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MENSAGEIRO DO CORAÇÃO DE JESUS MAIO | 2018 ATÉ AOS CONFINS DA TERRA DESEMPREGO E PRECARIEDADE pág. 30 EVANGELIZAR PELA CRIATIVIDADE PARA CHEGAR ÀS PERIFERIAS pág. 3

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MENSAGEIRODO CORAÇÃO DE JESUS

MAIO | 2018

ATÉ AOS CONFINS DA TERRA

DESEMPREGO E PRECARIEDADE

pág. 30

EVANGELIZAR PELA CRIATIVIDADE

PARA CHEGAR ÀS PERIFERIAS

pág. 3

maio 2018 // Ano CXLIII, n.º 5

DiretorAntónio Valério, s.j.

AdministraçãoRua S. Barnabé, 32, 4710-309 BRAGA (Portugal)

Contactos:Geral: 253 689 440Revistas: 253 689 442Livraria: 253 689 443Fax: 253 689 441Email: [email protected]: www.revistamensageiro.pt www.redemundialdeoracaodopapa.pt

Direção de arte e produção gráficaFrancisca Cardoso Girão | Henrique Almeida

PaginaçãoEditorial A.O.

Impressão e acabamentosEmpresa Diário do Minho, Lda. Rua de São Brás, n.º 1 – Gualtar 4710-073 BRAGA Contr. n.º 504 443 135

Redação, Edição e PropriedadeSecretariado Nacional do Apostolado da Oração Província Portuguesa da Companhia de Jesus (Pessoa Coletiva Religiosa – N.I.F. 500 825 343)

Depósito Legal 11.762/86ISSN 0874-4955Isento de Registo na ERC, ao abrigo do Decre-to Regulamentar 8/99 de 9/6, artigo 12º, nº 1 aTiragem: 9.000 exemplares

ASSINATURA PARA 2018

Portugal(incluindo as Regiões Autónomas): 14,00€

Portugal (2 anos): 27,00€Europa: 20,00€ 25,00 Fr. SuíçosFora da Europa: 26,00€ 40,00 USD 40,00 CADPreço por exemplar: 1,30€

ATENDIMENTO AO PÚBLICO

Horário: 9h-12h30 / 14h30-19h

Pagar por transferência bancária: De Portugal: IBAN – PT50 – 0033 0000 0000 5717 13255(Millennium.BCP – Braga);Do Estrangeiro: IBAN – PT50 – 0033 0000 0000 5717 13255 Swift/Bic: BCOMPTPL (Millennium.BCP – Braga)

MENSAGEIRODO CORAÇÃO DE JESUS

Portes de correio incluídos nos preços. Envio feito mediante pagamento prévio. Pedidos: Secretariado Nacional do A.O. | Rua S. Barnabé, 32 – 4710-309 Braga [email protected] | www.livraria.apostoladodaoracao.pt

com MariaVIA LUCIS

António Valério, s.j.Isabel Figueiredo «Via Lucis com Maria» é

um conjunto de «catorze quadros seletos dos Evangelhos, do Livro dos Atos dos Apóstolos e de S. Paulo, que nos colocam, como discípulos amados, ao lado do Ressuscitado, e sempre na companhia de Maria. Sim, o Ressuscitado faz-Se ver. A Maria, aos seus Apóstolos e discípulos, a nós. Aí estão os fundamentos desta via lucis».

«As palavras deste livrinho de oração, com claro condimento ou quase lalação maternal encantatória, deslizam suavemente pelo ouvinte ou leitor ou orante adentro, como se de leite materno se tratasse. Experimente quem quiser este alimento».

D. António Couto

Novidade

Preços: Portugal: 7,30 euros Europa: 8,00 euros Fora da Europa: 8,30 euros

IR COM A VIDA

FOTOS Fotografias: Capa: Ilustração de Francisca Cardoso Girão; pág. 2: Jared Sluyter; págs. 3-5: © Betânia Ribeiro; pág. 6: © Mario Purisic; pág. 11: © Betânia Ribeiro; pág. 26: Todos os direitos reservados; pág. 27: © Betânia Ribeiro; pág. 28: Todos os direitos reservados; pág. 31: © Christopher Burns; Arquivo A.O.

P. António Valério, s.j.

ABERTURA – Ir com a vidaP. António Valério, s.j. -------------------------------------------- 1

INTENÇÃO DO PAPA – Os leigos em missãoAntónio Valério, s.j. ---------------------------------------------- 2

DESTAQUE – Evangelizar pela criatividade para chegar às periferiasPor: Cláudia Pereira ---------------------------------------------- 3

AS COISAS PEQUENAS E A FÉ – Diz-me com quem falas, dir-te-ei quem és Rui Fernandes, s.j. ------------------------------------------------ 6

CONHECER OS MÍSTICOS – Catarina de SenaBrendan Comerford, s.j. ----------------------------------------- 8

EM FAMÍLIA – Famílias de acolhimento de menores em risco:«Uma fusão tranquila entre duas realidades»Por: Betânia Ribeiro --------------------------------------------- 10

TIRAR A BÍBLIA DA ESTANTE PARA LER S. MARCOSA semente: uma parábola do reino de DeusMiguel Gonçalves Ferreira, s.j. -------------------------------- 12

DOSSIER – A ação do Espírito Santo nos Atos dos Apóstolos: um breve guia de leitura P. Daniel Nascimento ------------------------------------------- 13

OPINIÃO – Quando me despedi...Isabel Figueiredo ------------------------------------------------ 21

LECTIO DIVINA – Palavra de Deus para a vida Manuel Morujão, s.j. ---------------------------------------------22

NOTÍCIAS Betânia Ribeiro e Cláudia Pereira ---------------------------25

EU RECOMENDO – O Regresso do Filho PródigoSandra Raimundo -----------------------------------------------29

HUMANIZAR-ME – Desemprego e precariedadeTatiana Mendonça ----------------------------------------------30

SUMÁRIO

Neste mês de maio, o Papa Francisco propõe a toda a Igreja, na sua intenção mensal de oração, rezar e agir a propósito do serviço dos leigos no mundo atual. É sempre urgente esta reflexão, pois é do contributo dos leigos cristãos que depende, em grande parte, a afirmação e a prática de determinados valores no espaço público. Na verdade, assistimos hoje à quase inexistência de um papel de relevo na construção da opinião pública por parte das instituições católicas, que foram perdendo esse espaço, por motivos vários, a começar pela secularização da sociedade, até à falta de adequação da linguagem aos contextos atuais, ou ainda, tristemente, por falta de testemunho coerente e até de escândalo.

Mas também é motivo de esperança e alegria tantas experiências de testemunho radical de Cristo por parte de clérigos, religiosos e leigos, que, na simplici-dade das suas vidas, vivem generosamente o Evan-gelho, pondo-se à disposição dos outros, trabalhando no silêncio e escondimento das suas ocupações, chegando aos pequenos e grandes heroísmos de quem dá a vida, no meio de terríveis incompreensões e perseguições.

Num contexto em que as vozes com dificuldade se sobrepõem aos ruídos, às contradições, é tempo de o gesto falar mais alto, de ser a vida, tal como é, a inspirar e a mover o mundo. O Evangelho é pequena semente lançada nos corações dos cristãos, que fruti-fica em palavras e obras que mostram Jesus.

Neste tempo pascal, vamos assumir com maior empenho este mandato de Jesus a ir, com a vida, por todo o mundo, anunciar um estilo de vida que ajude a tornar este mundo um lugar próximo do sonho de Deus para os seus filhos.

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ABERTURA

os leigos terá de ter esse horizonte, apontar para os desafios do mundo concreto e deixar que o Evan-gelho tenha eco fora da Igreja e não apenas dentro. Este mês pode ser uma ocasião muito particular para motivar os leigos das comunidades cristãs a encontrarem formas criativas de falar do Evangelho, com palavras, obras e atitudes, nos seus contextos de trabalho, na sua família e nas suas responsabilidades.

Desafios para o mês

Questionar se, na respetiva comunidade cristã, a missão dos leigos é mais encarada como um serviço interno, ou se se tem em consideração que é a sua presença no mundo, como batizados, que realiza plenamente esta missão.

De que modo são pensados os horários, encontros e iniciativas da comunidade? Exige-se que os leigos tirem demasiado ao seu tempo pessoal e familiar para as atividades pastorais, ou busca-se o justo equilíbrio?

Promover um encontro de reflexão e partilha com os leigos mais comprometidos na comunidade sobre a sua experiência de levar o Evangelho aos seus contextos diários.

PARA QUE OS FIÉIS LEIGOS REALIZEM A SUA MISSÃO ESPECÍFICA COLOCANDO A SUA CRIATIVIDADE AO SERVIÇO DOS DESAFIOS DO MUNDO ATUAL.

OS LEIGOS EM MISSÃOAntónio Valério, s.j.

O desafio para este mês, que o Papa coloca na sua intenção pela evangelização, é que os leigos realizem com criatividade a sua missão específica. A primeira questão a estarmos atentos é o significado de «espe-cífica». É importante darmo-nos conta de que há um mal-entendido de base quando se fala da missão dos leigos, colocando-a exclusivamente em contexto eclesial, ou seja, que «tarefas» se lhes deve confiar na dinamização da vida da Igreja. Perspetiva ainda mais evidente, sendo isso ainda mais urgente, quando a delegação destas funções é motivada pela escassez do clero que antes as realizava. Isto não é o «específico» da missão dos leigos. Ser leigo é ser leigo, não é ser um substituto do padre. Ser leigo é ter um emprego em contexto de trabalho na e para a sociedade; é ter responsabilidades sociais e políticas; é ser agente económico; é ser pai, mãe, avô, neto, amigo... E, incluindo tudo isto, é ser membro da Igreja, parte do corpo místico de Cristo.

A intenção deste mês enriquece esta missão espe-cífica com o termo «criatividade». É, de facto, muito importante que se superem os modelos tradicionais de missão laical, conferindo-lhes a sua real dimensão. A sua participação na vida da Igreja é ponto de partida para a vida concreta de todos os dias, não é um ponto de chegada. A pastoral para os leigos e com

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INTENÇÃO DO PAPA

Bruno Almeida, 40 anos, marketeer. Inês Sarmento, 26 anos, gestora de projeto. Rita Fernandes, 30 anos, psicóloga e diretora do Centro Académico de Braga (CAB). Suzana Gonçalves, 43 anos, professora universitária. Quatro nomes. Quatro leigos comprometidos em Igreja. Quatro percursos de vida distintos. As caminhadas, diferentes, de formação cristã e vivência da fé acabaram por conduzi-los, por dife-rentes trajetos e com motivações diversas, ao CAB. Entre as atividades que aí desenvolvem foram desafiados a integrar um projeto pioneiro: a primeira Equipa da Rede Mundial de Oração do Papa (RMOP) em Portugal. Com mais ou menos resistência, também por já estarem envolvidos noutras iniciativas, acabaram por aceitar o convite. Hoje, mostram- -se satisfeitos, e realizados, por rezar, e ajudar outros a rezar, pelas intenções do Papa. E defendem que os leigos devem ser cada vez mais ativos na Igreja, ajudando, com a sua criativi-dade, a levar mais longe a mensagem do Evangelho.

«Estávamos habituados a ter uma Igreja com estilo “barco a motor” – tínhamos o padre/o clero a puxar e as pessoas iam atrás, confortáveis – e hoje em dia o que precisamos de ter é um “barco a remos”», cabendo aos leigos a função de ajudar a remar e pilotar a embarcação.

É com esta imagem simbólica que Bruno Almeida descreve a importância de os fiéis leigos colaborarem ativamente nas comunidades. «Vemos as igrejas a ficarem vazias» e as comunidades «envelhecidas» e o número de sacerdotes é menor. Por isso, «os leigos têm de remar».

Bruno, Inês, Rita e Suzana sentem-se interpelados pela intenção proposta pelo Papa Francisco para este mês, centrada na missão dos leigos, e entendem que a participação destes é uma forma de a Igreja chegar às periferias.

Há muito que se fala nisso, «mas só nestes últimos dez anos se tem notado mais a importância dos leigos na Igreja. A própria Igreja teve de amadurecer essa ideia, desde o Concílio Vaticano II até agora, e também o próprio clero está a socorrer-se mais dos leigos para chegar às “fronteiras”, usando a expressão do Papa», afirma Bruno. E se, por um lado, a Igreja

deve «integrar cada vez mais leigos nas missões», estes devem deixar-se integrar, de modo a chegar às pessoas. «O desafio dos leigos é cada vez maior», frisa.

Rita Fernandes entende que os próprios leigos devem sentir «que têm este papel e esta função de evangelizar. Às vezes dizemos que são só os padres ou o clero que são mais fechados a este trabalho dos leigos nas obras», mas os próprios leigos, por vezes,

Por: Cláudia Pereira

EVANGELIZAR PELA CRIATIVIDADEPARA CHEGAR ÀS PERIFERIAS

DESTAQUE

têm a ideia de que as tarefas devem ser executadas pelos sacerdotes. Importa «que também nos sintamos chamados a fazer coisas», tomando a iniciativa.

Pelo facto de pertencer a uma geração mais nova e também devido ao trabalho que tem, uma «missão social» que a leva a contactar «muito diretamente com pessoas dos mais variados estratos da socie-dade», Inês Sarmento percebe «muitas vezes» que os assuntos de Igreja ou de fé «se calhar só não chegama mais pessoas ou só não há mais pessoas que real-

Rita Fernandes

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mente colaboram e se sentem parte da Igreja porque a questão de Deus não lhes foi transmitida ou comuni-cada de uma forma acessível».

«A missão dos leigos, e em particular a minha missão concreta, também fazendo parte da Rede Mundial de Oração do Papa, é muito tentar comunicar Deus, um Deus “metido no mundo” e “acessível”».

A IMPORTÂNCIA DA CRIATIVIDADE E DO TESTEMUNHO

Socorrendo-se de uma frase de Albert Einstein – «A lógica leva-nos de “A” para “B”, a imaginação (a criatividade) leva-nos a todo o lado» –, Bruno Almeida destaca a importância de uma forma criativa de comunicar no seio da Igreja. «Hoje em dia, com um tweet, o Papa chega a mais pessoas e de modo mais rápido, do que antigamente», exemplifica.

Inês Sarmento entende que «a criatividade, a par do testemunho, tem o poder de desafiar as pessoas a pensar de um modo diferente. Muitas vezes eu não tenho de dizer que sou cristã ou vou à missa todos os domingos. Mas as pessoas notam que há alguma coisa, alguma atitude que eu manifesto. E depois perguntam “Porque fizeste assim?”, “Porque disseste aquilo?” ou “Porque és assim?”. E eu digo “Porque rezo todos os dias” ou “Porque sou cristã”. A criativi-dade e o testemunho são o modo para conseguirmos evangelizar e chegar às periferias».

Suzana Gonçalves entende que, embora seja neces-sário ter em conta o peso da tradição e da história da Igreja, é «importante» haver criatividade ao nível da transmissão da fé.

«Pela criatividade chega-se muito mais facilmente aos miúdos, a pessoas que estão desligadas, porque toca também a veia poética, a emoção». Algumas pessoas «não vão conseguir ver o bonito, o belo, numa celebração que seja apenas ritual. Mas se abrirem o coração a isso, conseguem perceber o poético que pode ter».

O DESAFIO DE REZAR PELAS INTENÇÕES DO PAPA

Explicando a origem da primeira Equipa RMOP de Portugal, Rita Fernandes afirma que a ideia surgiu aquando da Terceira Provação [última fase de formação de um jesuíta] do padre António Valério, sj, em 2017, e numa altura em que se delineava o programa do CAB para o ano pastoral 2017/2018. «Eu trabalho no CAB, o padre Valério era o assistente espiritual neste ano letivo e pensamos que juntos poderíamos trabalhar neste sentido. Íamos falando, trocando emails e partilhando esta vontade de envolver mais as famílias e as crianças aqui na casa. Quando o padre Valério partilhou isto comigo, não havia como dizer que não. E a possibili-dade de começar com os mais pequenos, de lhes falar sobre a intenção do Papa e sobre o Papa é algo que me traz muito gozo. É assim que a RMOP aparece na minha vida».

Para Bruno Almeida, integrar esta Equipa «foi uma missão muito discernida», que «colidia com a primeira missão» – a família – e com outras atividades em que já estava envolvido. Apesar de tudo, sentiu que seria «uma oportunidade muito concreta de ajudar na divulgação da Rede Mundial de Oração do Papa», que «não sabia muito bem o que era». Atualmente, «as pessoas pensam cada uma para o seu lado. Aproveitando o dinamismo que o Papa hoje em dia tem, é importante a Igreja, e sobretudo os leigos, que têm um papel cada vez mais importante na Igreja, darem um bocadinho de força e eco às palavras do Papa», explica.

A adaptar-se a uma nova realidade em termos familiares, Suzana Gonçalves gritou interiormente um grande “não”, quando surgiu o convite para integrar a Equipa RMOP. O padre António Valério foi partilhando com Suzana este «projeto que ele estava a sonhar». «Via-me na retaguarda». Mas, sentindo que muito do que é e tem vivido se deve ao CAB, Suzana começou a perceber que o «não» gritado pelo seu ser «era apenas “da boca para fora”».

Suzana Gonçalves

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A propósito das atividades que a Equipa tem desen-volvido, Bruno realça a divulgação d’ “O Vídeo do Papa”, difundido nas Comunidades e Grupos de Vida Cristã e em Eucaristias. «É uma ferramenta extraor-dinária, muito útil e apelativa, porque é moderna. Está muito bem feito e os vídeos são muito felizes e tocam coisas muito concretas na vida das pessoas. Isso mexe com elas».

Rita partilha a satisfação de poder levar a intenção do Papa a muitas pessoas. Entre CVX (Comunidade de Vida Cristã), ACABados (pessoas que passaram pelo CAB enquanto universitários e que, uma vez termi-nada a formação académica, continuam ligadas a este centro universitário), grupo de universitários, Geração K (jovens entre os 25 e os 35 anos, a concluir a formação académica e a ingressar no mercado de trabalho), «somos muitos aqui na casa a fazer muitas coisas e às vezes nem nos cruzávamos. O que sinto, e avalio como sendo um ponto muito positivo, é estarmos juntos, pelo mesmo, e partilharmos esta missão juntos. Sinto-me mesmo muito acompanhada por esta equipa e muito agradecida pelo trabalho com os mais pequenos».

A jovem psicóloga salienta o facto de os vários grupos ligados ao CAB – CVX, GVX [Grupo de Vida Cristã], ACABados e universitários – fazerem ativi-dades em torno do mesmo tema: a intenção do Papa. «Há conversas que podem surgir à mesa que também partem daqui, da intenção do Papa e acho isso mesmo muito bonito».

Suzana Gonçalves destaca, pela positiva, «o trabalho em equipa» e o ver as atividades a serem «cozinhadas». «É engraçado o modo como o Espírito Santo vai atuando na preparação das atividades. É bom ir pensando com alguns meses de antecedência e esperar por elas ansiosamente».

Como último elemento a entrar para a Equipa, Inês Sarmento ainda se sente a integrar e conhecer o grupo e a «perceber bem esta missão de fazer parte da Rede Mundial de Oração do Papa». Sendo o elemento mais jovem, vê esta participação como um modo de chegar precisamente a uma geração mais jovem.

O TRABALHO COMO CAMPO DE MISSÃO

Além de estarem envolvidos em atividades, projetos e missões associados ao seu «ser cristão», Bruno, Inês, Rita e Suzana encaram as suas atividades profissionais como missão e veem aí um campo para testemunhar aquilo em que acreditam.

O trabalho «é o local onde podemos dar um exemplo muito concreto da nossa vida quotidiana e de sermos cristãos. Não é preciso falar nem fazer grandes coisas, mas temos de mostrar exemplo do que um cristão tem de ser», refere Bruno Almeida.

Rita Fernandes vê o trabalho como uma missão e mostra-se grata por trabalhar em dois sítios «onde isso parece muito claro» – o CAB e a Associação “Vida Norte”, onde faz «acompanhamento a mulheres grávidas e bebés em situação de risco. Acompanho muitos casos de discernimento e nestes discerni-mentos vejo um bocadinho esta forma de estar. Penso que pode realmente fazer diferença na vida das pessoas».

Para Suzana Gonçalves, pensar o trabalho como missão é algo que se tem revelado «com alguma surpresa». O que se tem manifestado como «campo de missão é a maneira como vou estando com os alunos, não é a parte académica. Tem sido engraçado perceber que há algum reconhecimento em termos humanos», conclui.

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Diz-me com quem falas, dir-te-ei quem ésRui Fernandes, s.j.

Porque falamosCom quem falamos

De que falamosComo falamos

A conhecida expressão «diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és» era muitas vezes usada em sentido pejorativo. «Se fulano anda com sicrano, então não deve ser boa rês». Embora devam ser lidos com sentido crítico, a verdade é que, muitas vezes, estes ditados populares refletem uma boa dose de sabedoria prática. É normal que os pais se preocupem com as companhias dos filhos; ou que a opinião pública veja com reservas as “amizades” entre políticos e grupos económicos. No

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AS COISAS PEQUENAS E A FÉ

entanto, esta ideia tem um reverso perigoso. A pouco e pouco, fulano e sicrano vão-se isolando em grupos separados: os fulanos ficam com a sua pureza ou verdade; os sicranos, com a sua perversidade ou erro. Por vezes, o que separa fulano de sicrano não são tanto questões morais, mas de gostos ou de ideologia. Diferem-se os clubes, crispam-se as vontades. Certo: não é fácil nem espontâneo o convívio com o desa-cordo. Mas não será mais humano (ou humanizador)?

Encontramos vestígios dessa tensão em várias passagens dos Evangelhos. Lucas conta-nos como certo homem, ao ver que Jesus Se deixava tocar por uma mulher pecadora, especula consigo mesmo: um profeta faria melhor; um profeta não se deixaria tocar por uma mulher assim (cf. Lc 7, 39). Ao deixar--Se tocar, Jesus corria o risco de contrair a impureza moral daquela mulher. Por outro lado, do ponto de vista simbólico, essa proximidade poderia ser confun-dida com um gesto de aprovação daquele estilo de vida. Portanto, aos olhos daquele homem e de uma certa mentalidade religiosa do seu tempo, ao acolher a mulher, Jesus tornava-Se Ele próprio impuro e como que tolerava uma vida de pecado.

Jesus parece situar-Se a outro nível. Sem nunca negar a situação conturbada em que aquela mulher viveria (cf. Lc 7, 47-48), Jesus foca-Se na bondade do desejo que a movia. Como explicar aquela entrada de rompante numa sala de jantar, com lágrimas e perfume misturados sobre os pés de Jesus? Na ótica do relato de Lucas, «querer tocar» ou «deixar-se tocar» são sinónimos de abertura ao outro; e de uma aber-tura que cura, lava, salva. Para proteger a sua virtude, aquele homem recusou o toque e fechou a porta à possibilidade de relação. Faz pensar.

Jesus teve outros encontros potencialmente chocantes. No início desse mesmo capítulo (cf. Lc 7, 1-10), Jesus encontra-Se com um centurião romano, figura do aparelho político invasor. Apresentado a Jesus por um conjunto de anciãos judeus, certamente que esse homem seria alguém respeitado pela comu-nidade (cf. Lc 7, 4-5). No entanto, o problema mantém--se. Privando com ele, não estaria Jesus a compactuar com o regime? Acolhendo-o, não estaria Jesus a gorar as expectativas do povo? Afinal, de que lado estava Jesus? Também aqui, o olhar de Jesus foca-se na pessoa que tem diante de Si e no desejo que ela mani-festa (ou não) de se abrir a uma relação de amizade e de confiança.

Curiosamente, os Evangelhos apresentam-nos, por vezes, um Jesus aparentemente sectário (será?). Mateus fala-nos de um encontro insólito entre Jesus e uma mulher cananeia (cf. Mt 15, 21-28). Deses-perada, a mulher implora a Jesus que cure a sua

filha. A resposta inicial soar-nos-ia brusca, nos dias que correm: «Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. (...) Não é bom tirar o pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos» (Mt 15, 24.26). O relato não nos esclarece inteiramente sobre a razão da relutância de Jesus. Estaria de facto convencido de que a sua missão era exclusivamente para os judeus? Quereria testar a força das convicções daquela mulher? O certo é que, neste caso, a discussão entre ambos não foi ocasião de separação, mas caminho de encontro. Tanto a persistência da pergunta como a resistência da resposta criaram um espaço de reco-nhecimento mútuo. Não há atalhos, nas relações: por vezes é mesmo necessário discutir – porque se ama e para se poder amar.

Embora nos digam algo da abertura despreconcei-tuosa de Jesus aos outros – os proscritos morais, os proscritos políticos, os proscritos religiosos –, estes exemplos não nos dizem nada acerca do modo como Jesus acolhe os que O traem. Porque, se é difícil abrir a porta aos que estão fora, talvez seja ainda mais doloroso mantê-la aberta para os que saíram. Nisso, as figuras de Pedro e de Judas são essenciais para nos ajudarem a perceber a postura de Jesus.

Pedro, o apóstolo a quem ouvimos a primeira confissão de fé (cf. Mc 8, 29), será também apóstata (cf. Jo 18, 25-27). O Evangelho de João conta-nos o momento do reencontro dos discípulos com Jesus, depois da crucifixão e ressurreição. Jesus já tinha aparecido aos discípulos (cf. Jo 20, 19-31). Porém, só no último capítulo podemos ouvir, pela boca de João, o diálogo entre Jesus e Pedro. Com que intensidade não terá Jesus perguntado ao seu amigo «tu amas-Me»? E com que sentimentos lhe terá Pedro repetido «Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo»?

Enquanto a história de Pedro e Jesus teve um «final feliz» (e ainda bem), já a história de Judas teve um final trágico. O desfecho de Judas é conhecido; mas se a sua morte nos inquieta, a sua vida intriga-nos. O que se passou entre ele e Jesus? E ainda mais forte: por que motivo Jesus, «sabendo que ele O ia entregar», não lhe fechou a porta?

Talvez gostássemos de apagar a figura de Judas dentre os amigos de Jesus. Talvez nos sintamos tentados a acusar os outros de dissidência ou traição, tais «novos Judas». Porém, o facto de Jesus o ter mantido como amigo e entre os seus continua a pairar como desafio à nossa capacidade de amar até ao fim não só os inimigos que encontramos, mas os amigos que perdemos. Com quem tenho falado? Aí está um critério para medir o coração, a inteligência e a liberdade.

maio 2018 | 9

CATARINA DE SENA

(1347-1380) | Brendan Comerford, s.j.

Ela «desperta mentes e corações, levando à conversão e à renovação». Assim se referiu o Papa Bento XVI a Santa Catarina de Sena, a 24 de novembro de 2010. Quem era esta mística “arrebatadora”?

Caterina di Benincasa nasceu em Siena [Sena], em 1374, a vigésima quarta dos vinte e cinco filhos de seus pais, Jacopo e Lapa. Já em criança, Catarina mostrava-se teimosamente independente e apaixo-nada por descobrir a verdade das coisas. Era a líder das outras crianças da rua e ensinava-lhes jogos, cujas regras inventava!

Aos quinze anos, Catarina cortou o seu belo cabelo loiro, num desafio aos seus pais, que pretendiam obrigá-la ao que eles consideravam um muito desejável casamento. Naturalmente, os pais ficaram furiosos com Catarina; a mãe castigou-a, obrigan-do-a a fazer todo o trabalho doméstico e a servir à mesa. Catarina contará, mais tarde, que durante este tempo de castigo edificou a “cela interior”, em si mesma, um lugar de refúgio onde podia rezar e pensar em Jesus, o seu Amado. E aconselha-nos a

«edificar uma cela interior nas nossas almas» (no nosso “eu” interior), especialmente quando nos sentimos pressionados e esmagados pela mono-tonia dos dias. Hoje, talvez possamos chamar a isto “praticar uma atenção orante”.

Era notório, em Siena, na altura, um grupo de senhoras piedosas chamadas as Mantellate (as Damas de Manto). Estavam ligadas aos domini-canos, usavam o hábito dominicano mas viviam em suas casas, servindo também os doentes e os pobres. Catarina disse aos seus pais que desejava entrar para as Mantellate e, depois de muitas insistências, eles acabaram por concordar. Permitiram que Cata-rina tivesse um quarto privado na sua casa, onde ela passava muitas horas por dia em solidão e oração.

A solidão de Catarina atingiu o clímax em 1368, quando sentiu que Jesus lhe dizia: Minha filha, de agora em diante deves aceitar, sem te queixares, tudo o que Eu te pedir, pois, armada com o poder da fé, triunfarás de todos os que se te opuserem. O que poderia isto significar? O tempo depressa se encarregaria de o mostrar.

10 | Mensageiro

CONHECER OS MÍSTICOS

Publicado em The Sacred Heart Messenger / Irlanda

Entretanto, Catarina percorria as ruas de Siena, servindo os pobres e os moribundos. Com frequência, recorria à despensa da família para alimentar os mais pobres.

Catarina via o seu “Noivo” (Jesus Cristo) na pessoa de todos os marginalizados, tal como Santa Teresa de Calcutá, no nosso tempo.

Particularmente depois de receber a comunhão, na Missa, Catarina demorava-se na igreja de S. Domingos, mergulhada na oração e parecendo em êxtase. Bem depressa, Catarina tornou-se motivo de conversa em Siena. Alguns, pensando que ela fingia os êxtases, consideravam-na um motivo de escândalo; outros, crentes na sua sinceridade, olhavam Catarina com admiração e reverência.

Chamada a servir os doentes, os moribundos e os pobres, Catarina começou também a sentir-se chamada a levar a paz e a reconciliação às famílias desavindas de Siena [desavenças violentas e, por vezes, mortais] e, mais importante ainda, a tentar sanar as desastrosas divisões na Igreja Católica Romana do tempo. Dado que, segundo parece, Catarina não sabia escrever (embora seja possível que soubesse ler), Catarina começou a ditar cartas sobre as grandes preocupações do tempo: as lutas constantes entre as várias cidades-estado; a reforma do clero; e, especialmente, o regresso do papado de Avinhão, em França, para Roma.

Importa recordar que os papas da Idade Média nem sempre residiram em Roma. Em 1303, o arcebispo de Bordeaux foi eleito Papa, com o nome de Clemente V. Clemente, por razões de segurança pessoal(!), recusou deixar a sua França natal e foi viver para Avinhão. O mesmo fizeram vários dos seus sucessores.

Um dos sucessores de Clemente como papa em Avinhão foi Gregório XI (1370-1378). Gregório afir-mava que desejava regressar a Roma, mas não deixava Avinhão! Catarina ditou algumas cartas ao Papa Gregório que nos deixam atónitos pela sua coragem e até audácia, tendo em conta a época: «Regressai a Roma... Tende coragem, Santo Padre, deixai-vos de indecisões... Suplico-vos, por Cristo crucificado, e peço-vos que me concedais esta graça; vencei a vossa iniquidade com a vossa bondade!» Catarina, através da experiência da oração, estava convencida de ter sido chamada a ser porta-voz do seu Senhor crucificado e, assim, manda o seu secretário escrever a Gregório: «Ordeno-vos que façais o que vos acon-selho». Pergunto-me como reagiria, hoje, se recebesse uma carta destas, até mesmo o bom Papa Francisco. Se acreditarmos nos media, é bem possível que Fran-cisco ligasse para o telemóvel de Catarina!

Não lhe bastando escrever ao Papa Gregório, Catarina decidiu ir a pé de Siena a Avinhão, para dar a conhecer a Gregório, face a face, os seus pedidos! A fama de Catarina precedera-a e, por isso, Gregório recebeu-a em audiência várias vezes! O que quer que se tenha passado entre eles, Catarina deixou Avinhão a 11 de setembro de 1376 e, dois dias depois, Gregório deixou Avinhão – para sempre! A 17 de janeiro de 1377, o Papa Gregório entrou em Roma montado numa mula branca – lembrando, de algum modo, a entrada de Jesus em Jerusalém montado num burrinho.

Não se julgue que tudo foi paz e boa vontade depois do regresso de Gregório. Pouco tempo depois, havia um papa em Roma (Urbano VI) e outro em Avinhão (Clemente VII) ao mesmo tempo! Tinha-se instalado o cisma (divisão) na Igreja Católica. Este lamentável, escandaloso estado de divisão iria durar outros setenta anos!

Catarina sonhava com um concílio que resolvesse estas divisões na Igreja. Não viu este sonho realizado durante a sua vida. Continuou a viver em Roma, as suas viagens e trabalhos caritativos acabaram por deixá-la exausta, sem forças. Catarina morreu a 29 de abril de 1380. Tinha apenas trinta e três anos de idade. Foi canonizada pelo Papa Pio II, em 1461; declarada Doutora da Igreja pelo Papa Paulo VI, em 1970, e copa-droeira da Europa pelo Papa João Paulo II, em 1999.

A obra maior de Catarina, O Diálogo (um diálogo entre o Senhor e ela mesma), e a sua biografia, Legenda Maior, escrita pelo dominicano Raimundo de Cápua, foram dos primeiros livros a serem impressos em Itália.

Talvez o melhor seja eu deixá-los, este mês, com alguns pensamentos de O Diálogo. O Senhor diz a Catarina:

– Ninguém pode julgar o coração escondido de outra pessoa... Deves responder apenas com santa compaixão.

– Distribuí os meus dons e graças de tal forma que ninguém os tem todos... Quero que estejais dependentes uns dos outros, de modo que todos possam ser meus ministros, partilhando os dons e graças que recebestes de Mim.

– Os vossos vizinhos são o canal por meio do qual as vossas virtudes são postas à prova e vêm à luz.

Catarina diz ao Senhor:– Estais tão loucamente apaixonado pelas vossas criaturas

que não poderíeis viver sem nós!Uma mística verdadeiramente audaciosa!

maio 2018 | 11

EM FAMÍLIA

Sofia Seabra e Ricardo Frade são pais de acolhimento de menores em risco, integrando o projeto dina-mizado pela Mundos de Vida - Associação para a Educação e Solidariedade. Acolheram, desde 2008, três crianças, uma das quais (já maior de idade) ainda integra o seu agregado familiar. Mais do que um serviço, as famílias de acolhimento possibilitam aos menores em risco viver num ambiente onde a sua realidade social e necessidades são tidas em conta, permitindo, ainda, o seu crescimento enquanto seres humanos e cidadãos.

como uma «prestação de serviços», acrescenta Sofia Seabra. «Sem ter acompanhamento, as crianças correm maior risco de ser devolvidas. As pessoas não têm noção que este é um processo exigente e, por vezes, longo», sublinha Ricardo Frade.

«Em 2007, deparámo-nos com um cartaz a dizer “Procuram-se Abraços”, com uma menina muito simpática a abraçar alguém», recorda Ricardo Frade. Era o cartaz da campanha institucional da Mundos de Vida – Associação para a Educação e Solidariedade, sediada em Lousado (Vila Nova de Famalicão), que procurava famílias disponíveis para integrar o primeiro serviço especializado de acolhimento familiar, lançado em Portugal pela associação um ano antes.

Em 2008, quando Guimarães passou a integrar a área de ação da Mundos de Vida, a família Seabra Frade pôde avançar com o processo de acolhimento. «Tivemos a formação inicial, conseguimos ficar na bolsa de acolhimento e passados dois anos, em 2010, recebemos a primeira criança, que tinha 10 anos. Dois anos depois, em 2012, chega às nossas mãos o Bruno, na altura com 14 anos. Dois anos mais tarde, em 2014, acolhemos outro menino, com 10 anos», recorda Ricardo. Num período de seis anos, o agre-gado familiar da família Seabra Frade passou de dois para cinco elementos.

Em Portugal, país da União Europeia com o menor número de famílias de acolhimento, «o número de acolhimentos tem diminuído drasticamente, nos últimos 10 anos», alerta Ricardo Frade. Dados de 2016 revelam que, num total de oito mil e 500 crianças institucionalizadas, 261 integravam 183 famílias de acolhimento. Oito anos antes, em 2008, 918 crianças viviam em famílias de acolhimento. Na altura, havia três mil e 400 famílias disponíveis para acolher. Mas a mudança da lei, estipulando que o serviço de acolhimento pode ser prestado «apenas por pessoas ou famílias sem qualquer relação de parentesco com a criança e jovem» levou a uma diminuição dos casos de acolhimento (Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de janeiro).

O interesse da família Seabra Frade em acolher crianças institucionalizadas surgiu em 2001/2002, quando Ricardo Frade, desempenhando, então, as funções de docente do 1º Ciclo, contactou com a realidade das famílias de acolhimento através de uma aluna, à época, acolhida. «Achei piada à ideia de podermos providenciar uma família a uma criança quando aparecesse um modelo interessante», explica. «Não me identificava de todo com o modelo da Segu-rança Social», afirma Ricardo, apontando problemas estruturais no programa de acolhimento. Este é visto

FAMÍLIAS DE ACOLHIMENTO DE MENORES EM RISCO:

«Uma fusão tranquila entre duas realidades»

Por: Betânia Ribeiro

12 | Mensageiro

«A bolsa de famílias de acolhimento é muito impor-tante, para que, ao receber crianças, a Mundos de Vida tenha opções», esclarece Ricardo Frade, salientando que «o projeto está ao nível do melhor que se faz na Europa, a nível de boas práticas». «É a única insti-tuição em Portugal que trabalha desta forma e é, neste momento, uma referência em estudos interna-cionais pela forma como as suas famílias acolhem as crianças», realça.

Numa «fusão tranquila entre duas realidades» (da família biológica e da família de acolhimento), o processo de transição pode ser regular ou de urgência, consoante os casos. «Quando a criança já não está em risco e está numa instituição, não há necessidade de acelerar o processo. É tudo feito com muita calma para que haja um encaixe perfeito», analisa Ricardo Frade. A família Seabra Frade acolheu sempre crianças em processos de transição regulares, que envolveram contactos prévios com as crianças, e nunca recebeu uma criança de urgência, isto é, de um dia para o outro. No entanto, o acolhimento do Bruno foi uma decisão que teve de ser tomada em 48 horas.

Ricardo Frade faz um balanço positivo da partici-pação no programa de acolhimento familiar. «Nuns casos mais do que noutros, o impacto é positivo. Mas estamos numa fase de pausa, porque nos sentimos cansados e não faz sentido acolher uma criança quando não estamos totalmente disponíveis. Quanto mais não seja, aprendemos imenso», esclarece Ricardo Frade, sublinhando que, atualmente, o casal está interessado em ter filhos biológicos. «O projeto a dois também precisa de atenção».

A propósito da intenção do Papa Francisco para este mês, Sofia Seabra considera que a sua família coloca a criatividade ao serviço dos desafios do mundo atual, «no acolhimento familiar, no trabalho, nas confe-rências» que organiza. Porque o objetivo é «fazer os participantes crescer».

«A nossa missão, a nossa vida vai de encontro à intenção do Papa a cem por cento», realça Ricardo Frade. «Se perguntarem se falo de Deus no meu trabalho, a resposta é não. Mas, de cada vez que dou uma palestra, sei que as pessoas na audiência vão encontrar Deus mais facilmente, vão-se conhecer melhor, vão dar espaço dentro delas para que algo espiritual possa acontecer», conclui.

Bruno Cruz, filho de acolhimento de Ricardo e de Sofia, passou pela Mundos de Vida, onde lhe foi proposta uma família de acolhimento, com a qual já tinha contactado na instituição. Todo o processo foi «bastante engraçado e agradável».

Mais tarde, «alguns atritos» trouxeram compli-cações a nível escolar, situações percecionadas pela equipa técnica da Mundos de Vida. «Se não houvesse este acompanhamento próximo, não se tinha dete-tado uma situação que não estava a resultar», afirma Ricardo Frade. A situação, chegando ao limite, levou Bruno Cruz a tomar uma decisão: regressar à insti-tuição ou ingressar noutra família de acolhimento.

«Nessa altura, propuseram-me o Ricardo e a Sofia, que já tinham um menino acolhido, que eu conhecia da instituição. Foi isso que me fez vir para esta família. Dava-me muito bem com ele, tínhamos uma relação boa», relembra Bruno Cruz.

«O grande desafio em todo o processo de acolhi-mento é mesmo a integração e adaptação», conclui. «O Bruno é um exemplo de como o acolhimento funciona quando tudo resulta às mil maravilhas», afirma Ricardo Frade.

BRUNO CRUZ, UM CASO DE SUCESSO

Bruno Cruz, Sofia Seabra e Ricardo Frade.

maio 2018 | 13

Miguel Gonçalves Ferreira, s.j.

A SEMENTE: UMA PARÁBOLA DO REINO DE DEUS

O reino de Deus não corresponde a um lugar, uma ideia ou uma lei, mas antes à relação entre Deus e o Homem.

O reino de Deus – em grego «Basileia tou Theou» – é o tema central da pregação de Jesus e as parábolas são a forma preferida para o seu ensinamento. Este modo de

comunicar, com raízes profundas na cultura judaica, estabelece uma analogia entre os dinamismos da vida quotidiana – ou da natureza – e a ação de Deus.

O quarto capítulo do Evangelho de S. Marcos mostra-nos um dos temas prediletos das parábolas: a semente e a sementeira. É assim que à pergunta: «com que havemos de comparar o reino de Deus? Ou com qual parábola o representaremos?» (4, 30), o próprio Jesus não hesita em responder contando a história de um grão de mostarda (4, 31-32). Na verdade, «o reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra» (4, 26).

O reino de Deus não corresponde a um lugar, uma ideia ou uma lei, mas antes à relação entre Deus e o Homem. Deus relaciona-Se através da sua ação pode-rosa e transformadora que, acolhida, germina com força irresistível no coração humano. Para Jesus, a pequena semente oferece uma das melhores maneiras de descrever o dinamismo da ação de Deus em nós: um gérmen de vida que a partir de começos humildes cresce e se transforma, com resultados surpreen-dentes. De um pequeno grão sai uma árvore, com frutos saborosos que alimentam, sombra que acolhe, beleza que alegra os sentidos. A semente contém a futura árvore. Mas bem sabemos que as árvores não são todas iguais, pois cada uma, ao crescer, adquire a sua forma particular.

Para que a semente – o Reino – se desenvolva é neces-sário tempo. É preciso ter confiança e paciência diante dos processos de crescimento. A ação de Deus é oculta mas real. Sem o homem saber como, «quer esteja a

dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce» (4, 27)! O comprovativo desta ação é a desproporção entre a pequenez da semente e a abundância da colheita final. Assim será nos últimos tempos, quando o mundo estiver diante de Deus, como seara pronta a ser colhida e dar finalmente o seu fruto, a razão pela qual foi semeada (4, 28). As parábolas falam de um Reino, uma vida, que começa no tempo e se prolonga pela eternidade.

Se o Reino é relação, então são necessárias duas partes. É assim que a semente do Reino, lançada através do anúncio da Palavra de Deus, necessita de um terreno que a acolha, um coração que a cultive.

Ontem como hoje, a Palavra desperta respostas de acolhimento ou rejeição e encontra vários obstá-culos: satanás, as perseguições, as preocupações mundanas (4, 15-20). A atitude do verdadeiro discí-pulo é então escutar, acolher e dar fruto, deixando que a vida seja transformada e ganhe novas formas inspiradas pela Palavra.

Se é verdade que as parábolas desafiam os nossos esquemas de compreensão, também parece que a última coisa que alguns querem é ouvir, arrepender--se e que os seus pecados sejam perdoados (4, 12)…

Jesus não quer que a sua mensagem fique miste-riosa e oculta para sempre. Chegará o dia em que os ensinamentos sobre o Reino serão manifestos e revelados a toda a criação. Mas com os discípulos, o Senhor manifesta desde o início um cuidado peda-gógico, explicando-lhes tudo em particular (4, 34). O mesmo pode acontecer connosco na oração, pois a vontade de Jesus é dar-nos a conhecer o mistério do reino de Deus (4, 11): a sua vida em nós!

14 | Mensageiro

TIRAR A BÍBLIA DA ESTANTE PARA LER S. MARCOS

P. Daniel Nascimento (Diocese de Setúbal)

Ilustrações: Francisca Cardoso Girão

A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

NOS ATOS DOS APÓSTOLOS: UM BREVE GUIA DE LEITURA

MENSAGEIRO | DOSSIER 38

Resurrection of Christ, Jerg Ratgeb · 1519

«Mas como é que se atreve?» Foi com uma pergunta deste género que um certo padre, professor universi-tário, foi interpelado por um colega sacerdote, ao qual explicava o tema da tese de doutoramento que estava a preparar. «Como é que o senhor se atreve a elaborar uma tese sobre um tema acerca do qual eu nem uma homilia sou capaz de fazer?» A surpresa e a estranheza deste atónito clérigo relacionavam-se com… o Espírito Santo! Era sobre este que seria elaborada a tese. Este episódio pode parecer-nos estranho, mas, de certa forma, é absolutamente compreensível. De facto, mesmo estando muito presente no nosso vocabulário religioso, é muito comum – até para padres e teólogos – sentir dificuldade em expressarmo-nos sobre este tema. Se começamos sempre os nossos momentos de oração ou de reunião invocando Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo, traçando sobre nós o sinal da cruz, é também verdade que é muito mais fácil “explicarmos” a realidade de um Deus que é Pai, transcendente, que está na origem de tudo; de um Deus que Se torna presente na pessoa de Jesus, homem bem real, visível e palpável aos homens do seu tempo, que morre na cruz para nos salvar… Mas, para o Espírito, como que nos faltam as palavras; temos de recorrer a imagens, comparações, metáforas… Mas será que podemos ir mais além?

O objetivo deste dossier não é certamente “explicar” o Espírito Santo. É simplesmente sugerir um itine-rário que tem muito a ver com o ritmo que a Igreja nos propõe para viver o tempo de Páscoa. Não apenas aquela semana que apelidamos de “santa”, mas todo

o tempo pascal, os 50 dias que separam o Domingo de Páscoa do Domingo de Pentecostes. Desde a formação do cânone bíblico e até aos dias de hoje, a Igreja sempre percebeu que não bastam os relatos da ressurreição de Jesus para falar da Páscoa; o mistério pascal precisa de um “eco” que nos permita a nós, leitores de um tempo futuro, entrar na dinâmica da ressurreição do Senhor. Daí também a importância das cartas de Paulo, do Apocalipse… e sobretudo de um livro que um autor medieval chegou a apelidar de Acta Spiritus Sancti, o que nos autoriza a designá-lo como o «Livro do Espírito Santo». De tal forma assim é que o lemos praticamente “de uma ponta à outra” na liturgia do tempo pascal. Trata-se, claro está, dos Atos dos Apóstolos.

Um leitor competente cedo perceberá que este livro, absolutamente único dentro do Novo Testamento, terá sido escrito pelo mesmo autor do Evangelho segundo São Lucas. De facto, ambos começam por um pequeno prólogo dirigido a um tal de Teófilo (Lc 1, 1-4 e At 1, 1-3), acerca do qual nunca cessou a discussão sobre a sua identidade: um homem real, porventura o “patrocinador” de Lucas, ou, a partir do grego Theofilos = Theos (Deus) + filos (amigo), ou seja, um amigo de Deus que poderá ser… o próprio leitor!? Talvez as hipóteses não se excluam mutuamente, já que, de certa forma, o livro é-nos mesmo endereçado. Propomos então um pequeno itinerário de leitura dos Atos, a partir do dom do Espírito Santo, vendo o(s) Pentecostes como uma “chave de leitura” para toda a obra e, de algum modo, para a nossa vivência pascal.

16 | Mensageiro

Anunciada pelo Ressuscitado no final do Evangelho (Lc 24, 49) e confirmada no início dos Atos, a vinda do Espírito dá-se no Pentecostes. Nesta perspetiva, o Pentecostes é o evento fundador da Igreja. É a partir daí que os discípulos se tornam apóstolos, isto é, teste-munhas ativas do Ressuscitado no mundo, de acordo com a promessa de Jesus: «ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas teste-munhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo» (At 1, 8). Para o leitor do Evangelho, isto constitui uma novidade.

Ainda que nas narrativas da infância (os dois primeiros capítulos do Evangelho de Lucas) se fale da presença do Espírito Santo em João Batista (Lc 1, 15), na sua mãe, Isabel (Lc 1, 41) e no seu pai, Zacarias (Lc 1, 67), desde o seu nascimento é Jesus o único “portador” do Espírito Santo! A intervenção do Espírito, que explica o estatuto único do filho de Maria (Lc 1, 35: «o Espírito Santo virá sobre ti…»), está presente em Jesus, quer pelo seu poder terapêutico (os seus milagres), quer pelo poder da sua palavra (os seus ensinamentos). No discurso inaugural do seu ministério, na sinagoga de Nazaré, aplica a Si mesmo a profecia de Is 61, 1-2: «o Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (Lc 4, 18-19).

Desta forma, só no Pentecostes é que o Espírito chega aos discípulos, como o confirma o discurso de Pedro, proferido nessa ocasião: «[Jesus], tendo sido elevado pelo poder de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou-O como vedes e ouvis» (At 2, 33). A formulação é, no entanto, curiosa: Jesus não tinha já recebido o Espírito? Certamente, como vimos, mas trata-se agora do Espírito destinado aos crentes. Lucas “casa” assim duas importantes tradições judaicas, sem as confundir. Uma delas conferia ao Messias o Espírito (Is 11, 2; 42, 1; 61, 1), enquanto a outra atribuía o Espírito ao povo de Israel regene-rado (Nm 11, 29; Ez 39, 29; Jl 3, 1). Desta forma, Lucas articula três afirmações: o Espírito é enviado depois

da Ressurreição; é emanado pelo Pai; é transmitido pelo Filho. É já uma espécie de esboço de um credo trinitário, que afirma um ponto central da fé cristã: Jesus é o portador do Espírito antes da Páscoa e, como Ressuscitado, é o mediador do Espírito para os discípulos.

Mas o que é concretamente o Pentecostes? O nome evoca os 50 dias (é esse o seu significado em grego) que distanciam este dia da Páscoa. Celebrava-se nessa altura uma festa judaica chamada Festa das Semanas, na qual se recordava o dom da Lei ao povo, no monte Sinai, por intermédio de Moisés. Numa narração que “ecoa” esses acontecimentos do Antigo Testamento, já que alguns elementos do relato – o fogo e o vento – são comuns às manifestações de Deus a Moisés (p. ex., Ex 19, 16-19), Lucas conta-nos como, estando os discípulos reunidos, «todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se expri-missem» (At 2, 4). Apesar das diferentes proveniências, todos os que os ouviam conseguiam entendê-los, perce-bendo-os na sua própria língua materna, a «anunciar as maravilhas de Deus» (At 2, 11).

Torna-se assim evidente que o Espírito é poder e possibilita aos discípulos ser testemunhas de Jesus, isto é, “ser Igreja”, desde Jerusalém até aos confins da terra. A geografia de Lucas liga-se com esta ideia: o Evangelho é, de algum modo, um caminho para Jerusalém (Lc 9, 51), um percurso até à Páscoa; os Atos são, por seu lado, a partir do Pentecostes, um caminho de Jerusalém até aos confins da terra (de facto, terminam com Paulo preso em Roma, cidade que, para este efeito, simboliza os limites do mundo conhecido). Outra pista que Lucas nos dá neste sentido é a lista de proveniências da multidão que escuta os apóstolos (At 2, 9-11): de Roma à Mesopo-tâmia, da Líbia ao Ponto, os lugares referidos formam uma espécie de círculo cujo centro é precisamente… Jerusalém! Repetimos esta ideia, importante também para os discípulos que somos hoje: Jerusalém como centro para o qual é preciso caminhar ao encontro de Jesus, e Jerusalém como centro ao qual se vai buscar forças para evangelizar, na força do Espírito.

1. O PENTECOSTESTEXTOS (SEPARADOS POR EPISÓDIOS OU PERÍCOPES): At 2, 1-13; 2, 14-36

maio 2018 | 17

Resurrection of Christ, Michelangelo

Como é que a ação do Espírito se manifesta, na realidade? Como é que Ele “trabalha” no coração dos fiéis? Em concreto, que consequências tem hoje na nossa vida? Um primeiro aspeto salta imediatamente à vista no relato de Pentecostes: Ele faz os apóstolos falar; permite-lhes comunicar de forma compreensível acerca de Deus e das suas maravilhas (2, 11). Torna-os agentes de comunicação. E assim é também para nós, hoje. O tempo pascal é sobretudo tempo de comunicação humana, já que o Espírito é o poder do testemunho que é dado ao crente. Colocando a questão ao contrário: se não somos capazes de comunicar, de estabelecer pontes com os outros, de criar oportunidades de diálogo, então é porque ainda não vivemos de acordo com esse Espírito de Páscoa. Vivendo num mundo com amplas oportunidades de discussão e debate, mas onde se ouvem tantas “meias-palavras”, “meias-verdades” e insinuações, será oportuno refletir sobre a clareza com que comunicamos.

Por outro lado, Lucas não nos diz claramente que o Espírito origina a fé. Talvez respeite demasiado a vontade de cada pessoa para dar a impressão que Deus poderia alienar o indivíduo, “forçando-lhe” a fé. Nas narrativas dos Atos, o Espírito geralmente vem depois da fé, para dar ao indivíduo o poder de testemunhar. A sequência mais comum é: conversão / batismo para a remissão dos pecados / dom do Espí-rito Santo. Este vem em último lugar como graça concedida ao fiel depois da sua integração na comunidade pelo batismo. E podemos explicitar essa graça como o poder de falar clara-mente. Quando os Atos se referem ao

«falar em línguas» (At 2, 4; 10, 46; 19, 6) não se referem a um qualquer balbu-ciar incompreensível; pelo contrário, esse é sempre um falar compreensível e profético. Aqui Lucas caminha, bibli-camente falando, em terreno seguro, ao identificar o respirar divino (ruah) com o espírito de profecia. São pessoas cheias do Espírito Santo como Pedro (4, 8), Estêvão (6, 5; 7, 55), Agabo (11, 28), Paulo (13, 9), a comunidade jerosolimi-tana (4, 31; 15, 28) e Apolo (18, 25), que contribuem para que a Palavra de Deus se espalhe.

Sublinhamos o exemplo de Estêvão. Sendo já “filho” de uma primeira expansão da comunidade crente, que institui como ministros homens de língua grega (At 6, 1-5), Estêvão, «cheio de graça e força» (At 6, 8), é dotado de uma palavra assombrosa, que rapidamente leva a que se torne o primeiro mártir cristão – note-se, aliás, o interessante paralelo com que Lucas nos brinda na descrição da morte de Estêvão (At 7, 59), praticamente com as mesmas palavras proferidas por Jesus na sua morte (Lc 23, 46). Mártir sobretudo no que esta palavra tem de sentido originário: testemunha. O testemunho de Estêvão é forte, claro e compreensível… e por isso insu-portável para os inimigos da Igreja nascente. Na sua peugada, a palavra profética que hoje, como Igreja, somos chamados a proferir, não é, segundo esta conceção, algo de “misterioso”, no sentido de ser de difícil compreensão. Não é uma palavra “exótica” ou “espiri-tualista”. Pelo contrário, é palavra clara de conversão, de verdade, de justiça, de retidão, de partilha… em suma, de acolhimento do Espírito Santo.

2. AS CONSEQUÊNCIAS DO PENTECOSTESTEXTOS: At 2, 37-41; 6, 8 – 7, 60

18 | Mensageiro

3. A COMUNIDADE “PENTECOSTAL”TEXTOS: At 2, 42-47; 4, 32-35; 4, 36 – 5, 11

Nos resumos da vida da comunidade cristã, como At 2, 42-47, Lucas apresenta o programa ético da Igreja nascente, na qual a comunhão (koinonia) é espiritual e material: «eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações… Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum». Apesar de, à primeira vista, não haver uma relação direta com o Espírito, certos autores notaram que este excerto está colocado como uma espécie de conclusão do Pentecostes, entendido como uma grande sequência, na qual se incluiria a narração do evento propriamente dito, o discurso de Pedro que o explica, a reação do povo que o escuta, passando sem qualquer quebra (ou seja, sem mudança visível de espaço e tempo) para este sumário. Desta forma, a vinda do Espírito atinge o seu clímax na unificação da comunidade crente. A irrupção do sopro de Deus, que cria a Igreja, encontra a sua realização ética na unidade dos crentes.

Isto é ainda mais visível quando chegamos ao segundo sumário (4, 32-35), que explicita o conceito de comunhão para incluir a prática da partilha e divisão de propriedade, dando como exemplo positivo a atitude de Barnabé. Este vende uma terra que possuía e dá o lucro aos apóstolos (4, 36-37), para o serviço da comunidade, contrastando com o terrível exemplo de Ananias e Safira (5, 1-11), que vendem uma propriedade também para benefício da comu-nidade, mas retêm para si uma parte da soma, sendo em seguida desmascarados por Pedro e morrendo subitamente. O seu crime, prontamente castigado por ação divina, não é tanto o de serem corruptos financeiramente, mas o de ofenderem o princípio da partilha de bens na comunidade (4, 32). Ao resistirem à ação do Espírito estão a esconder, não uma parte da sua riqueza, mas uma parte de si mesmos. Podemos então falar do Espírito como partici-pante na criação de uma nova identidade social do cristão.

Sem qualquer espécie de dúvida, esta “consequência comuni-tária pentecostal” é profundamente interpelativa para as nossas paróquias, grupos e movimentos. A união fraterna de um qualquer coletivo que se diz cristão é um desafio que demasiadas vezes não superamos, nas habituais quezílias e disputas, demasiados respeitos humanos ou simples desinteresse pelo outro. Mas constitui, de acordo com Lucas, um sinal fundamental da presença do Espírito.

maio 2018 | 19

4. OUTROS “PENTECOSTES”TEXTOS: At 10, 1-48; 19, 1-7

Mas o Pentecostes não é o único “Pentecostes” dos Atos. De forma surpreendente, eventos similares acon-tecem na visita de Pedro à casa de Cornélio (At 10-11) e no episódio dos “joanitas” de Éfeso, batizados por Paulo (At 19, 1-7).

Depois do Pentecostes, tornando-se clara a missão de partir de Jerusalém para outras terras, lemos que a Samaria é evangelizada por Filipe e os sama-ritanos (mal-vistos pela generalidade dos judeus, como sabemos) recebem o Espírito Santo pelas mãos de Pedro e João (8, 17). Mas a abertura decisiva aos gentios (isto é, não-judeus) ocorre no encontro de Pedro e Cornélio. Trata-se de um evento narrado de forma soberba por Lucas (10, 1-48), que deveria ser chamado a conversão de Pedro, e não a de Cornélio, pois aparentemente não há mudança na vida deste centurião romano, mas sim nas convicções teológicas de Pedro (10, 28). Depois de dois “assaltos” da parte de Deus, através de uma experiência extática e de uma mensagem do Espírito (10, 9-20), Pedro enfrenta o inacreditável: o Espírito Santo desce sobre a família de Cornélio, incorporando pela primeira vez gentios na comunidade e destruindo, com isso, uma barreira de séculos que separava os gentios do povo de Israel. Agora percebe-se que a fé em Cristo não procede da Torah. Ou seja, para ser discípulo de Jesus não é necessária uma prévia conversão ao judaísmo, a qual implicaria um seguimento estrito de uma série de

preceitos rituais e alimentares (por exemplo, a circun-cisão e exclusão de alimentos considerados impuros). Pedro conta o sucedido, num belo exercício de leitura teológica da realidade: «Ora, quando principiei a falar, o Espírito Santo desceu sobre eles, como sobre nós, ao prin-cípio. Recordei-me, então, da palavra do Senhor, quando Ele dizia: “João batizou em água; vós, porém, sereis batizados no Espírito Santo”. Se Deus, portanto, lhes concedeu o mesmo dom que a nós, por terem acreditado no Senhor Jesus Cristo, quem era eu para me opor a Deus?» (At 11, 15-17). A argu-mentação de Pedro é clara: batizar equivale a apoiar a decisão de Deus, pois foi Ele que conduziu o evento e sentou gentios e judeus à mesma mesa. O Espírito Santo aparece assim como o meio pelo qual Deus age e conduz a História.

A seguir a mais este Pentecostes, o Espírito continua a conduzir a Igreja: a escolha de Paulo e Barnabé é feita pelo Espírito (13, 2), como também a saída de Paulo e Silas da Ásia é motivada pelo Espí-rito, que bloqueia todos os outros caminhos, forçan-do-os a ir para a Europa (16, 6-10).

Chegado Paulo a Éfeso, ocorre mais um “estranho” episódio (19, 1-7). Ao encontrar alguns discípulos, o apóstolo pergunta-lhes se haviam recebido o Espírito

20 | Mensageiro

Christ in Limbo (ca. 1450), Fra Angelico

Santo, ao que estes respondem, surpreendentemente: «“Mas nós nem sequer ouvimos dizer que existe o Espírito Santo”. “Então, que batismo recebestes?” Responderam eles: “O batismo de João”. “João – disse Paulo – ministrou apenas um batismo de penitência e dizia ao povo que acreditasse naquele que ia chegar depois dele, isto é, Jesus”. Quando isto ouviram, batizaram-se em nome do Senhor Jesus» (19, 2-5).

Batizados por Paulo, que lhes impõe as mãos, desce sobre eles o Espírito, começam a «falar línguas e a profetizar» (19, 6). Apesar da interpretação tradi-cional deste passo ver nestes homens discípulos de João Batista que Paulo converte a Jesus, os especia-listas consideram hoje que estes já seriam discípulos de Jesus. De facto, uma visão de um Cristianismo originalmente unificado, que vai sendo diversificado pelas divisões e cismas ao longo da história, é hoje considerada pura fantasia. Este episódio mostra--nos isso mesmo. Mas sublinha também algo bem típico dos Atos: que o dom do Espírito não é algo “automático”; neste caso, pressupõe o batismo no nome de Jesus. De acordo com a tradição hebraica, o nome de Deus é representativo da sua própria pessoa; invocá-lo significa entrar na esfera de pertença ao Senhor e ser associado à sua vida (daí a súplica orante «santificado seja o vosso nome»). Ser batizado no nome de Jesus é, portanto, passar a ser de Jesus. Neste sentido, não há contradição com a habitual fórmula batismal que conhecemos, que explicita o Pai, o Filho e o Espírito Santo, mas que se refere a esta mesma realidade: quem é batizado passa a ser cristão! Depois deste encontro em Éfeso, Paulo, «obedecendo ao Espírito» (20, 22), parte para Jerusalém, de onde começará a sua longa viagem para Roma e para o martírio.

Consideremos, então, estes dois novos “Pente-costes”: um centrado em Pedro, outro em Paulo; um narrando a descida do Espírito sobre pagãos, outro

sobre “discípulos” (termo que, nos Atos, se refere sempre a discípulos de Jesus). Ambos os episódios nos mostram que, para conhecer verdadeiramente a Cristo na força do Espírito Santo, é necessário o testemunho apostólico. Por outras palavras, é necessária a Igreja, não apenas enquanto comunidade de irmãos discípulos que se reúnem para uma vida partilhada, mas também enquanto comunidade fundamentada pelos apóstolos e pelo seu testemunho autorizado. A família de Cornélio e os habitantes de Éfeso que tinham recebido apenas o batismo de penitência de João são, pelo Espírito, introduzidos na comunhão eclesial através da ação dos apóstolos. É por isso que, nem nos tempos de Lucas nem nos nossos, faz sentido ser Igreja “autossuficiente”, desligada do testemunho apostólico, o que se traduz imediata-mente na nossa pertença efetiva a um grupo, movi-mento, paróquia ou diocese.

Em todos estes episódios é o Espírito que faz a comunidade crente avançar, de modo a que o plano de Deus possa ser cumprido. Como alguém dizia, o Espírito Santo é um “personagem” no livro dos Atos. De facto, dos três “teólogos” do Espírito Santo no Novo Testamento – Lucas, Paulo e João – só Lucas narra a ação do Espírito Santo. Não explica, não argumenta, simplesmente mostra a ação do Espírito, o qual conduz a comunidade crente para além das fronteiras de Israel, para além das fronteiras da Lei, para além das fronteiras da Ásia, para chegar a Roma, o centro do mundo ao tempo.

Lucas não vê o Espírito como uma fonte de fé, mas sim como uma realidade que toma conta da vida dos crentes, na resposta às suas orações, de forma a integrá-los no testemunho do Cristo ressuscitado. Assim, o leitor é convidado não tanto a refletir sobre o Espírito, mas sobretudo a viver d’Ele e a discernir o seu caminho pela história, já que a missão é ser testemunha até aos confins do mundo (At 1, 8). Como leitores, estamos envolvidos neste movimento e comprometidos a participar nesta missão até aos confins da terra, ou, pelo menos, até aos confins da nossa própria vida.

maio 2018 | 21

Terminamos com um breve excursus histórico. Um dos maiores teólogos do século IV, São Gregório de Nissa, descrevendo o que sucedia nas ruas de Constan-tinopla antes do Concílio Ecuménico realizado nessa cidade, no ano 381, conta, de uma forma estranhamente algo cómica, que toda a cidade estava arrebatada por questões teológicas, de tal forma que até os cambistas e vendedores nas ruas discutiam acerca do Filho, se era consubstancial ou não ao Pai, se era gerado ou criado, se o Espírito era divino… entre outros assuntos que dificilmente hoje associamos a discussões “de rua”. Alguns anos antes deste Concílio, em 374, outro grande teólogo, São Basílio Magno, havia introduzido na liturgia, em lugar da doxologia tradicional «Glória ao Pai por meio do Filho no Espírito Santo», uma outra formulação: «Glória ao Pai com o Filho e com o Espírito Santo». Já Santo Atanásio de Alexandria afirmara que poderíamos ser divinizados, isto é, parti-cipar da natureza de Deus mediante o Espírito Santo, apenas se considerarmos que o Espírito Santo é realmente Deus. Assim, para os Padres da Igreja não se tratava de um problema fundamentalmente especulativo (se o Espírito é ou não divino, ao mesmo nível do Pai e do Filho) mas sim de uma questão fundamental para a salvação. Só interessa o que o Espírito Santo é em Si mesmo, se isso for útil para a salvação do homem.

As declarações dogmáticas do referido Concílio, estabelecendo o chamado Credo Niceno-Constantinopolitano que hoje rezamos nas missas dominicais, são extremamente sóbrias nas declarações sobre o Espírito Santo. Tudo isto se conjuga, de alguma forma, com a leitura que fizemos dos textos dos Atos dos Apóstolos: as discussões de pormenores são limitadas, as tentativas de definição ficam sempre aquém da realidade, pois do Espírito apenas se pode narrar a sua ação na vida dos crentes. Será esse o maior desafio neste tempo pascal: não dizer muito sobre o Espírito, mas sobretudo vivê-Lo, tirando na vida as consequências da sua presença.

22 | Mensageiro

Quando me despedi...Isabel Figueiredo

Pressenti a verdade que queria ouvir. Apesar de tudo, o bom e o belo continuam a nascer e a crescer.

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Quando me despedi, sentia aquele nó que por vezes, nos deixa uma má disposição indefinida. O almoço tinha sido agra-dável, entre empregados discretos e o

rumor de outras conversas, que não chegam a inco-modar. A companhia era boa e amiga. Uma amizade com muitos anos, assente na certeza de valores que, quando encontrados, são preciosos: a verdade, a competência, a lealdade.

Ao longo da tarde, aquele nó não se desfez, antes pelo contrário, cresceu, ocupou espaço e foi grande a tentação de esquecer tudo o que tinha ouvido. Porque quando somos confrontados com realidades contadas por terceiros, que nada nos dizem, é fácil desvalo-rizar narrações que nos lembram histórias antigas. Mas, quando confiamos, admiramos e reconhecemos a verdade em quem nos fala, a descrição realista de determinados comportamentos quase nos tira o ar. Naquela tarde senti uma mistura de impotência perante a determinação de quem quer vencer a todo o custo, de receio perante a decisão de quem quer subir, mesmo que para tal seja preciso pisar. O mundo está cheio de lobos vestidos de cordeiros, está cheio de gente ambiciosa e vingativa. É verdade e a condição de crentes não significa imunidade perante o mal. Ensinamos filhos e amigos a estarem alerta, a dete-tarem sinais, a evitarem este caminho e aquela opção. Mas nada nos prepara para o confronto direto com a evidência da maldade, seja ela suave ou devastadora.

Sentada à frente do sacrário, fui-Lhe contando a conversa do dito almoço, à espera de ouvir alguma resposta consoladora. A capela continuava tão silen-

ciosa como estava no momento em que entrei… desviei o olhar para uma pequena janela, uma janela aberta para o céu. O galho florido de uma árvore de fruto chamou-me a atenção. Olhei de novo e fixei a beleza frágil dos primeiros rebentos de primavera. Um pequeno galho, de uma pequena árvore, plantada num espaço que só se vê através daquela pequena janela. Flores lindas. Que darão fruto, cheio de cor e de sabor. E que acabará caído no chão, porque ali ninguém chega, ninguém vê, ninguém passa.

Pressenti a verdade que queria ouvir. Apesar de tudo, o bom e o belo continuam a nascer e a crescer. Mesmo que ninguém o veja, que ninguém o colha. E naqueles segundos em que me senti surpreendida pela beleza da pequena flor breve e frágil, tudo o resto perdeu a importância que lhe dei, até o nó que tinha crescido e preenchido a minha memória, o meu entendimento. Esta consciência de um equilíbrio permanente entre o bom e o mau, o belo e o feio, a verdade e a mentira, este equilíbrio diário, vivido na intimidade ou na partilha, recorda-me como somos limitados, capazes de tanto e de tão pouco. Mas sabemo-nos criados para o Amor, destinados à eternidade, feitos para mais. E se uma simples flor agarrada a um galho de árvore foi capaz de me colocar perante a imensa presença de Deus, sei que é possível ultrapassar nós, encarar verdades, acreditar que o bem vence, que a vida se redime, que não estamos sozinhos, numa luta desigual. E pedi baixinho a Jesus, presente naquele sacrário, que eu nunca deixasse de procurar os galhos floridos de todas as primaveras.

maio 2018 | 23

OPINIÃO

1. Apresentação O mês de maio é, desde há séculos, vivido pelo povo

cristão como o «Mês de Maria». É uma espécie de celebração aniversarial, durante todo um mês, da Mãe de Deus, que é também nossa Mãe. No dia 6, primeiro domingo de maio, celebramos o Dia da Mãe. Com a Mãe do Céu, celebremos as Mães da terra.

Este ano, pela primeira vez, na segunda-feira a seguir à solenidade do Pentecostes, por vontade do Papa Francisco, começamos a celebrar Nossa Senhora, «Maria, Mãe da Igreja», ou seja, Mãe de todos os cristãos. Este ano será a 21 de maio. Feste-jemos todos, jubilosamente, a nossa Mãe comum.

«Maria é o sacramento da ternura maternal de Deus», assim nos apresenta Nossa Senhora Paul Claudel, dramaturgo, poeta e diplomata francês. É uma faceta fundamental de Deus que Maria nos revela. Cabe-nos ser bons alunos da escola de Maria, neste curso intensivo do mês de maio, a fim de sermos melhores cristãos, seguidores do filho de Maria, com qualidade humano-divina.

Para a meditação, pessoal ou em grupo, em estilo de «lectio divina», apresentarei o Evangelho do VI Domingo da Páscoa, que é o primeiro domingo de maio.

Quanto for possível, dar ocasião à partilha das ressonâncias da Palavra de Deus nos membros do grupo. Não se trata de fazer breves discursos sobre um texto bíblico, lido ou proclamado, mas de partilhar o impacto da Palavra de Deus na própria vida. Não se trata de comunicar teorias, mas vivên-cias. Tal poderá acontecer no seguimento do n. 5.

No último ponto, recordarei a intenção do Papa Francisco para o mês de maio, para a nossa oração e vida. Como Rede Mundial de Oração do Papa (Apos-tolado da Oração ou qualquer outro grupo ou movi-mento), procuramos unir-nos ao Pastor da Igreja universal, na sua solicitude por uma Igreja mais santa e por um mundo melhor.

2. Oração inicial

Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, ensina-nos a acolher a Palava de Deus no nosso coração, como Tu sempre fizeste, nos momentos de júbilo e nas horas dolorosas. Que o nosso ler e escutar a Palavra seja o primeiro passo para a pôr em prática, glorificando a Deus e progredindo na caridade fraterna. Ámen.

3. Ler/proclamar a Palavra que Deus me/nos dirige hoje (João 15, 9-17)

«Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, também permaneço no seu amor. Mani-festei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa. É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros».

PALAVRA DE DEUS PARA A VIDAManuel Morujão, s.j.

LECTIO DIVINA

24 | Mensageiro

4. Meditar a Palavra, facilitando que Deus visite a minha/nossa vida

Esta é uma passagem do discurso de Jesus na última ceia, em que instituiu a Eucaristia. Na véspera da sua morte, poucas horas antes de Judas O atraiçoar, entregando-O às autoridades que O prenderam como um criminoso. Num contexto dramático, estas pala-vras são o seu testamento.

Toda a doutrina de Jesus fica sintetizada no seu mandamento do amor. Mas este amor tem um selo de qualidade: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei». Importa amar no estilo de Jesus: generosa e gratuitamente; sem meias medidas e dispostos a dar a vida. Assim amou Jesus, assim temos de amar os que somos cristãos, seguidores de Jesus. Nesta linha nos exorta o nosso Papa Fran-cisco: «O Cristianismo não é tanto uma soma de preceitos e normas morais, mas é acima de tudo uma proposta de amor que Deus, através de Jesus, fez e continua a fazer à humanidade».

Mas este mandamento do amor não deve ser consi-derado uma carga pesada, uma obrigação que nos escraviza. Deve antes ser fonte de alegria, caminho de realização em plenitude. Por isso Jesus nos adverte: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa».

5. Discernir para agir segundo a Palavra de Deus

O mandamento do «amor» não pode ficar encaixi-lhado num substantivo, tão belo quanto genérico e abstrato. O «amor» tem de conjugar-se nos diversos tempos e modos do verbo «amar», tem de passar à ação. Quem, entre os meus próximos, está a precisar mais de uma palavra ou gesto de amizade, de alguma ajuda ou serviço? Concedo-lhes o alto estatuto de serem presença autêntica de Cristo, ou fico em consi-derações medíocres, vendo neles apenas um desafor-tunado, um pobre desamparado?

Que relação cultivo com o próprio Jesus Cristo? Aproveito o estatuto real que Ele me concede, de amigo e irmão, ou relaciono-me com Cristo como sendo chefe ou patrão de empresa, na qual sou um empregado ou funcionário?

6. Intenção do Papa Francisco para o mês de maio de 2018

Unamo-nos à intenção do Romano Pontífice, sucessor de S. Pedro no serviço à Igreja universal: «Para que os fiéis leigos realizem a sua missão espe-cífica, colocando a sua criatividade ao serviço dos desafios do mundo atual».

A Igreja é o povo de Deus. Não é monopólio da hierarquia, pois os cristãos leigos são plenamente parte da Igreja, com igual dignidade, na diversidade de funções. Sem os leigos, a Igreja deixaria de o ser. A intenção do Papa Francisco vai na linha da revalori-zação da sua missão no mundo de hoje, em que as difi-culdades devem ser encaradas como positivos desafios.

Pode encontrar esta secção, escrita pelo padre Dário Pedroso, s.j., no site da Rede Mundial de Oração do Papa – Portugal. É uma proposta de oração para uma Hora Santa, tendo presente a Intenção mensal do Santo Padre.

www.redemundialdeoracaodopapa.pt

Oração comunitária

Apresentação do Ponto SJ decorreu no Café-Teatro da Comuna, em Lisboa

COMO PODE PARTICIPARNA REDE MUNDIALDE ORAÇÃO DO PAPA?

JUNTOS A TRANSFORMAR O MUNDOWWW.REDEMUNDIALDEORACAODOPAPA.PT

1 Os Centros do Apostolado da Oração, nos seus modelos tradicionais e com a sua estrutura de movimento laical

ligado às paróquias.

2 As novas equipas da RMOP, formadas por leigos que procuram, nas próprias

comunidades, fomentar a vida de oração, o compromisso e a colaboração de acordo com os temas das intenções mensais.

3 Participação individual, através dos projetos digitais: sites da RMOP Portugal, Click To Pray, O Vídeo

do Papa e Passo-a-Rezar e respetivas plataformas digitais (newsletters, apps, redes sociais). Ou através das publicações periódicas: revista “Mensageiro” e folhetos “Oração e Vida”.

COMO PODE PARTICIPARNA REDE MUNDIALDE ORAÇÃO DO PAPA?

NOTÍCIAS

Padre José Frazão Correia, sj, Provincial dos Jesuítas em Portugal

INTENÇÕES DE ORAÇÃO DO PAPA PARA 2019

JANEIROPela evangelização: Os jovens na escola de MariaPelos jovens, especialmente os da América Latina, para que, seguindo o exemplo de Maria, respondam ao chamamento do Senhor para comunicar ao mundo a alegria do Evangelho.

FEVEREIROUniversal: Tráfico de pessoasPelo acolhimento generoso das vítimas do tráfico de pessoas, da prostituição forçada e da violência.

MARÇOPela evangelização: Reconhecimento dos direitos das comu-nidades cristãsPelas comunidades cristãs, em particular as que são perseguidas, para que sintam a proximidade de Cristo e para que os seus direitos sejam reconhecidos.

ABRILUniversal: Médicos e seus colaboradores em zonas de guerraPelos médicos e pelo pessoal humanitário presentes em zonas de guerra, que arriscam a própria vida para salvar a dos outros.

MAIOPela evangelização: A Igreja em África, fermento de unidadePara que, através do empenho dos próprios membros, a Igreja em África seja fermento de unidade entre os povos, sinal de esperança para este continente.

JUNHOPela evangelização: Estilo de vida dos sacerdotesPelos sacerdotes, para que, com a sobriedade e humil-dade da sua vida, se empenhem numa solidariedade ativa para com os mais pobres.

JULHOUniversal: Integridade da justiçaPara que todos aqueles que administram a justiça ope-rem com integridade e para que a injustiça que atra-vessa o mundo não tenha a última palavra.

AGOSTOPela evangelização: Famílias, laboratório de humanizaçãoPara que as famílias, graças a uma vida de oração e de amor, se tornem cada vez mais «laboratórios de humanização».

SETEMBROUniversal: A proteção dos oceanosPara que os políticos, os cientistas e os economistas tra-balhem juntos pela proteção dos mares e dos oceanos.

OUTUBROPela evangelização: Primavera missionária na IgrejaPara que o sopro do Espírito Santo suscite uma nova primavera missionária na Igreja.

NOVEMBROUniversal: Diálogo e reconciliação no Próximo OrientePara que, no Próximo Oriente, no qual diversas tradi-ções religiosas partilham o mesmo espaço de vida, nasça um espírito de diálogo, de encontro e de reconciliação.

DEZEMBROUniversal: O futuro dos mais jovensPara que cada país tome as medidas necessárias para fazer do futuro dos mais jovens uma prioridade, so-bretudo daqueles que estão a sofrer.

A Rede Mundial de Oração do Papa anunciou quais são as intenções do Santo Padre para o ano de 2019. Como nos dois anos anteriores, é indicada uma intenção de oração para cada mês.

maio 2018 | 27

RETIRO EM SILÊNCIO REUNIU 40 PESSOAS EM FÁTIMA

A Domus Carmeli, em Fátima, re-cebeu, de 15 a 18 de março, o Re-tiro em Silêncio do Apostolado da Oração (AO). Quarenta pessoas, entre membros do AO e interessa-dos em viver a espiritualidade do AO, participaram na quinta edição do evento.

Orientado por António Valério, sj, diretor da Rede Mundial de Oração

do Papa (RMOP) em Portugal, o re-tiro teve como tema “O Caminho do Coração”, a base espiritual da recria-ção do Apostolado da Oração – Rede Mundial de Oração do Papa em Por-tugal, e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola.

De acordo com o responsável, no final do retiro, os participan-tes mostraram-se «muito conten-

tes», sublinhando a forma positiva como estes eventos influenciam o trabalho desenvolvido nos Cen-tros do AO. «Estas ocasiões são essenciais não apenas para a re-novação espiritual pessoal, mas também para dar a conhecer mais profundamente a proposta espiri-tual da RMOP», esclarece António Valério, sj.

28 | Mensageiro

RETIRO EM SILÊNCIO REUNIU 40 PESSOAS EM FÁTIMA

Conferências com Diego Fares em Lisboa e BragaDISCERNIMENTO É URGENTE E NECESSÁRIO

Na realidade atual, inundada de ideias (boas e más), é urgente e necessário que as pessoas façam um pro-cesso de discernimento, tendo um «olhar seletivo» so-bre o mundo. A ideia foi defendida pelo sacerdote je-suíta Diego Fares, que, a 19 e 20 de março, esteve em Lisboa e Braga, para falar sobre o tema «O Papa Fran-cisco e o discernimento». As sessões, que congregaram centenas de pessoas e às quais quis dar o tom de con-versa, foram promovidas pela Rede Mundial de Oração do Papa – Portugal, pelo Centro Académico de Braga e pela revista Mensageiro do Coração de Jesus.

Em sintonia com a intenção do Papa Francisco para esse mês, centrada na importância da formação para o discernimento espiritual, Diego Fares, grande conhe-cedor daquilo que move o Papa na linha do discerni-mento, explicou que «discernir é fazer-se responsável dos desejos em Deus e estar disposto a ser corrigido. O Espírito Santo trabalha com a nossa liberdade. Sem discernimento, não podemos caminhar».

«No mundo de hoje, tão complexo, aquele que não discerne acaba por ficar doente, de ódio, maldade, in-discrição», afirmou o sacerdote, que integra o colégio de escritores da revista italiana Civiltà Catttolica.

O nosso mundo necessita de reconhecer a urgên-cia do discernimento. Temos «uma overdose de coisas más, mas também de ideias boas». Por isso, «é neces-sário pedir ao Espírito Santo o discernimento», que é «um olhar seletivo».

«Olhar em modo de discernimento é o remédio pe-rante a variedade de todas as propostas que nos inva-dem. Não é um olhar somente racional». «Discernir é olhar com os olhos de Deus e a misericórdia do Senhor». Caso contrário, «pode ser que o coração, em vez de se abrir, se endureça mais», frisou o jesuíta argentino.

Apontando situações concretas, Diego Fares afir-mou que «é urgente», por exemplo, cada um discer-nir como deve rezar. «Rezar é como respirar. Cada um tem de encontrar o modo de o fazer». Discernir é algo «muito prático» e que se «exercita», é «animar-se a di-zer “tenho de pensar”».

No processo de discernimento, é essencial haver al-guém que faça o acompanhamento daquele(a) que está a discernir, alguém com quem confrontar as decisões e que, segundo Diego Fares, não tem necessariamente de ser um sacerdote.

maio 2018 | 29

A.O. DE ÉVORA REÚNE MAIS DE CEM PESSOASEM JORNADA DIOCESANA

O Apostolado da Oração (AO) de Évora organizou, a 3 de março, uma Jornada Diocesana na qual se abordaram temas como «Os desa-fios para a Quaresma, a partir da carta do Papa Francisco»; «Oração e ação na proposta espiritual do Apostolado da Oração»; e «Como dinamizar a vida de um Centro do Apostolado da Oração».

Orientada pelo diretor da Rede Mundial de Oração do Papa em Portugal, António Valério, sj, a ses-são, que decorreu na Sala de Atos do Seminário de Évora, contou com a presença de mais de uma centena de participantes, oriundos de 17 Centros paroquiais do AO: Sé, S. Mamede, S. Brás, Nossa Senho-ra Auxiliadora e Nossa Senhora de Fátima (Évora), Alcáçovas, Pavia, Cabeção e Mora, Portel, Reguengos de Monsaraz, Mourão, Redondo, Vila Viçosa (S. Bartolomeu), Elvas, Campo Maior e Fronteira.

Fernando Marques, diretor dio-cesano, sublinha a intervenção de António Valério, sj, quando este recordou as palavras do Papa, par-tindo da citação «Porque se multi-plicará a iniquidade, vai resfriar o amor de muitos» (Mateus 24, 12). «A grande tribulação por que have-riam de passar os crentes: guerras, cataclismos, perseguições e que iriam perturbar e esfriar os segui-dores de Cristo, tem-se repetido ao longo dos tempos, incluindo os atuais», realça Fernando Marques.

António Valério, sj, recordou, ainda, «as soluções para todos os males» apontadas por Francisco e já recomendadas por Jesus: «a ora-ção (ajuda-nos a descobrir as men-tiras, com que nos enganamos), a esmola (liberta-nos da ganância e ajuda-nos a descobrir que o ou-tro é nosso irmão) e o jejum (des-perta-nos, torna-nos mais atentos a Deus, o único que sacia a nossa

fome, e ao próximo)», enumera o diretor diocesano.

Tomando o exemplo de Santa Te-resinha do Menino Jesus e S. Fran-cisco Xavier, António Valério, sj, propôs como modelo de vida a «prá-tica de boas obras em benefício do próximo necessitado», pois «a ora-ção deve conduzir sempre à ação».

O arcebispo de Évora, D. José Al-ves, esteve presente na jornada e dirigiu «palavras de estímulo e de louvor» aos membros do AO, recor-dando-lhes que «a oração deve ser a retaguarda da ação» e que «tanto Je-sus como o Papa Francisco, na sua simplicidade e proximidade, reco-mendam uma oração contínua».

A Jornada Diocesana terminou com orientações práticas, segui-das de um momento de adoração ao Santíssimo Sacramento e da ce-lebração eucarística, na Igreja de S. Mamede.

30 | Mensageiro

A.O. DE ÉVORA REÚNE MAIS DE CEM PESSOASEM JORNADA DIOCESANA O Regresso do

Filho PródigoHenry Nouwen

Preços: Portugal – 8,85€ Europa – 10,40€ | Fora da Europa – 10,70€

Portes de correio incluídos nos preços. Envio feito mediante pagamento prévio.

Pedidos: Secretariado Nacional do A.O. Rua S. Barnabé, 32 – 4710-309 Braga [email protected] www.livraria.apostoladodaoracao.pt

Notária

Sandra Raimundo

É deste encontro com o quadro e do confronto do mesmo com a parábola e com a sua própria vida que nasce este livro.

EU RECOMENDO...

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Esta é a história de um quadro, de uma parábola e de um homem à procura de um lar. História de dois filhos e do seu pai – Um homem tinha dois filhos. «O Regresso do Filho Pródigo», de Rembrandt, do século XVII, a parábola do século I e um homem do século XX à procura do sentido da vida.

Henri Nouwen sente-se cansado quando vê, pela primeira vez, a imagem do quadro «O Regresso do Filho Pródigo», de Rembrandt. Depois de seis semanas de viagem pela América Central, para em frente da imagem do abraço terno entre pai e filho e, esgotado das longas viagens, deseja aquele abraço, um lar que pudesse considerar seu, onde se sentisse a salvo e em casa.

Henri viaja até à Rússia, a convite de amigos, e aproveita esta viagem para ver o quadro original de Rembrandt, no «Hermitage» de Sampetersburgo. É deste encontro com o quadro e do confronto do mesmo com a parábola e com a sua própria vida que nasce este livro.

Sendo-lhe dada a possibilidade de observar «O Regresso do Filho Pródigo» original durante vários dias, dá-se conta dos diferentes jogos de luz, sobre o quadro, ao longo das horas, fazendo sobressair ora as personagens principais – pai e filho –, ora as quatro figuras secundárias, duas mulheres e dois homens, que estão de pé em torno do espaço luminoso onde o pai dá as boas-vindas ao filho.

Tendo-se colocado na figura secundária de espectador, ao longo da sua vida, Henri questiona-se sobre o significado deste abraço: «deixar-se abraçar por um Deus misericordioso».

Caracterização profunda de um retrato, ou retrato de dois filhos e de um pai:

Há o filho mais novo, que pede a seu pai a sua parte na herança e parte. E como parte, regressa a casa, depois de ter gasto tudo o que tinha, e é recebido como filho muito amado, com alegria, por seu pai. («O único sinal de dignidade que lhe resta é a pequena espada pendente na cintura, símbolo da origem nobre. No meio de toda a degradação, agarrou-se ao facto de, apesar de tudo, ser filho do seu pai».)

O filho mais velho, incapaz de participar da alegria do seu pai, com o regresso do seu irmão mais novo. Perdido no ressentimento, de coração amargo, coloca-se fora deste círculo de amor, no qual é chamado a participar.

E um pai com um coração cheio de infinita misericórdia. Um pai que oferece um amor sem reservas aos dois filhos, e por igual.

maio 2018 | 31

DESEMPREGO E PRECARIEDADE

Tatiana MendonçaGestora de Comunidade, numa instituição que intervém na área social

HUMANIZAR-ME

As vivências que vou partilhar mais não são do que narrativas de contextos protagonizados por sujeitos cujos nomes não são os reais, mas a que dei um nome, porque foram situações vividas por pessoas com identidade…

O António trabalhava numa grande empresa: um dia foi chamado a uma sala onde reuniu com alguém que nunca conhecera (alguém pertencente a uma empresa externa contratado para aquele fim específico). Sem que nada o fizesse prever, viu-se confrontado com o despedimento. Ainda atordoado, apanhado desprevenido que fora, propuseram-lhe que abdicasse dos seus direitos, nomeadamente papéis para efeitos de subsídio de desemprego, em troca de uma indemnização de valor considerável. O António figuraria assim nas estatísticas como tendo-se demi-tido e não como tendo sido despedido.

A Maria trabalhava numa instituição particular de solidariedade social. No desempenho das suas funções, deu conta de procedimentos incorretos e mesmo ilegais, que questionou. As suas chefias ficaram incomodadas com a situação e, por instrução da direção, tudo fizeram para que se despedisse. A Maria foi assim vítima de assédio moral: desde o isolamento numa arrecadação sem as condições de trabalho anteriores e que permitissem o cumpri-mento das funções para as quais fora contratada, até ao impedimento de contactar com os colegas. A Maria tinha uma vontade de ferro e uma força anímica imensa. Enfrentou a entidade patronal e lutou contra o despedimento ilícito. Foi a tribunal. Ganhou a causa.

A Joana, um caso semelhante, foi vencida pelo desgaste e exaustão e entrou em acordo, tendo mesmo

aceite cessar o vínculo laboral abdicando dos seus direitos. Fê-lo, partilhou, pela sua sanidade mental.

O João, na casa dos 50 e tal anos, casado, oriundo do interior do país, está desempregado há já algum tempo. Quando foi diagnosticada à esposa uma doença crónica, mudou-se com ela para uma grande cidade litoral, onde ela teria acesso a cuidados de saúde especializados e, esperava ele, as oportunidades de emprego seriam em maior número. Mudaram-se sem rede: na cidade grande não conheciam ninguém. Iam tentar a sorte. Acreditavam que o cenário não poderia ficar mais negro do que aquele que já viviam. Dizia-me ao contar a sua história: «Não há quem me dê emprego, com a minha idade… tive de mendigar por oportu-nidades e aceitar o que ia aparecendo – trabalho não declarado, sem seguro, mal remunerado». Continuou: «Na última experiência, tive um acidente de trabalho e a entidade patronal, com receio de uma inspeção, mandou-me embora sem quaisquer direitos!»

A Marisa trabalhava por projeto, numa instituição que se financiava dessa forma, por ciclos de projetos, projeto a projeto e que, por esse motivo, ainda hoje não consegue oferecer perspetivas de futuro a quem consigo colabora. Na vigência de um dos projetos, a Marisa engravidou e, chegado o momento, foi gozar a licença de maternidade. O término desta licença coincidiria com o termo do projeto. Ainda no gozo da licença, foi chamada à entidade patronal para lhe ser transmitido que não contariam com ela, que precisavam de pessoas dedicadas a cem por cento, com total disponibilidade.

O Joaquim trabalhava numa entidade privada. Quando nasceu o seu primeiro filho, quis gozar os dias de licença a que, enquanto pai, tinha pleno

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direito! Foi coagido a não o fazer, sendo que ainda lhe foi dito que a instituição não era pública e que, como tal, não tinha direito ao gozo da respetiva licença. O Joaquim era conhecedor da lei e, apesar de estar informado, não gozou a licença a que tinha direito.

A Inês e o Pedro foram convidados a assinar documentos de importância e que não correspon-diam à verdade! Um sentiu-se coagido a assiná-los, na expectativa de que isso não tivesse repercussões futuras, o outro recusou.

Estes episódios passaram-se já no séc. XXI, no setor público e no setor privado, em instituições de pequena, média e grande dimensão, em meios rurais e urbanos, pequenos e grandes, nas mais diversas áreas de atividade. Como foi possível? Como é possível? Perguntamos.

Comum a todos estes episódios: o desrespeito pela dignidade da pessoa!

Nos últimos anos, tendo desenvolvido trabalho com pessoas desempregadas à procura de emprego, tive o privilégio de ouvir partilhas de histórias de alguns episódios de muitas vidas!

“Marias”, “Pedros”, “Joões”, “Ineses”, “Marisas”, “Joaquins”… muitos deles sem voz! Não porque não fosse seu desejo denunciar e impedir que situa-ções como estas se repetissem, mas porque os seus concretos contextos de vida os “obrigam” ao silêncio. A precariedade, a fragilidade da sua situação laboral não contribui para que se quebre este ciclo, mas antes que se perpetue, porque dependem do trabalho para subsistir, para criar/ sustentar a família.

E não há receitas, há contextos! Contextos que nos condicionam!

E o terreno será tanto mais propício a que situações como estas germinem, sempre que eu for espectador e não interpele ou denuncie, sempre que não for capaz de acolher partilhas como estas sem fazer juízo de valor, sempre que me pedirem ajuda e orientação e eu não a prestar!

Como é referido pela Doutrina Social da Igreja, «o trabalho confirma a profunda identidade do homem, criado à imagem e semelhança de Deus».

O meu verdadeiro contributo passa pelo imenso desafio que é a verdadeira e coerente assunção do meu compromisso de batismo, no respeito da digni-dade de cada ser humano!

maio 2018 | 33

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ATIVIDADES INACIANAS MAIOEm Soutelo (Vila Verde): CEC – Casa da Torre Av. dos Viscondes da Torre, 80 – 4730-570 SOUTELO – Tel. 253 310 400; Email: [email protected]

Em Braga: CAB – Centro Académico de Braga Praça da Faculdade de Filosofia, 16 – 4710-297 BRAGA – Tel. 253 215 592; Email: [email protected]

No Porto: CREU – Centro de Reflexão e Encontro Universitário Inácio de Loyola R. Oliveira Monteiro, 562 – 4050-440 PORTO– Tel. 226 061 410; Email: [email protected]

Em Coimbra: CUMN – Centro Universitário Manuel da NóbregaR. Almeida Garrett, 4 – 3000-021 COIMBRA – Tel. 239 829 712; Email: [email protected]

NO RODÍZIO – Casa de Exercícios de Santo InácioEstrada do Rodízio, 124 – 2705-335 COLARES – Tel. 219 289 020; Email: [email protected]

Em Lisboa: CUPAV – Centro Universitário Padre António VieiraEstrada da Torre, 26 – 1769-014 LISBOA – Tel. 217 590 516; Email: [email protected]

03-06 mai. Exercícios Espirituais – P. Marco Cunha04-06 mai. Taichi e Espiritualidade – Diogo Sant’Ana06 mai. Exercícios Espirituais na Vida Corrente (em colaboração com CVX e ACI)10-13 mai. Exercícios Espirituais – P. José Carlos Belchior11-13 mai. Rezar com Daniel Faria (1971-1999) – P. Mário Garcia12-13 mai. Fim de Semana para Noivos – P. Rui Nunes e grupo de casais21-29 mai. Exercícios Espirituais – P. Manuel Morujão25-27 mai. Retiro para Casais – P. Rui Nunes25-27 mai. Iniciação ao Eneagrama – Margarete Flor30 mai.-03 jun. Exercícios Espirituais – P. Luís Maria da Providência

08 mai. Agir com o Papa: “O mundo desafia-me” – P. António Valério24 mai. Missa de Nossa Senhora da Estrada e catequese – D. Nuno Almeida, bispo auxiliar de Braga29 mai. Ida ao Sameiro: Rezar pelas nossas mães

05 mai. Sal e Pimenta – Escola de Pais: “Pais-Filhos: Conflito nos Valores” – P. Carlos Carneiro10 mai. Noite QB – “Se Deus é bom, porque sofremos?” – P. Vasco Pinto de Magalhães11-13 mai. Exercícios Espirituais “pé-descalço” (para “Geração K”) – PP. Carlos Carneiro e Pedro Cameira15 mai. Alta Tensão: “Mostrar ou esconder a fé na universidade”19 mai. Retiro para Noivos – Preparar espiritualmente o Casamento29 mai. Alta Tensão: “Para onde vai a Igreja Católica?”

02 mai. Amigos no Senhor06-10 mai. Exercícios Espirituais – P. Nuno Branco08 mai. Círculo Oração e Vida30 mai.-03 jun. Exercícios Espirituais – P. Marco Cunha

11-13 mai. Desafios do Meio da Vida – P. Vasco Pinto de Magalhães17-20 mai. Exercícios Espirituais – P. Fernando Ribeiro17-20 mai. Exercícios Espirituais – P. João Norton25-27 mai. Rezar com Daniel Faria – P. Mário Garcia26-27 mai. Fim de Semana para Noivos – P. Carlos Azevedo Mendes e grupo de casais

03-06 mai. Exercícios Espirituais “pé-descalço” (para Universitários)04-06 mai. “Quem canta reza duas vezes” – Fim de Semana para coros – Rui Fernandes e P. João Goulão11-13 mai. Nós & Deus – P. João Goulão e animadores14-17 mai. IT 4 – “O que sabes dizer da tua fé?” – Joana Silva16 mai. “O que quer Deus de mim?” – P. Pedro Rocha Mendes17 mai. “O que é o Eneagrama?” – Uma noite para explicar esta dinâmica – P. Gonçalo Eiró23 mai. Encontro Mensal – “O humor e a alegria de Deus” – P. João Goulão24 mai. Encontro Mensal – “O humor e a alegria de Deus” – P. João Goulão26 mai. Lisboa jesuítica – P. António Júlio Trigueiros30 mai.-03 jun. Exercícios Espirituais – P. Carlos Azevedo Mendes

PAPA FRANCISCOHomilia na Solenidade de Pentecostes, 2017

Órgão oficial da Rede Mundial de Oração do Papa — Portugal

Espírito de Deus, Senhor que estais no meu coração e no coração da Igreja, Vós que fazeis avançar a Igreja, moldando-a na diversidade, vinde! Precisamos de Vós, como de água, para viver: continuai a descer sobre nós e ensinai-nos a unidade, renovai os nossos corações e ensinai-nos a amar como Vós nos amais, a perdoar como Vós nos perdoais.