merrill_neutralidade_liberal_em_dworkin(2014)

18
1 A neutralidade liberal segundo Ronald Dworkin: ética do desafio e neutralidade das intenções Roberto Merrill, Universidade do Minho Introdução O ideal da neutralidade do Estado é considerado por alguns dos mais significativos filósofos liberais como o conceito central do liberalismo. De acordo com Ronald Dworkin, uma teoria política que não defende o ideal de neutralidade deve ser considerada como oposta ao liberalismo (1978: 127). E segundo Charles Larmore, o conceito central do liberalismo é o da neutralidade (1987: 42-3). Bruce Ackerman, que desenvolveu a sua própria versão da neutralidade, também afirma que este conceito é o princípio organizador do pensamento liberal (1980: 10). Na sua forma mais comum, o ideal de neutralidade política exige que os princípios e as leis políticas, para serem legítimos, possam ser fundamentados em valores do justo independentemente dos valores do bem. Segundo o ideal de neutralidade, o justo e o bem devem ser pois separados e são os valores do justo que têm prioridade sobre os valores do bem. O debate sobre a neutralidade do Estado é um prolongamento do debate histórico sobre o secularismo, sobre a relação entre a teologia e a política e sobre a necessidade moderna de tolerância religiosa. Mas o ideal de neutralidade é um ideal mais exigente do que a tolerância (cuja origem pode ser identificada na Carta Sobre a Tolerância, de John Locke), pois implica não só a separação entre o Estado e as convicções religiosas mas também a separação entre o Estado e as convicções morais, metafísicas, estéticas, i.e. seja o que for como convicção que pertença ao domínio da vida boa. Oposto ao ideal de neutralidade, o ideal de perfeccionismo político exige que os princípios e as leis políticas se fundamentem em valores do bem. Na literatura especializada, estes dois ideais de neutralidade e de perfecionismo são frequentemente considerados claramente opostos. De facto, na teoria sobre os fundamentos normativos do liberalismo, existe um debate dinâmico entre os liberais que defendem a neutralidade do Estado (além dos previamente citados, vide também entre os mais influentes: Barry, 1995; Nagel, 1987; Rawls, 1993) e os liberais que defendem o perfecionismo político (Arneson, 2014, de Marneffe, 2014, Galston, 1991; Macedo, 1990; Raz, 1986; Sher, 1997; Wall, 1998), como se fossem dois ideais claramente em oposição. Existem também alguns liberais que defendem a convergência da neutralidade e do perfecionismo e de facto, uma vez bem analisado o problema, verificamos que a oposição entre neutralidade e perfecionismo não é evidente (sobre os debates entre liberais neutralistas e liberais perfecionistas vide Douglass et al., 1990; Goodin & Reeve, 1989; Klosko & Wall, 2003; Merrill & Weinstock, 2014). Neste artigo, vou tentar mostrar que essa oposição entre neutralidade e perfecionismo, além de não ser nada evidente, é igualmente posta em causa por Ronald Dworkin, um dos filósofos que melhor defendeu o ideal da neutralidade do Estado. Vou começar por (1) distinguir três versões do ideal de neutralidade (das consequências, das intenções e das justificações). Em (2), defino o perfecionismo político e distingo uma versão coerciva duma versão não coerciva de perfecionismo. Com estas definições em mente, tanto da neutralidade como do perfecionismo, exponho em (3) as quatro maneiras segundo as quais a neutralidade e o perfecionismo podem ser convergentes,

Upload: liga-da-justica-um-blog-de-teoria-politica

Post on 19-Jan-2016

98 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Simpósio Ronald Dworkin: Direito Ética e Política (USP 2014)

TRANSCRIPT

1    

A neutralidade liberal segundo Ronald Dworkin: ética do desafio e neutralidade das intenções

Roberto Merrill, Universidade do Minho

Introdução O ideal da neutralidade do Estado é considerado por alguns dos mais significativos filósofos liberais como o conceito central do liberalismo. De acordo com Ronald Dworkin, uma teoria política que não defende o ideal de neutralidade deve ser considerada como oposta ao liberalismo (1978: 127). E segundo Charles Larmore, o conceito central do liberalismo é o da neutralidade (1987: 42-3). Bruce Ackerman, que desenvolveu a sua própria versão da neutralidade, também afirma que este conceito é o princípio organizador do pensamento liberal (1980: 10). Na sua forma mais comum, o ideal de neutralidade política exige que os princípios e as leis políticas, para serem legítimos, possam ser fundamentados em valores do justo independentemente dos valores do bem. Segundo o ideal de neutralidade, o justo e o bem devem ser pois separados e são os valores do justo que têm prioridade sobre os valores do bem. O debate sobre a neutralidade do Estado é um prolongamento do debate histórico sobre o secularismo, sobre a relação entre a teologia e a política e sobre a necessidade moderna de tolerância religiosa. Mas o ideal de neutralidade é um ideal mais exigente do que a tolerância (cuja origem pode ser identificada na Carta Sobre a Tolerância, de John Locke), pois implica não só a separação entre o Estado e as convicções religiosas mas também a separação entre o Estado e as convicções morais, metafísicas, estéticas, i.e. seja o que for como convicção que pertença ao domínio da vida boa. Oposto ao ideal de neutralidade, o ideal de perfeccionismo político exige que os princípios e as leis políticas se fundamentem em valores do bem.

Na literatura especializada, estes dois ideais de neutralidade e de perfecionismo são frequentemente considerados claramente opostos. De facto, na teoria sobre os fundamentos normativos do liberalismo, existe um debate dinâmico entre os liberais que defendem a neutralidade do Estado (além dos previamente citados, vide também entre os mais influentes: Barry, 1995; Nagel, 1987; Rawls, 1993) e os liberais que defendem o perfecionismo político (Arneson, 2014, de Marneffe, 2014, Galston, 1991; Macedo, 1990; Raz, 1986; Sher, 1997; Wall, 1998), como se fossem dois ideais claramente em oposição. Existem também alguns liberais que defendem a convergência da neutralidade e do perfecionismo e de facto, uma vez bem analisado o problema, verificamos que a oposição entre neutralidade e perfecionismo não é evidente (sobre os debates entre liberais neutralistas e liberais perfecionistas vide Douglass et al., 1990; Goodin & Reeve, 1989; Klosko & Wall, 2003; Merrill & Weinstock, 2014). Neste artigo, vou tentar mostrar que essa oposição entre neutralidade e perfecionismo, além de não ser nada evidente, é igualmente posta em causa por Ronald Dworkin, um dos filósofos que melhor defendeu o ideal da neutralidade do Estado.

Vou começar por (1) distinguir três versões do ideal de neutralidade (das consequências, das intenções e das justificações). Em (2), defino o perfecionismo político e distingo uma versão coerciva duma versão não coerciva de perfecionismo. Com estas definições em mente, tanto da neutralidade como do perfecionismo, exponho em (3) as quatro maneiras segundo as quais a neutralidade e o perfecionismo podem ser convergentes,

2    

pondo em relevo qual delas é defendida por Dworkin. Em (4), exponho as quatro maneiras de justificar a neutralidade, sendo uma dessa maneiras, a justificação dedutiva a partir duma conceção do bem, formulada por Dworkin. A partir da seção (5), examino de maneira mais detalhada a posição de Dworkin, expondo as bases de um dos argumentos centrais formulados por Ronald Dworkin para justificar a neutralidade. Este argumento é por vezes chamado o argumento da adesão (endorsement constraint ), o qual na verdade é uma variante do argumento da autonomia1. De fato, ao contrário de Rawls e da maioria dos principais defensores da neutralidade, Dworkin baseia a sua defesa da neutralidade numa conceção do bem, que ele chama de « challenge model of ethics », o modelo da ética do desafio. Segundo Dworkin, se aceitarmos que a melhor concepção do bem consiste numa ética do desafio tal como ele a concebe, então devemos aceitar que a autonomia é um elemento essencial de qualquer vida boa. Ora, se a autonomia é um elemento essencial da vida boa, então devemos também aceitar a neutralidade política como um princípio fundamental do liberalismo. Em (5) explico por que razão Dworkin, ao contrário daqueles que defendem uma concepção política do liberalismo, defende uma estratégia da continuidade entre ética e política. Na seção (6) exponho a base ética da sua concepção do liberalismo, ou seja, a sua teoria ética que ele chama de « ética do desafio ». E em (7) mostro de que maneira o seu argumento da adesão (endorsement) é compativel com a neutralidade. O meu ponto de vista sobre a teoria de Dworkin consiste em aceitar que o argumento da adesão e, mais geralmente, a ética de Dworkin, é compatível com o ideal de neutralidade, se especificarmos o tipo de neutralidade que ele defende, i.e. a neutralidade das intenções, admitindo também que esta é compativel com o perfecionismo.

1. Três versões da neutralidade A neutralidade política é uma restrição normativa imposta sobre as consequências, ou as intenções, ou as justificações, dos princípios políticos e das políticas do Estado liberal democrático. De acordo com essa restrição, o Estado, para ser justo nas suas políticas, tem de ser neutro em relação a qualquer conceção da vida boa, ou seja, o Estado não deve promover de forma alguma uma conceção da vida boa em detrimento das outras. Na sua definição mais comum, uma conceção da vida boa consiste num conjunto de crenças normativas mais ou menos articuladas sobre como um indivíduo deve viver bem a sua vida pessoal. O tratamento mais exaustivo que conheço sobre a definição duma conceção da vida boa encontra-se no livro de George Sher, Beyond Neutrality (1997).

Do ponto de vista dos liberais que defendem a princípio de neutralidade, a melhor maneira para o Estado ajudar as pessoas a levar uma vida boa consiste em não favorecer qualquer conceção específica do bem, garantindo apenas a proteção dos interesses fundamentais comuns a todos os indivíduos, independentemente das suas conceções de                                                                                                                          1 Dworkin formulou varios argumentos a favor da neutralidade. O argumento da « equidade » é talvez o mais debatido. Um bom resumo deste argumento encontra-se em MacLeod (1997: 548-550), ãssim como em Lecce (2008: cap. 5). Dois outros argumentos de Dworkin a favor da neutralidade são o da « igualdade perante a lei » e o do « respeito igual ». Para uma crítica destes argumentos, cf. Beckam (2001: 136-164). A literatura sobre os argumentos de Dworkin sobre a neutralidade é muito variada, e algumas das referências que me pareceram mais pertinentes são as seguintes: Alexander & Schwarzschild (1987), Paris (1987), da Silveira (1993), Sinopoli (1993), Brighouse (1995), Lund (1997), MacLeod (1997; 2003), Neal (1997 : cap. 2 et 8), Sher (1997: 92-104), Wall (1998: 192-196), Beckam (2001 : cap. 7), Wilkinson (2003), Arneson (2008), Plaw (2004), De Marneffe (2006: 22-27), Lecce (2008 : cap. 5). Neste artigo limito-me a examinar o argumento « da adesão ».

3    

o bem. Embora os liberais neutralistas e os liberais perfecionistas possam concordar com o fato de que alguns bens primários são comuns a todas as conceções do bem e, neste sentido pode serem considerados neutros até pelos perfeccionistas liberais, no entanto para estes últimos o Estado deve promover outros bens além dos bens primários, pois segundo o liberalismo perfecionista o simples fato duma conceção do bem ser controversa e não neutra não constitui uma razão suficiente para abandonar a sua promoção pelo Estado (Arneson, 2000).

Existem fundamentalmente três definições de neutralidade em competição, que vou de seguida expor e examinar.

1.1. Neutralidade das consequências De acordo com a neutralidade das consequências, as políticas seguidas pelo Estado não devem ter como consequência a promoção de qualquer conceção da vida boa que lhe dê uma vantagem sobre as outras conceções.

Assim, uma política do Estado de tolerância religiosa que seja neutra nas suas consequências tem de ter consequências iguais em todas as conceções do bem das pessoas: por exemplo, naqueles que acham que existe uma só verdadeira religião e que apenas essa deveria existir, e naqueles que acham que é melhor que existam várias religiões que competem entre si, assim como naqueles que gostariam que não existisse nenhuma porque acham que a religião é o ópio do povo.

A objeção mais comum contra a neutralidade das consequências é que parece ser impossível de realizar. A neutralidade das consequências, se for definida como neutralidade de resultados, ou como neutralidade de impacto, parece ser impossível de realizar, porque as pessoas não só têm diferentes conceções do bem como reagem diferentemente mesmo quando partilham a mesma conceção do bem. Ora isso faz com que as consequências das políticas do Estado sejam necessariamente não neutras, no sentido da neutralidade de impacto. Ou seja, as pessoas reagem diferentemente, segundo as suas convicções e as suas capacidades, às políticas do Estado. É pois impossível que as políticas neutras do Estado tenham consequências iguais na capacidade que as pessoas possam ter de seguir e realizar as suas próprias conceções do bem.

Assim, uma política neutra de defesa da tolerância religiosa terá necessariamente um efeito diferente sobre aqueles que consideram que existe uma só verdadeira religião e que apenas essa deveria ser praticada do efeito sobre aqueles que gostariam que não existisse nenhuma porque acham que a religião é o ópio do povo. Para cada um destes grupos de pessoas, certamente que uma política que pretende ser neutra terá consequências não neutras. Logo, a neutralidade das consequências como neutralidade dos resultados ou de impacto não é plausível. E mesmo que fosse plausível, também não é um ideal desejável, já que seria muito caro e sobretudo demasiado intrusivo na vida das pessoas tentar determinar de que maneira as leis e as políticas públicas afetam as pessoas e as suas conceções do bem de maneira não neutra, e tentar depois retificar esses efeitos não neutros para poder satisfazer a neutralidade das consequências como neutralidade dos resultados. Examinemos agora as alternativas à neutralidade das consequências, expondo agora uma segunda conceção da neutralidade, a neutralidade das intenções.

4    

2.2. Neutralidade das intenções De acordo com a neutralidade das intenções (ou de objetivos), nenhuma política prosseguida pelo Estado deve ter a intenção (ou o objetivo) de promover um estilo de vida em detrimento dos outros.

Para perceber esta conceção da neutralidade, comecemos por formular um exemplo: suponhamos que o Estado tem a intenção neutra de promover uma comunicação mais eficaz do Estado, e para realizar este objetivo, escolhe uma só língua oficial, entre várias línguas possíveis. Este objetivo pode ser considerado neutro, se não há intenção de promover uma conceção do bem em detrimento das outras conceções do bem. No entanto, esta política não será neutra nas suas consequências, uma vez que necessariamente promoverá uma língua (e, portanto, uma conceção do bem) em detrimento das outras. A neutralidade das intenções parece assim ser um ideal plausível.

No entanto, devemos formular a seguinte objeção à neutralidade das intenções: como podemos ter a certeza de que existe realmente uma neutralidade de intenção no exemplo dado acima? Talvez a verdadeira intenção do Estado seja mesmo a de promover uma língua específica em detrimento das outras, mas para não ser revelada essa intenção que poderia parecer sectária, é formulada uma intenção neutra como a “necessidade duma comunicação eficaz” (vamos aceitar, para não complicar o argumento, que esta intenção é neutra) para promover, de forma perfecionista, uma conceção do bem (uma língua específica) em detrimento das outras.

Assim, podemos observar que a neutralidade das intenções, embora pareça à primeira vista mais plausível do que a neutralidade das consequências, no entanto parece compatível com a promoção de uma conceção do bem (ou seja, com o perfecionismo). Como é difícil saber quais são as verdadeiras intenções do Estado, e como a neutralidade das intenções parece ser compatível com a promoção de uma conceção do bem, devemos então tentar recorrer à neutralidade das justificações como uma versão mais plausível da neutralidade.

1.3. Neutralidade das justificações De acordo com a neutralidade das justificações, as políticas do Estado devem ser justificadas sem referência a qualquer conceção do bem.

A neutralidade das justificações parece mais plausível do que a neutralidade das intenções por causa da razão que acabámos de mencionar (ou seja, a dificuldade de saber qual é a intenção real do Estado). Assim, se as justificações das políticas do Estado são neutras, então talvez seja uma maneira de tornar menos relevante a questão de saber se as intenções do Estado são neutras ou não. Continuando a examinar o exemplo sobre a língua oficial: o Estado pode ter como intenção não neutra de promover uma língua específica, mas se a justificação dada é neutra (neste caso: “comunicação eficaz”), então a política pode ser considerada legítima.

No entanto, podemos formular a seguinte objeção à neutralidade das justificações: é curioso observar que o Estado pode dar uma justificação de uma política neutra quando em realidade a sua intenção não é neutra. Isto sugere que a neutralidade das justificações também não é suficiente para evitar a promoção de políticas perfecionistas.

5    

Para ilustrar com o mesmo exemplo: mesmo formulando uma justificação neutra como “comunicação eficaz”, o Estado pode ter a intenção não neutra de promover uma língua em detrimento de outras. E de facto a justificação neutra não parece ser suficiente para impedir que tal promoção de um estilo de vida em relação a outros aconteça.

Para esclarecer este ponto, consideremos um exemplo claro de um Estado não neutro: uma Estado dedicado à defesa de uma religião em particular. Isto poderia ser um Estado cristão que promove as organizações cristãs, onde os membros do governo devem ser cristãos praticantes. A maioria dos Estados teocráticos como estes violam explicitamente a neutralidade das justificações nas suas leis e políticas, pois estas justificações têm de se fundamentar na “verdadeira” religião para serem justas. No entanto, não é necessariamente o caso que um Estado religioso viole a neutralidade das justificações. Vejamos por que razão.

Imaginemos que o Estado favorece uma determinada religião cristã, não porque acredita que tal religião é a verdadeira, mas por motivos de estabilidade social. Talvez os representantes do Estado acreditem, e com razão, que como a maioria da população adere à religião cristã, os distúrbios sociais seriam demasiado elevados se o Estado não apoiasse essa religião. Por essa razão, a religião em questão recebe o apoio do Estado. Embora este seja um Estado não neutro, no entanto aparenta satisfazer a exigência de neutralidade justificativa, já que a justificação para um Estado cristão é a “paz social”, um valor neutro.

Vemos assim que é possível formular justificações neutras que não parecem impedir que o Estado seja não neutro, já que, como no exemplo do Estado cristão, está concretamente a favorecer um estilo de vida cristão nas suas políticas. Para evitar esta objeção, podemos formular então duas alternativas:

1. A primeira alternativa consiste em considerar que as políticas de Estado devem ser neutras nas suas intenções, bem como nas suas justificações, para serem legítimas.

Mas como já vimos, é difícil senão impossível de saber quais são as intenções reais do Estado, o que torna esta alternativa impossível de satisfazer. E mesmo se fosse possível, também não resolveria o problema, já que como acabamos de ver, o Estado pode ser neutro nas intenções e nas justificações e no entanto promover de maneira perfecionista uma conceção do bem. No entanto, se isto for verdade, então torna-se plausível que a neutralidade e o perfeccionismo sejam ideais convergentes.

2. A segunda alternativa consiste em considerar que as políticas de Estado devem ser neutras não só nas suas intenções e nas suas justificações, mas também nas suas consequências, para serem legítimas.

Esta seria obviamente a versão mais exigente da neutralidade. Mas já vimos que a neutralidade das consequências não é uma versão plausível da neutralidade. Neste caso, devemos examinar com mais atenção a neutralidade das consequências. A versão mais plausível da neutralidade das consequências não pode ser a neutralidade de resultados, já que a neutralidade de resultados é impossível de satisfazer, pois a pessoas reagem diferentemente às leis segundo as suas motivações e conceções do bem. Mas revendo a nossa definição da neutralidade das consequências, podemos por exemplo considerar que uma versão plausível da neutralidade das consequências seria a neutralidade de oportunidades (Clarke, 2014; Schaller, 2004; Wall, 2011). A neutralidade de consequências como igualdade de oportunidades implicaria que o Estado seja neutro nas

6    

consequências das suas políticas se procurar que estas não tenham o efeito de dar mais oportunidades a alguns estilos de vida em detrimento de outros. Esta neutralidade de consequências como igualdade de oportunidades não exige a neutralidade de resultados. Voltaremos a esta definição neutralidade de consequências na última parte (8) do artigo, quando procuraremos formular uma alternativa à teoria da neutralidade de Dworkin. Mas vejamos agora rapidamente em que consiste o perfecionismo.

2. Perfecionismo liberal Como há pelo menos três versões de neutralidade, é possível que alguma versão da neutralidade possa ser convergente com o perfecionismo. E esta possibilidade de convergência pode parecer ainda mais plausível se distinguirmos diferentes versões do perfeccionismo. De acordo com o perfeccionismo político, o Estado, para agir de maneira justa, tem de promover uma conceção perfecionista do bem nas suas políticas. Mas é importante notar que o perfecionismo pode ser não liberal. Por exemplo, nos regimes totalitários a conceção do bem promovida pelo estado não é liberal: o nazismo era um regime que queria promover o arianismo, a “excelência humana”, em detrimento de outros estilos de vida, ao ponto de massacrar os outros estilos de vida. De acordo com o perfecionismo liberal, o Estado, para agir de maneira justa, tem de promover uma conceção do bem liberal nas suas políticas, como por exemplo a promoção do estilo de vida que faz da autonomia individual o valor principal de toda vida humana: o respeito pela liberdade de cada um e a promoção da liberdade de experimentar vários estilos de vida de maneira autónoma. Esta tese central do perfecionismo político liberal parece claramente oposto à neutralidade, uma vez que de acordo com a neutralidade das intenções, é moralmente errado usar o poder do Estado com o objetivo de promover uma conceção controversa do bem humano. E de acordo com a neutralidade de justificações, é moralmente errado impor leis e políticas públicas que sejam justificadas com referências a conceções do bem. E de acordo com a neutralidade das consequências, é moralmente errado impôr leis que tenham como consequência a promoção de uma conceção do bem em detrimento de outras. No entanto, a neutralidade das intenções e a neutralidade das justificações, assim como a neutralidade das consequências, não parecem incompatíveis com algum tipo de promoção do bem pelo Estado. E por outro lado, o perfecionismo político pode ser coercivo e não coercivo (ou seja, apenas incitativo). Por fim, tanto o perfecionismo coercitivo e não coercivo podem ser aplicados a questões políticas essenciais ou não essenciais, ou seja podem aplicar-se a direitos fundamentais ou a direitos secundários. Examinemos agora mais no detalhe estas possibilidades, procurando situar a teoria de Dworkin dentro destas.

3. Neutralidade e perfeição: ideais convergentes? Tendo em mente por um lado as três versões da neutralidade e por outro lado, a distinção entre perfecionismo coercivo e não coercivo, assim como o campo de aplicação do perfecionismo, podemos agora ver mais claramente quais são todas as maneiras possíveis em que a neutralidade e perfecionismo podem ser ideais convergentes.

3.1. Existe um acordo sobre uma conceção perfecionista do bem, como base para a ação política legítima.

7    

Alguns defensores da neutralidade não se opõem à promoção de conceções perfeccionistas da vida boa pelo Estado, desde que esta promoção não seja controversa, ou seja, desde que com base num acordo entre os cidadãos (Larmore, 1994; Rawls, 1993). Mas dado o facto do pluralismo (razoável), é empiricamente irrealista esperar que haja um acordo sobre o bem, como base da ação política legítima. Ora esta improbabilidade empírica torna trivial esta forma de convergência entra a neutralidade e o perfeccionismo, mesmo se conceptualmente plausível.

3.2. Neutralidade das intenções sem neutralidade das justificações

Uma segunda maneira é a seguinte: podemos, como vimos, distinguir pelo menos duas variantes mais plausiveis da neutralidade: a neutralidade das intenções ou de objetivos, às vezes chamada neutralidade na legislação (de Marneffe, 1990; 1998) e a neutralidade das justificações. De acordo com o princípio da neutralidadedas intenções, o governo não deve restringir a liberdade (ou, mais geralmente, não deve limitar as oportunidades nem os recursos) dos indivíduos com a intenção de desencorajar estilos de vida considerados inúteis ou degradantes. E de acordo com a neutralidade das justificações, o governo deve agir de acordo com um sistema de princípios que pode ser justificado sem referência a qualquer conceção controversa da vida boa. A neutralidade das intenções pode ser considerada como um princípio importante para a ação governamental permissivel, enquanto a neutralidade da justificações é um princípio abstrato justificando os princípios substantivos das ações permissíveis do governo.

No entanto, alguns autores que defendem o ideal de neutralidade defendem apenas a neutralidade de intenções, mas rejeitam a neutralidade das justificações. É o caso precisamente de Ronald Dworkin, quem, nos seus escritos posteriores (1995; 2000) justifica a sua teoria liberal com uma concepção do bem que ele nomeia “the challenge model of ethics” (Dworkin, 1995: 253-62): Dworkin defende a neutralidade das intenções ou de objetivos, mas não a neutralidade das justificações. Na verdade, o argumento de Dworkin a favor da neutralidade das intenções é que as condições sociais que permitem a todos viver melhor, pelo menos de acordo com o seu modelo da ética do desafio, serão mais facilemnte realizadas se o governo age de acordo com o princípio da neutralidade das intenções. Ora, a neutralidade das intenções de Dworkin não se justifica apelando ao princípio mais abstrato da neutralidade das justificações, mas sim com base numa concepção do bem: a ética do desafio. Para resumir, o liberalismo perfecionista pode assumir a neutralidade liberal se certas políticas são meios adequados para realizar uma concepção liberal do bem. Neste sentido, podemos dizer que pelo menos alguma forma de neutralidade (ou seja, a neutralidade das intenções) não parece inconsistente com a promoção do perfecionismo político, quando essa neutralidade não imoplica uma neutralidade das justificações. Por outro lado, devemos também recordar que a neutralidade das justifições não implica uma neutralidade das intenções, porque um sistema de princípios justificados sem fazer referência a qualquer concepção particular do bem pode ser compatível com ações controversas do governo que reduzem demaneira perfecionista a liberdade dos indivíduos. Mas também podemos interpretar Dworkin duma maneira complementar, como a interpretação proposta por Peter de Marneffe (2006; 2014), segundo a qual Dworkin rejeita a neutralidade das justificações quando como aplicada aos princípios liberais, mas apoia a neutralidade das justificações aplicada às políticas do governo. Para Dworkin, o governo não deve adotar políticas por

8    

razões não-neutras pois esta é a melhor maneira para será melhor promover vidas boas, de acordo com o seu “modelo de desafio”. Podemos fazer aqui uma analogia com o argumento de Stuart Mill a favor do princípio do dano (harm principle): o governo deve observar o princípio do dano (que é semelhante em conteúdo à neutralidade das justificações aplicada a legislação) porque isso permite promover o desenvolvimento e o exercício da nossa individualidade e das outras capacidades humanas superiores. Vejamos agora a terceira maneira de fazer converger a neutralidade e o perfecionismo.

3.3. A neutralidade é limitada à estrutura de base da sociedade Alguns defensores da neutralidade não se opõem à promoção pelo Estado de concepções do bem, se esta promoção for limitada aos direitos e liberdades que não pertencem ao que foi denominado por Rawls a “estrutura de base” da sociedade. Assim, graças a um processo justo, como por exemplo a votação por maioria, o Estado pode, legitimamente, promover uma concepção controversa do bem em assuntos políticos não essênciais, i.e. fora da esfera da estrutura de base da sociedade (Rawls, 1997; 2001). Por exemplo, se o parlamento votar uma lei que obriga as pessoas a por o capacete quando andam de mota e se justificar essa lei recorrendo a uma razão não neutra (não é bom andar sem capacete porque o risco de acidente grave é demasiado elevado e não é bom viver dessa forma tão arriscada) em vez de recorrer a uma justificação neutra (os custos de saúde seriam demasiado elevados para a segurança social se todos pudessem andar sem capacete), os amantes do risco são desfavorecidos em relação aos amantes da segurança. Mas como esta lei não é uma violação de um direito mais fundamental (a liberdade de circulação) então mesmo se a justificação não é neutra, pode mesmo assim ser legítima. Esta forma de conciliar a neutralidade e o perfeccionismo parece plausível, mas talvez seja pouco desejável, porque é coerciva, mesmo que esta coerção do Estado se limite a direitos e liberdades não fundamentais.

3.4. A neutralidade é compatível com um perfecionismo não coercivo Uma quarta forma de propor uma convergência entre a neutralidade e o perfecionismo consiste em promover conceções do bem de uma forma não coerciva. Esta versão da convergência parece ser a defendida por alguns autores liberais perfecionistas como por exemplo Raz (1986), Hurka (1993), Chan (2000) e Metz (2001). É um facto que muitas decisões do governo (não só nas questões políticas não-essenciais, mas também nas questões relacionadas com a estrutura de base da sociedade) podem não ser coercivas mas são no entanto perfecionistas incentivando alguns tipos de comportamentos, como por exemplo dar honras e prémios a pessoas exemplares e criativas e desencorajar outros tipos de comportamento por exemplo com campanhas de incentivo em relação a um estilo saudável de viver, com muito desporto e uma alimentação saudável, sem forçar ninguém a fazer isso. Esta forma de conciliar a neutralidade e perfecionismo parece plausível, mas também parece não captar um ponto principal de controvérsia entre liberais neutralistas e liberais perfeccionistas: este ponto tem a ver com a legitimidade ou não de promover coercivamente conceções do bem. Penso pois que esta maneira de conciliar a neutralidade e perfecionismo não é muito interessante, porque na verdade, devemos supor que uma tese perfecionista central é a legitimidade da promoção do bem através da coerção política. Mas se mantivermos uma versão coerciva do perfecionismo, haverá ainda uma maneira não trivial, plausível e eventualmente desejável, de conciliar o perfecionismo com a neutralidade?

9    

Conclusão sobre a convergência entre neutralidade e perfecionismo Julgo que a única forma aceitável de perfecionismo coercivo, compatível com a neutralidade das intenções ou a neutralidade das justificações, tem que ser um perfecionismo coercivo limitado a questões políticas não-essenciais, ou seja fora do campo de aplicação da “estrutura de base” da sociedade. Um perfecionismo coercivo que implique uma violação dos direitos políticos básicos já não seria de todo um perfecionismo liberal, mas um perfecionismo antiliberal. Assim, a neutralidade e o perfecionismo, mesmo coercivo, parecem ser ideais convergentes. Mas isto parece um pouco estranho, se formos liberais puristas. Talvez o que mostra esta convergência entre a neutralidade e o perfecionismo é que a neutralidade das justificações e a neutralidade das intenções não são as conceções mais exigentes da neutralidade. Logo não são as conceções mais liberais da neutralidade.

4. Quatro maneiras de justificar a neutralidade Vou agora expor rapidamente os quatro métodos principais para justificar o ideal de neutralidade, pois Dworkin defende um deles: uma abordagem ecuménica, duas variantes dedutivas e um quarto que é uma mistura do método ecuménico e o dedutivo (esta taxonomia é proposta por Wall e Klosko, 2003: 11-13).

4.1. Uma justificação ecuménica

O primeiro método utiliza o maior número possível de tipos de razões: epistemológicos, morais ou pragmáticas, sem favorecer qualquer um em particular. Esta abordagem ecuménica parece ser a de Bruce Ackerman, que justifica a neutralidade com um argumento prudencial de acordo com a qual os governos autoritários não neutros não são eficazes (1980: 363-4), um argumento de epistemologia moral segundo a qual o experimentalismo moral é mais fácil se o Estado for neutro (1980: 366), um argumento moral, segundo a qual a autonomia moral só é possível se o Estado for neutro (1980: 11, 368) e, finalmente, um outro argumento epistemológico, de natureza cética, segundo o qual é difícil ou impossível saber o que é bom (1980: 368). Uma das críticas mais fortes a este método ecumênico é formulada por Jeremy Waldron, segundo o qual a neutralidade deve ser defendida por razões específicas “because justifying it is part and parcel of the task of articulating it” (Waldron, 1989: 69).

4.2. Justificação dedutiva a partir de valores partilhadas

Uma segunda maneira de justificar a neutralidade é de o fazer dedutivamente a partir de valores partilhados, a fim de manter a coerência do conceito de neutralidade. Charles Larmore (1987: 4, 53), por exemplo, utilisa este método dedutivo, a partir de uma moral minimalista comum a todos, para estabelecer uma justificação neutra da neutralidade. É difícil ver exactamente como esta justificação pode ter sucesso sem apelar a valores não neutros, como a igualdade democrática, a amizade cívica, a reciprocidade e o respeito mútuo.

4.3. Uma justificação dedutiva a partir duma concepção do bem

O terceiro método para justificar a neutralidade consiste em deduzi-la a partir de uma concepção particular de vida boa. Esta neutralidade é justificada invocando um valor moral, como a autonomia ou a utilidade. É, por conseguinte, uma justificação explicitamente não neutra da neutralidade. Ronald Dworkin (2000, cap. 6) é um dos

10    

defensores mais representativos de tal método. Dworkin rejeita a justificação contratualista hipotética do ideal de neutralidade, e deriva a neutralidade a partir duma concepção de vida boa, certamente controversa, mas de acordo com Dworkin suficientemente abstrata para ser neutra. A crítica mais forte a este método consiste em afirmar que não parece ser uma resposta adequada ao fato do pluralismo (Larmore, 1987: 47).

4.4. Justificação dedutiva e ecuménica a partir de valores partilhados O quarto método usado para justificar a neutralidade consiste em combinar elementos do método dedutivo dos valores morais compartilhados, com elementos do método ecuménico. Este é, por exemplo, o método usado por Rawls, segundo o qual a neutralidade deve ser entendida como uma variação do princípio da aceitação (acceptability) com base em valores morais partilhados na cultura pública das democracias liberais (abordagem dedutiva), como requisito de um certo tipo de ideal moral de tratar os outros com respeito. Mas Rawls também justifica a neutralidade com a ideia de um overlapping consensus (justificação ecuménica), e defende a ideia de razão pública como meio necessário para garantir a estabilidade da sociedade bem-ordenada ao longo do tempo. É um método que é vulnerável a críticas aos métodos dedutivo e ecuménico.

5. Entre ética et política Agora que temos as ideias mais claras sobre as diferentes definições da neutralidade e as principais formas de perfecionismo (coercivo ou não), assim como as quatro maneiras de tornar estes dois ideais convergentes e as quatro maneiras de justificar a neutralidade, podemos avançar com mais segurança na compreensão do ideal de neutralidade segundo Dworkin.

Alguns críticos do liberalismo consideram que o liberalismo dá demasiada importancia aos princípios de justiça, e não dá suficiente atenção ao tema da vida boa, ou seja, à qualidade intrínseca da vida das pessoas. Dworkin distingue três variantes desta oposição ao liberalismo, que são: (1) o liberalismo impede as pessoas de viver vidas autenticamente boas, (2) o liberalismo subordina o ideal da vida boa ao ideal de justiça, e (3) o liberalismo ao defender a neutralidade, apenas pode ser defendido ignorando todas as concepções do bem (Dworkin, 2000: 238).

Dworkin rejeita a validade destas objeções, mas admite que o liberalismo enfrenta um problema que deve ser resolvido, sob pena de ser uma teoria inconsistente: o da aparente contradição entre os dois ideais seguintes, o da parcialidade ética e o da neutralidade política. O problema é o seguinte: nas nossas vidas privadas, parece que a parcialidade moral se justifica (por exemplo, atribuir uma igual importância aos estrangeiros e aos membros da nossa familia não parece justificado). No entanto, na nossa vida política, devemos agir com igual consideração de todos, o que implicaria a neutralidade política (Dworkin 2000: 235). A questão que devemos colocar é pois a seguinte : de que maneira podem as pessoas conciliar a parcialidade ética com a neutralidade política ? Segundo Dworkin, existem duas respostas possivéis dentro do liberalismo que permitem conciliar estas duas exigências opostas: a estratégia de descontinuidade entre ética e política, e a da continuidade.

De acordo com a estratégia de descontinuidade, adotada por liberais como Rawls, Nagel, ou Larmore, a neutralidade política deve ser considerada como um artifício para

11    

separar as nossas convições éticas das nossas crenças políticas. Esta estratégia reflete o que Nagel considerou como uma divisão moral do trabalho (Nagel, 1987 ; 1991, seção 6), ou seja, uma divisão entre os argumentos apropriados na esfera pública e os adequados na esfera privada. Mas essa perspectiva é eticamente insensível (Dworkin, 2000: 234), pois exige que as pessoas deixem de lado as suas crenças éticas ao apoiar o liberalismo político. Assim, embora a estratégia de descontinuidade permita explicar adequadamente de que maneira os princípios da política de neutralidade decorrem da política e são eticamente insensíveis, no entanto, não explica por que razões as pessoas com crenças éticas distintas deveriam ou poderiam ser motivadas a apoiar a política da neutralidade.

Ora a estratégia da descontinuidade entre a ética e a vida política é vulnerável às objeções ao liberalismo formuladas por Dworkin. É por isso que Dworkin rejeita justamente esta estratégia da descontinuidade entre ética e política, e defende uma teoria liberal que está em continuidade com a melhor ética pessoal, com a conceção filosófica da boa vida mais justa. A continuidade entre ética e política que defende Dworkin baseia-se na intuição seguinte: a parcialidade exigida na vida privada das pessoas, isto é, na sua vida ética, na verdade exige a neutralidade na sua participação na vida pública. No entanto, três condições são necessárias para que a neutralidade política possa decorrer da perspectiva ética de cada um:

(1) Em primeiro lugar, a neutralidade deve derivar de uma parcialidade ética, caso contrário não seria uma estratégia da continuidade;

(2) Em segundo lugar, essa ética parcial deve ser suficientemente substancial para conduzir à neutralidade liberal e não a princípios políticos não liberais;

(3) Finalmente, esta ética deve também ser suficientemente abstrata para que todos, a partir da sua ética pessoal, possam convergir para a neutralidade.

Uma dificuldade em observar a estratégia de continuidade é a seguiinte : os requisitos teóricos (2) e (3) parecem puxar em direcções opostas2. Mas, mesmo supondo que Dworkin consegue superar esta dificuldade, um segundo desafio refere-se ao conceito de neutralidade que Dworkin defende para justificar a sua estratégia. De fato, a estratégia de continuidade que serve de base à neutralidade repousa em Dworkin numa distinção entre dois níveis de investigação ética: um nível mais concreto, e um nível mais abstrato. Como vimos na seção (3.2.), segundo Dworkin a teoria liberal deve ser neutra apenas a um nível ético concreto. Mas a um nível mais abstrato, a neutralidade não é necessária nem desejável (2000: 239-40). Por outras palavras, o fato do liberalismo de Dworkin ser explicitamente fundamentado numa ética, parece tornar a sua teoria incompatível com a neutralidade das justificações. No entanto, o seu liberalismo ético parece compatível com a neutralidade na sua forma mais concreta, isto é, com a neutralidade das intenções ou objectivos do Estado.

Mas antes de resolver esta dificuldade sobre a neutralidade em Dworkin, vejamos de que maneira Dworkin consegue desenvolver uma ética específica mas também suficientemente abstrata que permite justificar uma continuidade entre ética e política, mantendo plausível o ideal de neutralidade das intenções (ou objectivos).

                                                                                                                         2 Vide sobre este ponto Lecce (2008 : capítulo 5)

12    

6. A ética do desafio : une ética anti-perfecionista ?

Dworkin defende uma continuidade entre uma ética parcial e a neutralidade política, através de uma teoria ética que ele desenvolve e que chama de « modelo do desafio da ética » (challenge model of ethics), que expõe no capítulo 6 do seu livro Sovereign Virtue (2000). A ética do desafio é uma ética que está claramente em contraste com o que ele chama de uma « ética do impacto », através de duas grandes oposições: entre interesses críticos e interesses volitivos (volitional), e entre desafio e impacto.

Segundo o bem-estar volitivo, o bem-estar de um indivíduo é melhorado quando alcança o que ele quer. Por outro lado, segundo o bem-estar crítico, o bem-estar de um indivíduo é melhorado quando atinge o que ele deve querer, ou seja, quando atinge os objetivos que, se não fossem atingidos, tornariam objetivamente a sua vida pior.

Dworkin examina a seguir duas conceções éticas distintas sobre o que são os interesses críticos: a conceção do desafio e a conceção do impacto. Segundo o modelo do impacto, a vida é boa em termos das consequências que a vida duma pessoa poder ter no mundo. No entanto, a perspetiva de julgar o valor das nossas vidas de acordo com o seu impacto sobre o mundo é um pouco deprimente, dado o lugar insignificante que cada um de nós ocupa no universo. No entanto, segundo o modelo do desafio, a vida é boa em termos de seu valor intrínseco3.

Para Dworkin, a ética do desafio é baseada, por um lado, no mérito da distinção entre interesses volitivos e interesses críticos, e, por outro lado, na rejeição de uma concepção da ética como impacto das ações de uma pessoa sobre o mundo. Mais especificamente, a qualidade de vida duma pessoa não depende das consequências da sua vida no mundo, mas da maneira como a sua vida responde aos desafios impostos pelas circunstâncias da vida. O problema fundamental da ética do impacto é que ela é baseada numa visão aditiva segundo a qual podemos julgar o valor de uma vida sem ter de consultar as crenças da pessoa cuja vida estamos a avaliar (Dworkin, 2000: 248). Segundo o modelo do impacto, o fato de que a pessoa concorda ou não com os componentes de sua vida não importa em termos do valor objetivo da sua vida. Ora, de acordo com o modelo do impacto, se esta concepção aditiva do valor de uma vida é plausível, nesse caso, as políticas estatais perfeccionistas ou paternalistas podem ser mais facilmente legitimadas, o que constitui uma razão importante segundo Dworkin, para rejeitar o modelo ético do impacto4. Por estas razões, ao modelo aditivo de impacto Dworkin opõe o modelo constitutivo do desafio, um modelo cujo núcleo duro consiste no argumento da adesão (endorsement), argumento que vou expor e avaliar agora.

                                                                                                                         3 Para uma análise crítica desta oposição entre os dois modelos éticos, cf. Arneson (2008), para quem o contraste entre o modelo do impacto e o modelo do desafio proposto por Dworkin é demasiado binário. 4 Sobre a relação entre paternalismo e os dois modelos éticos em questão, Dworkin escreve : « The model of impact accepts the theoretical basis of critical paternalism. I do not mean that anyone who accepts that model must approve paternalism. He might think that officials would misuse their power or make worse judgments about ethical value than ordinary people would on their own. But he would see the point of ethical paternalism: it could make sense to him, for example, that people's lives would go better if they were forced to pray, because in that case they might please God more and so have a better impact, even though they remained atheists. The challenge view, on the other hand, rejects the root assumption of critical paternalism: that a person's life can be improved by forcing him into some act or abstinence he thinks valueless » (Dworkin, 2000: 268-269). No entanto, é de salientar que Dworkin não considera o modelo do desafio incompatível com todas as formas de paternalismo. Sobre este ponto, cf. Wilkinson (2003).

13    

7. O argumento da adesão (endorsement) e a neutralidade das intenções

De acordo com o modelo ético do desafio, mesmo se a minha vida não pode ser considerada boa só porque eu estou convencido de que ela o é (afinal, eu posso estar errado, como sugere a distinção formulada por Dworkin entre interesses volitivos e interesses críticos), no entanto, para que a minha vida seja boa, a minha convicção para que esta o seja é uma condição necessária duma vida boa. Mais especificamente, como, segundo Dworkin, uma vida boa implica responder adequadamente aos desafios impostos pelas circunstâncias da vida5, mas não é boa pelo impacto da minha vida no mundo, independentemente das minhas intenções, é necessário que as minhas convições pessoais desempenhem um papel fundamental no que significa para mim uma vida boa. Desta forma, a ligação entre a crença e o valor da vida torna-se constituinte na ética de Dworkin, uma vez que de acordo com este modelo, o valor de uma vida depende da capacidade dos indivíduos em identificar criticamente o que é valioso, isto é, depende da sua capacidade em assumir e aderir às suas convicções éticas6.

De acordo com o argumento da adesão (endorsement constraint), uma vida boa deve ser composta por dois elementos necessários: primeiro os componentes desta vida (experiências, projetos, compromissos, etc) devem ser intrinsecamente bons (e não apenas bons em termos de interesses volitivos). Em segundo lugar, o valor desses componentes deve ser reconhecido e aceite pela pessoa que os assume7.A tese da « adesão » é, portanto, a seguinte: a vida de uma pessoa tem valor apenas se for orientada « de dentro », de acordo com as suas próprias crenças sobre o que é valioso8.

Uma primeira objeção que podemos formular contra este argumento é a seguinte: que pode significar « viver a vida de dentro »? Parece que isso exclui a coerção. Nesse caso, viver de forma autónoma é ser livre de coerção. Mas viver de forma autónoma deve significar mais do que isso : não significa apenas viver a vida a partir do interior, sem coerção, mas também viver de acordo com as suas próprias crenças sobre o que é valioso na vida. Mas o que pode significar isso? Isto significa que algumas das nossas ações não são baseadas nas nossas crenças, mas apenas nos nossos desejos, e não podem, portanto, ser consideradas como ações autónomas. Pois não é só a coerção, mas também a manipulação, a falta de alternativas, e a falta de independência de julgamento,

                                                                                                                         5 « On the challenge view, living well is responding appropriately to circumstances rightly judged » (Dworkin, 2000 : 273). 6 Segundo Dworkin, « […] the connection between conviction and value is constitutive: my life cannot be better for me in virtue of some feature or component I think has no value » (Dworkin, 2000: 268).

7 O argumento da adesão também é um aspecto fundamental do liberalismo ético defendido por autores como Will Kymlicka ou Joseph Raz (Kymlicka 1989: 11-13; Raz, 1986: 291-292). Para uma comparação instrutiva entre a variante de Dworkin e a de Kymlicka, cf. Da Silveira (1993). Para uma discussão esquemática mas esclarecedora sobre os principais pontos de convergência e de divergência entre o liberalismo ético de Dworkin e o de Raz, cf. De Marneffe (1998). 8 Como escreve Kymlicka, « No life goes better by being led from the outside according to values the person doesn’t endorse. My life only goes better if I’m leading it from the inside, according to my beliefs about value » (Kymlicka, 1989: 12). Cf. também Dworkin, (2000 : 216-218, 248, 268-274), Kymlicka, (1992 : 203-4), Raz, (1986 : 291-2), Wilkinson, (1996 : 433-44 ; 439-40). Para uma crítica de Dworkin, cf. Wilkinson (2003), e para uma defesa, cf. Macleod (2003).

14    

que impedem considerar certas ações como autónomas. Steven Wall (1998) propõe distinguir duas versões da tese da adesão, uma versão forte e versão fraca9.

Ambas as versões referem-se à diferença entre um « self-conscious engagement » e un « willing engagement ». Para ilustrar o seu ponto de vista sobre as duas versões da adesão, Wall dá um exemplo a partir da escolha de Sarah. Estes exemplos são: (1) A Sarah é forçada a ir ao teatro uma vez por semana, caso contrário, o seu chefe despede-a. (2) A Sarah foi hipnotizada sem sabê-lo pelo seu psiquiatra, e frequenta desde então o teatro uma vez por semana. (3) A Sarah vive numa aldeia em que, além de ir ao teatro, não há muito que fazer e vai ao teatro para não se aborrecer. (4) A Sarah vai uma vez por semana no teatro, sem saber por quê. Ela vai lá apenas porque segue um hábito familiar, sem fazer nenhuma pergunta sobre o valor do teatro.

De acordo com a interpretação forte da tese da adesão, no exemplo de Wall, a Sarah não agrega valor à sua vida pois em nenhum dos casos ela foi capaz de viver o valor de ir ao teatro, como uma vida « vivida por dentro ». Mas de acordo com a interpretação fraca, a Sarah agrega valor à sua vida nos casos (3) e (4). No entanto, para que a tese da adesão possa ser um argumento a favor da autonomia, temos de aceitar a interpretação forte desta tese, já que a interpretação fraca exclui apenas a coerção e a manipulação. Mas como a interpretação forte não é plausível, devemos concluir, de acordo com Wall, que a tese da adesão não é um argumento a favor da autonomia (Wall, 1998: 192).

Independentemente da plausibilidade ou não da objeção de Wall a Dworkin sobre a dificuldade em determinar as condições em que a escolha de um indivíduo pode ser considerada uma escolha verdadeiramente autónoma, é importante recordar que o ponto de ética de Dworkin é enfatizar a relação entre crenças e valores, relação constitutiva da da ética do desafio. Ora, se essa relação é constitutiva, então isso implica que qualquer tentativa de restringir a liberdade de um indivíduo para o bem dele parece ir contra a sua integridade, reduzindo assim o valor da sua vida10.

En effet, si l’endossement par l’individu de ses croyances éthiques est une condition nécessaire pour contribuer à ce que sa vie soit réussie, alors cela implique que cet individu ne peut pas améliorer sa vie s’il le fait de manière non-autonome. Par conséquent, l’État ne peut pas contribuer à améliorer la vie de ceux soumis à son autorité en les incitant à s’engager dans des styles de vie de manière non-autonome. Cette tolérance des convictions éthiques profondes des individus justifie l’anti-paternalisme de Dworkin, selon lequel aucune majorité ne doit empêcher les individus de mener la vie qu’ils souhaitent. L’argument de l’endossement semble donc impliquer                                                                                                                          9 Segundo a interpretação forte, « in order for a pursuit to add value to a person’s life, the person must actively endorse the pursuit on the belief that it is valuable ». E segundo a interpretatçãp fraca: « in order for a pursuit to add value to a person’s life, the person must at least passively endorse the pursuit » (Wall, 1998: 192). 10 Sobre a importância da “integridade” na ética do desafio, Dworkin escreve: « If we accept the challenge model we can insist on the priority of ethical integrity in any judgments we make about how good someone's life is. Someone has achieved ethical integrity, we may say, when he lives out of the conviction that his life, in its central features, is an appropriate one, that no other life he might live would be a plainly better response to the parameters of his ethical situation rightly judged ».Um pouco depois, escreve: « If we give priority to ethical integrity, we make the merger of life and conviction a parameter of ethical success, and we stipulate that a life that never achieves that kind of integrity cannot be critically better for someone to lead than a life that does » (Dworkin, 2000: 270). Para uma crítica da prioridade da integridade sobre os outros valores que Dworkin estabelece, cf. Wilkinson (1996: 442).

15    

qu’un État qui prend au sérieux le modèle éthique du défi doit rester neutre sur la question de la vie bonne (Dworkin, 2000 : 277). Cependant, il nous faut préciser en quel sens l’éthique du défi que sous-tend le libéralisme de Dworkin est compatible avec la neutralité des buts de l’État, car à première vue, sa théorie contient des éléments perfectionnismes qui semblent incompatibles avec cet idéal

De fato, se a adesão pelo indivíduo das suas própias crenças éticas é uma condição necessária para garantir que a sua vida é bem sucedida, então isso implica que o indivíduo não pode melhorar a sua vida se ele faz isso de maneira não autónoma. Logo, o Estado não pode contribuir para melhorar as vidas das pessoas incentivando-as a participar em estilos de vida não-autónomos. Esta tolerância profunda das convicções éticas dos indivíduos justifica o anti-paternalismo de Dworkin. O argumento da adesão parece implicar que um Estado que leva a sério o modelo ético do desafio deve manter-se neutro sobre a questão da vida boa (Dworkin, 2000: 277). No entanto, devemos especificar em que sentido a ética do desafio que sustenta o liberalismo de Dworkin é compatível com a neutralidade das intenções do Estado, pois à primeira vista, a sua teoria contém elementos perfecionistas que estão em tensão com a neutralidade 11.

Para esclarecer este ponto, é interessante notar que o princípio da neutralidade das intenções é menos exclusivo do príncipio que Joseph Raz chama de princípio anti-perfeccionista, principio segundo o qual o governo não deve promover qualquer ideal da vida boa. Raz rejeita o anti-perfecionismo mas parece admitir, como Dworkin, a plausibilidade do princípio da neutralidade das intenções, uma vez que considera que o governo não deve ser coercivo com intenção de desencorajar estilos de vida sem valor (Raz, 1986: 110). Da mesma forma, Dworkin nos seus últimos escritos adopta uma forma de perfecionismo no sentido em que rejeita a neutralidade das justificações, mas aceita a neutralidade das intenções. Assim, podemos dizer, seguindo a sugestão de Peter de Marneffe (1998), que o desacordo entre Dworkin e Raz relativo à neutralidade, assumindo que existe, tem a ver com a questão de saber se o governo pode desencorajar, por outros meios do que a coerção, estilos de vida considerados sem valor (ver sobre isto a última seção do artigo de Raz de 1989 dedicado a Dworkin), quando se trata de desencorajar modos de vida que não afetam os direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos.

Para tentar esclarecer mais uma vez em que sentido o princípio da neutralidade das intenções é compatível com o perfecionismo subjacente à ética do desafio de Dworkin, temos de começar por recordar que Dworkin distingue duas maneiras segundo as quais uma teoria política pode ser neutra em relação às concepções do bem12. O Estado pode ser neutro de maneira mais abstrata, ou de maneira mais concreta (Dworkin 2000: 281). Dworkin parece rejeitar o primeiro tipo de neutralidade e aprovar o segundo. Parece-nos

                                                                                                                         11 De acordo com alguns críticos de Dworkin, a ética liberal que ele defende pertence à família das teorias perfecionistas (cf. De Marneffe, 1998 ; Clayton, 2002 ; Lecce, 2008). Para uma defesa de uma conceção « abrangente » mas não perfecionista de Dworkin, cf. por exemplo Mason (1990). Para críticas, cf. Hurka (1995), Arneson (2003 ; 2008), Rawls (1997 : 778, nota 36). 12 Como escreve Dworkin: « We should distinguish two ways in which a political theory might be neutral or tolerant about different ethical convictions. First, it might be neutral in its appeal, that is to say, ecumenical. It might set out principles of political morality that can be accepted by people from a very great variety of ethical traditions. Second, it might be neutral in its operation, that is to say, tolerant. It might specify, as one principle of political morality, that government must not punish or discriminate against people because it disapproves of their ethical convictions » (Dworkin, 2000: 281).

16    

que o liberalismo ético baseado no perfecionismo defendido por Dworkin é compatível com a neutralidade já que ele defende a neutralidade dos intenções13. Por essa razão, julgo que seria correto considerar o liberalismo ético de Dworkin como um liberalismo perfecionista não coercivo, compativel com a neutralidade das intenções mas não com a neutralidade das justificações.

Bibliografia Ackerman, B. (1980). Social Justice in the Liberal State. Yale University Press.

Alexander, L. & Schwarzschild, M. (1987). Liberalism, neutrality, and equality of welfare vs. equality of resources. Philosophy & Public Affairs, 16(1), 85–110.

Arneson, R. (2014). Neutrality and Political Liberalism. In Merrill, R. & Weinstock, D. (Eds.) (2014). Political Neutrality: a Re-evaluation, Palgrave MacMillan, 25-43.

Arneson, R. J. (2008). Cracked foundations of liberal equality. In Burley, J. (Ed.) Dworkin and His Critics: With Replies by Dworkin, 79–98.

Arneson, R. J. (2003). Liberal neutrality on the good: an autopsy. In Klosko, G. & Wall, S. (Eds) Perfectionism and Neutrality: Essays in Liberal Theory, 191–218.

Arneson, R. (2000). Perfectionism and politics. Ethics, 111(1), 37–63.

Barry, B. (1995). Justice as Impartiality. Oxford: Clarendon Press.

Beckman, L. (2001). The liberal state and the politics of virtue. Transaction Publishers.

Brighouse, H. (1995). Neutrality, publicity, and state funding of the arts. Philosophy & public affairs, 24(1), 35–63.

Chan, J. (2000). Legitimacy, unanimity, and perfectionism. Philosophy & Public Affairs, 29(1), 5–42.

Clarke, S. (2014). Consequential Neutrality Revivified. In Merrill, R. & Weinstock, D. (Eds.), Political Neutrality: a Re-evaluation, Palgrave MacMillan, 109-121.

Da Silveira, P. (1993). Quel avenir pour le principe de neutralité ? Lekton, 3(2), 65–103.

De Marneffe, P. (2014). The Possibility and Desirability of Neutrality. In Merrill, R. & Weinstock, D. (Eds.) (2014). Political Neutrality: a Re-evaluation, Palgrave MacMillan, 44-56.

De Marneffe, P. (2006). The slipperiness of neutrality. Social Theory and Practice: An International and Interdisciplinary Journal of Social Philosophy, (1), 17–34.

De Marneffe, P. (1998). Liberalism and perfectionism. American Journal of Jurisprudence., 43, 99–116.

                                                                                                                         13 Comme recorda Dworkin: « Liberalism can and should be neutral at some, relatively concrete, levels of ethics. But it cannot and should not be neutral at the more abstract levels at which we puzzle, not about how to live in detail, but about the character, force, and standing of the very question of how to live » (Dworkin, 2000 : 293).

17    

De Marneffe, P. (1990). Liberalism, liberty, and neutrality. Philosophy & Public Affairs, 19(3), 253–74.

Douglass, R., Mara, G. & Richardson, H. (Eds) (1990). Liberalism and the Good. New York: Routledge.

Dworkin, R. M. (2000). Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality. Harvard University Press.

Dworkin, R. M. (1995). Foundations of liberal equality. In Darwall, S. (Ed.) Equal Freedom, Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 190–306.

Dworkin, R. (1983). Neutrality, equality, and liberalism. In MacLean, D. & Mills, C. (Eds) Liberalism Reconsidered. Totowa, NJ: Rowman and Allanheld.

Dworkin, R. (1978). Liberalism. In Hampshire, S. (Ed.) Public and Private Morality. Cambridge University Press.

Galston, W. (1991). Liberal Purposes: Goods, Virtues, and Diversity in the Liberal State. Cambridge University Press.

Goodin, R. & Reeve, A. (1989). Liberal Neutrality. London: Routledge.

Hurka, T. (1995). Indirect perfectionism: Kymlicka on liberal neutrality. Journal of Political Philosophy, 3(1), 36–57.

Hurka, T. (1993). Perfectionism. Oxford University Press.

Klosko, G., & Wall, S. (Eds.). (2003). Perfectionism and neutrality: essays in liberal theory. Rowman & Littlefield.

Kymlicka, W. (1989). Liberal individualism and liberal neutrality. Ethics, 99(4), 883–905.

Larmore, C. (1994). Pluralism and reasonable disagreement. Social Philosophy and Policy, 11(01), 61–79.

Larmore, C. (1987). Patterns of Moral Complexity. Cambridge University Press.

Lecce, S. (2008). Against Perfectionism: Defending Liberal Neutrality. University of Toronto Press.

Lund, W. R. (1997). Egalitarian liberalism and social pathology: a defense of public neutrality. Social Theory and Practice, 23(3), 449–78.

Macedo, S. (1990). Liberal Virtues: Citizenship, Virtue, and Community in Liberal Constitutionalism. Clarendon Press.

Macleod, C. (2003). Agency, goodness, and endorsement: Why we can’t be forced to flourish. Imprints, 7(2), 131-60.

Macleod, C. M. (1997). Liberal neutrality or liberal tolerance? Law and Philosophy, 16(5), 529–59.

18    

Mason, A. D. (1990). Autonomy, liberalism and state neutrality. The Philosophical Quarterly, 40(161), 433–52.

Merrill, R. & Weinstock, D. (Eds.) (2014). Political Neutrality: a Re-evaluation, Palgrave MacMillan.

Metz, T. (2001). Respect for persons and perfectionist politics. Philosophy & Public Affairs, 30(4), 417–42.

Nagel, T. (1991). Equality and Partiality. Oxford University Press.

Nagel, T. (1987). Moral conflict and political legitimacy. Philosophy & Public Affairs, 16(3), 215–40.

Neal, P.(1997). Liberalism and Its Discontents. Macmillan.

Paris, D. C. (1987). The “Theoretical Mystique”: neutrality, plurality, and the defense of liberalism. American Journal of Political Science, 4, 909–39.

Plaw, A. (2004). Why Monist Critiques Feed Value Pluralism. Social Theory and Practice, 30(1), 105-126.

Rawls, J. (2001). Justice As Fairness: A Restatement. Harvard University Press.

Rawls, J. (1997). The idea of public reason revisited. University of Chicago Law Review64, 765–807.

Rawls, J. (1993). Political Liberalism. Columbia University Press.

Raz, J. (1988b). Liberalism, Skepticism, and Democracy. Iowa L. Rev., 74, 761–86.

Raz, J. (1986). The Morality of Freedom. Oxford University Press.

Schaller, W. E. (2004). Is liberal neutrality insufficiently egalitarian? Neutrality of justification versus strong egalitarianism. The Journal of philosophy, 101(12), 639–50.

Sher, G. (1997). Beyond Neutrality: Perfectionism and Politics. Cambridge University Press.

Sinopoli, R. C. (1993). Liberalism and contested conceptions of the good: the limits of neutrality. The Journal of Politics, 55(3), 644–63.

Waldron, J. (1989). Legislation and moral neutrality. In Goodin, R. E. & Reeve, A.

(Ed.) Liberal Neutrality.

Wall, S. (2001). Neutrality and responsibility. The Journal of Philosophy, 98(8), 389–410.

Wall, S. (1998). Liberalism, Perfectionism and Restraint. Cambridge University Press.

Wilkinson, T. M. (2003). Against Dworkin's Endorsement Constraint. Utilitas,15(02), 175-193.

Wilkinson, T. M. (1996). Dworkin on paternalism and well-being. Oxford J. Legal Stud., 16, 433.