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A MEDIAÇÃO COMO MÉTODO ALTERNATIVO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA ALINE APARECIDA DE SOUZA [email protected] RESUMO A presente pesquisa, qualificada metodologicamente como bibliográfica, pretende contribuir para a análise de como a mediação, método alternativo de solução de conflitos, contribui para a edificação da cidadania das partes envolvidas e, consequentemente, da sociedade. De início, a pesquisa busca retratar a noção do termo conflito, a fim de compreendê- lo como um evento de facetas diversas, inerente ao relacionamento social, capaz de produzir reflexos negativos e/ou positivos àqueles que o provocaram e, igualmente àqueles que estão em seu entorno. No decorrer da história da humanidade, esta buscou métodos que pudessem solucionar a variedade de conflitos surgidos da convivência social. Com a organização política dos povos, o Estado imiscuiu-se na esfera privada e tornou-se detentor do mister de solucionar e prevenir os conflitos surgidos em seu território. Contudo, o modelo tradicional de jurisdição estatal mostrou-se incompleto no que se refere à amplitude das respostas que proporciona às partes em controvérsia. No Brasil, com o advento da Resolução CNJ nº 125/2010 e do NCPC, foram introduzidos institutos e práticas processuais mais consentâneos com as demandas da sociedade, atualmente nominadas como Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC), dentre eles podem-se citar as práticas de negociação, conciliação, facilitação assistida, mediação e arbitragem. Neste contexto, a pesquisa traz à tona a mediação, que em virtude de suas características e técnicas revela-se mais adequada para a resolução de determinados tipos de conflitos, pois abre espaço para que os interessados em solucionar suas controvérsias possam resolvê-las por si mesmos, auxiliadas por um profissional capaz de facilitar-lhes a comunicação e o alcance de um consenso, proporcionando-lhes maior autonomia e participação, o que reflete positivamente na promoção e no exercício da cidadania. Palavras-chave: conflito; jurisdição; mediação; método alternativo; cidadania.

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A MEDIAÇÃO COMO MÉTODO ALTERNATIVO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA

ALINE APARECIDA DE SOUZA

[email protected]

RESUMO

A presente pesquisa, qualificada metodologicamente como bibliográfica, pretende contribuir para a análise de como a mediação, método alternativo de solução de conflitos, contribui para a edificação da cidadania das partes envolvidas e, consequentemente, da sociedade. De início, a pesquisa busca retratar a noção do termo conflito, a fim de compreendê-lo como um evento de facetas diversas, inerente ao relacionamento social, capaz de produzir reflexos negativos e/ou positivos àqueles que o provocaram e, igualmente àqueles que estão em seu entorno. No decorrer da história da humanidade, esta buscou métodos que pudessem solucionar a variedade de conflitos surgidos da convivência social. Com a organização política dos povos, o Estado imiscuiu-se na esfera privada e tornou-se detentor do mister de solucionar e prevenir os conflitos surgidos em seu território. Contudo, o modelo tradicional de jurisdição estatal mostrou-se incompleto no que se refere à amplitude das respostas que proporciona às partes em controvérsia. No Brasil, com o advento da Resolução CNJ nº 125/2010 e do NCPC, foram introduzidos institutos e práticas processuais mais consentâneos com as demandas da sociedade, atualmente nominadas como Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC), dentre eles podem-se citar as práticas de negociação, conciliação, facilitação assistida, mediação e arbitragem. Neste contexto, a pesquisa traz à tona a mediação, que em virtude de suas características e técnicas revela-se mais adequada para a resolução de determinados tipos de conflitos, pois abre espaço para que os interessados em solucionar suas controvérsias possam resolvê-las por si mesmos, auxiliadas por um profissional capaz de facilitar-lhes a comunicação e o alcance de um consenso, proporcionando-lhes maior autonomia e participação, o que reflete positivamente na promoção e no exercício da cidadania.

Palavras-chave: conflito; jurisdição; mediação; método alternativo; cidadania.

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NOTAS INTRODUTÓRIAS

O surgimento de conflitos é inerente ao relacionamento humano e por isso

emergem com dada frequência nas interações sociais, provocando variadas reações

entre os conflitantes, capazes de produzir reflexos negativos e/ou positivos para a

continuidade de seu convívio intersubjetivo.

Sendo um fenômeno próprio da condição humana e que assume facetas

diversas, Vasconcelos (2012, p. 19) sustenta que o conflito decorre de percepções

opostas quanto a fatos e condutas que envolvam expectativas, valores ou interesses

comuns das partes envolvidas.

Conquanto decorram de diferenças e da colisão de expectativas, os conflitos

não devem ser valorados ou graduados negativamente, porque “podem trazer a

possibilidade de transformação, crescimento e ampliação de horizontes, a partir do novo

e do convívio com as diversidades” (ZAPPAROLLI, KRAHENBUHL, 2012, p. 21).

Deste modo, o que irá determinar a produção de reflexos negativos ou positivos será a

forma como o conflito será administrado.

No decorrer da história da humanidade, esta sempre se deparou com o

surgimento de conflitos e, em épocas mais remotas os sujeitos lesados agiam por si

próprios (autotutela), compensando de algum modo o prejuízo que suportaram da

conduta danosa da outra parte.

Ocorre que ao agir por si mesmas, nem sempre as condutas eram balizadas por

parâmetros proporcionais e justos, portanto foram criando métodos e regramentos a fim

de superar ou solucionar os conflitos, objetivando restaurar a estabilidade das relações

sociais.

Com este intento, foram despontando uma infinidade de métodos, dos quais se

pode citar: a autotutela ou autodefesa (justiça de mão própria, legítima defesa, direito de

retenção); a autocomposição unilateral (disponibilidade, renúncia, desistência e

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reconhecimento de direito); a autocomposição bilateral (negociação, conciliação,

mediação) e a heterocomposição (arbitragem e jurisdição estatal contenciosa e

voluntária), conforme divisão adotada por Tartuce (2008, Cf.).

A partir do momento em que os povos passam a se organizar social e

politicamente e a formar regimes próximos do que hoje se denomina de Estado, este se

imiscuiu na esfera privada, proibindo a autotutela e reservando para si o poder e o dever

de tutelar os direitos, com o intuito de obter a harmonia e a paz sociais (TARTUCE,

2008, p. 80).

Deste modo, o Estado torna-se detentor do mister de solucionar e prevenir os

conflitos surgidos em seu território, dando origem à jurisdição estatal. Esta modalidade

de heterocomposição, em que um terceiro decide o litígio no lugar das partes

diretamente interessadas, observando os balizamentos legais que regem aquela

sociedade.

Nas palavras de Chiovenda (2000), a jurisdição estatal pode ser entendida

como a “atuação da lei mediante a substituição da atividade alheia pela atividade de

órgãos públicos, que devem afirmar a existência da vontade da lei e colocá-la em

prática” .

Nesta senda, a maioria dos conflitos surgidos no seio da sociedade passa a ser

objeto de intervenção estatal e, por conseguinte, as partes passam a sujeitar-se às

decisões proferidas pela instituição que detém a exclusividade de declarar e julgar a

solução desses problemas.

Ocorre que o modo como tais conflitos foram tradicionalmente tratados e

administrados pelo modelo de jurisdição estatal não foi satisfatório para responder

adequadamente aos variados tipos de controvérsias advindas da convivência humana,

porquanto foram evidenciados problemas essenciais na efetividade do processo, como

limitações jurídicas no sentido de entrega de tutelas individualistas, sem uma visão

solidarista e/ou condizente com os interesses envolvidos (MORAIS, SPENGLER, 2008,

Cf.).

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Por conta disso, o modelo clássico de jurisdição tem sido reformulado e, por

conseguinte, tem adotado e permitido outros mecanismos mais adequados para o

tratamento dos diversos tipos de conflitos, conforme se observará no decorrer deste

estudo.

Todavia, imperioso esclarecer que refoge aos intentos deste trabalho a

apresentação dos problemas estruturais do Estado no exercício da jurisdição (como a

morosidade, a complexidade processual, a dificuldade de acesso, dentre outros

relacionados à infra-estrutura judiciária).

Considerando o citado recorte, este estudo pretende analisar a atuação

jurisdicional do Estado no que se refere à amplitude das respostas entregues às partes

mediante a imposição de suas decisões judiciais e, ainda, das vantagens decorrentes do

uso da mediação como método capaz de fomentar o exercício da cidadania.

1. O MODELO TRADICIONAL DE JURISDIÇÃO ESTATAL

Como dito alhures, o modelo tradicional de jurisdição estatal refere-se a uma

metodologia de solução adjudicada de conflitos, em que as partes sujeitam suas

demandas ao Estado, pois este é detentor do monopólio da jurisdição.

Ocorre que, ao longo do tempo, este modelo apresentou sérios problemas,

porquanto seus mecanismos mostraram-se “insuficientes para o efetivo acesso à justiça,

uma vez que o processo ordinário contencioso não era a solução mais eficaz, nem no

plano de interesses das partes, nem nos interesses mais gerais da sociedade”

(CAPPELLETTI, GARTH, 1988).

Dessa observação, depreende-se que apesar de se socorrer da jurisdição estatal,

isto não implica a melhor forma de tratamento do conflito ou até mesmo a sua solução

mais equânime e proveitosa para as partes e para a sociedade.

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Tartuce (2008, p. 25) aduz que os conflitos possuem dimensões mais amplas do

que aquelas levadas a juízo, porquanto detrás deles há aspectos “sociológicos,

psicológicos e filosóficos” de conhecimento restrito das partes, o que impede que as

decisões judiciais contemplem todas as nuances da controvérsia.

Uma vez não apreciados todos os contornos do conflito, logicamente seu

julgamento será afetado, o que redundará numa decisão parcial do problema,

subsistindo pendências entre as partes.

Ocorre que a falta de respostas adequadas às controvérsias pode recrudescer a

animosidade entre as partes, considerando o insuficiente entendimento do problema por

parte daquele que deveria solucioná-lo.

Neste sentido, Barcellar (apud TARTUCE, 2008, p. 230) afirma que:

A verdadeira Justiça só se alcança quando os casos se solucionam mediante consenso que resolva não só a parte do problema em discussão, mas também todas as questões que envolvam o relacionamento entre os interessados.

Deste modo, a metodologia de prolatar uma decisão impessoal, impondo uma

solução às partes sem considerar as variáveis que deram causa ao problema pode, ao

invés de pacificar, tornar-se fator de aumento da litigiosidade.

Neste contexto, verificados desacertos provenientes das respostas entregues

pelo modelo tradicional de jurisdição, alguns sistemas jurídicos passaram a incorporar e

a desenvolver procedimentos alternativos com o fito de aperfeiçoar a entrega

jurisdicional.

Cappelletti e Garth (1988, p. 81), ao realizarem as pesquisas para o Projeto

Florença1, investigaram o acesso à justiça em vários países do mundo e constataram a

necessidade de reformas dos tribunais regulares, dentre elas a criação de procedimentos

mais simples e, quiçá, de julgadores mais informais para algumas demandas.

1 O Projeto Florença teve início nos anos 60, foi um movimento liderado por Mauro Cappelletti cuja proposta era diagnosticar as causas da ineficiência da Justiça, os principais resultados da pesquisa foram expostos na obra Acesso à Justiça.

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Dentre esses procedimentos, podem-se citar as práticas de negociação,

conciliação, facilitação assistida, mediação e arbitragem, atualmente nominadas como

Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC), que segundo SCHWARZ

(apud ZAPPAROLLI, KRAHENBUHL, 2012, p. 13) ascendem:

[...] como mecanismos verdadeiramente alternativos porque transformadores de uma cultura jurídica [...] que tende a despojar as partes da qualidade de titulares plenos dos seus interesses, de responsabilidades e de aptidões e meios para a construção concertada da solução mutuamente ‘justa’ do litígio.

No Brasil, aos poucos, foram sendo introduzidas inúmeras reformas à

legislação nacional referente à adoção de institutos e práticas processuais mais

consentâneos com as demandas da sociedade. Dentre essas inovações, imperioso

rememorar a implantação da Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de

Conflitos de Interesses proposta pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ através da

publicação da Resolução CNJ nº 125/2010, que suscitou a utilização de métodos

consensuais de solução de conflitos como novos paradigmas a serem adotados pelo

Poder Judiciário Nacional.

Consequentemente, esses novos modelos passam a ganhar importância e a ser

incorporados ao sistema jurídico do país, como se pode observar no Novo Código de

Processo Civil - NCPC (Lei n. 13.105/2015), na Lei da Mediação (Lei n. 13.140/2015) e

na Lei da Arbitragem (Lei n. 13.129/2015).

Vale notar, que alguns MASC já se encontravam inseridos em diplomas legais,

a exemplo da conciliação, que vinha sendo utilizada em fases de processos específicos,

que a partir da publicação da Resolução CNJ º 125/2010 e do NCPC, sua prática foi

consolidada e estendida a outros tipos de demandas.

A arbitragem também possuía regulamentação própria (Lei n. 9307/1996), mas

sua utilização era refutada por alguns tribunais do país, portanto se fez necessária a

construção de novo diploma legal (Lei n. 13.129/2015) capaz de conferir-lhe maior

efetividade.

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No entanto, o mecanismo que mais interessa ao nosso estudo é o da mediação,

a qual foi introduzida e regulamentada para a seara judicial e permitida nas esferas

privadas, conforme previsões constantes no NCPC e na Lei n. 13.140/2015.

Valendo-se dessas informações, esse trabalho passará a dar ênfase à prática da

mediação, a fim de expor suas principais características e como estas repercutem

positivamente no exercício da cidadania das partes mediadas.

2. MEDIAÇÃO – CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

Como dito acima, até pouco tempo, a regra para a solução de conflitos era a

judicialização da demanda, em que somente o Estado detinha o poder de resolver as

controvérsias mediante a emissão de ato decisório, contudo, com a égide da Resolução

CNJ nº 125/2010 e, posteriormente, com a publicação do NCPC e da Lei nº

13.140/2015, abriu-se espaço para que os interessados em solucionar suas controvérsias

pudessem resolvê-las por si mesmos, auxiliados por um profissional capaz de facilitar-

lhes a comunicação e o alcance de um consenso.

O NCPC permitiu que os tribunais criassem centros judiciários de solução

consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de

conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar,

orientar e estimular a autocomposição, bem como a realização de conciliação e

mediação extrajudiciais por profissionais independentes (arts. 165 e 175).

Nesta senda, a mediação ganha destaque como prática autocompositiva,

definida como “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório,

que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver

soluções consensuais para a controvérsia”, de acordo com o parágrafo único do art. 1º

da Lei n. 13.140/2015

Em outras palavras, a mediação é uma metodologia que possibilita a maior

participação dos envolvidos na busca por soluções mais condizentes aos seus interesses,

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tendo como objetivo solucionar conflitos com a ajuda de um terceiro desinteressado

(mediador). A atuação deste será de propiciar a comunicação entre as partes, as quais

voluntariamente envidarão esforços para encontrar uma solução satisfatória ao litígio

(MORAIS, SPENGLER, 2008, Cf.).

Vasconcelos (2012; p. 42) acrescenta ainda que a mediação é um:

[...] meio não hierarquizado de solução de disputas em que duas ou mais pessoas [...] expõem o problema, são escutadas e questionadas, dialogam construtivamente e procuram identificar os interesses comuns, opções e, eventualmente, firmar um acordo.

Sendo assim, valendo-se dos conceitos supramencionados, depreende-se que a

mediação é uma ferramenta de composição de conflitos em que as partes se colocam

diante de um mediador que, enquanto terceiro sem poder decisório, irá provocar e

estimulá-las a encontrarem o deslinde da questão controversa mediante técnicas de

comunicação.

Por conta disso e com vistas à retomada da comunicação entre os mediados e à

manutenção de seu relacionamento harmonioso, consta do §3º do art. 165 do NCPC que

o mediador atuará:

[...] preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Sendo assim, pode-se acrescentar ao aludido conceito de mediação, que esta

seja a opção mais adequada àqueles litígios em que as partes possuíam um vínculo

anterior ao conflito, a exemplo de litígios entre familiares, vizinhos, sócios, dentre

outros que se encaixem nessa perspectiva.

No que diz respeito à figura do mediador, convém ressaltar que se trata de

profissional capacitado para tal, podendo dispor durante a sua atuação de uma

diversidade de ferramentas e técnicas. Para Tartuce (2008, p. 230), incumbe ao

mediador reunir aptidões de resolução no sentido que:

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[...] deve estar apto a, superando as resistências pessoais e os obstáculos decorrentes do antagonismo de posições, restabelecer a comunicação entre as partes. Cabe a ele o papel de facilitador do diálogo, para que, por meio deste, as partes possam voltar a protagonizar a condução de seus rumos de forma não competitiva.

Na realização das sessões de mediação com as partes conflitantes, Morais (2015,

Cf.) elenca uma série de técnicas compatíveis com essa prática autocompositiva, como:

a escuta ativa; o resumo cooperativo; a normalização; a despolarização do conflito; a

separação das pessoas dos problemas; a recontextualização e o parafraseamento; o

enfoque prospectivo; o silêncio; as sessões individuais; a troca e inversão de papéis; as

perguntas orientadas para gerar opções; os testes de realidade, dentre outras.

Apesar de se tratar de uma metodologia informal, a mediação é regida por uma

série de preceitos que propiciam a composição das partes interessadas, como os

princípios da independência, de isonomia entre as partes, da imparcialidade, da

autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade, da busca

do consenso, da boa-fé e da decisão informada, conforme disposto no art. 166 do NCPC

c/c o art. 2º da Lei nº 13.140/2015.

Deste modo, o mediador, ao conduzir a sessão, deve agir com imparcialidade,

mantendo-se equidistante às partes, observando a confidencialidade dos fatos que vier a

tomar conhecimento no decorrer do procedimento. Seu foco deve estar em contribuir

para a oralidade, com o intuito de facilitar a comunicação dos interessados, possibilitar a

reconstrução das narrativas, auxiliando, deste modo, na transformação dos padrões

comunicativos e relacionais das partes (ZAPPAROLLI, KRAHENBUHL, 2012, p. 39).

De outro turno, convém elucidar que nem todo procedimento de mediação

redunda em acordo. A não obtenção do mesmo não significa que o referido MASC

fracassou, pois o fato de a comunicação ser restabelecida, já indica que o procedimento

foi exitoso.

Por isso, tenha-se presente que a mediação foge da lógica adversarial do

processo judicial, em que há dois litigantes e um deles sai vencedor e o outro perdedor.

Nessa técnica de composição só se tem ganhadores, porquanto a prioridade está em

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desarmar a contenda, restabelecer a comunicação e encontrar uma resposta consensuada

para o litígio, produzindo, junto às partes, uma cultura de compromisso e participação.

(MORAIS, SPENGLER: 2008; p. 111)

Neste panorama, denota-se que a existência do conflito não subtrai das partes

seu poder de decisão, porque a mediação apresenta-se como meio de exercício da

independência e da autonomia da vontade dos interessados, em que cada qual age de

acordo com seu alvedrio2, fator de grande relevância para o resultado da lide, porquanto

a decisão que vier a ser tomada refletirá seus intentos particulares.

3. A REPERCUSSÃO DOS EFEITOS DA MEDIAÇÃO NA

CIDADANIA

Note-se que a prática de realizar sessões com as partes conflitantes, em um

espaço neutro, permitindo que ambas exprimam abertamente suas perspectivas e

interesses em relação ao problema que as separa, permite não somente o melhor

entendimento deste problema, como também o reconhecimento de si mesmo e do outro.

Nesse contexto, tornam-se maiores as probabilidades de se alcançar resultados

positivos capazes de conduzir ao arrefecimento do conflito ou até mesmo para o seu

desfecho, consequências estas consentâneas aos intentos de se alcançar a solução

pacífica das controvérsias e a harmonia social.

Atrelado a isso, soma-se o fato de que ao se abrir espaço para a interlocução

das partes, tal atividade proporciona um ambiente favorável para o exercício de

cidadania dos envolvidos. Mas, o que vem a ser a cidadania?

Cidadania segundo Magalhães (2009) refere-se à condição de acesso aos

direitos sociais e econômicos, “que permite que o cidadão possa desenvolver todas as

2 A autonomia da vontade encontra algumas limitações legais.

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suas potencialidades, incluindo a de participar de forma ativa, organizada e consciente,

da construção da vida coletiva no Estado democrático”.

No entanto, vale ressaltar que cidadania é um conceito muito abrangente e

plurissignificativo, não sendo fácil a tarefa de enunciá-lo integralmente e com precisão,

por se tratar de um conceito histórico, que varia no tempo e no espaço (PINSKY, 2005,

Cf.), mas que se pode afirmar ser algo de tamanha importância que se encontra alçado a

um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme inc. II do art. 1º da

Constituição Federal.

Partindo-se dessas premissas, Herkenhoff (2001, p. 19) aduz que além das

dimensões civil e política, a cidadania possui outras quatro dimensões, quais sejam, a

social, a econômica, a educacional e a existencial.

Deste modo, o conceito moderno de cidadania se estendeu em direção a uma

perspectiva na qual o cidadão não é apenas aquele que vota, mas aquela pessoa que tem

meios para exercer o voto de forma consciente, ter participação ativa na sociedade,

cumprir seus deveres, usufruir e reivindicar direitos, dentre tantos outros atributos

intrínsecos à condição humana.

Em decorrência disso, infere-se que se o cidadão é o indivíduo responsável por

construir a sociedade, mais ainda será responsável pelo desenvolvimento de sua vida,

por suas escolhas, atos e decisões.

Por outro lado, para que isso aconteça imperioso que existam condições

concretas para o exercício da cidadania, caso contrário, haverá a marginalização

daqueles que não conseguem exercer esse conjunto de direitos (DALLARI, 1998, p.

14/17).

Neste panorama é que se vislumbram os efeitos concretos que as práticas

mediacionais produzem, refletindo-se numa prática cidadã que permite o

empoderamento das partes (mediadas) de modo que elas decidam com igualdade,

protagonismo e autonomia os rumos da controvérsia em questão.

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Tanto é assim que Tartuce (2008, p. 293) afirma que o maior aporte da

mediação é o fato de esta técnica disponibilizar ferramentas hábeis a ensejar nos

indivíduos elementos de resgate de sua própria dignidade, de cooperação, de

solidariedade e de assunção da responsabilidade pessoal de seus destinos.

Corrobora ainda ao processo mediacional a capacidade de proporcionar o

exercício de uma série de direitos fundamentais, a exemplo dos direitos da dignidade

humana, da igualdade, da liberdade, da autonomia da vontade, da privacidade, de

expressão, de manifestação, de reunião, de informação, de acesso à justiça e de duração

razoável do processo.

Por sua vez, para as práticas mediacionais tenham maior receptividade entre os

cidadãos, necessária a disseminação da importância e das vantagens de uma cultura de

solução consensuada de conflitos em relação à atual cultura adversarial fortemente

arraigada no bojo da sociedade, por isso BUONOMO (2016) enfoca que:

A consciência sobre direitos e deveres e a construção de habilidades em comunicação traz em seu bojo um processo implícito de transformação social do grupo. Como consequência natural, o grupo tende a adotar um novo comportamento frente aos problemas comuns e aos conflitos interpessoais, e a transformação pode funcionar como facilitadora da adoção de uma nova abordagem para a solução de problemas e conflitos.

Por conseguinte, depreende-se que o uso da mediação pode se estender para

além das hipóteses de ameaça e lesão de direitos, pois se refere a uma metodologia

capaz de auxiliar na compreensão e, consequentemente, propiciar o tratamento mais

adequado de inúmeras demandas da sociedade.

Por conta disso é que se fez necessária a alocação das técnicas mediacionais para

esferas privadas, empresariais, institucionais e comunitárias, cujos resultados são ainda

mais significativos, como se nota nas observações de Zapparolli e Krahenbuhl (2012, p.

101):

A mediação comunitária, além de gerar a administração pacífica de conflitos entre pessoas ou grupos de pessoas de uma comunidade, vem como instrumento de reforço da democracia, transformando-se paulatinamente o entorno social, através da participação cidadã em temas que envolvam

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interesses da comunidade, gerando elevada presença a soluções criativas, capazes de superar os problemas estruturais e os conflitos sociais.

A possibilidade de mediação em espaços extrajudiciais atua como uma

ferramenta a mais de acesso à justiça, pois abre vários caminhos para que as partes

resolvam suas controvérsias.

Atualmente, há inúmeras experiências de mediação fora do contexto judicial,

Vasconcelos (2012, p. 161) discrimina que:

[...] além de iniciativas diretas de comunidades e organizações sociais, centenas de prefeituras, secretarias de educação, secretarias de segurança pública ou de segurança cidadã, ou de desenvolvimento social, vêm procurando implantar o apoio às comunidades no desenvolvimento de novas competências e habilidades comunicativas no trato do conflito, pela via da mediação.

Ademais, tenha-se presente que a partir do momento em que as partes se

comunicam eficientemente e conseguem compor seus interesses de forma pacífica, mais

próximo se estará do alcance de coesão social, o que, evidentemente, redunda em

pacificação social e harmonia entre as pessoas (TARTUCE, 2008).

Por tudo isso, concebe-se a mediação como mecanismo de apoio para a

realização de uma infinidade de direitos e garantias constitucionais das partes, com

reflexos que se estendem por toda a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como dito alhures, a cidadania é um conceito plurívoco, que se expande

historicamente, assim, considerando sua natureza multifacetada, a “cidadania situa-se

entre os projetos que demandam uma contínua execução e medidas de aprimoramento”

(GUERRA, 2012, p. 47).

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E nesse caminhar em busca de seu aperfeiçoamento, denota-se que a partir da

introdução de métodos alternativos de solução de conflitos, sobretudo da mediação,

estes se apresentam como meios adequados para a solução de conflitos a partir do

reconhecimento das partes como senhoras de seu destino.

Deste modo, buscou-se trazer o debate a respeito da imprescindibilidade do

modelo tradicional de jurisdição, em que os litigantes são meros personagens

subordinados aos auspícios do Estado.

Isso não significa dizer que se pretende a substituição da atuação jurisdicional

clássica, mas sim, destacar outras técnicas de realização de justiça e de enfrentamento

de controvérsias que podem coexistir com a primeira (TARTUCE, p. 293).

Tendo em vista que o uso de determinados meios alternativos de soluções de

conflitos, em especial a mediação, contribui sobremaneira à promoção e ao exercício da

cidadania, proporcionando maior autonomia, participação e emancipação dos

interessados, interessante seria que o Estado interviesse apenas quando as partes não

forem bem-sucedidas nesta atividade (CHIOVENDA, 2000, p. 17).

Deste modo, a judicialização dos conflitos tornar-se-ia mecanismo subsidiário,

intentado somente nos casos de difícil solução ou em que estejam em disputa direitos

indisponíveis de ordem pública, hipóteses imprescindíveis da atuação estatal.

A partir de tal perspectiva, desponta-se outra maneira de se conceber o conflito,

deixando de ser algo demonizado e prejudicial, para se tornar evento natural da

convivência humana, que por isso também pode ser superado de modo mais simples, a

partir de metodologias que favoreçam a promoção da cidadania e de tantos outros

direitos e deveres que propiciam o fortalecimento da sociedade.

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