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Jovens Aprendizes Uma análise a partir da experiência de jovens egressos e instituições formadoras Relatório Final de pesquisa São Paulo, novembro de 2011

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Page 1: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

Jovens Aprendizes

Uma análise a partir da experiência de

jovens egressos e instituições formadoras

Relatório Final de pesquisa

São Paulo, novembro de 2011

Page 2: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

2

Page 3: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

3

Ficha Técnica

Ação Educativa

Vera Masagão Ribeiro

Coordenadora geral

Maria Virgínia de Freitas

Coordenadora de Juventude

Maria Carla Corrochano

Coordenadora do Programa Juventude e Trabalho

Pesquisadora Responsável

Natália Bouças do Lago

Uvanderson Silva

Pesquisadores

Fernando Guarnieri

Lara Mesquita

Coordenação da pesquisa em

São Paulo e Fortaleza – via Cebrap

Page 4: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

4

Apresentação

O presente Relatório apresenta uma análise dos dados coletados no âmbito do

projeto Jovens Aprendizes, realizada pela Ação Educativa em parceria com o

Instituto Unibanco.

A pesquisa foi estruturada com o objetivo de identificar os avanços e desafios

trazidos pela Lei da Aprendizagem a partir das experiências e percepções de

adolescentes e jovens que experimentaram a condição de aprendizes. Partindo

da sua perspectiva, buscamos traçar um perfil geral desses jovens e identificar

os fatores que os mobilizaram a buscar uma inserção formal no mercado de

trabalho por meio da aprendizagem.

Além dos egressos, também foram ouvidos jovens e profissionais atualmente

vinculados a instituições formadoras de aprendizes. Dessa forma, buscamos

construir um olhar ampliado sobre a aprendizagem, equilibrando uma descrição

das atividades desenvolvidas pelas instituições visitadas às análises das

práticas observadas.

Espera-se que a reflexão produzida possa fornecer subsídios à avaliação das

ações hoje instituídas no âmbito da aprendizagem e fomentar o debate em

torno dessa lei junto ao poder público, entidades da sociedade civil e

pesquisadores das temáticas de juventude, educação e trabalho. Ainda,

esperamos possibilitar a reflexão acerca das contribuições possíveis para que

o jovem, respaldado por uma formação de qualidade, se insira em ocupações e

práticas que valorizem seus direitos, sonhos e projetos.

Desejamos a todas e a todos uma boa leitura.

Page 5: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

5

Índice

Apresentação ............................................................................................................... 4

Agradecimentos ............................................................................................................ 7

Introdução ..................................................................................................................... 8

Política de Aprendizagem Profissional e os Programas de formação profissional para

jovens: o que há de novo? ...................................................................................... 10

Procedimentos Metodológicos .................................................................................... 17

|1| A Lei de Aprendizagem: um olhar a partir dos jovens aprendizes egressos ........... 20

Introdução ............................................................................................................... 20

1.1. Perfil social ....................................................................................................... 21

1.2. A experiência com a Lei da Aprendizagem ....................................................... 32

1. 3. Impacto da participação no programa de aprendizagem ................................. 46

Inserção no mercado de trabalho ........................................................................ 49

|2| Um olhar para o presente: as instituições formadoras ............................................ 61

2.1. Informações sobre as organizações visitadas .................................................. 61

2.2. As organizações no mundo da aprendizagem .................................................. 64

2.3. Recrutamento e seleção dos jovens ................................................................. 65

2.4. Metodologias de trabalho ................................................................................ 71

2.5. O diálogo com as empresas ............................................................................. 78

2.6. O diálogo com os jovens aprendizes ................................................................ 82

2.7. Impressões sobre o "sistema 'S'" ...................................................................... 87

2.8. Uma análise da política .................................................................................... 89

|3| Um olhar para o presente: os jovens aprendizes ................................................... 93

3.1. Quem são estes jovens? .................................................................................. 93

3.2. Como chegam às instituições? ......................................................................... 94

3.3. A experiência na aprendizagem ....................................................................... 96

3.4. Projetos de futuro ........................................................................................... 105

Page 6: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

6

Conclusões e recomendações .................................................................................. 108

Referências Bibliográficas ........................................................................................ 112

Page 7: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

7

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer às pessoas e instituições que foram fundamentais

na realização dessa pesquisa por terem colaborado com o desenvolvimento

das suas atividades.

Em primeiro lugar, agradecemos a todos os jovens entrevistados pela sua

disponibilidade em conversar com a equipe de pesquisa sobre sua experiência

como aprendizes.

A Ana Lucia Alencastro, do Ministério do Trabalho e Emprego, pela

disponibilidade em dialogar com a equipe de pesquisa e, sobretudo, a gentileza

em conceder o acesso às informações dos jovens egressos de programas de

aprendizagem que constituíram a amostra da pesquisa.

Cabe também um agradecimento especial à abertura e à disposição das

instituições formadoras de jovens aprendizes (Senai, Colmeia, CIEE-SP e

Fundação Pró-Cerrado) em receber a equipe ao longo dos dias de pesquisa e

compartilhar as experiências com a aprendizagem.

As interlocuções proporcionadas pela Rede Pró-Aprendiz e pela

Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo, na figura do

coordenador do Fórum Paulista de Aprendizagem, foram fundamentais para a

problematização das informações sobre a aprendizagem e um melhor

entendimento dos processos que envolvem essa política pública.

Agradecemos, por fim, às especialistas Gisela Tartuce e Raquel Souza, cujas

leituras da versão preliminar deste Relatório foram fundamentais para um maior

aprofundamento das questões e uma melhor organização das ideias.

Equipe da pesquisa

Page 8: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

8

Introdução

A partir de meados dos anos 1990 assistiu-se no Brasil ao surgimento de várias

ações públicas, governamentais e da sociedade civil, dirigidas à juventude.

Em um contexto marcado pelo baixo desempenho da economia, abertura

comercial, reestruturação produtiva das empresas, flexibilização das relações

de trabalho, o desemprego juvenil despontou como um dos grandes problemas

sociais sobre os quais se organizou boa parte da agenda das políticas públicas

de juventude. A centralidade dessa forma de desemprego no âmbito de tais

políticas e nas pesquisas sobre o universo juvenil justifica-se em parte pelo

impacto negativo que a ausência de trabalho causa nas condições de vida dos

jovens, em particular daqueles pertencentes a famílias de baixa renda, e em

parte devido à novidade dessa forma de desemprego no mercado de trabalho.

Até os anos 1980, os jovens brasileiros não encontravam grandes dificuldades

de inserção no mercado de trabalho, ainda que as condições de exercício de

suas atividades fossem estruturalmente precárias. Diversos estudos sobre o

padrão da transição da escola para o universo profissional apontaram que,

diferentemente do que se passava na época nos países desenvolvidos, no

Brasil os jovens entravam no mercado de trabalho com pouca idade, baixa ou

nenhuma escolaridade e em ocupações precarizadas. Aqueles que

conseguiam prolongar o período de escolarização e postergar o início da vida

profissional geralmente eram oriundos das classes médias e altas que, ao

ingressarem no mundo de trabalho, ocupavam os postos mais seguros e

rentáveis do mercado.

Transformações

No entanto, nas últimas décadas, em função de intensas transformações

produtivas e sociais, ocorreram mudanças nas condições de transição da

escola para o trabalho. As tendências recentes do mundo do trabalho, bem

como a evolução dos sistemas educacionais e de formação profissional, têm

colocado os jovens diante de um complexo paradoxo: por um lado, os níveis

Page 9: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

9

educacionais alcançados por eles são mais elevados do que os das gerações

anteriores; por outro, os jovens encontram sérias dificuldades de inserção no

mercado de trabalho, principalmente para a obtenção do primeiro emprego,

dado o aumento da competitividade e da demanda por experiência e por

qualificação no mercado de trabalho.

No que diz respeito à educação, nas últimas duas décadas houve uma

expansão da escolaridade no país – aproximando-se da universalização no

Ensino Fundamental e dobrando o número de atendidos nos anos 2000 no

Ensino Médio – que alterou o tempo de permanência dos alunos no sistema

escolar e a média de escolaridade dos jovens brasileiros (Carbucci et al, 2009).

Entretanto, a relação entre escolaridade e posição no mercado de trabalho

tornou-se mais complexa. Num contexto marcado pela oferta limitada de

emprego formal, pelas constantes mudanças tecnológicas nos processos de

trabalho, por um elevado número de pessoas à procura de emprego, as

credenciais escolares são cada vez mais importantes na trajetória dos

trabalhadores. Se antes a conclusão do Ensino Médio (antigo 2° grau)

funcionava quase como um passaporte para as ocupações técnicas e/ou de

mando, hoje esse nível de escolaridade torna-se cada vez mais um pré-

requisito para disputar qualquer vaga no mercado. Nesse contexto, as

possibilidades de mobilidade social tornaram-se mais restritas, e as condições

de trabalho das pessoas com baixa escolaridade, cada vez mais precárias.

No que se refere ao mundo do trabalho, as reformas econômicas ocorridas

durante os anos 1990 (privatizações de estatais, abertura para mercado

internacional, estabilização monetária) alteraram consideravelmente a dinâmica

do mercado de trabalho brasileiro. As novas regras de competitividade das

empresas aliadas à introdução de novas tecnologias nos processos de

produção resultaram na elevação da taxa de desemprego (decorrente da

redução dos postos de trabalho) e no aumento das exigências de formação

escolar e profissional dos novos trabalhadores.

Mesmo considerando a primeira década dos anos 2000, período marcado por

uma relativa recuperação do desempenho econômico e de crescimento do

mercado de trabalho formal, os jovens ainda apresentam taxas de desemprego

Page 10: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

10

mais elevadas do que as dos adultos. Em 2007, segundo a Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílios – Pnad, o desemprego juvenil era 2,9 vezes maior

que o dos adultos – a taxa de desemprego juvenil chegava a 14%, enquanto a

taxa de desemprego dos adultos era de 4,8% (Andrade, 2008).

A propósito das novas condições dos trabalhadores jovens no mercado de

trabalho, vale a síntese de Camarano (2001):

“O mercado de trabalho encontrado pelos jovens hoje é muito diferente do mercado de trabalho encontrado pelos seus pais. Os contratos são piores, expandiram-se os contratos de temporários e a informalidade aumentou. De forma geral, os jovens de hoje recebem salários mais baixos e estão mais desprotegidos, não contando com o acesso aos benefícios de uma rede de proteção social – como, por exemplo, os benefícios previdenciários, de saúde e seguro desemprego. Por outro lado, observam-se crescentes obstáculos para a obtenção do primeiro emprego." (Camarano, 2001, p.34)

Diante do quadro de altas taxas de desemprego juvenil e da precariedade das

ocupações produtivas atualmente disponíveis aos jovens, as políticas de

juventude se veem diante de três opções de intervenção no que se refere ao

trabalho. A primeira é preparar o jovem para fazer a transição escola-trabalho,

procurando facilitar sua contratação e oferecer a ele melhores oportunidades

de trabalho. A segunda é, em vez disso, prolongar sua escolarização, o que

eventualmente redunda em retardar sua entrada no mercado de trabalho. O

terceiro tipo de intervenção é aquele que visa regulamentar a participação dos

jovens no mercado de trabalho e conciliá-la com a continuidade dos estudos. A

política atual de Aprendizagem Profissional insere-se nesse terceiro modelo.

Política de Aprendizagem Profissional e os Programas de formação

profissional para jovens: o que há de novo?

Durante a década de 1990 surgiu uma série de programas públicos dirigidos

aos jovens de baixa renda com o objetivo de combater o desemprego e conter

a violência que grassava nos grandes centros urbanos do país. Na maior parte

dos casos, eram programas oferecidos pelo poder público em parceria com

organizações da sociedade civil, de caráter socioeducativo, articulados a uma

proposta de transferência de renda e, em alguns casos, visavam facilitar a

Page 11: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

11

inserção dos jovens no mundo do trabalho por meio de cursos de qualificação

profissional. Como destacou Sposito (2007), as avaliações sobre esses

programas ainda não são exaustivas, nem mesmo conclusivas, porém trazem

elementos que sinalizam para alguns limites dessas iniciativas. Dentre as

críticas podemos destacar:

(i) a falta de articulação entre formação profissional e escolarização;

(ii) a curta duração do processo formativo;

(iii) a distância entre as proposta pedagógica dos cursos profissionalizantes

e os conhecimentos e competências demandados pelo mercado de

trabalho;

(iv) a falta de envolvimento do setor produtivo no processo de construção

das políticas de qualificação profissional.

Nesse contexto, a política de aprendizagem profissional – desenhada na

primeira metade do século XX e formulada, em sua versão atual, pela Lei nº

10.097/2000 – é apresentada pelos seus proponentes e apoiadores (com

destaque para o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE) como uma

alternativa no quadro das políticas públicas de juventude. A política de

aprendizagem profissional, tal como na atual proposta do MTE, tem como

principais objetivos:

capacitação profissional adequada às demandas e às diversidades dos

aprendizes, do mercado de trabalho e da sociedade;

promoção da flexibilidade e da mobilidade no mercado de trabalho pela

aquisição de competências básicas e contínuas, compreendendo

conhecimentos, habilidades, atitudes e valores;

elevação do nível de escolaridade do aprendiz;

articulação de esforços das áreas de educação, do trabalho e emprego, da

ciência e tecnologia, da assistência social e da saúde.

Page 12: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

12

A Aprendizagem Profissional é uma política pública de caráter permanente, que

reúne a qualificação e a inserção em uma única ação. Embora conste na

legislação brasileira desde a década de 1940, foi modificada pela Lei da

Aprendizagem (Lei nº 10.097/2000) e está regulamentada pelo Decreto nº

5.598/2005, estabelecendo a obrigatoriedade de estabelecimentos de médio e

grande porte de contratar jovens entre 14 e 24 anos como trabalhadores

aprendizes.

O trabalho dos aprendizes com idade inferior a 18 anos deve ser realizado de

acordo com as normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA, que impede que os adolescentes atuem em locais

prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social,

e preconiza que o trabalho seja realizado em horários e locais que permitam a

frequência à escola.

Do ponto de vista da inserção no mercado de trabalho, a Lei da Aprendizagem

visa minimizar as atividades informais e aumentar as possibilidades de

empregos legalizados para jovens ingressantes no mercado de trabalho. A

proposta é de que enquanto o jovem aprende uma profissão e o funcionamento

da vida corporativa, a organização se compromete em oferecer qualificação

profissional a um iniciante, que ao final de um ou dois anos deverá estar apto a

ingressar definitivamente no seu quadro de pessoal.

Vários estudos apontam que a falta de experiência é o principal entrave para

que os jovens consigam ingressar no mercado de trabalho. A Lei da

Aprendizagem propõe superar esse problema por meio de um contrato especial

de trabalho que possibilite aos jovens compatibilizar formação profissional

teórica e experiência prática de trabalho. Além disso, a política de

aprendizagem visa resolver um dos principais dilemas das políticas de inserção

social de jovens de baixa renda, que seria garantir ao jovem a obtenção de

renda sem comprometer a possibilidade de continuar seu processo formativo.

O contrato de aprendiz possibilita que o jovem tenha um salário sem recorrer

ao mercado informal e, o mais importante, sem abandonar os estudos.

Uma das principais alterações na nova Lei da Aprendizagem foi a ampliação

dos modelos de instituições habilitadas a realizar os cursos de qualificação e

Page 13: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

13

acompanhar as atividades formativas dos jovens no espaço de trabalho. Desde

a sua promulgação em 1943, a Lei da Aprendizagem previa que a formação

dos adolescentes e jovens fosse conduzida pelos Serviços Nacionais de

Aprendizagem, conjunto também conhecido como "sistema 'S'" (Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai, Serviço Nacional de

Aprendizagem do Comércio – Senac, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

– Senar, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – Senat e Serviço

Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – Sescoop). Com a alteração da

legislação em 2000, por meio da Lei nº 10.097, as escolas técnicas e

organizações não-governamentais ganharam condições de oferecer programas

de aprendizagem desde que devidamente registradas no Conselho Municipal

de Direitos da Criança e Adolescente – CMDCA e certificadas pelo MTE. No

entanto, há uma demanda por uma maior fiscalização com relação às

condições de funcionamento das instituições formadoras, bem como da

qualidade pedagógica dos cursos profissionalizantes ofertados.

Todas as empresas de médio e grande porte (com receita bruta anual superior

a R$ 1.200.000,00) devem contratar um número de aprendizes correspondente

a no mínimo 5% e, no máximo, 15%, de seu quadro de funcionários. No

entanto, a cota mínima está longe de ser atingida em todas as regiões do país.

Aliás, o cumprimento da cota mínima é um dos principais esforços do MTE no

que se refere à implementação dessa política.

As empresas contratantes estabelecem parceria com entidades formadoras

autorizadas a oferecer esse tipo de formação profissional. A carga horária

máxima deve ser de 6 horas de trabalho por dia, podendo chegar até a 8 horas

se o jovem tiver completado o Ensino Fundamental. Esse é um ponto

controverso da Lei, pois na contramão da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que prevê a “extensiva obrigatoriedade e

gratuidade” do Ensino Médio, a Lei da Aprendizagem define que o jovem que

concluiu o Ensino Fundamental pode atuar durante 8 horas diárias na empresa.

Ainda no que se refere à relação entre aprendizagem e escolarização, a

legislação não deixa claro se a frequência no Ensino Médio é obrigatória ou

não, no caso do adolescente que já concluiu o Ensino Fundamental. Observe:

Page 14: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

14

“Art. 428 - § 1o A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação

na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência do

aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental, e inscrição

em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade

qualificada em formação técnico-profissional metódica”.

A carga horária do jovem aprendiz deve ser dividida entre a empresa e uma

instituição de qualificação que ministrará o curso de aprendizagem. A

aprendizagem profissional consiste em formação técnico-profissional metódica,

aliando conhecimento teórico com experiência prática, permitindo ao jovem

aprender uma profissão e obter sua primeira experiência como trabalhador.

Por se tratar de uma modalidade de formação no processo de trabalho, um

funcionário da própria empresa deverá acompanhar o processo de

“aprendizagem”, aliado ao “acompanhamento” de instituições do Sistema

Nacional de Aprendizagem, escolas técnicas ou organizações da sociedade

civil. No entanto, como observaremos com mais detalhe ao longo do relatório,

esse processo de acompanhamento formativo no local de trabalho de trabalho

nem sempre acontece. Na maioria das vezes, as instituições contratantes não

têm um plano pedagógico e de trabalho preparado para os jovens aprendizes.

A construção de estratégias pedagógicas que visem atender à proposta de

compatibilizar a dinâmica de trabalho e o processo formativo no espaço de

trabalho é um desafio de primeira de ordem da política de aprendizagem

profissional.

A alíquota de recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço –

FGTS sobre os contratos de aprendizagem cai de 8% para 2%. Por se tratar de

um contrato de aprendizagem por tempo determinado (até dois anos), não há

previsão nesta espécie de contrato – ainda que com registro formal em Carteira

de Trabalho – de benefícios como pagamento de Aviso Prévio ou Seguro-

Desemprego. O salário mínimo pago será o salário mínimo/hora, “salvo

condição mais favorável”; portanto, uma carga horária de 4 horas diárias

corresponde à metade do salário mínimo, e assim sucessivamente.

Outro órgão envolvido nesses programas é a Delegacia Regional do Trabalho –

DRT, vinculada ao MTE, a qual é responsável por fiscalizar tanto o

Page 15: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

15

cumprimento da Lei da Aprendizagem pelas empresas, como a execução do

programa pelas entidades de formação profissional. O MTE também é

responsável, de acordo com o Decreto nº 5.598/2005, por editar, em parceria

com o Ministério da Educação, normas para avaliação da competência das

entidades responsáveis pela formação técnico-profissional dos aprendizes.

Lei da

Aprendizagem Características

A lei

Lei nº 10.097/2000 ampliada pelo Decreto Federal nº

5.598/2005.

O aprendiz

Jovens de 14 a 24 anos de idade que estejam cursando o

Ensino Fundamental ou o Ensino Médio. No caso de pessoa

com deficiência é permitida a contratação de jovens maiores

de 24 anos de idade.

A empresa

contratante

Estabelecimentos de qualquer natureza. É facultativa a

contratação de aprendizes pelas microempresas, bem como

pelas Entidades sem Fins Lucrativos.

Remuneração Salário mínimo/hora.

Jornada de

trabalho

Até 6 horas diárias para aprendizes que cursam o Ensino

Fundamental.

Até 8 horas para os que estão no Ensino Médio.

Cota de

aprendizes na

empresa 5% a 15% das vagas do quadro de pessoal.

Direitos

trabalhistas 13º salário, vale-transporte e férias.

Contrato

Por tempo determinado, com duração de, no máximo, dois

anos.

Vínculo Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com registro

Page 16: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

16

na carteira de trabalho (CTPS).

Incentivos fiscais e

tributários

2% de FGTS, dispensa de aviso prévio, isenção de multa

rescisória.

Órgão responsável

pela fiscalização

da lei Superintendência Regional do Trabalho

Page 17: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

17

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa coletou informações sobre a Lei da Aprendizagem a partir de duas

etapas, que serão descritas separadamente: i) Pesquisa com jovens que

participaram de programas de aprendizagem; e ii) Pesquisa em instituições

formadoras de aprendizes.

O caráter complementar das duas frentes da pesquisa motivou a constituição

desse desenho de pesquisa. A etapa quantitativa pode oferecer informações

relacionadas a experiências de aprendizagem vivenciadas por jovens, assim

como apontar os caminhos percorridos por estes mesmos jovens após a

participação na aprendizagem. As visitas e entrevistas qualitativas permitiram,

por sua vez, uma análise sobre a lei por jovens que atualmente são aprendizes,

mas também por profissionais que atuam desde a fiscalização até a concepção

e aplicação da política no cotidiano das instituições.

Da pesquisa com jovens egressos de programas de aprendizagem

Nessa etapa da pesquisa foi entrevistado um total de 448 jovens, sendo 142

em Fortaleza e 306 em São Paulo. A amostra foi construída a partir do

cadastro de jovens aprendizes disponibilizado pelo Ministério do Trabalho e

Emprego – MTE. A escolha das duas cidades deveu-se à presença significativa

de jovens contratados como aprendizes no mercado de trabalho local. A

primeira, São Paulo, é a cidade com o maior número de jovens contratados

como aprendizes. Esse resultado deve-se, em parte, à proporção do mercado

de trabalho dessa região, mas também à articulação entre diversos atores

estratégicos: poder público, empresários, instituições do Sistema Nacional da

Aprendizagem Profissional, organizações da sociedade civil, entre outros.

Fortaleza, por sua vez, apresenta um caso bem-sucedido de implementação

dos programas de aprendizagem. Essa cidade representa quase 20% dos

jovens aprendizes contratados na região Nordeste.

Page 18: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

18

A maior parte das entrevistas foi realizada presencialmente. Entretanto, diante

de algumas dificuldades de localização dos jovens1, uma parcela das

entrevistas foi feita a partir de contatos telefônicos.

A realização das entrevistas foi orientada por um questionário estruturado2 e as

perguntas do instrumento relacionaram-se às vivências do jovem com a

aprendizagem e às atuais experiências de trabalho e estudos. Buscou-se,

assim, investigar se o jovem entrevistado entendia a experiência de

aprendizagem como potencializadora de novas trajetórias profissionais e

educacionais.

Ainda, foram realizadas 10 entrevistas em profundidade, sendo 6 em São

Paulo e 4 em Fortaleza, orientadas por um roteiro3, com jovens egressos que

se dispuseram a contar com mais detalhamento as experiências do período em

que foram aprendizes. Tais conversas auxiliaram na análise dos dados por

possibilitar um olhar mais aprofundado sobre determinadas questões

levantadas pela etapa quantitativa.

Da pesquisa nas instituições formadoras

A etapa qualitativa pesquisou quatro instituições formadoras de jovens

aprendizes: CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), São Paulo-SP;

Colmeia, São Paulo-SP; Escola Senai Mariano Ferraz, São Paulo-SP; e

Fundação Pró-Cerrado, Aparecida de Goiânia-GO. As organizações visitadas

não serão diretamente identificadas na apresentação e análise de suas falas a

respeito da aprendizagem. Para tanto, a distinção entre elas será feita a partir

das expressões Org1, Org2, Og3 e Org4.

Para a definição das iniciativas pesquisadas buscou-se uma diversidade no

que concerne à localidade, tipos de público e tamanho das organizações,

fatores aliados à disponibilidade das instituições em receber a equipe de

1 Sobretudo relacionadas à localização dos jovens nos horários das entrevistas e à existência de

endereços desatualizados no banco de dados.

2 Anexo a esse relatório.

3 Anexo a esse relatório.

Page 19: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

19

pesquisa. Ainda que o foco da pesquisa qualitativa tenha sido o estado de São

Paulo, sobretudo em decorrência das limitações de deslocamento da equipe de

pesquisa, a Fundação Pró-Cerrado foi procurada tendo em vista a sua

localização (em uma tentativa de observar a aprendizagem para além do

território paulista) e a quantidade significativa de jovens atendidos.

Essa etapa estruturou-se a partir da observação das atividades executadas

pelas entidades e também pela realização de entrevistas com coordenadores,

educadores (ou instrutores) e jovens aprendizes. Todas as conversas foram

orientadas por roteiros cujas questões versavam sobre as experiências com a

aprendizagem4.

Em caráter complementar, foram ouvidos outros atores inseridos em processos

relacionados à Aprendizagem: o articulador da Rede Pró-Aprendiz5, voltada às

organizações que executam programas de aprendizagem; e um profissional da

Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo6, que também é

responsável pela coordenação do Fórum Paulista de Aprendizagem – Fopap7.

Optou-se por realizar tais diálogos como forma de entrar em contato com

diferentes olhares e formas de trabalho que promovem a articulação e a

fiscalização das práticas de aprendizagem.

4 Anexos a esse relatório.

5 A Rede Pró-Aprendiz é uma iniciativa coordenada pela Fundação Pró-Cerrado que articula

organizações diversas no sentido de promover a Lei da Aprendizagem enquanto política pública para a juventude no Brasil. Mais informações: http://aprendizagem.org.br/. Acesso em 07/10/2011.

6 A Superintendência Regional do Trabalho tem a função de fiscalizar o cumprimento da Lei da

Aprendizagem no que concerne às práticas relacionadas às empresas e às instituições formadoras.

7 O Fórum Paulista de Aprendizagem é mandatário de uma política mais ampla que instituiu o Fórum

Nacional e os Fóruns Estaduais de Aprendizagem. A atribuição desses órgãos é articular governo, instituições formadoras e empresas em torno da pauta da aprendizagem. Mais informações: http://www.mte.gov.br/eventos/forum_aprendizagem_sp/default.asp. Acesso em 07/10/2011.

Page 20: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

20

|1| A Lei de Aprendizagem: um olhar a partir dos jovens

aprendizes egressos

Introdução

Neste capítulo apresentaremos o resultado da investigação realizada com

jovens egressos de programas de aprendizagem profissional entrevistados em

duas cidades: Fortaleza, no Ceará, e São Paulo, capital.

Nessa etapa da pesquisa foi entrevistado um total de 448 jovens, sendo 142

em Fortaleza e 306 em São Paulo. A amostra foi construída a partir do

cadastro de jovens aprendizes disponibilizado pelo Ministério do Trabalho e

Emprego – MTE. A escolha das duas cidades deveu-se à presença significativa

de jovens contratados como aprendizes no mercado de trabalho local. A

primeira, São Paulo, é a cidade com o maior número de jovens contratados

como aprendizes. Esse resultado deve-se, em parte, à proporção do mercado

de trabalho dessa região, mas também à articulação entre diversos atores

estratégicos: poder público, empresários, instituições do Sistema Nacional da

Aprendizagem Profissional, organizações da sociedade civil, entre outros.

Fortaleza, por sua vez, apresenta um caso bem-sucedido de implementação

dos programas de aprendizagem. Essa cidade representa quase 20% dos

jovens aprendizes contratados na região Nordeste.

Vale registrar que, de um modo geral, a adesão à Lei da Aprendizagem

Profissional por parte dos empregadores ainda é bastante restrita. No esforço

para ampliar o número de jovens contratados como aprendizes foi assinado,

durante a Primeira Conferência Nacional da Aprendizagem Profissional, em

2008, uma carta de compromisso que tinha por meta atingir a marca de 800 mil

jovens aprendizes contratados até 2010. Em 2011, o número de aprendizes

contratados foi de 200 mil.

Page 21: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

21

Tabela 1 – Jovens aprendizes contratados por região em 2011

Região Aprendizes contratados

Brasil 231.050

Sudeste 116.340

Sul 41.705

Nordeste 35.998

Norte 13.743

Centro-Oeste 23.264

São Paulo 19.205

Fortaleza 7.118

Fonte: MTE/SISAPRENDIZAGEM

O capítulo está dividido em três partes. No primeiro momento, apresentaremos

o perfil social dos jovens entrevistados. Em seguida, discutiremos alguns

aspectos da experiência dos jovens nos programas de aprendizagem

profissional. Por fim, trataremos dos impactos dos programas de aprendizagem

nas condições de inserção no mercado de trabalho.

1.1. Perfil social

A pesquisa identificou uma maioria de mulheres entre os jovens egressos dos

programas de aprendizagem: 198 homens e 247 mulheres. São 75 mulheres

(53%) em Fortaleza contra 67 homens (47%). Em São Paulo os números são:

172 mulheres (57%) e 131 homens (43%). De acordo com os dados, não há

muita diferença entre os sexos nos estados investigados com relação à

participação nos programas, porém se mantém uma maioria de mulheres.

Page 22: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

22

Tabela 2 – Distribuição dos entrevistados por sexo e município

Freq. % Freq. % Freq. %

Masculino 198 0.44 67 0.47 131 0.43

Feminino 247 0.56 75 0.53 172 0.57

Total 445 1 142 1 303 1

Geral CE SP

A Lei da Aprendizagem limita a idade dos aprendizes entre 14 e 24 anos, mas

cabe lembrar que esse limite de idade pode ser estendido no caso das pessoas

com deficiência. Na Figura 1 vê-se a distribuição etária dos jovens contatados

pela pesquisa. Nota-se uma aproximação entre as médias de idade dos jovens

das duas cidades: enquanto em Fortaleza os jovens têm em média 20 anos,

em São Paulo a média é de pouco menos de 19 anos. Considerando que se

trata de jovens egressos que concluíram a formação profissional entre os anos

de 2007 e 2009, o que se pode apreender desse resultado é que a maioria dos

jovens entrou nos programas de aprendizagem antes de alcançar a

maioridade. Esse resultado parece indicar uma tendência nacional. Gonzalez

(2009), analisando os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais)

de 2008, identificou que mais de 70% dos aprendizes contratados naquele ano

eram jovens de até 17 anos de idade.

*

Figura 1– Distribuição da idade dos entrevistados por município

Page 23: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

23

A distribuição da raça/cor dos entrevistados é referida na Figura 2. Vemos que

enquanto 42% se declaram brancos, 54% se definem como pretos e pardos.

Figura 2 – Distribuição dos entrevistados por raça/cor

Ao observarmos a distribuição da raça/cor por município, vemos que em

Fortaleza há preponderância de pardos enquanto em São Paulo predominam

os que se declaram brancos, conforme a figura abaixo.

Figura 3 – Distribuição da cor dos entrevistados por município

Page 24: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

24

Os dados sobre o perfil familiar dos jovens aprendizes egressos são

instigantes. A Tabela 3, abaixo, indica que a maior parte dos entrevistados

mora com o pai e a mãe: são 265 ou cerca de 60% dos jovens. Também é

grande a proporção dos entrevistados que moram apenas com a mãe, quase

30%. Em São Paulo, a proporção dos aprendizes egressos que moram com

seu pai e sua mãe – 64% – é bem maior que em Fortaleza – 48% –, onde é

bem mais frequente que o jovem more apenas com a mãe: 37%.

Tabela 3 – Distribuição dos entrevistados conforme com quem mora e município

Com quem mora Freq % Freq % Freq %

Pai e mãe 265 0.59 197 0.64 68 0.48

Mãe 132 0.29 79 0.26 53 0.37

Pai 16 0.04 13 0.04 3 0.02

Outros 35 0.08 17 0.06 18 0.13

Total 448 1.00 306 1.00 142 1.00

Geral São Paulo Fortaleza

Um dado surpreendente foi o número relativamente baixo de jovens com filhos,

considerando inclusive a ampliação da faixa etária da política de aprendizagem

para os jovens de até 24 anos. Apenas 26 dos 463 entrevistados disseram ter

filhos, conforme a Figura 4, referida a seguir. A proporção dos que têm filhos

(6%) é praticamente a mesma em São Paulo e Fortaleza. A maior parte dos

entrevistados que têm filhos (20 em 26) são mulheres. Esse resultado está

abaixo da média nacional. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios – Pnad 2007, feita pelo IBGE, o número das jovens

entre 15 e 19 anos que já tiveram filho corresponde a 10,7% da população

nessa faixa etária. Quando considerado o diferencial de renda esses números

tornam-se mais expressivos: 44,2 % das jovens entre 15 e 19 anos com filhos

pertencem à faixa de renda familiar per capita de até ½ salário mínimo.

Page 25: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

25

Figura 4 – Distribuição dos entrevistados conforme tem filho ou não

A maior parte dos entrevistados (80%) tem renda familiar entre um e cinco

salários mínimos. A figura abaixo aponta diferenças significativas na

distribuição da renda entre Fortaleza e São Paulo. Enquanto em São Paulo

cerca de 10% ganham mais de cinco salários mínimos, em Fortaleza apenas

3% recebem o mesmo valor.

Figura 5 – Distribuição da renda dos entrevistados por município

Page 26: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

26

Na Figura 6 vemos que a maior parte dos entrevistados declarou que duas a

três pessoas contribuem com a renda familiar. Mais uma vez há diferenças

entre Fortaleza e São Paulo. Na capital paulista o número de pessoas que

contribuem para renda familiar costuma ser maior que em Fortaleza.

Figura 6 – Distribuição do número de pessoas que contribui com a renda

familiar

A maior parte dos entrevistados (60%) contribui com a renda familiar. 55%

contribuem com metade ou menos da renda familiar. 38% não contribuem com

a renda familiar. A Figura 7 mostra que nesse ponto não há grandes diferenças

entre São Paulo e Fortaleza.

Page 27: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

27

Figura 7 – Distribuição dos entrevistados conforme a participação na renda

familiar.

No que se refere à escolaridade, os dados apresentados sugerem que, para a

maioria dos jovens egressos dos programas de aprendizagem, a

profissionalização coincide com o investimento na formação escolar.

Aproximadamente 60% dos entrevistados estavam estudando no momento da

entrevista, enquanto cerca de 40% não estudavam. Dos que deixaram de

estudar, quase a totalidade – 178 ou 97% – parou no Ensino Médio. Do

restante, dois entrevistados pararam no primeiro ciclo do Ensino Fundamental,

um parou no segundo ciclo do Ensino Fundamental, um evadiu do curso

Superior e outro deixou de estudar quando cursava EJA (Educação de Jovens

e Adultos).

Quando observamos a situação por município, vemos que a amostra em

Fortaleza se divide quase ao meio, enquanto em São Paulo a maior parte

estava estudando.

Page 28: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

28

Figura 8 – Distribuição dos entrevistados pela situação de estudo e município

A grande maioria dos entrevistados que estava estudando cursava o nível

superior. Eram 160 jovens, ou 61% do total. Em seguida vinham o Ensino

Médio, com 60 entrevistados ou 23%, e o Ensino Técnico, com cerca de 10%

dos entrevistados. A tabela abaixo registra a distribuição dos entrevistados pela

série que cursavam.

Tabela 4 – Distribuição dos entrevistados pela série que estavam cursando

Série Freq. %

6 -9 EF 1 0.00

1 -3 EM 60 0.23

Técnico 25 0.09

Superior 160 0.61

EJA 3 0.01

Pré-Vestibular 15 0.06

Total 264 1.00

A distribuição por município não é muito diferente da distribuição da amostra

como um todo. A figura abaixo mostra que enquanto os aprendizes egressos

de Fortaleza estavam menos presentes no Ensino Médio e em cursos técnicos,

eles se encontravam em maior proporção no Ensino Superior. Também vemos

Page 29: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

29

que há bem mais fortalezenses fazendo cursos pré-vestibulares do que

paulistanos. Resultado que reflete, em grande medida, uma maior média de

idade entre aprendizes egressos de Fortaleza.

Figura 9 – Distribuição dos entrevistados por série e município

A Tabela 5 registra que 80% dos jovens da amostra estudam à noite. A Figura

10 refere que a distribuição dos entrevistados por período e município segue a

distribuição da amostra mais geral. Há mais jovens de Fortaleza estudando nos

períodos de manhã e tarde do que em São Paulo.

Tabela 5 – Distribuição da amostra por período de estudo

Período Freq %

Manhã 38 0.15

Tarde 15 0.05

Noite 207 0.80

Total 260 1.00

Page 30: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

30

Figura 10 – Distribuição dos entrevistados por período de estudo e município

A maior parte dos aprendizes egressos – 162 ou 63% – estudava em

escolas/ faculdades privadas. A figura abaixo expressa que não há muita

diferença quando levamos o município em consideração, a não ser a

maior presença de escolas/faculdades públicas federais na amostra de

Fortaleza.

Figura 11 – Distribuição da amostra por tipo de escola/faculdade e por município

A maior parte dos entrevistados não frequenta outros cursos. Em São Paulo,

apenas 78 ou 25% dos jovens declararam fazer algum curso; esse número é

de 41 ou 29% dos entrevistados em Fortaleza. Nesta cidade os jovens dividem-

Page 31: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

31

se entre cursos de línguas e de informática, enquanto em São Paulo prevalece

o curso de línguas. A figura abaixo evidencia a diferença entre São Paulo e

Fortaleza nesta variável.

Figura 12 – Distribuição dos entrevistados por tipo de curso que

frequenta e município

Os dados apresentados sugerem que os jovens atendidos pelos programas de

aprendizagem profissional têm uma média de escolaridade superior à da

maioria dos jovens brasileiros – 76% dos entrevistados completaram o Ensino

Médio. De acordo com a Pnad 2009, a média de escolaridade dos brasileiros

acima dos 15 anos de idade é de apenas 7,5 anos de estudo. No caso dos

jovens de 18 a 24 anos, apenas 37% conseguem completar o Ensino Médio.

Nesse sentido, um dos desafios da implementação da Lei da Aprendizagem é

criar estratégias que estimulem o ingresso de jovens com baixa escolaridade –

e consequentemente com maiores dificuldade de inserção laboral – nos

programas de aprendizagem. A articulação com os programas de Educação de

Jovens e Adultos – EJA pode ser um possível caminho.

De acordo com os dados da pesquisa acima apresentados, podemos dizer que

os jovens atendidos pelos programas de aprendizagem profissional, em sua

maioria, moram com os pais, não têm filhos, pertencem a famílias com renda

mensal próxima da média nacional, trabalham, mas não assumem a

Page 32: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

32

responsabilidade de comporem sozinhos a renda familiar e apresentam um

perfil escolar acima da média nacional. Enfim, trata-se de um jovem que tem

por objetivo sua inserção no mercado de trabalho, mas, ao mesmo tempo

reconhece a importância do formação escolar e da experiência no mercado

formal de trabalho como credenciais importantes para acessar os postos de

trabalho mais qualificados e rentáveis. No entanto, jovens egressos

entrevistados não estão entre os grupos mais vulneráveis da juventude

brasileira. Diante disso, um dos desafios para a política pública de

Aprendizagem Profissional é construir estratégias de atendimento que viabilize

o acesso dos jovens de menores renda e com baixa escolaridade nos

programas.

1.2. A experiência com a Lei da Aprendizagem

Ainda que a Lei da Aprendizagem adquira relativa centralidade no contexto das

políticas de trabalho para a juventude e o número de contratos nessa

modalidade de vínculo tenha crescido exponencialmente nos últimos anos

(Gonzalez, 2009), os canais de informação sobre a existência da referida

política ainda são bastante informais. A maior parte dos jovens soube da Lei

da Aprendizagem por meio de amigos. A Figura 13 mostra que depois dos

amigos vem o item “Outros Familiares” como fonte principal de informação

sobre a Lei. Em Fortaleza, os "familiares" perdem um pouco para a

“Escola/Professores” como fonte de informação da lei. Por sua vez, em São

Paulo a escola e os professores não aparecem como uma fonte relevante de

informação sobre a Lei da Aprendizagem. Nesta cidade a terceira fonte mais

citada são as ONGs. A Internet aparece em quarto lugar nas duas cidades.

Page 33: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

33

Figura 13 – Distribuição dos entrevistados pelo modo como ficaram

sabendo da Lei da Aprendizagem8

A baixa presença de instâncias públicas no processo de divulgação da política

de aprendizagem pode limitar o acesso dos jovens mais pobres e menos

escolarizados aos programas profissionalizantes.

A figura a seguir registra que o principal motivo que levou o jovem a procurar

se inserir no mercado de trabalho por meio da Lei da Aprendizagem foi a

vontade de trabalhar, seguido de perto pelo desejo de aprender uma profissão

e pelo desejo de ter o próprio dinheiro. Em quarto lugar aparece a necessidade

de trabalhar. Mais uma vez, fica claro que o acesso ao trabalho é um fator

fundamental na construção da identidade juvenil por estar fortemente ligado ao

desejo de autonomização social e econômica. Daí a importância de se pensar

o trabalho como algo que não seja apenas um atenuante da pobreza ou

alternativa à marginalidade e à exclusão. Trata-se de pensar o trabalho como

direito e um componente essencial da formação do jovem como indivíduo e

cidadão (Leite, 2003).

8 Lembramos que as barras na cor cinza referem-se à cidade de São Paulo.

Page 34: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

34

Figura 14 – Distribuição dos entrevistados conforme o motivo que os

levou a aderir à Lei da Aprendizagem

Como já foi dito, a Lei do Aprendiz determina que os jovens que não tenham

concluído o Ensino Fundamental devam realizar uma jornada de trabalho de

até 20 horas semanais. No caso do jovem que esteja cursando ou tenha

finalizado o Ensino Médio, sua jornada de trabalho pode chegar a até 40 horas

semanais. A Figura 15 mostra que, em média, os jovens de Fortaleza tinham

uma jornada de trabalho média menor que a dos jovens de São Paulo. Chama

atenção que nessa última cidade 60% dos jovens aprendizes tenham 30 horas

de trabalho semanal.

Page 35: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

35

Figura 15 – Distribuição dos entrevistados conforme a duração média da

jornada de trabalho

A maior parte dos entrevistados, 310 ou 69%, recebe entre ½ e um salário

mínimo. Essa faixa salarial é bem mais comum em São Paulo, onde foi citada

por cerca de 80% dos jovens. Em Fortaleza metade dos jovens recebe ½

salário mínimo e a outra metade recebe entre ½ e um salário mínimo.

Page 36: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

36

Figura 16 – Distribuição dos entrevistados conforme o salário que

recebiam

A quase totalidade dos jovens, 444 em 448, estava registrada em carteira. Dos

três jovens que disseram não estarem registrados, dois trabalhavam em

empresas onde outros aprendizes disseram ter registro, o que pode indicar

algum tipo de erro.

Do mesmo modo, a grande maioria dos jovens – 357 ou 80% – teve direito a

férias durante a aprendizagem. Dos 91 que não tiveram férias, 71 trabalharam

menos de um ano. Dos 20 que não tiveram férias, mas trabalharam mais de um

ano, 13 eram de Fortaleza e sete de São Paulo, conforme a tabela abaixo. Em

geral, a proporção de aprendizes que tiveram férias em Fortaleza era menor

que a de São Paulo; isso é em parte explicado pela maior proporção de

aprendizes com menos de um ano de trabalho naquela cidade.

Page 37: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

37

Tabela 6 – Distribuição dos entrevistados conforme tiveram ou não férias

por município

Teve Férias Freq. % Freq. % Freq. %

Sim 97 0.68 260 0.85 357 0.80 Não, mas trabalhou menos

de um ano32 0.23 39 0.13 71 0.16

Não 13 0.09 7 0.02 20 0.04

Total 142 1.00 306 1.00 448 1.00

Fortaleza São Paulo Geral

O aspecto que os entrevistados apontaram como o mais importante no trabalho

foi a possibilidade de aprender uma profissão9. Em seguida veio a relação com

os colegas de trabalho e a oportunidade de ter o primeiro emprego. Não há

diferenças significativas entre Fortaleza e São Paulo, conforme a Figura 17.

Nessas respostas percebemos a importância do local de trabalho como um

espaço significativo de aprendizagem e socialização.

9 Foi pedido aos entrevistados que ordenassem o que consideravam mais importante no trabalho. O

gráfico apresenta os fatores mais citados, independentemente da ordem. Isso se justifica por não haver muita diferença na distribuição dos fatores nos diferentes rankings.

Page 38: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

38

Figura 17 – Distribuição dos entrevistados conforme o que acham mais

importante no trabalho

No entanto, os jovens, em sua maioria, identificam o trabalho do aprendiz como

pouco rentável e precário do ponto de vista da organização e das condições de

trabalho. Além disso, os jovens egressos levantaram uma questão importante

ao dizer que o vínculo como aprendiz, de algum modo, limita as possibilidades

de mobilidade dentro da empresa em comparação com os jovens que não são

aprendizes. Na contramão do que prevê a política de aprendizagem

profissional.

Conforme a Figura 18, a principal queixa dos entrevistados se referia ao

salário: 138 jovens citaram o salário como a "pior coisa do trabalho", seguida

por "não ter as mesmas oportunidades que os colegas de trabalho que não

eram aprendizes". A terceira pior coisa era realizar tarefas que não foram

previamente combinadas. O horário de trabalho e a dificuldade em realizar as

tarefas foram queixas mais comuns em Fortaleza do que em São Paulo.

Page 39: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

39

Figura 18 – Distribuição dos entrevistados conforme o que achavam pior no

trabalho

A Tabela 7 registra que a quase totalidade dos aprendizes fez curso

profissionalizante enquanto estava na aprendizagem: 379 (85%) jovens fizeram

cursos enquanto 69 (15%) não o fizeram10. Em Fortaleza, a proporção dos que

fizeram cursos é maior do que em São Paulo, chegando a 95%. Não se deve

ignorar que a existência dos cursos profissionalizantes é uma das condições

legais para a efetuação do contrato de aprendiz.

10

Esses dados podem estar subestimando o número de pessoas que fizeram curso, pois 40 entrevistados que disseram não fazer curso afirmaram que sua avaliação positiva da Lei da Aprendizagem se devia à qualidade da formação recebida pela instituição, como será visto mais à frente.

Page 40: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

40

Tabela 7 – Distribuição dos entrevistados conforme frequência a cursos durante

a aprendizagem

Fez curso durante

aprendizadoFreq. % Freq. % Freq. %

Sim 135 0.95 244 0.80 379 0.85

Não 7 0.05 62 0.20 69 0.15

Total 142 1.00 306 1.00 448 1.00

Fortaleza São Paulo Geral

Dos 379 que fizeram cursos profissionalizante durante a aprendizagem, 370 ou

98% fizeram curso presencial. Os únicos dois casos de curso totalmente à

distância foram encontrados em Fortaleza.

Ao serem perguntados sobre as contribuições do curso, a maior parte dos

aprendizes egressos respondeu que ele contribuiu para o trabalho em equipe

(186 citações ou 26% do total), resposta seguida de perto por "melhorou a

comunicação interpessoal" (183 citações ou 25% do total).

Figura 19 – Distribuição dos entrevistados conforme a sua opinião sobre a

contribuição do curso

Page 41: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

41

No que se refere à escolarização, a pesquisa revelou que na maioria dos casos

o trabalho como aprendiz coincidiu com a frequência escolar. 324

entrevistados, 73% do total, disseram ter continuado a estudar durante todo o

período da aprendizagem, e 48 declararam que não continuaram a estudar

neste período. Dos 119 que ou não estudaram ou deixaram de estudar durante

o período, 94 (79%) o fizeram porque concluíram o Ensino Médio. A Figura 20

torna claro que nesse aspecto não há grandes diferenças entre Fortaleza e São

Paulo.

Figura 20 – Distribuição dos entrevistados conforme frequência à escola durante

o período de aprendizagem

A maior parte dos entrevistados, 62%, disse ter concluído o programa de

aprendizagem e 38% não o fizeram. A proporção de concluintes em São Paulo

é cerca de 10% maior do que em Fortaleza, conforme a Figura 21.

Page 42: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

42

Figura 21 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de conclusão do

programa de aprendizagem e por município

A Tabela 8 expressa a relação entre o tempo de aprendizagem e a situação de

conclusão do programa. Vemos que, embora a maior parte dos que disseram

ter concluído o fez em até dois anos, existem 53 casos de entrevistados que

disseram ter concluído sem terem completado os dois anos estipulados pela

lei. Dos que não concluíram, 72 chegaram a fazer mais de um ano e meio do

programa.

Page 43: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

43

Tabela 8 – Distribuição dos entrevistados por tempo de aprendizagem e ao

situação de conclusão do programa

concluiu Até 6 meses 7 a 18 meses 18 a 24 meses Total

Sim 6 47 223 276

Não 29 65 72 166

Total 35 112 295 442

Tempo de Aprendizagem

A Figura 22 mostra que a proporção de homens que concluiu o programa de

aprendizagem é um pouco menor que a de mulheres concluintes.

Figura 22 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de conclusão do

programa de aprendizagem e por sexo

O principal motivo para a não conclusão do programa de aprendizagem foi

terem encontrado uma oportunidade melhor de trabalho. Em seguida vem a

falta de tempo e em terceiro lugar a insatisfação com as atividades. Muitos

entrevistados deram outros motivos para terem deixado o programa. O mais

citado desses outros motivos foi terem sido demitidos. Enquanto os

entrevistados de Fortaleza distribuíram-se de modo quase uniforme por todos

os motivos, em São Paulo houve a preponderância de oportunidades melhores

Page 44: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

44

de trabalho como motivo para terem deixado o programa. É o que mostra a

Figura 23.

Figura 23 – Distribuição dos entrevistados que não concluíram o programa de

aprendizagem por motivo de saída e por município

Page 45: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

45

A Figura 24 aponta que há um número significativo de jovens que concluiu o

programa de aprendizagem e não recebeu o certificado. Foram 186 jovens

certificados contra 91 que não foram certificados. Como pode ser visto na

figura, não há diferenças significativas entre Fortaleza e São Paulo a esse

respeito. Esse dado é um forte indicativo de que existem problemas na

fiscalização da qualidade dos cursos profissionalizantes oferecidos pelas

entidades formadoras.

Figura 24 – Distribuição dos entrevistados conforme recebimento de certificado

e por município

Page 46: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

46

1. 3. Impacto da participação no programa de aprendizagem

Ao serem perguntados se acreditavam que a sua participação nos programas

de aprendizagem modificou a inserção no mercado de trabalho e o modo pelo

qual isso teria acontecido, 166 jovens (38%) disseram que houve modificação,

pois a experiência no mercado de trabalho como aprendiz aumentou a chance

de conseguir um trabalho. Já 118 jovens (27%) responderam que houve

modificação, pois aprenderam uma profissão. E 78 (18%) deles declararam que

houve modificação, pois a aprendizagem ajudou a ter um emprego formal.

Apenas 25 jovens (6%) afirmaram que a participação nos programas de

aprendizagem não causou nenhuma modificação na sua inserção no mercado

de trabalho.

A Figura 25 explicita que enquanto em São Paulo a chance de conseguir

trabalho foi o impacto mais citado da Lei da Aprendizagem, em Fortaleza esse

impacto ficou atrás de aprender uma profissão. Em ambas as cidades a

terceira colocação ficou com a ajuda em obter um emprego formal.

Page 47: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

47

Figura 25 – Distribuição dos entrevistados conforme opinião acerca da

participação no programa de aprendizagem

O programa de aprendizagem foi avaliado como ótimo por 274 jovens (61%).

Outros 147 (33%) julgaram o programa bom. Apenas 26 jovens consideraram o

programa regular, ruim ou péssimo. Os entrevistados de Fortaleza avaliaram

bem mais positivamente o programa do que os de São Paulo. Em Fortaleza

74% qualificaram o programa como ótimo, enquanto em São Paulo essa

proporção caiu para 55%, conforme a Figura 26.

Page 48: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

48

Figura 26 – Distribuição dos entrevistados conforme avaliação que fazem da Lei

da Aprendizagem e por município

O principal motivo que levou os entrevistados a avaliar positivamente o

programa foi a qualidade dos tutores/supervisores na empresa, item citado por

307 jovens (cerca de 70% do total). O segundo motivo foi a qualidade da

formação na instituição de ensino profissional, aspecto indicado por 288 jovens

(64% do total).

Page 49: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

49

Figura 27 – Distribuição dos entrevistados pelo motivo para avaliar o programa

da maneira como o fizeram, por município

Inserção no mercado de trabalho

A maior parte dos jovens egressos dos programas de aprendizagem estava

trabalhando no momento da entrevista: eram 287 contra 159 que não estavam

trabalhando. No entanto, o número de jovens desempregados é bastante

significativo, ultrapassando a marca dos 30% dos entrevistados. A proporção

dos que trabalhavam era um pouco maior em São Paulo do que em Fortaleza,

conforme a Figura 28.

Page 50: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

50

Figura 28 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de ocupação e

município

A proporção de mulheres trabalhando é um pouco maior do que a de homens,

como consta da Figura 29.

Page 51: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

51

Figura 29 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de ocupação e

sexo

Dos que estavam trabalhando, 124 (44%) jovens aprendizes foram efetivados

na empresa em que trabalhavam como aprendiz contra 155 (56%) que não o

foram. Dos que foram efetivados, 34% permaneceram no mesmo cargo e 65%

foram promovidos para um cargo melhor – e um jovem disse ter ido para um

cargo pior. A Figura 30 mostra que a proporção dos efetivados em São Paulo

(47%) é maior do que em Fortaleza (39%).

Page 52: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

52

Figura 30 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam conforme situação

de efetivação, por município

Em geral as mulheres – apesar de trabalharem em maior proporção do que os

homens – são menos efetivadas do que eles. Enquanto aproximadamente 50%

dos homens foram efetivados, o mesmo aconteceu com 41% das mulheres,

conforme a Figura 31.

Page 53: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

53

Figura 31 – Distribuição dos entrevistados que estavam trabalhando conforme

situação de efetivação, por sexo

A menor proporção de mulheres efetivadas em relação aos homens demonstra

um elemento que outras pesquisas sobre o mercado de trabalho já

identificaram: elas encontram mais dificuldades para assumir postos de

trabalho formais.

Dos 155 jovens que não foram efetivados, apenas 24 (15%) foram

encaminhados para outro trabalho. Destes, a metade continuou a atuar na

mesma área em que atuava no programa de aprendizagem e, da outra metade,

a totalidade menos um foi para cargos melhores.

Dos 131 jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa

em que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, a maior

parte declarou ter conseguido trabalho por indicação de amigos (24%) seguido

de agência de empregos (21%), a Internet (18%) e indicação de parentes

(12%). A Figura 32 revela que em Fortaleza o recurso a agências de empregos

e a indicação de parentes prevalecem sobre a indicação de amigos e a

Internet, que são os fatores mais citados pelos paulistanos.

Page 54: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

54

Figura 32 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido

efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme o modo como

conseguiram trabalho e por município

Dos jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa em

que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, 43 (32%)

atuavam na mesma área em que atuaram quando na aprendizagem. A Figura

33 mostra que em relação a esse ponto não há muita diferença entre Fortaleza

e São Paulo.

Page 55: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

55

Figura 33 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido

efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme situação de

trabalho na mesma área de quando estavam na aprendizagem por município

O setor de serviços é a principal porta de entrada para os jovens egressos que

não foram contratados pelas empresas nas quais realizaram a aprendizagem.

A maior parte dos jovens (53%) estava trabalhando no setor de serviços,

seguido pelo comércio (19%) e pelos setores da saúde e da indústria (8% e 7%

respectivamente). A Figura 34 mostra que enquanto em São Paulo a indústria

ocupa a terceira posição entre os setores em que estes jovens atuam, em

Fortaleza a terceira colocação é do setor de saúde.

Page 56: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

56

Figura 34 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido

efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme o setor em que

trabalhavam e por município

Dos jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa em

que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, 44%

trabalhavam no atendimento ao público e 27% na área administrativa. Embora

em São Paulo prevaleça o atendimento ao público, a distribuição nas duas

cidades é similar, conforme a Figura 35.

Page 57: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

57

Figura 35 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido

efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme a área em que

trabalhavam e por município

A esmagadora maioria dos entrevistados (236 ou 82%) que estava

trabalhando, independentemente de terem sido efetivados, encaminhados ou

não, tinha registro em carteira. 28 deles (10%) disseram que atuavam como

estagiários, mas esse número pode ser bem maior, já que muitos estagiários

se declararam como CLT. 14 jovens declararam ser autônomos. A distribuição

em Fortaleza e em São Paulo é muito similar, com uma pequena

preponderância de estagiários em Fortaleza, como pode ser visto na tabela

abaixo.

Tabela 9 – Distribuição dos entrevistados por tipo de vínculo empregatício

Vínculo Freq. % Freq. % Freq. %

CLT 63 0.77 173 0.85 236 0.83

Autônomo 4 0.05 10 0.05 14 0.05

Estagiário 13 0.16 15 0.07 28 0.10

Outros 2 0.02 6 0.03 8 0.03

Total 82 1.00 204 1.00 286 1.00

Fortaleza São Paulo Geral

Page 58: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

58

Os jovens entrevistados começaram a trabalhar, em média, com 16 anos. 28

jovens declararam que começaram a trabalhar antes dos 14 anos e mais de um

quarto da amostra (27%) começou a trabalhar com 14 ou 15 anos. A Figura 36,

abaixo, torna claro que os jovens de Fortaleza começaram a trabalhar depois

dos jovens de São Paulo.

Figura 36 – Distribuição dos entrevistados pela idade com que começaram a

trabalhar

Aproximadamente 70% dos jovens começaram a trabalhar porque buscavam

independência. 12% deles começaram a trabalhar para ajudar a família,

mesma quantidade dos que começaram a trabalhar por necessidade, conforme

a figura abaixo. Não há diferença entre as cidades de Fortaleza e São Paulo.

Page 59: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

59

Figura 37 – Distribuição dos entrevistados conforme o motivo de terem

começado a trabalhar

A tabela a seguir refere que 87% dos jovens estavam estudando quando

começaram a trabalhar. Essa quantidade é bem maior em São Paulo, onde

92% estudavam, do que em Fortaleza, onde 76% estudavam.

Tabela 10 – Distribuição dos entrevistados conforme estavam ou não estudando

quando começaram a trabalhar

Estudava Fortaleza São Paulo Geral

Sim 0.76 0.92 0.87

Não 0.24 0.08 0.13

Como vimos anteriormente, duas características marcam a transição da escola

para o trabalho no Brasil: a maioria dos jovens entra no mercado de trabalho

Page 60: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

60

antes de finalizar a educação básica obrigatória e é comum, para um número

grande de jovens, conciliar trabalho com frequência à escola. Os dados da

pesquisa confirmam esse padrão e sugerem que nem sempre a inserção no

mercado de trabalho está associada à carência das condições de vida; a

entrada no mundo do trabalho constitui um momento importante da experiência

juvenil.

Page 61: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

61

|2| Um olhar para o presente: as instituições formadoras

Para compreender algumas das práticas relacionadas à execução da Lei da

Aprendizagem, a pesquisa buscou acompanhar as experiências de instituições

formadoras de aprendizes. Tais experiências foram discutidas à luz de

diferentes olhares: as opiniões de coordenadores (e gestores ou supervisores);

educadores ou instrutores; e jovens que, no período da pesquisa, estavam

participando das atividades. As diferentes impressões contribuíram para a

problematização das questões em comum apresentadas pelos entrevistados e

levantaram outros debates que não teriam sido desvelados sem a contribuição

das falas, percepções e conclusões de quem vivencia essa política.

O presente capítulo propõe-se a expor os elementos levantados pelos

profissionais vinculados às instituições, ou seja, gestores, coordenadores e

instrutores. Além disso, apresentamos breves considerações coletadas junto ao

órgão responsável pela fiscalização do cumprimento da Lei da Aprendizagem,

a Superintendência Regional do Trabalho.

2.1. Informações sobre as organizações visitadas

As quatro instituições visitadas possuem diferentes trajetórias no trabalho com

a formação de aprendizes. Tais distinções são reveladas pelo cotidiano dos

projetos, a forma de contratação de aprendizes, a estruturação das atividades,

e também pela consolidação de cada instituição no campo da aprendizagem.

Para facilitar a comparação entre as quatro organizações investigadas,

formulamos um quadro com os critérios que foram considerados relevantes

para a análise. Sua elaboração foi baseada nas informações concedidas pelos

profissionais entrevistados ao longo da pesquisa. Foram levantados elementos

tais como o método de seleção de aprendizes, a média de idade dos jovens, os

materiais e atividades desenvolvidas no âmbito do curso de formação de

aprendizes.

Page 62: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

62

Instituição Localização Cursos oferecidos Método de seleção Média de idade dos aprendizes

Org 1 São Paulo-SP; Unidades descentralizadas

Ocupações administrativas (mais

procurado); auxiliar de alimentação: preparo

e serviços; auxiliar de produção industrial;

comércio e varejo; conservação, limpeza e

sustentabilidade ambiental; gestão pública;

logística; práticas bancárias; telesserviços;

turismo.

Cadastro na instituição ou encaminhamento pelas próprias empresas contratantes

16 a 18 anos

Org 2 São Paulo-SP; Jardim Europa

Assistente administrativo, informática. Cadastro na instituição

16 a 20 anos (com grande presença de jovens de 17 e 18 anos)

Org 3 Aparecida de Goiânia-GO

Auxiliar administrativo; práticas bancárias (curso vinculado à Caixa).

Cadastro na instituição; aceitam jovens não vinculados a empresas

16 a 18 anos

Org 4 São Paulo-SP; Unidades descentralizadas

Caldeiraria, eletricista de manutenção, mecânica de usinagem, ferramentaria, mecânica automobilística.

Encaminhamento pelas empresas contratantes; se sobram vagas, abre-se cadastro para a comunidade; aceitam jovens não vinculados a empresas

14 a 18 anos

Page 63: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

63

Instituição Duração da aprendizagem

Carga horária semanal

Metodologia e materiais Principais atividades Avaliação

Org 1 24 meses 6 horas

Material produzido pela Fundação Roberto Marinho; a metodologia é cíclica, permite que novos aprendizes sejam integrados a turmas já formadas.

Aulas expositivas, discussões em sala, exibição de filmes, visitas a museus e monumentos da cidade.

A avaliação é contínua e ocorre a partir das atividades realizadas.

Org 2 12 meses 8 horas

Os conteúdos trabalhados são definidos pela instituição e organizados pelo instrutor; a metodologia é cíclica, permite que novos aprendizes sejam integrados a turmas já formadas.

Aulas expositivas, discussões em sala, produção de conteúdos (textos, apresentações etc.).

A avaliação é contínua e ocorre a partir das atividades realizadas.

Org 3 Entre 18 e 24 meses

De 4 a 6 horas*

Material da própria instituição; há três módulos principais: a metodologia é cíclica, permite que novos aprendizes sejam integrados a turmas já formadas.

Aulas expositivas, discussões em sala, produção de conteúdos (textos, apresentações etc.), exibição de filmes.

Todas as atividades são avaliadas e arquivadas em uma pasta, para que o jovem possa acompanhar seu desenvolvimento.

Org 4 24 meses 20 horas

Material da própria instituição; o curso é dividido em quatro módulos com a duração de um semestre cada; as turmas são fechadas (não há possibilidade de integração de novos aprendizes no meio do processo).

Aulas expositivas e práticas; olimpíadas entre os jovens (aprendizes ou não) de escolas vinculadas à mesma instituição.

Os jovens são avaliados a cada fim de semestre por meio de provas.

* A depender da carga horária de trabalho nas empresas (20 ou 30 horas).

Page 64: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

64

2.2. As organizações no mundo da aprendizagem

Todas as quatro instituições pesquisadas justificam o envolvimento com práticas

relacionadas à Lei da Aprendizagem como tentativa de desenvolver uma atividade

que proporcione a inserção juvenil no mercado de trabalho. No entanto, as

organizações possuem tempos distintos no mundo da qualificação e inserção

profissional de jovens. Das quatro, três delas são relativamente recentes no âmbito

da Lei da Aprendizagem, ainda que as instituições sejam antigas e reconhecidas por

outros tipos de intervenções dirigidas à juventude.

A Org111 surgiu em 1964 e desde o início das suas atividades promove o

encaminhamento de jovens por meio de estágios. Em 2003, a organização expandiu

as possibilidades de formação de jovens para o trabalho a partir de um programa

para a formação de aprendizes, primeiramente executado em Brasília para depois

ser expandido para todo o país. Em 2005, houve a estruturação de um projeto mais

amplo de aprendizagem, com diversas modalidades de formação, e em 2007 a

instituição firmou uma parceria com a Fundação Roberto Marinho com o objetivo de

intensificar a construção de programas e metodologias de aprendizagem, além de

promover uma formação mais uniforme aos instrutores contratados para

acompanhar as atividades dos jovens aprendizes.

A Org212, por sua vez, foi fundada em 1942 e atua com atividades voltadas a

crianças, adolescentes e jovens, sobretudo relacionadas a esportes, cultura e

formação para o trabalho. A aprendizagem é algo relativamente novo na instituição,

que trabalha com a questão desde o ano de 2006. Ainda que a prática seja recente

e as turmas de aprendizes pequenas, a aprendizagem ganhou espaço na Org2

porque é encarada pelos coordenadores como possibilidade de inserção de

adolescentes e jovens no mercado formal de trabalho, uma das propostas da

instituição.

11

Os entrevistados na Org1 foram: Gerente do Programa Aprendiz; Analista técnica; Instrutora; dois jovens (moça e rapaz).

12 Na Org2, os entrevistados foram: Coordenadora da Aprendizagem; dois instrutores; dois jovens (moça e

rapaz).

Page 65: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

65

A Org313 atua com a aprendizagem desde a sua fundação, em 1994. Hoje, as

atividades da instituição são voltadas à contratação, formação e encaminhamento

dos jovens aprendizes, sendo que todas as suas ações compõem o programa de

aprendizagem; há, inclusive, uma organização para garantir um atendimento

socioassistencial inicial para jovens aprendizes que enfrentam dificuldades

(relacionadas à família, saúde, condições econômicas etc.).

A Org414 trabalha desde a sua fundação, também em 1942, com a formação de

profissionais para o trabalho na indústria a partir da aprendizagem. A instituição

ainda atua na área da formação oferecendo cursos técnicos e a atualização de

profissionais já inseridos no mercado de trabalho. Além dessas três possibilidades

de formação existentes, há hoje o oferecimento de cursos superiores de tecnologia.

2.3. Recrutamento e seleção dos jovens

A vinculação dos jovens à Org1 por meio da aprendizagem pode ocorrer a partir de

duas possibilidades. Ou os jovens já contratados pelas empresas são encaminhados

pelos seus empregadores à formação na instituição, ou os jovens buscam a

entidade e preenchem um cadastro, que fica à disposição das empresas para os

processos de seleção de aprendizes. Segundo uma das profissionais que atuam na

instituição:

É que isso pode acontecer de diversas formas, por exemplo, um funcionário pode saber que a empresa tem vagas de aprendizes e indica um filho, sobrinho e aí ele primeiro faz a entrevista na empresa e depois ele é cadastrado pelo [Org1]. É uma das situações. Mas também tem muitos jovens que se cadastram primeiro no [Org1] e depois são encaminhados pra empresa. (Funcionária, Org1)

Há casos relacionados à atuação da Org1 em que a instituição é não apenas a

entidade formadora, mas também a contratante dos jovens aprendizes; ou seja, a

empresa que faz o registro na carteira de trabalho do jovem é a própria Org1. De

acordo com a coordenadora entrevistada, esses casos existem como estratégia para

13

Os entrevistados na Org3 foram: Gestora do Programa Aprendiz; Coordenadora da aprendizagem; duas instrutoras; três jovens (moça e dois rapazes).

14 Na Org4, foram entrevistados: Supervisor de avaliação educacional; Coordenador técnico de aprendizagem;

Instrutor; Professora; dois jovens (moça e rapaz).

Page 66: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

66

viabilizar a contratação de aprendizes por órgãos públicos, que não podem realizar

contratações para além das viabilizadas por concursos públicos.

O jovem que participa da formação de aprendizes realizada pela Org2 pode inserir-

se nesse processo a partir de uma inscrição na instituição. Diante de uma vaga para

aprendiz em aberto, a coordenação do programa avalia o perfil dos jovens

disponíveis em comparação ao perfil solicitado pela empresa (sobretudo em relação

à idade, capacidade de comunicação verbal e escrita etc.) e indica os jovens para a

realização de uma entrevista na contratante, que define quem será contratado.

Do todo modo, a maior parte dos jovens aprendizes é ligada à instituição antes da

experiência de aprendizagem, ou pela participação nas atividades de

complementação ou por terem sido alunos dos cursos de capacitação profissional. A

coordenadora ressaltou que a instituição busca encaminhar à aprendizagem os

jovens já conhecidos da instituição, ou então solicita aos participantes indicações de

colegas e amigos que tenham interesse em atuar como aprendizes:

Antes a gente pegava só os que eram da capacitação nossa, porque a gente já tinha várias avaliações e já percebia durante esse processo todos os destaques que eles tinham (...). Agora, aí vem um perfil de quem está contratando e a gente bate com o perfil que a gente tem aqui (...). Eles passam o perfil pra gente e dentro dos critérios a gente seleciona o jovem com esse perfil. Envio dois ou três para eles escolherem. Como às vezes não calha o curso de capacitação para aquilo que vai pedir, eu peço indicação para os ex-aprendizes (...) que normalmente indicam gente legal. (Coordenadora, Org2)

Uma questão diretamente relacionada às práticas de seleção e recrutamento dos

jovens aprendizes refere-se a uma perspectiva, assumida pela instituição, de

preferência por turmas pequenas de jovens aprendizes já conhecidos pelos

profissionais que ali atuam:

A gente aqui não se interessa muito por quantidade, a gente se interessa por qualidade. Quando a gente opta por isso, a gente também paga um preço; porque eu conheço o menino, sei a história de vida, ele já vem do meu projeto de capacitação anterior, entendeu? (...) Eu não lido com ele como número. (Coordenadora, Org2)

A coordenadora esclarece que essa proximidade anterior com os jovens aprendizes

facilita o diálogo durante o período de aprendizagem. Os jovens sentem-se mais

confortáveis para apresentar suas impressões e queixas, muitas vezes relacionadas

Page 67: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

67

a desvios de função e à realização de atividades não permitidas a aprendizes

(sobretudo quando adolescentes):

Ele devolve pra mim muitas vezes o que ele sofre na empresa. É um vínculo direto. Ele devolve pra mim muitas vezes que ele faz hora extra, que não pode. Ele devolve pra mim, por exemplo, que ele carrega peso, que ele ficou substituindo alguém em férias; eu estou falando de coisas que acontecem, que é o dia a dia da empresa, não estou dizendo nada de diferente. Não estou nem apontando uma empresa ou outra, é um processo. Só que existe um processo por parte mais da ONG, que tem ainda um olhar, porque ela que está indicando o jovem e já está habituada a lidar com esse processo educacional. (Coordenadora, Org2)

As organizações não levantaram, em suas análises, os procedimentos realizados

para os casos relatados de jovens que executam tarefas não previstas pelo plano de

trabalho.

Já o jovem que pretende tornar-se um aprendiz na Org3 tem duas possibilidades

para inscrição na instituição: via página na internet ou pessoalmente, na Secretaria

Estadual de Cidadania e Trabalho. Nesse momento, ele preenche um cadastro que

fica no banco de dados da instituição e que será consultado quando alguma

empresa solicitar o encaminhamento de jovens.

Para realizar esse encaminhamento, a equipe de Recursos Humanos da instituição

faz uma primeira triagem de candidatos com base no cadastro preenchido pelo

jovem em comparação ao perfil solicitado pela empresa. Feita essa primeira seleção,

a instituição encaminha o jovem para uma entrevista na empresa, que é quem define

qual pessoa será contratada. A contratação, por sua vez, é feita via instituição; em

outras palavras, o jovem aprendiz é registrado como funcionário da instituição e

cedido à empresa para a prestação de serviços. As empresas repassam à instituição

determinado valor por jovem aprendiz empregado em suas atividades.

A Org3 foi a única instituição formadora visitada que identificou um processo seletivo

– ainda que velado – dos jovens participantes dos processos de formação de

aprendizes. Uma das entrevistadas informou que as empresas privadas parceiras da

instituição preferem que seus aprendizes realizem a formação semanal aos

sábados, fator que possibilitaria uma maior presença do aprendiz na empresa ao

longo de toda a semana15. Dessa forma, o curso aos sábados concentra um número

15

A própria organização pesquisada faz essa escolha para os jovens que contrata como aprendizes e que atuam no setor administrativo da instituição.

Page 68: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

68

maior de aprendizes vinculados a empresas privadas. Segundo uma entrevistada,

essa concentração faz com que o sábado seja o dia mais trabalhoso para

coordenadores e instrutores, e não apenas pela grande quantidade de aprendizes.

Ela conta que esses jovens contratados por empresas privadas são mais “espertos”,

têm mais estudo, mais conhecimento, e por isso “sugam” mais dos instrutores16.

A entrevistada analisa que esse perfil mais “qualificado” dos jovens aprendizes nas

empresas privadas não é coincidência. Ela afirma que no processo de seleção e

contratação de jovens para as vagas de aprendizagem, as empresas solicitam

pessoas com um perfil determinado, ao passo que os jovens com maiores

dificuldades (sobretudo para a comunicação falada e escrita) são geralmente

encaminhados às instituições públicas parceiras da Org3. Percebe-se que a

despeito de a aprendizagem ser, em princípio, um momento de formação do jovem e

uma primeira experiência de trabalho, há uma seleção inicial que indica a existência

de certo recorte no tipo de jovem inserido na política; mesmo entre os sem

experiência, há critérios outros que servem à classificação de eventuais candidatos.

Um aspecto unicamente citado pela Org3 é o recebimento de jovens aprendizes em

cumprimento de medidas socioeducativas (MSE). Segundo uma das funcionárias

ouvidas, a organização recebe adolescentes autores de atos infracionais para

participação nas atividades de aprendizagem, encaminhados por meio de uma

determinação judicial e, geralmente, indicados para a experiência de aprendizagem

em órgãos públicos, não passando por nenhum tipo de processo seletivo –

obrigatório para os jovens que não cumprem MSE. Assim como a instituição

formadora, os órgãos que recebem os aprendizes sabem que os jovens estão em

cumprimento de MSE.

Uma última questão relacionada ao recrutamento e seleção dos jovens foi

encontrada nessa instituição17 e merece destaque: a integração de jovens que não

atuam como aprendizes no programa de aprendizagem. Algumas pessoas que já se

inscreveram no site da instituição e ainda não foram contratadas por empresas têm

16

Esse momento específico da conversa entre pesquisadora e funcionária ocorreu em uma etapa posterior à entrevista, que foi gravada. Diante da inexistência do áudio para manter a fidedignidade da fala da entrevistada, não há o uso de citações.

17 Assim como na Org4.

Page 69: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

69

a opção de participar do curso de formação como se fossem aprendizes. No entanto,

estes jovens não recebem apoio para custear o transporte até a sede da

organização, tampouco o uniforme – que é obrigatório a todos os outros, não apenas

nas dependências da instituição, mas também durante as atividades no local de

trabalho. A participação nas atividades de formação no caráter de não-aprendizes os

torna preferenciais em eventuais indicações posteriores para vagas em aberto que

solicitem jovens com os seus perfis.

Ainda que essa possa ser considerada uma forma de possibilitar um acesso dos

jovens à formação profissional à revelia de um aparente déficit de vagas para a

experiência da aprendizagem nas empresas, é necessário problematizar essa

escolha da instituição. O primeiro aspecto é o recorte que se faz ao aceitar os jovens

que se dispõem a custear o seu transporte até a instituição. Dessa forma, cria-se um

filtro que impossibilita aos jovens que não tenham essa possibilidade financeira o

acesso a uma formação prévia, formação essa que facilita, em alguma medida, a

colocação em uma vaga de aprendizagem posterior.

O segundo aspecto a ser problematizado decorre dessa facilitação para colocações

posteriores enquanto jovens aprendizes. Se aqueles que participam da formação

antes da conquista de uma vaga são preferenciais no momento de encaminhamento

para oportunidades de aprendizagem, há um tratamento desigual dado pela

instituição às moças e rapazes que se inscrevem em busca de uma primeira

experiência profissional. Afinal, os que podem e se propõem a participar de uma pré-

formação estão em vantagem se comparados ao universo de jovens que não se

inserem nessa etapa. Cria-se, assim, uma espécie de “fila dupla” para o

recrutamento e encaminhamento de aprendizes a empresas e órgãos públicos.

Na Org4, há duas formas de ingresso de jovens aprendizes para as atividades de

formação. As primeiras vagas são destinadas às pessoas encaminhadas pelas

empresas. Em outras palavras, as empresas que contratam os jovens para o

trabalho na condição de aprendizes são as responsáveis pela sua seleção. Caso

esse primeiro processo seja concluído e ainda existam vagas para o curso de

formação, a Org4 abre à comunidade a possibilidade de inscrição de jovens

interessados. Se a demanda for maior do que as vagas em aberto, essa segunda

Page 70: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

70

turma de jovens passa por uma prova de seleção18. Cabe dizer que esses jovens

que acessam a formação de aprendizes por meio das vagas abertas à comunidade

não possuem vinculação com nenhuma empresa no início da formação, e podem ser

(ou não) contratados ao longo do curso cuja duração é de dois anos19.

Um dos instrutores entrevistados afirmou que a Org4 possui uma meta de

aprendizes contratados que deve ser cumprida. Para tanto a organização, além de

receber a demanda de aprendizes diretamente das empresas, procura outras

empresas para que possam incluir mais jovens:

Instrutor: Porque nós temos uma meta a atingir de alunos empregados. Como a gente tem o índice dentro do ISO 9001, se não atingir essa meta, eles são obrigados a correr atrás de empresas para que a gente possa atingir nossa meta. Pesquisadora: Então existe uma meta a ser atingida... I: Sim, existe uma meta a ser atingida semestralmente. Não é nem anual, é semestral. (Instrutor, Org4)

A meta a ser alcançada na contratação de aprendizes pode não ser algo exclusivo

da organização em questão, mas não apareceu no momento da pesquisa em outras

instituições – que, sem dúvida, podem se orientar por um parâmetro semelhante.

A carga horária do curso de formação foi outro aspecto questionado por outras

instituições que apareceu de forma explícita e demarcada na Org4. Os dois

instrutores entrevistados apontaram que gostariam que o tempo que o jovem passa

na escola de formação fosse expandido20. Lembrando que a Org4 é a única que

recebe os jovens aprendizes durante todos os dias da semana:

Acredito que se conseguíssemos aumentar um pouco da carga horária seria melhor. Haja vista que antigamente os alunos ficavam tempo integral no [Org4]. Hoje é meio período, com isso todos os componentes curriculares, todas as matérias acabaram sendo reduzidas. (Instrutor, Org4)

Seria o ideal que eles ficassem mais tempo aqui. (Instrutora, Org4)

18

Essa prova cobra conhecimentos de disciplinas como Matemática e Português.

19 Todos os cursos de formação de aprendizes dessa organização têm seus conteúdos distribuídos ao longo de

dois anos.

20 Em sentido contrário, um dos entrevistados na Org2 manifestou seu interesse em diminuir a carga horária do

curso de formação, argumentando que os jovens não conseguem se concentrar e manter uma boa participação em 8 horas de formação (período utilizado pela instituição para a formação, que ocorre em um dia).

Page 71: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

71

A vontade dos instrutores de que os jovens permaneçam na instituição por um

tempo maior do que o meio período diário denota certa concepção do espaço da

escola formadora como local de socialização e aprendizagem em um sentido mais

amplo.

2.4. Metodologias de trabalho (materiais utilizados, período de formação dos

jovens)

As organizações possuem diferentes materiais que sistematizam a metodologia

orientadora do trabalho de formação dos jovens aprendizes. A despeito dessa

distinção, pode-se perceber que alguns aspectos são recorrentes nos processos

formativos – a orientação mais geral e voltada para o comportamento dos jovens no

mercado de trabalho, por exemplo.

A metodologia utilizada pela Org1 na formação dos aprendizes foi desenvolvida pela

Fundação Roberto Marinho e, aparentemente, não é exclusiva da instituição

pesquisada21. Há materiais distintos para os períodos de formação geral e específica

dos aprendizes – os últimos são separados entre os tipos de cursos oferecidos.

O período de formação de um jovem aprendiz é distribuído em dois anos de curso:

no primeiro ano, são oferecidos conteúdos básicos a todas as turmas de aprendizes,

que discutem temas relacionados à cidadania multicultural; de acordo com duas

funcionárias entrevistadas, esse primeiro ciclo debate questões como trabalho,

linguagem e identidade. As atividades realizadas são visitas externas (a museus, por

exemplo), filmes22, jogos23 e palestras – foram citadas palestras de representantes

21

Questionados sobre a possibilidade de cessão de alguns materiais para análise na pesquisa, uma entrevistada afirmou que não seria possível, mas que esses materiais estariam à venda na Livraria Saraiva (e seriam utilizados por uma miríade de instituições para a formação de jovens). No entanto, a equipe de pesquisa não conseguiu localizar os materiais na referida livraria.

22 “Não mais que uma vez por mês”, segundo uma funcionária entrevistada.

23 O jogo Banco Imobiliário foi citado como exemplo.

Page 72: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

72

da Bayer, sobre sexualidade; DSOP24, sobre educação financeira; Procon, sobre

direitos do consumidor; e CADS25, sobre homofobia.

No segundo ano, a formação é específica na área experimentada pelo aprendiz no

cotidiano da empresa. A formação mais antiga e mais pedida pelas empresas é,

segundo a coordenadora entrevistada, a de “ocupações administrativas”.

Num aparte à discussão sobre os cursos já oferecidos pela Org1 no período da

pesquisa, foram citadas duas novas formações que estão sendo desenvolvidas no

âmbito da aprendizagem: auxiliar de cozinha e auxiliar de limpeza. A justificativa

apresentada para a implementação de tais cursos na aprendizagem é que se

buscará uma formação que valorize uma percepção de utilização sustentável de

recursos e preservação do meio ambiente: “o diferencial deles é um foco no meio

ambiente”. Percebe-se que há certa apropriação de um discurso e um proceder que

têm conquistado espaço (a discussão relacionada ao meio ambiente) para a

valorização de duas formações que geralmente estão associadas a ocupações de

baixa qualificação e baixa remuneração.

Já sobre as práticas hoje realizadas pela instituição no âmbito da aprendizagem, a

orientação do que deve ser realizado é a mesma para todo o Brasil, mas há espaço

para certa intervenção do instrutor no cotidiano das atividades voltadas à formação

dos aprendizes, conforme duas das profissionais ouvidas:

- Aí vai muito da criatividade do instrutor... - E que são muito criativos, tá? (Diálogo entre duas funcionárias do administrativo, Org1)

Os conteúdos debatidos pelo curso de formação são cíclicos, ou seja, os jovens

podem ingressar na formação da aprendizagem com o curso em andamento, uma

vez que a metodologia prevê certa maleabilidade nos conteúdos. Além disso, duas

das profissionais ouvidas reforçaram que o curso de formação não se estrutura em

torno de conteúdos, mas busca desenvolver as competências dos jovens:

24

O Instituto DSOP de Educação Financeira apresenta-se como “dedicado à disseminação da educação financeira no Brasil e no mundo”. Para saber mais: <www.dsop.com.br>. Acesso em: 29 ago. 2011.

25 CADS é a Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual, ligada à Prefeitura Municipal de São Paulo. Para

saber mais:

<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/participacao_parceria/coordenadorias/cads/>. Acesso em: 29 ago. 2011.

Page 73: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

73

Não é conteudista, né, é foco nas competências (Funcionária do administrativo, Org1)

É interessante notar o uso de uma linguagem advinda da Pedagogia para explicar a

metodologia aplicada aos jovens aprendizes. A recorrência da afirmação de que há

o uso de “competências” em detrimento de uma linguagem “conteudista” reflete um

debate mandatário da produção de conhecimento na área da Educação que não

necessariamente é amadurecido pelas instituições. Tem-se, assim, uma apropriação

do discurso sem uma consequente apropriação da prática.

Uma recente pesquisa realizada pelo Centro Ruth Cardoso e Instituto de

Desenvolvimento Educacional, Cultural e de Ação Comunitária – Ideca26 apontou

essa mesma apropriação livre de elementos e discursos da pedagogia em projetos

voltados à formação de jovens para o mercado de trabalho, muitas vezes não

dialogáveis entre si e não necessariamente apropriados à prática da instituição:

Dentre as referências teóricas citadas pelos entrevistados nas ONGs como lastro para suas propostas formativas estão autores como Paulo Freire, Antonio Carlos Gomes da Costa, Edgar Morin, Célestin Freinet, Korchak, Pedro Demo e Lev Vigotski. Vale notar que em muitos casos as referências convivem em uma única proposta, em que pesem as possíveis distinções teóricas entre eles. Além destes, foram frequentemente citados os documentos Quatro Pilares da Educação (Unesco, Jacques Delors), o Código da Modernidade (Bernardo Toro) e Classificação Brasileira de Ocupações. São também destacados pela maioria princípios gerais, como respeito à autonomia dos jovens; a importância da formação em cidadania, ética e valores; conceitos acerca do protagonismo e empreendedorismo juvenil; bem como o conjunto [de] conhecimentos, habilidades e atitudes como estruturantes para a prática didática. (Relatório da pesquisa Juventude e Mercado de Trabalho. Centro Ruth Cardoso, 2010).

Na Org2, a maior parte dos jovens aprendizes vivencia experiências de

aprendizagem na área administrativa. No entanto, a metodologia da instituição traz

conteúdos que não versam apenas sobre as questões técnicas relacionadas à

prática da aprendizagem, mas trabalham elementos como valores, ética e

comportamento, além de promover atividades externas – tais como passeios

culturais e visitas a atividades sobre a aprendizagem.

A discussão sobre comportamento é mandatária de certa lógica de adequar o jovem

a determinadas formas de agir que sejam aceitáveis ao que se convenciona a

26

Pesquisa Juventude e Mercado de Trabalho. Cadernos Ruth Cardoso 2/2011. Disponível em: <http://www.centroruthcardoso.org.br/anx/Juventude_e_mercado_de_trabalho.pdf>.

Page 74: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

74

respeito do mundo do trabalho. Dessa forma, parte do curso se debruça sobre certa

preparação do jovem para identificar e manejar as vivências no trabalho, também

relacionadas ao convívio com outros profissionais. Há, ademais, uma tentativa de

adequação desse mesmo aprendiz no que concerne aos comportamentos tidos

como aceitáveis para o espaço do trabalho, desde a entrevista de emprego até a

convivência cotidiana:

A gente também aprendeu que existe aquele módulo básico que trata da questão pessoal, do desenvolvimento pessoal: quem é ele, que tipo de identidade ele tem, como ele lida com as pessoas, como ele encara o trabalho em equipe, cidadania, respeito para com os outros. Isso é fundamental em qualquer curso de capacitação, porque um bom profissional não é só aquele que tem a técnica, a âncora do projeto ou do curso; ele tem que também ter todo esse respaldo, não só do básico, mas também da gestão que é o profissional, que mercado é esse que ele está escolhendo, que características tem que ter a pessoa para trabalhar nessa área, para ele começar a se identificar com coisas, fazer um bom currículo, como se comportar em uma entrevista de emprego. (Coordenadora, Org2)

Outro elemento relacionado à necessidade de proporcionar ao jovem a discussão de

conteúdos mais gerais e não exclusivamente relacionados à atividade de

aprendizagem faz referência a uma necessidade dos jovens, identificada pela

coordenação, de acesso a conteúdos e debates até então desconhecidos:

Mas o que de interessante e de diferente eu posso aliar a isso e somar na questão profissional e pessoal dele. Porque a gente sabe que como eles são algumas vezes carentes – e carente eu digo em conceito, não é só economicamente. (Coordenadora, Org2)

A metodologia de trabalho da Org2 não está sistematizada, mas a fala dos

coordenadores e instrutores indica a existência de um conhecimento comum e

compartilhado sobre as práticas relacionadas à etapa teórica da aprendizagem ali

desenvolvida. Percebe-se que a despeito de a metodologia não ter sido organizada

em um determinado documento, os profissionais a conhecem e compartilham da

proposta da organização na execução das atividades.

Além das discussões relacionadas a comportamento, supracitadas, a metodologia

abrange aulas de computação, discussões sobre ética (não apenas relacionada ao

trabalho) e questões específicas relacionadas ao tipo de atividade desenvolvida

pelos jovens na aprendizagem.

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75

Nas atividades acompanhadas pela equipe de pesquisa, a discussão dos temas com

os jovens estruturou-se a partir de provocações e comentários levantados pelo

instrutor a respeito de determinado tema e a posterior discussão entre os jovens

aliada à elaboração de um “produto” da discussão27.

Outro aspecto da metodologia, para além dos conteúdos abordados, relaciona-se à

possibilidade de inserção de novos aprendizes em turmas já formadas ao longo de

todo o processo de aprendizagem. De acordo com a coordenadora, o conteúdo é

proposto de forma que os instrutores sempre façam referência às discussões

anteriormente realizadas para retomar os conteúdos com os jovens que já estavam

em processo de formação e inserir no debate aqueles recém-chegados na condição

de aprendizes.

A política da Org2 é assinar contratos de aprendizagem que tenham a duração de

um ano. Tais contratos geralmente não são prorrogados justamente por conta do

esforço da coordenação em buscar a efetivação dos jovens tão logo o período de

aprendizagem tenha fim. E diante dessa prática instituída na organização, há certa

opinião de que não são necessários dois anos para a formação de um jovem

aprendiz. De acordo com uma das instrutoras entrevistadas, um ano é suficiente

para que o jovem se “adapte” à lógica do trabalho e possa desenvolver, a partir daí e

inserido no trabalho formal, atividades não mais vinculadas à aprendizagem:

Eu acho que o essencial ai é realmente o fator da gente conseguir acompanhar (...), mas um ano é o suficiente pra fazer isso, mais do que isso eu acho muito. (Instrutora, Org2)

Vale dizer que essa visão acerca do tempo ideal para a permanência do jovem como

aprendiz não se coaduna com a opinião de gestores e funcionários de outros

programas visitados; em geral, identificou-se a defesa de que o jovem permaneça

como aprendiz por um período de dois anos. Em duas das instituições visitadas, o

conteúdo do programa é instituído diante da perspectiva que o jovem permaneça

como aprendiz por um período de dois anos; na terceira organização visitada, o

período de dois anos não é o orientador dos conteúdos, ainda que as aulas de

formação permitam que um jovem permaneça no programa durante esse tempo.

27

No dia da pesquisa, os produtos elaborados pelos jovens foram uma folha com respostas individuais e uma apresentação de power point, feita coletivamente.

Page 76: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

76

No tocante à Org3, a grande maioria dos aprendizes que se encontram em processo

de formação exercem atividades na área administrativa – tanto em empresas

privadas quanto no setor público. Segundo a coordenação, este último é o principal

parceiro da organização para a contratação de aprendizes. Essa é, inclusive, uma

das justificativas para o esquema de contratação dos jovens aplicado pela

organização28.

O curso de formação oferecido é dividido em três principais etapas: a primeira delas,

um módulo básico, consiste em uma formação sobre o mercado de trabalho, cuja

duração é de 15 dias corridos. Nessa etapa, o jovem ainda não desenvolve

atividades nas empresas, ficando apenas na unidade da instituição. Após essa

primeira formação, o jovem passa a frequentar a instituição semanalmente para

participar da formação sob o módulo profissionalizante, que possui uma série de

encontros, e dá início ao trabalho no local que o contratou, onde fica nos outros dias

da semana. O dia de participação dos jovens nas atividades do núcleo é variável,

podendo acontecer desde a segunda-feira até o sábado.

O aprendiz passa a frequentar a instituição semanalmente assim que ingressa no

módulo básico; após a conclusão dessa etapa, iniciam-se as aulas sobre conteúdos

específicos, cuja quantidade de encontros é variável de acordo com o tipo de

formação oferecida. É apenas nessa fase que há uma especialização da formação

de acordo com o setor que contrata o jovem aprendiz. Todos os módulos têm aulas

cuja duração é de cerca de 4 horas. Assim, a instituição recebe aprendizes em dois

períodos do dia, com aulas de manhã e à tarde.

Segundo as coordenadoras ouvidas, as aulas independem umas das outras para

serem acompanhadas pelos jovens. A metodologia foi criada para que os encontros

fossem efetivamente independentes, tendo em vista que os jovens ingressam e

concluem suas etapas de formação em momentos diferentes. Seria, assim,

impraticável esperar a formação de turmas fechadas e a aplicação de um módulo

que presumisse uma continuidade na apresentação dos conteúdos.

28

Em entrevista, o coordenador do Fórum Paulista de Aprendizagem apontou essa forma de contratação como uma saída plausível para a inserção de aprendizes no serviço público, prática ainda muito pouco aplicada.

Page 77: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

77

Ainda que coordenadores e instrutores tenham elogios à metodologia, houve

ponderações voltadas à sua recente sistematização e, consequentemente, a

questões que precisam ser mais bem trabalhadas:

A gente até conversou com a [responsável pela metodologia], ela está até ciente já que eu acho que a metodologia está se esbarrando muito. Não no conteúdo em si, que ele é muito bom, mas o que se esbarra, que a gente tem a dificuldade ainda é na questão dos recursos [filmes e músicas], que tem a sugestão, mas que ainda a gente não tem os materiais para aplicar. (Instrutora, Org3)

Outra questão notável foi a presença de uma religiosidade mais aguçada do que nas

outras instituições visitadas (ainda que na Org4, por exemplo, pudéssemos ver

crucifixos nas paredes). Na Org3, antes do início das aulas dos dois períodos, há

uma espécie de “mística” realizada como atividade inicial. Todos os jovens e

instrutores se reúnem no auditório e há um espaço para a socialização de informes e

recados29. Após essa primeira etapa, uma das funcionárias lê o trecho de um livro

que parece conter uma série de excertos voltados a certa reflexão e, depois da

leitura, solicita que os jovens abaixem a cabeça para que se faça uma oração. Ao

final da oração, os jovens saem do auditório de acordo com as salas que frequentam

e orientados pelas suas respectivas instrutoras.

De acordo com os profissionais entrevistados, a oração não faz referência a

nenhuma religião em específico e há respeito caso o jovem não queira tomar parte

dela. Contudo, não se viu nenhum jovem deixando de participar dessa atividade

inicial, a despeito do caráter opcional evocado por uma funcionária.

Diferentemente de todas as outras instituições, os aprendizes vão todos os dias à

Org4, no período matutino ou vespertino. Para aqueles que já estão inseridos em

alguma empresa, os horários de trabalho são dispostos no período em que não

estão na Org4, mas há casos em que os aprendizes participam da formação ao

longo do semestre e trabalham na empresa apenas durante o período de férias

escolares, ainda que recebam o salário da aprendizagem durante todo o processo

de formação. A utilização desse esquema que permite ao jovem o trabalho apenas

durante o mês de férias atende à necessidade de continuidade dos estudos

29

Em um dos dias de visita, esse momento inicial de informes foi utilizado para uma “bronca” coletiva direcionada aos jovens para que tomassem cuidado ao chegar à unidade da instituição, tendo em vista o perigo de atropelamentos.

Page 78: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

78

regulares, sobretudo porque instrutores e coordenadores explicitam que a maior

parte das pessoas inseridas na aprendizagem tem até 18 anos – período que

compreende a formação relativa ao Ensino Médio.

A Org4 tem, por fim, um discurso que valoriza constantemente a estrutura que

proporciona aos jovens e a gratuidade dos cursos de aprendizagem oferecidos. Um

exemplo é a constante referência a uma máquina que custou mais de um milhão de

reais e fica à disposição dos jovens nas atividades de aprendizagem; isso foi

comentado tanto pelo coordenador entrevistado quanto por um dos instrutores que

nos recebeu30.

2.5. O diálogo com as empresas

A relação da Org1 com as empresas contratantes apresenta certas dificuldades,

sobretudo relacionadas à comunicação com os responsáveis pela aprendizagem na

empresa. O diagnóstico da entrevistada indica que os profissionais que respondem a

essa política nas empresas geralmente desconhecem a legislação relacionada à

aprendizagem, elemento que demonstra a necessidade de formulação de medidas

para trabalhar junto às empresas:

A gente cuida do jovem, mas tem que dar suporte para o gestor. (Coordenadora, Org1)

Somada à problematização acerca do pouco preparo do setor empresarial para o

trabalho com os jovens aprendizes31, tem-se a visão de que há dificuldades de

fiscalização da aplicação da aprendizagem nas empresas. A entrevistada conta que

não há uma padronização do entendimento sobre a política entre os fiscais do

trabalho, fator que dificultaria a consolidação da aprendizagem.

30

É curioso lembrar que, em ambos os discursos, a analogia utilizada para explicar à pesquisadora a importância da concessão da máquina aos jovens aprendizes foi a mesma: a pesquisadora foi questionada se emprestaria um carro zero quilômetro para um irmão mais novo aprender a dirigir; a resposta dada pelos funcionários da instituição é que a Org4 oferece uma máquina cara (análoga ao carro) para adolescentes de 14 a 16 anos aprenderem a trabalhar.

31 O Fórum Paulista de Aprendizagem se propõe a ser um espaço que permite congregar os diversos atores

envolvidos com a aprendizagem, tais como as instituições formadoras e as empresas que recebem os jovens. No entanto, a fala de um dos responsáveis pela coordenação do Fórum torna claro que a participação das empresas é menos significativa do que poderia – ou deveria – ser.

Page 79: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

79

Na Org2, ainda que se constate a existência de práticas no interior das empresas

que provoquem os jovens para a realização de atividades não acordadas ou

estabelecidas no período de assinatura do contrato, a coordenadora aponta que este

não é um problema específico de determinada empresa, mas já é parte do processo

da aprendizagem – uma relativização do fato de as empresas não cumprirem com o

estabelecido pela legislação.

Pode-se dizer que o não cumprimento da legislação por parte das empresas é

motivado por dois fatores, que não necessariamente são excludentes: o primeiro

refere-se a um eventual desconhecimento da lei e das disposições que estabelecem

os princípios orientadores da aprendizagem; o segundo fator é a percepção

existente nas empresas, indicada por alguns dos entrevistados, de que o jovem

aprendiz é um funcionário “tapa-buraco”, que pode ser utilizado para a resolução de

qualquer pendência existente no âmbito da empresa.

Outro aspecto associado à relação com as empresas, referido pela coordenadora da

Org2, diz respeito à dificuldade que os jovens rapazes de 17 anos enfrentam para

inserirem-se na aprendizagem em decorrência do período de alistamento militar. As

empresas optam por contratar ou jovens mais novos ou aqueles com 18 anos que já

possuem o certificado de reservista.

Sobre a contratação dos aprendizes como funcionários regulares das empresas

após a conclusão do contrato, a coordenadora da Org2 afirma que 80% dos jovens

são efetivados. Ainda de acordo com a entrevistada, a proporção de efetivados tem

origem no contato cotidiano que a instituição estabelece com as empresas, que

possibilita a discussão do desempenho do jovem e das perspectivas possíveis de

contratação.

A coordenação da mesma organização também conta que um empecilho à

expansão de vagas do projeto é, ainda, a dificuldade em articular parcerias junto a

empresas, prática que poderia produzir mais vagas. Aliada a essa dificuldade

somam-se os dois elementos já citados e relacionados a desafios na aprendizagem:

as deficiências da fiscalização do cumprimento das cotas empresariais e a

preferência que a própria norma exprime pela formação concedida por organizações

do “sistema „S‟”.

Page 80: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

80

Com relação à Org3, são muitas as empresas parceiras e variadas as áreas de

atuação, ainda que predominem as instituições públicas na oferta de vagas para

aprendizes. De acordo com os profissionais entrevistados, a organização firma

parcerias com as empresas a partir de um contato inicial realizado por uma equipe

de prospecção, que visita empresas justamente para propor a contratação de

aprendizes. Definida a parceria, os jovens aprendizes são selecionados e

encaminhados para a experiência.

A instituição mantém o contato com essas organizações parceiras por meio de uma

visita trimestral, realizada por uma instrutora. Nesse momento, a profissional da

Org3 conversa com o responsável pela orientação do jovem na empresa visando à

coleta de informações sobre o andamento do trabalho do aprendiz. Segundo uma

das instrutoras entrevistadas, há um cuidado para não passar a impressão de que a

visita é para fiscalização da empresa ou do tratamento concedido ao jovem; no

entanto, há casos em que o jovem relata determinada questão (como desvio de

função, má relação com supervisores etc.) e a visita serve à confirmação (ou não) do

que foi contado pelo aprendiz.

No período da pesquisa de campo, uma das instrutoras realizou visita a uma

empresa parceira, atividade acompanhada pela pesquisadora. Na empresa, uma

metalúrgica, havia um jovem aprendiz na área de serviços administrativos. A

responsável direta pelas atividades do aprendiz não estava presente, tampouco o

jovem. Dessa forma, a conversa ocorreu com outra pessoa que também estava

listada como um eventual contato da Org3 para diálogo sobre a aprendizagem e foi

bastante breve, limitando-se a questionamentos relacionados ao andamento do

trabalho do jovem.

A visita às empresas parceiras onde os aprendizes desenvolvem seu trabalho

parece ser uma ferramenta interessante para o acompanhamento das práticas e a

fiscalização – ainda que latente – das condições de trabalho vivenciadas pelos

jovens. No entanto, cabe dizer que a carência de uma metodologia mais estruturada

para a realização dessa visita minimiza a capacidade de fiscalização e avaliação

desse instrumento, na medida em que as informações coletadas, pelo menos na

visita acompanhada pela pesquisa, pareceram insuficientes para a conformação

Page 81: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

81

desse mecanismo. De todo modo, seria interessante desenvolver essa prática como

forma de acompanhamento da aprendizagem.

A Org4, por sua vez, não levantou dificuldades relacionadas ao diálogo com as

empresas. A boa relação presumida pelos relatos dos entrevistados pode decorrer

do fato de a organização voltar o seu trabalho a responder às demandas das

empresas desde os processos de seleção e formação de aprendizes – posto que as

vagas são prioritariamente preenchidas por jovens indicados pelas empresas.

***

Ao longo das conversas realizadas com as pessoas ligadas às instituições

pesquisadas, as falas dos funcionários evocaram alguns elementos comuns,

sobretudo relacionados aos aspectos da política de aprendizagem, que merecem ser

destacados.

O primeiro deles relaciona-se às deficiências da fiscalização da aprendizagem. A

dificuldade em fiscalizar o cumprimento das cotas de aprendizes nas empresas foi

apontada como um empecilho à ampliação de vagas e, consequentemente, dos

programas de formação de aprendizes. Há um reconhecimento de todas as

instituições de que o potencial de contratação de aprendizes é muito pouco

explorado no país e que a reticência das empresas em cumprir a cota mínima de 5%

e utilizar a cota máxima de 15% de profissionais aprendizes é um fator que colabora

para a manutenção desse quadro. Tal situação não existe apenas pela citada

deficiência na fiscalização, mas também por uma falta de interesse e vontade das

empresas em contratar aprendizes. Alguns entrevistados citaram, inclusive, que

algumas empresas preferem pagar a multa a contratar aprendizes. De acordo com

os relatos, essa “preferência” das empresas decorre de preconceito contra os

aprendizes, que seriam dispendiosos e contribuiriam pouco do ponto de vista da

produtividade.

O referido desinteresse das empresas é importante para pensarmos não apenas o

descumprimento das cotas de aprendizagem, mas outra questão também citada por

mais de uma organização entrevistada: o desvio de função dos jovens aprendizes.

As organizações indicam que as empresas invariavelmente se utilizam da mão de

obra da aprendizagem para atividades outras que não as diretamente relacionadas

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82

ao que seria tarefa do aprendiz, partindo de uma concepção que toma o jovem como

“faz tudo” ou, no limite, como office boy. Um dos elementos que pode agudizar essa

frequente prática de desvio de função dos aprendizes é o desconhecimento das

empresas acerca da legislação da aprendizagem. O funcionário da Superintendência

do Trabalho em São Paulo observa que as empresas não sabem quais devem ser

as atribuições dos aprendizes e os colocam onde é mais simples – na execução de

serviços pontuais ou pouco especializados em detrimento da formação do aprendiz

em uma atividade específica.

2.6. O diálogo com os jovens aprendizes

Os representantes das organizações que foram entrevistados mencionaram, em

suas falas, algumas impressões sobre os jovens aprendizes vinculados aos seus

programas. Ainda, a observação de algumas atividades ao longo da pesquisa de

campo permitiu a problematização de alguns aspectos da relação das instituições

com os jovens aprendizes. Vale lembrar que as impressões da aprendizagem a

partir do ponto de vista dos jovens serão relatadas no próximo capítulo.

Na visita à Org1 pudemos observar um diálogo entre a analista técnica e uma turma

de aprendizes em que transpareceu uma tensão (ainda que latente) na relação entre

instituição e jovens. Para fomentar tal análise, serão destacados alguns excertos do

diário de campo da pesquisadora que realizou a visita a essa instituição.

Entramos em uma sala de aula que estava iniciando o intervalo (a turma era de aprendizes de assistente administrativo). A analista cumprimentou a classe e pediu que eu me apresentasse. Falei brevemente sobre a pesquisa e ela começou a perguntar aos jovens as suas impressões sobre as atividades da aprendizagem, pedindo que cada um falasse uma palavra que expressasse uma competência que aprendeu ao longo do ano (aquela turma estava no segundo ano de formação). As palavras citadas foram criatividade, comunicação, persuasão, planejamento, conhecimentos, trabalho em equipe, paciência etc. Após falarem as competências apreendidas, os jovens foram estimulados pela analista a comentar algumas atividades que realizaram durante a aprendizagem. Aqui, vale lembrar que os jovens vão ao [instituição] uma vez por semana, exceto na última semana do mês, quando fazem o curso duas vezes em uma mesma semana. As atividades citadas foram assistir a filmes (citaram o “Desafiando Gigantes”, também visto pelos jovens de outra instituição) e a realização de passeios externos a museus (como o Masp e o Museu da Língua Portuguesa) e ao centro da cidade. Os jovens contaram que, na visita ao Mercado Municipal, eles conheceram tanto o lado de dentro como o

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83

entorno do prédio – que concentra muitas caçambas de lixo e moradores de rua – a instrutora quis que eles “vissem as diferenças”. Uma jovem falou que eles também participaram de uma palestra “que era golpe”. Visivelmente incomodada com o direcionamento da discussão, a analista comentou “mas vocês aprenderam muito com isso, não?”. Eu perguntei o que aquilo significava e a jovem explicou que a palestra tinha a intenção final de vender um livro. A analista cortou a jovem mais uma vez, apontando que a compra ou não do livro era uma decisão que cabia ao livre arbítrio. (Diário de campo de Natália, 24.05.2011)

Percebe-se que, em alguma medida, o estímulo à análise dos jovens sobre as

atividades desenvolvidas no âmbito da aprendizagem é interrompido no momento

em que há a formulação de uma crítica sobre determinada ação realizada. Nesse

sentido, a reflexão produzida pelos próprios jovens acerca das atividades que

constituem sua formação como aprendizes não nos parece ser estimulada pela

instituição; ao contrário, à sombra de uma primeira ponderação sobre determinada

palestra há, de pronto, uma tentativa de reverter a situação para um aprendizado

positivo diante de uma atividade a princípio qualificada como ruim.

Nesse mesmo dia surgiram outras questões relacionadas a críticas ao programa de

aprendizagem, assim como a menção ao livre arbítrio dos aprendizes em estarem

ali:

Um dos jovens pediu que eu explicasse com mais detalhes a pesquisa que estávamos fazendo. Aproveitei para falar um pouco sobre os nossos objetivos: avaliar a Lei da Aprendizagem a partir dos jovens que participavam das atividades, ressaltando que tínhamos interesse em saber o que os jovens fazem, se eles continuam nas áreas de aprendizagem, se gostam ou não do que fazem... Nesse momento, uma jovem fez um “não” incisivo com a cabeça, apontando que não quer continuar fazendo o que faz hoje. Diante da sua negativa, eu comentei, em tom de brincadeira “olha só, tem gente que não quer continuar a fazer o que faz”. A analista respondeu que “só é aprendiz quem quer”, dizendo que as pessoas têm o livre arbítrio para decidir se querem ou não ser aprendizes. A jovem que havia insinuado que não continuaria a fazer a mesma coisa que estava fazendo respondeu dizendo que gostava de ser aprendiz, mas não queria prosseguir naquela mesma profissão. A analista retrucou dizendo: “Eu não estou dizendo isso para você, estou dizendo isso para todo mundo. Porque se você é aprendiz e não gosta do que faz você está fazendo uma agressão com você mesma”. O caminho da discussão criou uma tensão latente entre a analista e os jovens aprendizes. Nesse momento, a instrutora não estava na sala. Acredito que a postura incisiva da analista diante das discordâncias ou mesmo das ponderações dos jovens aprendizes não seja incomum. Logo após termos saído da sala, a analista comentou comigo: “Eu falei aquilo praquele menino que deve odiar ser aprendiz... Você viu a postura dele?”. O “menino” em questão era um jovem que não estava na sala quando chegamos e não estava usando o uniforme, obrigatório para todos.

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Quando a analista perguntou sobre as atividades realizadas, ele disse que tinha participado de uma palestra que não tinha servido para nada, pois não havia ouvido nada de interessante. (Diário de campo de Natália, 24.05.2011)

É oportuno notar a lógica de livre arbítrio que a analista sugere diante de qualquer

discordância apresentada pelos jovens aprendizes. Em outras palavras, tem-se a

impressão de que os elogios são bem-vindos e as críticas, por sua vez,

imediatamente refutadas com colocações que afirmam aos jovens que eles devem

estar ali no programa por opção, e teriam a escolha de sair se assim o quisessem.

Na Org2, não foram observadas situações de tensão entre jovens e profissionais da

instituição. Há, contudo, nas falas da coordenação, uma referência a questões

relacionadas aos jovens no tocante a deficiências de formação. Aliado a esse

aspecto, haveria certa indisposição dos jovens para aprender coisas novas, questão

indispensável à aprendizagem:

Não sei, o jovem hoje está bem difícil. O perfil dele mesmo com a capacitação é muito fraco, sem iniciativa, não a fim. (Coordenadora, Org2)

Bom, uma coisa que dificulta a contratação dos jovens é eles falarem errado em entrevista, não tem como (...). Não dá, a pessoa escreve muito errado, fala errado; difícil, muito difícil. (Idem)

Não vou analisar... mas acho que está ficando cada vez pior. Acho que as empresas estão atrás de pessoas com vontade, curiosas, que tenham brilhinho no olhar. “Eu não sei, mas estou pronto pra fazer”. É diferente, entendeu? “Eu não sei, mas me ensina que eu tento fazer”. Essa frase diz muito, tem gente que diz “não sei, não vou conseguir, acho que não dá pra adaptar”. Isso já acabou, não tem como. Mesmo com o curso não demonstram vontade, interesse; embora precise, não estou nem dizendo de precisar, estou dizendo da questão de não vai, não vai, a empresa não quer esse tipo de pessoa. (Idem)

No entanto, essa mesma percepção relacionada à falta de iniciativa dos jovens é

modificada caso se avalie que a aprendizagem é um fator que estimula os jovens na

busca de alternativas e na constituição de projetos de futuro:

Quando ele vem aqui, ele também vai para os estudos. Normalmente isso. Quando ele não estuda mais e dentro do projeto de vida – o plano de carreira, a gente faz ele ter esse plano, o que ele quer, o que ele pretende, o que ele gosta – ele vai atrás, porque na realidade ele está ganhando uma bolsa entre aspas, pouco, mas ele sabe que dá pra investir nele. Então, ele aproveita também o que ele ganha não só pra ajudar a família, mas pra fazer um curso aqui ou lá, fazer um Enem, prestar um terceiro grau. Ele tem uma iniciativa dele e muitos deles – que eu já presenciei – saem do Programa Aprendiz já matriculados no terceiro grau. Isso é uma coisa interessantíssima. (Coordenadora, Org2)

Page 85: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

85

Em alguma medida, os profissionais que atuam nas organizações percebem a

aprendizagem como forma de reorientar as construções dos jovens relacionadas

não apenas ao seu trabalho, mas também à continuidade dos estudos. Dessa forma,

eles identificam as fragilidades dos aprendizes ao mesmo tempo que percebem

aspectos positivamente ligados a esses jovens antes criticados.

Ainda na relação – e na percepção – das organizações com os jovens, um tema

bastante trabalhado não apenas pelos profissionais que atuam na execução da

formação dos aprendizes, mas também por um gestor, foi a visão da aprendizagem

como iniciação na vida adulta ou, ainda, um rito de passagem. A despeito de

observar que essa não é necessariamente uma concepção da instituição, o gestor

formula apontamentos que percebem a aprendizagem a partir deste olhar:

O [Org4] tem atuado como agente social que resgata uma coisa que as sociedades contemporâneas perderam que é a do rito de passagem. Onde a principal função desse rito de passagem, uma das, é tirar o jovem do mundo da criança, do adolescente e colocá-lo no mundo adulto. A sociedade hoje perdeu um pouco os ritos. E o [Org4], por meio da colocação do jovem no mundo do trabalho, ele sai daquele mundo da criança, do estudante. Ele vai para aquele mundo do trabalho onde é um mundo prioritariamente do adulto, então de uma forma quase que indireta, ele coloca o jovem, tira o jovem do mundo da criança e do adolescente e coloca no mundo do adulto, que é o mundo do trabalho. (Gestor, Org4)

Esse discurso é mais meu, mas pelo que já conversei com alguns colegas de São Paulo e de outros estados, eles também veem isso. Não com esse discurso, não nesses termos, mas todos percebem isso. A contribuição do [Org4] de estar tirando esse jovem da fase criança e colocando-o no mundo adulto. Que é um mundo de responsabilidades, não é mais um mundo de faz-de-conta, agora tem contrato de trabalho, tem a carteira profissional assinada, tem dinheiro, com esse dinheiro ele tem poderes, e o que ele vai fazer com esses poderes... Então ele tem poder de estar melhorando a alimentação da casa dele ou tem o poder de comprar uma droga mais cara que ele não tinha acesso antes. (Idem)

Com relação ao jovem também é trabalhado, além da formação teórica e prática daquela habilitação e qualificação específica, o [Org4] tem uma preocupação do cidadão. Antes então de formar um profissional, o [Org4] tem essa preocupação de formá-lo como um cidadão interveniente, alguém que possa estar interferindo na sociedade, transformando. E claro que nosso foco principal é transformando por meio do trabalho, que é onde a gente vai estar investindo na formação. (Idem)

Por um lado, há a percepção de que a experiência de aprendizagem ajuda o jovem a

construir outros projetos de vida e produz novas formas de compreensão acerca das

relações inerentes à vida profissional. A dimensão subjetiva da participação do

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jovem nos programas da aprendizagem estaria, assim, relacionada não apenas a

uma ampliação de uma visão de mundo, mas vinculada a um estímulo indireto a

construir planos que incluem, a partir daí, a continuidade dos estudos, por exemplo:

Instrutora: Acho que é assim: essa convivência, participação, organização, tudo isso que eles vivem, vivenciam aqui, faz a diferença na vida deles. É um aprendizado a mais. De relacionamento, isso é muito importante. Pesquisadora: E com relação à escola. Você vê que, não só fazer o Ensino Médio, mas fazer curso técnico, superior, ajuda a construir um plano de perspectiva para a educação?

I: Ajuda bastante sim. Um incentiva o outro. A gente está sempre falando isso, acho que é mais fácil para eles do que para quem só faz o Ensino Médio. Uma escola normal.

P: Por que você acha?

I: Porque eles criam o hábito de estudo, é mais fácil para eles darem continuidade. Alguns deles já estão visando o mercado de trabalho, eles têm consciência de que não podem parar por aqui. Se está na empresa às vezes a própria empresa estimula, paga uma parte do curso superior. Ou às vezes ele volta a fazer outro curso aqui no próprio [Org4]. Acho que é mais fácil. (Instrutora, Org4)

De outro lado há a afirmativa de que a aprendizagem é, objetivamente, uma forma

de inserção do jovem no mercado de trabalho formal. Esta última percepção valoriza

o caráter de política pública que a aprendizagem tem e, em certa medida, facilita a

reflexão acerca das práticas executadas no processo enquanto parte de uma política

mais ampla que pode ser objeto de avaliação e controle social.

Um último aspecto que chamou a atenção da equipe de pesquisa e foi encontrado

em mais de uma instituição é a formação de “aprendizes” que não estão vinculados

a uma empresa. A legislação determina que a aprendizagem é configurada pela

vinculação a um determinado local de trabalho concomitantemente a uma formação

teórica a ser oferecida pelas organizações do “sistema „S‟” ou por entidades

assistenciais. Dessa forma, a aceitação nos programas de formação de jovens não

vinculados a empresas, ainda que não se configure como um descumprimento

explícito da legislação, seria uma forma de criar nichos para o encaminhamento de

aprendizes à medida que privilegia a inserção de jovens que têm condições de

participar de processos formativos sem a necessidade de ajudas de custo. Uma

questão que se coloca é como a fiscalização do Ministério do Trabalho deve lidar

com esse tipo de situação – e, ainda, se deve lidar com a prática que pareceu

bastante introjetada nas instituições.

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2.7. Impressões sobre o "sistema 'S'"

Em todas as etapas da pesquisa de campo, percebeu-se a presença constante das

organizações do “sistema „S‟” ao longo das entrevistas e observações. Ainda que

apenas uma das quatro instituições pesquisadas seja vinculada a esse sistema,

todas as organizações abordavam aspectos relacionados à presença dos Senais e

Senacs na formação de aprendizes. Em geral, a análise dos entrevistados era crítica

à preferência da legislação pela formação de aprendizes por organizações "S"; o

questionamento acerca dessa preferência vinha acompanhado da valorização do

trabalho e da qualidade de formação oferecida pelas organizações

socioassistenciais, recentemente incorporadas na política de aprendizagem para a

formação dos jovens.

É importante levantar que o coordenador entrevistado em uma escola do Senai

defende que não se utilize o termo “sistema „S‟” para fazer referência ao conjunto de

instituições apoiadas pelos setores produtivos (indústria, comércio, agricultura,

transportes e cooperativas). A análise do entrevistado baseia-se na lógica de que se

as organizações "S" fossem um sistema efetivo, compartilhariam práticas comuns e

teriam uma comunicação entre si – coisas que não fazem parte da realidade da sua

atuação, segundo o coordenador32.

Uma das profissionais entrevistadas na Org1 afirmou que há predileção dos

fiscalizadores pela execução da aprendizagem por organizações do “sistema „S‟”. A

despeito de reconhecer a importância desse sistema para a aplicação da

aprendizagem, a coordenadora observou que estas mesmas instituições não têm

capacidade para atender a toda a demanda. E, no entanto, segundo a entrevistada,

a fiscalização em São Paulo desencorajaria as empresas a procurar alternativas ao

“sistema „S‟” quando há falta de vagas para a formação dos aprendizes.

A Org2 também apontou em suas falas a prevalência do “sistema 'S'” na formação

da aprendizagem. Segundo a entrevistada, a capacidade de atuação da instituição é

32

Para saber mais sobre o “Sistema ‘S’”:

<http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/Carga_Fiscal/1999/SistemaS.htm>. Acesso em: 31 ago. 2011.

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88

tolhida diante da proposta, prevista em lei, de que as empresas optem de início

pelas instituições “S” e passem a procurar parcerias com outras entidades apenas

quando as primeiras não conseguirem atender a demanda:

Hoje em dia acaba acontecendo o quê? Com essa história da oferta primeiro nos cinco “S”, que é uma questão da legislação; primeiro vai para os cinco “S”, se os cinco “S” não tiverem capacidade de estar absorvendo esses jovens, aí você vai podendo falar com as outras ONGs. Então isso diminui muito nosso poder de ação. (Coordenadora, Org2)

(...) acaba acontecendo que chega até nós muito pouco essa questão. (...) ainda o sistema de fiscalização não está a contento, dá uma margem muito grande para a empresa não ter essa obrigatoriedade; ela não se vê na obrigação de contratação. (Idem)

A análise que a própria coordenação da instituição faz sobre essa prevalência das

organizações “S” em detrimento das organizações sem fins lucrativos para a

formação de aprendizes é que tal obrigatoriedade contribui para a proporção de

empresas que não obedecem à porcentagem mínima de jovens aprendizes entre

seus funcionários. Há, ainda, a percepção de que as dificuldades de fiscalização do

cumprimento das cotas mínimas de aprendizes nas empresas (5%) agravam o déficit

de vagas reservadas a esses jovens.

Por fim, é fundamental ressaltar a relevância que o “sistema „S‟” toma nos discursos

de todas as instituições. Enquanto a instituição ressalta a qualidade da sua formação

e a gratuidade dos seus cursos (em comparação a outras organizações do mesmo

sistema), as entidades assistenciais que oferecem atividades de formação reafirmam

que a preferência da legislação e fiscalização pelo “sistema „S‟” é prejudicial à

aprendizagem, na medida em que essa preferência seria materializada em

orientações a empresas para que não procurassem cursos de formação que não os

vinculados às organizações "S". Por outro lado, o funcionário vinculado ao órgão do

Ministério do Trabalho e Emprego – MTE em São Paulo refere que os cursos de

formação oferecidos pelo “sistema „S‟” têm grande qualidade nos conteúdos e

metodologia, em detrimento da incerteza que permeia os cursos de formação

oferecidos por organizações sociais. Equilibrar a demanda de jovens aprendizes

entre esses dois tipos de organização, bem como construir estratégias de

recrudescimento da fiscalização dos cursos oferecidos pelas inúmeras organizações

habilitadas são desafios impostos à política de aprendizagem.

Page 89: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

89

2.8. Uma análise da política

Ao longo da coleta de dados para a elaboração da presente pesquisa, foi possível

levantar informações mais amplas sobre as formas de articulação existentes e a

política de aprendizagem junto à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego

de São Paulo, a instituição responsável pela coordenação do Fórum Paulista da

Aprendizagem Profissional – Fopap, que vem se reunindo há dois anos. Ainda que

as atividades do Fórum não tenham sido acompanhadas33, é interessante trazer ao

debate algumas informações acerca dessa forma de organização das inúmeras

entidades ligadas à aplicação da aprendizagem no estado, em particular, e no país,

em geral.

Segundo o profissional entrevistado, a instalação de fóruns seria resultado de uma

política mais recente do MTE. Há cerca de dois anos, a aprendizagem teria sido

efetivamente alçada a uma categoria de política pública. Até então a política ficaria

restrita ao cumprimento das diretrizes dentro das instituições formadoras, à

fiscalização34 das condições de trabalho a que eram submetidos os jovens

aprendizes e ao controle das cotas de aprendizagem.

Os fóruns, por sua vez, teriam a intenção de congregar os diversos setores

envolvidos com a aprendizagem – instituições formadoras, “sistema „s‟”, empresas,

governo –, ainda que a representação de empresas seja bastante tímida.

Especificamente no Fórum do Estado de São Paulo, são muitas as entidades

participantes. O entrevistado informou que os fóruns buscam a utilização de uma

metodologia participativa para dinamizar a aprendizagem para além da fiscalização

do cumprimento da lei; ou seja, há uma busca por pensar a aprendizagem como

uma política que possibilita a formação de mão de obra qualificada. Além disso, a

33

O coordenador do Fórum foi bastante aberto à pesquisa, mas ponderou que para acompanhar as reuniões do Fopap seria necessário definir uma proposta de participação mais sistemática da Ação Educativa no Fórum, para além das necessidades da pesquisa.

34 O coordenador do Fórum aponta que, mais recentemente, o MTE adotou a fiscalização indireta: o ministério

convoca as empresas a prestar contas por meio de uma notificação. Essas empresas comparecem até a gerência do Trabalho em dias determinados e participam de atividades coletivas sobre a aprendizagem, tais como palestras. Após essa primeira atividade, inicia-se a fiscalização efetiva. A empresa leva à gerência os documentos relacionados ao número de empregados e à contratação de aprendizes para que um fiscal do Trabalho os analise. Caso sejam identificadas irregularidades, a empresa é notificada (ainda sem a necessidade de pagamento de multa) e é estabelecido um prazo para os rearranjos necessários à adequação à legislação da aprendizagem.

Page 90: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

90

articulação em torno de fóruns possibilitaria, na opinião do coordenador, uma

propagação do ideal de aprendizagem profissional e poderia atuar para que as

empresas percebessem as vantagens econômicas existentes na contratação de

aprendizes.

O entrevistado acrescentou que a nova legislação, além de transformar as formas de

fiscalização da aprendizagem, extinguiu o monopólio do “sistema „s‟” sobre a

formação dos jovens aprendizes. A partir de então, foram criadas condições para

que organizações assistenciais também desempenhassem essa função.

Com relação à participação desse sistema e de instituições outras na formação de

aprendizes, o coordenador ressaltou que o “sistema „S‟” tem tradição, "é consagrado

pela excelência dos seus cursos". Já as organizações assistenciais, em sua opinião,

não possuiriam esse reconhecimento e necessitariam de maior estruturação. Além

disso, ele observou que essas instituições, ainda que tenham um caráter social,

tendem a tratar a aprendizagem na perspectiva de um relacionamento de mercado.

O coordenador valorizou a perspectiva que encara a aprendizagem como

possibilidade de iniciação paulatina do jovem no mercado de trabalho, tendo em

vista que essa vivência congrega conhecimentos teóricos e práticos, além de

caracterizar-se pelo caráter de experiência. Relacionado a isso, ele ressaltou o

imediatismo das empresas diante de um processo de qualificação de mão de obra:

Já querem botar o menino pra produzir. Ele pode ter 16, 17, 18 anos... as empresas não querem saber. (Funcionário da SRTE-SP)

Esse imediatismo seria um dos responsáveis pelo que foi definido como “apagão da

mão de obra”: as empresas não se preocuparam em formar novos trabalhadores e

hoje enfrentariam dificuldades para a obtenção de profissionais qualificados.

O funcionário da Superintendência Regional do Trabalho também listou questões

interessantes concernentes ao olhar das instituições formadoras para os jovens

aprendizes. Em primeiro lugar, o entrevistado comentou que um dos aspectos

sempre citados pelas instituições formadoras é relacionado ao nível ruim dos jovens.

Essa dificuldade educacional dos aprendizes é um elemento que dificulta a

motivação do jovem para os espaços de discussão dos conteúdos teóricos. Segundo

o entrevistado, o jovem se desinteressa pelos conteúdos que a entidade ministra,

sobretudo a partir do momento em que passa a desenvolver atividades práticas:

Page 91: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

91

Depois de um tempo, o jovem perde o interesse e quer simplesmente trabalhar. (Funcionário da SRTE-SP)

Esse desinteresse pelas atividades realizadas nas instituições formadoras pode ser

reflexo da reprodução da forma escolar nos espaços das organizações. Outros

estudos já apontaram que essa prática é comum em programas e projetos voltados

a jovens e impulsiona o processo de não-adesão dos participantes às atividades

(Dayrell et al, 2007).

Segundo seu relato, as instituições formadoras afirmam que a base educacional dos

aprendizes é fraca, o que requer maior esforço para elevar o nível desse jovem de

modo que a experiência como aprendiz seja mais profícua.

Aprendizagem no poder público

Um aspecto realçado pelo entrevistado como prioritário para o Fopap seria a

aceleração da expansão da contratação de aprendizes para a administração pública.

Parte dos membros do Fórum tem estudado a questão para elaborar propostas

voltadas a essa prioridade tendo em vista que a contratação por órgãos públicos

deve ocorrer via concurso, fator dificultador para a consolidação de atividades de

aprendizagem nesse setor. Essa também seria a atual prioridade do Fórum Nacional

da Aprendizagem Profissional.

Uma estratégia possível para equacionar a contratação de aprendizes por órgãos

públicos seria efetivar a contratação em nome das instituições formadoras, tal como

ocorre na Org1 e na Org3. No entanto, o funcionário entrevistado afirmou que muitas

instituições se utilizam desse recurso como forma de baratear os custos de

contratação para as empresas, na medida em que entidades sociais geralmente são

isentas de determinadas taxas e impostos que seriam obrigatórias se o jovem fosse

contratado diretamente pela empresa que de fato o emprega.

Page 92: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

92

Deficiência de informações

Uma pergunta direcionada ao profissional entrevistado questionava a existência de

informações sobre qual seria o maior gargalo da aprendizagem: as empresas não

contratam aprendizes ou não há instituições formadoras suficientes? Ele destacou a

inexistência de informações precisas relacionadas à questão e ressaltou que há um

terceiro elemento geralmente desconsiderado nas discussões sobre a

aprendizagem: a demanda dos adolescentes. Em sua opinião, não se pode

pressupor que a demanda pela aprendizagem seja igual à quantidade de jovens

existentes.

Page 93: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

93

|3| Um olhar para o presente: os jovens aprendizes

Ao longo da etapa de pesquisa nas instituições formadoras de aprendizes foram

entrevistados jovens moças e rapazes que estavam, no momento, participando das

atividades de aprendizagem.

As entrevistas possibilitaram o contato com diferentes propostas de inserção e

práticas da aprendizagem e relatam experiências – e memórias – distintas entre

aqueles que vivenciaram a condição de aprendizes. Enquanto os jovens atualmente

vinculados a um programa estabelecem críticas mais circunscritas e objetivas acerca

dos limites da aprendizagem, aqueles que já não estão vinculados à aprendizagem

referem questões ligadas à experiência nos projetos, mas tendem a obscurecer as

análises negativas em favor das lembranças positivas trazidas pela aprendizagem.

A diversidade de experiências com a aprendizagem pode ser percebida também

entre aqueles jovens que eram aprendizes no momento da coleta de informações:

foram ouvidos não apenas aprendizes regulares, mas também alguns jovens cujo

contato com a aprendizagem se dá pela participação no curso de formação; em

outras palavras, esses aprendizes não estão vinculados a empresas e não exercem

atividade remunerada.

Após uma breve descrição dos jovens entrevistados, buscaremos retomar as

estratégias que levaram os aprendizes até os programas de formação e as principais

questões levantadas que se relacionam às dinâmicas da formação teórica e da

experiência prática na aprendizagem. Por fim, serão apresentadas as perspectivas

de futuro dos jovens – aprendizes e egressos – diante dessa primeira experiência

com o mercado formal de trabalho.

3.1. Quem são estes jovens?

Ainda que as entrevistas realizadas na etapa qualitativa da pesquisa não

representem uma amostra fidedigna dos jovens aprendizes no país, buscamos

apresentar alguns aspectos relacionados a eles tendo em vista que essas

informações podem dar pistas de um perfil mais amplo e dialogar, em alguma

Page 94: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

94

medida, com os dados da pesquisa realizada junto aos egressos dos municípios de

São Paulo e Fortaleza.

Os jovens das quatro instituições pesquisadas apresentavam um perfil relativamente

parecido e, se tinham experiências anteriores de trabalho, haviam vivenciado

situações de emprego informal. Os aprendizes ouvidos podem ser classificados

como “jovens adolescentes”. Ou seja, têm entre 15 e 18 anos. Essa média de idade

reflete as falas dos gestores e funcionários das instituições, que já haviam indicado

uma presença mais significativa de aprendizes mais novos do que o limite

estabelecido pela legislação, que é 24 anos.

Com relação à educação, vê-se que os aprendizes entrevistados ou estavam

cursando ou haviam concluído o Ensino Médio. E à exceção de uma entrevistada

que assumiu enfrentar dificuldades para concluir essa etapa dos estudos35, os

jovens aprendizes participantes da pesquisa não apresentavam questões de

defasagem idade-série.

3.2. Como chegam às instituições?

Os jovens entrevistados geralmente chegaram às instituições por meio de

indicações de amigos e familiares a respeito da oportunidade de aprendizagem.

Essa indicação funciona não apenas quando as organizações são a porta de

entrada para a aprendizagem, mas também quando são as empresas as

responsáveis pela indicação das turmas de aprendizes – caso corrente na Org4.

Mesmo quando a empresa é responsável por encaminhar o jovem, as indicações de

família e amigos funcionam como estratégia para acesso à aprendizagem.

Percebe-se, assim, que as redes de sociabilidade desses jovens são mais operantes

para que ingressem em programas de aprendizagem e tenham acesso a

oportunidades de emprego do que outras possibilidades de contato com a temática –

escola ou internet, por exemplo. Essa constatação reforça, de certa forma, o modo

privilegiado para acesso a empregos no Brasil. Ainda, percebe-se que a indicação

prevalece sobre outras formas de acesso à informação sobre empregos, a despeito

da maior utilização de outras estratégias nos últimos anos. (Guimarães, 2008).

35

A jovem entrevistada comentou que cursa o 1º ano do Ensino Médio pela quarta vez.

Page 95: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

95

Os relatos sugerem que as redes de familiares e amigos são fundamentais para o

acesso à informação sobre a aprendizagem por indicar aos jovens o caminho seja

das instituições formadoras, seja das empresas. A escola, que poderia ser uma

interlocutora privilegiada das instituições formadoras de aprendizes e dos jovens

interessados em uma experiência de emprego, aparece em apenas uma indicação,

e as agências e centros públicos de informação sobre emprego não foram citados.

Ainda que os dados coletados nas entrevistas aqui descritas não representem um

universo de jovens aprendizes, vale reafirmar o potencial disseminador de

informações que a escola pode ter.

Como já referido, algumas organizações possibilitam a inserção de jovens

aprendizes vinculados a empresas (indicados para a formação pelas próprias ou

recrutados pela instituição formadora) e, caso sobrem vagas, aceitam jovens da

comunidade que se interessam pela formação. Dessa maneira, há jovens que não

possuem vinculo com empresas e ainda assim são considerados “aprendizes” pela

instituição.

Na Org4, os jovens que se interessam pela formação e não são indicados pelas

empresas fazem uma prova de conhecimentos gerais que os habilita a cursar a

aprendizagem na instituição. Os dois entrevistados da organização buscaram o

curso de formação de aprendizes sem estar vinculados a empresas. O que os

motivou a se matricular e seguir com o curso a despeito de não exercerem uma

atividade remunerada foi a possibilidade de trabalhos futuros diante de uma

experiência formativa prévia e o respaldo da instituição no mercado de trabalho de

maneira mais geral:

Pergunta: E porque você procurou fazer o curso de aprendizagem? Resposta: Primeiramente, para ser bem sincera, por causa do nome do [Org4], o [Org4] tem muito peso lá fora. Porque a maioria dos cursos são seis meses e alguns são meio desvalorizados, eu sabia que o [Org4] é bem reconhecido. (Jovem moça, Org4)

Pergunta: E porque você resolveu se inscrever no [Org4]? Resposta: Por causa do nome do [Org4] mesmo. Queria trabalhar... e é mais fácil, mais rápido para conseguir emprego. (Jovem rapaz, Org4)

Percebe-se que o reconhecimento das instituições em um escopo mais amplo do

que a própria política de aprendizagem pode ser um elemento impulsionador da

procura por oportunidades de aprendizagem pelos jovens. E mais, esse

Page 96: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

96

reconhecimento público das instituições passa aos jovens a segurança de que a

experiência com a aprendizagem não se limita ao período do contrato e abre outras

possibilidades profissionais.

3.3. A experiência na aprendizagem

Os jovens entrevistados apresentaram suas impressões acerca da aprendizagem no

que concerne não apenas aos cursos de formação das Orgs 1, 2, 3 e 4, mas

também às atividades vivenciadas nas empresas e às percepções de alterações

mais gerais em sua vida, que seriam, em sua opinião, decorrentes da experiência

como aprendizes.

Pode-se dizer que, em geral, os jovens eram simpáticos às práticas da

aprendizagem a despeito das críticas formuladas a aspectos do trabalho e da

formação nas instituições. Eles também reconheciam que a inserção na

aprendizagem havia provocado mudanças de vida, geralmente consideradas

positivas e relacionadas a processos de amadurecimento. Nesse sentido, a

discussão sobre o impacto da aprendizagem na vida dos jovens apresenta

correlações com o discurso apreendido nas entrevistas realizadas com os

profissionais que atuam nas instituições: a aprendizagem seria um momento de

transição para a vida adulta. Em outras palavras, tornar-se aprendiz é parte de um

processo maior que inclui a necessidade de adquirir responsabilidades, ter o seu

próprio dinheiro e constituir planos de futuro mais definidos. A fala de algumas

entrevistadas repercute essa construção:

Pergunta: Você acha que participar da aprendizagem provocou alguma mudança na sua vida? Resposta: Total. As pessoas que eu conheci a maneira de pensar, agir. Me tornei muito mais responsável, com muito mais certeza do que antes. O [Org4] te amadurece muito, faz você crescer muito. P: E foi para melhor, para pior? R: Não sei se consigo julgar se foi para melhor, ou para pior. Eu confesso que fiquei mais mal humorada. A minha paciência diminuiu bastante. Mas acho que foi para melhor sim. Vi que as coisas não são tão fáceis, que a gente tem que lidar, correr atrás. (Jovem moça, Org4)

Acho que amadureci bem mais, eu era bem criancinha, até 17 anos eu era muito bobinha. Então... acho que amadureci bastante, tem muita coisa que a gente passa quando a gente trabalha, então, a gente tem que tolerar... quando você é mais novo, você não está nem aí e xinga todo mundo. Eu

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97

aprendi a me controlar, a tolerar as coisas que as pessoas falam pra mim. Eu acho que eu amadureci muito mais. (Jovem moça, Org1)

Aprendi a dar mais valor pro dinheiro. Assim, eu gasto, mas aprendi a me controlar nas coisas e aprendi a ter mais responsabilidade do que eu era antes. (Idem).

É interessante notar certa ambiguidade no discurso da jovem aprendiz. Se, por um

lado, ela reconhece que a vida mudou para melhor após a experiência na formação

para aprendizagem, ela completa que ficou mais “mal-humorada”.

Nesse sentido há, ainda, certa visão sobre a juventude que é compartilhada não

apenas pelos jovens, mas também pelos gestores e funcionários dos projetos, que

responsabilizam a experiência com a aprendizagem por certa mudança de postura

diante da vida. Tais mudanças de postura deixariam de lado elementos como

rebeldia ou despreocupação para dar lugar à seriedade exigida entre aqueles que

estão inseridos no mercado de trabalho – e, de certa forma, no mundo adulto.

(...) é porque eu acho assim, que hoje em dia muitas jovens não pensam da mesma maneira. Eu penso, eu acho que eu penso totalmente diferente de todos da minha escola. Porque eles pensam mais em, (...) eles ficam mais em festa, mais essas coisas, balada, isso, aquilo. Eu não, já não penso muito nisso, penso mais em estudar, fazer faculdade, tentar conseguir um bom emprego, essas coisas. (Jovem mulher, Org2)

Porque eu tinha a visão igual a dos meus colegas, assim, eu já pensava em trabalhar, essas coisas, mas também gostava muito de passear, sabe? (Idem).

Outros estudos afirmam a lógica que se inscreve na fala dessa jovem: diferenciar-se

dos “outros” jovens dando um maior sentido de responsabilidade para a sua própria

vida em detrimento do que seria o comportamento típico da juventude36.

A relação com o tempo também pareceu bastante modificada diante da experiência

de trabalho formal; muitos dos jovens apontaram que as relações com familiares,

amigos e a escola foram transformadas diante da diminuição do tempo livre em

decorrência do trabalho e da formação teórica nas instituições. Em alguma medida,

a questão do tempo despendido nas atividades de formação teórica e prática reduz

os espaços de convivência familiar e transforma a relação com a escola.

Uma das entrevistadas da Org4 deixa essa questão explícita em sua fala:

36

Uma análise mais aprofundada dessa questão pode ser encontrada em Corrochano, 2008.

Page 98: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

98

Pergunta: E depois que você começou a fazer esse curso, como ficou sua relação com a família? Teve alguma alteração? Resposta: Fiquei bem mais distante. Antigamente eu ficava bem mais em casa, não era tão ocupada, não tenho tempo. Principalmente agora, no final do quarto termo, não tenho tempo de sair, nem quando meus pais me chamam não posso mais. Estou sempre trancada no quarto fazendo trabalho, ou dormindo, porque chego morta de cansaço. E me afastei. P: E com a escola, teve alteração? R: Total. Eu era bem mais aplicada na escola. Eu ainda tiro notas azuis, mas não são as mesmas que tirava quando eu não fazia [aprendizagem]. E como são as duas coisas, a gente tem que priorizar alguma coisa e acabou priorizando o [Org4], não tem jeito. Acabo me dedicando mais ao [Org4] e deixando a escola meio de lado. (Jovem moça, Org4)

Percebe-se que há uma extensão significativa na jornada dos jovens que participam

de atividades de formação de aprendizes. Os relatos que relacionam a inserção na

aprendizagem à mudança das relações não apenas com a escola formal, mas

também com familiares, levantam a discussão sobre o direito à vivência familiar e à

Agenda Nacional para o Trabalho Decente da Juventude (MTE, 2010). Os jovens

têm o direito ao trabalho e esse direito deve ser garantido e articulado aos outros

âmbitos de sua vida – a família e o acesso à educação formal são dois desses

elementos.

Um dos entrevistados da Org2 enfatizou que a sua família foi importante para decidir

sobre o ingresso na aprendizagem. Ele já trabalhava antes da inserção no projeto,

mas buscou a aprendizagem porque o seu antigo emprego não oferecia

possibilidades de crescimento profissional. No entanto, tornar-se aprendiz

representou uma diminuição da sua renda mensal e o apoio da família foi

fundamental para que ele decidisse arcar com o ônus de receber um salário um

pouco mais baixo para ter oportunidades futuras de emprego.

De certa forma, essa preocupação com oportunidades futuras que está presente nas

falas dos jovens aprendizes apresenta uma perspectiva diferente daquela

geralmente associada à juventude, que os enxerga como excessivamente

preocupados com o presente (Tartuce, 2007).

Relatos sobre formação e trabalho

As informações coletadas especificamente sobre a formação realizada pelas

instituições pesquisadas apontam para diferentes propostas de trabalho que se

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99

materializam em análises distintas dos jovens sobre cada uma das experiências. No

entanto, há aspectos que podem ser apresentados como comuns a todas as

entrevistas com os aprendizes, sobretudo aqueles relacionados às queixas dirigidas

às práticas formativas.

A jovem entrevistada na Org1 declarou preferir o conteúdo do curso ao trabalho

realizado na empresa que a contrata. Se a princípio ela havia pensado que as

atividades do curso seriam parecidas com as da escola (que, em sua opinião, seriam

desestimulantes), as práticas concretas a agradaram:

Do [Org1], na verdade, eu não esperava muito... Eu esperava que fosse um curso mais de ter apostila, fazer lição de casa... E foi totalmente diferente, uma coisa que a gente faz aqui na sala mesmo, acaba na sala e poucas vezes tem algum trabalho que você tem que fazer e depois trazer (...). Achava que ia ser aquela coisa de apostila, fazer lição de casa, que nem escola. Não foi, foi bem melhor. (Jovem mulher, Org1)

O curso de formação da Org2 foi definido pelo jovem rapaz como um “complemento”

para aprender o que se pode fazer ou não no mercado de trabalho. Seja para

conhecer como se portar seja para saber como deveria ser a comunicação oral e

escrita. Já a jovem entrevistada na organização destacou a possibilidade de diálogo

entre os jovens e a instituição. Segundo ela, há abertura para que os jovens

aprendizes indiquem as questões que os desagradam para que sejam feitas

mudanças no processo de formação:

A gente deu várias opiniões, sabe? Muita gente se juntou e a gente falou que poderia ter aulas mais dinâmicas, poderia ter passeios, aí tudo isso eles forneceram pra gente, a gente já foi em museus, em vários lugares. (Jovem mulher, Org2).

O pequeno número de aprendizes nessa organização e a relação anterior

estabelecida com a maioria das moças e rapazes na aprendizagem ajudam a

construir certa percepção de que o programa de aprendizagem da instituição tem,

em alguma medida, um ambiente que permite aos jovens maior familiaridade com a

instituição – relação que não foi percebida nas outras organizações visitadas. Essa

percepção é explicitada não só pela coordenadora e educadores ouvidos, mas

também pelos jovens:

Eu acho que foi essencial o curso no [Org2] pra mim, acho que me ajudou muito, muito. Eu só tenho a agradecer. (Jovem mulher, Org2)

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100

Isso parte da gente né, pensar em coisas pra melhorar. Eles dizem isso, muito pra gente. Que a gente pode dar nossa opinião para estar melhorando o [Org2] cada vez mais. (Idem)

Já fazia outros cursos aqui do [Org2] que é curso da instituição. Minha mãe também, que é conhecida do [Org2]. (Jovem rapaz, Org2)

Os jovens ouvidos na Org3 afirmam que as atividades de formação que mais os

agradam são aquelas que proporcionam o uso de metodologias para além da aula

expositiva; a jovem moça afirmou que as gincanas sobre conhecimentos gerais eram

as atividades mais divertidas e produtivas. A exibição de filmes também foi

considerada um aspecto louvável das atividades de formação. O jovem rapaz, por

sua vez, valorizou o curso e a experiência na Org3 enquanto espaço de

sociabilidade e convivência com outros jovens.

Alguns entrevistados declaram que há a possibilidade de participação em atividades

que não concernem diretamente à experiência da aprendizagem. Na Org4, um dos

jovens participa de um processo de treinamento para as “Olimpíadas” da instituição,

que tem etapas estaduais e nacional e congrega competições relacionadas aos

cursos de formação da instituição. O treinamento é diário e ocorre no período oposto

ao do curso de aprendizagem. Vale dizer que a participação do jovem na formação

para as Olimpíadas só é possível porque o seu contrato de trabalho prevê a

experiência prática, na empresa, apenas durante o período de férias escolares.

Ainda, a entrevistada da Org4 elogia os professores e valoriza o contato frequente e

a cooperação entre professores e aprendizes que ocorre no cotidiano da

aprendizagem. Ao que parece, essa organização se propõe a estruturar as

atividades da aprendizagem a partir de uma dinâmica bastante parecida com a da

escola – não apenas pela divisão dos dois anos de aprendizagem em módulos, mas

também pelas formas de avaliação dos jovens, que são diferenciadas daquelas das

outras instituições e remetem a processos avaliativos do ensino regular (provas com

conteúdos estudados ao longo do semestre).

Se há aspectos relacionados aos cursos de formação que são considerados

positivos pelos jovens, eles problematizam outras questões também relacionadas às

atividades executadas pelas organizações.

Page 101: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

101

A exibição de filmes parece ser algo comum nas atividades de formação dos

aprendizes37 e não é necessariamente mal avaliado pelos aprendizes. No entanto,

uma das críticas de um jovem vinculado à Org1 é a utilização de filmes como “tapa-

buraco” do programa de formação: na maior parte das vezes, eles assistem aos

filmes quando as turmas de aprendizes ficam sem instrutores. É interessante notar

que essa foi uma percepção apresentada pelos jovens; ou seja, eles não apenas

estão atentos às atividades como se preocupam com as questões debatidas no

âmbito da aprendizagem.

Outro aspecto levantado é o fato de um curso de formação não discutir questões

diretamente relacionadas ao trabalho desenvolvido nas empresas. Se a formação da

Org2 é, segundo um jovem entrevistado, uma complementação à vivência no mundo

do trabalho, a outra entrevistada indica que essa complementação não inclui

aspectos mais objetivos da formação:

Eu acho que colocaria alguma coisa mais relacionada à administração, alguma coisa que focasse a área de trabalho que a gente tá mesmo. (Jovem mulher, Org2)

Os dois entrevistados da Org4 informam que as atividades teóricas da

aprendizagem são as partes menos interessantes da formação de aprendizes; o

jovem rapaz entrevistado contemporiza diante da constatação que a parte teórica do

curso instrumentaliza os aprendizados práticos adquiridos na oficina da instituição. A

jovem moça ainda critica o excesso de regras estabelecidas pela instituição que

ordenam o cotidiano dos aprendizes.

Podiam fazer uma análise das regras, ver o que a gente realmente usa e tirar o que a gente está só perdendo tempo. (Jovem mulher, Org4)

Para além das questões relacionadas aos conteúdos debatidos na formação e às

estratégias de trabalho desses mesmos conteúdos pelas organizações, alguns

jovens levantaram críticas a questões de ordem estrutural. O aprendiz da Org2

observou que o horário da formação, que se realiza em período integral (das 8h às

17h), é cansativo e poderia ser dividido em duas etapas para um melhor

aproveitamento das discussões.

37

A utilização de filmes é bastante comum e chega a ser coincidente entre as instituições formadoras: nas visitas de campo pudemos observar duas organizações, que trabalhavam com materiais de apoio distintos, discutirem o mesmo filme com os jovens aprendizes.

Page 102: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

102

A despeito dos questionamentos, a experiência com a aprendizagem parece ser

superior às expectativas dos jovens antes de iniciada a experiência:

Olha, eu encontrei o que eu esperava. Eu acho que foi melhor do que eu esperava, porque eu não sabia que eu ia ser efetivada. Isso é muito legal pra todo mundo eu acho que todo mundo entra aqui e diz, ai eu quero ser efetivado, eu quero ser efetivado, alguns acabam não sendo e outros acabam sendo. Mas eu fiquei muito feliz quando eu soube e eu gostei, eu acho que pra mim foi ótimo porque, antes eu era bem mais tímida. Eu não falava muito a minha opinião. Agora eu comecei a expor ela a falar sobre o que eu penso. (Jovem moça, Org2)

Eu acho que é bem melhor [do que esperava]. Eu imaginava que o Org4 fosse bem mais chato, rigoroso. Na verdade a gente que está lá fora como aluno vê isso aqui como colégio militar. Org4, jamais. Mas depois que eu entrei você vê que não, que é só seguir umas coisas básicas... Você tem que se esforçar bastante, mas dá para passar. (Jovem moça, Org4)

Eu achei que não ia entender muita coisa, e acabei entendendo bastante. Quando você está no primeiro, segundo, terceiro termo [semestre], você acha que não está entendendo nada. Mas quando você chega no quarto termo e usa tudo aquilo você vê que você aprendeu sim. Deu pra entender tudo. (Idem)

Ainda, as práticas de avaliação relatadas pelos jovens indicam que as instituições

formadoras têm a preocupação em informar a eles as impressões acercas do seu

aproveitamento no curso, utilizando-se das atividades realizadas em todos os

encontros ou por meio de avaliações mais tradicionais. E se há a preocupação em

avaliar o comportamento e o aproveitamento do jovem por parte da instituição

formadora, os jovens não relatam momentos em que podem avaliar o seu próprio

trabalho ou apresentar suas impressões sobre o curso de formação.

Na prática – percepções sobre as experiências nos locais de trabalho

As experiências contadas pelos jovens relacionadas às atividades que realizam em

seus respectivos locais de trabalho são distintas, assim como as impressões sobre

os cursos de formação. O jovem rapaz entrevistado na Org1 afirmou gostar do seu

trabalho e relatou que a sua experiência como aprendiz tem influenciado a escolha

do curso superior que ele pretende cursar. Há ainda, por parte desse aprendiz, uma

expectativa de efetivação após o cumprimento do contrato de aprendizagem.

Já a jovem da mesma organização contou que esperava mais do que efetivamente

aprendeu em sua experiência de trabalho. Ao longo dos quase dois anos em que

Page 103: Jovens Aprendizes Relatorio FINAL

103

atuava como aprendiz, ela informou ter exercido praticamente as mesmas

atividades:

(...) Pra mim não tem por que você ficar dois anos fazendo uma coisa só, sendo que tem outras coisas pra você conhecer. Então, foi o que eu desanimei no meu trabalho. (Jjovem moça, Org1)

Os jovens entrevistados na Org2 mostraram-se satisfeitos com as atividades

realizadas em seus respectivos espaços de trabalho. A moça entrevistada havia sido

efetivada no período da pesquisa e o rapaz tinha esperanças de ser efetivado em

breve. Ele ainda ressaltou que a empresa onde é aprendiz “trabalha certinho”: paga

os funcionários em dia. A preocupação com esse tipo de questão pode revelar que

os tipos de contratos a que estavam submetidos esses jovens nas experiências

anteriores de trabalho, informais, não garantiam uma regularidade salarial.

A Org4 estabelece possibilidades distintas para a experiência da aprendizagem nas

empresas. A formação oferecida pela instituição é diária. Alguns jovens articulam a

formação diária a idas diárias às empresas que os contrataram, mas isso geralmente

ocorre com aqueles que já concluíram o Ensino Médio. Dos dois entrevistados nessa

organização, a moça não havia conseguido uma empresa para trabalhar como

aprendiz, participando apenas da formação na instituição, e o rapaz era contratado

pela empresa e trabalhava em suas instalações apenas durante as férias escolares

– ao longo do ano letivo, ele recebia o salário e participava da formação na

instituição. Esse mesmo jovem declarou que trabalhar na empresa era interessante

por proporcionar o convívio com experiências diferentes das vivenciadas na

instituição formadora:

Aqui seria mais um aprendizado, lá já você pega a experiência das pessoas. (Jovem rapaz, Org4)

Um aspecto citado pelos profissionais que atuam nas instituições formadoras, o

desvio de função, não apareceu nos relatos dos jovens quando incitados a comentar

as experiências nas empresas. Isso não significa que essa seja uma questão

perceptível apenas aos olhos dos gestores, ou que os jovens efetivamente não se

queixem de momentos em que são orientados a desempenhar atividades que não

correspondem às atribuições estabelecidas no contrato de aprendizagem. Mas

indica que os jovens podem construir relatos diferentes quando incitados a contar

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suas percepções sobre a aprendizagem para os coordenadores das instituições

formadoras e para uma pesquisadora.

Uma questão de gênero

Um relato que chamou a atenção foi concedido por uma das jovens entrevistadas na

Org4, que estava no último período do curso de formação e não havia tido nenhuma

experiência com empresas. Especificamente no caso dela, uma das dificuldades em

conseguir uma colocação foi o fato de ser mulher; aluna do curso de eletricista de

manutenção, ela aponta que são poucas as oportunidades para mulheres na área:

Pesquisadora: - E você chegou a ser colocada em alguma empresa nesse período em que estava aqui ou você quis só fazer o curso? Entrevistada: - Eu fui numa entrevista, mas depois que passou um certo tempo eu vi que realmente era muito pesado. Para menina é muito mais complicado ir para uma empresa do que para os meninos. A maioria das empresas não tem instalações femininas. - Não tem banheiro feminino? - Isso. - Então as meninas têm mais dificuldade de arrumar emprego nessa área? - Sim. - E isso que você está falando é uma coisa que você vê ou alguém te falou? - Não, isso é uma coisa que a gente vê a todo tempo, vivenciou, e que em todo termo [semestre] a gente vê isso. Que a cada 10 meninos que conseguem uma empresa, uma menina consegue. É isso, mais ou menos. (Diálogo entre pesquisadora e entrevistada, Org4)

Ainda com relação às distinções entre as oportunidades de emprego para homens e

mulheres nas áreas trabalhadas pela instituição, vale ressaltar a fala de um dos

instrutores entrevistados. Questionado se havia mais homens ou mulheres na

escola, o educador informou a existência de uma maior presença masculina e a

justificou a partir das áreas trabalhadas pela instituição:

Por causa dos cursos que são voltados mais para a área de eletroeletrônica e mecânica. [...] a escola que eu estava no interior de São Paulo está na capital do alimento: Marília. Então a maioria dos alunos são meninas. Por quê? Porque era voltado para a área do alimento. Agora, aqui, como é voltado para a área industrial, temos mais meninos do que meninas. (Instrutor, Org4)

O instrutor parte de uma perspectiva que divide as áreas de conhecimento e atuação

profissional entre aquelas que seriam mais propícias a mulheres e outras que seriam

mais favoráveis aos homens. Ainda que esse mesmo ponto de vista seja

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amplamente aceito e até mesmo constitua um articulador de uma menor demanda

de mulheres e homens por determinadas áreas de conhecimento38, é importante

ressaltar que existe, já há algum tempo, uma rica produção teórica que busca

desnaturalizar as distinções entre o que se percebe como “masculino” e “feminino”.

Em outras palavras, há a defesa de que as diferenças apontadas como inatas entre

mulheres e homens são construções culturais39.

3.4. Projetos de futuro

Os jovens inseridos em processos de formação de aprendizes apresentam a

intenção de permanecer no mercado de trabalho após a experiência com a

aprendizagem e dar continuidade à educação – seja concluindo o Ensino Médio,

seja ingressando na universidade.

Essa tentativa de conciliar os estudos ao trabalho apareceu como uma tendência

também entre os jovens egressos entrevistados na etapa da pesquisa realizada em

São Paulo e Fortaleza. Os dados referem que a maior parte dos egressos trabalha e

possui carteira assinada, o que indica uma inserção no mercado formal de trabalho,

e estuda – boa parte deles em escolas particulares de ensino superior.

O jovem entrevistado na Org2 observa que a aprendizagem estimulou o

planejamento para o ingresso no ensino superior. Nessa mesma fala, ele levanta

aspectos também relacionados à aprendizagem e mais subjetivos – sentir-se

importante, por exemplo:

Eu me senti mais importante sabe? Você entra de [roupa] social (...). Dar valor a uma profissão, pegar uma profissão antigamente se falava “ah, quero dinheiro”, agora eu só quero uma profissão, fazer o curso superior que eu acho que é bastante importante hoje em dia tem que ter, o que mudou pra mim foi isso, eu dei mais valor ao curso superior e à profissão. (Jovem rapaz, Org2)

38

Cabe ressaltar que não realizamos uma investigação sobre uma eventual menor demanda feminina à aprendizagem na Org4. Sabe-se apenas que a presença de mulheres é inferior à participação dos homens nas atividades de formação. Tendo em vista que a maior parte dos jovens é encaminhada para a aprendizagem pela própria empresa que os contratou, o gargalo à entrada das jovens moças nas atividades ligadas a este setor pode ser não a falta de demanda das mulheres, mas o próprio processo de contratação no interior das empresas.

39 Ver: Rubin, 1975; Franchetto et al, 1981; Scott, 1986.

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A aprendizagem seria uma experiência que proporciona alteração da visão de

mundo e ampliação de perspectivas relacionadas não apenas a oportunidades

outras de trabalho, mas também a acesso ao ensino superior:

O meu modo de ver o mundo era diferente porque eu não me preocupava muito com relação à sociedade em si, em relação a todo mundo. Eu me preocupava mais com a minha vida, achava que o meu mundo era só aquele. Aí eu descobri que tem esse negócio de trabalhar, de fazer faculdade, essas coisas assim, eu nunca tinha muito contato com esse tipo de coisa. (Jovem moça, Org2)

Uma das entrevistadas na Org4 descreve os seus planos de futuro posteriores ao

curso da aprendizagem e já indica caminhos para a consecução desses mesmos

planos – por exemplo, o Enem, que é possibilidade de acesso ao ensino superior:

Vou tentar arrumar um emprego, pretendo prestar uma faculdade, vou estudar bastante para o Enem, prestar o vestibular... (Jovem moça, Org4)

Outro entrevistado da mesma organização pretende ser efetivado pela empresa e

fazer um curso técnico após a experiência de aprendizagem. No entanto, esse curso

é uma etapa anterior à universidade, que também está nos planos do entrevistado.

Esse mesmo percurso – emprego, curso técnico e faculdade – foi delimitado por

uma das entrevistadas na Org3, que vê nesse caminho a possibilidade de criar

condições para acessar o ensino superior:

Trabalhar muito, estudar muito, fazer cursos profissionalizantes até chegar onde você quer, fazer faculdade, ganhar um salário bom pra fazer uma faculdade (...). Pra mim é por aí. (Jovem mulher, Org3)

Em pesquisa anterior com jovens40, identificamos que o curso técnico é muitas

vezes entendido como estratégia para conseguir uma melhor colocação no mercado

de trabalho e, a partir daí, acessar a universidade. Além disso, a universidade que

está nos planos é sempre a vinculada ao ensino privado, tendo em vista que é

relacionada à procura por empregos que ofereçam melhores salários – e

proporcionem, assim, o pagamento de mensalidades.

Percebe-se que a fala dos jovens remete à presença de uma expectativa positiva

diante do futuro que se articula à experiência com a aprendizagem, mesmo quando

o jovem não sabe, objetivamente, de que maneira a aprendizagem pode ajudar:

40

Pró-Menino: trajetos e projetos. Relatório de pesquisa. São Paulo, Ação Educativa e Fundação Telefônica, 2011.

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107

Pergunta: Você acha que sua participação aqui no [Org1] provocou alguma mudança na sua vida em alguma coisa ou você acha que foi igual? Resposta: Continuou igual, mas vai mudar mais pra frente, vai ser uma coisa que vai evoluir, vai ser pro futuro, o futuro vai mudar muito, vai mudar muito. (Jovem rapaz, Org1)

Abramo (2005) já apontava que os jovens são bastante otimistas com relação ao

seu futuro, questão que pode ser observada na fala do entrevistado. Se por um lado

há certa dificuldade em formular os aspectos que sofreram mudanças após a

experiência como aprendiz, em outros momentos é possível perceber um discurso

que explicita a elaboração de projetos de futuro diante de perspectivas criadas com

a participação no programa de aprendizagem.

O mesmo jovem apontou que está em vias de ser efetivado na empresa onde é

contratado como aprendiz. Em sua fala, a efetivação e o consequente aumento de

salário seriam essenciais para o acesso ao seu projeto de futuro mais urgente, o

ensino superior:

Se não me efetivarem vou ter que procurar outra coisa, porque eu quero começar a faculdade logo; sem o dinheiro da efetivação, um dinheiro bom, não vai ter como eu começar a faculdade. Você pode até começar a faculdade, mas não vai ter dinheiro mais pra nada. (Jovem rapaz, Org1)

Diante da constatação que a busca pelo acesso ao ensino superior está presente no

planejamento dos jovens e chega a ser uma das motivações para que permaneçam

empregados, vale dar atenção a esse aspecto em eventuais análises futuras com

egressas e egressos das políticas de aprendizagem, questionando se a elaboração

de um plano para o acesso ao ensino superior significa um acesso efetivo. A

pesquisa realizada com jovens egressos em São Paulo e Fortaleza indica uma

quantidade significativa de jovens que afirmaram estar matriculados em faculdades.

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Conclusões e recomendações

A investigação com os jovens egressos de programas de aprendizagem teve como

objetivos analisar o perfil social dos jovens atendidos pela Política de Aprendizagem

Profissional, identificar a experiência formativa dos jovens aprendizes tanto na

empresa como nas instituições formadoras durante a vigência do contrato e, por fim,

investigar as condições de inserção dos aprendizes egressos no mercado de

trabalho.

A coleta de dados nas organizações formadoras de jovens aprendizes levantou

questões que foram recorrentes e possuem relevância se procuramos pensar a Lei

da Aprendizagem enquanto política pública para a inserção de jovens no mundo do

trabalho.

A seguir apresentaremos os principais resultados e recomendações sobre o

aprimoramento da política de aprendizagem para delimitar as questões que

merecem maior cuidado em futuras intervenções e projetos de pesquisa.

Recrutamento e seleção de jovens aprendizes

Ampliar os canais de divulgação da política em espaço públicos como

escolas, centros de juventude e centros públicos de emprego e renda. Na

pesquisa identificamos que os principais canais de informação sobre a Lei do

Aprendiz são as redes informais compostas por familiares e amigos;

instituições como escolas e programas sociais são poucos citados pelos

jovens entrevistados;

Ainda com relação ao recrutamento e seleção de aprendizes, os relatos

apontaram que mesmo dentro das contratações realizadas por meio da Lei da

Aprendizagem funcionam mecanismos informais de seleção, seja por meio de

indicação de parentes e amigos, seja pela facilitação no processo a jovens já

vinculados às organizações. Sobretudo nesse último caso, observa-se a

formação de uma “fila dupla” para as vagas da aprendizagem, constituída por

jovens que não são aprendizes e não recebem ajudas de custo, mas

participam das atividades de formação e, assim, têm preferência para futuras

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vagas. A utilização de mecanismos informais de seleção e a constituição

dessa dupla forma de seleção, que contempla jovens que se dispõem a

participar dos processos de formação sem um posto efetivo de aprendiz,

demonstra que essa política – que deveria ser universalizada – tem espaço

para discricionariedade e limitação de público. É fundamental problematizar

essas questões tendo em vista a necessidade de buscar uma efetiva

universalidade da política garantindo o seu acesso por outros meios que não

as redes familiares e de sociabilidade.

Empresas

O número de jovens contratados como aprendizes no Brasil ainda está abaixo

do potencial de contratação estabelecido pela cota mínima de 5% do quadro

funcional das empresas. Aumentar os mecanismos de fiscalização nas

empresas, instituir um processo mais amplo e qualificado de credenciamento

das instituições formadoras e diversificar as estratégias de divulgação da

política de aprendizagem são medidas fundamentais para aumentar o número

de jovens aprendizes.

Diante do relato de que algumas empresas preferem pagar a multa por não

terem um mínimo de 5% de funcionários aprendizes do que contratarem

jovens em situação de aprendizagem, é fundamental garantir a essas

empresas um maior acesso a informações relacionadas à aprendizagem – por

meio de palestras e materiais de formação. A visão refratária diante da

inclusão de jovens aprendizes pode ser resultante de falta de informação

sobre essa modalidade de contratação.

Uma das coordenadoras entrevistadas na visita às entidades formadoras

considerou um fato da própria aprendizagem o descumprimento, por parte

das empresas, de acordos previamente estabelecidos entre empresas e

entidades formadoras e embasados por lei. Podemos supor que a

relativização do descumprimento da lei resulta da sua recorrência na relação

entre empresas e organizações formadoras. É importante procurar maneiras

de trabalhar junto às empresas, por um lado, para buscar a reafirmação da

normativa relacionada à aprendizagem e também atuar com as organizações

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110

formadoras tendo em vista a necessidade de articular a relação entre estas e

as empresas que contratam os aprendizes.

O desvio de função de jovens aprendizes se insere na necessidade de

repensar as relações entre empresas e organizações formadoras. Ainda que

não tenham sido apontadas pelos jovens entrevistados, funcionários e

coordenadores das organizações relataram situações em que aprendizes são

encaminhados para desempenhar funções que não as previamente

estabelecidas pelos contratos. No entanto, observou-se que não há um

procedimento padrão para lidar com esses casos. Nesse sentido, cabe

debater o desvio de função com as organizações formadoras visando

construir protocolos de procedimento que articulem o diálogo com as

empresas à necessidade de manutenção de uma boa relação entre

formadoras e empregadores. Ainda, a flexibilização das atividades dos jovens

aprendizes parece ser uma questão relevante a ser trabalhada junto às

próprias empresas – não apenas pelas organizações formadoras, mas

também pelos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização da

aprendizagem.

Entidades formadoras

Há um problema com relação à fiscalização da qualidade da formação

profissional ofertada pelas entidades formadoras. Indicativo da ausência de

fiscalização é o fato de que, dos 277 jovens entrevistados que concluíram o

programa de aprendizagem, 30% deles não receberam certificado.

Diante da limitação do “sistema „S‟” em absorver a demanda de jovens

aprendizes, as entidades assistenciais têm construído uma participação cada

vez mais significativa nas etapas de formação na aprendizagem. Assim, é

necessário garantir um referencial comum mínimo entre os diferentes

processos de formação – vinculados ou não ao “sistema „S‟”.

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Condições de trabalho

O baixo valor do salário foi indicado pelos jovens entrevistados como o

aspecto mais negativo da Lei da Aprendizagem. O valor médio recebido pelos

jovens aprendizes varia entre meio e um salário mínimo, pouco atrativo para

manter o jovem durante um ou dois anos no processo formativo. Tanto é

verdade que a maioria dos jovens que saíram do programa de aprendizagem

o fizeram devido a uma oportunidade melhor de trabalho.

A aprendizagem aparece, em suas falas, como um momento altamente

transitório não apenas pelo seu tempo – que é limitado pela normativa – mas

também pela sua condição de limitadora de projetos futuros ligados à

necessidade de uma melhor remuneração. O ensino superior, por exemplo, é

vinculado à efetivação ou procura por outro emprego – haja vista que o

acesso à faculdade se limita, para esses jovens, ao ensino superior privado; a

universidade pública não aparece nos relatos.

Os relatos dos jovens ouvidos nas visitas às organizações formadoras

referem uma longa duração das jornadas de trabalho, muitas vezes aliadas à

educação formal e ao curso de formação. Se a experiência com a

aprendizagem deve garantir ao jovem uma articulação entre escola e trabalho

e assegurar o direito à vida familiar, é necessário problematizar a elevada

jornada de trabalho na aprendizagem – que não parece promover essa

mesma articulação de forma razoável e não prejudicial a nenhuma das partes.

Inserção no mercado de trabalho

Ainda que os jovens avaliassem os programas de aprendizagem profissional

como uma experiência que facilita a inserção no mercado de trabalho, 30%

dos egressos contatados não estavam trabalhando no momento da pesquisa,

o que parece sinalizar a importância do desenvolvimento de uma política mais

ampla de geração de emprego e renda para as jovens gerações.

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