mcdonald’s e o consumo: um olhar...
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MCDONALD’S E O CONSUMO: UM OLHAR MUÇULMANO.1
Caroline Kalil Reimann2
Caroline De Franceschi Brum3
Resumo:
Estar presente em diferentes países, como ocorre com a rede McDonald’s, exige da empresa
um planejamento baseado no contexto sociocultural do espaço em que está inserida. Atuar em
países de cultura islâmica também requer tais adaptações, e a inserção da empresa nesta nação,
a coloca sobre a interpretação dos nativos, baseada tanto na religiosidade, que é o princípio que
norteia a vida deste povo, assim como fatores que estão além da sua estrutura ou cardápios,
mas seus interesses como multinacional símbolo do sistema capitalista. Essas opiniões são
fundamentais para que a empresa saiba como se posicionar no mercado.
Palavras-chave: Consumo; Publicidade; Cultura; McDonald’s; Muçulmano.
A visão do McDonald’s
Entre tantas multinacionais atuantes no mundo, é perceptível que a presença do
McDonald’s se mostra relevante tanto com relação à quantidade de locais em que atua, quanto
a importância que representa na difusão cultural de seu país de origem, os Estados Unidos. Para
se elaborar um panorama de atuação da empresa no mundo, é preciso conhecer os seus
primeiros passos, quando ainda era uma pequena propriedade dos irmãos Richard (Dick) e
Maurice (Mac) McDonald’s, em 1937 no leste de Pasadena (LOVE, 1986). O primeiro
restaurante drive-in dos irmãos, “representava um modesto esforço. Enquanto Dick e Mac
1 GT3 – Comunicação e Indústria Criativa 2 Graduada em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Franciscano, Santa Maria - RS.
[email protected]. 3 Mestre em Ciências da Cultura pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real,
Portugal. Docente do Curso de Publicidade e Propaganda, Centro Universitário Franciscano, Santa
Maria - RS. [email protected].
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cozinhavam as salsichas (não hambúrgueres), batiam milk shakes e atendiam os fregueses
sentados numa dúzia de banquinhos” (LOVE, 1986, p. 24). No início o cardápio do
McDonald’s possuía 25 itens, com destaque para os sanduíches de porco e vaca, e costeletas
grelhadas (LOVE, 1986).
Anos depois os irmãos se mudaram para a cidade de San Bernardino, na Califórnia, onde
abriram um restaurante com o nome de McDonald’s Bar-B-Q, chegando à conclusão de que
“quanto mais martelávamos sobre o churrasco, mais vendíamos hambúrgueres” (DICK apud
LOVE, 1986, p. 27). A partir dessa constatação, os irmãos remodelaram toda a estrutura da
empresa, desde seu cardápio, aumentando as opções de hambúrgueres, até o seu
funcionamento, como afirmava na época McDonald apud Love (1986, p. 27) “todo nosso
conceito era baseado em rapidez, preços baixos e volume”, “buscávamos volumes grandes,
bem grandes, reduzindo os preços e fazendo com que o próprio cliente se servisse”.
O tempo fez com que os irmãos investissem em comidas como hambúrguer,
cheeseburguer, Milkshake, batata-chips, refrigerantes, cafés e pedaços de torta, e mais tarde as
batatas fritas entraram para o cardápio, tornando o pequeno restaurante, um grande sucesso.
Suas franquias começaram a se espalhar primeiramente pelos Estados Unidos e com o tempo
se difundiram por diversos lugares, construindo a rede de fast food mais conhecida no mundo4.
Atualmente a marca possui mais de 33.500 restaurantes McDonald’s, estando presente em 119
países espalhados pelo mundo5. Ela também conta com 1,7 milhões de colaboradores.6 “A rede
vende aproximadamente 190 hambúrgueres por segundo e um novo restaurante é inaugurado
a cada dez horas”7.
Seu cardápio é construído basicamente por opções de hambúrgueres, batatas fritas,
saladas e sorvetes, entre algumas variações que correspondem a promoções especiais e
temporárias, como exemplo o que ocorreu no lançamento do filme Minions no Brasil, em julho
de 2015, em que a empresa ofertou batatas fritas na forma dos personagens (Figura 1) e um
sundae com tortinhas de banana (Figura 2), fruta preferida dos personagens.
4 Mc Donald’s. Disponível em <http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/05/mcdonalds-inveno-do-fast-
food.html>. Data de acesso: Abril de 2015. 5 Mc Donald’s. Disponível em < https://www.mcdonalds.pt/mcdonalds/historia/>. Data de acesso: Abril de 2015. 6 Mc Donald’s. Disponível em <https://www.mcdonalds.pt/mcdonalds/historia/>. Data de acesso: Abril de 2015. 7 Mc Donald’s. Disponível em <http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/05/mcdonalds-inveno-do-fast-
food.html>. Data de acesso: Abril de 2015.
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Figura 1: Batatas fritas8
Figura 2: Sundae de banana9
A outra variação que ocorre nos cardápios da rede, está relacionada a adaptação cultural
de cada franquia em determinada região, que utiliza como referência pratos típicos e
ingredientes regionais para compor novos sabores de hambúrgueres e algumas versões
adaptadas. É o que acontece na Austrália, em que o McOz leva ingredientes regionais, como o
pão de hambúrguer e beterraba. Ou na Índia, em que foi aberto o primeiro McDonald’s
vegetariano, que corresponde a 50% da população indiana10. A rede ainda oferece a opção do
McAloo Tikki, feito de uma massa de batata e ervilha e o Maharaja Mac, um Big Mac feito
com frango no lugar da carne bovina, que tem o objetivo de respeitar a cultura indiana de não
comer carne de vaca, por ser um animal sagrado na religião hinduísta. Na cultura muçulmana
não poderia ser diferente, já que em países do Oriente Médio, foi introduzido em 2003 o
McArábia, disponível em duas versões, Grilled Chicken de frango e o Grilled Kofta com carne
8 Fonte: http://www.tecmundo.com.br/brasil/81638-mcdonald-s-lanca-brinquedos-mclanche-feliz-inspirados-
minions.htm. Data de acesso: Julho de 2015. 9 Fonte: http://www.tecmundo.com.br/brasil/81638-mcdonald-s-lanca-brinquedos-mclanche-feliz-inspirados-
minions.htm. Data de acesso: Julho de 2015 10 McDonald’s abre sua primeira loja vegetariana do mundo na Índia. Disponível em
<http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,mcdonalds-abre-sua-primeira-loja-vegetariana-do-mundo-na-
india,181959e> Data de acesso: Abril de 2015.
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bovina e condimentos, que levam ingredientes como alface, tomate, cebola, maionese de alho
e dois hambúrgueres (frango ou carne), tudo embrulhado em pão árabe11, o segundo
hambúrguer é vendido exclusivamente no Egito.
Estabelecer um padrão junto aos cardápios da rede de fast food, promove não só a
homogeneidade das franquias pelo mundo, mas proporciona no consumidor um sentimento de
segurança, em que o mesmo, sempre que se deparar com uma das franquias do McDonald’s,
saberá qual é o estilo de comida vendida e as suas opções de pratos, independentemente do país
em que estiver. O sistema de padronização do McDonald’s é uma de suas características mais
forte no mercado, mas ela vem mudando, principalmente pelos problemas que franquias
enfrentaram ao entrarem em países com culturas distintas. A realização de adaptações culturais
nos cardápios da rede, são utilizadas pelas franquias para que, ao entrarem em um determinado
país, sirvam como uma opção de restaurante, não somente para os turistas, mas principalmente
para os moradores locais.
De forma sequencial, o raciocínio de sensibilizar o consumidor local parece bastante
objetivo e eficaz, mas os efeitos colaterais já estão aparecendo, já que “a diversificação do
cardápio aumenta os custos e prejudica o atendimento. ‘Sem dúvida é mais difícil operar com
um cardápio mais variado’, diz Roberto Gnypek, vice-presidente de marketing da Arcos
Dorados, master fraqueada do McDonald’s na América Latina” (GRISOTTO e SALGADO).12
Mas os efeitos colaterais não são consequências somente dos fatores econômicos, ainda existe
a presença de ruídos provocados pela interpretação de cada consumidor, que é formada a partir
da construção cultural do indivíduo, que se estabelece, não somente pelas transformações
advindas da sociedade, mas também pelas articulações proporcionadas pelos indivíduos que
dela se abastecem para construir suas próprias identidades. São esses sujeitos que ajudam a
construir a chamada identidade cultural, que é formada a partir dos “aspectos de nossas
identidades que surgem de nosso ‘pertencimento’ a culturas étnicas, raciais, linguísticas,
religiosas e, acima de tudo, nacionais” (HALL, 1992, p. 9).
11 Mc Donald’s. Disponível em <http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/05/mcdonalds-inveno-do-fast-
food.html>. Data de acesso: Abril de 2015. 12 Disponível em < http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2015/05/o-mcdonalds-ainda-
nao-encontrou-o-caminho-para-sair-da-crise.html> Data de acesso: Julho de 2015).
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As adaptações estabelecidas nos cardápios da multinacional McDonald’s buscam
dialogar com o consumidor, exigindo, também da estrutura da empresa e da publicidade, uma
interação com a cultura em que a franquia está inserida, de forma que elas devem trabalhar a
seu favor e respeito. São essas adaptações que aproximam marcas e empresas de seus
consumidores, tornando-as fundamentais, já que a comunicação se desenvolva a partir de um
reflexo da cultura em que atua, e “a análise do papel e da presença da comunicação no espaço
social nos permitirá compreender melhor a evolução das marcas e seu verdadeiro lugar na
sociocultura contemporânea” (SEMPRINI, 2006, p. 74).
Semprini reflete quanto às relações cultura x sociedade e a relevância com que marcas e
empresas, juntamente com seus respectivos produtos e serviços, devem dar à sua inserção em
uma cultura diferente e as possibilidades de adaptações que seus materiais devem sofrer. É
necessário assim, que elas estejam alinhadas a cultura em que estão inseridas, de acordo com
os costumes, crenças, celebrações típicas, idioma, e qualquer manifestação comportamental de
um povo, para que o público-alvo consiga estabelecer contatos de identificação com o que está
sendo anunciado. Independente da cultura, a marca deve usar de sua habilidade de elasticidade,
e da sua “multiplicidade de manifestações, a marca pode variar seus discursos, diferenciar seus
objetivos, dirigir-se de forma quase personalizada a cada consumidor” (SEMPRINI, 2006, p.
71), ou seja, ela deve usar da capacidade de flexibilidade e adaptabilidade ao estar inserida em
culturas distintas.
São as relações da cultura, com a sociedade e as próprias contribuições das identidades
dos indivíduos, que se torna possível obter informações necessárias para se refletir quanto a
forma de comunicar de uma empresa ou marca. São estas relações que diferenciam uma
publicidade planejada de forma sociocultural, de qualquer material divulgado sem relação com
a cultura vigente. Buscar adequar-se as características de uma cultura e refletir sobre a recepção
deste consumidor, não deve ser tratada como uma obrigatoriedade, mas, como parte do
crescimento e desenvolvimento da marca a nível global. O McDonald’s ao buscar a
personalização de seus lanches de acordo com cada cultura, caminha em corda bamba, correndo
riscos, como a perda da sua identidade como uma franquia que tem a capacidade de oferecer
lanches de forma rápida, padronizada e de baixo custo, mas ao mesmo tempo busca inovação
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no seu cardápio e a aproximação do público local, é como afirma Roberto Gnypek “não temos
outra opção senão tentar agradar ao nosso consumidor”13.
A interpretação muçulmana
Para buscar compreender como que indivíduos que tem por opção religiosa o
islamismo, interpretam a relação da multinacional McDonald’s com a sua cultura, foram
realizadas três entrevistas presenciais. A primeira foi com uma família e as outras duas com
empresários nas cidades de Santa Maria e Bagé, ambas no Rio Grande do Sul. Tais entrevistas
fazem parte de um projeto maior de conclusão do curso de graduação em Publicidade e
Propaganda no Centro Universitário Franciscano, em Santa Maria. A escolha dos entrevistados
se estabeleceu por base não probabilística, por conveniência da pesquisadora, e todos os
selecionados tiveram por determinação os pré-requisitos, como exercer os ensinamentos
islâmicos e já ter praticado ou ser praticando do Ramadã.
A cultura islâmica atrelado aos preceitos do livro sagrado dos muçulmanos, o
Alcorão, é estruturada através de cinco pilares fundamentais, que são apresentados como os
pontos norteadores na vida deste povo (SAIFI, 2010)14. Cabe declarar que além dos pilares
estarem vinculados à religião islâmica e aos preceitos propostos no livro sagrado, estes são
considerados uma obrigação a todo muçulmano, que devem realiza-los pelo menos uma vez
em sua vida.15
O Ramadã, ou Sawn, jejuar em português, corresponde ao quarto pilar fundamental do
islamismo, e se refere ao mês em que os muçulmanos devem jejuar entre 29 a 30 dias, de acordo
com o nono mês lunar do calendário islâmico. Este período que corresponde ao Ramadã “foi o
13 Disponível em < http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2015/05/o-mcdonalds-ainda-
nao-encontrou-o-caminho-para-sair-da-crise.html> Data de acesso: Julho de 2015. 14 SAIFI, ZIAD AHMAD. Os cinco pilares do Islam. Disponível em:
<http://islambr.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=65&Itemid=61>. Data de acesso:
Novembro de 2014.
15 Os cinco pilares dos Islam, tiveram como referência as seguintes fonte:
ISBELLE, Sami. O jejum no mês de Ramadan: quarto pilar do Islam. Disponível em <
http://extra.globo.com/noticias/religiao-e-fe/sami-isbelle/o-jejum-no-mes-de-ramadan-quarto-pilar-do-islam-
1796263.html>. Data de acesso: Abril de 2015.
Os cinco pilares da religião islâmica. Disponível em: <http://www.islam-norte-brasil.org/Cinco_Pilares.htm>.
Data de acesso: Abril de 2015.
Algumas Dicas para o Mês Sagrado de Ramadan. Disponível em:
<http://www.religiaodedeus.net/dicas_para_ramadan.htm>. Data de acesso: Abril de 2015.
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mês em que foi revelado o Alcorão, orientação para a humanidade e vidência de orientação e
Discernimento” (ALCORÃO, 2012, p. 46). Jejuar para a cultura islâmica significa mais que a
abstenção do alimento, mas é o período em que o muçulmano terá a oportunidade de praticar
o autocontrole e a limpeza do corpo e do espírito, permitindo estar puro e em harmonia, para
estabelecer contato com Allah, Deus para este povo. O jejum também serve para que o povo
muçulmano reflita quanto ao sofrimento dos pobres e possa praticar a Zakat, caridade em
português, que é referente ao terceiro pilar fundamental, que corresponde a caridade que todos
os muçulmanos que são financeiramente estáveis, devem dar aos membros necessitados da
comunidade.
O mês do Ramadã, é praticado por todo muçulmano saudável, desde os 12 anos de
idade, sendo impraticado por qualquer mulher que esteja grávida ou em seu período menstrual,
também por doentes, idosos, deficientes ou pessoas que se encontram em viagem, devendo
estas, segundo preceitos do Alcorão “jejuará, depois, o mesmo número de dias” (ALCORÃO,
2012, p. 46).
Mas o mês do Ramadã não se restringe somente a abstenção do alimento, mas também
a qualquer bebida, inclusive água, a prática de atividades sexuais e do fumo, assim como
levantar o tom de voz, falar palavras grosseiras, insultar outra pessoa ou qualquer outra
atividade que já seja considerada proibida, como roubar e mentir. A abstenção de comida e
bebida se dá somente enquanto houver sol, de forma que muitos restaurantes fecham suas
portas durante o dia e abrem para a quebra do jejum que acontece ao anoitecer. Durante o mês
do Ramadã os muçulmanos realizam apenas duas refeições diárias, a primeira acontece antes
do nascer do sol, na chamada sohour, e depois que o sol se põe é quebrado o jejum, na refeição
chamada iftar¸ nestes dois momentos os muçulmanos podem comer livremente sem qualquer
culpa. Por ser a primeira refeição ou a quebra do jejum, tais momentos também são
considerados como momentos de integração da comunidade, como colocado por Celino
(2012)16
16 CELINO, FERNANDO. A importância e o significado do Ramadan para os muçulmanos. Disponível em:
<http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=15679&cod_
canal=83> Data de acesso: Novembro de 2014.
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durante o mês de Ramadan é comum visitar os amigos e familiares, assim como
a realização de quebras de jejum em conjunto nas mesquitas, onde os
muçulmanos compartilham os benefícios e as experiências obtidas neste mês
sagrado. Isso faz com que a união entre eles prevaleça por intermédio do
exercício religioso, já que todos estão sintonizados no mesmo espírito do jejum,
mantendo a unidade da Ummah (nação islâmica).
No Alcorão também está descrito que as primeiras refeições ao amanhecer e a noite
sejam realizadas junto com amigos, familiares e pessoas de quem gostamos, tornando este
momento mais que uma refeição qualquer, mas uma comemoração de mais um dia completado
no mês do Ramadã e também serve como uma preparação para o início de mais um dia, como
proposto no livro sagrado
Estás-vos permitido, nas noites de jejum, acercar-vos de vossas mulheres,
porque elas são vossas vestimentas e vós o sois delas. Deus sabe o que vós
fazíeis secretamente; porém, absorveu-vos e vos indultou. Acercai-vos agora
delas e desfrutai do que Deus vos prescreveu. Comei e bebei até à alvorada,
quando podereis distinguir o fio branco do fio negro. Retornai, então ao, jejum,
até ao anoitecer, e não vos acerqueis delas enquanto estiverdes retraídos nas
mesquitas (ALCORÃO, 2012, p. 47).
Ao final do mês do Ramadã é celebrado com a quebra do jejum, a Eid al-Fitr, que é considerada
a festa mais importante na cultura islâmica. Durante as celebrações os muçulmanos vestem
seus trajes mais finos, decoram suas casas com luzes coloridas e visitam os amigos e familiares.
A Eid al-Fitr tem por tema a generosidade, a gratidão e as boas práticas desenvolvidas durante
o Ramadã.
Completando os outros pilares fundamentais da cultura muçulmana, está a Shahada,
que em português significa testemunho, em que esta manifestação se estabelece através de dois
princípios, o muçulmano testemunhar a sua fé incondicional a Allah, e o testemunho ao
mensageiro de Allah, o Profeta Muhammad, definindo assim o primeiro pilar. O segundo trata
da ligação direta entre Allah e os muçulmanos, que acontece através das cinco orações diárias
e obrigatórias, que é denominada Salat em árabe. O terceiro e o quarto, como já citado,
correspondem a prática da caridade, intitulada Zakat, e o período do Ramadã, respectivamente.
Por fim o quinto pilar das práticas e instituições islâmicas fundamentais, refere-se à
peregrinação à Meca, o Hajj.
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A comida é um tópico que distingue civilizações, que representa a cultura de um povo,
e que carrega características sobre o que é cultivado em cada lugar. Através da comida, a
identidade cultural de uma nação pode ser disseminada e reconhecida no mundo. A cultura
islâmica também traz as suas refeições, ensinamentos e obrigações para seu povo,
estabelecendo o que é halal, permitido em português, ou haram, proibido em português, de ser
ingerido. Cabe ressaltar que as duas palavras que possibilitam ou não o muçulmano de algo,
não se restringe somente a comida, mas também as roupas que se pode vestir, o que se pode
fazer, o que se pode consumir, o que se pode ver e ler, de uma forma geral, estas duas palavras
são usadas para tudo na cultura islâmica e elas servem para definir aquilo que é certo ou errado
para o povo. A comida islâmica também pode ser dividida em um outro grupo, o mushbooh,
que corresponde a todos os alimentos que são de origem duvidosa, não sabendo ao certo se é
um halal ou um haram, de forma que não é aconselhado a sua ingestão. É através das regras
muçulmanas quanto a alimentação, que se estabelece uma, entre duas, das relações e
interpretações dos entrevistados sobre o consumo na rede McDonald’s. Para compreender
quais são os seus pontos de vista, é necessário entender que tipos de alimentos são halal ou
haram.
As carnes bovinas são alimentos que podem ser consumidos ou não pelo muçulmano,
isso dependerá da forma como o animal será abatido. Para que este alimento específico seja
halal, o abate deve seguir a zabihah, ou seja, o abate segundo a lei islâmica. Este método drena
todo o sangue que existe no corpo do animal, já que seu sangue contém organismos, bactérias,
produtos que auxiliam no metabolismo e toxinas que podem ser prejudiciais à saúde humana.
Para que isso seja possível, o animal sofrerá um corte no pescoço, em um ponto certo (abaixo
da glote e a base do pescoço), de modo que sua morte seja rápida. O esôfago deve ser cortado
juntamente com a veia jugular e a artéria carótida. Já a corda espinal não deve ser partida e nem
a cabeça deve ser cortada completamente.
A inspeção e o abate do animal também deve ser feita preferencial por um muçulmano,
e o nome de Allah deve ser pronunciado no momento em que ocorre o abate, enfatizando a
santidade da vida e o pertencimento da mesma ao superior. As regras islâmicas são utilizadas
pensando no menor sofrimento do animal, de modo que o muçulmano pense na compaixão e
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na prevenção da crueldade. Segundo o entrevistado A17, a cidade de Bagé é exportadora de
carnes bovinas,
“Bagé manda quase 600 cabeças de gado, por dia, para o Irã, um país
muçulmano. Inclusive vem inspetores e veterinários muçulmanos do Irã, do
Oriente Médio, vistoriar a carne brasileira. Todo a carne brasileira que vai para
o Oriente Médio, tem um muçulmano que vê gado por gado na hora do abate,
antes da exportação. Existe sim um rigoroso controle em empresas
muçulmanas”.
Mas não é só a carne bovina que pode ser considerada um haram, a carne de porco também é
proibida para o muçulmano, sendo considerada como imunda e impura ao consumo. O espaço
considerado sujo em que o animal vive, e os restos de comida que se alimentam, são as
principais razões para a sua proibição. Além da gordura do animal ter composição incompatível
com a do ser humano. No Alcorão é possível encontrar a descrição sobre as proibições de
diferentes tipos de carne,
São-vos proibidos o animal morto (que morreu de morte natural), o sangue, a
carne de porco, os animais que foram degolados sob a invocação de outro nome
fora de Allah, os animais estrangulados até à morte, os mortos por
espancamento, os mortos devido à queda ou dilacerados e mortos por chifres, os
devorados (despedaçados) por um animal carnívoro, exceto os que são
degolados ritualmente ainda com vida. São-vos proibidos também os animais
sacrificados para os ídolos. (ALCORÃO, 2012, Capítulo 5, Versículo 3)
A falta de informações quanto o abate dos animais, assim como a ausência de materiais
que confirmem quais são os tipos de carnes utilizadas na fabricação dos hambúrgueres do
McDonald’s, trazem de volta, os suspeitos hambúrgueres de minhoca, que a anos vem
rotulando os lanches da empresa. Tais processos industrializados foram o principal ponto
identificado pelos entrevistados, quando foram perguntados se iriam a uma franquia da rede
para consumir seus produtos. Como afirma a esposa do entrevistado B18, “a gente conhece [o
McDonald’s], mundialmente conhecida né. Jamais uma pessoa quebraria jejum [no Ramadã]
17 Por respeito a privacidade dos entrevistados, as opiniões não receberão identificação. 18 Por respeito a privacidade dos entrevistados, as opiniões não receberão identificação.
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comendo McDonald’s, porque é totalmente industrializado”. O entrevistado C19 também revela
sua posição,
Eu já comi, mas particularmente rejeito o McDonald’s... não compro nada da
empresa. Eu evitaria o máximo quebrar [jejum] no McDonald’s, até porque eu
não sei os produtos que o McDonald’s tem, hoje por exemplo, se usa muito
suíno aqui no Brasil. Quando a carne caí, é tudo na base do suíno.
Mesmo a alimentação sendo um fator muito importante e regrado na cultura islâmica,
os entrevistados também apontaram outro impasse quanto o consumo dos produtos da rede
McDonald’s. Como a maioria dos entrevistados é de origem palestina, afirmaram que comprar
lanches na empresa desencadearia um ciclo muito mais complexo, e que se refletiria não só na
sua alimentação, mas na sobrevivência de toda uma nação.
Como símbolo do desenvolvimento capitalista, a rede McDonald’s é apontada pelos
entrevistados como financiadora indireta do estado de Israel, que atualmente é o berço do povo
judeu e divide território com a Palestina. Os conflitos territoriais e religiosos ultrapassaram os
anos, e ainda fazem parte tanto da cultura judaica como palestina, como afirma o entrevistado
A,
É uma empresa sionista judaica. É uma empresa que destina 2,5% do seu
faturamento a compra de armas em Israel, e essas mesmas armas que mataram
recentemente, a mais de um ano, duas mil e quinhentas pessoas em Gaza. Quer
dizer, como que eu, na condição de muçulmano, de palestino, ou qualquer outra
pessoa que é contra a guerra, que é a favor da paz, eu daria dinheiro ao
McDonald’s. Então essa é a minha posição radical, não compro nada do
McDonald’s.
O sentimento de proteção a sua nação e cultura se torna cada vez mais evidente, como afirma
o entrevistado B,
A Coca Cola, o McDonald’s, esses produtos assim, [...] eles financiam os
israelenses que na verdade são contra os palestinos, que matam as nossas
crianças, torturam, prendem, entendeu, é muito abuso. Então, a partir do
momento que a gente ta consumindo um produto do McDonald’s, ou dessas
outras empresas, a gente ta financiando eles pra fazer mal para o nosso povo.
19 Por respeito a privacidade dos entrevistados, as opiniões não receberão identificação.
12
E ainda completa, “nós mesmos estamos matando nós mesmos”.
Tais relatos apontam que os ruídos provocados pela interpretação dos muçulmanos,
interfere na imagem de marca do McDonald’s, tanto por questões religiosas sobre o que comer
ou não, quanto por fatores territoriais, econômicos e do bem-estar da comunidade islâmica.
Mesmo a empresa sendo reconhecida mundialmente, seus esforços para se inserir na cultura
islâmica, aparentam servir como sinônimo de respeito a cultura daquele povo, já que não
consegue ultrapassar os preceitos islâmicos e sensibilizar os nativos. Dessa forma, o
McDonald’s fixa a sua presença em mais um território, mas como restaurante para turistas.
Considerações finais
Trabalhando sua comunicação como uma empresa para ser reconhecida em todo o
mundo, o McDonald’s consegue dialogar muito bem, buscando adaptar seu cardápio aos locais
e cultura em que está inserida. Mas ela enfrenta dificuldades ao sensibilizar muçulmanos, que
pela falta de informações sobre os ingredientes que utiliza em seus lanches, e a posição em que
a rede se encontra com relação a Israel, faz com que a empresa não seja bem vista por este
povo. Cabe as franquias do McDonald’s continuar com seus processos de adaptação cultural
nos países islâmicos, levando em consideração as suas leis e assumindo a sua posição como
estabelecimento e multinacional para turistas.
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REFERÊNCIAS
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2012.
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