importância da relação dinâmica que se estabelece entre os processos de aprendizagem dos

empregados, as comunidades existentes no ambiente profissional e o empreendimento de um

sistema técnico-organizacional adequado à aprendizagem. Baseado nesta concepção, o autor

apresenta um modelo que procura representar como ocorrem os processos de aprendizagem

no local de trabalho, apresentado na Figura 4.

Figura 4: Processo de aprendizagem dos trabalhadores

Fonte: Adaptado de Illeris (2004)

Como um paralelo ao modelo apresentado dos processos de aprendizagem no local de

trabalho (Figura 4), o autor apresenta o seu modelo geral de aprendizagem, no qual ele inclui

Processo de aprendizagem dos empregados - Experiências de trabalho - Educação e treinamento

- Background social

Aprendizagem no local de

trabalho

Ambiente social/cultural de aprendizagem

- Comunidades de trabalho - Comunidades culturais - Comunidades políticas

Ambiente técnico/organizacional de aprendizagem - Divisão e conteúdo do trabalho - Autonomia e aplicação da qualificação - Pressão e estresse

Page 33: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

32

os processos de interação social, o ambiente e o indivíduo. Este processo está representado na

Figura 5.

Figura 5: Processo e dimensões da aprendizagem.

Fonte: Adaptado de Illeris (2004)

O modelo apresentado na Figura 5, segundo Illeris (2004), inclui na vertical o

processo de interação social da aprendizagem como um movimento que vai do indivíduo para

o ambiente e deste para o indivíduo, ou seja, acontece por meio da interação entre o indivíduo

e o ambiente, o que ocasiona mudanças em ambos. Na horizontal, o autor trata dos processos

de aquisição psicológica como ocorrendo a partir da interação entre os aspectos relacionados

ao conteúdo das aprendizagens, ou seja, sobre o conhecimento, sobre as habilidades etc., e a

dinâmica relacionada a estes processos, ou seja, sobre as motivações, as emoções etc.

Segundo Illeris (2004), no local de trabalho, o indivíduo é exposto a práticas e

identidades, as quais são incorporadas por este, tornando possível o processo de aprendizagem

e de desenvolvimento. Este processo é apresentado na Figura 6.

Conteúdo da aprendizagem

Ambiente

Dinâmica de aprendizagem

Aquisição psicológica

Individual

Interação Social

Page 34: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

33

Figura 6: Aprendizagem na vida profissional.

Fonte: Adaptado de Illeris (2004)

Illeris (2004), baseado em grande parte nos estudos da psicologia da aprendizagem, re-

introduz os conceitos apresentados na Figura 6, propondo um modelo holístico de

aprendizagem no local de trabalho. Para ele, é preciso distinguir e conectar o nível individual

e o social da aprendizagem no local de trabalho a partir de um movimento dialético entre estes

dois níveis. Sendo que tanto na aprendizagem no nível individual quanto no nível social é

preciso estabelecer uma relação entre os conteúdos da aprendizagem individual com o

ambiente técnico/organizacional e entre a dinâmica de aprendizagem e o ambiente social e

cultural no qual esses processos se desenvolvem, sempre em um duplo movimento entre o

individual e o social.

Baseado nos estudos de Furth (1987), Illeris (2007, p. 88) afirma que os processos de

aprendizagem são constituídos a partir de três dimensões, sendo elas: a cognição, a emoção e

a sociedade. O conjunto destas dimensões e sua inter-relação está representado na Figura 7:

Ambiente social/ cultura de aprendizagem

Ambiente técnico/ Organizacional de aprendizagem

Conteúdo da aprendizagem

Ambiente

Dinâmica de aprendizagem

Práticas do trabalho

Individual

Identidade do trabalho

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34

Figura 7: Processo de aprendizagem e dimensões Fonte: Adaptado de Illeris (2007)

Os processos de aprendizagem, segundo Illeris (2007), sempre se dão a partir da

interação entre as três dimensões. A cognição está associada aos conhecimentos,

entendimentos, habilidades, perícias, atitudes e desejos, a emoção com os sentimentos,

motivações e vontade e a dimensão relacionada à sociedade está ligada a interação,

comunicação e cooperação. Estas dimensões, representadas na Figura 7, sempre se inter-

relacionam a partir das experiências dos indivíduos (cognição + emoção) em um ambiente

social (sociedade), em um grupo, para tornar possível suas aprendizagens.

A interação entre as dimensões apontadas pelo autor constitui o processo de

aprendizagem experiencial. As experiências dos indivíduos, a partir de sua cognição, emoção

e do contato com a sociedade tornam as aprendizagens factíveis.

2.2.2 David Kolb: a aprendizagem experiencial

A idéia da aprendizagem experiencial recebe este nome por duas razões, por um lado

em função de sua origem intelectual estar baseada nos trabalhos de John Dewey, Kurt Lewin

Sociedade

Cognição

interações

Ambiente

Emoção Aquisição INDIVIDUAL

Page 36: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

35

e Jean Piaget, e por outro em função da centralidade que a experiência assume nos processos

de aprendizagem (KOLB, 1984). Esta perspectiva não é apresentada como uma terceira

alternativa para as perspectivas comportamental e cognitivista, ela tem como foco um modelo

holístico que seja capaz de integrar questões como a experiência, a percepção, a cognição e o

comportamento.

Kolb (1984) apresenta o modelo desenvolvido por Lewin, aqui ilustrado por meio da

Figura 8:

Figura 8: Modelo de aprendizagem experiencial de Lewin

Fonte: Adaptado de Kolb (1984, p. 21)

Novamente é possível perceber a centralidade do papel de experiência, pois é a partir

do constante movimento entre a experiência concreta – a qual é acompanhada de observações

e reflexões – que se torna possível a formação de conceitos abstratos e generalizações, estas

são testadas em novas situações gerando assim novas aprendizagens e conhecimento.

Indicando para uma direção muito similar, Kolb (1984) apresenta o modelo de John Dewey,

aqui representado por meio da Figura 9, a seguir:

Experiência concreta

Observações e reflexões

Teste das implicações dos conceitos em novas

situações

Formação de conceitos abstratos e

generalizações

Page 37: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

36

Figura 9: Modelo de aprendizagem experiencial de Dewey Fonte: Adaptado de Kolb (1984, p. 23)

Neste modelo é possível perceber que a aprendizagem inicia-se a partir de um

impulso. Este gera uma observação, o que produz novo conhecimento, o qual passa por um

julgamento, seguindo um movimento dialético que integra a experiência, os conceitos, as

observações e a ação dos indivíduos.

Em seu modelo, Dewey (1938 [1997]) destaca a importância: a) da observação das

condições que estão relacionadas à experiência; b) da noção de quais foram as ações tomadas

em situações similares no passado e o conhecimento obtido a partir de informações, conselhos

e advertências daqueles que possuem mais experiência; e c) do julgamento do que se observa

e o significado destas observações.

Como é possível perceber a partir da Figura 9, o modelo de aprendizagem experiencial

defendido por Dewey é apresentado na forma de um ciclo constante de crescimento e

desenvolvimento fundamentado nas experiências vividas anteriormente.

Esta mesma idéia de ciclos/estágios de desenvolvimento é apresentada no modelo

desenvolvido por Piaget (apud Kolb, 1984, p. 23). Neste, o desenvolvimento é dividido em

quatro estágios de acordo com cada idade do indivíduo, sendo eles: o sensório-motor (de 0 até

aproximadamente 2 anos), pré-operatório (de aproximadamente 2 a 7 anos), das operações

concretas (de aproximadamente 7 a 11 anos) e das operações formais (de aproximadamente

11 até o final da vida).

Mesmo sendo o modelo de aprendizagem desenvolvido por Jean Piaget

essencialmente relacionado ao desenvolvimento infantil, Kolb (1984, p. 23) afirma que para

Piaget a dimensão da experiência, da conceituação, reflexão e da ação desenvolvidos na

infância seguem com o indivíduo durante a fase adulta. O desenvolvimento do indivíduo

Impulso 1

Observação 1

Conhecimento 1

Julgamento 1

I 2

C 2

J 2 O 2

I 3

C 3

J 3 O 3

Page 38: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

37

desde a infância até o final de sua vida é acompanhado por um movimento que vai de uma

visão egocêntrica para uma visão de conhecimento reflexivo internalizado.

O desenvolvimento, segundo Kolb (1984), segue um ciclo de interação entre o

indivíduo e o ambiente, de forma muito similar aos modelos apresentados anteriormente em

Illeris, Lewin e Dewey.

A centralidade do modelo de Piaget está ligada a três fatores de fundamental

importância para o desenvolvimento dos indivíduos. São eles a assimilação, a acomodação e o

estado de equilíbrio, a equilibração majorante. Para ele o desenvolvimento ocorre em

momentos de desequilíbrio, em situações nas quais a nossa experiência e os nossos esquemas

mentais não são capazes de dar conta da solução de problemas que enfrentamos no dia-a-dia,

nestas situações entram em cena a assimilação, a acomodação e a equilibração majorante, os

quais são conceituados no Quadro 2:

Processo Definição

Assimilação

Consiste na tentativa do indivíduo de solucionar uma determinada situação a partir da estrutura cognitiva que ele possui naquele momento específico da sua existência. Representa um processo contínuo na medida em que o indivíduo está em constante atividade de interpretação da realidade que o rodeia e, conseqüentemente, tendo que se adaptar a ela. Como o processo de assimilação representa sempre uma tentativa de integração de aspectos experienciais aos esquemas previamente estruturados, ao entrar em contato com o objeto do conhecimento o indivíduo busca retirar dele as informações que lhe interessam deixando outras que não lhe são tão importantes, visando sempre a restabelecer a equilibração do organismo.

Acomodação

Consiste na capacidade de modificação da estrutura mental antiga para dar conta de dominar um novo objeto do conhecimento, ou seja, a acomodação representa o momento da ação do objeto sobre o sujeito emergindo, portanto, como o elemento complementar das interações sujeito-objeto. Em síntese, toda experiência é assimilada a uma estrutura de idéias já existentes (esquemas) podendo provocar uma transformação nesses esquemas, ou seja, gerando um processo de acomodação.

Equilibração majorante

Mecanismo de organização de estruturas cognitivas em um sistema coerente que visa a levar o indivíduo à construção de uma forma de adaptação à realidade.

Sugere algo móvel e dinâmico, na medida em que a constituição do conhecimento coloca o indivíduo frente a conflitos cognitivos constantes que movimentam o organismo no sentido de resolvê-los. Quadro 2: Definições de assimilação, acomodação e equilibração majorante.

Fonte: Adaptado de Terra (2008) e Piaget (1978)

Na medida em que os processos de assimilação e acomodação entram em equilíbrio

ocorre um novo desenvolvimento e o organismo novamente entra em equilíbrio. Estes

movimentos são permanentes e estão presentes em todos os estágios descritos por Piaget. A

base da teoria piagetiana está na noção de equilíbrio. Segundo Davis e Oliveira (1993, p. 38)

Page 39: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

38

“o processo dinâmico e constante do organismo buscar um novo e superior estado de

equilíbrio é denominado processo de equilibração majorante”. As aprendizagens na

concepção de Piaget ocorrem em decorrência tanto da equilibração quanto da maturação do

organismo do aprendiz (DAVIS; OLIVEIRA, 1993, p. 46).

O modelo de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo proposto por Piaget está

representado na Figura 10:

Figura 10: Modelo de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo proposto por Piaget Fonte: Adaptado de Kolb (1984, p. 25)

A partir dos modelos de Lewin, Dewey e Piaget, Kolb (1984) propõe um ciclo de

aprendizagem experiencial com quatro “momentos”: o da experiência concreta, o da

observação reflexiva, passando pela abstração, pela experimentação ativa, voltando

novamente para a experiência concreta em uma nova experiência.

1. Estádio sensório motor

2. Estádio pré-

operatório

3. Estádio das operações concretas

4. Estádio das operações formais

Fenômeno concreto

Construcionismo abstrato

Reflexão internalizada

Egocentrismo ativo

Aprendizagem simbólica

Aprendizagem indutiva

Aprendizagem hipotético-dedutiva

Aprendizagem derivada de estímulos

do sentido

Page 40: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

39

Figura 11: Ciclo de aprendizagem experiencial de Kolb Fonte: Adaptado de Kolb (1984, p. 42)

Para o autor, a aprendizagem é um processo de criação de conhecimento por meio da

transformação da experiência. Como se pode perceber pela Figura 11, o ciclo de

aprendizagem experiencial tem início a partir de uma experiência concreta, por exemplo, um

treinamento, uma tentativa de desenvolver algo novo, ou qualquer outra que esteja

acompanhada de alguma forma de aprendizagem. (KOLB, 1984)

Em um segundo momento, entra em cena a observação reflexiva, ou seja, a partir da

experiência vivenciada no plano concreto, surge a necessidade da reflexão, é preciso

compreender o que de fato ocorreu na ação realizada, de nada adiantaria agir seguindo a

impulsos sem que uma reflexão pudesse dar conta de iluminar possíveis repetições em ações

similares em outros contextos, a partir de outros pontos de vista e até mesmo com outros

enfoques, buscando evitar erros e insucessos nas atividades futuras.

A partir do processo de reflexão é necessário que o indivíduo submetido às

experiências passe para o momento da conceituação abstrata. É neste passo que ele cria

conceitos e processos que poderão ser aplicados no futuro. Nesta etapa a abstração em relação

a seu processo de reflexão se torna vital para a experimentação ativa, momento seguinte do

ciclo proposto por Kolb, o qual é marcado pela utilização das experiências acumuladas nos

momentos anteriores para a tomada de decisões, resolução de problemas e na obtenção de

sucesso nas experiências futuras. Segundo Kolb (1984), as etapas propostas no ciclo de

Observação

reflexiva

Conceituação

abstrata

Divergência Acomodação

Convergência Assimilação

Experiência

Concreta

Experimentação

ativa

Page 41: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

40

aprendizagem experiencial não seguem necessariamente a seqüência estabelecida na Figura

10, os processos de aprendizagem podem iniciar a partir de qualquer um dos pontos.

Nota-se claramente no ciclo proposto pelo autor a presença dos processos de

assimilação, acomodação e a equilibração majorante propostos por Piaget. Quando Kolb

propõe a reflexão, as descobertas dos esquemas que possam funcionar no futuro em

determinada situação, ele está propondo o mesmo processo presente na assimilação, ele

sugere a necessidade da compreensão dos processos, da busca pelas formas mais adequadas

de atuação nas experiências de aprendizagem, ou seja, ele está propondo que o indivíduo

reflita sobre sua experiência, entendendo quais seriam as possíveis novas formas de ação.

Estas novas formas podem ser diretamente relacionadas com os processos de acomodação, os

quais possibilitam o restabelecimento do equilíbrio para que suas futuras ações possam ser

bem sucedidas. Kolb (1984, p. 42) resume seu modelo da seguinte forma:

A idéia central aqui é que o aprendizado, e conseqüentemente, o conhecimento requerem tanto uma apreensão como uma representação figurativa da experiência e uma transformação desta representação. A apreensão figurativa ou a transformação operativa por si só não são suficientes. A simples percepção da experiência não é suficiente para aprender; algo deve ser feito com ela. Similarmente, a transformação por si só não representa o aprendizado, deve existir algo a ser transformado, algum estado ou experiência sobre o qual se está agindo.

É possível perceber que, tanto para Dewey quanto para Kolb, a aprendizagem

experiencial está baseada na crença da força transformativa que tem os ciclos por eles

propostos, o que também é encontrado nos outros autores apresentados neste trabalho.

O autor enumera uma série de características da aprendizagem experiencial, tendo

como base os modelos de Lewin, Dewey, Piaget, o que para ele formaria uma perspectiva

única sobre aprendizagem e desenvolvimento, a saber:

Page 42: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

41

Perspectiva em relação à Aprendizagem:

Definição

Melhor concebida como um processo, não como um

resultado.

As idéias não são elementos fixos e imutáveis do pensamento, elas são formuladas e reformuladas a partir das experiências. A partir do concreto os indivíduos refletem, abstraem os conceitos e os aplica em novas situações por meio da experimentação, o que configura um processo que gera novas aprendizagens.

Processo contínuo, alicerçado na experiência.

A aprendizagem é continuamente derivada e aplicada em relação às experiências do aprendiz. Toda experiência tem algo do vivido anteriormente, sendo que este algo, já modificado pela reflexão, influencia a experiência futura, formando um ciclo contínuo baseado nas experiências vividas.

Requer a resolução de conflitos entre modos

dialeticamente opostos de adaptação ao mundo.

A aprendizagem se dá a partir da tensão e da resolução de conflitos. Novo conhecimento, habilidades e atitudes são alcançadas por meio da confrontação por meio dos passos constantes no ciclo experiencial, ou seja, a partir das tensões entre o concreto e o abstrato, do reflexivo e do ativo.

Processo holístico de adaptação ao mundo.

Integra o funcionamento total do organismo, pensamento, sentimentos, percepção e comportamentos do indivíduo. Quando a aprendizagem é concebida como um processo adaptativo holístico, ela é capaz de criar pontes entre as diversas situações vivenciadas pelo indivíduo, a partir de um processo contínuo que se estende por toda vida.

Envolve transações entre pessoas e ambientes.

Simbolizada no sentido duplo da experiência, sendo um subjetivo e pessoal e outro objetivo e ambiental. O primeiro tem relação com os estados internos dos indivíduos, por exemplo, suas experiências de prazer e felicidade; o segundo tem relação com os fatos e estados objetivos, observáveis, externos aos indivíduos, por exemplo, o tempo de experiência que um indivíduo tem em determinada função profissional.

É um processo de construção de conhecimentos.

Resulta da transação entre as experiências objetivas e subjetivas dos indivíduos e dos conflitos dialéticos entre os extremos da experiência concreta versus abstrata, e da reflexiva versus ativa.

Quadro 3: Perspectivas sobre a aprendizagem e desenvolvimento Fonte: Kolb (1984)

A centralidade da experiência e a importância da reflexão são aspectos de fundamental

importância para o entendimento do modelo de aprendizagem experiencial proposto por Kolb

(1984). As experiências e, conseqüentemente, as reflexões por elas motivadas servem de

impulso para novos processos de aprendizagem. Estes precisam sempre ter em conta as

características descritas no Quadro 3.

Os ciclos de aprendizagem apresentados nas Figuras 8, 9, 10 e 11 procuram descrever

os modelos defendidos pelos autores estudados até este ponto deste trabalho. Estes ciclos e os

modelos de aprendizagem estudados serviram de pano de fundo, de guia e luz para iluminar

as análises das aprendizagens que emergiram da pesquisa no trabalho de campo.

Page 43: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

42

Na seqüência, são estudadas questões relacionadas ao conhecer-na-ação, a reflexão-

na-ação e à importância da reflexão para a prática profissional sob a luz do ensinamento de

Donald Alan Schön.

2.2.3 Donald Alan Schön: o conhecer-na-ação, a reflexão-na-ação e a importância da

reflexão para a prática profissional

Corroborando os modelos apresentados anteriormente no que diz respeito à

importância da reflexão nos processos de aprendizagem e de formação, Schön (2007) aponta

para a importância dos saberes e dos talentos necessários para a atuação profissional.

Para o autor, em situações práticas nas quais a incerteza, o conflito e a unicidade

imperam, os profissionais demonstram um talento artístico que os habilita a executar suas

tarefas de forma adequada. Execuções estas que, de acordo com Schön (2007), “não

dependem de nossa capacidade de descrever o que sabemos fazer ou mesmo considerar,

conscientemente, o conhecimento que nossas ações revelam”. A ação realizada pelo indivíduo

está relacionada ao conhecimento tácito que este detém, diz respeito ao saber fazer, com o ser

capaz de realizar a ação, porém, sem que esta realização possa ser verbalizada passo a passo

ou ser ensinada a outro para que a reproduza nas mesmas seqüências, obtendo o mesmo

resultado.

Schön (2007) utiliza a expressão conhecer-na-ação para se referir aos tipos de

conhecimento que emergem nas ações inteligentes, o que para ele se traduz em performances

físicas, publicamente observáveis, como o andar de bicicleta ou a análise instantânea de um

balanço, atividades nas quais o ato de conhecer se encontra na própria ação realizada. Pode-se

conhecer teoricamente o andar de bicicleta, contudo só se anda de bicicleta na prática.

O conhecer-na-ação está no campo do conhecimento tácito. Contudo este conhecer

pode ser traduzido, em alguns casos, por meio da observação e da reflexão sobre as ações

realizadas. Esta tradução será de diferentes tipos, dependendo do propósito e das linguagens

disponíveis para as descrições envolvidas nesta representação da ação realizada. Esta

representação será sempre, segundo Schön (2007), uma construção. Construções estas que

“são sempre tentativas de colocar de forma explícita e simbólica um tipo de inteligência que

Page 44: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

43

começa por ser tácita e espontânea” (SCHÖN, 2007, p. 31). Para o autor, nossas descrições

são conjecturas que precisam ser testadas contra observações de seus originais, dos quais, pelo

menos em certo aspecto, elas provavelmente distorcerão, uma vez que o conhecer-na-ação é

dinâmico e os fatos, os procedimentos e as teorias são estáticos.

O conhecer-na-ação está ligado ao como cada indivíduo realiza a sua tarefa no dia-a-

dia, tem relação com uma forma quase que automática de realizar uma tarefa. Não há uma

reflexão sobre quais são os passos a seguir ou um planejamento a priori, sabe-se e aplica-se o

conhecimento na prática. Esta aplicação prática gera situações nas quais o indivíduo está

efetivamente aprendendo algo novo, porém, em virtude da falta de reflexão em relação à ação,

estas aprendizagens podem não ser percebidas como tal.

Segundo Schön (2007), o conhecer-na-ação “é um processo que se coloca

espontaneamente, sem deliberação consciente e que funciona, proporcionando os resultados

pretendidos, enquanto a situação estiver dentro dos limites do que aprendemos a tratar como

normal” (SCHÖN, 2007, p.33). Este processo se assemelha à acomodação descrita por Piaget,

ou seja, o indivíduo resolve seus problemas a partir do cabedal de conhecimentos e saberes

acumulados em experiências anteriores, sem questionar ou refletir se estes se aplicam à nova

situação enfrentada. A lógica parece estar ligada a algo como “se deu certo anteriormente,

dará novamente”, obviamente de forma automática e sem reflexão.

Contudo, a lógica de funcionamento descrita acima nem sempre se reproduz da mesma

maneira. As respostas de uma rotina podem produzir surpresas as quais não podem ser

resolvidas a partir do conhecimento disponível no exato momento da necessidade. Situações

como esta geram a necessidade de uma reflexão em relação ao presente-da-ação, em relação a

quais são as possíveis saídas que podem ser adotadas. Nesta etapa do processo, surge o

desconforto e o desequilíbrio em função da ausência de soluções para os problemas

enfrentados no dia-a-dia, para os quais os conhecimentos e saberes do passado já não são mais

suficientes. Esta situação gera a necessidade de se buscar novas respostas e novas formas de

resolver os problemas enfrentados no dia-a-dia. Esta necessidade, salvo engano ou falta de

entendimento, apresenta uma grande similaridade com o processo de acomodação descrito por

Piaget.

A reflexão, segundo Schön (2007, p. 33), “é, pelo menos em alguma medida,

consciente, ainda que não precise ocorrer por meio de palavras”, pois nas situações quando o

indivíduo não dá conta de resolver os problemas a partir do conhecer-na-ação, este conhecer,

juntamente com eventos inesperados, são levados em consideração no sentido de se buscar a

Page 45: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

44

compreensão dos fenômenos e do próprio processo de conhecimento. Deste processo surge a

reflexão-na-ação, situação na qual surge o questionamento sobre a estrutura dos pressupostos

do ato de conhecer-na-ação. Os processos passam a ser pensados de forma mais crítica,

surgem as reestruturações das estratégias de ação, do entendimento e da compreensão dos

fenômenos e da própria forma de conceber os problemas. Contudo é importante salientar que

este não é um processo que ocorre separado da ação, para o autor, pensamento e ação são

atividades complementares.

Segundo Schön (2007), a partir da reflexão os processos passam a ser experimentados

de imediato. O indivíduo passa a pensar sobre suas atividades, as experiências relacionadas às

novas ações passam a ter o objetivo de explorar os fenômenos recém observados, passa-se a

testar novas compreensões experimentais acerca dos fatos.

Os processos de conhecer-na-ação e de reflexão-na-ação apresentam uma distinção

sutil, podendo inclusive ocorrer situações nas quais não seja possível a identificação de em

que momento cada um deles está ocorrendo. As respostas dadas a uma determinada situação-

problema podem estar atreladas a uma forma de variação conhecida pelo indivíduo e não em

função da ausência de uma resposta causada devido a uma surpresa e ao desconhecimento em

relação a uma nova situação a ser enfrentada.

O conhecer-na-ação tem relação com o conhecimento tácito, com a rotina, com a

espontaneidade, com certo automatismo, com o saber que o indivíduo possui no exato

momento da realização de uma atividade, já a reflexão-na-ação está ligada a surpresa, ao

inesperado, a falta de respostas para uma pergunta jamais respondida anteriormente, tem a ver

com a reestruturação imediata do conhecer-na-ação.

Os processos de conhecer-na-ação e de reflexão-na-ação são práticas presentes no

cotidiano, e como tal também estão relacionadas ao contexto profissional nos quais os

indivíduos estão inseridos no dia-a-dia. Segundo Schön (2007, p 37) “os processos de

conhecer na ação de um profissional tem suas raízes no contexto social e institucionalmente

estruturado do qual compartilha uma comunidade de profissionais”. Os profissionais

compartilham convenções de ações, linguagens, ferramentas e padrões que são úteis para

determinadas atividades, ramos de atuação e de conhecimento. Há um corpo de conhecimento

compartilhado entre os profissionais de uma determinada área, as práticas e as condutas são

reguladas por um conjunto de valores, preferências e normas que regulam, estabelecem

objetivos e diretrizes para a ação profissional.

Page 46: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

45

Falando da prática, o autor afirma que:

Quando alguém aprende uma prática, é iniciado nas tradições de uma comunidade de profissionais que exercem aquela prática e no mundo prático que eles habitam. Aprende suas convenções, seus limites, suas linguagens e seus sistemas apreciativos, seu repertório de modelos, seu conhecimento sistemático e seus padrões para o processo de conhecer-na-ação. (SCHÖN, 2007, p. 39)

Dificilmente se aprende uma prática profissional desvinculada da realidade a que os

profissionais estão inseridos e sem que o aprendiz tenha o desejo de se apropriar da técnica. O

conhecer-na-ação se torna possível a partir do convívio com profissionais mais experientes,

por meio da observação, do ensaio e do contato com a prática.

Aprender uma prática por conta própria, segundo Schön (2007), tem a vantagem da

liberdade da experimentação sem os limites estabelecidos pela visão recebida de outros,

porém traz consigo também a desvantagem de se reinventar a roda sem ter em conta o

conhecimento e as experiências acumuladas por outros. Contudo a realidade das empresas nas

quais os profissionais atuam, em virtude da necessidade e da pressão por rápidos e bons

resultados, desempenhos e minimização de erros não permite que os aprendizes reinventem

rodas. Nestes contextos, os profissionais mais experientes aprendem a esperar que os

aprendizes sejam munidos de habilidades rudimentares, as quais precisam ser lapidadas

durante o processo de aprendizagem.

Para Schön (2007), a aprendizagem do conhecimento e do saber profissional pode

ocorrer a partir de três maneiras:

a. Treinamento técnico: conhecimento e o saber são concebidos em termos de

fatos, regras e procedimentos aplicados de forma não-problematizada a problemas

instrumentais. Nesta perspectiva o papel do profissional mais experiente se restringe a

comunicar e demonstrar a aplicação das regras e operações aos fatos da prática;

b. “O pensar como um __________”: conhecimento e saber concebidos a partir

do “pensar como um” profissional experiente. É preciso aprender e entender os fatos

relevantes e as formas de investigação pelas quais os profissionais experientes

raciocinam para encontrar, em instâncias problemáticas, as conexões entre o

conhecimento geral e casos particulares. O profissional mais experiente pode enfatizar

tanto as regras da investigação quanto a reflexão-na-ação a partir da qual,

ocasionalmente, os estudantes têm que desenvolver novas regras e métodos próprios;

Page 47: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

46

c. A reflexão-na-ação: conhecimento e saber concebidos a partir do ir além das

regras explicitadas, por meio não somente da visão de novos métodos de raciocínio

como também por construir e testar novas categorias de compreensão, estratégias de

ação e forma de conceber problemas. O papel do profissional mais experiente deve

centrar-se na ênfase em zonas indeterminadas da prática e conservações reflexivas

com os materiais da situação.

De acordo com Schön (2007, p. 41), o terceiro tipo de aprendizagem não impede o

trabalho dos anteriores. O autor acredita que é possível aprender com a reflexão-na-ação,

sendo que em um primeiro momento se aprende a reconhecer a aplicar regras, fatos e

operações-padrão, em seguida, a raciocinar a partir das regras gerais até casos problemáticos,

de forma característica de uma ou de outra profissão, e somente então a partir destes dois

primeiros momentos de aprendizagem é que se torna possível desenvolver e testar novas

formas de compreensão e ação.

As aprendizagens na prática, segundo Schön (2007), acontecem em dois contextos

distintos, o das situações familiares e o das situações incomuns, e sob duas perspectivas

diferentes de apropriação do conhecimento em cada um destes contextos.

Os contextos são definidos como:

a. Situações familiares: são aquelas nas quais o profissional pode resolver o

problema pela aplicação rotineira de fatos, regras e procedimentos derivados da

bagagem de conhecimento profissional. No planejamento urbano, por exemplo, há

regras não-oficiais, mas aceitas, pelas quais um planejador pode calcular, sob um dado

zoneamento regulamentado, o número de vagas de estacionamento necessárias para

cada apartamento de um edifício. Em medicina existem diagnósticos de rotina de

pacientes e prescrições rotineiras para queixas comuns e simples; e

b. Situações incomuns: são aquelas nas quais o problema não fica inicialmente

claro e não há uma equivalência óbvia entre as características das situações e o

conjunto de teorias e técnicas disponíveis. É comum neste tipo de situação, falar em

“pensar como um médico” – ou advogado, ou administrador – para referir-se aos tipos

de investigação pelas quais profissionais competentes aplicam conhecimentos

disponíveis em situações práticas em que sua aplicação é problemática.

As perspectivas associadas aos contextos acima descritos são:

Page 48: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

47

a) Racionalidade técnica: baseada em uma visão objetivista da relação do

profissional com a realidade que ele conhece. Os fatos são o que são e a verdade das

crenças é passível de ser testada estritamente com referência a elas. Todos os

desacordos significativos são solucionáveis, pelo menos em princípio, tomando-se os

fatos como referência. Todo o conhecimento profissional baseia-se em um alicerce de

fatos (SCHÖN, 2007, p. 39).

b) Epistemologia da prática/Reflexão na ação: nessa perspectiva se reconhece

como um caso limite as situações nas quais é possível fazer uma aplicação rotineira

das regras e dos procedimentos existentes a situações problemáticas específicas. Para

além destas situações, regras, teorias e técnicas conhecidas trabalham em instâncias

concretas, por intermédio de uma arte que consiste em uma forma limitada de

reflexão-na-ação. E para além destas, se reconhece casos de diagnósticos

problemáticos nos quais os profissionais não apenas seguem as regras da investigação,

mas também, às vezes, respondem às descobertas surpreendentes a partir da invenção

imediata de novas regras. Esse tipo de reflexão-na-ação é fundamental para o talento

artístico com o qual os profissionais, muitas vezes, compreendem situações incertas,

únicas e conflituosas (SCHÖN, 2007, p. 38).

Em situações nas quais há o predomínio da perspectiva da epistemologia do

conhecimento, de acordo com o autor, o profissional experimenta surpresas que o levam a

repensar seu processo de conhecer-na-ação de modo a ir além de regras, fatos, teorias e

operações disponíveis. O indivíduo é capaz de responder àquilo que é inesperado por meio da

reestruturação de suas estratégias de ação, teorias de fenômeno ou formas de seus esquemas

de conhecer o problema, passando a buscar soluções imediatas para testar novas

aproximações. O comportamento adotado é o de um pesquisador que busca modelar um

sistema especializado.

A Figura 12 apresenta a relação entre os contextos e as perspectivas apontadas

anteriormente.

Page 49: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

48

Figura 12: Contextos e perspectivas da prática da aprendizagem reflexiva Fonte: Inspirado em Schön (2007)

No centro da Figura 12, estão as situações familiares, em seguida as situações

incomuns, demonstrando que a prática sempre tem início a partir de uma situação familiar,

comum, do cotidiano. A situação familiar estará sempre na base da prática, pois não se parte

de uma situação desconhecida e incomum de início, pode-se enfrentar novas situações,

contudo o cabedal de conhecimento e de esquemas do indivíduo está sempre baseado nas

situações familiares vividas anteriormente, o desconhecido e o incomum surgem no momento

em que o conhecer-na-ação não dá mais conta de solucionar os problemas encontrados nas

situações que deixam de ser familiares. Este conhecer-na-ação está ligado à perspectiva da

racionalidade técnica, a qual independentemente do contexto, sendo ele familiar ou não, busca

respostas para as práticas, as quais nem sempre estão ao alcance do indivíduo. A

epistemologia da prática e a reflexão-na-ação, como se pode perceber na ilustração, abarca

todos os contextos, pois se trata de uma perspectiva que busca respostas que sejam capazes de

dar conta da prática, sendo esta familiar ou não. Em virtude da amplitude que esta abordagem

pode alcançar não há uma delimitação de seu espaço representado na Figura 9.

A reflexão-na-ação e a reflexão sobre a ação são fundamentais para esta pesquisa, eles

serviram para iluminar não somente o caminho percorrido como também atuaram como guias

e alertas no trabalho de campo. A reflexão sobre as práticas observadas no caso estudado

estiveram focadas nas experiências práticas e nas reflexões decorrentes destas práticas,

experienciadas por parte dos profissionais que participaram da pesquisa.

Page 50: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

49

As interações entre os indivíduos, as trocas de experiências, o convívio social e o

ambiente onde estes estão inseridos servem de matéria-prima e de fomento para as novas

aprendizagens. Estas novas aprendizagens estão essencialmente vinculadas ao contato social e

às trocas de experiências entre os profissionais mais experientes e seus aprendizes, sem este

contato as aprendizagens não ocorreriam.

O objetivo deste tópico foi de introduzir a importância das experiências, das práticas e

da reflexão nos processos de aprendizagem profissional. O seguinte tópico aborda as questões

relacionadas à teoria social da aprendizagem nas organizações.

2.3 Teoria social da aprendizagem nas organizações

Na seção anterior foram trabalhadas as questões da aprendizagem em indivíduos

adultos e da aprendizagem experiencial. Em ambas nota-se o papel fundamental que a

experiência exerce para que os indivíduos dêem início e que levem a cabo os seus processos

de aprendizagens.

Contudo, mesmo tendo sido tratada a questão da aprendizagem em adultos como algo

que ocorre de forma individual, agora é preciso destacar que as aprendizagens não ocorrem

sem que o indivíduo esteja inserido em um mundo social, com o qual ele interage, modifica,

transforma e que, conseqüentemente, também em função de sua ação, modifica-se a si

mesmo. Trata-se de um movimento dialético no qual a ação do indivíduo transforma o mundo

e como conseqüência desta transformação também ele próprio se transforma. É deste

indivíduo atuante, agente de transformação, em constante processo de adaptação e re-

adaptação que se falará nesta seção. O foco esteve voltado para os objetivos deste trabalho, ou

seja, estas relações que os indivíduos estabelecem foram estudadas tendo a aprendizagem

organizacional como pano de fundo.

De acordo com Elkjaer (2001b), a aprendizagem organizacional pode ser entendida a

partir de diferentes perspectivas. Segundo ela, inicialmente a aprendizagem organizacional era

definida a partir da aquisição de informação, conhecimento e habilidades de análise e de

comunicação por parte dos indivíduos. Os indivíduos, nesta perspectiva, aprendem a partir de

Page 51: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

50

suas capacidades de abstração. O conhecimento e, conseqüentemente, a aprendizagem,

dependem fundamentalmente dos indivíduos que “detêm” o conhecimento em suas mentes.

A mente, segundo Elkjaer (2004), nesta abordagem, pode ser entendida como sendo

um contêiner, o conhecimento como sendo a substância que preenche este contêiner e a

aprendizagem é vista a partir da transferência e da adição de novas informações nas mentes

dos aprendizes. Os processos de aprendizagem se subordinam a um sistema de depósitos

muito semelhantes à concepção de educação bancária descrita por Freire (1987).

Uma segunda perspectiva de aprendizagem organizacional está ligada à participação

dos indivíduos em comunidades de prática1. Estas estariam baseadas e teriam como pontos de

partida as práticas organizacionais concretas, a aprendizagem é entendida como sendo fruto

da integração entre os novos participantes e os participantes mais experientes nas trocas de

informações em situações diárias de trabalho (ELKJAER, 2004).

A aprendizagem é vista como sendo possível e, até mesmo inevitável, a partir das

relações estabelecidas entre os participantes das comunidades a partir de suas práticas.

Contudo, nesta perspectiva, segundo Elkjaer (2004), parece haver um desaparecimento das

questões ligadas ao “Como” e ao “O que” aprender, uma vez que a aprendizagem é vista

como sendo o resultado da participação dos indivíduos nas práticas diárias.

Elkjaer (2001b) afirma que nesta perspectiva, aparentemente, não há um método de

aprendizagem que dê conta de responder de maneira satisfatória as questões relativas ao como

a aprendizagem ocorre e a o que pode ser aprendido a partir da participação dos indivíduos

nas comunidades. A aprendizagem é assumida como algo inerente à participação.

Tendo como preocupação a busca por respostas para os “Comos” e os “O quês”

relacionados à aprendizagem organizacional, Elkjaer (2004) busca auxílio nos estudos do

filósofo e educador John Dewey, especialmente em relação ao entendimento dos conceitos de

experiência e de investigação/pesquisa (inquiry) ou de pensamento reflexivo (o que para o

autor são sinônimos).

1 Para detalhes vide: WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning, and identity. New York: Cambridge University Press. 1998.

Page 52: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

51

A experiência, segundo Dewey (1936), deve ser entendida como geradora de mudança

que impacte efetivamente o contexto social ao qual está relacionada, diretamente ao

executante ou a ambos. Para ele:

A experiencia na sua qualidade de tentativa subentende mudança, mas a mudança não será uma transição sem significação se não se relacionar conscientemente com a onde de retorno das consequencias que della defluam. Quando uma actividade continua pelas consequencias que della decorrem a dentro, quando a mudança feita pela acção se reflete em uma mudança operada em nós, esse fluxo e refluxo são repassados de significação. Aprendemos alguma cousa. Não existe experiência quando uma creança simplesmente põe o dedo no fogo; será experiencia quando o movimento se associa com a dor que ella soffre, em consequencia daquelle acto. De então por deante o facto de se pôr o dedo no fogo significa queimadura (DEWEY, 1936, p.181 – Mantida a grafia original.)

Percebe-se, a partir desta colocação de Dewey que a experiência por si só não

representa necessariamente a ocorrência de aprendizagem. Fica claro que de nada adianta a

exposição dos indivíduos a experiências variadas em suas rotinas, se estas não são capazes de

provocar mudanças no contexto e na maneira com que os indivíduos se relacionem com o

mundo.

A aprendizagem está relacionada essencialmente à mudança decorrente das

experiências vivenciadas. Esta mudança deve servir como base para guiar ações e reflexões

futuras. Segundo o autor:

“Aprender da experiência” é fazer uma associação retrospectiva e prospectiva entre aquillo que fazemos ás cousas e aquillo que em consequencia essas cousas nos fazem gozar ou soffrer. Em taes condições a acção torna-se uma tentativa; experimenta-se o mundo para se saber como elle é; o que se soffrer em consequencia torna-se instrucção – isto é, a descoberta das relações entre as cousas. Disto decorrem duas conclusões importantes para a educação. 1) A experiência é, primariamente, uma acção ativo-passiva; não é, primariamente, cognitiva. Mas 2) a medida do valor de uma experiencia reside na percepção das relações ou continuidades a que nos conduz. Ella inclue a cognição na proporção em que seja cumulativa ou conduza a alguma cousa ou tenha significação. (DEWEY, 1936, p.182 – Mantida a ortografia original; ênfases no original.)

Segundo Elkjaer (2008), Dewey enfatiza a natureza experiencial do conceito de

experiência e sua relação com a razão, as emoções e a organização do futuro. Para o autor, as

experiências são o resultado da relação que os indivíduos estabelecem com a natureza e com o

contexto social.

Não há na concepção de Dewey, de acordo com Elkjaer (2008), uma separação entre a

natureza e a atividade humana, também as ações não são vistas e analisadas de forma isolada

Page 53: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

52

em relação ao mundo. Neste contexto as experiências são simultaneamente um produto e um

processo. Segundo Dewey (1934 [2005], p.36):

A experiência ocorre continuamente, porque a interação da criatura viva com as condições que a rodeiam está implicada no próprio processo da vida. Sob condições de resistência e conflito, aspectos e elementos do eu e do mundo implicados nesta interação qualificam a experiência com emoções e idéias, de maneira tal que emerge a intenção consciente. Com freqüência, entretanto, a experiência que se tem é incompleta, As coisas são experienciadas, mas não de modo tal que se componham em uma experiência.

Os indivíduos estão em constante contato com o contexto nos quais estão inseridos,

contudo, como já mencionado anteriormente, o contato por si só não garante a aprendizagem.

Para que a aprendizagem ocorra, é necessário que a experiência seja completa, que tenha uma

continuidade e que mude simultaneamente o indivíduo agente da ação e o mundo, seu objeto,

além obviamente de ser constantemente objeto de reflexão.

Dewey (1936), procurando deixar claro o seu entendimento em relação à reflexão,

estabelece que:

O pensamento ou a reflexão, [ ] é o discernimento da relação entre aquillo que tentamos fazer e o que succede em consequencia. Sem algum elemento intellectual não é possivel nenhuma experiencia significativa [ ] Na descoberta minuciosa das relações entre os nossos actos e o que acontece em consequencia delles, surge o elemento intellectual que não se manifestara nas experiencias de tentativa e erro. Á medida que se manifesta esse elemento augmenta proporcionalmente o valor da experiencia. Com isto, muda-se a qualidade desta; e a mudança é tão significativa, que poderemos chamar reflexiva esta espécie de experiência – isto é, reflexiva por excellencia. (DEWEY, 1936, p.188 –189) – Mantida a grafia original.

A importância da reflexão, como afirma o autor, está diretamente relacionada ao

discernimento da relação entre as ações dos indivíduos e as suas conseqüências.

A partir do momento em que o indivíduo toma consciência de que suas ações causam

reações imediatas que modificam tanto o meio quanto si próprio, ele passa a refletir sobre

suas ações, diferentemente de situações nas quais esta relação não é estabelecida e a ação tem

apenas a função de tentativa e erro.

Refletir sobre as ações está ligado ao fato de que o indivíduo passa a,

antecipadamente, estabelecer conexões e a prever possíveis conseqüências tanto para o

receptor, para o grupo em que está inserido quanto para o próprio agente da ação. A reflexão,

afirma o autor, é dirigida pelos conhecimentos adquiridos pelos indivíduos.

Page 54: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

53

As fases do pensamento reflexivo, de acordo com Dewey (1936), são: a dúvida,

hesitação, dificuldade mental que dá origem ao ato de pensar e o ato de pesquisar para

encontrar mecanismos que esclareçam a dúvida. A importância da incerteza, da perplexidade,

da dúvida é a de que estas constituem a gênese da reflexão.

Os passos que levam ao pensamento reflexivo sugeridos pelo autor estão transcritos

abaixo:

São eles: 1) perplexidade, confusão e duvida, devidas ao fato de que a pessoa está envolvida em uma situação incompleta cujo caracter não ficou plenamente determinado ainda; 2) uma previsão conjectural – uma tentativa de interpretação dos elementos dados, attribuindo-lhes uma tendencia para produzir certas consequencias; 3) um cuidadoso exame (observação, inspecção, exploração, analyse) de todas as considerações possiveis que definam e esclareçam o problema a resolver; 4) a consequente elaboração de uma tentativa de hypothese para tornal-o mais preciso e mais coherente, harmonizando-se com uma série maior de circumstancias; 5) tomar como base a hypothese concebida, para o plano de acção applicável ao existente estados de cousas; fazer alguma cousa para produzir o resultado previsto e por esse modo pôr em prova a hypothese (...) [os dois últimos] tornam o acto de pensar em uma experiência. (DEWEY, 1936, p.194 – 195) – Mantida a grafia original; ênfases no original.

Nota-se que, para Dewey (1936), a perplexidade e a dúvida são o ponto de partida para

que o indivíduo passe a questionar e a procurar entender as situações e os problemas nos quais

os seus esquemas mentais não dão conta de sanar as dúvidas enfrentadas na prática diária.

Nestas situações o indivíduo necessita observar, explorar e analisar quais são as possíveis

saídas que podem ser adotadas. Possíveis soluções são formuladas, hipóteses que procuram

encontrar novos caminhos são estabelecidas, primeiro mentalmente e em seguida por meio da

aplicação das mesmas em situações práticas, fazendo com que o pensar se transforme em

experiência.

De acordo com Elkjaer (2004), para Dewey, o conhecimento, simultaneamente como

um processo e um produto, sempre se refere diretamente às experiências humanas, tanto no

plano individual quanto no coletivo. A condição necessária para a ocorrência da

aprendizagem está diretamente relacionada ao empenho que a investigação, o pensamento e a

reflexão exercem como ferramentas nas práticas adotadas pelos indivíduos. Para ela, somente

no momento em que a reflexão estabelece uma relação entre a ação e suas conseqüências é

que ocorre a aprendizagem.

Elkjaer (2008) afirma que os trabalhos de John Dewey são muito importantes para a

definição de um conceito de aprendizagem no qual é possível perceber que a aquisição de

conhecimento se dá a partir da exposição dos indivíduos em situações de incertezas, tendo

Page 55: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

54

como base os conceitos de experiência e de pensamento reflexivo definidos pelo autor. Esta

definição, segundo a autora, dá uma idéia de como ocorre a aprendizagem, no entanto, para

que os conceitos possam ser apropriados aos estudos organizacionais, é necessária uma

elaboração conceitual sobre como entender o contexto do trabalho e as organizações. Para

evidenciar a importância que os conceitos estudados por Dewey exercem nos estudos

organizacionais, Bente Elkjaer recorre aos estudos do sociólogo Anselm Strauss.

Segundo a autora, Strauss entende o local de trabalho como uma arena pertencente ao

mundo social, a qual é constituída a partir do compromisso dos seus membros com as práticas

existentes naquele local, compromisso num duplo sentido de precisar (have to) e de querer

(want to) fazer algo. Strauss (2006, p.89) define o conceito de mundo social como:

A idéia de um entorno simbólico implica que todos os humanos vivem no que podemos chamar de mundo social. Estes podem se concebidos como o agrupamento de indivíduos que se criam juntos por meio de redes de comunicação – estando os membros geograficamente próximos ou não – e pelo compartilhamento de símbolos.

A teoria de Strauss (apud ELKJAER, 2008, p. 12) sobre a organização e o local de

trabalho está focada na ação e na interação como um processo contínuo. O autor entende o

local de trabalho como uma arena constituída por mundos sociais. Este entendimento serve de

ponto de partida para compreender o trabalho e o local onde o trabalho é realizado como

sendo o fruto de ações coletivas e coordenadas. Para o autor, entender o local de trabalho

como uma arena está relacionado ao fato de que as fronteiras que dividem e os delimitam são

abertas a outros mundos sociais. O local de trabalho não tem muros que delimitam e

determinam que ali seja um lugar para atividades organizacionais. Esta delimitação é

estabelecida a partir do compromisso com as ações coletivas e com as condições estabelecidas

no jogo.

De acordo com Elkjaer e Huysmann (2008), o mundo social não representa unidades

ou estruturas como grupos de projetos ou times, ele está relacionado com as ações coletivas e

com as formas com que as interações estão relacionadas a partir do compromisso com o

sujeito e com as condições nas quais estes compromissos são cumpridos. O mundo social

serve de alicerce para a atividade organizacional, para a ação coletiva e como a unidade de

análise para os estudos relacionados a locais de trabalho e a organizações.

Para a autora, o local de trabalho e a organização podem ser conceituados como um

mosaico de distintos mundos sociais que os movem e os constituem.

Page 56: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

55

Tendo como base os estudos de Strauss e Dewey, os conceitos de aprendizagem

organizacional como aquisição de conhecimento individual e as comunidades de prática, a

autora apresenta uma terceira perspectiva de aprendizagem organizacional, a qual é

constituída da síntese dos estudos realizados na área de aprendizagem organizacional, ou seja,

combina a questão da aquisição e da participação como possibilidades de geração de

conhecimento e aprendizagens.

As três perspectivas relacionadas à aprendizagem organizacional estão descritas no

Quadro 4:

Primeira Perspectiva Segunda Perspectiva Terceira Perspectiva

Conteúdo da aprendizagem

Ser capacitado e ter conhecimento sobre as organizações.

Tornar-se um profissional habilidoso nas organizações.

Desenvolver experiências como parte de uma transação entre os indivíduos e a organização.

Método de aprendizagem

Aquisição de habilidade e de conhecimento.

Participação em comunidades de prática.

Individual em conjunto com o pensamento investigativo e a reflexão, levando em conta também o indivíduo como um todo, incluindo suas emoções e a intuição.

Relação entre o individual e a organização

Peculiaridade e possibilidade da separação em análises e prática.

Indivíduos como membros das comunidades de prática.

Transacional, formação mútua dos indivíduos e da organização.

Organização da aprendizagem

Sistema. Comunidades de prática. Mundos sociais.

Quadro 4: Três perspectivas de entendimento da aprendizagem organizacional Fonte: Elkjaer (2004)

Na perspectiva apresentada por Elkjaer (2004), o conteúdo da aprendizagem deixa de

ser algo vinculado somente ao individual ou à participação nas comunidades de prática e

passa a ser desenvolvido a partir da relação entre os indivíduos e as organizações nas quais

estes estão inseridos. O indivíduo aprende por meio do pensamento reflexivo, da

investigação, de suas emoções, da intuição e da relação com os demais membros do mundo

social a que está submetido no local de trabalho. Aprendendo, o indivíduo transforma a si

mesmo e a realidade na qual está inserido. Trata-se de um movimento dialético na medida em

que o sujeito, interagindo, aprende. Aprendendo, interfere no mundo social, o qual a partir

desta interferência também se altera, alterando assim a própria relação com o agente.

Entender este duplo movimento de transformação dos sujeitos e do mundo social é

fundamental para que se entendam os processos de aprendizagem organizacional a partir de

uma lógica na qual ambos aprendem, tanto o indivíduo quanto a organização.

Page 57: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

56

Pensar na relação dupla de aprendizagem e nos mundos sociais como sendo o

resultado do agrupamento de diversas pessoas, com diversas características individuais,

gêneros diferentes, poderes, valores e idéias, segundo Elkjaer (2004), está ligado a uma

tentativa de reconhecer que existem diferenças dentro dos grupos sociais que constituem as

organizações. Estas diferenças precisam ser levadas em consideração tanto no momento da

realização de pesquisas quanto na própria gênese da aprendizagem organizacional, pois os

compromissos assumidos e as interações realizadas pelos indivíduos e grupos dentro da

organização são influenciados pelas características de seus membros.

Outra grande importância da terceira perspectiva apontada pela autora está no fato de

que a emoção e a intuição passam a ser considerados como importantes impulsos no

desenvolvimento e nas experiências de aprendizagem nas organizações.

Elkjaer (2004) afirma que as implicações de sua perspectiva para iniciativas de

aprendizagem organizacional estão ligadas à existência de um método, de uma investigação

ou do pensamento reflexivo, o que pode ser organizado de uma forma que as organizações

aprendam tendo como ponto de partida as trajetórias de eventos e situações concretas. Para a

autora, trabalhar com esta perspectiva de entendimento da aprendizagem organizacional

possibilita o desenvolvimento das habilidades dos indivíduos, aquisição de conhecimento e

simultaneamente o desenvolvimento organizacional.

Trabalhar com esta terceira perspectiva, segundo Elkjaer (2004), tem relação com o

reconhecimento de que os indivíduos e as organizações se relacionam a partir de constantes

trocas, e que não há como pensar em qualquer mudança organizacional sem que

conseqüências, em curto ou longo prazo, afetem os indivíduos e os grupos que a constituem.

Esta terceira perspectiva de entendimento da aprendizagem organizacional traz

consigo a necessidade do estabelecimento de uma nova agenda de pesquisa, a qual deve dar

conta da análise das diferenças individuais, grupais e da reflexão dentro das organizações,

deve estar também endereçada a uma constante preocupação em trazer à luz o fato de que a

aprendizagem e o desenvolvimento dos indivíduos e das organizações seguem um movimento

mútuo e contínuo, um não se realiza sem a realização do outro.

Esta pesquisa teve como um dos principais norteadores os estudos da pesquisadora

Bente Elkjaer, especialmente em relação ao entendimento de que os processos de

aprendizagem necessitam ser propostos e estudados a partir de um novo olhar, de uma

preocupação não somente em estudar como os indivíduos adquirem o conhecimento, como

Page 58: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

57

também a partir de uma tentativa de entender as relações e os mundos sociais presentes no

ambiente fabril da organização a ser estudada.

Neste tópico, procurou-se introduzir a temática da aprendizagem social nas

organizações tendo como base os estudos da professora Bente Elkjaer. Esta se inspira nos

estudos de John Dewey, principalmente em suas discussões relacionadas aos conceitos de

experiência e de investigação/pesquisa (inquiry) ou de pensamento reflexivo. O seguinte

tópico procura estabelecer uma relação entre os autores estudados até este ponto deste

arcabouço.

2.4 Da aprendizagem em indivíduos adultos de Malcom Knowles à teoria social da

aprendizagem nas organizações de Bente Elkjaer

Esta seção teve início com questões relacionadas à aprendizagem em indivíduos

adultos. Para entender quais são as especificidades relacionadas a este processo foi primeiro

necessário entender quais são algumas das diferenças apontadas na literatura entre a

aprendizagem em indivíduo adulto e em criança.

Oliveira (2004, p. 217) introduziu a questão de que “o adulto está inserido no mundo

do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente daquele da criança e do

jovem”, além disso, segundo a autora, eles também “traz[em] consigo uma história mais longa

(e provavelmente mais complexa) de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões

sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas”.

A partir do entendimento proposto pela autora, foi necessária a busca de estudos que

pudessem dar conta de tratar das especificidades relacionadas ao indivíduo adulto. Neste

cenário, Malcom Knowles e seus estudos relacionados à Andragogia foram escolhidos em

função de o autor trabalhar com uma perspectiva apoiada em estudos de aprendizagens de

adultos em contraste com aquelas destinadas a crianças em modelo andragógico.

Para Knowles (1980), como visto no tópico 2.1.1, a aprendizagem em indivíduos

adultos se difere da aprendizagem em crianças em função do auto-conceito, das experiências,

da prontidão e da perspectiva de tempo que o adulto desenvolve ao longo da vida. A

Page 59: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

58

participação ativa do aprendiz nos processos de aprendizagem e desenvolvimento é outra

característica apontada como de fundamental importância nos estudos do autor.

Entendidos quais são os fatores que facilitam e quais as condições necessárias para

que a aprendizagem em indivíduos adultos seja possível, foi necessário buscar autores que

pudessem reforçar a importância dos achados de Knowles e que apontassem possíveis

problemas relacionados às proposições do autor.

Dentre os estudos pesquisados para atender a esta inquietação, optou-se pelos de

Merriam (2001), os quais apontam para o fato de que a andragogia não pode se configurar

como uma teoria, o que já havia sido alvo de esclarecimento por Knowles (1999, p. 112) ao

chamar a atenção para o fato de que a andragogia trata-se de um “modelo de apropriações

sobre aprendizagem ou um esquema conceitual que serve como base para uma teoria

emergente”. Outra importante crítica apresentada pela autora diz respeito ao foco do modelo

apresentado por Knowles, o qual está centrado no indivíduo sendo que o contexto social no

qual este está inserido é completamente ignorado. Também a dependência do mestre por parte

de alguns adultos é citado pela autora. A despeito das críticas apontadas por Merriam, a

andragogia dá conta de abarcar explicações suficientes em relação à aprendizagem de

indivíduos adultos, especialmente nos processos que levem em consideração as experiências

vivenciadas pelos indivíduos no decorrer de seu desenvolvimento.

A partir dos estudos de Knowles, e tendo o adulto e suas experiências como fio

condutor, foi necessário entender como o indivíduo se coloca nos processos de aprendizagem

e de buscar compreender a importância do papel das experiências para o desenvolvimento.

Para perseguir esta compreensão, buscou-se apoio nos trabalhos de Illeris (2004) e Kolb

(1984).

Entendidos os conceitos de adulto e a importância da experiência, procurou-se mostrar

neste arcabouço, a partir dos trabalhos de Schön (2007), as questões do conhecer-na-ação e

da reflexão-na-ação e a importância da reflexão para a prática profissional. Para o autor o

conhecer-na-ação está no campo do conhecimento tácito e a reflexão-na-ação está

relacionada ao conhecimento e saber concebidos a partir do ir além das regras explicitadas, a

partir não somente da visão de novos métodos de raciocínio como também por construir e

testar novas categorias de compreensão, estratégias de ação e formas de conceber problemas.

Page 60: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

59

Contudo, somente com os estudos de Bente Elkjaer e sua proposta relacionada à

criação de uma teoria social da aprendizagem nas organizações é que se chega a um ponto de

convergência entre todos os autores estudados desde o início deste arcabouço.

Depois de terem sido explicitadas as especificidades relacionadas aos adultos,

expostas algumas das teorias que tratam dos processos de desenvolvimento e de

aprendizagem e da importância da reflexão no dia-a-dia dos indivíduos, depara-se com a

necessidade de entender como essas aprendizagens ocorrem em um contexto organizacional e

quais são os fatores que contribuem ou impedem estes processos.

A análise e a compreensão dos processos de aprendizagem que contribuem para o

desenvolvimento dos sujeitos da pesquisa se apoiou parte em questões de cunho individual, de

como cada um dos indivíduos aprende e se desenvolve no trabalho e na carreira profissional, e

parte na tentativa de entender as relações e os mundos sociais presentes no ambiente fabril do

departamento estudada, tendo como pano de fundo e inspiração os estudos de Bente Elkjaer.

Esta seção procurou explicitar o arcabouço teórico que iluminou o estudo de campo e

que, além disso, contribuiu com as análises dos dados que emergiram do campo durante o

processo de investigação. Na próxima seção, são detalhados os procedimentos metodológicos

adotados na realização da pesquisa.

Page 61: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

60

3. METODOLOGIA

Esta seção tratará da metodologia adotada para a realização desta pesquisa.

3.1 Estratégias de pesquisa

Como qualquer ciência, as Ciências Sociais possuem um corpus de teorias pré-existentes ao pesquisador, que este necessita abarcar na maior amplitude possível, tanto no que diz respeito à compreensão das diversas posturas teóricas fundamentais, quanto também às teorias especificamente ligadas ao problema que pretende estudar.

As proposições das questões a serem estudadas, a coleta e análise dos dados dependerão em grande parte do grau de assimilação crítica das teorias pelo pesquisador – entendendo-se por assimilação crítica a reflexão aprofundada do pesquisador sobre os conjuntos de abstrações que já encontra prontos ao iniciar o trabalho. Comparando os vários conjuntos existentes a respeito do problema que o interessa, adota os que lhe parecerem mais adequados aos seus propósitos à sua própria visão de ciência e do mundo. Na verdade, estas últimas determinarão sempre o caminho que ele resolve seguir; eis porque a reflexão a respeito de sua própria posição é indispensável.

Maria Isaura Pereira de Queiroz, 1999

Como estabelecido na introdução deste trabalho, o objetivo geral foi o de analisar o

processo de aprendizagem e as trajetórias profissionais de um grupo de operários no exercício

de suas atividades na área de produção de uma empresa química. Para que este objetivo fosse

atingido, optou-se por uma metodologia de natureza qualitativa, a qual se justificou em função

do foco de interesse estar voltado para a descrição e a compreensão do processo de

aprendizagem e de desenvolvimento de um grupo de trabalhadores. Buscou-se alcançar este

entendimento a partir da análise dos processos de formação a que estes trabalhadores estão

envolvidos, a partir de suas falas, da análise da documentação e dos programas de formação

adotados pela empresa. Os participantes da pesquisa são membros de um grupo, dentro de

uma área específica de produção de uma empresa do ramo químico, ou seja, possuem nomes,

sentimentos, opiniões, vozes. Estes não foram tratados como meros respondentes dos quais

interessa somente dados demográficos para uma possível classificação na análise dos dados

encontrados no campo.

Queiroz (1999, p. 17) afirma que “as técnicas qualitativas procuram captar a maneira

de ser do objeto pesquisado, isto é, tudo o que o diferencia dos demais”, cada um dos detalhes

que compõem a pesquisa devem ser considerados. Neste sentido foi preciso conduzir uma

Page 62: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

61

investigação minuciosa e criteriosa, a qual foi capaz de atender as necessidades estabelecidas

nos objetivos específicos deste trabalho.

Para atingir tais objetivos, foi necessário descrever os processos de aprendizagem

(formais e informais), as trajetórias dos indivíduos, o exercício das atividades e a própria área

de atuação dos participantes.

Godoy (1995b) afirma que apesar de haver muita diversidade entre os trabalhos

denominados qualitativos, existem alguns aspectos que caracterizam a pesquisa qualitativa

que devem ser observados:

a. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de

dados e o pesquisador como instrumento fundamental;

b. Ela é descritiva;

c. A preocupação essencial do investigador está em descobrir o

significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida;

Ter o ambiente natural como fonte direta de dados, segundo Godoy (1995b), demanda

um trabalho exaustivo no campo para a realização da coleta de dados. O pesquisador deve

compreender e se tornar parte do contexto da pesquisa, ele deverá ser um observador atento,

captando e selecionando todos os detalhes que possam trazer pistas para auxiliar a

interpretação e análise dos dados coletados.

Para a autora, a pesquisa tem a função de descrever uma realidade tendo em conta

cada um dos detalhes do contexto do estudo. A matéria-prima desta descrição é composta dos

dados coletados no campo, os quais podem estar na forma de transcrição de entrevistas,

anotações em diário de campo, fotografias, videoteipes, desenhos e vários tipos de

documentos.

Descobrir os significados que as pessoas dão às coisas e à sua vida, de acordo com

Godoy (1995b), está ligado ao fato de que os pesquisadores devem buscar entender os

fenômenos a partir da perspectiva do participante, contudo o pesquisador deve assegurar-se de

que conseguiu captar o ponto de vista do participante a partir de testes dos dados com os

próprios informantes ou confrontando os dados com outros pesquisadores.

A escolha do método qualitativo como abordagem de investigação neste trabalho se

relaciona ao fato de os objetivos propostos estarem ligados a uma investigação que levou em

Page 63: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

62

consideração o processo de aprendizagem que ocorre em um grupo muito específico de

trabalhadores de uma única indústria.

No entanto, relembrando Godoi e Balsini (2006, p. 91), é possível dizer que a

“pesquisa qualitativa é um conceito “guarda-chuva”, que abrange várias formas de pesquisa”

que servem para nos ajudar a “compreender e explicar o fenômeno social com o menor

afastamento possível”. Dentre estes caminhos optou-se pelo estudo de caso, o qual, segundo

Godoy (1995a, p. 25), “se caracteriza como um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade

que se analisa profundamente” e que “visa ao exame detalhado de um ambiente, de um

simples sujeito ou de uma situação particular”.

O ambiente, como já mencionado anteriormente, foi a área de produção de uma

indústria química, e as situações particulares são as trajetórias de aprendizagem dos

trabalhadores, tendo como foco principal aquelas que contribuíram para a aprendizagem e o

desenvolvimento dos trabalhadores até o posto de chefe de turno.

Segundo Godoy (2006, p. 121), o propósito fundamental do estudo de caso está na

análise detalhada de uma dada unidade social, além de estar “centrado em uma situação ou

evento particular cuja importância vem do que ele revela sobre o fenômeno objeto da

investigação” (ênfase no original). De acordo com a autora, tratar de um evento particular faz

com que o estudo de caso seja “um tipo de pesquisa especialmente adequado quando se quer

focar problemas práticos, decorrentes das intrincadas situações individuais e sociais presentes

nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas”.

Ao optar pelo estudo de caso, o pesquisador deve estar atento durante todo o decorrer

da pesquisa no sentido de manter-se aberto para novos significados, novas possibilidades que

façam com que o fenômeno passe a ser considerado e interpretado de uma maneira distinta

daquela que originalmente foi concebida.

De acordo com Godoy (2006, p.122), “procedimentos descritivos estão presentes tanto

na forma de obtenção dos dados (transcrições de entrevistas, anotações de campo, vários tipos

de documentos) quanto no relatório de disseminação dos resultados”. Trechos de depoimentos

dos participantes da pesquisa, os documentos estudados, os achados do campo fazem parte

deste trabalho, servindo como fonte de dados para as análises e as conclusões acerca do

estudo. Os caminhos de investigação trilhados para a realização desta pesquisa foram os

estudos de caso descritivo e interpretativo, os quais Godoy (2006, p. 124) caracteriza como

aqueles que apresentam as características abaixo mencionadas. Para o descritivo:

Page 64: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

63

(...) apresenta um relato detalhado de um fenômeno social que envolva, por exemplo, sua configuração, estrutura, atividades, mudanças no tempo e relacionamento com outros fenômenos. Procura ilustrar a complexidade da situação o os aspectos nela envolvidos. Normalmente os estudos de caso essencialmente descritivos são ateóricos, não se guiam por hipóteses previamente estabelecidas nem buscam a formulação de hipóteses genéricas. São considerados importantes na medida em que apresentam informações sobre fenômenos pouco estudados. Freqüentemente formam uma base de dados para futuros trabalhos comparativos e de formulação de teoria.

Para o interpretativo:

(...) além de conter uma rica descrição do fenômeno estudado, busca encontrar padrões nos dados e desenvolver categorias conceituais que possibilitem ilustrar, confirmar ou opor-se a suposições teóricas.

Segundo Godoy (2006, p. 124), neste tipo de estudo de caso “é fundamental que o

pesquisador obtenha um grande número de informações que lhe possibilite interpretar ou

teorizar sobre o fenômeno”.

3.2 Coleta de dados.

Para a obtenção dos dados necessários para a realização desta pesquisa foram

analisados os documentos pertinentes à formação interna dos empregados, às regras e aos

procedimentos internos da organização vinculados ao treinamento e desenvolvimento.

Também foram realizadas entrevistas com os chefes de turno e alguns dos operários do setor

produtivo. As entrevistas tiveram um forte peso na coleta dos dados e informações, pois por

meio delas procurou-se entender como os participantes do estudo explicitam e compreendem

seus processos de aprendizagem.

Nas entrevistas, também foi explorado o papel da aprendizagem informal nos

processos de aprendizagem. Adota-se aqui a idéia de Antonello (2006, p. 204), para quem a

aprendizagem informal se caracteriza por aquela que “acontece naturalmente como parte de

trabalho diário”, ou ainda, de acordo com Livingstone (1999, p. 3-4), como sendo aquela que

envolve a “busca de entendimento, conhecimento ou habilidade que acontece fora dos

currículos de instituições de programas de educação, cursos ou “workshops”.

Para a realização das entrevistas, foram seguidas as indicações de Godoi e Mattos

(2006). Para os autores, há três modalidades de entrevistas, a baseada em roteiros, a

Page 65: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

64

padronizada aberta e a conversacional livre em torno de um tema. Nesta pesquisa, foram

realizadas entrevistas baseadas em um roteiro, modalidade que, segundo os autores, é

“caracterizada pela preparação desse roteiro e por dar ao entrevistador flexibilidade para

ordenar e formular as perguntas durante a entrevista.”. O roteiro prévio elaborado na fase da

elaboração do projeto de pesquisa pode se encontrado no apêndice A.

O estabelecimento de um roteiro de entrevista não fez com que ao autor se ativesse

somente às perguntas ali elaboradas. Grande importância também foi dada ao estabelecimento

de uma postura aberta, possibilitando que novas perguntas e investigações pudessem ser

inseridas ao longo das entrevistas. Demartini (1999, p. 35) aponta para a necessidade de se ter

uma

[...] postura mais “aberta” e o “modo” de formular as questões nos momentos “certos” depende não só da experiência do pesquisador como também do conjunto de conhecimentos que ele vai acumulando ao longo do processo de pesquisa; por este motivo, é muito difícil estabelecer um roteiro único a ser seguido em várias entrevistas, pois a “cabeça” do pesquisador que faz a primeira ou a segunda entrevista é diferente daquela que vai fazer a quinta, a décima, ou a vigésima entrevista. É um processo cumulativo, que resulta da escuta atenta, da reflexão sobre as informações que vão sendo coletadas e que implicam em novos questionamentos nas entrevistas subseqüentes. Sem contar que nunca se sabe a priori “ o que” vai ser contado em cada nova entrevista, nem “como” vai ser contado.

Outro importante ponto apontado por Demartini (1999, p. 36) está ligado ao fato de

que o processo de análise deve ser constante e atrelado ao processo de coleta dos dados, para

ela:

Poder proceder, durante o processo mesmo de realização das entrevistas, à analise dos relatos e ao questionamento contínuo dos problemas abordados, é uma das riquezas maiores que este tipo de trabalho permite ao pesquisador. A coleta e a reflexão podem caminhar juntas, esta última subsidiando mesmo a própria coleta, que vai assim se alterando durante o trabalho de campo.

O foco das entrevistas centrou-se nos processos de formação e de desenvolvimento

profissional, na investigação de como o empregado percebe os programas de treinamento e as

aprendizagens realizados internamente, e de quais seriam as possíveis contribuições destas

aprendizagens para o desenvolvimento de uma carreira profissional até o nível de supervisão.

No que se refere à seleção dos participantes, Godoi e Mattos (2006) afirmam que esta

terá relação com o desenvolvimento teórico do trabalho, podendo o pesquisador voltar a

campo e ampliar a quantidade de entrevistas ou aprofundar a conversação com os

Page 66: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

65

respondentes. Para eles, “a evolução da compreensão analítica que dá consistência ao tema de

investigação é, em última análise, o critério que orienta o trabalho de campo”. (p. 308)

Para a realização das entrevistas foram seguidos os seguintes critérios de seleção:

a. Todos os chefes de turno que ascenderam a este posto já como empregado da

empresa a ser estudada.

b. Operários de diferentes níveis e tempo de empresa.

Estas entrevistas tiveram como objetivo: 1) entender como ocorre a aprendizagem do

ponto de vista dos indivíduos submetidos aos processos descritos nas normas, manuais e

procedimentos da empresa; 2) a identificação das experiências de aprendizagem vivenciadas

na área produtiva que possivelmente contribuem para a trajetória dos indivíduos até que eles

atinjam o nível de supervisão.

A coleta de dados seguiu também recomendações propostas para a realização de uma

pesquisa desenvolvida seguindo a abordagem qualitativa. Segundo Queiroz (1999), procura-se

captar a maneira de ser do objeto pesquisado, ou seja, buscar a partir do contato direto com os

participantes da pesquisa descobrir quais foram os caminhos percorridos em seus processos de

aprendizagem e de evolução profissional dentro da organização pesquisada.

Para alcançar o que foi proposto nos objetivos geral e específicos foi necessária, além

do contato com os profissionais, uma busca vigilante e cuidadosa visando descobrir em suas

falas quais são os significados atribuídos por eles às suas jornadas de aprendizagem,

procurando entender e interpretar os momentos mais significativos e a contribuição destes

momentos para a evolução de cada um deles dentro da empresa da qual fazem parte. Esta

necessidade, dentre outras, de acordo com Godoy (1995b), é uma das características da

pesquisa qualitativa.

Também foi necessária a investigação de quais são os procedimentos adotados pela

organização a qual os participantes estão vinculados no que diz respeito aos treinamentos e às

atividades adotadas para a integração e a aprendizagem das atividades profissionais

desenvolvidas pelos participantes desta pesquisa. Sobre eles, os quais gentilmente cederam

suas vozes e disponibilizam parte de seu tempo para participar desta pesquisa, novamente não

poderia deixar de mencionar o valor de seus depoimentos e de suas características pessoais

que permearam todo o processo de levantamento de dados, as quais foram a sinceridade, a

Page 67: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

66

simplicidade com a qual os indivíduos falavam de suas experiências, a presteza, a riqueza de

detalhes e o interesse demonstrado em contribuir para a realização deste trabalho.

No que diz respeito à maneira de proceder, seguindo as orientações de Sierra (apud

GODOI e MATTOS, 2006, p. 313), desde o primeiro contato, os entrevistados foram

informados sobre o objetivo do trabalho, da importância de sua participação, e da total

liberdade para participar ou não da pesquisa. O anonimato e a devolutiva em relação aos

resultados finais foi garantida a todos os participantes. Outro importante cuidado seguido foi o

de garantir a permissão para a gravação da entrevista, sendo que todas as entrevistas tiveram

como ponto de partida o questionamento sobre esta possibilidade. Para todos os entrevistados

foi enfatizada a questão de que o objetivo da entrevista era única e exclusivamente o de

entender os processos de aprendizagem de suas tarefas profissionais e de que portanto não se

tratava de qualquer tipo de avaliação profissional, verificação ou teste de seus conhecimentos

para fins de utilização fora dos interesses estabelecidos neste trabalho.

As entrevistas foram realizadas entre o final do mês de fevereiro e meados de abril de

2009, durante o horário de trabalho dos entrevistados, em dias úteis, algumas em sábados e

outras em feriados. Em média, as entrevistas duraram entre uma e duas horas, perfazendo um

total de dezenove horas e cinqüenta minutos de gravação.

O conteúdo das entrevistas foi transcrito fidedignamente, para que pudesse ser

interpretado, tornando-se assim uma importante massa constituinte do corpo de dados

utilizados para a realização deste trabalho.

Para dar conta de cumprir com os objetivos estabelecidos neste trabalho, e chegar a

possíveis respostas para o problema de pesquisa foi necessário a escolha de uma forma de

análise que pudesse reunir os achados de entrevistas, de análise da documentação de

treinamento e das reflexões do pesquisador para que estes se transformassem na matéria-

prima geradora da descrição, de interpretações e de conclusões baseadas nestes achados.

Inicialmente as informações de entrevista foram reunidas e organizadas, identificando

sistematicamente suas características fundamentais ou relações (temas, conceitos, crenças,

etc.) (LANKSHEAR; KNOBEL, 2008). Em seguida, foram separadas em unidades, sendo

estas identificadas e classificadas, tendo como resultado um agrupamento e a categorização a

partir do problema de pesquisa (FLORES, 1994). A partir desta classificação e identificação

foi necessária a comparação dos dados obtidos a partir das informações fornecidas por cada

um dos participantes.

Page 68: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

67

Foram obtidos também dados relativos aos programas de treinamento profissional da

empresa e comprovantes dos registros da realização dos mesmos. Para cada um dos

participantes da pesquisa foi feito um levantamento relativo à quantidade de treinamentos

assistidos e em relação ao tempo de trabalho em cada uma das etapas de crescimento

profissional. Este último por meio da análise do tempo em que cada participante esteve como

ajudante de produção, depois como operador e posteriormente como foi o crescimento

funcional até o nível de supervisão.

Reunidos os dados de entrevistas e as informações documentais, foi necessário seguir

as recomendações de Flores (1994, p. 32) e transformá-los em um “conjunto de manipulações,

transformações, operações, reflexões e comprovações realizadas a partir dos dados com a

finalidade de extrair significado relevante em relação a um problema de investigação”. Este

processo gerou uma categorização, e a divisão da massa de informação obtida em unidades

menores, possibilitando uma análise dos conteúdos em pequenas partes, acarretando reflexões

paulatinas e cuidadosas que, reunidas, constituem-se no todo que fundamenta e suporta as

considerações apresentadas ao final.

A forma de análise e apresentação dos dados também seguiu as recomendações de

King (2004), sendo que foram classificados e agrupados em templates. De acordo com King

(2004) a análise de templates não está relacionada a nenhuma metodologia específica, a

essência de sua utilização está relacionada à produção, por parte do pesquisador, de uma lista

de códigos (templates) que procuram representar os temas identificados na análise dos dados

coletados em entrevista. Alguns destes temas podem ser definidos a priori, podendo fazer

parte de um roteiro organizado pelo entrevistador, sendo que outros podem surgir a partir da

análise textual. King (2004, p. 256) indica que “os templates são organizados de uma maneira

que estes representam uma relação entre os temas, definidos previamente pelo pesquisador,

envolvidos a partir de uma estrutura hierárquica”.

De acordo com o autor, temas previamente definidos e dados coletados no campo

devem ser organizados textualmente por tópicos de interesse do pesquisador, de acordo com a

importância definida por este. King (2004, p. 257) demonstra por meio de um exemplo

hipotético que as categorias de análise podem ser definidas pelo nível dos participantes da

pesquisa realizada ou por categorias particulares de problemas a serem analisados na

pesquisa, tais como: problemas no trabalho, relacionamentos dentro e fora do local de

trabalho, sendo algumas destas categorias essencialmente descritivas, não requerendo maiores

análises para a sua compreensão. Outras que requerem uma análise mais detalhada dos

Page 69: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

68

achados do campo, por se tratar da descrição de situações nas quais sentimentos, emoções,

percepções etc. constituem aspectos importantes do processo pesquisado e como tal devem

fazer parte da análise.

Para a realização deste trabalho, inicialmente não foram definidas categorias a serem

pesquisadas no campo, o procedimento inicial foi elaboração de um roteiro semi-estruturado

que deveria servir como suporte para a realização da entrevistas. Após a realização das

entrevistas, foi tomada a decisão de realizar uma análise baseada em templates. O primeiro

passo foi o de identificar no roteiro prévio quais possíveis categorias poderiam ser utilizadas

para a classificação e análise dos dados coletados nas entrevistas, em seguida foram

agrupadas novas categorias que emergiram no campo. Como grandes temas, surgiram as

categorias descritas na Figura 13:

Figura 13: Templates – categorias de análise dos dados da pesquisa

Fonte: Elaborado pelo autor com base nas entrevistas.

A partir da definição das grandes categorias de análise, os dados de entrevista e de

documentação foram distribuídos nos correspondentes templates, tendo estes a finalidade de

Page 70: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

69

apresentar os dados a partir da descrição dos achados relacionados a cada tema e

conjuntamente apresentar as análises, as interpretações e as considerações a que cada uma

destas categorias contribuiu para a construção das considerações finais deste trabalho e das

limitações encontradas durante o percurso da pesquisa. No quadro 5, encontram-se descritos

os fatores que demonstraram a forma de manifestação de cada categoria.

Denominação 1 Perfil dos participantes da pesquisa 1.1 Suas origens 1.2 Dados demográficos 1.3 Distribuição do tempo de casa versus idade do participante. 1.4 Distribuição da idade versus nível operacional ocupado 1.5 Distribuição das escolaridades dos participantes 2 Formação escolar 2.1 Formação profissional recebida no SENAI 2.2 A consciência da importância da escolarização para o trabalho e o desejo do regresso 3 Desenvolvimento Profissional antes da atual empresa 3.1 Contribuições comportamentais 3.2 Contribuições para a carreira profissional 4 Desenvolvimento profissional na empresa atual 4.1 O caminho percorrido pelos participantes 4.2 As trocas de experiências no ambiente fabril 4.3 A observação e a importância das avaliações e acompanhamentos dos processos de aprendizagem 4.4 O papel desempenhado pelos aprendizes e pelos profissionais experientes 4.4.1 O papel e as posturas dos aprendizes 4.4.2 O papel exercido pelos profissionais mais experientes. 4.4.3 O papel dos mestres 5 Experiências formais e informais de treinamento e aprendizagens 5.1 Experiências formais de treinamento 5.2 Experiências informais de aprendizagem 6 Propulsores de novos conhecimentos e de crescimento profissional 6.1 A presença dos propulsores nas falas dos indivíduos 7 Geradores de um ambiente colaborativo de novos mestres 8 O “ jeitinho, o macete e a gambiarra” como estratégia de aprendizagem 8.1 Descrição dos principais “jeitinhos, o macetes e a gambiarras” 8.2 O aprendizado dos “jeitinhos, o macetes e a gambiarras” 9 Componentes constituintes da aprendizagem individual dos operários pesquisados

Quadro 5: Fatores relativos à manifestação das categorias Fonte: Dados de pesquisa

3.2.1 Os participantes da pesquisa

Para a realização da pesquisa, foram entrevistados quinze profissionais, todos do sexo

masculino, sendo suas atividades desenvolvidas no departamento de extrusão da empresa.

Page 71: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

70

Em função da necessidade de encontrar elementos que pudessem suportar o que foi

estabelecido no objetivo geral desta dissertação, foi necessário o contato com indivíduos dos

diferentes níveis dentro da estrutura funcional do departamento de produção. Para isso foram

entrevistados três ajudantes de produção, quatro operadores de extrusora do primeiro nível da

função, três operadores de teste nível um, dois de nível dois, dois chefes de turno e o mestre

de extrusão do departamento, cargo mais elevado dentro da estrutura produtiva. Não houve

qualquer limitador em relação à escolha dos participantes, seja por tempo de casa, por idade

ou qualquer outra, o único critério escolhido foi o de que deveriam ser entrevistados

participantes de cada um dos níveis funcionais.

Um importante detalhe a ser considerado com relação aos participantes da pesquisa é o

de que o pesquisador é funcionário da mesma empresa, fato que inicialmente para o próprio

pesquisador representou um motivo de preocupação em relação a uma possível interferência

nos processos de entrevista. Contudo o que se observou durante a realização das mesmas foi

que esta preocupação não se traduziu em um problema, sendo que o contato estabelecido com

os participantes no dia-a-dia facilitou não só o desenvolvimento dos trabalhos, como também

a interação e a dinâmica da realização das entrevistas, possibilitando que os participantes se

colocassem sem qualquer restrição em relação a acontecimentos diários do setor fabril e de

suas experiências vividas. A espontaneidade e a riqueza de detalhes exposta pelos

participantes poderá ser observada nas seções destinadas às descrições e análises dos achados

no campo.

Na seqüência será realizada uma descrição da empresa e do departamento onde a

pesquisa foi realizada, incluindo seus processos de formação profissional.

Page 72: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

71

4. A EMPRESA

Esta seção, inicialmente, além de apresentar a empresa e o departamento no qual a

pesquisa foi realizada, também apresentará os processos de formação profissional adotados

pelo departamento estudado.

Na seqüência serão descritos detalhes sobre o tipo de maquinário utilizado, sobre as

linhas de produção e os processos de fabricação de uma fita de borda.

4.1 A empresa pesquisada e seus processos de formação profissional

De acordo com Godoy (2004, p. 135):

Em se tratando de estudos de caso em organizações, alguns aspectos referentes à coleta de dados merecem destaque. Antes de iniciar o trabalho de campo, é preciso conhecer um pouco da história, da estrutura e do funcionamento da organização.

Seguindo a recomendação da autora, esta seção tem o objetivo de descrever a empresa

pesquisada, os seus processos de formação profissional, informação muito relevante que

constituirá parte das informações sobre o processo de formação profissional adotado pela

empresa e servirá de instrumento para o cumprimento do primeiro objetivo específico

estabelecido neste trabalho, ou seja, descrever os processos de formação profissional adotados

pela empresa desde a admissão até a sua promoção ao nível de supervisão de turnos na

empresa pesquisada.

O ramo de atividade no qual a empresa pesquisada está inserida é o de indústria, sendo

sua atividade principal aquela descrita na CNAE (Classificação Nacional de Atividades

Econômicas)2 como Fabricação de artefatos de material plástico para usos industriais.

2 A CNAE é a classificação oficialmente adotada pelo Sistema Estatístico Nacional na produção de estatísticas por tipo de atividade econômica, e pela Administração Pública, na identificação da atividade econômica em cadastros e registros de pessoa jurídica. Ao prover uma base padronizada para a coleta, análise e disseminação das estatísticas relativas à atividade econômica, a CNAE permite ampliar a comparabilidade entre as estatísticas econômicas provenientes de distintas fontes nacionais, e das estatísticas do País no plano internacional. Fonte: IBGE, http://www.ibge.gov.br/concla/revisao2007.php?l=6 – acessado em 08/05/2009.

Page 73: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

72

A CNAE classifica o segmento industrial como sendo aquele que:

(...) compreende as atividades que envolvem a transformação física, química e biológica de materiais, substâncias e componentes com a finalidade de se obterem produtos novos. Os materiais, substâncias e componentes transformados são insumos produzidos nas atividades agrícolas, florestais, de mineração, da pesca e produtos de outras atividades industriais. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

A empresa está enquadrada no segmento industrial e pertence às indústrias de produtos

de borracha e de material plástico. Seus produtos estão destinados à indústria automotiva, de

construção civil, de linha branca (aplicações domésticas em geral), de fitas de borda para a

indústria moveleira e perfis industriais em geral. A pesquisa foi realizada com operários que

trabalham para o segmento destinado à indústria moveleira, no departamento de extrusão de

fitas de borda e perfis. A Figura 14 ilustra alguns dos produtos fabricados no departamento

mencionado. A empresa está instalada na região oeste da grande São Paulo, no município de

Cotia, empregando aproximadamente 180 trabalhadores. Sua fundação foi em 1976,

inicialmente no município de Diadema, tendo mudado suas instalações para Cotia em 1996. O

capital da organização é de origem alemã, o que faz com que a empresa seja considerada

multinacional, estando presente em sessenta e nove países, nos cinco continentes.

Figura 14: Ilustração do tipo de fitas de borda e perfis

Fonte: Documentação da empresa.

Page 74: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

73

Os processos de formação dos novos trabalhadores são determinados pelo

departamento central de formação alemão, sendo constituídos por uma ampla gama de

assuntos que devem fazer parte do processo de integração e treinamento dos operários. A lista

dos principais temas gerais de formação pode ser encontrada no Quadro 6. Para cada um dos

temas definidos, são elaborados treinamentos específicos a serem ministrados para diferentes

níveis de atuação profissional, sendo que, de acordo com o progresso alcançado pelo operário

no desenvolvimento de suas atividades, novos treinamentos são ministrados visando à

atualização e manutenção dos conhecimentos adquiridos em treinamentos anteriores ou em

conhecimentos adquiridos na prática diária da atividade.

ATIVIDADES I – Atividades relacionadas à produção e à qualidade

1 Avaliação de acuidade colorimétrica 2 Colorimetria 3 Pesagem de tinta conforme receita 4 Proteção, manuseio e identificação dos roletes de borracha e design 5 Conhecimento de pedido e de parâmetros de produção 6 Montagem de acordo com os tempos estabelecidos nos parâmetros 7 Ajustar DEKOR 8 Desmontagem 9 Conhecimento dos códigos de produção e preenchimento correto da documentação 10 Conhecimento de Diagrama de falhas e preenchimento correto 11 Conhecimento das instruções internas 12 Conhecimento da definição perda de material + cálculo e avaliação nos documentos de produção 13 Conhecimento das regras em relação à Embalagem / Estocagem / Transporte 14 Conhecimento do processo interno em relação a reclamações internas 15 Conhecimento dos controles de qualidade do produto 16 Unidade de treinamento fitas de borda introdução + teste 17 Unidade de treinamento fitas de borda qualidade + teste 18 Unidade de treinamento fitas de borda processo + teste

II – Atividades relacionadas ao meio ambiente 19 Conhecimento da Política Ambiental 20 Conhecimento dos impactos ambientais do setor 21 Coleta seletiva 22 Materiais perigosos 23 Uso de EPI

III – Conhecimentos relacionados a área de Recursos Humanos 24 Cultura da Empresa 26 Conhecimento do código de conduta da organização 27 Políticas de recursos humanos 28 Uso de EPI

Quadro 6: Temas de formação dos operários Fonte: Documentação interna de treinamentos da empresa.

Page 75: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

74

A responsabilidade pelos treinamentos e pela capacitação dos novos trabalhadores é

dividida entre os departamentos responsáveis pelas áreas de produção, de qualidade, de

recursos humanos, de segurança e meio ambiente e pelos demais departamentos técnicos

envolvidos nos processos de fabricação.

Especificamente para o setor de extrusão existe um responsável técnico para a

concepção de treinamentos específicos que cubram os temas gerais de formação descritos no

Quadro 6. Este profissional deve elaborar os planos de treinamentos para cada um dos níveis

operacionais do departamento e assegurar que todos os operários sejam treinados durante o

processo de aprendizagem e de evolução profissional.

Inicialmente são definidos treinamentos básicos que devem ser ministrados a todos os

trabalhadores ingressantes nos departamentos produtivos ao longo dos primeiros meses de

vínculo, os quais estão elencados no Quadro 7.

Treinamento básico: Critério de aplicação: Obrigatório (E) Opcional (O)

(E) Introdução à cultura corporativa (E) Conceito pessoal (E) Código de conduta (E) A empresa no Brasil: direitos, obrigações e confidencialidade.

(E) Treinamento de segurança (E) Normas, procedimentos, instruções de trabalho, manuais e documentação de produção (E) Produção de fita (E) Manutenção

Quadro 7: Treinamentos básicos do pessoal produtivo. Fonte: Documentação interna de treinamento da empresa.

Após a integração e passados alguns meses de ambientação do operário no local de

trabalho, sendo este ainda ajudante de produção, tem início o processo de formação para a

atividade específica de fabricação de fita de borda, o qual visa cobrir os temas de

responsabilidade que possibilitem uma futura promoção para o posto de operador de

extrusora, o qual tem a descrição da função detalhada no Quadro 8.

Page 76: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

75

ATIVIDADES PRINCIPAIS • Responsável pela produção de artigos dentro das especificações definidas na documentação de

produção. • Responsável pela execução da manutenção definida para a máquina em que está trabalhando. • Responsável por manter a ordem, limpeza e segurança no local de trabalho. • Cumprir as normas de proteção ao meio ambiente. • Responsável pelo correto uso dos equipamentos de segurança individual e coletivo (EPI) definidos

para o seu local de trabalho e pela utilização correta do uniforme disponibilizado pela empresa. • Garantir a aplicação técnica e econômica ideal dos recursos de produção, tais como máquinas,

equipamentos, dispositivos, roletes e ferramentas. É responsável pela redução permanente de perda de material e sucata.

• Participar dos treinamentos e dos testes oferecidos. • Assegurar a qualidade do processo e do produto por meio dos controles e checagens especificados nos

documentos de produção. • Responsável pelo preenchimento correto da documentação de dados de produção, tais como diagrama

de falhas, protocolo de extrusão, carta de controle, fechamento de pedido etc. ATIVIDADES INDIVIDUAIS IMPORTANTES

PESSOAL • Comportar-se de acordo com a cultura e o código de conduta da empresa. • Participar ativamente do sistema de melhoria contínua enviando sugestões de melhoria e de zero

defeito. • Participar ativamente do processo de análise de defeitos, bem como da eliminação de falhas de

máquinas e de artigos e/ou demais problemas que podem ocorrer. • Auxiliar na incorporação pessoal e técnica de novos funcionários na produção. • Zelar por todas as dependências da empresa, incluindo as áreas de uso comum como refeitório,

banheiros etc. • Ter disposição para aprender gradualmente tarefas com grau de dificuldade maior. • Ter sido aprovado no treinamento “auto controlador” oferecido pela empresa.

PRODUÇÃO • Executar regulagens de máquinas, aparelhos, dispositivos e ferramentas, assim como técnica de

medição e regulagem para atingir a fabricação de acordo com a documentação de produção. • Responsável pelo manuseio cuidadoso dos meios de produção que lhe foram confiados. • Sugerir, quando possível, medidas técnicas compatíveis para o incremento da produtividade,

minimizar os tempos de preparação e regulagem, reduzir a ocorrência de perda de material / sucata e aperfeiçoar os processos de produção.

• Reconhecer defeitos e analisá-los, bem como eliminar falhas na produção e/ou produção fora dos padrões.

GARANTIA DA QUALIDADE • Responsável pela produção conforme a qualidade requerida mediante a utilização e a regulagem de

todos os meios de produção disponíveis conforme documentação de produção e instrução de trabalho. • Responsável pela manutenção contínua e pela melhoria da qualidade, pela assistência qualificada em

relação às máquinas, aparelhos, dispositivos, ferramentas e técnicas de medição e de regulagem em operação.

• Mostrar e documentar desvios de qualidade, bem como sugerir medidas preventivas e de melhoria. Quadro 8: Descrição de função do cargo Operador de Extrusora.

Fonte: Documentação interna da empresa.

Na Tabela 1 está relacionada a quantidade de treinamentos a que cada um dos

participantes da pesquisa foi submetido, levando em consideração o período que abrange os

anos de 1997 a 2009, até a realização da pesquisa. A escolha deste período está relacionada

ao fato de que não existem bancos de dados relativos a treinamentos anteriores a este período.

Page 77: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

76

É possível perceber que a concentração principal de treinamentos ministrados está relacionada

a procedimentos técnicos e de produção.

Tabela 1: Total de treinamentos assistidos no período de 1997 a 2009.

TREINAMENTOS ASSISTIDOS

Participante Nível

Funcional

Área responsável pelo treinamento

Total por operário RH

Segurança do trabalho e

meio ambiente

Sistema Qualidade

Técnicos e de produção (teóricos e práticos)

Palestras Gerais

AJ1 AJ 3 5 2 7 2 19

AJ2 AJ 3 9 1 11 1 25

AJ3 AJ 3 11 1 7 1 23

OP1 OP 3 5 2 19 3 32

OP2 OP 4 14 2 19 2 41

OP3 OP 2 8 2 20 3 35

OP4 OP 4 12 3 23 4 46

OPT1 - 1 OP1 6 16 3 26 5 56

OPT1 - 2 OP1 7 25 3 34 5 74

OPT1 - 3 OP2 6 19 4 59 2 90

OPT2 - 1 OP2 7 23 5 63 4 102

OPT2 - 2 OP2 11 22 8 97 4 142

CHEFT1 CF 15 22 8 97 5 147

CHEFT2 CF 11 24 7 114 5 161

MESTRE SP 14 32 7 58 6 117

Total Geral 99 247 58 654 52 1110

Percentual 9% 22% 5% 59% 5%

Fonte: Documentação interna da empresa. Legenda: AJ para Ajudantes, OP para operadores sem teste, OPT1 e OPT2 para operadores com teste 1 ou 2

respectivamente, CHEFT para Chefes de turno e MESTRE para mestre de extrusão

Da análise da Tabela 1 é possível perceber que a concentração principal de

treinamentos ministrados está relacionada à área de produção e técnica, a qual engloba

questões de qualidade do produto (59%), em seguida aparecem destinados aos temas

relacionados à segurança do trabalho e a meio ambiente (22%), depois os da área de recursos

humanos (9%), os destinados ao sistema de qualidade (5%) e em seguida palestras e

apresentações em geral (5%).

Page 78: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

77

A realização e a assistência aos treinamentos, além de ser fundamental para o

desenvolvimento da atividade profissional, também é essencial para os processos de

promoção dos operários nos níveis mais avançados dentro da atividade de operador de

extrusora, este nível profissional é dividido em quatro etapas, sendo estas classificadas em

diferentes tipos de responsabilidade e atividades complementares para cada uma delas. A

descrição de cada um destes diferentes níveis está relacionada no Quadro 9.

Nível Descrição

Operador de Extrusora (OP)

• Responsável pelas atividades descritas no Quadro 7, no âmbito operativo.

OP com teste nível 1

• Para este nível o operador deve demonstrar o cumprimento de todas as condições técnicas básicas para a realização, de forma global e independente dos trabalhos de seu nível de responsabilidade.

• Deve ser capaz de operar mais de um tipo de máquina de extrusão. • Deverá trabalhar de forma autônoma e independente, sendo responsável pelo total

controle e supervisão de sua máquina. • Será, pela instrução e supervisão do ajudante, designado para a sua máquina. • Na ocorrência de falhas técnicas e de qualidade o operador será responsável pela sua

correção de forma autônoma, sendo que deverá ser capaz de identificar se suas capacidades são suficientes para a realização dos ajustes e correções ou se necessitará acionar outras áreas, como a de manutenção para a resolução do problema.

• O controle e documentação de produção deverá ser todo realizado/preenchido por um OP deste nível.

OP com teste nível 2

• Além das atividades sob a responsabilidade do OP nível 1, o OP nível 2 deve ser capaz atuar em diferentes postos de trabalho e de operação de máquinas produtivas.

• Deverá ser capaz de atuar autonomamente em processos de maior nível de dificuldade de operação e ajustes, se comparados ao nível de operação sob responsabilidade do OP nível 1.

OP com teste nível 3

• Neste nível, o operador deve demonstrar alta perícia na montagem e ajuste das linhas de extrusão, sendo responsável inclusive pelas demais linhas de produção do departamento.

• Deverá ter condições de instruir outros operários em diferentes postos e níveis de responsabilidade dentro da área produtiva.

• Deverá ter condições de corrigir desvio de qualidade, de rendimento e de solucionar problemas complexos relacionados a falhas de operação.

• Deverá ter condições de solucionar problemas, como por exemplo, falhas de abastecimento de material, embalagens etc., além de ser capaz de planejar e supervisionar o trabalho do grupo de operários do setor.

• O OP de nível 3 deve se preocupar com o rendimento dos demais operadores e com os objetivos de cumprimento dos níveis adequados de produção, observando o rendimento, a rentabilidade, sendo em desvios corrigidos pelo mesmo.

• É substituto do chefe de turno, na ausência deste. Quadro 9: Níveis da função de Operador de Extrusora.

Fonte: Documentação interna da empresa.

Cada um dos níveis descritos no Quadro 9 está atrelado ao cumprimento de pré-

requisitos mínimos de realização de treinamentos e de notas mínimas no processo de

avaliação e desempenho, além da realização de testes teóricos relacionados aos treinamentos

Page 79: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

78

atendidos e a teste prático no local de trabalho. Detalhes relacionados à admissão para a

realização de testes para mudança de nível profissional estão descritos no Quadro 10.

Tipo de Teste

Nota mínima de avaliação

% de cumprimento dos treinamentos obrigatórios

Outras condições

Todos os níveis

• O candidato deve ter participado do sistema de avaliação e de formação. • Existindo um nível inferior, o candidato deverá ter sido submetido ao teste de nível

imediatamente inferior ao pretendido. • Para a admissão ao primeiro nível de teste não há qualquer exigência de tempo na

função. Para os demais níveis há a exigência mínima de 5 meses no nível anterior. Teste nível 1 2,8 85% Teste nível 2 2,5 100%

Teste nível 3 2,2 100% Existência de vaga para o nível, sendo uma para cada chefe de turno.

Quadro 10: Pré-requisitos mínimos para admissão em preparação para teste de mudança de nível profissional Fonte: Documentação interna da empresa.

Como é possível perceber a partir da análise do Quadro 10, a realização dos

treinamentos obrigatórios para o exercício profissional e o alcance de uma boa nota de

avaliação de desempenho (notas vão de 1 a 5, sendo 1 a melhor marca e 5 a pior) são fatores

determinantes no desenvolvimento dos operários. Os processos de avaliação ocorrem sempre

três meses após a admissão do operário na empresa, após três meses de mudança de nível

profissional ou anualmente no processo de avaliação de todos os empregados da empresa.

A realização do planejamento e a checagem dos treinamentos faltantes, ou ainda de

uma atualização da aprendizagem teórica é de responsabilidade do supervisor geral da fábrica,

quem se encarrega das atividades de planejamento dos treinamentos técnicos/operacionais dos

departamentos produtivos. A realização dos testes é conduzida por um comitê de testes

formado pelo responsável da área de recursos humanos, pelo profissional citado anteriormente

e por um profissional técnico oriundo de outra fábrica do grupo, não podendo o comitê ser

organizado nem os testes serem conduzidos apenas por profissionais da fábrica brasileira. Esta

proibição tem relação com o fato de que um operador com teste nível 1, 2 ou 3 deve ser capaz

de operar uma extrusora e de conduzir as atividades profissionais na unidade brasileira ou em

qualquer outra unidade produtiva do grupo.

A existência de um comitê de teste formado por profissionais de áreas distintas da

produtiva e de profissionais de outras unidades do grupo está ligada ao fato de que os temas

de formação descritos no Quadro 6 devem ser observados e seguidos por todas as empresas do

grupo. Além disso, padrões mínimos de formação e de desenvolvimento profissional devem

Page 80: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

79

ser sempre seguidos, independente do local onde a empresa esteja localizada. Este

procedimento garante que os conhecimentos e as experiências, tanto formais quanto informais

de aprendizagem, estejam presentes no ambiente produtivo, uma vez que o membro da área

de recursos humanos e membro externo do comitê, além de avaliar os conhecimentos e as

habilidades dos operadores na realização do trabalho, também exerce o papel de orientar o

operário nos momentos em que os procedimentos deixam de ser cumpridos de acordo.

A exigência descrita acima tem relação com o objetivo da empresa em garantir que as

aprendizagens das atividades operativas possam ser alcançadas inclusive em situações quando

um profissional é enviado para aprender uma nova tecnologia em outro país para em seguida

reproduzir o conhecimento no Brasil. Este processo de troca somente se torna possível a partir

da formação do operário no posto de trabalho atrelada à assistência aos programas de

treinamento desenvolvidos ao longo de sua aprendizagem, uma vez que não tendo o

trabalhador atendido aos treinamentos oferecidos pela empresa, estes não deteriam os

conhecimentos técnicos necessários para possibilitar as trocas realizadas nas experiências

acima descritas. Estas experiências e trocas estão relacionadas ao que Illeris (2004) denomina

como aprendizagem no local de trabalho, o que segundo o autor acontece em função da

relação entre o ambiente de aprendizagem estabelecido pela empresa e os processos de

aprendizagem individual de seus operários.

A próxima seção tem como objetivo a descrição das máquinas de extrusão, seus

processos de funcionamento e a ilustração das linhas de produção da empresa. Esta descrição

se faz necessária em virtude da necessidade de uma compreensão, ainda que pequena, relativa

aos processos de fabricação dos produtos da empresa, uma vez que as experiências de

aprendizagem descritas e analisadas neste trabalho ocorrem em uma área de produção destes

tipos de máquinas e configurações.

4.2 Máquinas de extrusão, linhas de produção e seus processos de funcionamento

Segundo Rodolfo Jr.; Nunes; Ormanji (2002, p. 197) o processo de extrusão:

“consiste basicamente em forçar a passagem do material por dentro de um cilindro aquecido de maneira controlada por meio de ação bombeadora de uma ou duas roscas sem fim, que promovem o cisalhamento e homogeneização do material, bem como sua plastificação. Na saída do cilindro, o material é comprimido contra uma

Page 81: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

80

matriz de perfil desejado, a qual dá formato ao produto, podendo o mesmo em seguida ser calibrado, resfriado, cortado ou enrolado”

A Figura 15 traz a representação esquemática de uma extrusora e ilustra os principais

componentes constituintes da máquina, a saber: motor elétrico (responsável pelo acionamento

da rosca), conjunto de engrenagens redutoras (responsável pela capacidade de transferência de

energia por meio de torque do motor para a rosca), cilindro, rosca, matriz, carcaça, painel de

comando, resistências de aquecimento, ventiladores de resfriamento e bomba de vácuo.

(RODOLFO JR; NUNES; ORMANJI, 2002) A Foto 1 traz uma imagem de uma extrusora.

Figura 15: Representação esquemática de uma extrusora

Fonte: Rodolfo Jr.; Nunes; Ormanji (2002)

Page 82: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

81

Foto 1: Máquina de extrusão

As roscas são responsáveis pela condução dos compostos de matérias-primas ao longo

do cilindro, percurso no qual estes são submetidos a temperaturas que variam de acordo com

o estágio do processo e com o tipo de material utilizado. O aquecimento da matéria-prima tem

como objetivo a plastificação necessária para que o composto possa ser conduzido para as

matrizes acopladas ao final da extrusora dando ao composto a forma final do produto a ser

trabalhado na linha de produção. Existem, essencialmente, dois tipos, as de rosca simples ou

monorroscas e as de rosca dupla. As extrusoras utilizadas nos processos de produção da

empresa pesquisada trabalham com as do tipo dupla, tendo cada uma delas dois estágios,

sendo um de alimentação e compressão e outro de nova compressão e dosagem, conforme

ilustrado na Figura 16.

Page 83: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

82

Figura 16: Rosca simples de dois estágios

Fonte: Rodolfo Jr.; Nunes; Ormanji (2002)

As roscas simples de dois estágios, ilustradas na Figura 16, de acordo com Rodolfo Jr.;

Nunes; Ormanji (2002) são consideradas clássicas e geralmente são divididas em três zonas:

1. Zona de alimentação: responsável pelo transporte do material do funil de

alimentação para dentro do cilindro da impressora. De acordo com os autores, este

trecho da rosca

“corresponde a aproximadamente 20 a 25% do comprimento total da rosca e é caracterizada pela pouca compressão do material, ou seja, a região entre a rosca e o cilindro apresenta altura suficiente para permitir a alimentação constante do material.” (p. 199)

Nesta zona o material é progressivamente aquecido, contudo o processo de

plastificação ainda não se inicia, pois isto dificultaria a continuidade da

alimentação da extrusora.

2. Zona de compressão:

“corresponde a aproximadamente 40 a 50% do comprimento total da rosca, sendo caracterizada pela progressiva redução da profundidade do canal (região entre a rosca e o cilindro). Nesta região da rosca o composto sofre todo o processo de plastificação e homogeneização.” (p. 199)

3. Zona de dosagem: Nesta zona, o material, já completamente fundido e

homogeneizado, é preparado para alimentar a matriz. Segundo os autores, esta

zona é “caracterizada pela altura constante da região entre a rosca e o cilindro” (p.

200), sendo que a rosca age como um dispositivo de bombeamento do material

fundido e plastificado para a matriz.

Estas zonas são inter-relacionadas, sendo que qualquer falha em um dos estágios da

transformação do composto em material plastificado acarreta problemas nos demais zonas do

cilindro.

Page 84: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

83

As extrusoras utilizadas nos processos de produção da empresa funcionam com roscas

de dois estágios, em função da necessidade de eliminação de voláteis. Este tipo de rosca

apresenta “em uma posição entre 50 e 70% de seu comprimento, uma seção de grande

redução de compressão do material, conseguida a partir de uma grande redução na

compressão do material por meio de aumento da profundidade do canal” (RODOLFO JR;

NUNES; PESSAN, 2002, p. 200). Esta redução se faz necessária em função da necessidade

da eliminação dos gases dissolvidos em meio à massa fundida. Nesta parte do processo, o

cilindro apresenta uma abertura, ilustrada na Figura 15 como dosagem. Esta abertura, também

ilustrada na Figura 17 e nas Fotos de número 2 e 3, possibilita a saída dos gases por meio da

utilização de vácuo ou simplesmente pela diferença de pressão entre o interior do cilindro e a

pressão atmosférica.

Figura 17: Representação gráfica da área de dosagem.

Fonte: Rauwendall (2001)

Page 85: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

84

Foto 2: Sistema de vácuo da extrusora (1)

Foto 3: Sistema de vácuo da extrusora (2)

Page 86: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

85

As linhas de produção da empresa na qual a pesquisa foi realizada se assemelham ao

esquema apresentado na Figura 18, sendo que uma imagem panorâmica das linhas de extrusão

pode ser vista na Foto 4.

Figura 18: Representação esquemática da linha de produção de produtos extrudados.

Fonte: Rodolfo Jr.; Nunes; Ormanji (2002)

Foto 4: Linhas de extrusão

Os trabalhos dos participantes desta pesquisa compreendem a operação das extrusoras

e a condução da fita de borda ao longo da linha de produção. Após a transformação dos

compostos de matéria-prima em fita de borda, o operador realiza o trabalho de condução da

Page 87: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

86

fita pela linha de produção para a realização dos processos de acabamento e checagem de

qualidade.

As linhas de produção são compostas por estações de calibragem, de aplicação de

primer, de texturas, de tinta, de puxadores, de bobinadores e finalmente de uma área de

checagem e embalagem. Em cada uma destas estações é necessário um trabalho de

configurações e ajustes para que tanto a fita de borda quanto os perfis produzidos possam

atender as especificações produtivas e de qualidade para que o produto final seja produzido de

acordo com os padrões determinados pelos clientes.

Os processos de acabamento da fita de borda são realizados em uma linha de produção

de aproximadamente 45 metros de comprimento, a qual se assemelha à representação

esquemática ilustrada na Figura 18. Inicialmente as texturas são marcadas na fita por meio da

utilização de um rolete ilustrado na Foto 5. Na seqüência ela é resfriada em uma banheira de

água gelada para que as impressões dos desenhos sejam realizadas, este processo pode ser

observado na Foto 6. Em seguida ela passa por todos os processos de aplicação das camadas

de tinta, de primer (material aplicado no verso, o qual tem por finalidade a aderência da

mesma na chapa de madeira que constituirá o móvel acabado) e de verniz para que possa ser

finalizada obedecendo às especificações exigidas nos padrões de qualidade e de acordo com

as solicitações dos clientes.

Foto 5: Rolete de impressão de texturas

Page 88: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

87

Foto 6: Banheira de água gelada.

A aplicação de tinta é realizada em etapas, o que dependendo do tipo de fita pode ser

realizado em até três impressões de diferentes formatos para que o desenho final seja formado

na superfície da fita. A aplicação das camadas de tintas e de verniz de acabamento é realizada

em estações de aplicação conforme ilustrado na Foto 7:

Page 89: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

88

Foto 7: Estação de aplicação de tintas/primer e verniz

A aplicação das tintas é gradual sendo que cada uma das estações ilustradas na Foto 7

tem a função de imprimir um formato que se sobrepõe ao anterior, formando na fita o

emaranhado de desenhos que dá à fita o formato final. Esta seqüência pode ser observada nas

Fotos 8 e 9.

Page 90: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

89

Foto 8: Seqüência de aplicação de tintas/verniz (1)

Foto 9: Seqüência de aplicação de tintas/verniz (2)

Page 91: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

90

Cada uma destas seqüências de aplicação de tinta é fundamental para o formato do

desenho final da fita. A tonalidade de cada uma das cores que se sobrepõe é um fato de

extrema importância para o resultado final, na medida em que qualquer desvio em qualquer

parte do processo implica na perda do material produzido, pois este não terá a sua forma final

conforme os padrões determinados pelos clientes, ocasionando assim a perda do material

produzido fora do padrão.

Além dos processos de aplicação de tinta, muito outros estão envolvidos na fabricação

de uma fita de borda. Ao longo das linhas de produção existem outras etapas, como a de

controle de empenamento da fita, controle da velocidade e temperatura do maquinário,

controle do tempo de bobinamento dos rolos, dentre outros.

A operação das linhas de produção, em função da quantidade de fatores e variáveis

que devem ser ajustados e controlados, não se trata de um processo simples e de fácil

aprendizagem. O tempo de contato com as linhas, o trabalho prático e o constante

acompanhamento de profissionais é fundamental para o desenvolvimento dos operadores

dentro dos diferentes níveis dentro da função.

Esta seção teve como objetivo principal apresentar as máquinas extrusoras, ilustrar os

processos de fabricação de fitas de borda e de perfis e facilitar o entendimento do leitor deste

trabalho, uma vez que, em muitos momentos serão citadas atividades e situações vivenciadas

no setor de produção as quais não poderiam ser entendidas sem que um mínimo de

informação sobre a fabricação fosse fornecida.

Em seguida encontram-se a descrição dos participantes, as interpretações e a análise

dos dados e dos achados na realização da pesquisa com base no arcabouço teórico escolhido

para nortear este trabalho.

Page 92: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

91

5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

As análises dos dados obtidos a partir das entrevistas serão realizadas tendo como base

a utilização dos Templates, os quais já foram descritos na seção destinada à metodologia.

Os participantes da pesquisa, em todos os quadros, figuras e falas/depoimentos, serão

identificados com as seguintes siglas:

AJ => Ajudantes de produção

OP => Operadores de extrusora

OPT1 => Operadores de extrusora nível 1

OPT2 => Operadores de extrusora nível 2

CHEFT => Chefes de turno

MESTRE => Mestre de Extrusão

As siglas estarão acompanhadas de uma numeração utilizada para diferenciar cada

participante.

5.1 Perfil dos participantes da pesquisa

Esta seção tem o objetivo de descrever o perfil dos participantes da pesquisa.

5.1.1 Dados demográficos

No Quadro11, é apresentado um resumo das principais características relacionadas ao

perfil dos participantes da pesquisa.

Page 93: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

92

Par

ticip

ante

Idad

e

Tem

po d

e em

pres

a

TEMPO EM CADA FUNÇÃO

Aju

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e

Ope

rado

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Ope

rado

r N

1

Ope

rado

r N

2

Ope

rado

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Mes

tre

de

Ext

rusã

o

AJ - 1 23 2a 2a AJ - 2 25 2a 2m 1a 11m 3m AJ - 3 25 2a 7m 2a 5m 2m OP - 1 27 3a 2m 1a 11m 1a 3m OP - 2 28 4a 1a 10m 2a 2m OP - 3 28 4a 2m 1a 11m 2a 3m OP - 4 27 4a 7m 4a 5m 2m

OPT1 - 1 31 2a 9m 1a 7m 1a 2m OPT1 - 2 28 6a 7m 4a 2m 1a 1a 5m OPT1 - 3 26 6a 11m 1a 11m 3a 5m 1a 7m OPT2 - 1 30 7a 2m - 2a 2m 4a 4m 8m OPT2 - 2 39 9a 10m 1a 3m * 3a 8m 4a 11m CHEFT-1 37 15a 11m 2a 10m 2a 7m 1a 9m 11m 1a 5m 6a 5m CHEFT-2 39 18a 8m 11m 6a 2a 3m 1a 1a 7a 6m MESTRE 44 25a 3a 4m 2a 9m 8m 9m 5m 2a 5m 7a 2m 7a 8m

Quadro 11: Perfil dos participantes e tempo em cada função Fonte: Documentação interna da empresa.

* Nomeado Operador juntamente com a realização do 1º teste.

No período da coleta de dados, a idade dos participantes variou entre vinte e quatro e

quarenta e cinco anos, o tempo de casa entre dois e vinte e cinco anos de vínculo. Em média,

os participantes tinham trinta anos e quatro meses de idade e sete anos e sete meses de vínculo

com a empresa. Em sua maioria, iniciaram suas atividades profissionais na empresa ainda

muito jovem, sendo que alguns deles somente tiveram a empresa pesquisada como

experiência profissional e outros que passaram toda a sua juventude e constituíram família até

mesmo com mulheres que conheceram no local de trabalho.

5.1.2 Distribuição por tempo de casa versus idade do participante

A distribuição do tempo de vínculo empregatício dos participantes da pesquisa pode

ser observada na Figura 17. É possível perceber que há uma relação direta entre o tempo de

vínculo e o desenvolvimento profissional dos participantes, sendo que apenas uma exceção

pode ser observada no participante OPT1-1, uma vez que seu desenvolvimento na

Page 94: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

organização desviou a tendência observada nos demais, pois

apenas dois anos e nove meses

de extrusora sem teste e atualmente é operador de extrusora com teste nível 1.

O gráfico abaixo apresenta o ní

ao tempo de casa.

Figura 17 – Distribuição do tempo de vínculo empregatício em anos com a empresa em relação ao nível

5.1.3 Distribuição da idade

Na Figura 18, é apresentada a distribuição das idades dos participantes em relação ao

nível operacional por eles ocupado.

1

6

11

16

21

26

ão desviou a tendência observada nos demais, pois, estando vinculado à empresa por

apenas dois anos e nove meses, ele já passou pelos postos de ajudante de produção, operador

de extrusora sem teste e atualmente é operador de extrusora com teste nível 1.

fico abaixo apresenta o nível operacional ocupado pelo participante em relação

Distribuição do tempo de vínculo empregatício em anos com a empresa em relação ao nível operacional ocupado

Fonte: Documentação interna da empresa.

idade versus nível operacional ocupado

é apresentada a distribuição das idades dos participantes em relação ao

nível operacional por eles ocupado.

93

estando vinculado à empresa por

ele já passou pelos postos de ajudante de produção, operador

de extrusora sem teste e atualmente é operador de extrusora com teste nível 1.

vel operacional ocupado pelo participante em relação

Distribuição do tempo de vínculo empregatício em anos com a empresa em relação ao nível

é apresentada a distribuição das idades dos participantes em relação ao

Page 95: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

Figura 18 – Distribuição das idades em relação ao nível operacional

Quando comparada a idade dos indivíduos

pode ser verificado na Figura

o tempo de vínculo com a empresa

aparentemente há uma relação direta entre as variáveis idade e nível ocupado.

participantes OPT1-3, OPT1

nível ocupado, porém em pouco

5.1.4 Distribuição da escolaridade dos participantes

O nível de escolaridade dos participantes está descrito no

dois participantes com o ensino fundamental incompleto, um com ensino médio incompleto,

onze com ensino médio com

um com superior incompleto.

20

25

30

35

40

45

2325 25

Distribuição das idades em relação ao nível operacional Fonte: Documentação interna da empresa.

Quando comparada a idade dos indivíduos versus o nível operacional ocupado, como

pode ser verificado na Figura 18, a mesma tendência observada na comparação

nculo com a empresa e o nível operacional ocupado se repete, ou seja,

há uma relação direta entre as variáveis idade e nível ocupado.

3, OPT1-1 e OPT2-2 apresentam uma pequena variação entre a idade e o

nível ocupado, porém em poucos anos.

Distribuição da escolaridade dos participantes

O nível de escolaridade dos participantes está descrito no Quadro

dois participantes com o ensino fundamental incompleto, um com ensino médio incompleto,

onze com ensino médio completo (um deles técnico em plástico e em desenho industrial) e

um com superior incompleto.

26 27 27 28 28 2830 31

37

94

Distribuição das idades em relação ao nível operacional ocupado.

o nível operacional ocupado, como

observada na comparação realizada entre

e o nível operacional ocupado se repete, ou seja,

há uma relação direta entre as variáveis idade e nível ocupado. Somente os

2 apresentam uma pequena variação entre a idade e o

Quadro 12. Em totais, são

dois participantes com o ensino fundamental incompleto, um com ensino médio incompleto,

pleto (um deles técnico em plástico e em desenho industrial) e

39 39

44

Page 96: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

95

Participantes Nível de escolaridade

AJ – 1 Ensino Médio

AJ – 2 Ensino Médio

AJ – 3 Ensino Médio

OP – 1 Ensino Médio Incompleto

OP – 2 Ensino Fundamental Incompleto OP – 3 Ensino Médio

OP – 4 Ensino Médio

OPT1 – 1 Ensino Superior incompleto

OPT1 – 2 Ensino Médio

OPT1 – 3 Ensino Médio

OPT2 – 1 Ensino Médio

OPT2 – 2 Ensino Médio CHEFT-1 Ensino médio completo (Técnico) CHEFT-2 Ens. Fundamental Incompleto

MESTRE Ens. Médio

Quadro 12: Nível de escolaridade dos participantes Fonte: Dado de entrevista.

O nível de escolaridade dos participantes variou entre ensino fundamental incompleto

e ensino superior incompleto. Não há uma relação direta entre o nível de escolaridade dos

participantes e sua posição funcional, contudo a maioria deles tem o ensino médio completo,

exigência que passou a ser cobrada nos processos de seleção da empresa a partir do final do

ano de 2005.

5.2 Formação escolar

A formação escolar de treze dos indivíduos foi toda realizada em escola pública.

Apenas dois participantes (AJ1 e AJ3) estudaram durante um período em escola particular. O

participante AJ1 cursou parte do quinto ano e AJ3 cursou o ensino médio em escola

particular. Todos os participantes destacam a importância da formação escolar para a

realização do trabalho. Muitos deles destacam que a educação recebida não foi suficiente para

atender às necessidades impostas pelo mercado de trabalho no que se refere à qualificação

profissional, contudo demonstram a consciência de que a formação contribui de alguma

maneira para suas atividades atuais. As contribuições mencionadas podem ser observadas no

Page 97: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

96

resumo das visões relacionadas ao tema escolarização, as quais estão relacionadas no Quadro

13.

Participantes Visão do participante em relação à utilidade/importância da escolarização

AJ – 1 • Utilidade vinculada a exigências de escolarização impostas pelo mercado de trabalho. • Utilidade prática vinculada ao aprendizado de medidas, cálculos

AJ – 2 • Vinculada a formação e a possibilidade de “conseguir algo melhor na vida”

AJ – 3 • Utilidade prática vinculada ao aprendizado de medidas, cálculos

OP – 1 • Utilidade vinculada à comunicação e expressão e a questões de relacionamento e convivência

OP – 2 • Não vê utilidade pois acredita que, por ter estudado somente até a 8ª série do antigo ginásio, esta escolarização não o ajudou muito.

OP – 3 • Vinculada a formação questões relativas à interpretação, ao entendimento e a cálculos matemáticos

OP – 4 • Utilidade prática vinculada ao aprendizado de medidas, cálculos

OPT1 – 1 • Vinculada a formação questões relativas ao aprendizado de raciocínio, a escrita e a cálculos matemáticos.

OPT1 – 2 Utilidade prática vinculada ao aprendizado de medidas, cálculos

OPT1 – 3 • Utilidade vinculada a exigências de escolarização impostas pelo mercado de trabalho. • Utilidade prática vinculada à possibilidade de crescimento profissional vinculado a

escolarização OPT2 – 1 • Utilidade prática vinculada à possibilidade de crescimento profissional vinculado a

escolarização OPT2 – 2 • Vinculada a formação questões relativas à interpretação, ao entendimento e a cálculos

matemáticos CHEFT-1 • Vê grande utilidade relacionada a educação técnica feita no ensino médio. CHEFT-2 • Não utilidade, acredita que aprendeu mais com a vida do que com escola.

MESTRE • Vê grande utilidade, especialmente em relação ao ensino de português no que se refere à escrita e à interpretação.

Quadro 13: Visão do participante em relação à utilidade da escolarização Fonte: Dado de entrevista.

A importância atribuída pelos participantes à escolarização está relacionada às

atividades como cálculos e comunicação e expressão a partir do uso da escrita. Em sua

maioria, eles reconhecem que as escolas freqüentadas não capacitaram para as atividades

profissionais. Contudo há uma grande valorização da importância da formação

profissionalizante e técnica. A próxima seção tratará da formação profissional freqüentada por

alguns dos participantes.

Page 98: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

97

5.2.1 Formação profissional recebida no SENAI

Os participantes que realizaram formação técnico-profissional no SENAI (Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial) destacam a importância dos cursos freqüentados.

Para o participante OPT2-1 a realização de um curso de preparador de extrusora

realizado no SENAI de São Bernardo do Campo, o qual lhe capacitou para a operação de

máquinas de extrusão, representou uma possibilidade importante de crescimento profissional.

[...] desse daí de preparador e entrei no ramo de plástico, na época que eu trabalhava nessa empresa aí. Era difícil oportunidade. Aí, um colega passou e falou: “-Meu, faz SENAI. Você já tá no ramo e aí [...] já vão te ver com outros olhos. Que já tá prestando atenção, e já fez um curso, e tá envolvido no trabalho. Aí você consegue alguma promoção aí.” Aí eu fiz e eu acho que melhorou.

A importância atribuída pelo participante OPT2-1 para a realização do curso de

preparador de extrusora pode ser constatada até mesmo a partir da análise do desenvolvimento

profissional do mesmo na atual empresa. Dentre os participantes da pesquisa ele foi o único

que iniciou suas atividades profissionais já no cargo de operador de extrusora, todos os

demais iniciaram suas atividades como ajudantes de produção, mesmo tendo alguns deles

exercido a função de operador de extrusora em empresas anteriores (OPT1-1, OPT2-2 e

CHEFT1).

O participante OPT1-1 também freqüentou cursos complementares, não somente no

SENAI, instituição na qual cursou a formação para operador de extrusora e iniciou o curso

técnico em plásticos, porém não o concluiu, como também chegou ao ensino superior. Ele

cursou dois anos de administração de empresas, contudo, em função de dificuldades

financeiras, não pôde continuar até o final. A desistência do ensino superior fez com que o

participante procurasse uma formação profissional no SENAI. Sobre suas experiências de

formação, o participante nos conta que:

Prestei o vestibular, entrei na Uni Santana. Fiz dois anos, tranquei a matrícula por falta de condições financeiras. Entrei em administração de empresa. Aí tranquei, fui pro SENAI fazer na área de plástico. Aí fiz lá operador de extrusora e comecei um técnico em plástico.

Ele também acrescentou que mesmo tendo tido um curto contato com a formação

técnica no SENAI, esta lhe acrescentou conhecimentos importantes para o seu dia-a-dia

Page 99: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

98

Mesmo só um pouquinho, porque eu já tinha experiência na área, aí eu fui tentar aperfeiçoar. Aí [...] abriu a cabeça bem, sobre como é que funciona... Plástico.

[...] O que eu aprendi?... Assim, o que é um plástico, as características de cada um... Cada tipo de plástico é um processo. Aprendi todos eles... (OPT1-1)

O curso de técnico em plásticos iniciado pelo participante teria a duração de três anos,

contudo sua freqüência não foi além dos três primeiros meses. Além da formação em

operação de extrusão o participante também participou de formações complementares de

eletricista e mecânica oferecidas pelo SENAI em parceria com o Rotary de Cotia. A respeito

destas formações e do contato com a universidade, ele acrescenta que:

Contribui, com certa parte contribui. Você aprende a raciocinar, a escrever bem... Essas parte, os cálculos. (OPT1-1)

Também sobre a curta passagem pela universidade, o participante OPT1-1 acrescenta

que:

Assim, no meu ponto de vista, depois da faculdade, assim, a minha cabeça abriu mais. Passei a enxergar melhor como é que funciona uma empresa... Por que disso, por que daquilo. Eu achei que deu uma boa mudada.

O participante CHEFT1 falando de sua passagem pelo curso técnico em plásticos no

SENAI Mário Amato, acrescenta que:

[...] foi interessante, eu peguei [...] quase tudo na área de plástico. O que seria extrusão, que é o que a gente faz aqui na fábrica, injeção, que também tem, mas aqui, aqui eu não participo, é injeção de sopro, misturador também teve. [...] Teve Autocad também, desenvolvimento de moldes, a parte de metrologia. [...] Acho que a maioria foi isso aí, mais é a parte, é, aquela parte prática e a teórica.

A formação técnica oferecida pelo SENAI é muito valorizada pelos participantes,

principalmente no que diz respeito aos assuntos ligados a atividade profissional

desempenhada em suas função atuais.

Page 100: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

99

5.2.2 A consciência da importância da escolarização para o trabalho e o desejo do

regresso

A consciência da importância da escolarização foi uma constante na fala de todos os

participantes. Alguns deles inclusive expressam saber que se a empresa atual demiti-los, eles

terão uma dificuldade muito grande de encontrar outro trabalho, pois afirmam que não

continuaram estudando ou não fizeram cursos técnicos que os habilitassem para uma

profissão. A importância atribuída aos cursos freqüentados está, como descrito no quadro 12,

muito vinculada aos conhecimentos mínimos de cálculos e de língua portuguesa, porém eles

expressam a vontade e o desejo por uma continuidade, alguns deles em cursos relacionados ao

trabalho e outros relacionados a seus sonhos pessoais.

Os participantes OP-4 e OPT1-3 expressam o desejo de continuar algum tipo de

escolarização que os capacite tecnicamente para o trabalho:

Eu penso em estudar, entendeu? Apesar de os horários aqui da gente não bater muito, [...] Eu penso em fazer um curso de técnico em plástico. Porque aqui eu trabalho com plástico, já trabalhei anos com plástico. Então seria legal pra trabalhar, fazer um, um curso nessa área. (OP-4)

[...] É, na área que eu trabalho... Técnico em plástico, do SENAI. E eu já procurei tentar fazer esse curso e tal, e é só em São Bernardo do Campo, já até me informei... É um curso na área que eu trabalho mesmo realmente... Técnico em plástico. Porque se eu for fazer um outro curso, sei lá, tipo, já falaram uma faculdade de educação física, não tem nada a ver a área que eu trabalho... (OPT1-3)

Sobre o desejo de continuar com a escolarização em geral, os participantes

acrescentam que:

Gostaria de fazer uma faculdade. Principalmente de veterinária, ou mais na parte da saúde, de fisioterapia assim, porque sempre achei legal a parte de estudar o corpo humano, articulações, tudo. (AJ1)

Mas eu gostaria de estudar, conhecer novas coisas, ser algo, uma pessoa mais, concretizar a vida. Eu acho que a pessoa ser mais inteligente, eu acho, quanto mais você estuda, mais você aprende, mais você fica uma pessoa inteligente, aprende a dialogar com as pessoas. Eu acho que o mundo vai se abrindo pra você quando você estuda. Se você não tem essa possibilidade, não pode, aí você vai viver mais ou menos naquele ritmo ali, nunca que você vai expandir os seus conhecimentos, conhecer, aprender mais. Que estudo eu acho que, eu gostaria de estudar, no momento não dá, mas quem sabe futuramente... (AJ2)

Page 101: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

100

Na verdade eu gostaria de voltar a estudar. Pra ter, pra poder aprender mais um pouco e saber me expressar mais um pouco entre palavras e letras. Para escrever, também é um terror. (OP-2)

Falando de sua visão relacionada à importância da realização de formações

complementares o participante OPT1-2 compartilha um sentimento de arrependimento por

não ter dado importância e investido mais tempo em cursos e capacitações:

[...] seu eu tivesse tido até mais algumas coisas, mais complementos, se eu tivesse podido fazer mais uns cursos. É que depois, sabe, pra falar a verdade, depois quando eu entrei mesmo aqui, que acabei mesmo os estudos [...] eu não dei muita importância, agora eu sinto um pouco de falta disso, sabe? Eu não dei importância em correr atrás de estudo, continuar estudando, eu queria só trabalhar, trabalhar e, conseguir as coisas. Mas eu acho que se eu conseguisse estudar mais, eu acho que eu conseguiria mais coisas, mais fácil, em menor tempo entendeu? Menos espaço de tempo. Sabe, teria mais chances de eu crescer mais.

É possível perceber na fala do participante OPT1-2 que em sua visão o afastamento da

escola e a não realização de uma formação complementar exerce uma influência no tempo e

nas chances de possíveis crescimentos dentro da atividade profissional.

O participante OPT2-1 também fala da importância da continuidade da escolarização

como possibilidade de “colher mais rápido as informações e seguir”. Ele lamenta a sua

parada no tempo:

Ah, isso aí é de cada um também, Sérgio?... Cada um tem, tem uns que consegue colher mais, mais rápido as informação e seguir. E dar continuidade, porque eu acho que tem que dar continuidade, o cara terminou, o cara já ir prestar pra outra coisa. E eu dei uma parada no tempo, eu comecei a trabalhar. Aí só fiz os curso, só SENAI só.

O participante MESTRE também compartilha o seu desejo em continuar estudando,

porém afirma que a vida é complicada e acrescenta que fez apenas cursos de computação

desde o final de sua escolarização:

Ah, eu até que tenho vontade... Mas a minha vida é complicada [...] Ah, eu tentei fazer inglês, mas não consegui eu achei muito complicado e acabei desistindo. [...] A única coisa que eu fiz foi só computador assim, computação, eu fiz quatro meses, aí parei também.

A importância das formações oferecidas pelo SENAI permeia a fala de todos os

participantes que, de uma maneira ou de outra, tiveram uma passagem pelos programas de

formação oferecidos por aquela instituição.

Page 102: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

101

Os dados relativos à formação escolar obtidos nas entrevistas, em sua maioria,

apontam para a direção de que ela fornece elementos básicos para a leitura e para cálculos

matemáticos, contudo não dá conta de propiciar aos participantes a possibilidade de

desenvolvimento profissional atrelada ao tipo de formação que receberam na escola pública

ou privada. O mesmo peso não é atribuído aos cursos de formação profissional, estes são

vistos pelos participantes como diferenciais para um possível desenvolvimento maior em

comparação com os profissionais que freqüentam apenas o ensino fundamental e médio.

Para aqueles que realizaram parte de sua formação vinculada ao SENAI existe uma

crença de que o seu desenvolvimento na empresa está atrelado à formação recebida. Eles

afirmam que a educação profissional lhes equipou de um ferramental suficiente para

proporcionar-lhes seu desenvolvimento profissional dentro da empresa. Esta afirmação,

quando da comparação com os demais, se demonstra extremamente pertinente, uma vez que

eles tiveram comparativamente um crescimento funcional em menor tempo em relação aos

demais participantes.

A formação oferecida pelas escolas profissionalizantes, no âmbito desta pesquisa,

revela-se como uma importante fornecedora de ferramental para o exercício profissional e

como propulsor de desenvolvimento funcional. Não foi foco desta pesquisa estudar a

formação do sistema S (SESI, SENAI, SENAC), contudo pela experiência acumulada neste

trabalho é possível afirmar que no que, diz respeito ao SENAI, a instituição está cumprindo o

seu papel de formar pessoal capacitado para a atividade profissional.

5.3 Desenvolvimento profissional antes da atual empresa

O desenvolvimento profissional antes da entrada na empresa foi bem distinto entre os

participantes, contudo em sua maioria se restringiu a atividades muito simples e com pouco

envolvimento com ambientes fabris. Uma das prováveis explicações está relacionada ao fato

de os participantes, em sua maioria, terem iniciado suas atividades profissionais na área de

produção na empresa pesquisada, outra tem relação com a idade que os participantes

iniciaram suas atividades profissionais com vínculo empregatício. No Quadro 14 estão

relacionadas às idades dos participantes quando do início do vínculo com a empresa atual.

Page 103: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

102

Participante Idade Atual Idade quando do início do vínculo

AJ – 1 23 21a

AJ – 2 25 22a 10m

AJ – 3 25 22a 5m

OP - 1 27 23a 10m

OP - 2 28 24a

OP - 3 28 23a 10m

OP - 4 27 22a 5m

OPT1 - 1 31 28a 3m

OPT1 - 2 28 21a 5m

OPT1 - 3 26 19a 1m

OPT2 - 1 30 22a 10m

OPT2 - 2 39 29a 2m

CHEFT-1 37 21a 1m

CHEFT-2 39 20a 4m

MESTRE 44 19ª

Quadro 14: Idades dos participantes quando do início do vínculo empregatício Fonte: Documentação interna da empresa.

No Quadro 15 estão descritas, resumidamente, as principais atividades profissionais

desenvolvidas pelos participantes antes da entrada na atual empresa.

Participante Experiências profissionais anteriores

AJ - 1 • Iniciou trabalhando em mudança com o meu padrasto. • Trabalhou em loja como vendedor temporário. • Aos 21 anos, entrou na empresa atual.

AJ - 2

• Iniciou aos doze anos trabalhando na roça. • Trabalhou em uma casa de materiais de construção como ajudante geral. • Trabalhou em mercearia como entregador. • Aos 17 anos, trabalhou como engraxate, vendendo chup-chup, mercearia • Aos 20 anos, iniciou como ajudante em uma cerâmica, carregando caminhão. • Aos 22 anos, entrou na empresa atual.

Page 104: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

103

Continuação...

AJ - 3 • Iniciou com pai (engenheiro civil) como apontador em obras. • Trabalhou como motoboy, e como temporário em pequenas empresas como ajudante. • Aos 22 anos, entrou na empresa atual como ajudante de produção.

OP - 1

• Iniciou com 14, 15 anos como servente de pedreiro. • Trabalhou como estoquista em empresa de roupas. • Retornou para a construção civil. • Aos 23 anos, entrou na empresa atual.

OP - 2

• Iniciou as atividades no Nordeste cuidando de gado e como lavrador. • Aos 17 anos, trabalhou em uma empresa como limpador de vitrines de shopping. • Trabalhou em um mercado como ajudante geral. • Aos 24 anos, entrou na empresa atual como ajudante de produção.

OP - 3 • Iniciou como ajudante de produção em uma indústria química. • Na seqüência trabalhou como ajudante de produção em uma empresa do ramo plásticos. • Aos 28 anos, entrou na empresa atual.

OP - 4

• Iniciou as atividades trabalhando na roça e em criação de gado. • Trabalhou em uma loja de produtos veterinários como balconista, realizava atendimentos e

cobranças. • Veio para São Paulo a convite dos irmãos e iniciou suas atividades como ajudante de produção

em uma indústria de embalagens. • Aos 22 anos, entrou na empresa atual como ajudante de produção.

OPT1 - 1

• Iniciou ajudando o pai como ajudante de pedreiro, • Trabalhou em lava rápido, borracharia, foi office boy. • Trabalhou em uma indústria do ramo plástico como ajudante de produção, sendo sua última

função a de operador de extrusora. • Trabalhou em uma empresa do ramo de cantoneiras de papel como operador de máquinas. • Antes de iniciar as atividades na empresa atual trabalhava como ajudante de jardinagem. • Aos 28 anos, entrou na empresa atual.

OPT1 - 2 • Iniciou suas atividades em uma feira vendendo pastel. • Aos 21 anos, entrou na empresa atual.

OPT1 - 3

• Iniciou coletando jornal para vender. • Trabalhou como “pacoteiro” em um mercado. • Com 14 anos começou a trabalhar em uma farmácia como ajudante geral. • Foi atendente em uma loja de ferragens. • Trabalhou como servente de pedreiro em construções. • Aos 19 anos, entrou na empresa atual.

OPT2 - 1

• Iniciou duas atividades como ajudante geral em um kartódromo. • Trabalhou com carga e descarga de caminhão em uma empresa de cestas básicas. • Com 19 anos entrou em uma empresa do ramo de plástico como ajudante geral. Saiu como

operador de extrusora. • Trabalhou por alguns meses como operador de extrusora em outra empresa da região de

Cotia. • Aos 22 anos, entrou na empresa atual já como operador de extrusora.

OPT2 - 2

• Iniciou com 14 anos em uma plantação de flor. • Trabalhou como ajudante geral no Rancho da Pamonha. • Trabalhou em uma empresa fabricante de sofás como ajudante geral. • Trabalhou como ajudante em uma empresa de embalagens, onde foi promovido a operador de

extrusora de máquinas. • Foi para outra empresa novamente como ajudante de produção, aprendeu a operar o

maquinário da empresa, foi promovido, contudo sem receber aumento de salário. • Iniciou na Delphi como ajudante. • Trabalhou um tempo fazendo “bicos”, sem registro. • Aos 29 anos, entrou na empresa atual como ajudante de produção.

CHEFT-1 • Trabalhou em uma fábrica de prensa de borracha. • Trabalhou nos Correios e Telégrafos. • Aos 21 anos, entrou na empresa atual.

Page 105: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

104

Continuação...

CHEFT-2

• Iniciou com aproximadamente cinco anos na zona rural realizando trabalhos simples na roça. • Com 18 anos veio para São Paulo, trabalhou como ajudante em uma empresa de papel. • Trabalhou em uma empresa de funilaria, lixando e pintando peças. • Aos 20 anos, entrou na empresa atual como ajudante de produção.

MESTRE

• Iniciou na zona rural com oito anos de idade ajudando na roça. • Veio para o Estado de São Paulo com dezessete anos, iniciou suas atividades em uma

empresa do ramo moveleiro como ajudante. • Trabalhou de bóia-fria em lavoura de cana. • Aos 19 anos, entrou na empresa atual.

Quadro 15: Resumo das atividades desenvolvidas antes da entrada na empresa atual. Fonte: Dado de entrevista.

Como é possível notar a partir das experiências profissionais anteriores, os

participantes não foram suficientemente instrumentalizados com um cabedal de

conhecimentos que tornasse possível sua entrada na empresa já no posto de operador de

extrusora. Com exceção do participante OPT2-1, todos tiveram sua aprendizagem e

desenvolvimento profissional vinculado à empresa atual. Contudo suas experiências

anteriores, segundo os próprios participantes, contribuíram para questões como a valorização

do posto de trabalho, segurança, comprometimento com a empresa, dentre outras. Estas

contribuições serão descritas nas seguintes seções, as quais trarão uma sub-categorização das

experiências profissionais dos participantes entre as que lhes forneceram subsídios técnicos ou

meramente de cunho de um registro em carteira para comprovação de algum tipo de

experiência profissional anterior e os subsídios comportamentais para o desenvolvimento

profissional. Estas constatações serão evidenciadas nas falas dos participantes.

5.3.1 Contribuições comportamentais

As experiências anteriores forneceram aos participantes a possibilidade de entender

que o ambiente profissional é permeado por uma série de comportamentos muito específicos

relacionados ao local de trabalho. Serviram também para que eles desenvolvessem um

sentimento de que a partir do trabalho eles poderiam “progredir e crescer na vida”, para que

aprendessem a estabelecer certas rotinas em suas vidas, as quais não são exigidas durante a

vida de estudante e de membro de uma instituição familiar.

Page 106: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

105

O aprender a ser empregado de uma empresa aparece na fala do participante AJ-3

como o fato mais importante em suas experiências anteriores:

Pelo lado profissional o que me ajudou mais foi o primeiro emprego. Foi aí que eu comecei a ver como é que era que funcionava você ser um empregado, trabalhar.

A força de vontade e o foco em objetivos de crescimento são atribuídos pelo

participante OPT1-3 como sendo os importantes diferenciais adquiridos com as suas

experiências profissionais anteriores:

Por motivo de eu ter mais força de vontade, entendeu? Tipo, o que eu passei lá fora, aqui dentro eu poderia crescer. Eu falei: “-Não. O que eu passei lá fora, aqui dentro eu quero melhorar. Eu quero ver, tipo devagarzinho e chegar aonde eu tenho vontade mesmo, realmente.” E aí ajudou bastante.

Para o participante CHEFT-1, suas experiências anteriores serviram para que ele

desenvolvesse a capacidade de trabalhar com rotinas, de ser limpo e organizado no local de

trabalho. A necessidade de “construir algo em sua vida” e a comparação com as realidades

vividas por seus amigos também foram importantes propulsores que impulsionaram o seu

desejo de crescimento:

O que me ajudou mais foi, na verdade foi assim, porque eu já tava com uns vinte e poucos anos de idade. E eu já tava na época de ter de arrumar um emprego fixo, ter uma profissão de...

Talvez do primeiro assim, que... Que foi mais a rotina, levantar cedo, aquele trabalho pesado, num me preocupava com hora de ir embora e... Sempre trabalhar limpo, em trabalhar organizado, acho que mais, é mais isso aí. Mas algo técnico assim, que eu trouxe das outras empresas, eu acho que não teve não.

De acordo com CHEFT-2 suas experiências anteriores serviram para lhe orientar em

momentos quando situações parecidas devem ser enfrentadas, principalmente nos momentos

de maior dificuldade:

[palavra inaudível] eu acredito que tudo que é experiência é bom, serve pra alguma coisa, mesmo quando você passa por algum momento difícil na vida, aquilo serve pra você em alguma, de alguma forma. Então eu acredito que a experiência que eu passei antes serviu muito pra mim aqui.

O desejo de crescimento e luta focada no objetivo de “conseguir uma coisa melhor”

guiaram o participante MESTRE em sua jornada profissional:

Ah, eu acho que sim, porque eu trabalhei em fábrica de móveis e ajudou um pouco. Agora, o negócio de roça já não, porque é um negócio totalmente diferente. O que

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106

ajudou é que a gente sempre lutou pra conseguir uma coisa melhor. Então você sempre trabalhou na roça, mas pensando de ter um futuro e crescer de algum jeito, arrumar um emprego, alguma coisa. A gente sempre pensava isso. Entendeu?

A reflexão sobre situações vividas, sobre programas implantados em empresas

anteriores e o sentimento de “ser útil” são, segundo OPT2-2, importantes ferramentas para as

ações e para a reflexão sobre acontecimentos que podem se repetir no dia-a-dia de trabalho:

Quando você foi útil numa empresa, numa determinada situação que você viu, até que você não colaborou, mas que você viu que foi implementada, que alguém fez, aí te ajuda. Você vê um negócio semelhante na empresa, não assim com máquina, mas eu falo assim, no setor, alguma coisa, aquilo lá dá uma, uma luz, entendeu?

As contribuições comportamentais estão muito ligadas à forma de proceder e de se

comportar enquanto trabalhador vinculado a uma empresa e entender que as rotinas são

importantes não somente para as atividades profissionais como para a organização da vida do

trabalhador. O acordar cedo, o trabalhar sempre com o departamento limpo, organizado, a

força de vontade, o desejo pelo crescimento e a aposta de que a vida pode melhorar em função

do progresso dentro de uma carreira profissional são comportamentos e sentimentos que

foram desenvolvidos pelos participantes em suas experiências profissionais anteriores a

empresa atual.

5.3.2 Contribuições para a carreira profissional

Os participantes apontam também como contribuições importantes para o crescimento

profissional questões como segurança, estabilidade, horários fixos de trabalho, registro em

carteira e fundamentalmente, para aqueles que obtiveram experiências em empresas do

mesmo ramo, as técnicas e os processos que aprenderam nas empresas anteriores

Para o participante AJ-1, suas experiências profissionais anteriores serviram para que

ele passasse a valorizar questões como segurança, estabilidade salarial e de horários de

trabalho:

Não, ajuda porque você aprende a dar valor. Porque como você trabalha em loja e não é de carteira assinada e também não é um salário fixo... Você tem que estar batalhando pra você conseguir o seu dinheiro, porque se você não vender, você não ganha, é por comissão. Como vendedor. A mesma coisa com mudança, você ganha

Page 108: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

107

conforme as mudanças que têm. E quando você passa a trabalhar numa empresa assim, que tem um salário fixo, que você tem um horário fixo, que ela procura te ajudar no melhor possível, você aprende a dar valor pra ela.

No caso do participante AJ-2, suas experiências anteriores contribuíram somente para

lhe garantir um registro na carteira profissional, o que, segundo ele, trata-se de uma exigência

do mercado de trabalho:

[...] profissional, na última empresa, que foi o registro. Eu acho que o que me ajudou foi nisso. [...] Eu sempre fui uma pessoa tranqüila, sou muito respeitador, sei os meus direito, o que tem que fazer, os meus deveres eu cumpro, entendeu? Então eu acho que foi a experiência, foi um registro, que hoje pra você entrar numa empresa, eles querem que você tenha um registro, alguma coisa assim.

Seria mais difícil, no caso, pra eu entrar aqui, se eu não tivesse a experiência lá. Eu acho que foi bom nessa parte, mas... Mais pelo registro.

Para o participante OP-1, o fato de ter trabalhado com medidas, com embalagens,

etiquetas lhe ajudou “bastante” na medida em que parte das atividades iniciais de um ajudante

de produção na organização pesquisada está fundamentalmente relacionada com o trabalho

com medidas, com preenchimento de etiquetas, embalagens etc.:

[...] na expedição também, porque esse negócio de embalagem, de etiqueta, que a gente trabalha bastante com isso aí dentro. E na parte de bater marreta assim, na época que eu fiquei de pedreiro, mais na parte das medidas também, sabia medir as coisas lá dentro, que a gente trabalha muito com medidas também. Aí ajudou bastante.

A aquisição de conhecimento sobre diferentes tipos de materiais, com produtos

químicos e o contraste entre os conhecimentos teóricos, aprendidos na escola e a prática diária

no local de trabalho, são apontadas pelo participante OP-3 como as aprendizagens mais

importantes em suas experiências anteriores:

[...] naquela firma que eu trabalhava com resina, era um, um tipo de material que eu não conhecia. Exerci uma profissão que eu não conheci. Eu acabei conhecendo muito produto químico, conhecendo muita coisa que eu não conhecia. Tipo assim, que às vezes na escola você aprende na teoria, mas você não vê na prática. E lá eu acabei vendo. A mesma coisa foi na firma de injetora lá, que o plástico, o plástico derretia, virava, dependendo do lado, derretia, virava um tipo de plástico. O material que assim, trabalho, conhecimento ali, eu acho que eu aprendi um pouco sim.

A experiência com materiais plásticos, para o participante OP-4, representou uma

importante ajuda para as atividades exercidas na empresa atual em função de seu

conhecimento prévio do produto utilizado:

Page 109: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

108

Então, nessa empresa aí, é, era no ramo de plástico, entendeu? De uma certa forma me ajudou, porque aqui também é plástico. Apesar que as máquinas era diferente. Então onde eu trabalho aqui, meu, lá era injetora e aqui onde eu trabalho é extrusora. Então a máquina não tem nada a ver uma com a outra, entendeu? Mas só o fato de você estar trabalhando com um material que é plástico, entendeu? Eu acho que você tem um conhecimento, você trabalhou com plástico lá, você vai trabalhar agora. Então de uma certa forma ajuda, pelo menos você, você já conhecia como é que era o processo de fabricação de plástico, então me ajudou um pouco.

O conhecimento sobre extrusão e maquinário adquirido nos vínculos empregatícios

anteriores representou para o participante OPT2-1 a tranqüilidade de que na empresa atual sua

preocupação deveria voltar-se apenas para a aprendizagem dos processos específicos de

fabricação:

Então, eu acho que em termos de ajudar, ajudou bem, porque eu já vim com um pouco de conhecimento. Eu não cheguei aqui e aprendi tudo aqui do zero, eu já vim com um pouco de fora. Tudo bem, é outra atividade, mas em termo de extrusão, máquina, é aquilo que eu tive que desenvolver na linha de produção, que é diferente, porque é com tinta. Mas em termos de máquina, meu, tranqüilo, a máquina que eu trabalhava é muito mais [palavra inaudível].

A preocupação com o crescimento profissional, a valorização das experiências

anteriores e a constatação de que elas serviram para algo, ainda que pouco quando não

vinculadas especificamente à atividade atual, pode ser observada na fala de todos os

participantes.

É possível notar na fala de alguns deles aquilo que Schön (2007) denomina como a

reflexão na ação, principalmente naqueles momentos, como descrito por CHEFT-2, por OP-

4, por OPT2-2, nos quais os conhecimentos anteriores serviram como “luz” para guiar as

ações adotadas por eles para resolver problemas e situações emergentes no dia-a-dia do

trabalho. Implicitamente nas falas é possível perceber que as experiências anteriores com

matérias-primas semelhantes fazem com que os participantes ativem em suas mentes um

processo de associar as situações que vivem atualmente à atividades e processos que viveram

no passado, podendo eles estar associados a atividade profissional ou até mesmo em situações

da vida privada do participante.

O participante OP-4 afirma que mesmo trabalhando atualmente com um maquinário

diferente, ele utiliza de seu conhecimento sobre o material plástico. Este conhecimento está

associado a possíveis problemas relacionados à matéria-prima enfrentados no passado que não

serão encarados como dificuldade na atividade atual, pois ele poderá prevê-los e por meio de

suas reflexões buscar as possíveis saídas sem ter que agir por tentativa e erro ou por outro

Page 110: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

109

mecanismo de solução da problemática. Para o participante OPT2-2 o fato de ter “visto”

situações gerais nas empresas faz com que ele reflita e encontre uma “luz” em situações

vividas na empresa atual. Para o participante CHEFT2, as experiências vividas servem para

guiá-lo nos momentos difíceis de sua vida, o que expressa claramente que a cada momento

complicado a ser enfrentado, ele inicia um processo de reflexão na busca de saídas mais

adequadas para a situação a ser enfrentada no momento do surgimento do problema.

Esta capacidade está relacionada aos conhecimentos que foram sendo acumulados ao

longo de suas experiências anteriores, a situações vividas em empresas anteriores, as quais em

alguma medida, foram se transformando em um ferramental que os habilitou a refletir sobre

suas possíveis ações e práticas em situações que se assemelham a momentos vividos

anteriormente. Estas experiências também podem ser examinadas a partir do que Kolb (1984)

denomina como ciclo de aprendizagem experiencial, uma vez que a partir das experiências

concretas vivenciadas anteriormente, o indivíduo passa a observar o seu ambiente buscando

encontrar soluções para os problemas emergentes por meio da experimentação baseada em

seus conhecimentos adquiridos em suas experiências prévias.

Cabe destaque à diversidade de atividades exercidas pelos participantes em suas

jornadas anteriores à empresa atual. Cinco deles iniciaram desde muito pequenos com

trabalhos na Zona rural, outros iniciaram como serventes de pedreiro, catadores de jornal,

atendentes em comércio, ajudantes gerais em atividades muito simples. Dentre eles, somente

os participantes AJ-3, OPT1-2 e CHEFT-1 iniciaram suas atividades por volta dos dezoito

anos de idade. Esta diversidade de atividades e a simplicidade das tarefas exercidas

certamente contribuíram para tornar mais fácil a adaptação dos participantes às tarefas árduas

do dia-a-dia de um ambiente fabril.

O desenvolvimento profissional nas atividades anteriores da maioria dos participantes

não representou um diferencial técnico significativo no momento da contratação na empresa

atual, com exceção daqueles que tiveram a oportunidade de freqüentar algum tipo de

formação profissional. Contudo certamente aquelas experiências descritas neste trabalho

como comportamentais contribuíram para o aprendizado da atividade de operador de

extrusora e para o desenvolvimento dentro da estrutura de cargos da empresa, na medida em

que estes comportamentos não precisam ser desenvolvidos, em função de trazê-las consigo.

A próxima seção tem como objetivo descrever o desenvolvimento profissional dos

participantes da pesquisa na empresa atual.

Page 111: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

110

5.4 Crescimento profissional na empresa atual

O crescimento profissional dos participantes da pesquisa, quando levado em

consideração o tempo em cada função, pode ser constatado a partir da análise do Quadro 11,

inserido na seção 5.1.1.

É possível perceber a evolução dos participantes, quando se observa o tempo que cada

um deles esteve classificado nos diferentes níveis funcionais no departamento de extrusão. O

tempo médio de permanência, até a data da realização das entrevistas, em números

aproximados, foi de três anos como ajudantes de produção, dois anos e três meses como

operador de extrusora, dois anos e dois meses como operadores de extrusão com o primeiro

teste, três anos como operadores com o segundo teste, cinco anos e quatro meses como

encarregados de turno, e finalmente o participante MESTRE classificado como encarregado

de turno por sete anos e na data da pesquisa estava por sete anos na função de mestre de

extrusão.

5.4.1 O caminho percorrido pelos participantes

O desenvolvimento profissional de quatorze dos participantes teve início a partir da

contratação como ajudantes de produção. As atividades desenvolvidas neste posto de trabalho

estão relacionadas ao processo final da fabricação, etapa quando os rolos de fita de borda são

etiquetados e embalados. Esta fase do processo produtivo pode ser visualizada nas Fotos 10 e

11.

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111

Foto 10: Área de etiquetagem e embalagem (1)

Foto 11: Área de etiquetagem e embalagem (2)

O processo de aprendizagem das atividades fabris tem início desde o primeiro dia de

trabalho. Inicialmente o novo ajudante é apresentado a todos os outros trabalhadores do

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112

departamento produtivo, a ele são mostrados os processos de fabricação, o maquinário, o tipo

de material que é produzido e na seqüência recebe o treinamento básico de segurança do

trabalho. Uniformes e EPIs (Equipamento de Proteção Individual) são disponibilizados ao

trabalhador que iniciará o seu processo de integração e aprendizado no posto de trabalho.

A aprendizagem das atividades operativas acontece a partir do contato do indivíduo

com os processos de fabricação e da interação com trabalhadores mais experientes.

5.4.2 As trocas de experiências no ambiente fabril

Os participantes contam as suas experiências de aprendizagem e falam sobre as trocas

de conhecimento realizadas no ambiente fabril.

O participante MESTRE compartilha a sua experiência de aprendizagem:

Aprendi com o rapaz que me ensinou, eu não sei o nome, ele explicava como que tinha que fazer a limpeza, que tinha vários tipos de material. Conhecer a qualidade de qual material, o que era PP, o que era ABS, o que era PVC. Tudo isso aí ele foi ensinando e a gente foi aprendendo a conhecer os código do material e tudo. [...] Eu tinha que ser bem dedicado àquele serviço que tava fazendo.

É possível perceber na fala de MESTRE que existe uma preocupação pelo ensino dos

tipos de materiais utilizados, sobre os códigos utilizados para o registro das atividades

produtivas e ressalta a importância em ser “bem dedicado” em relação à atividade

desenvolvida.

Do mesmo modo, CHEFT2, compartilha suas experiências e ressalta o primeiro

impacto causado no momento em que foi exposto ao ambiente fabril pela primeira vez:

Lembro da imagem assim, quando o cara veio e me levou pras máquina, eu falei: “-Meu Deus, o que é isso?” Nunca tinha visto nada igual à máquina, aquela linha de vinte e tantos metros de comprimento, eu falei: “-Meu Deus, que é isso?” Então aquela imagem eu tenho ela bem guardada, eu falei: “-Meu, eu não sei nem por onde começar aqui. Não sei nem onde começa e nem onde termina a máquina.” Aí o cara chegou na máquina junto com o operador e o cara foi me ensinando.

A primeira coisa que eu fiz foi era uma peça que fazia pra geladeira chamada avental. O cara me entregou uma serra, serrinha de serrar ferro e falou: “-Você tem que quando bater naquele pedaço de coisa lá, você serrar.” Foi o meu primeiro serviço serrar aquela peça. Aí fiquei acho que uns três dia direto só serrando aquelas peças. Depois o cara foi me levando de, mudando de máquina, sempre ajudante. Abastecia máquina, que na época era tudo manual também, você pegava o material,

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113

colocava no saco, colocava na máquina, colocava na estufa, embalava a peça, tudo manual.

É possível perceber também na fala de CHEFT2 que o acompanhamento do

profissional mais experiente é fundamental para que o aprendiz possa desenvolver as suas

atividades. Assim, no momento em que executar alguma atividade errada, o mais experiente

estará por perto para orientar a maneira correta de se executar a atividade:

Toda vez que ia começar alguma coisa, eu sempre tava do lado do operador e o operador sempre falava: “-Ó, aqui faz isso, faz aquilo. Aqui serve pra calibrar isso.” Aí o cara ia me ensinar a embalar. Aí ele me ensinava, ficava uma hora só me ensinando como tinha que embalar a peça. Como tinha que misturar o material. E aí depois eu ia sozinho, eu ia fazer e ele ficava olhando. Que era pra ter certeza se eu tava fazendo certo. E aí foi me ensinando depois desmontar a máquina, quando eu podia pegar com luva, onde eu deveria pegar com luva, onde eu poderia pegar sem. E eu fui, tudo que o operador ia fazer, eu tava sempre do lado, olhando.

Para AJ-1, o início é marcado pelo sentimento de que os processos são muito difíceis

em função da quantidade de informação contida nas atividades, porém compartilha que teve

sorte por ter iniciado com um operador que além de explicar “tudo certinho” tinha também

muita paciência com ele e lhe explicava e mostrava o que deveria ser feito:

Olha, no começo, começa assim é explicado, tudo, foi explicado tudo certo como se embala, como que arruma tudo. No começo você sente bastante dificuldade, porque é muita informação, mas eu ainda tive sorte com, com o operador que eu comecei a trabalhar. E explica bem, teve paciência comigo. Me explicou tudo certinho, foi bom. Ele primeiro mostrava tudo o básico, ele não explicava tudo, ele explicava o básico de: “-Ó, você presta atenção no que eu tô fazendo. Eu vou te explicar, mas vai olhando. Que depois quem vai acabar fazendo é você.” Mas aí só o mínimo pra você poder aprender, ele fazia e eu olhava. Seria assim, como ele ia explicando.

O participante OPT1-3, conta como foi o início de seu processo de aprendizagem:

Eu comecei na produção. Aí cheguei lá pra conhecer o pessoal, me apresentaram, o [CHETT2] me acompanhou da portaria até o setor, me apresentou pro “Beltrano”. Eu nunca tinha visto os rolos lá rebobinando, nem imaginava o que era, explicaram pra mim. Aí na época tinha, era rolo, hoje em dia é rolo de trezentos metros. Tipo, aí o Davi explicando o processo, como é que funcionava, ele falou: “-Ó.” “-OPT1-3 é o seguinte, na hora que acender aquela lâmpada ali, vai parar o rolo, vai faltar poucos metros. Aí na hora que a lâmpada apagar, você corta o rolo, tira a amostra, coloca outro bobinador, liga, aciona e tal.”

Aí eu com a tesoura na mão, acendeu a lâmpada, já cortei, o rolo caiu tudo porque na hora que acende tem um tempo assim pra parar, pra você mandar para a outra bobinadora.

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114

O participante OPT1-3, continuando a contar sobre seus primeiros momentos de

aprendizagem, fala do nervosismo e da importância do acompanhamento e da postura dos

profissionais mais experientes em relação a situações quando erros acontecem:

Eu já fiquei nervoso. Ele falou: “-Ó, pode ficar sossegado. Você tá começando agora.” Então ele reconheceu, ele já tem muito mais experiência do que eu, porque eu tava começando. Aí, tipo, a empresa é isso, você tem que saber reconhecer, você já tem um conhecimento, a pessoa não tem. Pra você estar onde você tá, você passou por aquilo também. Então você tem que reconhecer o erro da pessoa. E até hoje assim, eu continuo sendo assim o que eu sou mesmo, entendeu? O pessoal entra e tal, eu procuro explicar o correto, de repente eu não sei, a gente pergunta. Procura o superior e conversa e assim que funciona o serviço, entendeu?

A busca pela informação e a importância do reconhecimento de que os profissionais

menos experientes cometem erros no início do processo de aprendizagem exerce um papel de

fundamental importância no desenvolvimento dos operários. Cabe aos operários mais

experientes a serenidade e a lembrança de que eles também foram aprendizes da mesma

atividade e que em seu momento também cometeram erros, inevitáveis no processo de

aprendizagem. Esta consciência fica clara na fala de OPT1-3 quando ele diz que passou pelo

mesmo processo e que agora, como operador experiente, a ele cabe “reconhecer o erro da

pessoa” e explicar a maneira correta de proceder, repetindo as mesmas formas de ensino que

possibilitaram a sua aprendizagem.

Também AJ-3 descreve a importância da integração inicial no primeiro contato com o

ambiente fabril:

Eu cheguei na portaria e o encarregado era o [CHEFT1], ele veio, me pegou e levou lá dentro. Aí eu acho que na época o [MESTRE] tava à noite, geralmente quando começa é o [MESTRE] que mostra a fábrica. Aí ele que me mostrou, levou, mostrou as máquina pra mim, aí eu fiquei assim, porque eu nunca tinha trabalhado. Aí ele me mostrou a fábrica, nos primeiros dia e eu ficava só olhando, sem saber o que fazer. Aos poucos aí o pessoal foi falando: “-Tem que fazer isso, fazer aquilo.”

AJ-3 também fala da importância das orientações recebidas durante o processo de

aprendizagem e das instruções recebidas nos momentos em que erros são cometidos:

[...] Aí eu ficava só olhando e assim, querendo aprender, mas só esperando alguém falar o que eu tinha pra fazer. Geralmente quando você começa, você fica com alguém, junto com alguém. Então a pessoa que você fica, ela vai falando o que você tem que fazer e quando você faz alguma coisa errada ela chega e fala também.“-Você tem que fazer isso e isso.” Dá instruções. A gente só observa [...]. Eu trabalhei acho que com três pessoas eu acho, eu trabalhei com o OPT2-2. O OPT2-2 era um que falava muito, sabe, se você fazia certo ele falava, se fazia errado ele falava, depois comentava como é que você tava: “-Ah, você tá muito bem. Continua assim que você vai se dar bem”.

Page 116: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

115

A mesma importância dada aos momentos nos quais erros são cometidos é dada para

momentos nos quais o aprendiz recebe o feedback positivo em relação ao seu

desenvolvimento. Esta importância pode ser percebida na fala de AJ-3.

É possível perceber a partir das falas dos participantes que os processos de

aprendizagem, interação e as relações estabelecidas no ambiente fabril não sofreram grandes

alterações ao longo dos anos. Quando se analisa a fala do participante MESTRE e do

participante AJ-1, o primeiro com vinte e cinco anos e o segundo com um ano e quatro meses

de vínculo com a empresa, nota-se que a aprendizagem sempre inicia a partir do contato com

profissionais mais experientes, os quais se responsabilizam pelo ensino das atividades aos

novos trabalhadores. Esta forma de ensinar tem como ponto de partida as práticas diárias

concretas do departamento de extrusão, a aprendizagem neste contexto é entendida como

sendo fruto da integração entre os novos participantes e os participantes mais experientes nas

trocas de informação em situações diárias de trabalho (ELKJAER, 2004).

O crescimento profissional dos participantes, até o ponto em que se encontram

atualmente, segue um fluxo que passa pela aprendizagem das atividades fabris no dia-a-dia de

trabalho, a partir das constantes trocas de conhecimentos e informações adquiridas com a

prática e com o compartilhamento de informações entre os trabalhadores. Os erros cometidos

durante o início dos processos de desenvolvimento aparecem como uma importante fonte de

aprendizagens, eles servem para que o aprendiz possa diferenciar uma tarefa bem feita e

correta com uma realizada fora dos padrões existentes no departamento de extrusão. A atitude

dos operadores mais experientes no momento quando erros são cometidos parece, a partir dos

depoimentos, estar orientada para aquela que busca fazer do erro um importante momento e

ferramenta de orientação para o ensino da maneira correta de atuação.

As aprendizagens individuais são colocadas a serviço não só da empresa como

também daqueles profissionais menos experientes, os quais ainda estão em processo de

aprendizagem da atividade operacional. A interação e as trocas de informação e de

conhecimento permeam todo o processo de desenvolvimento dos operadores. É possível

perceber ao longo dos depoimentos, quando analisados em sua totalidade, que esta forma de

atuação parece estar implícita na forma de atuação dos operários em todos os níveis do

processo de desenvolvimento, as trocas, independentes da função exercida na atividade fabril,

acompanham os operários ao longo de seu desenvolvimento estando presente tanto na fala dos

ajudantes quantos dos profissionais mais experientes, dos chefes e do mestre de extrusão.

Page 117: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

116

5.4.3 A observação e a importância das avaliações e acompanhamentos dos processos

de aprendizagem

A observação do trabalho dos operários inexperientes, as avaliações e os constantes

acompanhamentos são fatores essenciais para que o desenvolvimento dos aprendizes se

concretize.

Na Foto12 é possível observar um ajudante de produção executando suas atividades e

um operador de extrusora experiente observando o seu trabalho.

Foto 12: Ajudante de produção sendo observado por um operador experiente

O crescimento profissional dentro do setor de extrusão, conforme já exposto no item

4.1 (A empresa pesquisada e seus processos de formação profissional), obedece a uma

seqüência de passos, ou seja, inicialmente o profissional aprende suas tarefas diárias, sempre

com o auxílio e acompanhamento de um profissional mais experiente, e sob a supervisão do

chefe de turno. No terceiro mês contando da data de início das atividades, o profissional passa

por uma avaliação interna, a qual tem o intuito de verificar as aprendizagens e o

Page 118: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

117

desenvolvimento do mesmo. Em função dos processos de avaliação e do acompanhamento

das atividades dos trabalhadores, a eles são atribuídas novas tarefas que variam de acordo com

o desempenho demonstrado nas rotinas diárias. As atividades desenvolvidas e o desempenho

é sempre acompanhado e avaliado pelos operadores mais experientes, pelos chefes de turno e

pelo mestre de extrusão.

5.4.4 O papel desempenhado pelos aprendizes e pelos profissionais experientes

É possível perceber nas falas dos participantes da pesquisa que existe uma clareza

muito grande em relação a quais são os papéis que devem ser desempenhados tanto pelos

profissionais aprendizes quanto por parte daqueles que são responsáveis e colaboradores no

processo de desenvolvimento dos demais.

5.4.4.1 O papel e as posturas dos aprendizes

Os aprendizes têm claro quais são as posturas que devem ser adotadas por eles para

que suas aprendizagens se concretizem e para que o caminho aos seguintes postos nas funções

operacionais possam ser alcançados.

Para o participante AJ-1:

Tem, tem alguns fatores que pode contribuir sim, porque... Assim, eu procuro, eu procuro sempre chegar na hora, eu procuro sempre ajudar o cara que tá do lado precisando, procuro sempre manter a minha máquina limpa. Evitar ao máximo de fazer algum tipo de erro, que alguma outra empresa receba os nossos trabalhos possa reclamar mais tarde... Eu evito no máximo isso. Até assim... Evitar brincadeira, evito conversar também muito na firma, pra tentar mostrar um pouco de trabalho. Pra procurar me... Hum, assim, mostrar algo diferente.

É possível perceber na fala de AJ-1 que fatores como cumprimento de horário, a

manutenção da limpeza do maquinário, a preocupação com a qualidade do produto produzido,

a disponibilidade para ajudar aos demais, a concentração, o foco, dentre outros. Para ele estes

fatores contribuem para o reconhecimento de seu trabalho e conseqüentemente para o seu

crescimento funcional. Ele acrescenta que:

Page 119: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

118

Porque às vezes tem operador lá: “-Ah, eu vou tomar água. Vou no banheiro. Vou conversar um pouco.” Então é alguns tipos de coisa que eu procuro não fazer, pra ver se alguém, algum encarregado... Consiga enxergar isso, consiga ver isso: “-Ah, o cara tá na máquina dele, ele tá esforçado, ele tá fazendo as medidas dele. Em vez, em vez de ele estar conversando, ele tá limpando a máquina dele, ele tá mantendo limpa.”

Então eu acho que é uma das coisas que, positivas que eu procuro fazer, pra que, daqui um tempo alguém reconheça e possa: “-Ah, o cara merece uma promoção. Vou dar uma promoção pra ele e vamo ver o que acontece.” (AJ-1)

Para o participante AJ-2, o importante é:

Acho que querer fazer as coisas. Eu sou curioso assim, às vezes, eu sei que tem uma coisa aqui que eu tô, no setor aqui, tem uma pessoa que tá fazendo algo na máquina do meu lado que eu nunca fiz e eu posso ir lá ver como é que é. Essa pessoa, que geralmente é uma pessoa mais capacitada, ou seja, essa coisa é mais difícil. Então aqui geralmente todas as pessoas têm boa vontade de ensinar sim. Se eu tô lá, eu vou perguntar: “-E isso aqui, com é que é feito isso aqui?” E tal, que ele vai fazendo, às vezes se eu posso acompanhar ele, eu vou acompanhar. E isso eu acho que vai me ajudando a crescer. E eu tô fazendo um determinado produto, você tá fazendo um outro mais difícil, pra se um dia eu tiver que fazer aquilo, eu já sei desenvolver mais ou menos aquilo.

Pra quando essa pessoa vim me ensinar alguma coisa assim, eu já tenho uma noção mais ou menos de como que é. Eu acho que com isso, eu acho que faz eu crescer, ir crescendo, ter mais conhecimento.

A questão da curiosidade e do acompanhamento dos trabalhos realizados pelos

profissionais mais experientes, como forma de antecipar e facilitar as aprendizagens futuras,

fica evidente na fala do participante AJ-2. Para ele, a possibilidade de aprender novas

atividades de maneira mais rápida está diretamente relacionada aos fatores por ele apontados.

O fato de obedecer a ordens, o trabalho em equipe, a constante ajuda aos demais, são

fatores que contribuem para o crescimento profissional, segundo o participante AJ-3:

Eu acho assim, eu acho que a primeira coisa você tem que obedecer ordens, o encarregado. E depois você tem que aprender a trabalhar em equipe... Eu acho assim, que eu tenho como crescer por esse lado mesmo, entendeu? Eu não sou um cara assim que nego nada pra ninguém. Eu não sei mais do que ninguém também. Só que sempre quando precisa de ajuda, eu vou lá pra ajudar, quando o CHEFT1 pede pra mim fazer alguma coisa numa outra máquina, eu vou lá fazer. Porque mesmo antes de eu ser operador, quando eu era ajudante ainda, só que já operando máquina, mesmo antes ele ainda pedia até pra mim ajudar, por exemplo, um operador a ajustar uma cor, entendeu? Que o cara tava com dificuldade, ele chegava e pedia pra mim ir lá pra ajudar.. Eu acho que é assim que, que eu tenho como crescer dentro da empresa, sabe? Ajudando as outras pessoas, que as vez têm mais dificuldade.

A aceitação da realidade vivida, a dedicação, o trabalho correto, a paciência, a

constante ajuda aos demais, a positividade, a facilidade de relacionamento, a abertura para

Page 120: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

119

mudanças e o foco no crescimento dentro da profissão, são os principais fatores apontados

pelo participante OP-3 como propulsores do desenvolvimento profissional:

Ah, eu vejo muito. Assim, igual eu falei pra você. Cada caso é um caso, a pessoa tem que aceitar o que você é. No meu caso eu aceitei o que eu sou na minha vida, porque acredito que estudar, não vou estudar mais. Me formar assim, acho que não vou ter mais formação assim de, pra ser um doutor. Então, na minha empresa, alguma coisa assim, então eu acredito que eu abandonei essa parte mesmo da minha vida. Mas assim, já que eu escolhi essa profissão, se você se dedicar, você pode chegar até a um, sei lá, um encarregado geral da fábrica, depende do seu desenvolvimento. Tem crescimento, muito crescimento.

O trabalhar corretamente, a paciência, o ajudar ao próximo e a luta, segundo OP-3:

O importante é você ter... Eu acho assim, tem que estar sempre trabalhando corretamente assim, sempre estar sendo paciente também, trabalhando certinho, saber ajudar as pessoas, saber fazer o seu serviço correto. Mas ajudar o próximo também, que às vezes eu, eu preciso de uma pessoa e ela também precisa de mim. Então eu tenho que fazer por ele e ele fazer por mim também.

O esperar as oportunidades, o dedicar-se, o esforçar-se, segundo OP-3:

E sei lá, e também esperar aparecer as oportunidades também. Porque a gente não pode também passar por cima das pessoas. No caso, hoje eu sou operador, amanhã eu não posso querer ser, derrubar o encarregado e entrar no lugar dele. Tem que esperar também a, ter a paciência também de aparecer também essa oportunidade. Tem que sempre lutar.

A gente tem que, além de você se dedicar, se esforçar, tem que aguardar uma oportunidade.

A importância da convivência, da colaboração na criação de um ambiente agradável e

a aceitação das diferenças das demais pessoas aparecem também na fala do participante OP-3

como diferenciais e aspectos importantes no processo de crescimento.

Só que acontece o seguinte, também você tem que também ter assim, você não pode ser uma pessoa assim, digamos que eu seja um trabalhador bom, um operador bom, mas eu não posso ser fechado... Tipo assim: “-Ah, ninguém gosta de mim.” Tem muita gente aqui na fábrica que é assim. Que o cara é operador, o cara é bom, não tem defeitos, mas não gostam do cara, porque o cara só anda de cara fechada ou, sei lá, não conversa com quase ninguém. Ou mesmo, é ruim de passar serviço pras pessoas. Então eu acho que esse, o encarregado também vê isso. E as pessoas também, que vai dar oportunidade, vê isso também. Então você tem que estar aberto pra tudo. Tem que ser bom em tudo e estar aberto pra tudo assim, disponível pra tudo. Nunca ficar discriminando as pessoas, fazer cara feia pra uma, fazer cara feia pra outra, aí você não consegue crescer também. Tem que trabalhar sempre o positivo, se trabalhar com os pontos negativo, eu acho que não... Não funciona...

Para o participante OPT1-2, a ajuda dos demais e a força de vontade de cada

profissional são determinantes para o desenvolvimento:

Page 121: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

120

[...] É muita ajuda também dos outros. Mas muita, acho que força de vontade, porque no começo foi difícil. Eu não sei porque, acho que, o “Cilcano” falou pra mim, falou assim: “Ah! [OPT1-2], não sei, tá difícil lá hein. O pessoal não tá gostando muito de você e tal.” Me deu um puxão de orelhas, falou assim: “-Você tem que se esforçar mais, tem que correr atrás mais.” Aí eu fui me esforçando, tal me dedicando, tal.

A dedicação, o foco e a busca pelo aperfeiçoamento profissional, são para o

participante OPT2-1 os principais fatores que podem contribuir para o seu crescimento dentro

da profissão:

Eu, por exemplo, venho assim, fazendo o melhor de mim, vou buscar cursar alguma coisa nesse meio termo aí também. Até fiz inscrição em algumas coisas aí, vamos ver se vai dar certo. E tentar crescer nesse ramo aí, que eu acho que é um ramo que tem muito a crescer. E com isso, com o tempo que o cara vai trabalhando, vai aprendendo, vai de operador, já vai, passa pra um outro nível de operador e o cara tá indo, crescendo. Futuramente o cara aí, com um curso bom aí, o cara vira gerente de fábrica, no futuro. Não pode ser aqui, pode ser em outra firma, entendeu? E buscar esse objetivo.

Para o participante MESTRE, a paciência é fundamental no processo de aprendizagem

e no desenvolvimento:

Eu, eu tive paciência de esperar, entendeu? Que muita gente não tem essa paciência. Eu não, eu trabalhei no moinho, fiquei um ano e pouco no moinho, nunca fiquei cobrando assim, o encarregado de turno: “-Ah, eu não quero trabalhar aqui, eu quero ir pra outro setor.” Eu fui com o tempo, fui conquistando a pessoa, até que conseguiram me tirar dali. Porque depois de ajudante, a mesma coisa, eu fiquei ajudante, até que quando eu penso que não, me chamaram, falaram: “-Não, hoje você tá apto pra ser um operador. Você vai, a partir de hoje você passou a ser operador.” Você entendeu?

Para o participante MESTRE, a vontade, o interesse e a busca pelo “progresso” na

atividade são fatores essenciais, sem os quais o desenvolvimento funcional não se tornaria

possível:

Ah, eu acho que tudo acontece se você quer, Sérgio. Se a pessoa tem vontade e tem interesse, você consegue as coisas. Porque você também não pode parar e esperar que venha de mão beijada pra você. Você tem sempre que estar procurando progredir, você progredindo é aonde você vai crescendo, aí você vai vendo a... Que o pessoal vai vendo que você tem a capacidade pra isso, entendeu?

Os processos de aprendizagem e conseqüentemente o desenvolvimento dos operários

no setor pesquisado estão alicerçados em uma base sólida, a qual une uma constante

observação e orientação dos operários em seu processo de crescimento na hierarquia

Page 122: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

121

funcional da empresa e uma constante troca de informação e preparação de habilidades

necessárias para novas funções a serem desempenhadas no futuro.

As aprendizagens ocorrem a partir da interação dos profissionais com os seus pares,

seus superiores, com os processos envolvidos nas rotinas diárias e com as estratégias de

formação adotadas pela empresa. As estratégias de formação, conforme descrito na seção 4.1,

obedecem a uma seqüência e uma lógica que conduzem o operário a um processo de

aprendizagem que inicia desde seu ingresso na empresa e o acompanha constantemente ao

longo de sua jornada profissional.

O operário se torna, em grande parte, responsável pelo seu processo de aprendizagem,

a ele cabe a atitude e o interesse no envolvimento em novas situações as quais poderão

garantir-lhe o sucesso das atividades diárias de trabalho e no desenvolvimento funcional. Esta

responsabilidade remete aos fundamentos da Andragogia proposta por Knowles (1980), ao

aprendiz cabe um processo de maturação no sentido de buscar a sua auto-direção, de buscar

aprendizagens e atitudes que propiciem, além do seu próprio desenvolvimento, também o

crescimento de seus companheiros de trabalho. A prontidão para a aprendizagem também é

uma característica apontada pelo autor como fundamental para que os progressos dentro da

função sejam atingidos, pois, conforme visto nos depoimentos inseridos nesta seção, a

informação não chega aos indivíduos sem que eles a procurem, sem que eles se nutram do

desejo pela aprendizagem e conseqüentemente pelo crescimento na organização.

As relações descritas nas falas utilizadas nesta seção também apontam para as

características que Knowles (1980) descreve como sendo cruciais para que as aprendizagens

possam ocorrer. Para ele o auto-conceito do indivíduo segue um movimento que vai de uma

personalidade dependente para uma auto-direção e auto-desenvolvimento, de um acúmulo de

experiências como um importante recurso para as aprendizagens futuras. Também a prontidão

orientada fundamentalmente por meio das atividades e tarefas desempenhadas em seus papéis

sociais e a uma atitude que visa à aplicabilidade dos conceitos aprendidos. Estas

características estão presentes e permeam as falas dos participantes em suas constantes

preocupações com o comportar-se de forma proativa, em buscar na colaboração e na troca a

informação necessária para o seu aprendizado, na prontidão, na curiosidade, na paciência, na

leitura do ambiente e no foco constante no aperfeiçoamento de suas atividades.

A importância e centralidade do papel da experiência também são constantes nas falas

dos participantes. O valor das experiências vividas e a maneira como os indivíduos acessam e

transformam as informações acumuladas ao longo de suas aprendizagens remetem ao ciclo de

Page 123: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

122

aprendizagem experiencial proposto por Kolb (1984), pois o concreto, vivido é transformado

em reflexões e conceitos, os quais serão experimentados e re-experimentados e novas

experiências concretas e em novos desenvolvimentos.

Também, a partir da análise dos relatos, é possível perceber que os conhecimentos e o

saber são compartilhados por meio dos fatos, das regras e dos procedimentos que são

adotados e aplicados no dia-a-dia da atividade fabril. Os profissionais mais experientes

comunicam e demonstram a aplicação das regras e dos procedimentos em suas atividades de

trabalho aos seus aprendizes, o que caracteriza a definição de treinamento técnico adotada por

Schön (2007). Contudo a capacitação dos operários não se restringe ao treinamento técnico,

quando o mais experiente solicita ao aprendiz que execute as tarefas ensinadas, seu pedido

tem relação com a oportunidade de demonstrar as aprendizagens acumuladas, ele está dando a

oportunidade de que seu “pupilo” passe a pensar como um operador experiente, que acesse

todas as informações e experiências anteriores e demonstre seu desenvolvimento, suas

aprendizagens. O operador mais experiente está possibilitando ao aprendiz aquilo que Schön

(2007) denomina como a capacidade de “pensar como um...”.

O “pensar como um...” operador surge nos momentos nos quais os operários são

expostos a situações práticas, em momentos quando seus conhecimentos e experiências

acumuladas precisam ser acessados para que o trabalho seja realizado.

5.4.4.2 O papel exercido pelos profissionais experientes

O papel exercido na formação de novos trabalhadores é dividido entre as estratégias

adotadas pela empresa e pelos operadores mais experientes. A empresa se responsabiliza pela

oferta de treinamentos teóricos obrigatórios para todos os operários dos setores produtivos e

pela habilitação de operadores experientes para o treinamento prático em serviço. Os novos

operários, quando de sua entrada na organização, passam por um período de treinamento

intensivo com um operador que é responsável pela formação no posto de trabalho.

O participante OPT2-2 falando de suas estratégias adotadas para ensinar os novos

trabalhadores, fala da importância em identificar aspectos ligados à história profissional do

aprendiz para verificar suas potencialidades para a aprendizagem:

Page 124: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

123

Primeiro eu, primeiro eu fazia um tipo do perfil da pessoa. Eu começava a fazer uma entrevista com ele: “-Ah, você trabalhava aonde?” Que é coisa que nem me competia. Mas tá trabalhando comigo ali também. Quando a máquina tá rodando tudo e eu tava passando o serviço com ele, então já começava a perguntar: “-Você trabalhou aonde?”. “-Saiu por quê? Não sei o que.” Pra ver se a pessoa é um pouco, um pouco igual a eu, porque dois pólos não se, diz que se repelem. Mas não, eu ao contrário, eu quando via uma pessoa que era mais ou menos assim, parecida comigo assim, o jeito. Quando era pessoa é tipo assim, tranqüila, muito sossegada, tem coisas que não combina. No setor é assim, você tem que, é como diz, você não pode parar. Se você parar não existe, tem que seguir em frente.

OPT2-2 também fala da importância da verificação do perfil e da possível maneira

como o aprendiz se comportará durante o processo para verificar a sua capacidade em

antecipar as possíveis situações emergentes durante a produção:

Então ali no setor é assim, tem que pensar rápido, fazer rápido e, assim o negócio vai fluir. Então uma pessoa muito sossegada, muito tranqüila, enquanto você tá pensando o que vai fazer, o negócio já tá acontecendo, entendeu?

Que você só pensa: “-Pô, acho que o rolo vai parar.” Quando você olha, o rolo já parou faz tempo. Então antes de eu olhar, antes da hora, você olha ali, olha pro número lá, pra metragem que tá lá, pra você ter certeza que vai demorar: “-Eu acho que vai.”. Então começava assim, eu fazia uma, uma conversinha com eles, procurava, entendeu, eu falava: “-Você tá chegando agora, o meu ritmo de trabalho é assim.” Eu sempre falava coisas boas pra ele. Eu não tenho muito, tudo que eu sei lá, não é que eu não gostei, que eu não passei, eu gostaria que ele não passasse.

Na fala de OPT2-2 é possível perceber que há uma preocupação em primeiro entender

e identificar aspectos comportamentais do novo operário, da maneira como ele encarará as

situações no dia-a-dia, se é capaz de prever situações futuras e se acompanhará seu ritmo de

trabalho. Também a questão levantada por OPT2-2 no sentido de verificar “se os pólos não se

repelirão” demonstra uma preocupação em levar em conta também os aspectos ligados ao

relacionamento que se estabelecerá durante os momentos de aprendizagem e a necessidade do

detectar se o aprendiz será capaz de acompanhar o ritmo de aprendizagem adotado ao longo

do processo.

Falando das estratégias de ensino, OPT2-2 nos conta os passos adotados por ele para a

formação de novos trabalhadores:

Então, aí começava, eu falava, eu quero ver até onde a pessoa conseguia fazer sozinho. Então eu comecei a traçar um sistema pra mim, eu falava assim: “-Bom, primeiro eu vou pegar ele passo a passo. Vou começar explicar documento, quando a máquina tiver rodando, aí a máquina tá tudo produzindo, tudo certinho.”. Tudo que eu fazia, eu falava pra ele porque que eu tava fazendo. Não é porque é por gostar ou por achar bonito e sim porque precisa fazer, porque eu falava pra ele: “-Tá escrito.” Ou é necessário fazer. Tem que abastecer a máquina, tinta, verniz, etc. e tal, verificar material. Isso aí é uma coisa... Então eu falava pra ele: “-Você tem, tem

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124

que ter um diário de bordo.” É o que eu falava pra ele: “-Tem que ter um diário de bordo, pra você saber o que você tá fazendo, senão daqui a pouco você se perde.”

Você tem que saber que você tá no meio da máquina aqui, você tem que saber que você tem que ir pro bobinador e não ir pra trás, porque se você precisa ir pro lado do bobinador [trecho inaudível], não adianta você olhar o material agora, entendeu? Então tem coisas que você tem que ver o que é prioridade: “-Ó, a luz acendeu, o rolo já tá dez metros pra dar os 15 metros pra, pra apagar. E então não adianta você ir lá ver material, então você, então tudo na seqüência. Você sai daqui vai lá, vê tudo que você tem que ver, volta, então tudo nas coordenada, no tempo certo.”

É evidente a preocupação do operador em ensinar questões relacionadas aos passos

que devem ser adotados, as seqüências que devem ser seguidas na fabricação, na verificação

do material, no estabelecimento de prioridades e na adoção de estratégias que possibilitem

que o trabalho seja realizado de maneira fluída e eficiente.

O trabalhador mais experiente também exerce o papel de aconselhar os novos em

relação a que tipo de posturas devem ser adotadas no ambiente produtivo e a conscientizar

que parte da responsabilidade pela aprendizagem também cabe ao aprendiz na sua maneira de

se aproximar das diversas situações do dia-a-dia. Sobre esta responsabilidade e sobre a

detecção do ambiente, OPT2-2 nos conta que:

[...] na produção, se o cara encostou uma vez num lugar, num tem como você encostar, tem tanta coisa pra você fazer. Aqui, no caso se vem trabalhar comigo, eu falo uma vez pra pessoa: “-Olha, uma coisa que eu vou falar assim, eu acho que não deu tempo de você encostar, mas até a gente que já tem um tempinho aqui, eu não costumo encostar, tem tanta coisinha pra gente realizar. No caso da gente se encostar, é impossível, quer dizer que o negócio tá 100%. Então 100% nunca tá, tudo administrado. Então quando a gente encostar, aí alguém pode ver e vir aqui.

Só não comento a organização porque não tem como você organizar tudo no, o X no X, o Y no Y. Aí chega alguém e pega alguma coisa, já vai te repreender.

Sobre a organização e controle no local de trabalho, OPT2-2 nos conta que:

Eu tava falando desse jeito, pra mim não chegar dando uma pressão assim, imediata, que eu tava falando aquilo lá porque eu gosto de estar falando por eu próprio, já colocava a situação assim, ó: “-Ó, começa pela organização, ó. É assim, ó, um balde destampado, uma coisa ou outra. Então, então é bom a gente estar sempre andando na linha, andando, olhando aqui e tal. Tá escrito, que a gente de hora em hora tem que olhar. Que ninguém tá controlando, ás vezes deu uma hora você olhou, daqui outra ele tá olhando. Então isso é impossível, eles têm outras coisa pra fazer, eu acho impossível se ele vai ficar olhando uma hora pra ver se você vai olhar.” Isso é coisa que não combina. Então eu falava pra ele: “-Olha, anda na linha, olha aqui, entendeu? Se tá tudo controladinho, então faz isso, pra você é bom.”

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125

OPT2-2 também aconselha aos novos a buscar as informações necessárias para a

realização do trabalho:

[...] se ele tá lendo, como eu falo assim: “Ó, o tempinho que tiver, se tá tudo certinho ali, abre o documento e começa a ler.” Eu, tem coisas que eu não falava pra ele. Eu falava assim: “-Alguma coisa que eu fazer, que eu não te mostrar, você fala porque que eu tô fazendo, que eu te mostro.” Tinha uns, aí era a hora que eu pegava ela, tinha uns que falava e outro não. Então aquele cara que: “-Ô OPT2-2 me mostra aí, como é que você fez isso aí mesmo?” Aí eu falava: “-É, tá interessado e tá observando tudo que eu falei.” Aí eu ia mostrar pra ele.

O interesse do aprendiz em relação aos processos e atividades realizadas pelo operador

experiente é um importante determinante do sucesso de sua aprendizagem. Como descrito nos

trechos subtraídos da fala de OPT2-2. Além de detectar a vontade e o desejo do aprendiz em

conhecer os processos, ele também se motiva a continuar ensinando e investindo na formação

do novo trabalhador, quando este se mostra interessado no processo.

O participante OPT2-1 também compartilha suas estratégias de ensino:

Quando eu tava PD1, eu tava sempre treinando o pessoal quando tava entrando, aí ficava lá comigo, quando eu tava na máquina. Então o MESTRE levava lá e falava assim: “-Ó, vai trabalhar com você.” Apresentava e aí: “-Explica tudo pra ele aí.” E aí quando eu tava nessa função aí, eu passava o máximo pro moleque, pra quem esteja lá. Eu passava, falava assim: “-Ô, meu. Se você quiser aprender, você pergunta, mano. Tudo que eu puder responder pra você, eu vou responder, mano. Agora, o que eu não conseguir responder, o meu superior responde pra você, cara. Você não pode é ficar com dúvida.” Sair daqui, chega na sua casa e falar: “-Como é que o cara fez aquilo lá e eu não consegui pegar?” Ou que: “-Eu queria que ele fizesse daquele jeito e ele não fez.”, “-Então tudo que você tiver dúvida você pergunta. Pergunta, porque se eu não puder resolver, o superior responde. Ele tem que resolver, senão ele tem que buscar a informação pra você.”.

Também na fala de OPT2-1 é possível perceber que o interesse do aprendiz no

processo de formação exerce um papel fundamental. Para ele o perguntar e o buscar respostas

com os mais experientes é de extrema importância para o desenvolvimento tanto do operador

que ensina quanto do aprendiz. Segundo ele, as dúvidas devem ser sempre esclarecidas e o

erro deve servir de estratégia para “trabalhar em cima” em conjunto para a descoberta de

saídas. É claramente perceptível na fala de OPT1-2 a disposição de estar aberto para resolver

os problemas e a adoção de uma posição de buscar respostas para perguntas não respondidas,

pois parece considerar esta atitude fundamental para o crescimento tanto do aprendiz quanto

do próprio profissional que está ensinando. Outro ponto de igual importância é o de que a

postura adotada por OPT1-2 revela a humildade de “saber que não se sabe tudo” e que em

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126

situações nas quais ele não tem uma resposta, a postura adotada é aquela de buscar com os

demais uma possível solução para o problema enfrentado.

Também aos operadores menos experientes cabe o papel de ensinar os novos operários

no processo de aprendizagem da atividade profissional. Em suas falas é possível perceber que

a postura adotada é sempre voltada para ensinar tudo o que aprenderam, mostrando os passos

que devem ser seguidos, as melhores estratégias que devem ser adotadas e inclusive dando

dicas comportamentais.

O participante OP-1 falando de suas estratégias de ensino conta que:

Eu procuro passar as informação, a experiência que eu tenho, passar pra aquelas pessoas que tão entrando agora, as pessoas que têm menos informação que eu aí dentro. Eu, pela experiência que eu tenho, que se tiver comigo, se tiver no meu alcance, sempre da melhor, do jeito que eu aprendi, eu procuro passa pras pessoa.

Para o participante OP-2 é importante mostrar o que deve ser feito e também o que não

deve ser feito. Segundo ele:

É o primeiro dia que eu estou com ele. Primeiramente eu chego pra ele, mostro o LFZ, que a gente tá fazendo tudo o que tem que fazer. Vou explicando pra ele o que tem que fazer e o que não tem que fazer. Vou mostrar a situação de tinta, a extrusora pra ele, como se pega o material, vou ensinar como embala o rolo direitinho. Vou ensinar como põe etiqueta direitinho, como pega a tinta direitinho, como pega a... Coisa de textura.

Eu, eu gosto que a pessoa entenda tudo, sabe? Eu, eu falo pra ele ainda: “-Se você tiver dúvida em alguma coisa, chega pra mim e pergunta.” [...] “-Agora, é com você. Você entendeu?” Eu pergunto, pergunto duas vezes: “-Você entendeu?” Falou: “-Entendi.” Tá bom. Amanhã eu chego pra ele e vou perguntar de novo se ele entendeu. Depois eu peço pra ele me explicar.

É possível notar na fala de OP-2 que a verificação da aprendizagem e a certeza de que

as instruções foram compreendidas, exerce um importante papel no processo de ensino da

atividade. Ele conta ainda que:

Depois, eu vou ensinar ele a operar a máquina? Eu já ensinei tudo que ele ia fazer lá no [palavra inaudível]. Eu vou ensinar do jeito que eu sei. Vou mostrar para ele direitinho como se puxa a fita pra ajustar a cor, a medida, a espessura, o que precisa, ver as temperaturas direitinho. É, temperatura, iluminador, metragem, tudo. Eu passo pro cara, eu vou passar pra ele. Aí com o esforço dele, se ele tiver... Se eu não souber explicar uma coisa pra ele, eu falo pra ele: “-Chega pro encarregado, pra alguém mais alto que eu e pergunta, porque eu vou ter curiosidade também de saber.” (OP-2)

O esforço demonstrado pelo aprendiz também aparece na fala do participante OP-2

como sendo um importante fato positivo no processo de aprendizagem. Novamente aparece a

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127

questão da humildade de reconhecer que não se sabe tudo e que “aprender junto” é

fundamental para ambas as partes envolvidas no processo de aprendizagem.

Para o participante OP-3 o esforço, o interesse e a atitude demonstrada pelo aprendiz

exercem um papel fundamental. Ele conta que:

A partir do momento que uma pessoa te pergunta muita coisa ela mostra interesse, eu sou assim, quando eu vejo que a pessoa merece, eu ajudo. Então esse rapaz que trabalhou comigo, ele perguntava muita coisa, ele era até meio que chato, o cara tipo assim, até onde eu ia, até no banheiro o cara ia atrás de mim. Aí eu falava: “-Pra onde eu vou, ele vai atrás de mim.”

E ele era interessado mesmo, aí eu comecei a também a dedicar, passar muita coisa pra ele. Deixava ele lá na máquina sozinho, passava serviço pra ele, falava pra ele: “-O negócio é esse aqui. Se vira.” Aí, a hora que eu pegava o meu pedido, eu falava: “-Eu quero isso aqui, ó. Você tem que pegar essas peças aqui, trazer esses tipos de peça, esse tipo ferramenta. Toma, está na sua mão, se vira, vai lá buscar.” Aí eu vi que ele era interessado, aí eu ensino assim, se a pessoa também se ajudar. Mas uma pessoa fechada pra conversa, pra a gente poder passar pra máquina, não, aí não tem como você... Eu não posso chegar lá e falar pro cara, sempre empurrando, empurrando, empurrando, tem que fazer por si também.

A demonstração de interesse e a vontade do aprendiz é também um fator que motiva o

operador mais experiente a se empenhar cada vez mais para ensinar tudo o que sabe.

Para o participante OP-4 todos ensinam:

É, todo mundo aí ensina. O legal daqui é isso, você entra e todo mundo ensina. Então é o que você sabe, se a pessoa tá com você na máquina ali, você acaba ensinando porque a pessoa trabalha com você. Se você não ensinar, como é que a pessoa vai trabalhar. Então vai gerar perda de tempo. Então é mais fácil você ensinar, entendeu? Pra não ter problema. E uma que acho que a empresa quer isso, entendeu? Que você ensina a pessoa que entra, o que você sabe.

Se e não sei algo aí eu, eu vou ter que ir chamar o superior, a pessoa que sabe, que vai passar pra ela. É geralmente a gente chama logo a pessoa certa. Não que outra pessoa não seja, mas se você tem aquela pessoa que é o encarregado, só tem um encarregado por turno, você vai ter que, ir chamar ele ou falar pra pessoa chegar nele e tirar a dúvida, [...]

Compartilhar o que sabe é fundamental, segundo OP-4, também para evitar problemas

de produção e para obter mais ajuda do novo operário.

Segundo OPT1-1, é importante mostrar todo o funcionamento da máquina, primeiro

verbalmente e depois deixar com que o aprendiz pratique:

A gente mostra a máquina, o equipamento todinho pra ele, como que funciona, no começo só verbalmente, falando, entendeu? Aí começa a deixar ele mais um pouquinho na prática, junto comigo, até ele começar a embalar um produto nosso. E vai mais pelo tempo deles. É primeiro necessário falar sobre a qualidade pra ele... Todos os testes que ele tem que fazer antes de estar embalando, mandando pro cliente. Se ele não souber mexer com o equipamento, a gente vai lá e ensina, certo?

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128

A manusear um paquímetro, entendeu? Organização do nosso setor e aí vai do dia-a-dia dele.

Para o participante OPT1-3 ensinar da mesma forma como foi ensinado e despertar o

interesse no aprendiz em saber cada dia mais é um importante fator para a aprendizagem.

Segundo ele:

Então, que nem no caso, hoje em dia eu faço o que eu aprendi no passado, quando eu era ajudante, tenho conhecimento nas máquina. E o que eu aprendi até hoje é em mérito a isso, procurar saber cada dia mais, tirar dúvida, me informar também. De repente o rapaz tem dúvida [...]

[...] Então, de repente o rapaz tem que demonstrar interesse também... Chega um rapaz assim, corpo mole, você explica com aquela vontade, mas quando você vê que o rapaz não tá nem aí, você tenta incentivar o rapaz, tipo: “-Ô, não é assim. É assim e tal. O que você tá aprendendo hoje eu, eu tenho o conhecimento, entendeu? Então é por isso que eu tô passando pra você.” É assim que funciona o serviço... Aonde você tá é o que você já passou, o que ele tá começando aprender. E hoje em dia eu me sinto assim, eu faço o meu serviço, o que eu aprendi.

Incentivar o aprendiz a despertar seu interesse nas atividades diárias também é um

fator muito importante para o participante OPT1-3.

É possível perceber nas falas dos participantes mais experientes que eles buscam

estratégias que possibilitem a aprendizagem dos operários novatos. Para eles ensinar o que

sabem sobre os processos e sobre as atitudes que devem ser adotadas no ambiente fabril

representa uma maneira de ajudar aos novos em seus desenvolvimentos. As atitudes incluem

inclusive dicas e formas de comportamentos perante os demais profissionais e os chefes. Para

os profissionais experientes a disposição demonstrada pelos aprendizes é um fator

determinante para que eles se motivem a continuar ensinando e se dedicando para contribuir

com as aprendizagens.

5.4.4.3 O papel dos mestres

Os chefes de turnos e o mestre de extrusão descrevem a importância de seu papel nos

processos de aprendizagem dos novos operários.

O participante CHEFT1 conta que:

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Ah, o meu papel é, pro pessoal que tá entrando novo aí é um papel importante, porque é uma referência que eles têm. Foi que nem eu, quando eu entrei aqui na [Empresa]. Eu pra tentar melhorar aí, eu tive que me espelhar aí no [CHEFT2], no “Fulano”, no “Beltrano”, no [MESTRE ]. Então a gente tem que se espelhar numa pessoa pra alcançar o que a gente quer. Porque, vamos supor, aquela pessoa tem mais tempo de casa, tem mais conhecimento, então tem que chegar no nível daquela pessoa. Eu penso assim, que esses ajudante que tão entrando agora, eles têm que ter esse pensamento, de se espelhar em alguém que tem mais prática, mais conhecimento.

O apoio e a disponibilidade para ajudar quando necessário é apontado por CHEFT1

como um importante fator para que os aprendizes sintam-se mais seguros durante os

processos de aprendizagem:

Então eu sempre tô do lado aí, quando o pessoal entra o primeiro dia, eu já falo: “-Ó, você vai ficar aqui com o operador. O operador vai te explicar o serviço pra você. Mas se você tiver qualquer dúvida na máquina aí, você pode vir me perguntar. A gente tem os outros operadores, o PD1 e o PD2, que é o “Fulano” e o “Beltrano.”

Que é uma forma de deixar as pessoas mais tranqüilas, tirar um pouco o medo deles. Então eu acho que a minha função é importante, é um meio de deixar as pessoas mais segura, sem ela ter medo de ficar na máquina.

O participante CHEFT2 fala também sobre a importância do respeito mútuo que deve

ser estabelecido no ambiente fabril:

Então eu acho que é muito importante, nós encarregado, primeiro, respeitar eles pra que nós seja respeitado. Não pode ter... Uma coisa que jamais eu cheguei não, não gosto que ninguém faça comigo e não faço com ninguém, já vi alguém fazer, um encarregado que na época chegar e falar: “-Pô, mas você é burro. Você é burro.” Isso eu acho que não deve fazer com ninguém, não é meu... Jamais eu ia fazer isso com ninguém, porque eu não gosto que faça comigo. Então aquilo que eu não quero pra mim, não quero pros outro. É dever nosso orientar.

Para o participante CHEFT2, seu papel deve ser daquele de um pai que procura

ensinar aos filhos o caminho a seguir:

Ah, eu acho que o meu papel deve ser, tem que ser muito importante. Que o filho segue o caminho dos pais. Então eu acho que o encarregado da empresa tem que demonstrar que os funcionários têm que seguir mais ou menos o que ele quer. E eu acho que tem muita importância a nossa participação nesse pessoal.

Falando de suas estratégias adotadas para possibilitar a aprendizagem dos novos

operadores, CHEFT2 conta que:

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Cada um tem um jeito. Eu pego a pessoa sempre, quando chega uma pessoa eu sempre procuro pôr uma pessoa que sabe trabalhar já. Um cara que é operador PD1, PD2, eu sempre procuro deixar ele mais pro lado daquela pessoa. E eu fico meio que observando a reação do cara, às vezes você vê o cara, fala “- Opa, Esse cara, merece você investir, investir no cara”.

CHEFT2 falando sobre o processo de integração dos novos operários no ambiente

compartilha que:

Então eu penso assim, eu deixo meio que o cara, a primeira semana eu deixo ele com o operador, lógico, sempre eu deixo ele com uma pessoa. Não vou chegar nele e: “-Ah, fica com esse ajudante aqui, que não sabe fazer nada também.” Isso eu acho injusto. Eu vejo pela reação dele. Quando eu vejo que o cara: “-Não, o cara é esforçado. Eu vejo, o cara tá sempre se mexendo, o cara tá sempre querendo fazer alguma coisa.” Aí eu falo: “-Não. Agora eu vou por ele, meio que forçar mais ele pra ver a reação.”. Mas quando eu vejo que o cara não quer, mesmo assim quando ele, eu vejo que ele... Eu troco, eu ponho: “-Então, vamos pra lá?” Porque às vezes aquela pessoa que eu pus, ele não tá passando aquilo que devia estar passando pra ele. Eu falo... Entrou, eu falo assim: “-Ó, o cara vai te ensinar a fazer isso, é, ele vai ficar mais você e explica pra ele o que tem que fazer na máquina”. O cara tá, quando eu vejo que o cara num tá fazendo, eu cobro dele, falo: “-Ó, meu, você tem que passar mais coisa pro cara. Você tem que.” Às vezes os cara chega e fala: “-Meu,o cara não quer nada.” Aí eu tiro ele e ponho com outra pessoa. Pra ter uma outra opinião. Na realidade é eles que sabem mais do que eu, eu não fico na máquina, junto com eles direto, eu não posso ficar direto.

É interessante notar que aos aprendizes, quando estes enfrentam problemas durante o

processo de aprendizagem, é dada a oportunidade de demonstrar que os problemas podem

estar relacionados às estratégias de ensino adotadas pelos profissionais experientes e não

ligadas a uma possível dificuldade de aprendizagem a eles atribuída. Na fala de CHETF2 é

possível perceber que novas oportunidades são oferecidas e que a opinião de outros

operadores experientes é levada em consideração quando do momento da decisão da

continuidade ou não do aprendiz na atividade. O fracasso na situação de aprendizagem não é

atribuído inicialmente ao aprendiz, ele é vinculado muito mais às estratégias adotadas pelos

mais experientes. Ao aprendiz é dada uma nova chance de mostrar que está disposto a se

dedicar e a aprender as atividades.

As experiências acumuladas ao longo do processo de desenvolvimento até o nível de

chefe de turno instrumentalizou o participante CHEFT2 a desenvolver uma visão capaz de

perceber a partir da atitude dos aprendizes quais estão interessados em aprender e desenvolver

e quais não estão. Sobre isso ele conta que:

Mas tem cara que você vê lá que chega a pessoa e você já vê que num, num merece nem a sua atenção, [trecho inaudível] você perder tempo pra, pra falar pra aquele cara “- Não. Você tem que melhorar isso.” Porque tem cara que você vê que não

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quer. Porque é assim, não depende de mim, depende da pessoa que tá entrando. É o que eu falo sempre pra ele: “-Meu, aqui não depende de mim pra eu te aprovar, não depende do [MESTRE ], não depende da diretoria. O que depende aqui é de você. Daqui três meses eu não quero que você saiba tudo, você nem precisa saber ajustar uma máquina nem nada. Não precisa você saber fazer nada. O que eu quero que você me mostre é que você tem vontade de aprender, se você tem vontade de aprender é porque você vai conseguir.” Então eu deixo meio que, a primeira semana eu deixo o cara meio que junto com aquela pessoa, sem eu estar no pé dele. Quando eu vejo que ele “-Opa, o cara tem vontade.” Aí eu falo “-Opa, [palavra inaudível].” Aí eu vou pegar o cara e falar assim: “-Meu, é o seguinte, é isso, é isso, é isso, é isso. Você tem que fazer rigorosamente isso aqui, ó.”

O participante CHEFT2, falando das atitudes e comportamentos dos aprendizes, conta

suas estratégias de observação e acompanhamento dos aprendizes. Ele revela uma maneira de

avaliar a partir das posturas, inclusive corporais, adotadas pelos aprendizes, sobre isso ele

conta que:

Porque você vê na cara, quem vê cara não vê coração, mas você vê no movimento do cara se ele tem vontade ou não. Ah, porque tem cara lá que quando vem de sábado, o cara tá lá perto da máquina de braço cruzado assim, olhando. Porque eu era assim, eu nunca fui de precisar do encarregado estar no meu pé pra mim estar fazendo as coisas. Nunca, nunca precisei disso. Ou “-O gerente não tá aqui agora eu vou ficar a vontade. Ah, o encarregado não tá aqui agora, eu vou sentar.” Nunca fui disso ai. E o cara ta lá com os braços cruzado perto da máquina, aí eu tô vindo só pra ver a reação dele e ele continua. Eu chego bato nas costas do cara e falo “-Da pra você me dar uma licença pelo menos pra mim passar aqui?” Ele “-Opa, opa.” O cara ta lá e duas semanas de firma. Você acha que um cara desse tem vontade?

Também o participante MESTRE fala de sua visão sobre a sua importância nos

processo de aprendizagem dos operários, segundo ele:

O meu papel é pegar o cara, passar toda informação que eu sei, o que eu aprendi eu tenho que tentar pôr na cabeça dele, ensinar ele. E dia-a-dia ir melhorando essa pessoa. Eu não posso chegar, pegar um cara novo aqui, chegar lá na extrusão e falar: “-Ó, embala isso aqui. É assim que você embala, você passa [palavra inaudível] passa aqui e tchau.” Não é assim. Eu tenho que chegar lá, passar um pouco de informação pra ele hoje, ensinar ele um pouco, explicar pra ele e pegar o operador que tá com ele e falar: “-E você vai ensinar ele.”, “-E você que trabalha aqui, que entrou aqui, você me pergunta também. Aonde você tem dúvida, você vai me procurar a dúvida também, que eu vou tentar tirar a dúvida. Se eu não souber onde, como tirar a sua dúvida, eu vou procurar uma pessoa que tenha mais experiência e nós vamos tentar tirar essa dúvida.”

Sobre o dia-a-dia e a integração do aprendiz, o participante MESTRE, conta que:

E a gente tem que ir informando o cara dia-a-dia. Não adianta eu chegar lá na produção, pegar um ajudante agora, eu tenho uma pasta dessa altura lá, que fala de tudo quanto é processo. Se eu pegar aquele livro lá e abrir pra ele e começar a ler tudo pra ele, se eu chegar à tarde e perguntar pra ele, ele vai lembrar poucas coisas, entendeu? Então no dia-a-dia ele tem que estar aprendendo. Entendeu? E é onde eu tenho que ter a minha paciência e a minha calma de ensinar ele. Se eu ensinei hoje e

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amanhã chegar e perguntar a mesma coisa pra mim, eu tenho que tentar explicar de novo, até entrar na cabeça dele. Não adianta eu chegar lá amanhã e ele me falar: “-Ah, [MESTRE ], eu fiquei um pouco em dúvida aqui com o que você me falou.” Aí eu já pegar e xingar ele: “-Ah, eu expliquei isso pra você e você vem perguntar a mesma coisa pra mim.”

Novamente a paciência, a calma e a compreensão de que os processos de produção são

permeados por atividades complexas aparecem como importantes elementos que devem estar

sempre presentes nos processos de desenvolvimentos dos operários.

O participante MESTRE compartilha também a sua visão em relação às posturas

adotadas pelos operários no processo de aprendizagem de novas atividades dentro do

ambiente fabril:

Eu acho que pra pessoa também a pessoa tem que ser muito curiosa e mexer bastante, viu, Sérgio? Porque se a pessoa, porque tem, hoje às vezes eu até falo com o pessoal, na reunião que eu faço com eles às vezes eu falo com eles, que muitas vezes o cara tá com um problema na máquina e ele chama você lá, você vai lá tentar resolver o problema, a pessoa em vez de ficar junto com você, pra ver o que você faz, não, ele fala: “-Ah, o MESTRE chegou aqui, ele vai ajustar. Eu vou ali fumar um cigarro e tomar um café.”. Eu já falei várias vezes isso na reunião: “-Gente, quando vocês chamam o encarregado pra ajudar vocês ou eu, ou quem tá lá, o operador experiente, você tem que ficar do lado da pessoa. Vê o que ele tá fazendo pra da próxima vez você tentar fazer sozinho.” Porque se a gente não procurar tentar fazer, você nunca aprende nada.

Eu falo muito pro pessoal na reunião isso aí. E tem muitos cara que você encosta na máquina pra ajudar, ele sai fora. Pode ir lá na máquina dar uma olhada, se ele chamar o encarregado, você vai ver que o encarregado tá lá sozinho na máquina, na extrusora ajustando e o cara tá lá bobinadora.... Eu cansei de falar... Depois reclama que não chega a operador. Não faz o teste.

Pode-se perceber por meio das falas dos responsáveis operacionais e do mestre de

extrusão que o desenvolvimento dos novos operários é acompanhado muito de perto,

inclusive no sentido de verificar se os operadores mais experientes estão realmente ensinando

e facilitando os processos de aprendizagem dos mais novos. Também é possível verificar que

as aprendizagens seguem uma perspectiva muito próxima daquela que Elkjaer (2004)

denomina como sendo uma terceira via de aprendizagem dentro das organizações, pois as

experiências individuais são consideradas em conjunto com o pensamento investigativo e com

as reflexões, sendo que os indivíduos são considerados como um todo, incluindo suas

emoções e sua intuição. Estas constatações estão presentes nas reflexões dos profissionais

responsáveis pelos operários. É possível perceber suas preocupações com a maneira de

ensinar e com a consideração de que os indivíduos podem não se adaptar a maneira de ensino

de seus colegas ou até mesmo que em certas situações, o melhor é deixar que o aprendiz

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reflita, pois em muitos momentos de aprendizagem eles podem estar nervosos e em função

deste nervosismo acabam cometendo erros os quais em momentos de calma não cometeriam.

A constante preocupação com as aprendizagens dos ajudantes também remete a

questões apontadas por Knowles (1980) no que diz respeito ao estabelecimento de um clima

que favoreça a aprendizagem do adulto, o constante diagnóstico, o acompanhamento das

aprendizagens e a valorização das experiências dos indivíduos. Os operários entendem a

importância de seu trabalho e compreendem que seu envolvimento no dia-a-dia determina o

sucesso ou o fracasso nos processos de aprendizagem e de crescimento profissional.

O desenvolvimento profissional na empresa segue um fluxo de aprendizagem bem

marcado por meio da realização de acompanhamentos e avaliação da evolução dos

profissionais. Estes acompanhamentos e a consciência de que o papel exercido pelos

aprendizes têm fundamental importância para o desenvolvimento individual podem ser

constatados nas falas dos participantes, quando estes descrevem, a partir de sua percepção, os

fatores que acreditam contribuir para o seu crescimento.

O papel exercido tanto pela empresa quanto pelos operários mais experientes nos

processos de formação no trabalho estão ligados a, por parte da empresa a uma constante

inserção dos aprendizes em treinamentos oferecidos e por parte dos operários mais

experientes o compartilhar de suas experiências vividas, o incentivá-los a estarem sempre

alertas em relação às atividades desenvolvidas na produção, em estarem abertos a aprender, a

perguntar sempre quando tiverem dúvidas e a desenvolverem um postura de constante busca

pelo aperfeiçoamento.

Os treinamentos nas situações de trabalho descritos nas falas dos participantes tem

uma relação muito próxima com as questões ligadas ao que Schön (2007) descreve como

aquelas pertencentes ao conhecer-na-ação e ao treinamento técnico, pois o operador mais

experiente, responsável pelo treinamento, ensina a partir de seus conhecimentos práticos, o

que em certa medida tem uma relação muito estreita com o seu conhecimento tácito

(NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Além do conhecimento tácito, também são ensinadas as

regras e os procedimentos adotados na realização do trabalho.

A reflexão-na-ação (SCHÖN, 2007) também faz parte do processo de formação, pois

além do ensino da atividade diária, o operário mais experiente precisa também selecionar os

conhecimentos e as estratégias que serão ensinadas para os novos trabalhadores. Neste

momento de seleção da forma de ensino e das melhores estratégias, o operador precisa fazer

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uma distinção entre a sua forma de trabalhar, muitas vezes permeada por estratégias e

aproximações próprias de resolver problemas e as formas descritas nos manuais de operação

do maquinário. Esta seleção está relacionada às questões ligadas aos diversos “jeitinhos”

adotados pelos operários na realização do trabalho diário. Uma descrição detalhada dessas

estratégias será tratada mais detalhadamente no item 5.9.

Para Schön, a reflexão-na-ação está ligada à capacidade, tanto do profissional mais

experiente quanto do aprendiz, de compreender que é preciso ir além das regras explicitadas,

sendo que ambos necessitam extrapolar o conhecimento de novos métodos e visões por meio

da construção de novas categorias de compreensão, de estratégias de ação e da forma de

conceber problemas.

A partir do conhecer-na-ação os novos operários vão desenvolvendo suas reflexões e

na medida em que vão progredindo na realização do trabalho passam a desenvolver suas

próprias estratégias de aprendizagem e de desenvolvimento em função de uma constante

atividade de reflexão-na e para a ação (SCHÖN, 2007). Na medida em que o operário vai se

especializando em seu posto de trabalho, as atividades vão se transformando em rotinas

pertencentes ao campo do conhecimento tácito, baseado neste conhecimento o operário passa

a, antecipadamente, prever e solucionar problemas a partir de reflexões anteriores a prática,

passa a prever, a formular esquemas mentais que possibilitem a rápida resolução de

problemas emergente, passa a agir de forma preventiva e proativa.

Esta seção teve o objetivo de ilustrar o papel da empresa e dos operários experientes

no processo de formação dos aprendizes, a próxima seção tem o objetivo de explorar as

experiências formais e informais de treinamento e de aprendizagens.

5.4.5 A constatação das aprendizagens e do desenvolvimento, a partir das falas dos

aprendizes

Os participantes descrevem momentos vividos nas atividades fabris que, além de

terem sido muito significativos, são exemplos de situações nas quais eles se dão conta de que

realmente aprendem o que lhes é ensinado. A importância destas constatações é fundamental

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135

para que os aprendizes continuem motivados e engajados nos processos de desenvolvimento.

A seguir são trazidos depoimentos relativos a estes momentos vividos no ambiente fabril.

AJ-1 descreve uma situação na qual precisou lançar mão dos conhecimentos e

experiências acumulados para solucionar problemas emergentes:

Foi assim, foi num domingo, foi hora extra, tinha faltado quatro operadores que ia vir na hora extra e não veio, foi a primeira vez que eu acabei ficando sozinho numa máquina. Daí com o “ó” na mão assim, rezando assim, pra que a fita não quebrasse, porque: “-Meu, se quebrar a fita, como que eu vou puxar aqui?” Daí eu ainda tava com o “Fulano” ainda, a fita quebrou e o “Fulano” tava sozinho na outra máquina, ele falou assim: “-Meu, agora você se vira, faz o que você aprendeu.” E aí foi um dos dias assim, que eu acho que valeu a pena, porque você acabou botando em prática tudo que você aprendeu. Porque você aprende, você faz com alguém olhando, é diferente, ele, se você fizer alguma coisa errada, ele vai te corrigir. Agora, com ninguém olhando, é completamente... Complicado e diferente, porque você vai procurar fazer tudo aquilo que eles te passaram e você vai procurar fazer.

Vai ser: “-Eu tenho que olhar isso. Eu tenho que olhar aquilo.” Então aquele dia eu, eu vi que realmente as coisas que me passaram, eu aprendi: “-Ó. Eu botei em prática, eu consegui fazer, eu aprendi.” Então foi, foi naquele domingo mesmo que eu vi que, que teve resultado, daquilo que eles me ensinaram surtiu algum efeito, entrou na cabeça.

Segundo AJ-3, para aprender a “pessoa tem que ficar sozinha”:

Que é assim, pra pessoa aprender tem que ficar sozinho, fazer sozinho. Então eu não sou puxa-saco de ninguém, mas o encarregado que eu gosto muito é do [CHEFT1], que o [CHEFT1] fazia muito isso, principalmente quando eu tava na máquina. Quando era hora de fazer uma troca, de ajustar uma cor, ele pegava e falava pro operador ir almoçar ou tirar o horário de janta, pra mim ficar sozinho na máquina e fazer. É lógico que ele sempre olhando também.

Para o participante OP-3 é de fundamental importância sempre procurar observar e

aprender com os profissionais mais experientes. Muitas vezes, inclusive, realizando a tarefa

junto:

É então, hoje assim, eu já tenho um pouco de experiência, aí eu olho assim na empresa, eu sei quem trabalha bem e sei quem não trabalha, assim, trabalha bem, mas não trabalha... Eu sei quem é os melhores. Aí eu procuro estar sempre no calcanhar dos melhores. Que tem alguns caras que são bons mesmo, que eu sei que é bom mesmo. Que eu vejo que tem muito cara assim, que tem muita dificuldade até em puxar uma fita. E tem muito cara aqui que puxa com uma facilidade, tranqüilidade e dando risada. Então eu procuro sempre estar perto daquelas pessoas pra mim poder aprender também essa... O que ele faz também pra ter tanta facilidade, como é que ele consegue desenvolver rápido.

Então, aí eu vou lá, aí eu começo a fazer perguntas pra ele, como que funciona. Aí tipo, eu sei fazer o controle de uma fita, só que eu não sou auto-controlador, então eu não posso fazer o controle. Só que cada turno a gente tem um auto-controlador, que faz o controle de todas as máquinas. Igual o OPT2-1, ele vai nas máquina, ele faz o controle e sozinho, quando ele vai na minha máquina e se ele vai ver ferramenta, eu vou atrás dele, se ele vai fazer um teste, eu vou atrás dele. Então o

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que acontece? Eu, eu fico do lado dele o tempo todo ali, ele fazendo o controle e eu faço junto com ele o controle também, só que eu faço visual e acompanho ele, entendeu?

O estar bem informado e o fazer juntos descrito pelo participante OP-3, segundo ele, o

capacita para os momentos quando ele deve fazer a mesma atividade:

Eu quero estar bem informado, fazer as coisas direito, vamos supor, vem o operador, o auto-controlador, faz o controle, depois vai um operador fazer o controle, ele não vai fazer a mesma coisa que o cara fez. Se ele fez o teste da fita, ele já não faz, se o cara mediu, ele já não mede, ele vai se seguir no que o cara colocou na caixa, você entendeu? Então eu já procuro fazer também junto com o cara. Que quando ele sair, eu fazer o meu, aí como eu vi ele fazendo, eu já sei fazer também, aí eu pego as minhas coisas e vou fazendo conforme ele fez. Aí também já é um aprendizado, então já vou pegando experiência já junto com ele.

A experimentação e a persistência são apontadas por OPT1-3 como fundamental no

processo de desenvolvimento de conhecimento:

No começo assim, eu achava que não ia pegar o esquema do perfil mesmo, na área que eu tenho um conhecimento já bem, entendeu? Eu achava que era bicho de sete cabeça, mudava totalmente o processo, medidas e tal, controlar. Eu achava, eu tinha quase certeza que eu não ia estar onde eu tô hoje, entendeu? Com o conhecimento que eu tô tendo e tal, eu achava que eu não ia conseguir. Mas eu fui insistindo, persistindo, tirando dúvida, pedindo pro operador deixar eu sozinho na máquina, eu falava assim: “-Ó, deixa eu fazer isso. Se eu fazer errado, você me corrige na hora, pra eu pegar conhecimento.”

Foi através desses errinho assim, dessas coisinha assim, que eu fui pegando mais confiança, mais conhecimento na máquina e tal. E o conhecimento que eu tenho hoje em dia, eu sou grato a... Muita coisa, em termos, dessa forma, entendeu? Pedindo, mostrando interesse, eu falei: “-Não. Eu quero aprender, entendeu? Se eu tiver fazendo errado, você me corrige na hora, que eu quero aprender.”

O erro aparece na fala de OPT1-3 como um fator presente no processo de

aprendizagem que serve para que os profissionais mais experientes possam atuar de forma a

orientá-los na correção e na certificação de que o entendimento sobre os processos deve ser

garantido para que as produções sejam realizadas de acordo com os manuais e com os padrões

determinados pela empresa.

Na fala de OPT1-1 pode-se perceber o momento de passagem do “operador

inexperiente” para o operador de que pensa como um...:

Então assim, pra demonstrar o que eu aprendi, teve uma época que quando saiu o “Ciclano”. Ele trabalhava em uma máquina e eu em outra, ele que passou algumas coisas pra mim. Quando eu entrei o encarregado falou assim pra mim: “-Ó, meu. Você vai aprender com esse rapaz aí.”. “-Você vai trabalhar nessa linha aqui.”. Aí pensei: “-Tô aqui, Quero aprender.” Aí fiquei um mês, logo quando eu entrei fiquei um mês na Cap 1. Me jogaram lá um mês. Aí no segundo mês já falaram pra mim:

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“-Agora você vai trabalhar ali, ó, na Dekor ali.” Eu falei: “-Vixe, agora ferrou, hein. Mais complicada, agora ou vai ou racha.”Aí... Comecei a conversar com ele, um cara legal pra conversar e tudo, aí começou a ir passando tudo que ele sabia: “-Ô, meu. Tá acontecendo isso. Como é que faz?”, “-Ô, mexe lá, não sei o que, não sei o que.” Aí fui pegando. Aí depois ele com o tempo, passou um tempo ele saiu, aí eu falei: “-E agora? Agora que eu tinha o que eu aprendi eu tinha que desenrolar sozinho.” Aí fiquei lá na, fui lá pra dupla lá, na Cap 8. Eu falei: “-Meu, dupla Dekor agora. Uma já era difícil, agora duas. Aí com aquilo que eu consegui aprender, com uma fita, é basicamente a mesma coisa. Aí na hora ali, você vê é uma coisa, mas depois você começa a trabalhar, você: “-Não, não é tudo isso não, que não sei o que.” Foi que foi bem lá. Quando você olha, fala: “-Meu, uma já é difícil, duas, dessa largura. Isso aí deve ser complicado.” Aí os cara falou: “-Não, agora você vai lá. O cara saiu aí, eu vou pôr um outro cara aqui pra aprender aqui e ficar aqui do lado nessa máquina e você vai ficar lá.” E aí, mas não é nada disso não, o negócio é tranqüilo.

A partir da análise das falas inseridas nesta seção é possível compreender os processos

de aprendizagem dos operários a partir de seus pontos de vista. Suas falas estão

fundamentalmente embasadas na observação e no acúmulo de experiências vividas nas

práticas diárias e nas constantes trocas de informação que se estabelecem no ambiente fabril.

O erro aparece como uma importante fonte de aprendizagem.

Illeris (2004) descreve este tipo de aprendizagem como sendo aquela que acontece a

partir da relação entre o ambiente de aprendizagem estabelecido pela organização e os

processos de aprendizagem individual.

5.5 Experiências formais e informais de aprendizagem

A realização do trabalho diário dos operários dos setores produtivos é

fundamentalmente baseada em suas experiências de observação das rotinas de fabricação e da

realização de treinamentos formais ministrados por técnicos especializados nos processos

produtivos. A observação das rotinas de trabalho acontece a partir da vivência dos indivíduos

e das constantes trocas de informação e conhecimento que perpassam as relações

estabelecidas no ambiente fabril.

Antonello (2005, p. 2), a partir de um estudo da literatura sobre a aprendizagem no

local de trabalho traz, alguns insights importantes e características que definem o tipo de

aprendizagem estudada neste trabalho. Para ela:

Page 139: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

138

A aprendizagem no local de trabalho representa um conjunto de processos que acontecem dentro de contextos organizacionais específicos, que se focalizam na aquisição e assimilação de um grupo integrado de conhecimento, habilidades, valores e sentimentos e resultam em indivíduos e equipes que redirecionam e mudam fundamentalmente os seus comportamentos.

Estes processos apontados por Antonello (2005), na visão do autor deste trabalho,

estão fundamentalmente ligados às iniciativas de treinamentos formais oferecidas pela

empresa, pela integração e nas constantes interações que ocorrem no ambiente produtivo.

Estas últimas pertencentes ao campo da aprendizagem que ocorre de maneira informal a partir

do contato e das trocas de informação e conhecimentos implícitas nas relações diárias.

Segundo a autora existe, na literatura, um “(...) discurso sobre aprendizagem no local de

trabalho que realça o complexo e específico contexto de aprendizagem.” (2005, p. 2) o qual

busca traçar as distinções entre a questão da aprendizagem formal, informal e incidental. Para

ela:

Existe um debate sobre o que estes termos significam; porém, as definições usualmente aceitas são: aprendizagem formal geralmente recorre a atividades de aprendizagem intencionalmente construídas e que normalmente são consideradas pertencentes ao domínio de DRH; aprendizagem informal recorre a aprendizagem não planejada, não intencional ou interdependente que deriva da experiência. Aprendizagem incidental é considerada um subconjunto de aprendizagem informal e é descrita freqüentemente como aprendizagem derivada de processos de tentativa- erro (MARSICK; WATKINS, 2001).

Embora este trabalho não tenha como objetivo aprofundar a discussão sobre os

diferentes tipos de aprendizagem, as distinções de Antonello (2005) foram importantes no

estabelecimento da noção de experiência formais e informais no âmbito desta pesquisa. Neste

trabalho são consideradas experiências formais aprendizagens que ocorrem a partir dos

treinamentos oferecidos aos operários em situações específicas destinadas a este fim. As

experiências consideradas como informais são aquelas que ocorrem no dia-a-dia, nas trocas,

na observação e nas conversas diárias que ocorrem no ambiente e entre os operários.

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139

5.5.1 Experiências formais de treinamento

As experiências formais de treinamento e aprendizagem podem ser constatadas a partir

das falas dos participantes, pois, segundo eles, são realizados diversos treinamentos focados

na realização do trabalho.

O participante AJ-1 descreve a sua participação em diferentes tipos de treinamentos e

fala da importância que eles exercem no dia-a-dia:

Já, foi feito já com o “Beltrano” já, todos os treinamentos de ajuste, de medidas, de fita. Foi feito já.

Foi importante, que você acaba vendo algum problema que pode acontecer. Você acaba vendo assim: “-Ó, essa fita vai acabar riscando.” Então você já evita que isso aconteça, você não espera que isso aconteça. Você acaba medindo ela, o abaulamento da fita você acaba vendo se realmente depois na hora da colagem vai dar certo. Então você aprende, eu aprendi bastante coisa com ele por isso. Então melhorar o abaulamento da fita, pra que na hora da cola ela não saia, como, o que você pode fazer, máximo que você pode, que pode deixar. Teve bastante resultado.

AJ-2 confirma a sua participação em treinamentos e fala sobre a existência de um

manual de instrução e procedimentos de produção:

Treinamento, fiz sim. Esse treinamento assim, no controle de qualidade. O pessoal do controle de qualidade, eles perguntava, às vezes chega lá com uma folha também, chega lá com lá 15, 20 questões pra você responder. Vão te perguntando e depois vão fazer na prática com você. Vão fazer, aí você responde todas essas questões, depois eles vão te perguntar o que é aquilo? Onde você achou aquilo? Como é que você tem certeza que aquilo tá certo? O que você vai olhar, pesquisar, pra saber se você tá fazendo certo ou não? Seria o nosso manual lá, o livro que eles falam, que ali tá todo o processo de extrusão, tem escrito ali, você vai pesquisar. Às vezes eles chega assim: “-Onde que eu vou encontrar isso aqui? Procura aqui pra mim.” Te dá a pasta lá, você vai, abre e mostra. Tive esse treinamento.

A importância da participação nos treinamentos representa para o participante AJ-3

uma maneira de aprender de forma teórica:

O treinamento serve pra você... Aprender numa forma teórica. Pra você aprender numa forma teórica o jeito certo de fazer. E se você não participar dos treinamentos, você nunca vai saber o jeito certo de fazer. Você pode chegar lá na máquina e eu, por exemplo, falar, ou outra pessoa, como que faz, só que se você não participar dos treinamentos, você não vai aprender qual é o jeito certo de se fazer.

OP-2 fala da importância dos treinamentos oferecidos:

Com certeza. Muito importantes. Porque são informações que a gente vai ter sobre o que vai mudar, sobre, por exemplo se tem reunião com o Sr. “Fulano”, com certeza.

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Se for com ele vai ter muitas coisas interessantes que ele vai passar pra gente. Se alguma coisa tá acontecendo, se não. Porque todas as vezes que tem isso aí, eu acho pra mim, que é interessante. Eu, graças a Deus nunca faltei em nenhum, porque eu acho que é um ponto positivo pra a empresa, entendeu? Pra gente.

Para o participante OPT1-2 os treinamentos formais ajudam, contudo, para ele

deveriam existir mais checagens práticas da aprendizagem ao final dos treinamentos. Ele

afirma que existem provas, contudo não para todos os tipos de treinamentos:

Não, eu acho que ajuda sim, acho que ajuda. Eu acho que alguns treinamentos, vamos supor, você dá o treinamento prático, teórico e tal. Depois eu acho que no fim, no término do treinamento teórico você tem que ter tipo uma avaliação, uma provinha. Fazer alguma coisa prática ali na hora. Vamos supor, no caso de máquina não tem como, você vai estar em uma sala, mas aí você vai ter que fazer depois. Mas, vamos supor, num preenchimento de um papel, alguma coisa assim, de documentos, carta de controle, essas coisas assim, você tem que ter uma prova mesmo, um teste. Se você entendeu, você vai ser avaliado. Porque se você errou ali, aí é a hora de você: “-Olha, eu errei aqui.” Então eu posso tirar a minha dúvida. Então já pergunto: “-Ó, eu errei aqui e tal. Como é que era o certo mesmo?” Eu acho assim. Alguns acontecem assim, mas outros não. Então eu acho que deveria ser sempre assim.

De acordo com o participante OPT2-2, os treinamentos ajudam na medida em que

tudo o que é necessário ser feito nas atividades diárias de produção está documentado. Desta

forma a participação em situações formais ajuda o operador a saber onde encontrar as

informações necessárias para a realização de seu trabalho:

Ajuda, porque ali tem as informações necessárias do que você... Se você conseguir colocar tudo que tá escrito lá, 90% que eu falo, você é um operador, um bom operador, 100% que é difícil, 98% excelente operador, porque tudo que tá escrito é fundamental. Isso aí já, nisso os alemão capricha e é verdade, porque ali tudo o que é necessário tá escrito. Tudo, é 100%, tudo que tá escrito, tá feito, tá escrito. Nem sempre se consegue colocar tudo que tá escrito no produto. Mas que tá escrito, tá. Tudo que você tá fazendo tá escrito, se tá escrito você faz.

O participante CHEFT2 falando sobre a questão de treinamentos sobre documentação:

Sempre teve, sempre, desde quando eu entrei sempre a gente passou por treinamento. É aquilo que até hoje eles faz. Os treinamentos que mais que tem é sobre documentação. Quando tem os treinamentos mais é a respeito de documento, por exemplo, um desenho, uma instrução, quando muda uma instrução, quando você tem o que você tem que fazer pra entender aquele documento porque é meio que por código. Então, sempre fizeram isso. Na minha época não era diferente. Eles sempre tavam ensinando quando você tinha dúvida. Hoje, teoricamente, os desenhos são bem mais fácil de você entender. O que é um desenho, quando você vai ler é universal pra fita. Então ele tem lá quatro letra que ele serve pra todas fita.

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141

As aprendizagens formais acontecem fundamentalmente em momentos de

treinamentos e na realização de testes, sempre sob a supervisão de um profissional técnico

especializado no assunto a ser treinado. Contudo as aprendizagens também acontecem a partir

da interação diária entre os operários, nas conversas, nas observações, nos momentos de

dificuldades, nos erros. Exemplos de aprendizagens informais estão muito presentes no

ambiente produtivo, alguns deles podem ser constatados nos relatos encontrados na seqüência.

5.5.2 Experiências informais de aprendizagem

As experiências informais de aprendizagem estão presentes no ambiente fabril a partir

de conversas, de trocas realizadas durante determinadas atividades nas quais os operadores

enfrentam dificuldades para por em prática as instruções recebidas durante treinamentos ou

instruções recebidas anteriormente.

O participante AJ-3 fala da troca de informação e de possíveis aprendizagens a partir

das conversas, por exemplo, no vestiário:

É, um exemplo é assim, quando você, principalmente na hora de ir embora, sempre acontece isso quando você tá fazendo alguma coisa errada e aí você entra no vestiário pra trocar de roupa e entra o outro falando: “-Ah, como você é burro. Você não sabe fazer aquilo lá. É tão fácil.”. Sempre acontece isso, sempre que você tá saindo assim que, que você fez alguma coisa de errado, sempre os cara entra e fala: “-Ah, se fosse eu dava conta e tal.” Muitas das vezes eles tão tirando sarro, mas acabam também falando o que era pra você fazer e que depois você acaba fazendo também.

Para o participante OP-3 as conversas no “cafezinho” e nos intervalos se constituem

como uma importante fonte de informação e aprendizagem:

Assim o pessoal sempre comenta, igual, quando chegou essas máquinas novas, que são diferentes das que a gente já tem aqui, que são máquina a ar. Eu mesmo não sei trabalhar naquela máquina. Aí, eu tipo assim, hoje eu sei fazer alguma coisa, mas eu nunca cheguei perto dela. Mas aí, a gente sentado no banquinho lá fora ou então no cafezinho mesmo, aí eu comecei a perguntar: “-Como é que aquela máquina funciona?” Aí o cara falou assim: “-Não, é normal.” Começa a explicar pra você: “-É como se fosse as outras, só que ela é a ar, totalmente diferente assim e tal.” E tipo assim, só do cara me falar, a primeira vez que eu fui lá, já comecei a mexer nela, já comecei a pegar, a tipo, a mexer nas estação, a como puxar a fita ali, como que é o... Aí só do cara me falar pra mim algumas coisinhas, eu já cheguei mexendo e já fui aprendendo já. Você aprende muita coisa.

Page 143: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

142

O participante OP-3 também fala sobre as trocas de experiências que acontecem no

departamento:

Tem troca de experiência, tem muito aqui, aqui troca muito, hein. Tipo assim, as pessoas mais velha aqui na empresa são as que mais troca experiência com a gente. Igual no caso assim, eu nunca trabalhei no perfil. O perfil já é outra totalmente diferente do que a gente faz, da fita. Aí você vê, as pessoas mais velhas chegam pra gente, eu pergunto. Que nem eu vejo, sempre vejo o “Beltrano” xingando, bravo, nervoso, jogando as peças no chão, nervoso. Aí eu sou curioso, vou ver o que tá acontecendo, vou perguntar pra ele. Aí ele sempre explica pra gente, fala: “-Não tá saindo assim, assim, por isso, por isso e tal.” Ele tava tão nervoso porque só faz borea não consegue produzir. Aí você acaba aprendendo com essas pessoas assim. Aí, num ato assim de brutalidade que você vê o cara fazendo, você chega perto, você acaba aprendendo alguma coisa também. É interessante.

A mesma importância apontada por OP-3 também pode ser constatada na fala de

OPT1-3:

Importante sim, que nem no caso, foi tomar um café ali, de repente você encontra um rapaz... Hoje mesmo eu tava tirando dúvida com o “Beltrano”, que ele foi pro Chile e tal: “-Ô, como que é o processo lá? Muda alguma coisa?”, “-Não. O processo é o mesmo e tal.” Então é aquele argumento, você tem o interesse da área e tal... É, muita dúvida você tira assim, com companheiro de serviço mesmo. Às vezes no ambiente se serviço mesmo e tal você tem aquela dúvida e tal no macete, documento e tal e ter aquele ambiente de chegar e conversar, procurar se entender.

Também para o participante CHEFT1 as trocas de informações se constituem em

importantes elementos para a aprendizagem e o desenvolvimento dos operários:

Tem. Mesmo, mesmo comigo, às vezes tem perfil aí que, tem fita que... A gente não consegue ajustar, tem um problema na textura, aí quando eu passo pro [CHEFT2], eu falo: “-Ó, [CHEFT2], aconteceu isso assim, eu não consegui ajustar.” Aí ele fala, às vezes ele passa pra mim: “-Ó, tem que fazer assim, dá mais um aperto, aperta mais a textura, dá um pouco mais de velocidade na textura.” Então é algumas coisinhas que às vezes não acontece, eu não consegui resolver e às vezes o [CHEFT2], me ajuda, às vezes eu, eu falo, eu passo pro [CHEFT2]. Às vezes acontece alguma coisa que a gente não consegue, outro encarregado consegui, ou um outro operador não conseguiu, passa pra outro operador.

E assim, são troca de informações que todo dia acontece, que são transmitidos os problemas que aconteceu durante o dia, porque não conseguiu. Aí no outro dia: “-Ah, você não conseguiu, você não conseguiu fazer aquele perfil, mas a gente fez assim, assim e assado, aí deu certo.” Foi, isso são troca de informações que são úteis aí e que a gente passa um pro outro quando é possível.

No caso do participante MESTRE as trocas de informações estão principalmente

voltados para aquelas realizadas entre os profissionais mais experientes com aqueles mais

novos:

Page 144: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

143

Várias vezes que tem troca de informações, o pessoal mais experiente com as pessoas mais novas, tem. Mas agora assim, falar assim, no refeitório ou no banheiro, eu... No ambiente de trabalho tem sim. Mas acho que no refeitório e no vestiário, eu mesmo não lembro de ter visto essa troca de informação.

Conforme já mencionado, as aprendizagens formais, neste trabalho são entendidas

como aquelas vinculadas às experiências de treinamentos oferecidas pela organização. As

informais compreendem aquelas que estão fundamentalmente baseadas na troca de

informação a partir da interação com os demais operários, da observação, das constantes

trocas de experiências vividas e compartilhadas com o objetivo de instrumentalizar o

companheiro de informações que lhe serão úteis em situações futuras.

Estas experiências vividas e compartilhadas constituem de matéria-prima fundamental

para as aprendizagens. Elas servem para que os operários façam associações retrospectivas e

prospectivas entre as atividades que estão sendo realizadas e as possíveis atividades que

estarão sob sua responsabilidade no futuro. Suas ações transformam-se em tentativas, em

experimentação das aprendizagens acumuladas ao longo dos processos de observação e de

instrumentalização para o exercício profissional. Para Dewey (1936) estas experiências são

ações ativo-passivas, as quais ao longo de sua prática vão se transformando em cognição, vão

adquirindo significados e se incorporando na ação diária de trabalho. Elas passam a gerir a

relação que os indivíduos estabelecem com a natureza e com o contexto social.

As experiências vividas vão se transformando, ao longo do tempo, em reflexão. A

reflexão surge a partir da relação entres as ações dos indivíduos e suas conseqüências. A

tomada de consciência por parte do operário de que suas ações provocam reações imediatas

que modificam tanto o meio quanto si próprios faz com que eles passem a refletir sobre suas

ações e a compartilhar com seus companheiros os momentos significativos de sua prática.

As trocas e o compartilhamento de informações estão profundamente ligados a

perspectiva de aprendizagem social postulada por Elkjaer (2004), pois os conhecimentos e os

conteúdos das aprendizagens passam a ser compartilhados entre os membros do grupo, a

aprendizagem acontece também a partir do contato e das trocas estabelecidas no e pelo

ambiente. Os sujeitos da aprendizagem se transformam a cada novo conceito incorporado

fazendo com que sua prática se transforme e conseqüentemente suas relações com o ambiente

seja permeada por novas visões e novas formas de aproximação com os companheiros e com

as aprendizagens.

Page 145: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

144

As experiências tanto formais quanto informais se tornam possíveis graças à presença

de elementos que contribuem para que as vivências compartilhadas no ambiente se

transformem em desenvolvimentos. Na seqüência serão apresentados os propulsores de novos

conhecimentos e de crescimento profissional.

5.6 Propulsores de novos conhecimentos e de crescimento profissional

A experiência é, para os autores escolhidos no arcabouço teórico deste trabalho, um

fator fundamental para os processos de aprendizagem. Todos, sem exceção, falam de seu

papel e de sua importância, pois ela pode ser considerada a principal propulsora de novos

conhecimentos e de desenvolvimento. Contudo durante a realização da pesquisa de campo foi

possível identificar outros fatores que contribuem para que as experiências acumuladas

possam se transformar em novos conhecimentos e em novas experiências. Estes fatores estão

descritos no Quadro 16, o qual tem a finalidade de introduzir os elementos entendidos neste

trabalho como propulsores de novo conhecimento e geradores de novos Mestres.

A presença dos fatores descritos no Quadro 16 é um fator determinante nos processos

de aprendizagem e de desenvolvimento dentro das atividades fabris do setor pesquisado. A

centralidade dos geradores é fundamental para compreender tanto os processos de formação

inicial quanto para identificar as experiências de aprendizagem vivenciadas pelos operários

até que atinjam o nível de supervisão de turnos.

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145

Par

ticip

ante

Propulsor e presente na fala do participante

Curiosidade Interesse Vontade Esforço

AJ - 1 X AJ - 2 X X AJ - 3 X X OP - 1 X X X OP - 2 X X X X OP - 3 X X X OP - 4 X X

OPT1 - 1 X X OPT1 - 2 X X X OPT1 - 3 X X X X OPT2 - 1 X X X OPT2 - 2 X X X X CHEFT-1 X X X CHEFT-2 X X X X MESTRE X X X X

Quadro 16: Propulsores de novos conhecimentos e de desenvolvimento profissional Fonte: Dado de entrevista.

A curiosidade, o interesse, a vontade e o esforço estão presentes nas falas de quase

todos os participantes como sendo a matéria-prima que possibilita tanto a aprendizagem

quanto o crescimento dos profissionais ao longo de seu desenvolvimento funcional no setor

pesquisado. Estes fatores estão ligados às atividades diárias e às posturas adotadas pelos

participantes tanto nos momentos de ensino quanto nos momentos de aprendizagem. Para eles

é preciso ser curioso e atento as novas situações, aos problemas emergentes e às rotinas do

departamento. Ao aprendiz cabe a disponibilidade de estar em estado de prontidão para

aprender, a empresa cabe a tarefa de colocar suas estratégias a serviço dos operários para que

eles possam dar continuidade a seu desenvolvimento.

Os propulsores descritos no Quadro 16 estão presentes entre os participantes sempre

quando eles falam de como foi o processo de aprendizagem de suas atividades. A respeito da

curiosidade e do interesse o participante MESTRE, compartilha que quando da aprendizagem

de um novo processo:

[...] isso aí vai muito da curiosidade da gente. Então você tem que estar procurando sempre as coisas nova que vai entrando, você vai ter que ir buscando pra aprender também.

Também o participante CHEFT-2, falando de seu desenvolvimento de ajudante a chefe

de turno, aponta a curiosidade e o interesse como fatores fundamentais:

Page 147: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

146

Que o PD1 é aquele que opera, o operador é aquele que opera só máquina. Depois tudo novo que entrava, eu tinha curiosidade, eu exigia que eu fosse pra aquilo, porque eu queria aprender mais coisas. E foi assim que eu fui. Quando passaram de operador, por exemplo, precisava de teste, eu queria, eu pedia pra fazer os testes. Eu falava assim: “-Olha, eu queria fazer o teste pra PD1.” Ia lá, fazia os testes, os caras vinham, fazia as prova comigo e eu mostrava na prova que eu era capaz. E assim, quando eu achava que eu tava preparado, eu pedia. De operador, de ajudante até o PD3, sempre eu pedi. Sempre eu pedi a chance. Claro, eu queria fazer prova, eu queria fazer teste pra isso. Já de operador pra encarregado, eu não pedi. [risos] Eles acharam que eu era capaz.

O interesse e a busca pela oportunidade de crescimento estão evidentes na fala de

CHEFT-2. Para ele, um dos principais determinantes de seu crescimento foi a sua postura

proativa em demonstrar sua capacidade e em buscar as oportunidades emergentes.

Em outro trecho de seu depoimento, CHEFT-2 novamente destaca a centralidade da

experiência e da ajuda dos demais como propulsora de seu desenvolvimento:

Olha, a gente sempre teve muito treinamento. O pessoal tinha o treinamento pra explicar. E por curiosidade, você tem o documento na máquina, e você tem que ter a curiosidade de ler e entender aquilo lá. Quando você, quando tinha um documento e falava assim: “-Ah, não entendi o que é isso.” Eu ia lá e perguntava pro encarregado. Quando, às vezes o encarregado também, não sabia responder tudo, descia um diretor ou descia alguém e falava assim: “-Ó.”. O pessoal da qualidade chegava e eu falava assim: “-Ô, o que significa isso aqui?” Eles me explicava, sempre... O pessoal da qualidade também na época dava muita força pra gente. Nessa parte de você entender o que é um desenho, o que é uma instrução [...]

O participante OP-3 também enfatiza o papel da curiosidade e de seu interesse em

executar as tarefas diárias:

Então é o que acontece quando você entra você quer mostrar serviço, a pessoa sempre é curioso. E eu sempre dei uma de curioso. “-Você tem que fazer uma coisa.” Eu fazia uma coisa e além daquela coisa que fazia, pedia pra mim fazer mais. Eu sempre... Às vezes o operador fala assim pra mim: “-Ah, tem que fazer isso.” Eu falava assim: “-Então deixa que eu faço.” Em vez de ele fazer e eu ver ele fazer, eu queria fazer, pra ver se eu aprendia. Então eu fui curioso, eu fui me dedicando, eu fui se esforçando. Até que o encarregado percebeu que dava, ele deu confiança pra mim, que eu podia, além daquilo que ele tava fazendo.

Para o participante OP-1 a curiosidade e o prestar atenção nos acontecimentos são

fundamentais a aprendizagem e para seu desenvolvimento:

O que mais contribuiu? É a Curiosidade. Porque é assim, eu sou uma pessoa, tipo que nem eu vejo hoje, entram as pessoas aí na empresa, a pessoa só quer saber daquilo, aí é só embalar rolo e coloca na caixa. Eu não, eu já fazia assim, eu embalava rolo e ficava prestando atenção no que tava acontecendo na minha máquina e na outra do lado. Aí quando acontecia algum problema, eu ia tentar arrumar, ia tentar fazer, entendeu? Aí não conseguia, chamava um pra ajudar. É o

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interesse. Eu ia bastante, olhava, curiosidade. Quando a minha máquina tava rodando alguma coisa fácil, eu ia na outra máquina e ficava de olho.

AJ-2 indica a mesma direção:

Eu sempre fui uma pessoa muito curiosa, tinha os documentos ali, às vezes quando dava um tempinho, eu olhava o que tinha que fazer. Às vezes ele falava: “-É tal medida.” Aí eu procurava que estação ir. Às vezes sem ele mandar, eu olhava e ia fazendo o que tinha que fazer. Tem uma pasta de documento assim, sobre a extrusão, que é a área que eu trabalho.

Sempre que dava uma folguinha, às vezes até na hora de janta eu pegava essa pasta, lia um pouco. Ele fala pra gente que é bom ler e tal, pra ter conhecimento sobre tudo aquilo que você tá fazendo. Geralmente a pessoa que trabalha com você, que o seu superior no caso, acho que superior à minha pessoa, seria um operador. No caso, na época foi o “Ciclano”... E ensinando e sempre falava o que era bom, o que era ruim, o que eu tinha que fazer, que nunca eu deveria mandar um produto ruim. Sempre com cuidado pra não sair fora das norma, da estaca que tem no documento. Fui aprendendo, sempre curioso com o que ele fazia. Quando, sempre que ele ia fazer uma coisa diferente, eu acompanhava pra ver como é que ele ia fazer, ele me falava que resultado que ia dar aquilo. Aí fui, fui aprendendo, fazendo tudo que ele pedia pra fazer.

A prontidão para aprender é apontada por Knowles (1980; 1990; 2005) como sendo

um fator que surge a partir do momento que as pessoas sentem a necessidade de aprender para

que elas passem a lidar de forma mais satisfatória com as atividades e tarefas do mundo-real.

Também o papel da aprendizagem é visto como um processo de desenvolvimento que

contribui para que se atinja o potencial máximo dentro de uma atividade, sendo que o desejo

de se tornar capaz de aplicar os conhecimentos e as habilidades adquiridas são vistos como

uma maneira de atuar mais efetivamente nos processos em que está envolvido.

Também Illeris (2003) fala que adultos não são inclinados e não se submetem a

aprendizagens as quais eles não tenham interesse ou àquelas que não são significativas ou

ainda, que não tenham importância segundo seus critérios. Quando os participantes

mencionam a questão do interesse e da curiosidade eles dão elementos que corroboram os

pressupostos apontados tanto por Knowles (1980; 1990; 2005) quanto por Illeris (2003).

Estes quatro fatores que emergiram no campo, atrelados às estratégias de formação

adotadas pela empresa são tidos neste trabalho como os propulsores de novos conhecimentos

e de crescimento profissional. Sendo que cada uma das experiências vividas no ambiente

fabril que proporcionaram o desenvolvimento funcional dos operários não teriam ocorrido

sem que estes propulsores estivessem presentes.

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A próxima seção tem como foco descrever os geradores de um ambiente colaborativo

e conseqüentemente trazer a tona questões relacionadas à geração de novos mestres dentro da

atividade desenvolvida no departamento de extrusão da empresa pesquisada.

5.7 Geradores de um ambiente colaborativo e de novos mestres

Esta seção tem o objetivo de apresentar e analisar os elementos entendidos, no âmbito

desta pesquisa, como geradores de um ambiente colaborativo e conseqüentemente geradores

de aprendizagem e de desenvolvimento profissional.

Para o participante AJ-3 o ambiente colaborativo deve estar baseado na liberdade e na

obtenção de respostas para as dúvidas:

Primeiro eu acho que o ambiente de trabalho sempre tem que ser bom. Acho que a primeira coisa que aqui tem muito é a questão de liberdade, entendeu? Você tem liberdade pra trabalhar na sua máquina, você tem liberdade pra conversar com o encarregado se tiver algum problema ou até com outras pessoas também, supervisor... Eu acho que quando você tem liberdade de conversar sobre os problemas, até o próprio ambiente de trabalho acaba ficando bom.

Eu acho que o que facilita é isso aí, entendeu? É você ter essa liberdade de perguntar, poder perguntar pra qualquer um como que funciona... Você poder sair de onde você tá e ir lá do outro lado e perguntar pra pessoa por que tá acontecendo aquilo ali. E você obtém a resposta. [...]. Eu acho que isso facilita a pessoa aprender.

O participante OP-1 aponta o ajudar como sendo essencial para a geração de um bom

ambiente:

É um ambiente que todo mundo tenta ajudar todo mundo. Pelo menos no meu, no meu ponto de vista e no meu turno. Sempre quando eu posso, eu ajudo os outros e muitos, já tive muitas ajudas também.

Continuando a falar sobre a questão da ajuda OP-1 compartilha que a ajuda é:

Ali depende da seguinte situação, meu pedido tá acabando, eu preciso pegar outro, adiantar, só que não dá tempo de eu ir lá e voltar. Aí eu peço a colaboração do meu ajudante, do meu colega de serviço que tá lá na máquina do meu do lado, na minha frente, pra que ele possa me ajudar a embalar uns rolo, cortar um ou dois rolo, enquanto eu faço esse adiantamento. E essa é uma das parte que acontece mais ali dentro, todos os dias, é diário isso. Ou a pessoa mesmo age: “-Não. Pode ficar aí que eu vou lá e pego pra você.”

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Para o participante CHEFT-1, a troca de informação entre os operários é muito

importante para o estabelecimento de um ambiente colaborativo:

Ah, o ambiente é bom. Eu pelo menos na parte de extrusão o pessoal, todo mundo, um conversa com o outro, nunca tem ninguém de cara feia, eu pelo menos não vejo assim. Às vezes tem um dia assim que dá um, não dá um negócio certo lá, a fita não ficou boa, às vezes o cara fica nervoso, aí o cara vai embora nervoso. No outro dia, é outro dia, já vem mais calmo, com a cabeça mais tranqüila.

Mas o ambiente é bom, a troca de informação é boa, todo mundo conversa com todo mundo. Eu tento explicar pra ele lá: “-Não adianta você ficar nervoso porque você ficando nervoso, você não vai conseguir resolver nada, só vai, só vai piorar. E deu certo, não deu, paciência, vamos tentar outro dia e...” Mas o ambiente é tranqüilo, o pessoal gosta.

Os participantes desta pesquisa estão inseridos em um ambiente fabril no qual

interações são estabelecidas, não somente voltadas à atividade produtiva como também à

convivência e ao envolver-se com indivíduos de diferentes origens, com diversas visões de

mundo e distintos interesses em relação à atividade realizada. Este ambiente constitui aquilo

que Strauss (2006) denomina como sendo os mundos sociais nos quais os indivíduos estão

inseridos. Para ele o mundo social está relacionado com as ações coletivas e com as formas

com que as interações acontecem a partir do compromisso dos participantes e das condições

nas quais estes compromissos são cumpridos.

Para Elkjaer (2001; 2004) a aprendizagem somente é possível a partir da relação entre

os indivíduos e as organizações nas quais estes estão inseridos. O indivíduo aprende a partir

de seu pensamento reflexivo, das investigações, de suas emoções, da intuição e por meio de

sua relação com os demais membros do mundo social a que estão submetidos no local de

trabalho.

Tendo como norte o entendimento de Elkjaer foi necessário investigar quais seriam,

para os participantes, os geradores de um ambiente colaborativo. Os principais geradores

apontados pelos participantes da pesquisa estão relacionados à coletividade, alegria, gratidão,

consciência e confiança que se estabelece entre os operários. Para eles estes elementos se

constituem como uma base fundamental para que as aprendizagens, iniciadas a partir dos

propulsores já descritos na seção anterior se tornem possíveis.

É possível perceber nestas falas selecionadas que o ambiente é permeado por um

sentimento de que existe liberdade de atuação dos operários e que a ajuda é uma constante nos

relacionamentos estabelecidos entre os operários. Também foi muito presente nas falas a

Page 151: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

150

importância da experimentação, do papel da prática, da dedicação, do mostrar, do olhar e do

perguntar como sendo importantes geradores de aprendizagens.

5.8 O “ jeitinho, o macete e a gambiarra” como estratégias de aprendizagem

Jeitinho Brasileiro: A grosso modo, o jeitinho é sempre uma forma “especial” de se resolver um problema ou situação difícil ou proibida; ou uma solução criativa para alguma emergência, seja sob a forma de burla a alguma regra ou norma preestabelecida, seja sob a forma de conciliação, esperteza ou habilidade. Portanto, para que uma determinada situação seja considerada jeito, necessita-se de um acontecimento imprevisto e adverso aos objetivos do indivíduo. Para resolvê-la, é necessário uma maneira especial, isto é, eficiente e rápida para tratar do “problema”. Não serve qualquer estratégia. A que for adotada tem que produzir os resultados desejados a curtíssimo prazo, não importa se a solução encontrada for definitiva ou não, ideal ou provisória, legal ou ilegal. (BARBOSA, 1992, p. 33)

Todos os participantes, sem exceção, falaram sobre um tipo de estratégia que emerge

no dia-a-dia durante a atividade profissional, a qual é chamada por eles, algumas vezes, de

“jeitinho”, outras de “gambiarras” ou até mesmo de “improvisinhos” correntes no ambiente

fabril.

Estas estratégias estão ligadas a momentos quando acontecem falhas nos processos de

produção ou em momentos quando os participantes deixam de seguir as normas e os

procedimentos estabelecidos nos manuais, para a partir de suas experiências e de suas

reflexões, incluir objetos completamente alheios aos maquinários com o objetivo de

solucionar um problema emergente. Eles precisam ativar em suas mentes uma maneira

especial, eficiente e rápida de tratar e solucionar o problema enfrentado. Eles passam a burlar

as regras e os manuais demonstrando uma enorme capacidade de conciliar suas aprendizagens

para atingir os objetivos de produção.

As estratégias adotadas revelam esperteza, habilidade e conhecimento dos processos

de produção e mostram-se como uma forte evidência de que os processos de aprendizagem no

qual foram submetidos, além de capacitá-los para a atividade operacional, também os

instrumentalizaram com uma capacidade de refletir sobre os passos que devem ser seguidos e,

quando em alguns momentos aparecem problemas, eles são capazes de incluir “ferramentas e

instrumentos” no processo de produção que são capazes de solucionar, ainda que por um

período curto de tempo, os problemas enfrentados.

Page 152: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

151

5.8.1 Descrição dos principais “jeitinhos, macetes e gambiarras”

As estratégias acima referidas podem ser verificadas nas falas dos participantes. O

participante MESTRE descreve algumas das estratégias adotadas na produção:

Uns fala gambiarra, outros falam macete. Ah, é que às vezes você tem um perfil, depende muito do dia, depende muito da qualidade do material que você recebe. Às vezes você pega um lote de material e você tem uma variação de alguma coisa, então de repente você precisa fazer um ajuste na máquina. Um dia você monta ela, você roda certinho, aí você põe o material lá, você puxou, colocou na rotação, bate [palavra inaudível] lá, a medida dimensional tudo certinho. No outro dia você vai fazer aquele mesmo artigo, às vezes já não funciona. Alguma mistura deu alguma falha, alguma coisinha lá que você tem que tentar compensar aqui na produção, na extrusora. Ou esse macete que você tem de temperatura, aí você tem que estar bem ligado no que você tá fazendo lá, se os perfis tá bem plastificado, se tá mal plastificado. Às vezes você precisa aumentar um grau, dois; “-Eu vou resolver esse ponto. Se eu aumentar a ferramenta na flange ali e na matriz, eu vou acertar a espessura.” Tudo isso são detalhes que você vai aprender ali.

O participante AJ-1 compartilha um dos “jeitinhos” por ele utilizado:

Tem, tem coisas assim, laterais da fita, a fita acaba dobrando demais e no livro não explica o que você deve fazer. Aí, há pouco tempo atrás eu descobri o que o pessoal mais antigo faz, sabe aquele cartãozinho de café que tinha assim? Pegava, você levantava um pouco o calibrador, botava embaixo, de um lado, deixava o outro mais baixo e o outro mais alto e acaba regulando mais a lateral da fita. Que seria macete, é coisa que livro também não vai te falar assim: “Ó, coloca uma etiqueta de café aqui, que a lateral vai ficar boa.”

Falando de suas estratégias, o participante OP-1, conta que:

Vamos supor, uma ferramenta, uma fita tá com uma espessura, um lado tá mais, tá mais... A espessura tá mais, mais alta do que o outro lado. Aí você dá um jeitinho. Você não precisa saber onde era o defeito, você já viu que essa coisa tem como você dar um jeitinho, que nem você tá falando. Você vai lá e coloca um biquinho de ar e joga o ar, pro material pra, pra ele preencher mais o lado que tiver menos.

A introdução de um “toquinho” de madeira no processo de impressão da textura na fita

de borda é descrita pelo participante OP-3:

Ah, então, esse negócio de macete aqui tem muito. Porque cada máquina é uma máquina e cada situação é uma situação. Aí o que acontece? Às vezes, eu mesmo sei de muita gambiarra assim, eu sei de muito: “-Ah, você põe um toquinho debaixo do rolete ali. Tá falhando, às vezes você põe um toquinho ali e acabou a falha.”

Page 153: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

152

OPT1-1 enfatiza a importância da reflexão sobre o processo produtivo para a

elaboração de maneira de solucionar os problemas diários:

Assim, eu... Às vezes eu vejo algum probleminha que, sei lá, eu fico pensando em mil e uma coisas pra tentar resolver. Assim, às vezes você só bate o olho e você já sabe o que tem que fazer, como é isso. A gente refrigerava aí rolete com ar e já tinha com água em outra máquina. Aí eu peguei, eu vi os furos no rolete, puxei a água, coloquei a água numa mangueira, puxei como se fosse puxar a gasolina em carro, puxei, [trecho inaudível] nesse eixo, passei e depois joguei a água em outro lugar. Eu acho uma grande gambiarra isso. E assim, alguns acharam uma, de boa criatividade.

O participante OPT2-1 descreve que uma de suas estratégias tem relação com a

inclusão de “paninhos” em algumas fases da produção da fita de borda:

Você sabe qual é mais ou menos que o caminho, que é ali, alguma coisa bobeirinha que tá acontecendo ali, que um biquinho de ar resolve, entendeu? Um paninho ali. Que nem, muitas vezes tem um pouco de água no [palavra inaudível], a cola, aí fica aquelas mancha branca. O cara: “-Meu. Mas eu troquei o rolete, troquei as lâminas e o caramba.” Nada a ver meu, a fita com água embaixo. O cara liga lá o sopradorzinho lá, enfiou o paninho e resolveu. Ele fala: “-Meu, mas eu troquei dois, três rolete, lâmina.”, “-Não. Véio, é a água ali.”. É fogo?

A estratégia adotada pelo participante OPT2-1 pode ser observada na Foto 13.

Foto 13: Ilustração de estratégia de solução de problemas.

Page 154: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

153

Falando do objetivo da introdução de estratégias adicionais nos processos, o

participante MESTRE conta que:

O objetivo, no certo é não ter. Que às vezes você tem uma falha lá que é uma falha mecânica ou uma falha elétrica no sensor de alguma coisa lá, no pistão que não tá funcionando a pressão de ar, você precisa pra pressionar o rolete. Aí você tá no meio de uma produção, tempo mais você já não tem, você já esgotou toda a sua sucata no ajuste, aí você fala: “-Se eu parar com a máquina de novo... Até o mecânico arrumar, depois eu tenho que ligar a extrusora tudinho, começar tudo de novo, vai sucata.” Então na hora você vem essas idéias, fala: “-Opa, se eu botar um calcinho aqui, eu ponho gambiarrinha aqui, eu vou pressionar isso aqui. O rolete vai trabalhar um pouco pressionado, mas eu vou conseguir produzir essa produção. E a hora que tiver com ela parada, a manutenção vai arrumar.”

O participante OP-3 compartilha que os macetes e as gambiarras estão ligadas a

necessidade da continuidade da produção, afirma também acreditar que sempre a

“gambiarra” é algo que faz parte dos processos:

Sempre tem muita gambiarra, sempre tem muita coisa que a gente assim... Tipo assim, a gente, às vezes a gente necessita da manutenção, só que quando a manutenção não resolve, a gente vai resolver da nossa maneira. Que a manutenção ela vai resolver aquilo do modo correto, se tem que soldar uma ferramenta, tem que soldar um ferro. Só que como você tá com pressa, tá atrasando de fazer o serviço, você vai, mete uma madeira e vai embora, põe um calço, faz uma gambiarra e vai embora. Mas na verdade, você tinha que fazer uma ordem de serviço e solicitar manutenção. Só que a gente não usa isso, porque também acredito que se não tiver uma gambiarrinha, acho não funciona legal também, sempre tem que ter, uma coisinha.

Para o participante OP-1 falando da estratégia de utilização de um bico de ar, afirma

que é necessário solucionar os problemas para que as “gambiarras e jeitinhos” sejam

substituídas por soluções permanentes:

Que dá um jeitinho? Não, isso já é suficiente, é feito até pra chegar num processo que ele vai chegar, o material vai estar correndo certinho dos dois lados, então vai ficar certinho. Porque senão se aí você vai, se você trabalha com ele ali, aí você sabe onde é o defeito e leva a sugestão pra fermentaria, se é defeito da ferramenta. Aí quando acaba o pedido, você leva a ferramenta para a fermentaria, aí eles dão um jeito. Que teria que ter, que estar certinho, só que como você teve como dar um jeitinho ali, você não vai parar a máquina de novo, perder o seu tempo todinho, inteiro, pra levar a ferramenta lá, [palavra inaudível] defeito pra eles arrumarem. Isso você ia perder muito tempo, sendo que você pode dar um jeitinho ali, fácil.

É possível perceber nas falas dos participantes que a adoção de “jeitinhos, macetes e

gambiarras” está ligada a necessidade de continuidade dos processos de produção. Para eles é

necessário ser eficiente e conduzir a produção até o final. A parada de produção para um

Page 155: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

154

possível ajuste que de conta de solucionar o problema emergente é vista como uma perda de

tempo.

5.8.2 O aprendizado dos “jeitinhos, macetes e gambiarras”

O aprendizado destas estratégias acontece a partir do contato estabelecido entre os

profissionais no ambiente fabril. Muitas vezes está ligada à observação, outras vezes à

elaboração de estratégias a partir da reflexão e da experiência acumulada ao longo do tempo.

Falando sobre sua aprendizagem, AJ-1 conta que:

Eu descobri olhando. Porque eu fui em outra máquina, de um operador mais antigo e olhei assim: “-Ó, tem uma etiqueta lá. Pra que é aquilo?”, “-Não, não é porque a lateral da fita tá acabando dobrando demais. Então você tem que, acaba deixando lá.”

AJ-2 conta que o dia-a-dia ensina:

Mais no dia-a-dia mesmo, que isso aí não tem em nenhum documento isso aí. O mais seria no dia-a-dia assim, às vezes você tá passando ali, tem um bico de ar ali: “-Pô, fulano, pra que serve esse bico de ar?”, “-Ah, tal, pra dar o fluxo de material desse lado que tá mais grosso e esse lado tá mais fino.” Coloca um bico de ar ali às vezes, se a fita é um pouco mais grossa, ela dá um pouco de rebarba, seria a borréia que eles falam. Fica em cima da fita, às vezes se ela passar, escapar aquela borréi ali, ela vai quebrar a fita. Se coloca um bico de ar, só um pouquinho, fraquinho, soprando, a rebarba sai, ela vai sair do lado, ela não vai ter que ir em cima da fita pra passar e chegar na banheira. Que a banheira ali é que dá o formato pra fita. Então é feito pra passar só a fita mesmo, se passar alguma irregularidade maior do que taria ali, vai quebrar a fita.

Para o participante OP-3, cada um trabalha com suas idéias para elaborar

“engenhocas”:

Cada um trabalha a sua cabeça, da maneira mais possível. Eu já vi muita coisa assim, que o cara, esses [trecho inaudível] tá furado, ta vazando, o cara vai lá, torce um pedacinho de papelão, enfia lá dentro lá e tampa o buraco. Que tipo assim, cada um pensa de uma maneira. Aí eu acho que vem de nós mesmos. É do próprio funcionário mesmo. A gente que acaba elaborando engenhoca doida, as gambiarras aí. [...] É, então, a gente tipo assim, igual eu falo assim, às vezes eu fui, tipo puxar uma fita lá, aí tá faltando ar, não dá muita pressão lá pra pintar a fita, não dá muita pressão legal, você fala: “-Pô, se não dá pressão, aí eu vou ter que inventar uma pressão.” Aí você olha lá, calcula mais ou menos a distância, você olha o buraquinho que tem assim pro rolete, se eu enfiar uma madeira ali e travar ele, ele vai ficar bem pressionado pra cima, ele não vai ficar balançando, não vai faltar aquele... Você vai lá e faz um teste, você põe alguma coisa pra ver, faz um teste, deu

Page 156: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

155

certo. Aí depois você vai lá corta uma outra madeirinha mais perfeita, deixa bonitinha, acerta, coloca no lugar lá e aí vai embora.

Compartilhar as estratégias adotadas com os companheiros de trabalho, é para o

participantes OP-3 uma forma de contribuir para o trabalho em conjunto:

Aí o que acontece. Se você não gosta de uma pessoa e não trabalha assim, em conjunto, se o cara tá tendo aquele problema, você fala assim: “-Se vira. Dá os seus pulo aí, se mexe.” Mas como a gente sempre trabalha, sempre em conjunto que você sempre tá na máquina quando a pessoa vier trabalhar com você, já há algum tempo, então sempre falar pra você: “-Olha, eu botei um arzinho lá não sei aonde lá. Olha, eu fiz um furinho não sei aonde ali.” Aí começava a ir.

Para o participante OPT2-2, a experiências e o pensar rápido contribuem para a

elaboração de soluções para os problemas emergentes:

Ah, experiência. Experiência rápida, pensar rápido também. É você falar assim: “-Quem pensa muito não casa. Quem casa não pensa.” Então no mesmo caso a pessoa tem que ser, ser rápido, pensar rápido. Então se ficar parado, não adianta você ficar duas hora pensando: “-Será que eu faço isso ou não faço? Se eu fazer vai dar certo ou não vai?” Melhor ele fazer logo e ver o resultado logo, do que ficar uma hora ali, aí chega alguém lá e vai lá: “-Eu perdi uma hora de máquina e chega o cara e...” É errado? É. Só que daí ele documenta lá, fala assim: “-Ó, vou fazer uma ordem de manutenção aqui, vou produzir esse pedido.” Eles vão programar uma melhor hora que tenha a manutenção pra estar fazendo. É o mais viável e o mais correto. Agora quando chega, eu tô falando assim, do meu ponto de vista, tem que pensar rápido na solução. Por que um toquinho de madeira, um biquinho de ar? Porque tem que raciocinar rápido e falar assim: “-Olha, né?” Porque que o cara coloca um bico de ar, pra jogar a medida da espessura pra um lado e pro outro. Então tem que jogar um pouco pra cá pra [palavra inaudível]. Isso aí como que passa? Aí. Como que o cara descobriu? Um cara viu, o outro já viu rapidinho.

Na fala do participante CHEFT1 aparece a tentativa como uma forma de chegar aos

“ jeitinhos, macetes e gambiarras”:

É a tentativa, Sérgio. Vai tentando de tudo, vai mexendo, vai tentando de tudo. [...] Então são coisinhas que a gente vai mexendo, não é aquele macete só, é fazer aquilo e vai dar tal resultado. Então a gente vai mexendo aos pouquinho pra ir vendo o resultado daquilo que você fez. Então é um, não pode ter um macete X que vai resolver o problema X. Eu penso assim, é ir tentando, vai mexendo um pouquinho aqui, vai mexendo.

Aí, vamos supor, aquele dia deu certo, vou tentar hoje de novo: “-Opa, mexi naquele dia, o mesmo lugar, vou fazer aquilo lá que deu certo.” Então aquilo lá vai entrar na sua cabeça, aquele dia deu certo, vai. Então você sabe que quando entrar aquele artigo de novo, eu vou, já vou deixar aquele dispositivo pronto pra pôr ali, que vai dar certo. Então eu acho que é isso que o pessoal fala, é um, macete é aquela solução rápida, que você tenta pôr em prática pra resolver um problema. É uma coisa que não tá documentada, mas que é um meio que você consegue solucionar uma falha numa fita ou num perfil.

Page 157: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

156

O participante CHEFT2 a experiência é um fator determinante no desenvolvimento de

estratégias que dêem conta de solucionar problemas emergentes:

Eu acho que surge mais assim com a experiência. Porque se eu chegar e pegar um ajudante e falar assim: “-Ó, meu, coloca essa máquina pra rodar.” Ele vai [trecho inaudível] pra sair lá. Pegar a fita, colocar, ligar as águas, tudo, mas aí não vai chegar no sentido. Por quê? Ele não tem aquele macete que o operador tem, que eu tenho. E então vem do o tempo, com a experiência isso é, só a experiência, porque... Lógico que tem uma parte técnica da [Empresa] também que ensina, passa pra gente isso ai. Tanto que assim, já veio cara, técnico ajustar a ferramenta, que ele usa já esse macete na hora de [palavra inaudível] uma ferramenta. Que ele sabe que não funciona sem aquelas gambiarrinhas da gente.

Na Foto 14 é possível perceber uma gambiarra adotada como estratégia de solução de

um problema de empenamento.

Foto 14: Ilustração de estratégia de solução de problemas.

O jeitinho, a gambiarra e o macete estão profundamente ligados a aprendizagem

experiencial descrita por Kolb (1984) e a epistemologia da prática/reflexão-na-ação descrita

por Schön (2007).

O desenvolvimento destas estratégias somente é possível por meio de um processo que

tem início a partir das observações e das experiências concretas vividas no ambiente fabril. As

experiências concretas de aprendizagem compartilhadas na atividade produtiva impulsionam a

Page 158: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

157

reflexão e novas observações dos processos já com um olhar investigativo, não mais de

principiante. Os processos passam a ser observados e comparados com o objetivo de

identificar que possíveis diferenças e estratégias podem ser adotadas para a resolução de

situações nas quais o aprendizado não dá conta de solucionar.

A conceituação dos processos passa a ser algo do domínio dos operadores, eles passam

a mentalmente realizar seqüencias e a desenvolver possíveis saídas para situações ainda não

enfrentadas. A partir desta conceituação abstrata, novas experimentações são postas em

prática com o objetivo de encontrar saídas e soluções que dêem conta das atividades diárias de

produção. Estas seqüências podem ser observadas na elaboração das estratégias de “jeitinho,

macetes e gambiarras” adotadas pelos participantes desta pesquisa.

Kolb (1984) quando propõe o ciclo de aprendizagem experiencial fala da

aprendizagem como sendo um processo de criação de conhecimento a partir da transformação

das experiências, esta transformação pode ser notada, em muitos momentos, nas falas dos

participantes desta pesquisa, porém tem seu ápice na descrição das estratégias descritas nesta

seção. Elas estão profundamente ligadas à capacidade do indivíduo de refletir e elaborar

estratégias capazes de dar conta de novas elaborações, muitas delas conceituais, de possíveis

soluções para os momentos quando as normas e procedimentos do departamento estudado não

dão conta de solucionar problemas nos processos de produção.

A reflexão-na-ação ou a epistemologia da prática, descritas por Schön (2007), tornam

possíveis as elaborações desenvolvidas pelos participantes da pesquisa. Para o autor, nesta

perspectiva os aprendizes desenvolvem uma capacidade de reconhecer as situações nas quais

é possível fazer uma aplicação rotineira das regras e dos procedimentos existentes a situações

problemáticas específicas, contudo aprendem a ir além desta reprodução de regras e

seqüências, eles são capazes de reconhecer casos de diagnósticos problemáticos nos quais é

preciso buscar alternativas imediatas, novas regras e formas de realizar suas tarefas a partir de

suas elaborações e reflexões.

5.9 Componentes constituintes da aprendizagem individual dos operários pesquisados

Page 159: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

158

Tendo como base os achados do campo, é elaborada a Figura 19, a qual procura reunir

e resumir os elementos constituintes do processo de aprendizagem dos operários do setor

investigado.

Figura 19: Componentes constituintes da aprendizagem individual dos operários pesquisados.

Fonte: Elaborada pelo autor

Na Figura 19, a oval preenchida de verde escuro representa o ambiente permeado

pelas emoções, pelas partilhas, envolvimento, trocas e pelo sentimento de coletividade. A

figura oval preenchida em verde claro representa os componentes individuais, o medo, a

confiança, o erro, a gratidão, a alegria e a consciência, envolvidos nos processos de

aprendizagem. A imagem dentro do círculo roxo apresenta os elementos propulsores que

reunidos representam a matéria-prima que se constitui no elemento fundamental para que os

geradores, representados na figura oval preenchida em roxo, possam ser ativados para que os

processos de aprendizagem e de desenvolvimento possam ocorrer, processos esses que, em

conjunto contribuem para formar a base da figura, constituída da experiência e do

Page 160: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

159

desenvolvimento, fatores que tornam possíveis novas aprendizagens e crescimento, tanto

profissional quanto pessoal.

Também foi possível observar nas falas dos participantes da pesquisa a presença dos

fatores apontados por Gerber (2004) como sendo formas de aprendizagem no local de

trabalho. Para ele as aprendizagens ocorrem por meio dos erros cometidos, da auto-educação

dos participantes nas situações de trabalho e fora delas, da prática e dos valores dos

participantes, por meio da prática das habilidades adquiridas, da solução de problemas e da

interação com outras pessoas.

A aprendizagem, de acordo com Elkjaer (2001), envolve uma forma de estar e tornar-

se parte do mundo social, o qual abrange as organizações. Aos aprendizes cabe a construção

de seu conhecimento, para que através dela eles passem a dar sentido à sua participação e a

sua socialização. As aprendizagens são sempre relacionadas a um ambiente específico do

contexto onde elas ocorrem, tornando possível aos aprendizes que descubram os seus papéis

passando a compreender o que deve ser feito, quando e como, de acordo com as rotinas

específicas do local de trabalho, o que envolve também o conhecimento dos artefatos que são

usados nos processos operacionais.

Estes propulsores e geradores de aprendizagem estão presentes durante todo o

processo de aprendizagem dos operários, desde o início de seu vínculo empregatício. Eles

contribuem, representam e tornam possível a aprendizagem dos operários no processo de

desenvolvimento e no caminho percorrido pelo ajudante que almeja chegar à supervisão

dentro do departamento pesquisado.

Page 161: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

160

6. CONCLUSÕES

Nesta seção é apresentado um sumário deste trabalho e as considerações sobre os

principais resultados da investigação, os quais conduziram a uma das possíveis respostas ao

problema de pesquisa proposto. São resgatados os objetivos que nortearam e iluminaram o

caminho percorrido, e por fim, são tratadas as limitações e as recomendações para estudos

futuros.

Inicialmente, nestas considerações finais, serão tratadas as questões relacionadas ao

paradigma indiciário. Ginzburg (1990, p. 177) afirma que “se a realidade é opaca, existem

zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la”. O autor propõe o paradigma

indiciário, o qual, segundo o entendimento do autor deste trabalho, procura ressaltar a

importância que o pesquisador deve dar aos pequenos detalhes, às minúcias, ao singular e a

buscar por indícios que se demonstrem reveladores em relação ao que se pretende descobrir e

as possíveis respostas que podem emergir a partir dos pequenos detalhes, os quais muitas

vezes podem ser negligenciados por um olhar menos atento.

Na fase inicial de idealização deste trabalho existiam muitas dúvidas em relação à

adoção de estratégias, tanto de investigação quanto de abordagem dos temas que o

pesquisador estava buscando. Havia uma certeza, a de que as aprendizagens estudadas no

campo eram compartilhadas a partir do contato dos aprendizes com os chefes de turno e com

o mestre de extrusão do departamento pesquisado, tanto que metaforicamente estes últimos

foram todos idealizados como Mestres responsáveis pelos ensinamentos do ofício de operador

de extrusora até que o operário se desenvolvesse para níveis superiores da hierarquia

operacional, inclusive podendo chegar a ocupar o posto de supervisão de turno ou de mestre

de extrusão. Contudo, com o desenvolvimento da pesquisa e com os indícios que foram sendo

observados ao longo do caminho, pode-se concluir que todos os operários são mestres em

alguma medida.

Cada uma das etapas do desenvolvimento profissional no setor pesquisado se

caracteriza por uma série de aprendizagens, as quais tornam possível a realização do trabalho

e que, conseqüentemente habilita cada um dos participantes a se transformar de aprendiz em

mestre de sua atividade. O tornar-se mestre está relacionado à capacidade de conduzir os

processos de forma autônoma e, além disso, à habilidade que cada um dos participantes

adquire de ensinar novos aprendizes tudo aquilo que lhes foi ensinado no passado. Este

Page 162: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

161

tornar-se mestre pode ser constatado na fala de todos os participantes que ocupam o posto de

operador de extrusão, independentemente do nível operacional ocupado, todos buscam

compartilhar com os novos operários suas experiências e conhecimento. Os participantes

aprendizes reconhecem suas inexperiências em relação à atividade e no que diz respeito à

impossibilidade de ensinar os operários iniciantes na atividade de operador de extrusora. Esta

postura pode ser observada na fala do participante AJ-1, quando ele afirma não ser

responsável pelo ensino de nenhum novo operário:

Não, porque eu acho que eu não tenho experiência suficiente para ensinar alguém. Eu não tenho, eu sei pra mim, eu sei: “-Ó, faz tal coisa.” Eu vou lá e faço. Agora, se você falar assim: “-Ó, vai lá e ensina aquele temporário.” Eu vou tentar ensinar ele da melhor forma, só que eu vou dar uma volta ao mundo, pra chegar onde precisa saber e ele vai acabar não entendendo. Então eu acho que eu não tenho experiência ainda pra ensinar ele.

O participante AJ-3 fala do ensinar tudo o que sabe, porém reconhece não ensinará um

operário inexperiente a “trabalhar na máquina”:

[...] Ensinei primeiro do jeito que eu sabia. É, quando chega, por exemplo, um temporário novo, que o CHEFT1 chega e coloca na máquina com a gente e você vai mostrando o que tá acontecendo ali. Vamos supor, a pessoa ainda não sabe nem cortar um rolo, então você vai ensinar ele a cortar um rolo: “-Ó, aqui é assim, depois você vem aqui e coloca dentro da caixa. E vai tantos rolo dentro da caixa.” Depois você já começa a mostrar documento, essas coisas, entendeu? É lógico que eu não vou ensinar a pessoa a sair dali e já trabalhar na máquina. Mas assim, o que eu sei, eu procuro passar, pelo menos pra pessoa não estar ali perdida.

Na fala do participante AJ-3 está implícita uma forma de maestria, ele é capaz de

ensinar as primeiras atividades que são atribuídas aos novos operários, as quais já fazem parte

de seu domínio, contudo ele sabe que não será capaz de ensinar o novo aprendiz a operar uma

máquina, pois ele mesmo ainda encontra-se em processo de aprendizagem desta atividade.

O mestre, no escopo deste trabalho, se caracteriza por todo aquele que já adquiriu o

domínio sobre uma atividade dentro do departamento e que, portanto, já é capaz de ensinar o

que aprendeu e conseqüentemente continuar sua aprendizagem profissional em outras rotinas

e domínios de responsabilidade dos mais experientes.

O mestre somente adquire esta condição a partir de sua participação e engajamento

nos processos de aprendizagem, tanto próprio quanto dos demais membros do grupo. Estas

duas condições representam um importante fator no desenvolvimento, tanto dos mestres

quanto dos aprendizes, pois é a partir delas que ambas a partes capacitam-se para novas

Page 163: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

162

oportunidades de aprendizagens e, conseqüentemente, de crescimento profissional no setor

pesquisado.

Também o campo no qual a pesquisa foi desenvolvida se mostrou revelador em

vários aspectos. O primeiro deles tem relação com o receio inicial, por parte do pesquisador,

no que se referia a uma provável dificuldade em conseguir dados suficientes a partir das

entrevistas, pois havia um sentimento de que em função do pesquisador ser também

funcionário da empresa, exercendo um cargo de diretoria, esta condição pudesse gerar nos

participantes um receio ligado à possibilidade de que os dados de entrevistas pudessem ser

utilizados fora do escopo da pesquisa. Depois surgiu o receio de que os participantes, em

função de suas escolaridades e do tipo de atividades que desempenham, poderiam não

fornecer informações suficientes relacionadas às suas atividades de aprendizagem. Estes dois

receios iniciais foram completamente descartados a partir do primeiro participante

entrevistado, pois foram fornecidas informações que foram muito além daquelas que estavam

sendo investigadas. Uma delas foi extremante instigante e reveladora, pois a priori não estava

na mira da pesquisa nem havia “passado pela cabeça” do pesquisador, a qual se trata do

jeitinhos, macetes e gambiarras.

O jeitinho, os macetes e as gambiarras, descritos na seção 5.8.2, não faziam parte da

busca inicial. Não havia a priori, por parte do pesquisador, qualquer noção de que este tipo de

estratégia pudesse permear o ambiente fabril, nem a consideração de que sua presença se

relevaria como um forte indício de que os processos de aprendizagem capacitam não somente

para a realização do trabalho diário como também instrumentaliza os participantes da

pesquisa com um cabedal de conhecimentos que torna possível a “ousadia” de tentar novos

caminhos e faz com que experimentem novas saídas para velhos problemas. Estas estratégias

foram interpretadas, neste trabalho, a partir da aprendizagem experiencial (KOLB, 1984) e da

epistemologia da prática/reflexão-na-ação (SCHÖN, 2007), contudo, a presença da

equilibração majorante (PIAGET, 1978) também é uma constante nos momentos quando os

participantes necessitam reagir diante de problemas emergentes, para os quais o seu

conhecimento prévio não é capaz de encontrar respostas sem que seja ativado um processo de

busca pelas informações e conhecimento acumulados ao longo de seu processo de

aprendizagem.

As improvisações, descritas pelos participantes como jeitinhos, macetes e gambiarras,

são o resultado de seus processos mentais, nos quais estão presentes a assimilação, a

acomodação e, por fim, quando do resultado de suas iniciativas baseadas em seus

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163

conhecimentos prévios, surge uma estratégia adequada para a solução de um novo problema

enfrentado, emerge a equilibração majorante. Esta capacidade de adaptação dos participantes

exerce um papel fundamental no processo de aprendizagem e de desenvolvimento, pois o

ambiente fabril, em muitos momentos, exige do profissional uma resposta imediata e eficaz

para situações as quais o indivíduo não vivenciou no passado. A partir das experiências

acumuladas ao longo do exercício profissional, o indivíduo se instrumentaliza de informações

e conhecimentos que lhe possibilitam reelaborar e reinventar suas práticas e estratégias de

ação.

Esta capacidade de adaptação e reelaboração da ação a novas situações, a partir do

momento de sua descoberta, passou a ser explorada em todas as entrevistas realizadas. Todos

os participantes atribuem à criação de seus jeitinhos, macetes e gambiarras a partir da

observação das estratégias adotadas pelos companheiros de trabalho e também a sua

capacidade de buscar soluções para as situações adversas enfrentadas no dia-a-dia do setor.

Estas estratégias estão fundamentalmente ligadas às experiências acumuladas pelos

participantes ao longo de seus processos de desenvolvimento na função operacional.

Os jeitinhos, macetes e gambiarras são também elementos que confirmam a passagem

da condição de aprendiz à condição de mestre, pois somente aqueles que já dominam uma

atividade com maestria são capazes de refletir e propor soluções baseadas em seu

conhecimento para solucionar as dificuldades impostas por uma situação imprevista.

Também merecem destaque as questões ligadas à aprendizagem individual e os

mundos sociais. Elkjaer (2001, p.112) afirma que “embora a aprendizagem ocorra em

situações sociais, é o aprendiz individual quem aprende, e o faz por meio da reorganização e

reconstrução de sua experiência”. Esta reconstrução apontada pela autora pode ser constatada

nas falas dos participantes da pesquisa, pois eles se transformam ao longo do processo de

desenvolvimento profissional, passando de uma postura meramente passiva para uma postura

proativa e de reflexão sobre suas práticas e sobre as relações que se estabelecem ao seu redor.

É evidente o processo de transformação do aprendiz em um profissional experiente.

Este processo somente se torna possível a partir de sua interação com os mundos sociais que

estão presentes no ambiente de aprendizagem (ELKJAER, 2001a; 2001b; 2004; 2008). Cada

trabalhador do departamento tem suas visões de mundo, suas angústias, necessidades e

aspirações, estas características e sentimentos permeam as trocas que ocorrem entre os

indivíduos.

Page 165: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

164

As relações estabelecidas obedecem a uma via de mão dupla, pois transformando-se o

participante também está contribuindo para que o ambiente, as relações, interações, trocas e a

própria aprendizagem também transformem os mundos sociais. As aprendizagens jamais

aconteceriam sem que o indivíduo estivesse inserido em um ambiente, pois é através de sua

inserção que ele passa a construir o sentido sobre a realidade e conseqüentemente passa a ser

agente do próprio processo de constituição enquanto indivíduo, o que lhe possibilita mudar o

ambiente e a ser também afetado por suas mudanças (WEICK, 1995).

É o indivíduo quem constrói o seu conhecimento. Este conhecimento deve habilitá-lo

a tornar-se parte do mundo social e, portanto, membro efetivo da organização, através do

domínio das atividades que se realizam no ambiente fabril. Esta condição possibilita ao

profissional a passagem de um status de mero observador passivo a outro que lhe confere a

condição de agente ativo nos processos de transformação de sua própria realidade e da dos

demais membros do grupo.

A aprendizagem individual jamais ocorreria sem que o aprendiz estivesse presente em

um ambiente permeado pelos mundos sociais que o constitui.

Também o campo desta pesquisa, como já mencionado anteriormente, foi

extremamente rico e revelador. Principalmente em relação às descobertas dos propulsores e

geradores da aprendizagem para o grupo pesquisado, dos jeitinhos, macetes e gambiarras, de

que o mestre não pode ser visto somente naquele que está exercendo as atividades fabris

por longos anos, mas sim em todos aqueles que adquirem e compartilham o saber com

os demais, buscando colaborar com o outro e como conseqüência passar a se expor a novas

experiências de aprendizagem, incluindo àquelas de ensinar o que sabe aos menos

experientes. A questão da prontidão para a aprendizagem, apontada por Knowles (1980; 1989;

1990), também aparece como um importante fator relacionado à aprendizagem dos

participantes.

Estes achados e descobertas encontrados no campo não estavam, inicialmente,

diretamente relacionados com o arcabouço teórico proposto durante a elaboração do projeto

de qualificação apresentado antes do início desta pesquisa, pois naquele momento, como já

mencionado, existiam mais dúvidas do que propriamente certezas. Seguindo as

recomendações de Hartley (1995) o arcabouço constava de um referencial inicial e portanto

não representava um limitador para a adoção de novas idéias e conceitos teóricos. Contudo, a

partir do início do processo de descrição e análise dos achados da pesquisa, foi possível

Page 166: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

165

constatar que tais achados corroboravam as idéias dos autores escolhidos e que poderiam ser

analisados à luz das teorias presentes no arcabouço.

Knowles (1980; 1989; 1990) e Illeris (2003) contribuíram para entender as questões

relacionadas às aprendizagens de indivíduos adultos. A questão da prontidão e da motivação

para as aprendizagens apontadas por Knowles foram essências para entender os processos de

trocas e as posturas adotadas pelos participantes desta pesquisa em relação à maneira como

eles se colocam e interagem com os demais profissionais. A própria forma como os

participantes vêem as aprendizagens como um processo de desenvolvimento que contribui

para que eles atinjam o potencial máximo em suas vidas também corroborou os processos

apontados pelo autor.

A maneira como ocorrem as aprendizagens no local de trabalho e os processos

cognitivos, emocionais e sociais também apontaram para as elaborações presentes nos estudos

de Illeris (2004). As trocas, os momentos de alegria, o compartilhar, a formação técnica, o

ambiente de aprendizagem, o social foram elementos presentes nas falas dos participantes da

pesquisa.

A aprendizagem experiencial descrita por Kolb (1984), as questões do conhecer-na-

ação e da reflexão-na-ação descritas por Schön (2007) também foram presenças constantes

nas falas, principalmente quando os participantes descrevem a maneira como realizam suas

atividades diárias de trabalho e a forma como resolvem os problemas emergentes a partir de

suas reflexões baseadas em suas experiências anteriores.

O pensar como um ____ de Schön (2007) também pode ser constatado em momentos

nos quais os participantes se colocam no lugar dos mais experientes e procuram encontrar

soluções para problemas ou prever situações que enfrentarão no futuro, ao longo de seu

processo de desenvolvimento profissional.

A epistemologia da prática e a reflexão-na-ação descritas por Schön (2007) também

foram observadas nas descrições de momentos em que os participantes compartilham

situações nas quais é preciso quebrar as regras, redescobrir maneiras de realizar as tarefas,

inventar novas soluções, enfrentar situações incertas, únicas e conflituosas, aprender com a

surpresa e a partir dela reconstruir novas estratégias de ação, teorias e esquemas de conhecer

os problemas, passando a buscar soluções imediatas para testar novas aproximações.

E, por fim, as questões apontadas por Elkjaer (2004) relacionadas aos mundos sociais

presentes no ambiente, os quais estão fundamentalmente apoiados na interação e nas trocas

Page 167: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

166

que se estabelecem entre os indivíduos e entre o indivíduo e a organização. Sendo estas trocas

permeadas pelas experiências, pelas investigações e pelo pensamento reflexivo.

Os autores escolhidos para compor o arcabouço teórico desta pesquisa se revelaram

muito apropriados para a realização dos processos de análises em relação aos achados, tanto

que na visão do pesquisador não houve necessidade de ampliações.

Finalmente, as experiências, nas diversas situações de aprendizagem serviram de

fio condutor durante todas as etapas da investigação realizada. Para Knowles (1980;

1990) é possível dizer que a experiência é vista como uma rica fonte de recursos para a

aprendizagem de cada um dos participantes e para seus companheiros de trabalho. Ele

acredita que as pessoas atribuem mais significado para as aprendizagens quando estas são

fruto de suas experiências. O autor chega inclusive a afirmar que o adulto, sujeito e foco desta

pesquisa, chegam a se definirem em termos do acúmulo de suas experiências únicas,

indicando que quando são perguntados quem são, estes se identificam por meio da descrição

de suas ocupações, sobre onde trabalham, em relação a suas viagens, a seus treinamentos e a

partir das experiências que os equiparam.

Importância semelhante é atribuída à experiência nos trabalhos de Kolb (1984), para

ele, é a partir das experiências concretas que iniciam os processos envolvidos na

aprendizagem experiencial, pois elas se constituem no propulsor das observações reflexivas,

da conceituação abstrata e finalmente na experimentação ativa. Para o autor, as aprendizagens

resultam da transação entre as experiências objetivas e subjetivas dos indivíduos e dos

conflitos dialéticos entre os extremos da experiência concreta versus abstrata, e da reflexiva

versus ativa. Finalmente Elkjaer (2004), fundamentada em Dewey (1936), elabora o

pressuposto de que as experiências são parte de uma transação entre os indivíduos e as

organizações, e que, portanto, estão presentes em todos os momentos e contatos estabelecidos

no ambiente de aprendizagem, tornando possíveis trocas e o estabelecimento do

desenvolvimento a partir dos mundos sociais presentes na organização.

A importância da experiência foi uma constante na fala de todos os participantes desta

pesquisa, sem ela nenhum projeto de aprendizagem poderia ter início. Para este trabalho

foram tratadas as experiências profissionais vividas pelos participantes no ambiente

produtivo, contudo suas experiências de vida também estiveram presentes em muitos

momentos do processo de investigação, para muitos, eles não estariam envolvidos no

processo de aprendizagem da atividade de operador de extrusão se não fossem suas

aprendizagens e experiências anteriores. Eles atribuem significados não somente para aquelas

Page 168: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

167

experiências que os instrumentalizam a realizar uma tarefa, como também para elementos

emocionais, de postura, comportamentos os quais, segundo a interpretação do autor deste

trabalho, representam um importante fator em seu desenvolvimento rumo à maestria dentro da

atividade exercida.

As vivências e experiências anteriores da empresa atual contribuíram para que os

participantes desenvolvessem um novo olhar, uma nova forma de aproximação das atividades

do dia-a-dia, possibilitando uma re-significação da atividade profissional e a adoção de

posturas vinculadas à busca constante de aprendizagens e de crescimento profissional. Estas

experiências somente tornam-se significativas graças à presença dos propulsores e geradores

descritos nas seções 5.6 e 5.7 deste trabalho, fatores que atrelados ao ambiente e aos mundos

sociais tornam possível as aprendizagens e o desenvolvimento dos participantes.

Uma possível resposta para a pergunta de pesquisa aponta para a questão de que as

aprendizagens e o desenvolvimento dos operários até o nível de supervisão de turnos na

empresa pesquisada somente se realiza a partir da partilha das experiências entre os mestres e

seus aprendizes, da participação, dos propulsores e geradores presentes no ambiente e nos

mundos sociais nos quais os participantes desta pesquisa realizam suas trocas e interações.

Também os programas de treinamentos oferecidos pela empresa contribuem e tornam

possíveis as aprendizagens.

Esta possível resposta não significa o encerramento da busca, nem o estancamento de

outras interpretações baseadas nos elementos fornecidos por este trabalho. Ela está vinculada

a um momento específico tanto em relação ao pesquisador quanto em relação aos próprios

participantes desta pesquisa e até mesmo em relação às estratégias de formação adotadas pela

empresa.

Em relação aos objetivos estabelecidos no início deste trabalho, acredita-se que foi

possível chegar a uma descrição e a análise dos processos de aprendizagem e as trajetórias

profissionais do grupo estudado no exercício de suas atividades. Estas descrições estão

presentes neste trabalho, as análises realizadas corroboraram as indicações presentes no

arcabouço teórico. Os processos de formação adotados pela empresa foram descritos, tendo

considerados todos os treinamentos formais ministrados pela empresa no período de 1997 a

2009, até o momento da realização da pesquisa. As experiências informais de aprendizagem

estiveram presentes nas narrativas quando os participantes descrevem seus contatos e trocas

com outros profissionais em momentos de observações e conversas em horários de almoço,

durante a parada para um “cafezinho” e em outras situações nas quais houve aprendizagem.

Page 169: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

168

As experiências de aprendizagem foram descritas e compreendidas também a partir das falas

dos participantes, sem eles este trabalho não teria sido realizado e nem teria sentido, pois o

interesse principal estabelecido neste trabalho foi de estudar a aprendizagem no nível

operacional da empresa. Também as experiências vivenciadas na área produtiva que

contribuem para a trajetória do indivíduo até o nível de supervisão de turnos de trabalho

foram identificadas e analisadas.

Este trabalho não teve o objetivo de fornecer um modelo de aprendizagem relacionado

a operários ou a profissionais que exercem atividades ainda pouco exploradas pelos estudos

de aprendizagem no local de trabalho. O objetivo foi fundamentalmente entrar em um mundo

dos saberes e experiências que estão presentes no tipo de atividade pesquisada, procurando

fornecer mais elementos para contribuir com trabalhos como o de Rose (2007, p. 50), o qual

teve o objetivo de:

(...) fornecer uma lente alternativa para examinar o trabalho de todo dia, ajudando-nos a ver com maior precisão o lugar dito comum. Acredito que tal mudança na percepção poderia contribuir para um retrato mais preciso do mundo do trabalho, como um todo e ajudar-nos a pensar mais efetiva e humanamente sobre a educação, a capacitação para o trabalho e as condições sob as quais tantas pessoas ganham a vida.

E além disso, buscar contribuir e adotar uma postura semelhante a de Rose:

Não é minha intenção menosprezar em nada as realizações daqueles a quem a cultura certifica como inteligentes, mas, sim, ampliar suficientemente nossa visão, para que consigamos perceber a presença do saber em todos os degraus da escada do status ocupacional. (ROSE. 2007, p. 50)

Limitações da pesquisa:

Não houve grandes limitações para a realização deste trabalho, contudo algumas

questões merecem ser apontadas:

- O fato do pesquisador trabalhar na mesma empresa na qual a pesquisa foi realizada

pode ser visto como uma forma de limitação. Contudo, como já exposto anteriormente, esta

limitação não se constituiu em um impeditivo para que os dados levantados a partir de

entrevistas fossem extremamente ricos e reveladores.

- Uma maior exploração de aspectos ligados a literatura de aprendizagem

organizacional poderia ter sido conduzida ao longo do processo de análise, contudo, por

opção do pesquisador, este trabalho limitou-se a tratar apenas dos aspectos ligados a

aprendizagem individual.

Page 170: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

169

- O tempo para a realização da pesquisa foi o fator que representou a maior limitação,

certamente se ele não tivesse sido tão escasso, as análises poderiam ser mais reveladoras e o

cuidado e a busca de outros indícios que podem estar presentes, porém não foram constatados,

poderiam também fazer parte deste trabalho.

Recomendações de estudos futuros:

- Estudar a aprendizagem no ambiente operacional de uma organização, além de ter

sido uma experiência muito enriquecedora, foi também reveladora de posturas, por parte dos

participantes, que se demonstraram muito colaborativas, as experiências são compartilhadas

sem receios, o interesse por parte dos participantes no andamento e no retorno para

confirmações e para novas contribuições caso fosse preciso foi um encorajador e um

estimulante para a recomendação de estudos futuros com operários.

- Também a verificação dos achados desta pesquisa, principalmente no que se refere

aos propulsores e geradores de novas aprendizagens, deveria ser investigada em outras

empresas e profissões para uma possível constatação de aspectos gerais que possam estar

presente no tipo de aprendizagem aqui investigada.

Page 171: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

170

A natureza ama a simplicidade. Kepler (1619)

Page 172: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

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Page 176: Mestres e Seus Aprendizes: um estudo de caso sobre a

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Apêndice A – Roteiro suporte para entrevistas

Roteiro suporte para a realização das entrevistas

Questões abordadas

Como foi realizada a formação escolar? • Que tipo de escola? • Quantos anos de educação? • Quanto tempo fora da escola? • Importância da formação escolar para a evolução profissional?

Como foi o desenvolvimento profissional antes da entrada na organização? Como se deu a evolução profissional na empresa?

• Quais foram os fatores que contribuíram para o crescimento? Vê possibilidade de crescimento dentro da empresa?

• Como? Que fatores crê que possam contribuir para o crescimento? Descrever momentos significativos no desenvolvimento da carreira dentro da empresa. O papel das experiências anteriores no processo de aprendizagem na organização. O papel das experiências formais e informais no processo de desenvolvimento na organização.

• Descrever experiências formais e informais. Qual o papel que exerce nos processos de desenvolvimento de novos operários? Qual o papel que exerce nos processos de aprendizagem, próprio e dos companheiros de trabalho? O papel do ambiente no setor produtivo (Quais condições, facilitadores e obstáculos enfrentados no processo de aprendizagem?).