memórias de um sargento de milícias

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Memórias de um Sargento de Milícias Manuel Antônio de Almeida

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Memórias de um Sargento de Milícias

Manuel Antônio de Almeida

“Todo grande autor rompe com algo e introduz uma novidade (...) o grande autor tem um papel didático: ele reorienta o vetor das condutas de gosto. A grande obra inaugura, cria sua ascendência e reinventa a literatura.”

Ronaldo Costa Fernandes

Manuel Antônio de Almeida esteve perpetuamente deslocado na sociedade, porque em verdade era antes

um desses homens que, por anacronismo da sorte, mais pertencem ao futuro do que ao presente, que os

desconhece.

Augusto Emílio Zaluar

Fatores limitadores dos sucesso:

•A originalidade com relação ao romance romântico – ausência da atmosfera lírica.

•A independência com relação à moda do sentimentalismo.

•A linguagem coloquial, simples, direta, sem metáforas ou refinamentos estilísticos.

• A ausência do maniqueísmo > falta de culpabilidade - favorecimento de arranjos, transgressões e favores.

• A inovação do nacional > usos e costumes do povo

do RJ no começo do século XIX. • A sociedade da época > uma classe que passa

despercebida pela estética ufanista do romantismo.

As Características

• Sociedade marginalizada e dividida por grupos.

• As personagens são identificados pela profissão ou condição social.

• O heroísmo é substituído pelo humor.

As Características

O registro social antecipa o episódio

“O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; (...)”

As Características

Realismo Estético Caracterizar a sociedade dentro de uma

verossimilhança possível – entretenimento.

X

Realismo de EscolaSuporte científico – o romance de tese – edificação dos

leitores.

• Novela picaresca: o protagonista é o fio condutor da narrativa - aparece em todos os capítulos.

• Memórias: Leonardo aparece em 30 dos 48

capítulos. • Os fundamentos da novela picaresca: viagem,

servidão e narrativa autobiográfica. • Obs: afirmar que as Memórias são um romance

picaresco é uma classificação arbitrária.

A Dúvida

Leonardo

•O surgimento do anti-heroi, o malandro carioca.

•Protegido pela maioria das mulheres na narrativa.

•Não pratica nenhuma ação para se dar bem.

•Fala pouco na narrativa > falam por ele.

 

• A personagem tipo: características marcantes e peculiaridades comportamentais universalizadas.

• As convenções sociais vão sendo ridicularizadas pelo “jeitinho”.

• A caricatura das personagens masculinas: decadência dos valores morais.

As Personagens

• A ruptura com a sociedade tradicional: a mulher rompe a relação – revela-se forte, decidida e insensível ao sentimento do companheiro.

• Seria o uso da força uma forma de justificação do poder do macho e um meio de ocultar a fraqueza decorrente da perda?

As Personagens Femininas

Luisinha “Era a sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida,

porém que, tendo perdido as graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de moça: era alta,

magra, pálida: andava com o queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como

andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos,

como uma viseira.

Vidinha"Era uma mulatinha de dezoito anos a vinte anos, de altura regular, ombros largos, peito alteado, cintura

fina e pés pequeninos; tinha os olhos muitos pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes

claríssimos, a fala era um pouco descansada, doce e afinada. “

• A personagem secundária se incorpora à galeria feminina da literatura.

• Vidinha rouba o posto da protagonista: não é ridicularizada pelo autor.

• A face oculta: a proximidade com a realidade.

“A formidável namoradeira.”

 

Luisinha e Vidinha (par simétrico)

Luisinha - plano da ordemA mocinha burguesa - não há relação viável

fora do casamento (herança, parentela, posição e deveres)

Vidinha - o plano da desordemO amor sem casamento nem deveres

O comportamento feminino

•Fuga da tutela masculina.

• Transgride as normas de conduta.impostas pela sociedade patriarcal.

•Ausência do ambiente doméstico para realizar-se afetivamente.

Nunca mais Luisinha vira o ar da rua senão às furtadelas, pelas frestas da rótula: então

chorava ela aquela liberdade de que gozava outrora; aqueles passeios e aquelas palestras à porta em noite de luar; aqueles domingos de

missa na Sé, ao lado de sua tia com o seu rancho de crioulinhas atrás; as visitas que

recebiam, e o Leonardo de quem tinha saudades, e tudo aquilo enfim a que não dava nesse tempo muito apreço, mas que agora lhe

parecia tão belo e tão agradável.

Tendo-se casado com José Manuel para seguir a vontade de D. Maria, votava a seu marido

uma enorme indiferença, que é talvez o pior de todos os ódios. Pois a vida de Luisinha, depois de casada, representava com fidelidade a vida

do maior número das moças que então se casavam: era por isso que as Vidinhas não

eram raras.

Leonardo e Luisinha(O Casamento)

•Uma forma de legitimar os valores burgueses.

•Conferir o final desejado pelos leitores.

•Submeter Leonardo à lei e à tradição.

Obs: somente Luisinha consuma o casamento

“Desde o dia em que Leonardo fizera a sua declaração amorosa, uma mudança notável se começou a operar

em Luisinha, cada hora se tornava mais sensível à diferença tanto de físico como do seu moral. Seus

contornos começavam a redondar-se; seus braços, até ali finos e sempre caídos, engrossavam-se e tornavam-

se mais ágeis;

suas faces magras e pálidas, enchiam-se e tomavam essa cor que só sabe ter o rosto da mulher em certa época da vida; a cabeça, que trazia habitualmente

baixa, erguia-se agora graciosamente; os olhos, até ali amortecidos, começavam a despedir lampejos brilhantes; falava, movia-se, agitava-se.”

 

O Antirromantismo de Luisinha: “Estavam presentes algumas pessoas da vizinhança, e uma delas disse baixinho à outra, vendo o pranto de

Luizinha: __ Não são lágrimas de viúva... __ E não eram, nós já o dissemos: o mundo faz disso as mais das vezes

um crime. E os antecedentes? Porventura ante seu coração fora José Manuel marido de Luizinha? Nunca o

fora senão ante as conveniências; para as conveniências aquelas lágrimas bastavam.”

“(...)chegamos por nossas investigações à conclusão de que o verdadeiro amor, ou são todos ou é um só, e neste caso não é o primeiro, é o último. O último é que é o verdadeiro, porque é o único que não muda. As leitoras que não concordarem com esta doutrina convençam-me do contrário, se são disso capazes.”

“(...) as ‘Memórias de um sargento de milícias’ criam um universo que parece liberto do erro e do pecado. Um

universo sem culpabilidade e mesmo sem repressão, a não ser a repressão que pesa o tempo todo por meio do Vidigal e cujo desfecho já vimos. (...) A esta curiosidade corresponde uma visão muito tolerante, quase amena. As pessoas fazem coisas que poderiam ser qualificadas

como reprováveis, mas também fazem outras dignas de louvor, que as compensam. E como todos têm defeitos,

ninguém merece censura.”

(Antônio Cândido – Dialética da Malandragem)

“(...) a malandragem é uma variante do ‘jeitinho’ (...), constituindo-se como uma outra forma de navegação

social. O malandro, portanto, seria um agente profissional do ‘jeitinho’ e da arte de sobreviver nas

situações mais difíceis: aquelas nas quais ele está claramente fora ou longe da lei.”

O que é o Brasil?, Roberto DaMatta

O Malandro – Chico Buarque

O malandro na durezaSenta à mesa do café

Bebe um gole de cachaçaAcha graça e dá no pé

O garçom no prejuízoSem sorriso sem freguêsDe passagem pela caixa

Dá uma baixa no português

O galego acha estranhoQue o seu ganho tá um horror

Pega o lápis soma os canosPassa os danos pro distribuidor

Mas o frete vê que ao todoHá engodo nos papéis

E pra cima do alambiqueDá um trambique de cem mil réis

O usineiro nessa lutaGrita ponte que partiu

Não é idiota trunca a notaLesa o Banco do Brasil

Nosso banco tá cotadoNo mercado exteriorEntão taxa a cachaça

A um preço assustador

Mas os ianques com seus tanquesTêm bem mais o que fazer

E proíbem os soldadosAliados de beber

A cachaça tá paradaRejeitada no barril

O alambique tem chiliqueContra o Banco do Brasil

O usineiro faz barulhoCom orgulho de produtor

Mas a sua raiva cegaDescarrega no carregador

Este chega pro galegoNega arrego cobra maisA cachaça tá de graça

Mas o frete como é que faz?

O galego tá apertadoPro seu lado não tá bomEntão deixa congeladaA mesada do garçom

O garçom vê um malandroSai gritando pega ladrão!

E o malandro autuadoÉ julgado e condenado culpado

Pela situação