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DIAGNÓSTICOCADERNO MTSD Nº 01

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© Copyright 2006

Projeto Gráfico, Capa e Diagramação

Tiragem de 1.000 exemplares

Luciano Fabiani Monteiro

André Alves, João Ivo Puhl e Jonia Fank (organizadores)

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a permissão expressa do autor (Lei n. 5.988 de 14.12.1973).

Defanti Ind. Com. Gráfica e Editora Ltda.CNPJ 36.882.777/0001-74Av. Tancredo Neves, 405 - Jd. Petrópolis - Cuiabá - MT(65) 3618-6610 - www.defanti.com.br

Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro da Fundação Biblioteca Nacional.

MATO GROSSO SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁTICO./ André Alves, João Ivo Puhl e JoniaFank (orgs.). – Cuiabá: Defanti, 2006

Autores: Amintas Nazareth Rossete, Andréa Ikeda, Cláudia Regina Sala de Pinho,Claudinéia Lizieri dos Santos, Débora Pedrotti, Gustavo V. Irgang, Jane M. Vasconcellos,Jonia Fank, Laurent Micol, Michèle Sato, Nataly Manrique Rocha, Nelci Eiete Longhi,Roberta Roxilene dos Santos, Rodrigo Ferreira de Morais, Ronaldo Senra, Samuel B. deOliveira Jr., Silas Moraes, Solange Ikeda Castrillon, Vicente José Puhl.

1. Diagnóstico Mato Grosso. 2. Desenvolvimento Sustentável e Democrático. 3. TerrasIndígenas. 4. Mineração. 5. Agricultura Familiar e Sustentável. 6. AgronegócioSustentado. 7. Desmatamento em Ucs. 8. Recursos Hídricos. 9. EducaçãoAmbiental.

CDU: 332.14

Impressão

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SUMÁRIO

Lista de siglas e abreviaturas

Apresentação

Introdução: Bases do Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático

Terras Indígenas e o Mato Grosso Sustentável e Democrático

A Mineração em Mato Grosso

Recursos Hídricos

Os Desmatamentos em Ucs

De uma Agricultura Sustentada à Sustentável

Sinfonias de Educação Ambiental Mato-grossense

.................................................................................09

...........................................................................................................11

João Ivo Puhl............................................................................................................ 13

Jonia Fank e Silas Moraes........................................................................................24

Amintas Nazareth Rossete.....................................................................................37

Solange Ikeda Castrillon, Andréa Ikeda, Cláudia Regina Sala de Pinho,Claudinéia Lizieri dos Santos, Nataly Manrique Rocha, Nelci Eliete Longhi eRodrigo Ferreira de Morais.....................................................................................46

Roberta Roxilene dos Santos, Laurent Micol, Gustavo V. Irgang e Jane M.Vasconcellos.............................................................................................................58

Vicente José Puhl......................................................................................................71

Michele Sato, Débora Pedrotti, Samuel B. de Oliveira Jr e Ronaldo Senra.....84

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABONG-CO -Associação Brasileira de ONGs, secção Centro OesteAME -Associação do Mato-grossense de EcologistasANEEL-Agência Nacional de Energia ElétricaANSA-Associação Nossa Senhora daAssunçãoBB - Banco do BrasilBR - Brasil ou rodovia federalBSB - Projeto Brasil Sustentável e DemocráticoCEAMA- Centro Etno-Agroecológico do MédioAraguaiaCIEA- Comissão Interinstitucional de EducaçãoAmbientalCIMI - Conselho Indigenista MissionárioCJMT - Coletivo Jovem de Mato GrossoCPP - Centro de Pesquisa do PantanalCPT - Comissão de Pastoral da TerraDEA- Diretoria da EducaçãoAmbientalDETRAN - Departamento Estadual de TrânsitoDNPM - Departamento Nacional da Produção MineralEA- EducaçãoAmbientalECO 92 - Conferência Mundial do MeioAmbiente - Rio de Janeiro -1992EDS - Educação para o Desenvolvimento SustentávelEIA- Estudo de ImpactoAmbientalEMBRAPA- Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuáriaEMPAER - Empresa Mato-grossense de Pesquisa,Assistência e Extensão RuralFAB - ForçaAérea BrasileiraFASE - Federação de Órgãos paraAssistência Social e EducacionalFEMA- Fundação Estadual do MeioAmbienteFIEMT - Federação das Indústrias de Mato GrossoFLEC - Fórum de Luta das Entidades de CáceresFMI - Fundo Monetário InternacionalFORMAD - Fórum Mato-grossense de MeioAmbiente e DesenvolvimentoFUNAI - Fundação Nacional do Índio que sucedeu ao SPIGERA/UFMT - Núcleo de Estudos daAmazônica, Pantanal e CerradoGLS - Gays, Lésbicas e SimpatizantesGPEA-UFMT - Grupo Pesquisador em EducaçãoAmbientalGT - Grupo de Trabalhoha - hectareHPP - Hidrovia Paraná-ParaguaiIBAMA- Instituto Brasileira de defesa do MeioAmbienteIBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticasIDH - Índice de Desenvolvimento HumanoIIRSA- Iniciativa de Integração de Infra-estrutura Regional Sul-americanaINCRA- Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgráriaINEP - Instituto Nacional de Estudos e pesquisas

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ISA- Instituto SocioambientalMAB - Movimento dosAtingidos por BarragensMEC - Ministério de EducaçãoMES - Municípios Educadores SustentáveisMMA- Ministério do MeioAmbienteMMDS - Mineração, Minerais e Desenvolvimento SustentávelMPF - Ministério Público FederalMST - Movimento dos Trabalhadores Sem TerraMT - Mato Grosso ou Rodovia estadualMTSD - Projeto Mato Grosso Sustentável e DemocráticoMW - MegawatsONG - Organização Não-GovernamentalOPAN - OperaçãoAmazônia NativaPAEC - ProjetosAmbientais Escolares ComunitáriosPCH - Pequena Central HidroelétricaPCN - Parâmetros Curriculares NacionaisPIB - Produto Interno BrutoPMB - Produção Mineral BrutaPNEA- Programa Nacional de EducaçãoAmbientalPNUD - Programa das Nações Unidas para o DesenvolvimentoPPA- Plano PlurianualPPP - Projeto Político Pedagógico – das escolas e universidadesPROFEAP - Programa de Formação em EducaçãoAmbiental do PantanalPROMEA- Programa Mato-grossense de EducaçãoAmbientalREMETEA- Rede Mato-grossense de EducaçãoAmbientalRH - Recursos HídricosRIMA- Relatório de ImpactosAmbientaisRJ - Rio de JaneiroSEDUC - Secretaria Estadual de EducaçãoSEMA- Secretaria Estadual do MeioAmbienteSEPLAN - Secretaria Estadual de PlanejamentoSIG - Sistema de Informações GeográficasSINTEP/MT - Sindicato dos Trabalhadores das Escolas Públicas de Mato GrossoSPI - Serviço de Proteção ao ÍndioTI - Terra IndígenaTRF - Tribunal Regional FederalUFF - Universidade Federal FluminenseUFMT - Universidade Federal de Mato GrossoUFPE - Universidade Federal de PernambucoUFRJ - Universidade Federal do Rio de JaneiroUHE - Usina HidroelétricaUNEMAT - Universidade do Estado de Mato GrossoUNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e CulturaUNESP - Universidade do Estado de São PauloUNICAMP - Universidade de Campinas – São PauloUSP - Universidade de São Paulo

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APRESENTAÇÃO

Este é o primeiro Caderno do Projeto Mato Grosso Sustentável eDemocrático (MTSD). Está dirigido a todas(os) as(os) mato-grossenses ebrasileiras(os) que se preocupam com o futuro de sua vida e pensam nascondições para a vida das futuras gerações. Apresenta as reflexões dos Gruposde Trabalho (GTs) do Projeto MTSD, esforço coletivo da sociedade civil paraanalisar e diagnosticar a realidade sócio-econômico-ambiental e política dodesenvolvimento do Estado.

O Projeto MTSD é a regionalização do Projeto Brasil Sustentável eDemocrático, lançado oficialmente em abril de 2004. É coordenado pelo FórumMato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD) e pelaUniversidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT) e envolve dezenas detécnicos e militantes de organizações não governamentais sócio-ambientais,pesquisadores, professores e estudantes da UNEMAT e da UniversidadeFederal de Mato Grosso (UFMT).

Em seminário de novembro de 2005 decidiu-se publicar os primeirosresultados do trabalho dos grupos do Projeto Mato Grosso Sustentável eDemocrático que ora apresentamos para a leitura, avaliação crítica e sugestões.É importante que os textos sejam debatidos pelas entidades da sociedade civil,pelos movimentos sociais, estudantis e sindicais e por todas(os) que se compro-metem pela busca da Sociedade e do Estado Sustentável e Democrático.

Os textos foram escritos por representantes dos Grupos de Trabalho eem 2007 haverá continuidade de pesquisas e certamente de publicações para oconhecimento da produção de todos os GTs, como também, a continuidade dodiagnóstico e a elaboração das propostas alternativas indicando ações, projetose programas para um Mato Grosso Sustentável e Democrático.

Cuiabá-MT, dezembro de 2006.

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INTRODUÇÃO: BASES DO PROJETO MATO GROSSO

SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁTICOJoão Ivo Puhl1

Em nível planetário e nacional há pelo menos duas décadas que pessoas,

entidades, movimentos e organizações das sociedades civis, partidos políticos,

órgãos públicos de diversas instâncias, agências de cooperação, diretores de

bancos de fomento, organismos supra-nacionais e até empresários estão

percebendo e discutindo as problemáticas do desenvolvimento insustentável.

Muitos estão preocupados com os impactos resultantes das violentas agressões

ambientais de atividades econômicas que favorecem o lucro de poucos e não

produzem o desenvolvimento para todos e nem apontam à sustentabilidade.

Nos países do hemisfério norte a questão se apresenta como o desafio para o

desenvolvimento sustentável e nos países do sul o debate do desenvolvimento

sustentável vem acrescido com o problema do acesso universal, a justa distribui-

ção e socialização dos recursos naturais no consumo como uma questão de

democratização dos benefícios econômicos para as gerações presentes, assegu-

rando-os às futuras.

Na década de 1990, em vários países europeus, foram realizados estudos

para avaliar a sustentabilidade das sociedades nacionais. Os resultados foram

alarmantes e indicam um futuro ameaçado até no curto prazo e apontaram para

a necessidade de reverem os níveis de consumo de energia, recursos naturais e

sociais, sob pena de o planeta entrar em colapso.

O projeto Brasil Sustentável e Democrático vem concentrando esforços

desde 1996, através de um conjunto de organizações a nível nacional, para

analisar as bases e os custos sócio-ambientais do modelo de desenvolvimento

brasileiro. As primeiras conclusões a que se chegou foi que há urgência na

produção de uma nova mentalidade e adoção de atitudes mais generosas e

1 Professor efetivo de História da América no Departamento de História da Universidade do Estado de MatoGrosso, campus universitário Jane Vanini em Cáceres.

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solidárias, totalmente opostas as atuais, na produção, distribuição e consumo de

bens produzidos pelo conjunto da sociedade.

A primeira discussão para regionalização e consolidação do MTSD se deu

em setembro de 2002 com a realização do Seminário

. Este evento, organizado em parceria com o projeto

interinstitucional Brasil Sustentável e Democrático (BSD), ABONG – CO,

GERA/UFMT; Mestrado de Agricultura Tropical/UFMT, UNEMAT e UNIVAG,

culminou com a definição do FORMAD como responsável por fomentar as

discussões e articulação entre as instituições participantes.

A reunião para definir o Projeto MTSD aconteceu em maio de 2003 com a

presença do Prof. José Augusto Pádua, consultor do projeto Brasil Sustentável e

Democrático. Na ocasião, discutiu-se o projeto nacional e lançaram-se as bases

do estadual. Definiram-se os objetivos, a metodologia, e a estrutura da matriz

analítica que serviu como instrumento de ação das áreas setoriais dos Grupos de

Trabalho (GTs). Assim, o Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático tem

como base o “Projeto Brasil Sustentável e Democrático” e é interinstitucional,

inclusive nas parcerias.

O projeto MTSD é coordenado conjuntamente pelo FORMAD e UNEMAT e

organizado em 11 GTs: Terras Indígenas; Unidades de Conservação;Agricultura;

Cidades; Educação; Extrativismo Vegetal e Animal, Turismo; Mineração;

Agroindústria; Infra-estrutura e; Recursos Hídricos. Estes se encarregaram de

juntar dados sobre a realidade setorial com o objetivo de analisar a sustentabili-

dade e a democracia do Estado. Pessoas de diversas entidades participaram da

elaboração da matriz analítica para orientar a produção de textos e de propostas

sustentáveis e democráticas.

Nos primeiros encontros o Prof. José Augusto Pádua abordou os principais

conceitos do projeto: Sustentabilidade e Democracia. Ressaltamos alguns

pontos:

“Brasil e Mato Grosso

Sustentáveis e Democráticos”

2

2 O FORMAD foi criado em 1992 para articular os diversos segmentos e entidades mato-grossenses, para discutir erealizar ações coletivas, públicas e privadas ante as situações que impliquem riscos ao meio ambiente e à vidahumana e, para propor alternativas de desenvolvimento sustentável para o estado de Mato Grosso.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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1) O modelo de desenvolvimento brasileiro, baseado nos modelos convenci-

onais inspirados no exemplo norte-americano, não é democrático e nem susten-

tável. Ele não tem sido capaz de combater a enorme concentração de renda e

riqueza existente no país, que produz a situação de pobreza em que vive a maior

parte da população. Seus impactos ambientais, além disso, têm sido extrema-

mente negativos. No Brasil e em Mato Grosso, o modelo de desenvolvimento

baseado na exportação de produtos primários precisa ser repensado.

2) Não é possível isolar as questões ambientais como se fossem problemas

em si mesmos, desconectados das questões econômicas, sociais e culturais. O

enfrentamento das questões ambientais passa pela mudança do modelo de

desenvolvimento e dos padrões de produção e consumo. A sustentabilidade

ecológica deve ser vista como uma das questões centrais de um projeto alternati-

vo de desenvolvimento.

3) Difundiu-se mundialmente a crença de que o desenvolvimento é univer-

sal, todos os países, povos e nações estão caminhando por uma mesma trajetória

em busca deste objetivo, baseado no padrão norte-americano. Contudo, essa

concepção não considera as diversidades dos povos e regiões que, para terem

melhorias nas suas condições de vida, não necessariamente precisam passar pelo

caminho do desenvolvimento, traçado pelos países capitalistas centrais, baseado

no uso intenso e descontrolado dos recursos naturais e no baixo uso de mão de

obra. Eles podem adotar um caminho alternativo, respeitando as diferenças

regionais, no plano social, cultural e ecológico.

4)Aconcepção da sustentabilidade vem da biologia/ecologia e diz respeito à

sobrevivência de um sistema por um prazo ilimitado. Mas a sobrevivência não

deve ser considerada como o único objetivo. É preciso discutir se pretendemos

sustentar uma sociedade injusta como a que hoje existe, ou uma sociedade digna,

com melhoria da qualidade de vida de toda a população, com acesso igualitário

aos serviços por toda a sociedade, respeitando a diversidade dos povos. É

preciso tomar posse do conceito de sustentabilidade e adequá-lo às demandas

que queremos. Ainclusão do termo democracia pretende qualificar a sustentabi-

lidade no contexto da justiça e da verdadeira liberdade.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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5) A idéia de desenvolvimento sustentável surgiu nos países centrais,

através de uma tentativa de aproximar as reivindicações dos ecologistas com a

legitimidade das empresas, amenizando sua radicalidade. Ela supõe, para

muitos, a tese de que é possível enfrentar a crise ecológica com mudança nos

níveis administrativo e tecnológico, sem passar por uma mudança profunda nos

padrões de produção e consumo. Atualmente, o desenvolvimento sustentável,

como meta genérica e superficial, é um conceito que ganhou grande hegemonia e

legitimidade. Todos são favoráveis ao mesmo. Mas o conteúdo do que deve ser

este modelo alternativo de desenvolvimento é objeto de grande disputa.

Como fazer com que o desenvolvimento seja efetivamente sustentável? E de

qual desenvolvimento estamos falando? O desenvolvimento alternativo que

estamos buscando passa pela defesa da justiça ambiental e social como premissa

para se chegar a sustentabilidade ecológica.

Há um consenso entre as entidades que investem no MTSD que era preciso

ressignificar os conceitos para manter-nos críticos ao programa desenvolvimen-

tista do governo federal e do governo do estado de MT que busca a expansão do

capital e a criação de divisas a qualquer custo. A mudança dos padrões de

consumo, das formas de pensamento e as ações transformadoras passam pela

reeducação de todas(os).

Havia questões que precisavam de respostas: como se daria a inserção da

população mato-grossense nesse projeto? De que maneira os povos indígenas

seriam partícipes e beneficiários? Como se poderiam “amarrar” as diversas

“agendas” nesse projeto? Como aprofundar a organização social – popular?

Como trabalhar na prática com os limites/tetos ecológicos? Quais seriam os

novos indicadores de desenvolvimento, diferentes dos indicadores do modelo

instalado? Como se criaria envolvimento, elos que comprometam todos, no

enfrentamento dos limites? Que seria a utilização racional e ecológica dos

Recursos Naturais?

Acreditava-se que no processo de construção do MTSD o importante seria

estabelecer as prioridades baseadas na nossa realidade. No caso do Brasil, a

ênfase deveria estar no piso, na criação de uma linha de dignidade que indicasse

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uma vida de qualidade para o conjunto da população, o tema da redistribuição e

dos limites também precisava estar presente, tanto em escala global quanto

nacional. Prioritário é atender a maioria da população ou não subsidiar os

privilégios da minoria. Só num país de origem escravista pode-se considerar

normal o salário mínimo vigente no Brasil.

Questionava-se: faz sentido construir enormes hidrelétricas e a população

local não ser beneficiada? As populações tradicionais e indígenas não podem

mais ser invisíveis. Elas precisam ser os sujeitos de um diálogo social amplo, onde

se mantenha a transparência das informações e se discuta abertamente os padrões

de produção e consumo que queremos, considerando-se a realidade ecológica

local. Não se pode pensar apenas no tempo médio de vida da população, mas na

qualidade de vida, que seja democrática, ética, respeitando as diferenças.

Em 2005, o Prof. Rodrigo Aleixo, em seminário, abordou sobre seu entendi-

mento do desenvolvimento sustentável como bandeira política deve ser usada

pelas entidades porque não existe hoje quem afirme ser contra ele. Mesmo quem

não busca a sustentabilidade não se atreve a dizer que não se importa. Aigualda-

de de oportunidades, em todos os sentidos, deve ser a busca, pois a ponte entre a

sustentabilidade e a democracia é o desafio.

O conceito de sustentabilidade é superficial e tem muitas dimensões, a

ambiental, a ética, a econômica, a cultural, a religiosa e não temos um modelo

para dizer como deve ser aplicado sem atropelar nosso conceito de democracia.

Isso significa defrontar ou apresentar a democracia, que é um conceito antigo,

com uma nova possibilidade da modernidade que tem como perspectiva um

colapso geral em nosso planeta e é o fim dos recursos naturais. Mas qual é a

temporalidade desse fim?

Neste espírito, o Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático tem por

objetivo estimular as experiências e propostas dos movimentos sociais, organi-

zações populares e organizações não-governamentais, à elaboração de um

modelo de desenvolvimento alternativo para Mato Grosso, produzindo novos

enfoques analíticos, novos indicadores e novas idéias para uma mudança social

pautada na sustentabilidade.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Entre os objetivos formulados para o Projeto MTSD, estão:

1. Promover o debate participativo sobre o modelo de desenvolvimento do

Estado de Mato Grosso com ênfase nos aspectos social, econômico e ambiental;

2. Avaliar os estudos e diagnósticos já existentes sobre a realidade sócio-

econômica, política e ambiental dominante no Estado de Mato Grosso, realizan-

do novas análises do espaço sócio-ambiental, das políticas públicas, das organi-

zações sociais, do trabalho e renda, dos serviços básicos e do comércio internaci-

onal e finanças;

3. Promover a construção de um modelo alternativo pautado na sustentabi-

lidade socioambiental, nos princípios democráticos, na competência organizati-

va, na justiça social e ambiental e em condições dignas de vida para toda a

população, com ênfase naquela parcela tradicionalmente excluída do processo

de desenvolvimento no Estado;

4. Estimular o surgimento de iniciativas, articulações e redes políticas que

possam promover a transição gradual para este modelo alternativo;

5. Capacitar e subsidiar atores sociais para formular propostas, aperfeiçoar

as relações com a sociedade e intervir nas políticas públicas com mais consistên-

cia teórica e propositiva.

A metodologia proposta para o desenvolvimento do projeto propõe os

seguintes passos: 1- Sensibilização e formatação do projeto MTSD com a consti-

tuição dos GTs setoriais a partir de oficinas para o nivelamento dos conceitos de

Desenvolvimento Sustentável e Democrático e para aperfeiçoar/adaptar a

Matriz analítica; 2 – Diagnósticos setoriais a partir de oficinas: internas dos GTs,

setoriais micro-regionais e setoriais estaduais; 3 – Tornar públicos os resultados

das pesquisas dos GTs através de seminários e publicações.

A parceria entre a UNEMAT e FORMAD contribuiu para a exeqüibilidade

dos três “Festivais das Águas” possibilitando a atuação em todo Estado, promo-

vendo o debate do Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático. Abriu

diálogos para a união da população mato-grossense, brasileira e de suas diferen-

tes organizações sociais, buscando a confraternização, os intercâmbios artístico,

cultural, ambiental e esportivo. Também mostrou a riqueza de nossos ecossiste-

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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mas e de nossa gente através da diversidade das raízes étnicas e sócio-culturais.

Além da valorização da participação no planejamento, execução, monitoramen-

to e avaliação das ações de desenvolvimento.

Nos festivais das águas e seminários do MTSD o público era constituído de

pesquisadores, gestores públicos, representantes de organizações não governa-

mentais, comunidades acadêmicas, tradicionais e indígenas que durante as

discussões fomentaram propostas de políticas públicas para a conservação dos

recursos naturais e culturais.

No processo de construção, discussão e análise do MTSD, destacamos o

Seminário promovido pelo FORMAD e a Diretoria de Educação Ambiental

(DEA), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) (09/11/2005), para produzir

subsídios e indicadores de sustentabilidade e democracia, capazes de serem

referenciais para a produção das análises setoriais no Projeto MTSD.

Jean Pierre Leroy, da FASE-RJ perguntou aos presentes:

Respondendo afirmou:

. Segundo ele, os indicadores (PIB, IDH) são proble-

máticos porque trabalham pela média. Simplificam o complexo de tal forma que

impedem chegar a alguma conclusão porque não permitem considerar as

diferenças, os problemas e dinâmicas sociais. E continuou:

Para finalizar, segundo relatório do seminário de novembro de 2005: “A

sustentabilidade é o processo pelo qual as sociedades administram as condições

materiais para sua reprodução, redefinindo princípios éticos e sócio-políticos

“o que queremos com

os conceitos de sustentabilidade e democracia?” “queremos

ações e intervenções políticas”

“Não é sustentável uma sociedade em que os produtos/mercadorias/ serviços estão

a centenas de quilômetros de distância. Concentração urbana também é um critério

que poderia ser adotado. Outro indicador que acho de grande importância é

entrevistar os jovens e crianças de uma comunidade e perguntar em que querem

trabalhar? Se a resposta da maioria dos jovens for seguir a atividade dos pais então

podemos dizer que essa é uma atividade sustentável”.

3

3 Relatório disponível no site:http://www.formad.org.br/arquivos/File/seminario_indicadores_09112005.pdf.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Page 15: Mato Grosso - Sustentavel e D - Instituto Centro de Vida · 1 Professor efetivo de História da América no Departamento de História da Universidade do Estado de Mato Grosso,campusuniversitárioJaneVaniniemCáceres

que orientam a distribuição dos seus recursos ambientais. Portanto não há uma

sustentabilidade no horizonte, o único meio de nos aproximarmos dela é

considerarmos um processo. É por isso que a democracia está no centro, porque

o processo é ação social. Sustentabilidade como construção só é possível num

processo democrático”.

Os textos que se seguem ainda são apenas parte da etapa de diagnóstico da

realidade mato-grossense e há um longo caminho a ser percorrido para que se

internalizem as idéias e as práticas da democracia e da sustentabilidade em nós

mesmos, nas famílias, nas organizações sociais de base, nas empresas e nas

macro relações da economia política e da política econômica e social municipal,

estadual, nacional e global.

Os GTs e o FORMAD ainda não concretizaram todas as dimensões da

metodologia proposta pelo projeto que prevê uma dinamização dos movimentos

sociais levantando as bandeiras de um projeto alternativo de desenvolvimento

sustentável e democrático, fundamentado e entendido pelos cidadãos mais

simples e executável até na maior complexidade demandada.

O primeiro texto do caderno trata da situação das terras indígenas até o ano

de 2005. O GT Terras Indígenas aponta os problemas socioambientais que pairam

sobre as comunidades indígenas que não tiveram a regularização de seus

territórios tradicionais e continuam sob ameaças diversas como a invasão de seus

territórios por posseiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros, pescadores,

fazendeiros, usinas hidroelétricas; ou pelas formas de ocupação do entorno com

intensos desmatamentos das matas ciliares, monoculturas, uso intensivo de

agrotóxicos que reduzem a disponibilidade de peixes, aves e animais de caça e

mesmo a água apropriada para o uso e o consumo das comunidades. Os dados

nos desafiam a pensar: como deveria ser o desenvolvimento de Mato Grosso para

que as populações indígenas fossem beneficiadas e usufruíssem, em condições

dignas, dos recursos naturais e econômicos tendo seu futuro assegurado?

O GT Mineração apresenta um texto que trata da exploração mineral no

Estado.Acapitania colonial de Mato Grosso, surgiu para proteger a fronteira e as

ricas minas de ouro e diamantes encontradas. Ainda hoje a mineração continua

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tendo importância econômica e social, mas é atividade provocadora de fortes

impactos ambientais negativos. Em geral extrai recursos naturais não renováveis

e rapidamente esgotáveis. O autor mostra um outro tipo de mineração que

poucas vezes foi percebido como tal, apesar da sua importância econômica.

Trata-se da extração de argila para a cerâmica (tijolos, telhas, etc), a areia, a pedra

bruta ou britada, o cimento, a dolomita e o calcário para a construção civil e este

último também corretivo dos solos ácidos na agropecuária quimificada. Além de

descrever o fenômeno aponta critérios para tornar a atividade racional e reduzir

seus impactos ambientais mais danosos.

O GT Recursos Hídricos aborda a temática da água, não somente como um

recurso natural economicamente aproveitável. Serve para produzir, transportar,

extrair peixes, animais e aves, para gerar energia, para a limpeza, o preparo de

alimentos, matar a sede e utilidades que homens, animais e plantas lhe dão. Ela é

a principal fonte de vida.Antes de tudo é um dom, um direito e uma necessidade

de todos os seres vivos. O Estado tem obrigação de defendê-la e socializá-la e

impedir sua privatização e transformação em mercadoria para o enriquecimento

de poucos. Aavançada legislação brasileira sobre o tema não impede os conflitos

por interesses que se digladiam para usar a água para as hidrovias, as hidroelé-

tricas e os grandes projetos de irrigação com os pivôs centrais que se opõe aos

interesses das comunidades que se desenvolveram em torno dos cursos de águas

livres. Os Festivais das Águas realizados nas três principais bacias Hidrográficas

do Estado denunciam problemas, mas também apontam iniciativas de novo tipo

de desenvolvimento com a democratização e o uso sustentável dos recursos

hídricos.

O GT Unidades de Conservação traz um texto interessante sobre a função

destas unidades para reduzir os impactos dos desmatamentos no Estado que nas

últimas três décadas foi campeão de desflorestamento. Conseguiu realizar em

poucos anos a destruição de pelo menos 37% das florestas nativas originais que

cobriam Cerrado, Amazônia e Pantanal. O estabelecimento de áreas naturais

legalmente protegidas a níveis federal, estadual, municipal ou até privado, são

práticas recentes em Mato Grosso e as 42 unidades representam apenas 4,6% do

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território do Estado. Estão distribuídas por todo o território de sul a norte e de

leste a oeste. Apesar de serem ilhas de preservação e nem sempre respeitadas, o

estudo indica que mesmo depois de sua criação muitas áreas continuaram sendo

invadidas e tiveram suas florestas retiradas. Nas áreas do entorno, tão importan-

tes para que não fiquem isoladas e ameaçadas, as matas estão sumindo rapida-

mente. A análise destes dados nos remete a pensar outras estratégias para

assegurar a integridade das áreas protegidas e avançar na construção de formas

de manejo das florestas em vista do desenvolvimento sustentável e participativo.

O GT Agricultura realizou um diagnóstico dos investimentos públicos em

forma de subsídios ao agronegócio e desmascara a cruel tradição política

brasileira. O Estado continua ajudando os mais ricos e poderosos, sejam brasilei-

ros ou multinacionais, pois o negócio agropecuário deles só se mantém porque

. Toda a sociedade continua pagando os

prejuízos dos créditos não pagos aos bancos e renegociados a longos prazos,

porque além da força do dinheiro utilizam a política formando a bancada

ruralista. Elegem-se ou financiam deputados, senadores, prefeitos, governado-

res, etc. para barganharem nos momentos decisivos de votações importantes que

interessam ao governo ou a sociedade. O texto mostra que o agronegócio tão

louvado como fator de progresso tem um altíssimo custo social e ambiental

porque exclui e empobrece as maiorias, enriquece poucos, não democratiza o

acesso aos recursos naturais, sociais e públicos, depreda florestas e a biodiversi-

dade, contamina os solos, a água e o ar e produz o desemprego e a insegurança

alimentar. Além de criar cada vez maior dependência de poucas empresas que

controlam a cadeia produtiva, lucrando com o fornecimento de insumos,

máquinas, sementes, agrotóxicos, créditos, assistência técnica, agroindustrializa-

ção e a distribuição aos atacadistas ou consumidores.

O Texto do GT Educação traça em linguagem poética um quadro sintético

das práticas e agentes da educação ambiental no Estado, desde os movimentos

das vanguardas ambientalistas das décadas de 1960 e 70, passando pela especia-

lização em educação ambiental promovida pela UFMT em 1989, experiência

pioneira na América Latina, até a construção da Rede Mato-grossense de

“privatizam os lucros e socializam as perdas”

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Educação Ambiental (REMTEA) que articula diversos atores populares, ONGs,

empresários, órgãos públicos, universidades, pesquisadores e militantes

ecologistas e ambientalistas. O texto também analisa como nas escolas em Mato

Grosso a educação ambiental foi se tornando um tema transversal e como os

conceitos e as práticas educativas se ampliaram. Indica ainda os desafios a serem

superados para construirmos o território como espaço de vida revolucionaria-

mente oposto ao modelo desenvolvimentista vigente.

Será uma leitura estimulante e desafiadora para todos que buscam o

desenvolvimento sustentável e democrático e apostam na reeducação como

estratégia de ação.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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TERRAS INDÍGENAS E O MATO GROSSO

SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁTICO

Jonia Fank e Silas Moraes1

Este texto tem por objetivo apresentar um diagnóstico preliminar sobre as

Terras Indígenas (TI) habitadas e reivindicadas pelos povos indígenas de Mato

Grosso. Tomamos por referência as informações apresentadas por representan-

tes de vinte e três etnias presentes no “Encontro do Movimento Indígena e

Questões Fundiárias do Estado de Mato Grosso ” realizado entre os dias 22 a 25

de novembro de 2005, na Chapada dos Guimarães-MT. Também consideramos

para análise os dados oficiais da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de 2005,

do Anuário Estatístico de Mato Grosso e o previsto na Constituição Federal e no

Estatuto do Índio. Ao final destacamos duas situações de terras que são emble-

máticas e que exigem atitudes urgentes.

A metodologia adotada no Encontro permitiu abordar as realidades

segundo diferentes aspectos, como: situação legal, territórios invadidos, usufru-

to e condições de degradação dos recursos naturais - floresta, água e animais.

Apresentaremos estes dados, destacando números que demonstram a

gravidade da questão territorial indígena em Mato Grosso. Dentre as vinte e três

etnias e aproximadamente trinta e nove TIs representadas no encontro:

21 (vinte e uma) etnias apresentaram reivindicação de recuperação de

suas terras tradicionais que ficaram fora da demarcação; apenas 2 (duas) não

reivindicaram.

20 (vinte) etnias fizeram denúncias de invasões em suas terras;

2

3

24

1

2

3

Membros do Grupo de Trabalho Terras Indígenas - GT TI. Colaboração de: Kátia Zorthea; Maristela Torres;Sebastião Moreira e Solange Pereira.Etnias presentes no Encontro: Apiaká, Arara, Bakairi, Bororo, Chiquitano, Cinta larga, Enawene Nawe, Guató,Irantxe, Yudja/Juruna, Kaiabi, Kaiapó/Mebengokre, Karajá, Munduruku, Myky, Nambikwara, Paresi, Rikbaktsa,Tapirapé, Terena, Umutina, Xavante e Zoró.Neste artigo, todas as citações de Encontro, irão se referir a este evento de novembro de 2005.

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21 (vinte e uma) etnias citaram degradação e exploração de recursos

naturais;

As 23 (vinte e três) etnias registraram tensões e conflitos externos.

Frisamos que todas as vinte e três etnias apresentaram algum tipo de

denúncia ou reivindicação, sendo que muitas apresentaram todas as quatro

categorias de denúncia e reivindicações e que todas as etnias presentes denunci-

aram conflitos externos.

A Constituição Federal (1988) explicita em seu Título VIII da Ordem Social,

Capítulo VIII, dos Índios,Art. 231:

Uma lei complementar deveria especificar como este artigo 231 será

aplicado. No entanto, o Estatuto do Índio vigente ainda é o de 1973 e a não

atualização deste texto favorece que acordos para exploração de recursos

naturais sejam firmados de maneira individualizada.

O processo de regularização dos territórios indígenas inclui etapas de

identificação, demarcação física, homologação (pelo Presidente da República) e

1. Terras Indígenas em Mato Grosso

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,

competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em

caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis

à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a

sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Encontro “Movimento dos povos indígenas e questões fundiárias de MT”, novembro 2005.

Foto: José Luis Medeiros

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registro como patrimônio da União. Em muitos casos, quando a área está

invadida, é necessário 'retirar os não-índios' que ocupam a mesma. Todo este

processo de regularização, muitas vezes, perfaz mais de duas dezenas de anos.

As razões da demora são de várias ordens, sofrendo forte influência dos poderes

políticos e econômicos.

No caso de Mato Grosso, mesmo havendo um número razoável de terras já

demarcadas, a maioria delimitadas e processadas pela FUNAI, a partir de 1970, a

dimensão dos Territórios Indígenas ainda é insuficiente para suprir a real

demanda desses povos.

Segundo declarações do atual presidente da FUNAI Mércio Gomes, no dia

12 de janeiro de 2006 à Agência de notícias Reuters:

. Entretanto, essa não é a realidade encontrada na

grande maioria dos povos indígenas do Brasil e nos relatos deste Encontro de

novembro.

Em Mato Grosso existem atualmente 38 (trinta e oito) diferentes etnias,

sendo que 14 (quatorze) destas vivem no 'Parque Indígena do Xingu'. O Anuário

Estatístico de Mato Grosso de 2004 registrava 75 (setenta e cinco) Terras Indígenas

(TIs) legalmente protegidas, mas os dados técnicos da FUNAI (2005), dizem que

existem 86 (oitenta e seis) TIs, sendo 55 (cinqüenta e cinco) regularizadas e as

demais ainda em processo de regularização.Acrescentamos aos dados da FUNAI

a TI dos Terena em Guarantã do Norte, que consta no Anuário Estatístico de 2004

e chegamos ao número de 87 (oitenta e sete) TIs em Mato Grosso.

Percebe-se que há dados oficiais contraditórios entre si com uma diferença

de onze TIs entre as duas fontes, além de não constar nos dados da FUNAI a TI

da etnia Terena no município de Guarantã do Norte, o que parece falha grave.

Com base a estes dados, consideramos urgente e necessária a atualização e

regularização das mesmas pelos órgãos responsáveis.

Nos dados oficiais, também não consta a existência de povos

no Estado. A Equipe de Índios Isolados da FUNAI, responsável pelo

contato com estes povos, indica que há aproximadamente seis grupos em Mato

Grosso, que também necessitam da garantia de seus territórios.

“o Estado Brasileiro já garantiu

terras suficientes para esses povos”

indígenas

isolados

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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2. Regularização e reivindicação de Terras Indígenas

Dentre as etnias presentes no Encontro, vinte e uma reivindicam recuperar

partes de territórios tradicionais, pois denunciam que ficaram fora da demarca-

ção oficial e são terras com significativo valor cultural e sócio-econômico.

No caso dos Kayabi, a luta por reconquistar a TI do Batelão está relacionada

à história da retirada de boa parte deste povo, conduzido ao Parque do Xingu na

década de 50, sendo um símbolo de resistência para as cinco famílias que

permaneceram na região de origem. Estas famílias desceram o rio dos Peixes e

hoje formam um grupo de mais de 350 indígenas, dividindo com os Apiaká e

Munduruku, uma área insuficiente. A área é constante foco de conflitos e já

houve, inclusive, episódios de violência contra os índios e vice-versa.

O quadro a seguir indica as vinte e uma etnias que reivindicam a retomada

de terras consideradas tradicionais, mas que ficaram excluídas da demarcação já

realizada.

Há casos que necessitam de regularização de toda a terra, como o das etnias

Terena e Guató. Já os Chiquitano na fronteira Brasil/Bolívia tiveram apenas

identificado a TI Pontal do Encantado. Esta é insuficiente e há manipulação de

fazendeiros e políticos, com lideranças sendo ameaçadas de morte, numa região

marcada pelo narcotráfico.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Etnia Áreas a serem reconquistadas RegiãoApiaká Pedem regularização da TI NoroesteArara Micro bacia do Rio Encrenca NoroesteBakairi Retomada de área do Xingu Sudeste

Bororo

Falta demarcação de 50% da TI Tereza Cristina(da terra tradicional demarcada pelo MarechalRondon) e Jarudore (totalmente invadida). Faltademarcação da área Volta Grande emSangradouro, recuperação do Pontal noTadarimana e recuperação da colônia SantaIzabel no Perigara.

Sudeste/Sul

Chiquitano Regularização das terras Sudoeste

Cinta LargaCaverna do Morcego e a área da cabeceira dorio Guariba

Noroeste

Enawene Nawe Reconquista da área Adowina no Rio Preto NoroesteGuato Regularização das terras Baía dos Guató SulIrantxe(Manoki) Parte do território tradicional

Noroeste

Kaiabi Reconquista Batelão Norte

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3. Obstáculos para a regularização das TIs

Os processos de regularização das TIs, muitas vezes esbarram com proble-

mas na justiça, além da incompetência e/ou prevaricação na FUNAI. Em

particular no estado de Mato Grosso, estas terras enfrentam dificuldades para

serem demarcadas ante a forte pressão política e econômica de grupos de

pecuaristas, madeireiros e sojicultores. Muitos desses mantêm vínculos com

políticos de expressão local, regional ou nacional, sendo favorecidos quando o

Estado e a justiça demoram a chegar a um 'veredicto final'.

Seria ingênuo não admitir que há casos em que indivíduos de alguns povos

indígenas estabelecem 'parcerias' com sojicultores e pecuaristas, arrendando

terras para o plantio da monocultura, em seu território. O caso mais conhecido e

denunciado é o que ocorre entre os Paresi. Outro é o caso do povo Tapirapé com

arrendamento de pasto para criadores de gado. As práticas destes indivíduos

contradizem os interesses de suas comunidades que reivindicam a recuperação

de suas terras tradicionais.

Destacamos que Blairo Maggi, atual governador de Mato Grosso, é também

o maior produtor individual de soja do mundo. Logo após tomar posse, em 31 de

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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MundurukuRegião comum entre povosKaiabi\Apiaka\Munduruku dividida pelo rio dosPeixes

Noroeste

Myky Área Castanhal\Tucunzal Noroeste

NambikwaraParte da Caverna Morcegal e os cemitériostradicionais

Sudoeste

PareciRecuperação da Estação Rondon, o Uirapuru, aPonte de Pedra e o Formoso.

Oeste

TapirapéParte da TI Urubu Branco (próximo a SantaTerezinha)

Nordeste

TerenaRegularização das terras em Matupá/Guarantãdo Norte

Norte

Umutina Área tradicional que foi tomada por fazendeiros Oeste

Xavante TI São Domingos e MarãiwatsédeSudeste,Leste e

NordesteXinguanos:Yudja/Juruna

Área adjacente ao Parque área tradicionalKalapalo e Jatobá/Ikpeng.

Nordeste

Karajá Parte do território tradicional LesteMebêngôkre/Kaiapó

Reconquista Kaponhinore Nordeste

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março de 2003, enviou uma carta ao Ministro da Justiça, solicitando a paralisação

das demarcações, no mínimo por 02 (dois) anos, para

. Finaliza seu documento argumentando que

. Constata-se que, pouquíssimas áreas no Estado tiveram encaminha-

mento para estudo, com a criação e a implementação de GT, entre outros trâmites

necessários à regularização de TIs, depois desta data.

São inúmeros os casos em que, mesmo depois de finalizadas todas as etapas

do processo legal de regularização das terras, os territórios seguem sofrendo

exploração ilegal. Alguns poucos povos desenvolvem sistemas de vigilância, o

que resolve apenas uma parte dos problemas, como indicam os casos dos

Rikbaktsa e Enawene Nawe.

Em 2004 o povo indígena Xavante do Marãiwatséde, com muita luta e

depois de quase um ano acampado na beira da estrada, retomou 2.600 (dois mil e

seiscentos) hectares dos 168.000 (cento e sessenta e oito mil) hectares de sua terra

tradicional, homologada e demarcada, mas invadida por posseiros e grileiros.

“reavaliar as demarcações e

estudos em andamento” “as demarca-

ções estão impedindo futuras obras de infra-estrutura estratégicas para o nosso desenvol-

vimento”

3.1. Invasões em TIs

Os maiores invasores denunciados no Encontro, foram fazendeiros,

madeireiros e pescadores, conforme o gráfico abaixo:

Fazendeiros

Madeireiros

Pescadores

Presença de posseiros em

suas terras

Sofrem invasões de

garimpeiros

Sofrem com caçadores e

outros

Turismo

Pecuária

Sojicultura

Exploração de palmito

Grileiros

Presença de ‘linhão’ de energia

elétrica cortando a área

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

29

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Continuam enfrentando invasões articuladas por estes agentes, além de outros

desafios para sua sobrevivência na área, tais como obter alimentação e moradia.

Destacamos também, deste Encontro, as denúncias relacionadas à degrada-

ção e exploração dos recursos naturais em terras indígenas. As denúncias mais

freqüentes foram em relação a madeireiros e a pesca predatória, que atingem as

áreas de onze das etnias presentes. Cinco etnias têm problemas com a construção

de hidrelétricas. O povo Enawene Nawe sofre a ameaça da efetivação de 11

(onze) projetos de hidrelétricas no rio Juruena que passa pelo seu território.

O quadro abaixo apresenta as denúncias com destaque aos tipos de degrada-

ções e de exploração de recursos naturais, em ordem decrescente de importância:

Analisando o conjunto dos territórios é possível prever que problemas

decorrentes da degradação no entorno, afetam cada vez mais diretamente a um

maior número de povos indígenas, pois boa parte das nascentes de rios estão fora

de suas terras. Ali os processos de desmatamento avançam, deixando as TIs como

'ilhas' cercadas por pasto e monocultivos.

A exploração agropecuária que prioriza a agricultura em larga escala, em

detrimento das condições de reposição e de manutenção dos recursos naturais,

3.2. Degradação e Exploração dos Recursos Naturais

Degradação e Exploração dos recursos naturais em TIs de MTRetirada de madeira

Pesca predatóriaConstrução de PCHs

Nascentes de rios degradadas fora da áreaDiminuição da caça, pesca e coleta de frutos silvestres

GarimpoAtingidos pelo uso de agrotóxicos no entorno

Desmatamento no entorno de riosCaptura de iscas

Degradação da terra tradicional que está sendo reivindicadaDesflorestamento para monocultura

Cerrado destruídoDependência de recursos alimentares externos

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

30

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causa impactos diversos sobre as TIs. Destacamos o assoreamento dos rios,

devido à destruição das matas ciliares e a contaminação dos lençóis freáticos pelo

uso intermitente de agrotóxicos. As circunstâncias apontam para sérias conse-

qüências sobre toda a sociedade, comprometendo a qualidade e a quantidade da

produção agrícola, em qualquer escala, trazendo prejuízos à saúde dos indíge-

nas e das populações do entorno.

Apresentamos com mais detalhes o que ocorre em duas das terras indígenas

mais impactadas e ameaçadas pelo modelo hegemônico desenvolvimentista

adotado no Estado.

É importante ressaltar que além destes casos há outras situações emblemáti-

cas em Mato Grosso, como por exemplo, a vivenciada pelos Bororo de Jarudori e

da TI Tereza Cristina.

No início dos anos de 1960 o paulista Ariosto da Riva invadiu o território

tradicional Xavante instalando ali seu latifúndio de cerca de 1.000.000 de hectares

(um milhão). A área conhecida como Suiá-Missu (por conta do rio de mesmo

nome que a corta e deságua no Xingu), iria abrigar a maior área contínua de

criação de gado do mundo.

Em agosto de 1966, após acordo dos novos proprietários (família Ometto)

com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), com o auxílio de aviões da Força Aérea

Brasileira (FAB), foi iniciada a transferência dos cerca de 300 sobreviventes do

povo Xavante da área para a Missão Salesiana em São Marcos, 400 quilômetros ao

sul de Marãiwatséde.

Na operação morreram cerca de 90 índios em decorrência do traslado e de

doenças advindas do contato com a sociedade nacional. Os mais velhos conside-

ram que a transferência significou uma violenta ruptura que jamais será esqueci-

da.

, relembra o cacique Damião, que tinha 11 anos quando foi

4. Casos Emblemáticos em Mato Grosso

4.1. Caso Xavante – TI Marãiwatséde

“A terra onde cresci era livre, tinha floresta, porque o índio preservava e não havia

nenhum branco ainda”

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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levado para São Marcos.

.

Depois do fracasso do projeto agropecuário inicial de Riva, as terras da Suiá-

Missu em mãos da família Ometto, passaram ao controle da corporação italiana

Agip Petroli (holding da estatal Ente Nazionali Idrocarburi – ENI). Em 1992, em

meio às várias discussões que marcaram a Conferência Mundial do Meio

Ambiente (ECO 92), no Rio de Janeiro, representantes da empresa se comprome-

teram verbalmente a devolver a área original aos Xavantes.

Diante disto, grupos políticos do Estado e fazendeiros da região contrários à

idéia organizaram um processo de ocupação da área por posseiros e grileiros,

mesmo sabendo que fora oficialmente identificada, demarcada e homologada

como terra indígena, uma extensão de 168 mil hectares. Ao longo desses anos os

Xavante tentaram retomar Marãiwatséde, sendo sistematicamente impedidos de

voltar a construir suas aldeias nessa área. Mesmo assim, retornam a estas terras

para coletarem matérias primas utilizadas na confecção de artesanato, arcos e

flechas, e para cultuarem seus antepassados nos antigos cemitérios.

Em 2003, os anciãos do povo Xavante manifestaram o desejo de voltar à terra

de seus ancestrais antes de morrerem. Os jovens guerreiros sentiram a obrigação

de propiciar este retorno. No mesmo ano, 280 (duzentos e oitenta) pessoas

(crianças, jovens, adultos e velhos) retornaram às suas terras, mas foram impedi-

dos pelos invasores de entrarem na sua terra indígena. Então, ficaram acampados

à beira da BR 158, entre novembro de 2003 e agosto de 2004, aguardando a

decisão do Juiz da 5ª Vara da Justiça Federal de MT.

Durante o período muitos adoeceram em decorrência da má qualidade da

alimentação, da água e por falta de saneamento básico, três crianças morreram.

Atualmente os Xavantes ocupam cerca de 20 mil hectares de suas terras. Vivem

em clima de tensão e há o risco de acirramento do conflito com os posseiros a

qualquer momento.

A permanência dos posseiros na área Xavante está amparada em decisão do

Tribunal Regional Federal - TRF, que determinou que uma eventual extrusão

fosse iniciada apenas após o julgamento do mérito da ação civil pública – proces-

“Depois que saímos, foi a perdição. Nunca mais encontramos

um lugar nosso, de verdade”

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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so que, neste momento, depende de uma nova perícia antropológica da FUNAI e

de levantamento fundiário por parte do Instituto Nacional de Colonização e

ReformaAgrária - INCRA.

Placas colocadas pela FUNAI para identificar a terra indígena foram

pichadas com tinta preta. Pelas informações dos índios, posseiros vêm desma-

tando e fazendo novas ocupações nas proximidades da aldeia, reduzindo o

espaço para a caça e a pesca nos moldes tradicionais. Em outubro de 2004, um

grupo de rapazes Xavante teve sua pescaria interrompida à bala por pistoleiros.

Na tentativa de escapar, dois índios foram atingidos.

A sensação é de confinamento.

, protesta Arimatéia Tserewahriwê, jovem liderança da etnia. Segundo

ele, não é da natureza xavante aceitar a imposição de limites em sua própria

terra.

.

Desde o ano 2005, o INCRAtentou, sem sucesso, concluir duas das principais

etapas necessárias ao processo de devolução de Marãiwatséde aos Xavantes: o

cadastramento dos posseiros e a seleção dos potenciais clientes da reforma agrária.

No momento percebe-se que a situação está ficando insustentável. Os

Xavante não podem fazer suas roças, caçar, pescar nem coletar materiais

tradicionais. Há mais de dois anos, aguardam uma decisão da justiça que

garanta a posse definitiva de seu território e a retirada dos invasores, mas os

procedimentos não avançam.

O desrespeito às leis ambientais e a demora na identificação do território

tradicional Enawene Nawe colocam em risco a sobrevivência deste povo localiza-

do no município de Juína, a 737 quilômetros de Cuiabá.

“Estamos presos aqui. Os posseiros estão à nossa

volta. A caça e a pesca são prioridades para nós, mas hoje não podemos andar longe porque

tem risco de conflito com posseiro. Isso não pode continuar, é contra o jeito de ser do povo

Xavante”

“Não podemos perder nossa cultura, nossa caça, nosso modo de conseguir

alimento. Queremos ser Xavantes autênticos e andar sem medo”

4.2. Caso Enawene Nawe – Rio Preto e PCHs4

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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4 Pequenas Centrais Hidrelétricas.

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Aregião do rio Preto, que fica fora da Terra Indígena é uma importante fonte

de peixes para esse povo. O ritmo intenso de ocupação, os desmatamentos

ilegais e o uso de agrotóxicos nas lavouras de monocultura ameaçam seriamente

esses recursos. Agravando a situação estão planejadas pelo consórcio Juruena

(empreendedoras Maggi, MCA e Linear) nove Pequenas Centrais Hidrelétricas

(PCHs) e duas hidroelétricas maiores nas proximidades do território.

Mesmo após o contato, em 1974, os Enawene Nawe mantêm o seu modo

tradicional de vida, diretamente ligado a um calendário de festas e rituais. Esses

eventos que dão sustentação à organização social coincidem com o calendário

produtivo desse povo. A pesca, a agricultura e as atividades extrativistas

mantêm estreita ligação com o universo mítico, o cumprimento de obrigações e o

pagamento de dádivas aos espíritos.

Monolíngües e pertencentes à família Aruak, os Enawene Nawe realizam a

pesca para o seu ritual mais importante - o Yãkwa. Pescam com armadilhas

colocadas em barragens, armadas no leito dos pequenos rios de sua área, da

mesma forma como faziam seus antepassados. Atualmente, a barragem de

maior produção para o ritual encontra-se no rio Preto, fora dos limites da Terra

Indígena homologada. Este ritual se estende por um período de sete meses.

Amaioria dos povos indígenas do Brasil sofreu forte decréscimo populacio-

nal no período posterior ao contato. No entanto, a população Enawene Nawe

apresentou um considerável aumento populacional. Em 1974, eram 97 indíge-

nas, hoje são 445 pessoas . Na mesma proporção, cresce a necessidade de uma

maior obtenção de alimentos. Por conta disso, a preservação das nascentes dos

rios, das matas-ciliares e da floresta são fundamentais para a manutenção do

equilíbrio físico e cultural desse povo.

Cientes desse fato, os Enawene Nawe vêm buscando através de diferentes

instâncias governamentais o reconhecimento dos seus direitos sobre terras da

região do rio Preto. Em 2003 a FUNAI chegou a informar sobre a instauração de

5

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5 Dados da OPAN - março de 2006.

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um Grupo de Trabalho (GT) para estudo dessa área. O GT acabou sendo cancela-

do em 2004 por causa de uma moratória que atingiu outras áreas indígenas em

situação semelhante.

A partir daí os Enawene Nawe iniciaram seus contatos com o Ministério

Público e a própria FUNAI para garantir a instalação do GT. Na tentativa de

conter as ações predatórias em seu território tradicional, também foram encami-

nhadas denúncias ao IBAMA sobre derrubadas irregulares. Nenhuma das

tentativas teve resultados concretos.

A dúvida dos Enawene Nawe é, quando finalmente se iniciarem os traba-

lhos de reconhecimento, não será tarde demais? Um dos representantes do povo,

Marikerosene, manifesta que a questão é urgente:

.

A construção de um complexo hidroelétrico no rio Juruena, próximo de sua

área tem preocupado os Enawene Nawe. No curso do rio Juruena, estão previs-

tas a construção de 9 (nove) PCHs e duas hidroelétricas. Cinco das PCHs

atingirão de forma direta essa população. A primeira estará apenas há 20 km do

limite sul da Terra Indígena. Os empreendimentos já possuem licença prévia e de

implantação. O site daAgência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) disponibi-

liza um cronograma para a realização das obras. Até o momento os Enawene

Nawe não foram ouvidos sobre o tema.

Conforme o administrador da FUNAI em Juína, Antônio Carlos de Aquino,

as hidroelétricas estão sendo pleiteadas por grandes produtores da região e os

processos tramitam na Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio

Ambiente da FUNAI, em Brasília.

Caso se concretize a construção destas usinas, o modo de vida Enawene

Nawe será, sem dúvida, fortemente afetado, considerando que o peixe é um

recurso natural e simbólico vital à ordem, manutenção e reprodução da sua

organização social e se constitui no primeiro ponto mais vulnerável deste

processo. É principalmente a partir das evidências do impacto sobre os peixes e

sobre as atividades pesqueiras tão fundamentais à vida social Enawene Nawe,

“Tem que ser rápido. Nossa terra

está ficando feia, estão derrubando todas as árvores, vão jogar veneno na água, logo os

peixes vão embora e não terá mais nada. Vou sentir saudades”

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que eles definem argumentos e estratégias contrárias àqueles empreendimentos.

Calculam os riscos da degradação dos seus recursos hídricos, que os setores

governamentais, brasileiro e estadual, vêm desconsiderando ao incentivarem a

construção das usinas.

5. Documentos consultados:BRASIL. . 1988. Disponível em www.planalto.gov.br.

CIMI.Arquivos do Conselho Indigenista Missionário - Regional Mato Grosso

FORMAD. do Fórum Mato-grossense de MeioAmbiente e Desenvolvimento.

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MENDES, Artur Nobre. Setor Fundiário da FUNAI em Brasília-DF.

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Constituição Federal

Arquivos

Anuário Estatístico de Mato Grosso 2004.

Terras Indígenas de MT.

Arquivos

Relatório do Encontro do Movimento dos Povos Indígenas de Mato Grosso.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

36

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A MINERAÇÃO EM MATO GROSSO

Introdução

Amintas Nazareth Rossete1

A “explosão demográfica” (DEMENY, 1987) verificada principalmente no

século XX e a melhoria das condições gerais de infra-estrutura de uma parte da

humanidade ocasionaram o aumento vertiginoso da demanda por bens minera-

is. Isto pode ser notado ao se observar as estatísticas de produção de metais.

Segundo Spoel (1990), a produção de metais foi de 25 milhões de toneladas do

início da civilização até 1750; 10 milhões de toneladas de 1750 a 1800; 100 milhões

de 1800-50; 900 milhões de 1850 a 1900; 4 bilhões de 1900 a 1950; e de 5,8 bilhões

de 1950-80.

De acordo com McDivitt e Manners Suslick (1992), cada indivíduo

consome em média, 20 toneladas anuais de matérias-primas minerais. Este

consumo deve-se em grande parte à crescente industrialização, notadamente

nos países do Hemisfério Norte, fenômeno este que teve seus primórdios com a

Revolução Industrial do século XVIII (SUNKEL e PAZ, 1988), implicando numa

explosão desenfreada da pesquisa e lavra dos bens minerais.

Atuando como base de sustentação para a maioria dos segmentos industria-

is, a extração mineral desempenha hoje um papel fundamental na economia de

diversos países, principalmente dos países em desenvolvimento que tem a

mineração como uma importante fonte de geração de divisas, via exportação de

minério, além de ser uma atividade geradora de empregos e impostos, represen-

tando, assim, um fator determinante para o desenvolvimento de um grande

número de cidades e micro-regiões (MARQUES, 1993).

No Brasil a atividade de extração mineral como um todo corresponde a US$

28,0 bilhões, o que representa aproximadamente 4,20% do Produto Interno Bruto

apud

37

1 Deptº de Ciências Biológicas Campus Universitário de Nova Xavantina Universidade do Estado de MatoGrosso – UNEMAT. Membro do GT Mineração.

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(PIB) - brasileiro. Este valor do PIB, no entanto, não reflete a real importância do

setor dentro da economia brasileira, já que ao se considerar as etapas de transfor-

mação do bem mineral (fases onde o produto é beneficiado para posterior

aproveitamento industrial), esse valor sobe para aproximadamente 10,5% do PIB

(SUMÁRIO, 2005).

A mineração funciona como atividade matriz para setores como siderurgia,

metalurgia, indústria cerâmica, cimenteira, química e de fertilizantes, dentre

outros.

Para efeito de comparação mais de 80% de toda a produção mineral da

França é de agregados para a construção civil, (ARNOULD, 1989), enquanto no

Brasil a produção dos minerais utilizados na construção civil é estimada em

aproximadamente 15% (BRANDT, 1994). Este valor representa a somatória da

participação em porcentagem na Produção Mineral Bruta (PMB) das substâncias

Pedras Britadas e Ornamentais, Calcário,Argila eAreia.

De acordo com Brandt, , deve-se ressaltar que a clandestinidade no

setor de areia para construção no Brasil é da ordem de 90% em média, segundo

estudos que levam em conta os índices de produção oficiais e o consumo teórico

de areia.

Dentro do conjunto dos minerais industriais que participam de todos os

ramos da atividade humana merecem destaque aqueles utilizados na indústria

da construção civil (pedra britada e ornamental, areia, calcário [cimento] e argila)

que consome mais de 70% do total da produção mineral nacional em termos de

valor. Para Dinelli (1988), pode-se afirmar a supremacia da construção civil no

consumo de minérios e produtos de minérios industriais, pois além de deman-

dar produtos apenas beneficiados ou “in natura”, caso da areia, requer também,

um leque de produtos transformados.

Asignificativa demanda por bens minerais ditos de uso imediato na constru-

ção civil deve-se tanto à crescente urbanização que ocorreu principalmente a

partir da segunda metade do século XX, como também ao forte crescimento

econômico ocorrido no mundo, particularmente nos países desenvolvidos.

Mato Grosso que historicamente teve suas origens no ciclo de mineração do

op. cit.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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período colonial na busca de ouro e diamante, e mais recentemente na década de

70 e 80 com a vinda de levas de garimpeiros para o Norte mato-grossense e

Baixada Cuiabana, atualmente tem sua principal produção mineral os de uso

imediato, conforme Tabela 01.

Dado a sua grande extensão territorial e à diversidade de sua Geologia,

Mato Grosso possui uma vocação natural para a exploração mineral. Neste

contexto entendemos que a atividade da mineração pode ser colocada dentro

dos paradigmas do desenvolvimento sustentável.

Segundo Sá (1991), a mineração compreende a pesquisa, o desenvolvimento

e a lavra, bem como o transporte, manuseio, beneficiamento e toda infra-

estrutura necessária a essas operações, excluindo-se os processos de metalurgia e

transformação. Estas atividades têm como finalidade última, o aproveitamento

dos recursos minerais de forma econômica.

De acordo com MMDS (2003, p. 04) os princípios para o desenvolvimento

sustentável para a mineração acontecem em quatro esferas:

A Mineração e suas especificidades

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

39

Tabela 01: Produção Mineral de Mato Grosso em 2004.

Classe/Substância QuantidadeMetálicos

Ouro (Primário) 218 Kg

Ouro (Secundário) 85 Kg

-Não-Metálicos

Água Mineral 72.522 103 L

Areia 46. 533 m3

Argila Comuns 809.420 t

Calcário (Rochas) 5.803.377 t

Dolomito 508.925 t

Rochas (Britadas) e Cascalho 1.614.086 m3

Gemas e Diamantes

Diamante (Secundário) 6.672 ct

Fonte: Anuário Mineral Brasileiro, 2005.

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Esfera econômica

Esfera social

Esfera Ambiental

Esfera de governança:

* Maximizar o bem estar da humanidade;* Assegurar o uso eficiente de todos os recursos, naturais ou outros, através da

maximização de rendas;* Procurar identificar e assimilar custos ambientais e sociais;* Manter e melhorar as condições para a existência de empresas viáveis.

* Garantir uma distribuição justa dos custos e benefícios do desenvolvimento paratodas as pessoas que vivem no planeta;

* Respeitar e reforçar os direitos fundamentais dos seres humanos, incluindoliberdades civis e políticas, autonomia cultural, liberdades sociais e econômicas esegurança pessoal e procurar sustentar as melhorias no tempo;

* Assegurar que a diminuição dos 55 recursos naturais não irá privar as geraçõesfuturas, através da sua substituição por outras formas de capital”.

* Promover o manejo responsável dos recursos naturais e do meio ambiente,incluindo a reparação de danos anteriores;

* Minimizar a quantidade de resíduos e danos ambientais em toda a cadeia deabastecimento;

* Ser prudente nos locais em que os impactos são desconhecidos ou incertos e operardentro dos limites ecológicos e proteger o capital natural crítico”.

*Apoiar a democracia representativa, incluindo a tomada de decisões participadoras;* Estimular a livre empresa dentro de um sistema de normas claras e justas e

incentivos;* Evitar concentração excessiva de poder, através de controles e contrapesos

apropriados; Assegurar a transparência, proporcionando acesso aos atores einformações relevantes e corretas;

* Garantir a responsabilidade por todas as decisões e ações que estão baseadas emanálises amplas e confiáveis;

* Estimular a cooperação, para gerar confiança e compartilhar objetivos e valorescomuns e assegurar que as decisões são tomadas no nível apropriado, aderindo aoprincípio da subsidiariedade quando possível”.

A mineração de maneira geral possui especificidades (BUCK e ELVER,

1970) que a tornam "única" entre os diversos tipos de atividades econômicas. A

seguir é feita uma discussão destas peculiaridades, as quais sofrem modificações

quando enfocadas para os bens minerais utilizados na construção civil.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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a) exaustão

b) heterogeneidade na distribuição dos depósitos

c) alto risco na exploração, pesquisa e produção

d) caráter multinacional

- característica típica da indústria de mineração está relacionada

com a finitude de um depósito mineral, isto é, o depósito mineral tem um

estoque limitado, cuja exploração é medida em termos de anos ou dezenas de

anos, enquanto os processos de formação deste depósito são medidos em

milhares a milhões de anos. Esta característica para a totalidade dos

depósitos minerais tem uma das exceções no caso dos depósitos de areia,

principalmente nos localizados em ambientes fluviais e marinhos, onde os

processos de erosão e sedimentação atuantes nestes sistemas fazem com que haja

uma renovabilidade dos depósitos compatível com sua exploração.

- os depósitos têm uma

distribuição geográfica irregular entre regiões, países e continentes por tipo de

depósitos e usos, sendo a principal conseqüência econômica disto o papel de

funcionar como fonte de crescimento diferenciado entre economias regionais

e/ou nacionais, além de gerar graus diferentes de dependência por bens minera-

is. Dada a relativa abundância de agregados para a construção civil na superfície

terrestre, nenhum país sofre de desabastecimento de agregados, e apenas

localmente, surgem questões de oferta e demanda destes produtos.

- a incerteza que caracteri-

za os investimentos nas fases de exploração e pesquisa, decorrentes das especifi-

cidades únicas para cada depósito, bem como a insegurança que existe na fase de

produção, são típicos da indústria de mineração. No caso dos agregados, tanto

para argila como para a areia, tal afirmativa tem sua veracidade questionada,

pois seus depósitos minerais destes bens minerais são relativamente fáceis de

prospectar e não envolvem tecnologias avançadas nem onerosas na exploração.

- no setor mineral existe uma tendência à especiali-

zação de empresas em determinados bens minerais com um alto grau de

verticalização e, dentro de uma tendência de globalização da economia, estas

empresas atuam no mundo todo. Embora não seja específico da indústria de

mineração, o caráter multinacional neste setor é bastante acentuado e de grande

importância. Esta também não é uma característica no caso de mineração de

agregados, por ser uma atividade de cunho local, e essencialmente dominada

sine qua non

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

41

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por empresas de porte pequeno ou médio.

- da descoberta do depósito até o seu efetivo

aproveitamento gasta-se em média 10 anos com alto investimento de capital.

Mais uma vez, a extração de areia e argila para a construção civil é uma exceção,

visto que, em sua maioria, não necessita de grandes investimentos de exploração

e/ou explotação e o investimento tem um rápido retorno, já que a produção dos

depósitos é quase que imediata e com baixos investimentos. No Brasil, a indús-

tria extrativa de areia para construção civil é tipicamente de pequeno porte,

excepcionalmente de médio a grande porte. Há casos de grandes empresas que

operam um conjunto de vários empreendimentos pequenos.

- a atividade

mineradora é, por essência, modificadora do meio ambiente. Por tratar-se de

uma atividade desenvolvida por necessidade normalmente próxima aos centros

urbanos (devido à alta relação custo do transporte/custo do bem), a mineração

de agregados apresenta-se mais visível à maior parte da população, gerando

maior pressão da sociedade contra os possíveis impactos ambientais. Além do

que, a atividade mineradora acaba competindo com outros tipos de atividade

econômica no uso e ocupação da terra. Neste item específico já ficou comprova-

do que a mineração de agregados é potencialmente, em sua maior parte, restitui-

dora dos espaços por ela antes ocupados.

- os bens minerais são encontrados em locais onde a

interação de fatores físicos, químicos e geológicos permitem o seu acúmulo em

tal quantidade e teor que podem ser extraídos, se as condições sociais, políticas e

econômicas lhe forem favoráveis. Neste item a mineração de agregados não

difere em nada dos outros tipos de bens minerais. Para os agregados, tal caracte-

rística, causa graves prejuízos por fazer com que depósitos sejam rapidamente

“esterilizados” devido a ocupação de áreas potencialmente promissoras por

outros tipos de atividade econômica.

Como vimos, as características da mineração como um todo nem sempre

são válidas para a mineração de agregados em áreas urbanas. Esta última possui

e) necessidade de capital intensivo e longo período de maturação para o

desenvolvimento dos depósitos

f) aparente conflito entre a mineração e o meio ambiente

g) rigidez locacional

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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especificidades tais como:

- devido a sua abundância e larga ocorrência, os

agregados são tratados dentro de uma concepção de que se pode encontrá-los

em qualquer lugar.

- nas atividades de explotação dos depósitos de

agregados, em sua maioria, o volume de rejeitos é pequeno, com índices que

chegam a menos de 5% do extraído, gerando uma baixa relação rejeito/minério.

- geralmente, com poucas

operações de lavra e equipamentos se consegue a explotação dos agregados,

principalmente no caso da areia. Em termos de beneficiamento, por exemplo,

basta um simples peneiramento para a areia estar pronta para utilização.

- esta característica decorre principalmente de duas

das características citadas acima: sua relativa abundância, onde está embutido o

conceito econômico de oferta/demanda, e a simplicidade de lavra e beneficia-

mento, o que implica em baixos custos de extração. Devido a esta característica,

tem-se como conseqüência um relativo desprezo do empresariado em investir

no setor, além de se preferir outras atividades em detrimento desta.

- por ser um material empregado geralmente em

grandes quantidades e por terem um alto volume específico, isto faz com que os

custos no seu transporte sejam um elemento de elevação em seus preços.

- esta característica está relacionada com o custo de transporte

que aumenta em relação com a distância do local de extração. Em geral, segundo

Martins (1994), quanto mais baixo for o valor monetário no local ou na mina, mais

alto será o valor local. De acordo com Martins (1991), os agregados têm como limites

médios de transporte as distâncias de 50 km para brita, ou 100 km para areia.

Outras características podem ser destacadas, de acordo com Tonso (1994, p. 25):

a) abundância relativa

b) baixo índice de rejeitos

c) simplicidade de lavra e beneficiamento

d) baixo valor unitário

e) volume específico alto

f) alto valor local

- inicialmente, a mineração urbana está lidando com terras de relativamente alto

valor comercial, ou no mínimo e, de acordo com a velocidade dos processos de

urbanização, com um alto potencial para um futuro não muito distante;

- mesmo utilizando pouco maquinário, estes dão ao empreendimento um caráter de

indústria pesada que a coloca em conflito com as regiões e usos mais “nobres” do

território;

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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- os materiais agregados, pela sua característica de utilização e pelo baixo valor

unitário, são extraídos em larga escala, implicando na movimentação de grande

quantidade de material.

ARNOULD, M. Estudo do impacto da mineração sobre o meio ambiente na França: Legislação,

Reabilitação de áreas, Balanço de 10 anos de experiência. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL

SOBRE MINERAÇÃO EM ÁREAS URBANAS, São Paulo.Anais... São Paulo, Prominério/DNPM,

out. 1989. p 21-24.

BRANDT, W.(Coord.)-

s.l.p. Brasil: M.M.E.R.H.A.L.1994, 66p.

BUCK, W.K.; ELVER, R.B. Mineral Information

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Resources, Ottawa, Canadá).

DEMENY, P. Population Change: Global Trends and Implications. In: McLaren, D.J.; Skinner, B.J.

(eds), New York: John Wiley & Sons, 1987. p. 29-48.

Pela importância dos minerais, como visto anteriormente e particularmente

no caso dos bens minerais utilizados na construção civil, se faz necessário, o uso

eficiente e conservativo destes recursos, o que pressupõe novas formas de

planejar sua exploração.

Cada vez mais se fazem necessários estudos que possam dar subsídios e

compreender a dinâmica das atividades humanas em prol de um desenvolvi-

mento que busque o uso sustentável dos recursos naturais.

A mineração por suas características e especificidades assume um papel

relevante nas discussões sobre a manutenção dos estoques de recursos naturais

para as gerações futuras, fazendo com que seja de fundamental importância a

compreensão das interações socioambientais dentro do Estado de Mato Grosso a

fim de que possamos implementar um modelo de utilização destes recursos o

mais conservacionista possível.

Considerações finais

Bibliografia

PROJETO BRA/90/005 Diretrizes Ambientais para a mineração Segmento:

Bens Minerais de Uso Social.

An Approach to Mineral Policy Formulation.

Resources and Word Development.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

44

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DEPARTAMENTO NACIONAL DA PRODUÇÃO MINERAL (BRASIL).

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http://www.dnpm.gov.br/portal/assets/galeriaDocumento/AMB2005/

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Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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RECURSOS HÍDRICOS EM MATO GROSSO:

O DESAFIO DA DEMOCRACIA E DA SUSTENTABILIDADE

1. Os recursos hídricos na legislação brasileira

Solange Ikeda CastrillonCláudia Regina Sala de Pinho

Nelci Eliete LonghiNataly Manrique Rocha

Rodrigo Ferreira de MoraisAndréa Ikeda

Claudinéia Lizieri dos Santos

1

Seguindo as orientações do projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático

(MTSD) que se fundamenta em dois conceitos principais: sustentabilidade e

democracia, dos quais derivam outros, que são complementares no sentido do

conhecimento e perspectiva política, apresentamos neste texto algumas expe-

riências que levaram a um amplo debate sobre a questão das águas em Mato

Grosso. Algumas estão relacionadas ao Festival Ecológico e Cultural das Águas

de Mato Grosso, que ocorreu entre 2003 e 2005, nas versões: Pantanal, Araguaia e

Amazônia. Foram eventos que em seu bojo discutiram o projeto MTSD nas

oficinas e nos espaços de diálogos. Também serão apresentados alguns conflitos

e projetos alternativos nas Bacias Hidrográficas deste Estado.

O Brasil é o país mais rico do mundo em termos de reservas hídricas, com

13,7% da água doce disponível no planeta. Possui dois fenômenos ambientais

globalmente singulares, o Pantanal, que é a maior área úmida continental do

mundo e na Amazônia estão as maiores florestas inundadas (WWF-Brasil, 2005).

Por suas dimensões continentais e diversidade geográfica, apresenta situações

bastante distintas quanto à disponibilidade hídrica, sendo afetado tanto pela

escassez, quanto pela degradação dos recursos causada pela poluição de origem

doméstica e industrial.

1 Membros do GT Recursos Hídricos, no projeto MTSD

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O acesso à água é um direito de todos e também é responsabilidade da

coletividade assegurar as condições necessárias e indispensáveis para garantir

este direito a toda humanidade. Ter acesso à água não é uma questão de consu-

mo. A exigência de um uso racional e responsável de um bem comum e funda-

mental para todos, é mais comprometedora daquela que um consumidor

racional pode ter em relação a um recurso/mercadoria, ao qual a

(PETRELLA, 2004).

Petrella (2004) defende a necessidade de uma política alternativa da água,

pois significa um direito à vida. Isto indica que as autoridades públicas têm a

missão/dever de mobilizar os recursos, sobretudo financeiros, para satisfazer

esse direito. A democracia necessita de um público novo, participativo e solidá-

rio que defina e realize a política da água, do âmbito local ao mundial.

No Brasil, a Lei nº 9.433, de 8 de Janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional

de Recursos Hídricos e criou o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e o

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, um de seus objetivos

é assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em

padrões de qualidade adequados aos respectivos usos.

O Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas e WWF-Brasil

(2005), consideram que, com a aprovação da Lei 9.433, a legislação brasileira,

neste setor, tornou-se uma das mais avançadas do mundo. Reconhecem, porém,

que o Sistema nasceu incompleto. O início da sua implementação foi apontando,

segundo o Fórum, outros desafios, como a efetiva participação da sociedade no

processo decisório; a implantação da gestão compartilhada e harmonizada, e a

construção de uma lógica territorial de gestão integrada dos usos múltiplos.

A Conferência Nacional de Meio Ambiente de 2005, reforçou em suas

deliberações que estes desafios estão ainda em pauta, ao discutir o Plano

Nacional de Recursos Hídricos sugere que há necessidade de assegurar por meio

de instrumentos efetivos uma ampla participação e controle socioambiental,

respeitando a paridade entre poder público e sociedade civil. A Conferência

deliberou que sob a competência do Ministério do Meio Ambiente existe a

economia de

mercado concede o poder de poluição e de destruição do próprio recurso na medida em que

paga

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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necessidade de integrar a política de recursos hídricos com as demais políticas

setoriais (federal, estadual, do Distrito Federal e municipais) de saneamento,

saúde, meio ambiente, educação e energia.

As deliberações sobre o tema água e recursos hídricos desta Conferência

demonstra uma urgente necessidade de se viabilizar propostas para a conserva-

ção das águas, propondo:

O Movimento denominado Grito das Águas nasceu em 22 de março de 1999,

no dia Mundial da Água (MORELI, 2004). O autor relata a importância da manifes-

tação popular em defesa das águas, e considera que a escolha da Água, em 2004,

como tema da Campanha da Fraternidade, representa um importante avanço na

sensibilização da crise da água que se agrava em todo planeta. Foram 30 mil

comunidades em oito mil paróquias que refletiram sobre o tema em todo Brasil.

Várias vozes ecoaram nos últimos anos ao mesmo tempo, discutindo o

desafio das águas no presente e futuro, através de Fóruns, Simpósios,

Congressos, Festivais, Manifestações Internacionais e Nacionais. Acesso à água

como direito humano fundamental, a garantia do múltiplo uso e o cuidado com

este recurso limitado é uma bandeira de luta dos movimentos sociais e faz parte

dos objetivos das parcerias entre poder público e ONGs, das iniciativas individu-

ais e coletivas de diversos segmentos da sociedade e deve ser valorizada.

Ao se afirmar a impossibilidade de isolar questões ambientais como se

fossem problemas em si mesmos, desconectadas das questões econômicas,

sociais e culturais, reafirmamos que o enfrentamento das questões ambientais

“Assegurar a implantação de programas nacionais, estaduais e municipais -

inclusive de educação ambiental - que contemplem a bacia hidrográfica como

unidade territorial de gestão e planejamento para a harmonização, adequação e

integração das políticas públicas relacionadas ao uso da água, priorizando a

conservação dos recursos hídricos e recuperação dos ecossistemas associados,

garantindo a ampla divulgação por meio de diversos veículos de comunicação e

audiências públicas aprovadas pelos respectivos Comitês de Bacias Hidrográficas.”

2. Conflitos e desafios das águas de Mato Grosso

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passa pela mudança do modelo de desenvolvimento e dos padrões de produção

e consumo.

Acselrad (2004) afirma que

. No espaço de apropriação material, desenvolvem-se lutas sociais,

econômicas e políticas pela apropriação de diferentes tipos de capital, como, por

exemplo, no meio ambiente, disputas por apropriação dos rios entre populações

ribeirinhas e grandes projetos hidroelétricos, confrontos entre seringueiros e

latifundiários pelo controle de seringais, etc. No campo simbólico a luta é para

impor as categorias que legitimam ou não, a distribuição de poder sobre os

distintos tipos de capital.

O intenso desmatamento no Estado nas décadas de 1970 e 80, conseqüência

do modelo desenvolvimentista de integração da região estava pautado em

políticas de ocupação com a implantação de grandes projetos de: colonização,

mineração, usinas hidroelétricas, rodovias e agropecuária (ALENCAR, 2004). O

modelo provocou conflitos, gerou impactos ambientais nos ecossistemas com o

deslocamento de populações indígenas, ribeirinhas, tradicionais e pequenos

produtores, intensificando perdas culturais e biológicas, reduzindo a disponibi-

lidade de água, danificando os solos, etc.

Uma deliberação da Conferência Nacional do Meio Ambiente de 2005,

determinou a

Apesar da ilegalidade destas obras e da ratificação do movimento ambien-

talista e demais segmentos que participaram da Conferência, na mesma época,

índios de várias etnias do Parque Nacional do Xingu ameaçavam entrar em

guerra se continuassem as obras de uma hidrelétrica no rio Culuene, um dos

os conflitos ambientais devem ser analisados,

simultaneamente nos espaços de apropriação material e simbólica dos recursos do

território

“suspensão imediata de todos os empreendimentos para aproveitamento

hidrelétrico, inclusive as PCHs, ainda não iniciadas, até que o EIA/RIMA seja realizado,

bem como a proibição destas instalações em unidades de conservação, áreas indígenas e

comunidades tradicionais, garantindo a efetiva participação popular, principalmente, das

populações ameaçadas e/ou atingidas pelas barragens.”

2. 1. Barragens e Hidrelétricas

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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mais importantes afluentes do rio Xingu e a principal fonte de alimento das

aldeias. A hidrelétrica de pequeno porte resultou de um acordo entre a empresa

Paranatinga Energia, o governo do Estado e algumas lideranças indígenas. O

acordo foi contestado depois pela maioria das 14 etnias existentes no Xingu e a

maior parte dos caciques que o tinham assinado. O local é sagrado para os índios

- onde teria nascido o Quarup, maior celebração religiosa da tradição Xingu, um

ritual em homenagem aos mortos. Apesar das medidas impetradas pela

Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e pelo Ministério Público Federal (MPF), o

acordo entre índios, Estado e empresa está sendo cumprido e obras da hidrelétri-

ca continuam no conflito criado.

Vainer (2004) relata em que nos anos 80

cresceram em diferentes regiões a organização e as reivindicações dos atingidos

por barragens contra as injustiças às populações desabrigadas. Em 1989, reuniu-

se em Goiânia, o I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens.

A carta da resolução final do evento expressa o nascimento de um movimento

nacional que reúne as reivindicações dos atingidos por barragens e a busca de

uma política energética nacional com democracia. Em 1992, o Movimento dos

Atingidos por Barragens (MAB) se consolida em um movimento nacional no I

Congresso Nacional deAtingidos por Barragens.

Em Mato Grosso, o MAB nasceu em decorrência da barragem do rio Manso,

principal afluente do rio Cuiabá.

(ARINI, 2005).

Em 1998 esta barragem foi inaugurada para gerar eletricidade, controlar as

enchentes e irrigar lavouras, hortas e pomares. Sua área de alagamento é de 427

Km . Apesar do grande reservatório que, segundo dados de Furnas a UHE, tem

capacidade de geração de até 212 megawats (MW), a usina produz de forma fixa

apenas 97 MW de energia, ou o equivalente a três pequenas centrais elétricas

com represamento de áreas até cem vezes menores. Foi denunciada por irregula-

ridades na LicençaAmbiental para operar.

Em 2004 o MAB informava que existiam 1.065 famílias atingidas pela Usina

Hidrelétrica de Manso, que perderam tudo com a construção da obra, mas

“Águas para vida, não para a morte”

Ahistória da construção da Usina de Manso é herança

das faraônicas obras de infra-estrutura planejadas pelo governo militar

2

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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somente 249, em princípio, foram reassentadas em cinco diferentes áreas.

Levantamentos técnicos de uma comissão independente revelaram que 92% do

solo dos re-assentamentos era formado por areia, impróprio para a agricultura.

Em dezembro de 2005, o MAB montou acampamento na Usina de Manso para

reivindicar o cumprimento dos acordos firmados com Furnas, após a construção

da barragem. Das famílias retiradas da área, mais da metade ainda não haviam

recebido suas terras.

Os impactos ambientais produzidos por essa barragem vêm sendo denunci-

ados por ambientalistas e pesquisadores desde o início da obra, tanto pelas

mudanças no sistema de inundação do pantanal e na bacia onde está inserida,

com destruição de habitats, extinção de espécies, diminuição de populações de

peixes; quanto em impactos sociais na área de alagamento e a jusante onde

moradores dependem do ciclo natural das águas para sobreviver.

Silveira (2004) observou que o represamento do Rio Manso provocou

alterações nas características ecológicas, no uso da água e na biodiversidade

aquática conforme os dados registrados na comunidade do Sítio Santa Rita. A

pesquisadora afirma que esta população possui uma grande dependência

ecológica e cultural do sistema hídrico do rio Cuiabá e atualmente vive as

conseqüências negativas da barragem e nem usufrui os benefícios da energia

elétrica produzida. As denúncias de populações tradicionais ribeirinhas, como

as da comunidade Bom Sucesso, viram notícias de jornais a cada vez que não se

percebe o ciclo natural das águas do Pantanal, a diminuição de estoques pesquei-

ros e mudanças ecológicas em processos como a piracema.

Em 2005 mais uma polêmica relacionada à instalação de uma hidrelétrica

inicia a partir de uma batalha judicial, a AHE Dardanelos. Esta usina produziria

cerca de 261 MW, através do aproveitamento do rio Aripuanã, na grande queda

natural denominada “Salto de Dardanelos”.

O Município e o rio Aripuanã são bastante conhecidos em Mato Grosso pela

grande quantidade e diversidade de peixes, e, principalmente, pela enorme

beleza de suas diversas quedas d'água que possuem uma beleza cênica impressi-

onante como Dardanelos e Andorinhas, de fácil acesso à população local e

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turistas. Foram estas belezas que incluíram Aripuanã no Proecotur, o programa

de ecoturismo na Amazônia iniciado, em 2000. A região foi classificada pelo

Ministério do Meio Ambiente como de prioridade "extremamente alta" para a

conservação da biodiversidade (ÂNGELO &ARINI, 2006).

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, via Promotoria de Justiça

deAripuanã, propôs ação questionando o Estudo e relatório de impacto ambien-

tal (EIA/Rima) referente ao Aproveitamento Hidrelétrico Dardanelos, que teria

sido elaborado com irregularidades técnicas e formais. A equipe de peritos

composta por pesquisadores de diversas Universidades constatou que vários

quesitos necessários ao atendimento do EIA/RIMA não foram atendidos.

Constataram que as análises sócio-econômico-ambientais da Área de Influência

Indireta não contemplam devidamente os impactos positivos e negativos que

serão produzidos na região. No que se refere à Área de Influência Direta, os

estudos foram feitos dividindo-a em dois ambientes restritos: a primeira, meio

físico biótico, ligada exclusivamente à área de interferência ocasionada pelas

obras, isto é, não existe nenhuma análise sobre a influência do empreendimento

após a construção; o segundo ambiente abordado diz respeito ao sócio-

econômico, que sem esclarecer qual paradigma que fundamentou a área

delimitada, transforma este tipo de análise, certamente complexo.

No próprio EIA-Rima da hidrelétrica de Dardanelos, preparado pela

Eletronorte e pela construtora Norberto Odebrecht, dos 83 impactos descritos no

relatório, 72 eram negativos, segundo o parecer dos peritos, ainda ocorre a

inoperância da hidrelétrica no mínimo de 3 meses/ano, por falta de vazão d´água.

Os Ministérios Público Estadual e Federal chegaram à conclusão que o

EIA/RIMAnão demonstrou a viabilidade do empreendimento, pois não realizou

estudos sobre as linhas de transmissão, isso equivale dizer que não comprovou

Muito pouco foi analisado para verificar a relação entre os interesses em conflito

envolvendo a população local, regional e o Estado, isto é, não foram considerados os

elementos relacionados ao uso das cachoeiras e dos recursos naturais a ela

associados.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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sua viabilidade ambiental, pois o preço da energia com os valores e custos da

linha de transmissão chegará ao consumidor de outra forma que a disposta no

EIA/RIMA.

Mesmo com os diversos questionamentos e a equipe técnica da Secretaria

Estadual de Meio Ambiente (SEMA) verificando falhas no EIA-Rima, estabele-

cendo 24 condicionantes para a liberação de Licença Prévia, que não foram

atendidos em tempo, a própria SEMA e a Assembléia Legislativa do Estado

concederam a Licença Prévia em meados de 2006 e aAHE Dardanelos foi a leilão.

Os conflitos a respeito desta obra deverão continuar até a sua execução e mesmo

após sua construção.

Em 1995 o Governo do Estado implantou o projeto do Zoneamento Sócio

Econômico Ecológico do Estado de Mato Grosso (ZSEE-MT). A proposta de

ZSEE-MT e a minuta de projeto de Lei que o regulamenta encontram-se disponí-

veis no site da Secretaria de Planejamento do Estado de Mato Grosso (SEPLAN),

apesar da minuta de Lei e do relatório ter sido disponibilizado em 2004, em 2006,

ainda não foram regulamentados.

No relatório do ZSEE-MT, são elencadas áreas com comprometimento da

qualidade da água por esgoto doméstico, por herbicidas e agrotóxicos, por

garimpo de ouro e por outras minerações. Consta também a necessidade de

recuperação de praticamente todas as nascentes dos rios do Estado, que atual-

mente estão degradadas e desmatadas.

Segundo o ZSEE-MT, a qualidade da água na Bacia Amazônica está compro-

metida principalmente por garimpo de ouro, herbicidas e agrotóxicos e as Bacias

dos rios Araguaia e Paraguai, com esgoto doméstico. O garimpo se desenvolveu

principalmente na região do município de Peixoto de Azevedo, contaminado

extensas áreas. O esgoto doméstico afeta principalmente a região de Cuiabá e

Várzea Grande entre outros municípios, com maior aglomeração urbana.

O atual modelo de desenvolvimento do Estado contribui para o crescente

desmatamento e uso de agrotóxicos, que contaminam nascentes, rios e o lençol

2.2 Zoneamento Sócio Econômico Ecológico

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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freático principalmente no planalto da Bacia do Alto Paraguai. Estes por sua vez

chegam até a planície pantaneira causando danos ao ambiente e à saúde.

Na década de 1980 o projeto inicial da Hidrovia Paraguai Paraná envolveria

5 países da bacia do Prata: Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina e previa

a execução de centenas de obras de dragagens, derrocamento, retificação de

curvas (aumentando o raio) dos rios Paraná e Paraguai, a partir do município de

Cáceres. A via atravessaria 1.300 quilômetros do Pantanal até Nueva Palmira, no

Uruguai. O propósito seria permitir o tráfego de barcaças 24 horas por dia,

durante os 365 dias do ano.

Desde sua proposição a hidrovia Paraguai-Paraná, vem sendo questionada

por pesquisadores, comunidades locais e movimentos sociais, ambientais de todo

mundo e diversos estudos sobre impactos ecológicos e culturais vêm provando a

inviabilidade do transporte de comboios de chatas no sistema pantaneiro.

Em curso desde 2000, a iniciativa aposta na integração para promover o

desenvolvimento econômico da região. No entanto, inúmeros questionamentos

em torno da relação custo-benefício do transporte hidroviário, e sua conexão

com outros meios, têm sido levantados. A e outras entidades

tornaram públicas as inúmeras conseqüências negativas possíveis da hidrovia

Paraguai-Paraná.

O movimento resultou no abandono do projeto da hidrovia no Pantanal, até

sua proposta de retomada pela Iniciativa de Integração de Infra-estrutura

Regional Sul-Americana (IIRSA). Atualmente, diversas propostas de ampliação

e construção de novas hidrovias, previstas na IIRSA e no Plano Plurianual (PPA)

do governo federal (2004 - 2007), têm mobilizado ONGs nas discussões dos

impactos das obras propostas (PAIM, 2003).

Atualmente, após decisão judicial, um novo Estudo de Impacto Ambiental

(EIA/RIMA) deverá ser feito considerando todo o trecho da hidrovia. A justiça

também determinou que o Licenciamento Ambiental para que a hidrovia

comece a operar seja analisado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

2.3 Hidrovia Paraguai Paraná

Coalizão Rios Vivos

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A decisão da justiça foi uma vitória do

movimento socioambientalista, que durante anos tentou barrar o projeto que

acontecia camuflado, com obras isoladas e licenciamentos ambientais estaduais.

Em Cáceres-MT, houve o fortalecimento do movimento sócio ambiental a

partir da mobilização em defesa do rio Paraguai, através de uma manifestação de

diversos movimentos sociais ocorrido em 14 de novembro de 2000, contra a

instalação de um Porto que serviria de base para a implementação da hidrovia

Paraguai-Paraná. A construção do Porto foi barrada pela Justiça Federal e

seguiram-se diversos eventos em que se debateu a situação do Pantanal Mato-

grossense e a necessidade de sua conservação (VIANA, 2001).

Em 14 de fevereiro de 2001 realizou-se “O Encontro Internacional da

Sociedade em Defesa do Rio Paraguai” questionando a implantação da Hidrovia

Paraguai-Paraná. Vários especialistas e movimentos sociais participaram do

evento com representantes da Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil e mostraram

preocupações com o destino da população que depende do rio para sobreviver.

Em 14 de novembro do ano de 2001, o Fórum de Luta das Entidades de

Cáceres (FLEC), organizou a celebração do “Dia do Rio Paraguai”, comemoran-

do um ano da resistência da comunidade em defesa das águas.

A partir desta experiência, foi proposto o Festival Ecológico e Cultural das

Águas de Mato Grosso, como um espaço para o diálogo contínuo sobre as

questões ambientais nas três principais Bacias do Estado. Articulando a acade-

mia, movimentos sociais, indígenas e ambientais, em 2003, ocorreu o Festival das

Águas do Pantanal, em 2004, o Festival das Águas do Araguaia e em 2005, a

versão Águas da Amazônia Mato-grossense em Alta Floresta. A mobilização e a

discussão nos três eventos foram intensas, mostrando, em regiões distintas do

Estado, a necessidade e a urgência de modelos sustentáveis para a água.

Destacamos trechos da Carta das Águas doAraguaia (2004):Temos o dever de chamar a atenção de todos e todas que há uma campanha

orquestrada mundialmente no sentido de construir uma aceitação de políticas que

visam, sobretudo, privatizar as águas de todo o mundo. De nossa parte, declaramos

que há uma crise que envolve esse precioso elemento da natureza, mas que essa crise

não autoriza concluir que, para resolvê-la haverá de privatizar as águas. Declaramos

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enfaticamente, com base em pesquisas científicas e de reflexões de ordem filosófica

que a água não é simplesmente recurso hídrico, mas que é parte da vida e, como tal,

não pode ser alienada e separada da totalidade da natureza (...)

O Estado de Mato Grosso tem uma responsabilidade especial perante a humanida-

de (...) as duas maiores áreas continentais alagadas do planeta – o Pantanal e o

Araguaia – dependem da dinâmica socioambiental direta de nosso Estado (...)

A maior ameaça que paira sobre o imenso patrimônio de água deste pequeno

pedaço do planeta que nos cabe cuidar é o modelo de desenvolvimento econômico

com base no grande latifúndio produtivo de monocultura, de desigualdade social e

de violência.

ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: Acselrad, Henri

(org.). Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004.

A Hidrovia no rio Araguaia também vem sendo questionada em Mato

Grosso, e o movimento de resistência se empodera da luta e da poesia de D.

Pedro Casaldáliga que proclama: .

Coordenar o debate deste tema, em um Estado tão grande como nosso, é um

desafio e uma necessidade do GT Recursos Hídricos do projeto como o Mato

Grosso Sustentável de Democrático. Não faremos este diálogo e debate conside-

rando a água apenas como um recurso. Ao lembrar da sensação que tivemos no

Araguaia junto com Dom Pedro Casaldáliga, Carlos Walter, Roberto Malvezzi,

Marcelo Barros, Severiá, Samuel Karajá e tantos outros companheiros, sabemos

que as nossas águas são realmente as nossas vidas, de todas as formas, em todos

os lugares.

Ao caminhar pelo Estado sabemos também de diversas iniciativas que estão

contribuindo com a conservação das nossas águas, projetos como: Aquabio, “Y

Ikatu Xingu”, revitalização dos rios Araguaia – Tocantins, iniciativas de comitês

de bacias, reorganização da Reserva da Biosfera do Pantanal e muitas outras que

contribuem para uma sociedade Democrática e Sustentável.

“Nossas vidas são os rios”

3. Desafios

4. Referencias Bibliográficas

Conflitos ambientais no Brasil.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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ALENCAR, Ane. Belém: Instituto

de PesquisaAmbiental daAmazônia, 2004.

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www.folha.com.br > acessado em 15/10/2006

ARINI, Juliana. Disponível em < >

acessado em 15/12/2006.

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de 2004.

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R & Nabinger. (org).

Desmatamento na Amazônia: indo além da Emergência Crônica.

Usina polêmica vai à leilão em setembro.

Manso opera sem licença ambiental.

Águas do Araguaia

O grito das águas.

IIRSA: É esta a integração que nós queremos?

Bem público

Universal.

Percepção das mudanças Naturais e Antrópicas, por uma comunidade

ribeirinha no sistema hídrico do rio Cuiabá, Mato Grosso.

Justiça

ambiental e cidadania.

A polêmica sobre a hidrovia Paraguai – Paraná e o porto de morrinhos.

Reflexões e dicas: para acompanhar a implementação dos sistemas de gestão

de recursos hídricos no Brasil. Brasília, 2005.

www.ecoagencia.com.br

http://www.riosvivos.org.br/

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ANÁLISE DO DESMATAMENTO NAS UNIDADES DECONSERVAÇÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO

Roberta Roxilene dos SantosLaurent Micol

Gustavo V. IrgangJane M. Vasconcellos

1

O Estado de Mato Grosso, com uma área total de 905 mil km², possui alta

biodiversidade, com a presença de três grandes tipologias vegetais: Floresta

Amazônica (423 mil km²), Cerrado (331 mil km²) e Floresta de Transição (145 mil

km²).

O desmatamento acumulado até 2005 atingiu 32,4% da área de Floresta,

40,0% da área de Cerrado e 34,5% da área de Transição.

Do total de 585 mil km² de cobertura vegetal original remanescente, 6,5%

encontram-se protegidos pelas 42 Unidades de Conservação (UCs) existentes no

Estado (), que somam 41 mil km², cobrindo 4,6% do território estadual. Desta

extensão, 30,8 mil km² representam categorias de manejo de Proteção Integral e

apenas 10,2 mil km², são de Uso Sustentável.

O governo estadual criou e administra 35 destas UCs (29 de Proteção

Integral e 6 de Uso Sustentável), enquanto 7 unidades (6 de Proteção Integral e 1

de Uso Sustentável) são federais.

As Unidades de Conservação são instrumentos legais de conservação da

natureza, amplamente adotados pela maior parte dos países, constituindo-se na

mais importante estratégia mundial para a proteção da biodiversidade.

Segundo a Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de

Conservação (SNUC), as Unidades de Conservação são espaços territoriais e

seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características

naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de

1 Roberta Roxilene dos Santos é Geógrafa e Analista de SIG do ICV; Gustavo Irgang é Geógrafo, e CoordenadorPrograma Conservação - ICV; Jane M Vasconcellos é Bióloga, Consultora sobre Conservação e conselheira doICV; Laurent Micol é coordenador adjunto ICV.

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conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, aos quais

se aplicam garantias adequadas de proteção. A Lei do SNUC também estabelece

que no entorno das UCs, exceto Área de Proteção Ambiental (APA) e Reserva

Particular do Patrimônio Natural (RPPN), deve haver uma Zona de

Amortecimento, com normas específicas regulamentando a sua ocupação e o

uso dos recursos.

Diante do crescimento desordenado da ocupação territorial – causa de

sérios conflitos entre a conservação do patrimônio natural, que deveria ser um

bem comum de todos, e o uso e apropriação dos espaços pelo homem – as áreas

legalmente protegidas desempenham um papel essencial no ordenamento

territorial. Embora muitas destas áreas ainda não estejam efetivamente implan-

tadas, elas vêm-se demonstrando muito eficazes para a conservação ambiental.

Mato Grosso tem ocupado o posto de campeão dos desmatamentos da

Amazônia, como demonstram os dados da:

Neste contexto, cresce a importância das unidades de conservação como

instrumentos eficazes para reverter este quadro, contendo o avanço do desmata-

mento local e regional.

O presente trabalho pretende demonstrar esta importância e identificar as

unidades em situação mais crítica em relação ao desmatamento, reforçando a

necessidade de sua plena efetivação, além da urgente criação de novas áreas

legalmente protegidas como Ucs.

0

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6.000

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2002

2003

2004

2005

Ano

Desm

ata

men

to(k

m²)

Acre

Amapá

Amazonas

Maranhão

Mato Grosso

Pará

Rondônia

Roraima

Tocantins

Figura . Evolução da taxa do desmatamento nos Estados da Amazônia, INPE - 2005

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Objetivo Geral

Objetivos Específicos

Método e Fontes de Dados

Identificar a eficácia das Unidades de Conservação do Estado de Mato

Grosso como barreiras ao avanço do desmatamento local.

• Analisar a dinâmica do desmatamento nas Unidades de Conservação e

seu entorno, num raio de 10 km.

• Quantificar, de forma comparativa, os desmatamentos ocorridos no

interior das Unidades e no seu entorno, antes e depois da sua criação.

• Identificar a situação das Unidades de Conservação e categorias de

manejo quanto a sua eficácia na proteção da cobertura vegetal nativa.

Para análise do desmatamento nas Unidades de Conservação (UCs) do

Estado de Mato Grosso, utilizou-se as bases de dados cartográficos digital de

2006, fornecidas pela Secretaria de Estadual do MeioAmbiente (SEMA-MT).

2

2 Agradecemos à Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso pela presteza na cessão dos dadosespaciais. Ao Ibama pelas informações e à Dra. Jane Maria de Oliveira Vasconcellos pelo apoio à elaboração desteestudo.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Figura Unidades de conservação no Estado do Mato Grosso

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O processo de análise espacial envolveu duas etapas distintas:

1. Padronização das bases cartográficas

2.Análises do banco de dados espaciais

Na primeira etapa do trabalho foi feita a padronização da informação, como

descrito a seguir:

- Os arquivos vetoriais dos temas UCs, desmatamento, tipologia florestal

foram convertidos do sistema de coordenadas geográficas, expressa em unida-

des de medida angular, para Universal Transversa de Mercator (UTM), datum

SAD1969, que adota coordenadas métricas planas, mais adequado para cálculo

de áreas.

- Uma área tampão de 10km (buffer) foi delimitada no entorno de cada

Unidade de Conservação, visando a análise da dinâmica do desmatamento no

seu entorno imediato, com exceção das Áreas de ProteçãoAmbiental (APA), que,

segundo a Lei do SNUC, não necessitam possuir uma zona de amortecimento.

Em casos onde houve sobreposições foram calculados o quanto de cada buffer

estava contido em outra UC.

- Os arquivos vetoriais do desmatamento de cada período disponível, até

2005, foram agrupados para otimizar as análises, resultando no arquivo vetorial

da dinâmica, com todos os anos representados no mesmo banco de dados

espacial. Nesse processo, verificou-se a existência de algumas sobreposições

entre os vetoriais de um ano para outro, sendo necessário processar a reclassifi-

cação dos arquivos para eliminar as sobreposições, prevalecendo sempre a

detecção mais antiga. Nas sobreposições entre as Unidades de Conservação, foi

considerada a categoria de proteção mais restritiva.

- Os arquivos vetoriais foram posteriormente transformados em imagens

raster com um pixel de 100 x 100 metros (1 ha), onde estão contidos os valores dos

atributos de cada polígono que se quer representar.

A partir daí, com as bases padronizadas, teve início a segunda etapa do

trabalho, com a realização das análises espaciais do banco de dados, através de

tabulação cruzada, possibilitando quantificar o desmatamento nas unidades e

seu entorno ano a ano. Isto também permitiu a quantificação do desmatamento

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anterior e posterior a data de criação de cada UC. A quantificação realizada

expressa o desmatamento ocorrido na cobertura vegetal de um modo geral, sem

considerar as diferentes tipologias (Floresta, Cerrado, Transição).

Para esse trabalho não foram consideradas nas análises as UCs localizadas

dentro de perímetro urbano.

Das 42 Unidades de Conservação do Estado de Mato Grosso, 38 foram

analisadas de acordo com o método anteriormente descrito.

A análise comparativa das taxas de desmatamento ocorrido no interior das

UCS, até 2005, incluindo os períodos anteriores e posteriores a criação da

Unidade, permitiu classificá-las em 3 grupos distintos:

Grupo 1: Unidades com até 5% de área desmatada

Grupo 2: Unidades com 5% à 20% de área desmatada

Grupo 3: Unidades com mais de 20% de área desmatada

Estes resultados estão expressos na apresentada a seguir:

3

Resultados

• Análise quantitativa do desmatamento no interior das Unidades de

Conservação do Estado.

3 SNUC, Lei n 9.985, Capítulo VII –Art. 49.

Figura Grupos de Unidades de Conservação, segundo critério de taxa total de desmatamento

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

62

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No Grupo 1 estão 15 Unidades, 11 estaduais e 4 federais, sendo 14 de

Proteção Integral e 1 de Uso Sustentável. São 6 Parques Estaduais, 6 Estações

Ecológicas, 2 Parques Nacionais e 1 Reserva Extrativista. Nesse grupo, que

representa 3% do território do Mato Grosso, apenas 3 possuem Plano de Manejo

(PM). Destacam-se Unidades que não apresentaram desmatamento no período

analisado, como as Estações Ecológicas do Rio Flor do Prado e Taiamã e o PN

Pantanal Mato-grossense que é uma das unidades com PM. O PN Juruena, criado

em maio de 2006, é o maior, aproximadamente 11.600 km² em Mato Grosso

(1,28% da superfície do Estado), apresenta menos de 1% de sua área desmatada .

Neste grupo 1, as unidades com maior taxa de desmatamento (quase 5 %),

são o PE Serra de Santa Bárbara com 3,7 % (44 km²) e o PE Araguaia , com 4,8%

(106,3 km²), que no ano de 1997, antes de sua criação, apresentou a maior taxa de

todo o período analisado, 2,7% do total.

No Grupo 2 estão 14 Unidades, 12 estaduais e 2 federais, sendo 12 de

Proteção Integral e 2 de Uso Sustentável. São 7 Parques Estaduais, 2 Refúgios de

Vida Silvestre, 1 Parque Nacional, 1 Estação Ecológica e 1 Reserva Ecológica e 3

Áreas de Proteção Ambiental. Nesse grupo, que representa aproximadamente

0,7 % do território do Estado, somente duas unidades estão com o PM em

andamento, o PE Cristalino I e o PN Chapada dos Guimarães. Destacam - se as

unidades com menor taxa de desmatamento a Estação Ecológica Serra das

Araras , com 5% (cerca de 16 km²), o PE Cristalino I, que apresenta 5,3% de sua

área total já desmatada, sendo que 73% desses desmatamentos aconteceram

antes de sua criação. O PN da Chapada dos Guimarães, criado em 1989, apresen-

ta um desmatamento em torno de 9,5 % de sua área. AUnidade deste grupo com

maiores valores de desmatamento é o PE Dom Osório Stoffel, com 18,3% de área

desmatada, sendo que 96% do total dos desmatamentos na Unidade ocorreram

antes de 2002, quando o Parque foi criado.

4

5

6

4

5

6

O PN Juruena se sobrepõe totalmente à Reserva Ecológica Apiacás e parcialmente ao Parque Estadual Igarapésdo Juruena.Ambas unidades possuem Plano de Manejo.É uma das Unidades de Conservação mais antigas do Estado, foi criada em 1982 e não tem Plano de Manejo.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

63

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O Grupo 3 é o que inclui o menor numero de Unidades, porém as que

apresentam as maiores taxas de desmatamentos. São 9 áreas, todas estaduais,

sendo 5 de Proteção Integral e 4 de Uso Sustentável: 2 Parques Estaduais, 2

Estações Ecológicas, 1 Monumento Natural e 4 Áreas de Proteção Ambiental,

representando 1,2% do território estadual. No PE Cristalino II, dos 22,8% da área

total desmatada, 54% ocorreram após 2001, ano de sua criação. De forma

semelhante, o PE Ricardo Franco, criado em 1997, apresenta 23,2% de sua área

desmatada, sendo 43% disso depois da criação do Parque.

A APA Chapada dos Guimarães, criada em 1995, apresenta 43,7% de sua

área total desmatada, sendo 30% desse valor ocorridos depois de sua criação e é a

única unidade deste grupo com PM concluído.

AEE Rio da Casca 1, é a menor unidade do Estado e a que apresenta a maior

taxa de desmatamento de todas as áreas analisadas, cerca de 69% de sua área

total. Criada em 1994, teve 65% de área desmatada antes de sua criação.

Destacam–se ainda neste grupo 3, a APA Nascentes do Rio Paraguai e o

Monumento Natural Morro Santo Antônio, criadas em 2006, e que juntas

representam 6% do total de desmatamentos do grupo, todos anteriores a criação

das mesmas.

Em resumo, até 2005, cerca de 10% dos 41 mil km² protegidos como

Unidades de Conservação no Estado já haviam sido desmatados e cerca de 68%

deste total foram desmatamentos ocorridos antes da criação das Unidades, como

demonstra a 1.As 9 Unidades do Grupo 3 representam cerca de 78% do desmata-

mento total ocorrido no interior das UCs do Estado.

Tabela 1: Dados do desmatamento por grupo de análiseUCs do Grupo 1 UCs do Grupo 2 UCs do Grupo 3 Total

Representatividadeem relação a área do

Estado

16 UCs24.611 km2 ou 2,7%

do território

14 UCs6.080 km2 ou 0,7%

do território

9 UCs10.500 km2 ou 1,2%

do território

41.191 km2 ou 4,6%do território estadual

Área total desmatadanas UCs 335 km2 ou 8% 586 km2 ou 14% 3.244 km2 ou 78% 4.165 km2 ou 10%

da área total das UCsÁrea desmatada

antes da criação daUC

258 km2 ou 6% 423 km2 ou 10% 2.149 km2 ou 52% 2.830 km2 ou 68%do total desmatado

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

64

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• Análise quantitativa do desmatamento no entorno das Unidades de

Conservação do Estado, num raio de 10 km.

O propósito da Lei do SNUC, ao estabelecer a obrigatoriedade da normati-

zação da ocupação e uso dos recursos no entorno das UCs ou Zonas de

Amortecimento, é minimizar os impactos negativos sobre a unidade e fortalecer

as oportunidades para o desenvolvimento sustentável. Desta forma, para a

classificação das áreas do entorno das UCs, quanto as taxas de desmatamento,

foram utilizados grupos com intervalo de valores maiores do que aqueles para o

interior das Unidades, como a seguir:

Grupo 1: Entornos com até 20% de área desmatada

Grupo 2: Entornos com 20% à 50% de área desmatada

Grupo 3: Entornos com mais de 50% de área desmatada

Esta análise foi feita para o entorno de 32 unidades. No Grupo 1 estão

incluídos os entornos de 17 Unidades, sendo 16 entornos de áreas de Proteção

Integral e 1 entorno de área de Uso Sustentável. São 5 entornos de Estações

Ecológicas, 2 de Parques Nacionais, e 7 de Parques Estaduais, 2 entornos de

Refúgio da Vida Silvestre e 1 de Reserva Extrativista. A EE Taiamã e o PN do

Pantanal Mato-grossense, que não apresentaram áreas desmatadas em seu

interior, também não apresentam desmatamentos em seus entornos. O PN

Pantanal Mato-grossense tem 3% do seu entorno sobreposto ao PE Guirá,

também incluído no Grupo 1. A Resex Guariba Roosevelt e o PE Cristalino I,

ambos com 9% de seu entorno desmatado, também fazem parte do Grupo 1. No

caso do PE Cristalino I, o seu entorno está sobreposto em 34% com o PE do

Cristalino II. Deste grupo a unidade que apresenta seu entorno mais desmatado

é o RVS Quelônios doAraguaia, com 16%.

No Grupo 2 estão o entorno de 9 unidades, todas de Proteção Integral. São 6

Parques Estaduais, 1 Parque Nacional e 2 Estações Ecológicas. Com 20% de seus

entornos desmatados estão a EE do Rio Ronuro e o PE Cristalino II, que tem 20%

7

7 Não foram consideradas na análise o entorno das Áreas de Proteção Ambiental

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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de seu entorno sobreposto com o PE Cristalino I. Com 38% do seu entorno

desmatado está o PE Ricardo Franco, e a unidade deste grupo que apresenta a

maior área desmatada é o PE Serra de Santa Bárbara, com 48% no total. O PN da

Chapada dos Guimarães apresenta cerca de 35% do seu entorno desmatado,

porém 72% da área está sobreposto àAPAChapada dos Guimarães.

O Grupo 3 inclui o entorno de 6 unidades, todas de Proteção Integral. Temos

2 Parques Estaduais, 2 Estações Ecológicas, 1 Reserva Ecológica e 1 Monumento

Natural. Apresentando taxas semelhantes estão o Monumento Natural Morro

Santo Antônio (52%), a Resec Culuene (53%) e o PE Serra Azul com 54% da área

do entorno desmatado. No caso do PE Serra Azul, aproximadamente 6% da área

está sobreposta àAPASerraAzul.

Das unidades analisadas, a que apresenta o entorno mais desmatado é a EE

Rio da Casca 1, com 81 %, e aproximadamente 12% está sobreposto a outras

unidades, EE Rio da Casca 2 e àAPAChapada dos Guimarães.

Em resumo, as taxas de desmatamento no entorno das UCs de Mato Grosso

vem demonstrando, nos últimos três anos, franca redução nos seus valores. Estes

estão relativamente menores que a média das áreas não protegidas: até 2005, 15%

dos 56 mil km² de área de entorno de UCs foram desmatados, contra 42% para o

total das áreas não incluídas em UCs ou TIs. Entre as 33 UC's analisadas, 17 tem

menos de 20% de suas áreas de entorno desmatadas; 9 têm de 20 a 50% de suas

áreas de entorno desmatadas, sendo todas de Proteção Integral, e com uma taxa

média de desmatamento de 4% nos últimos 3 anos ou 1.8% ao ano; entre as 6

UC's que possuem mais de 50% de suas áreas de entorno desmatadas, a taxa

média de desmatamento de 2003 a 2005 foi de 3%, isso se explica pelo fato de a

maioria dessas áreas de entorno já terem sido desmatadas antes de 2003.

Segundo o SNUC, o objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é

preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos

naturais, com exceção dos casos previstos em lei.

• Identificação das categorias de Unidades de Conservação mais eficazes

para combater o avanço do desmatamento

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

66

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Para as Unidades de Uso Sustentável é possível compartilhar a conservação

da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

Segundo Magnanini (2002), estas são mais áreas de restrição de atividades e não

Unidades propriamente ditas; elas existem mais em função de planejamento e de

licenciamento de uso e de atividades e não constituem necessariamente em si

Unidades de Conservação. Ou conforme Dourojeanni (1997), ressalta a respeito

das RESEX, estas tem demonstrado pouca eficiência tanto para a conservação

como para o desenvolvimento e geração de renda para as populações envolvi-

das.

Para Alencar (2004), áreas protegidas de proteção integral e de uso sustentá-

vel têm um papel central na redução do desmatamento, na preservação da

biodiversidade e na proteção dos direitos de populações tradicionais.

Entretanto, não podem ser vistas como a única solução.

Nesse contexto, o resultado da avaliação das diferentes categorias de

manejo estaduais e federais, frente ao avanço do desmatamento no Estado. Na 2

estão os resultados das taxas de desmatamento por categorias de manejo, ou seja

a contribuição de cada categoria ao desmatamento total nas unidades de

conservação do Estado.

Tabela 2: Dados do desmatamento por categoria de manejo

Categorias de ManejoÁrea Total

(km²) Taxa de desmatamento acumuladoAntes da criação da UC Depois da criação da UC

PROTEÇÃOINTEGRAL FEDERAL ESTADUAL FEDERAL ESTADUALEstação Ecológica 4.191 0 0.7 1.1 0.2Reserva Ecológica 36 0.0 0.1Refúgio Vida Silvestre 1.139 3.4 0.5Monumento Natural 3 0.02 0Parque 25.524 1.9 16.8 0.7 9.2USO SUSTENTÁVELReserva Extrativista 485 0.04 0.05Área de ProteçãoAmbiental 9.813 2.0 43 1.8 18

TOTAL 41.191 3.9 64.1 3.6 28.4

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Analisando os resultados, podemos concluir que, como era de se esperar, as

categorias de Proteção Integral, apresentam taxas de desmatamento em seu

interior menores se comparadas às categorias de Uso Sustentável.

Em Proteção Integral estão 75% do total das UCs do Estado. São as Estações

Ecológicas, Reservas Ecológicas, os Refúgios de Vida Silvestre, Monumento

Natural e os Parques. Estas representam 35% do total dos desmatamentos

ocorridos no interior das unidades do Estado, sendo que 31% nas unidades

estaduais e 4% nas federais.

Destacamos os Parques Estaduais que apresentam a maior taxa (26%) de

desmatamento no interior das unidades e apesar de 16,8% ter ocorrido antes da

criação e de apresentar uma redução significativa após a criação, mesmo assim

permanece uma taxa relativamente elevada para uma categoria de Proteção

Integral (9,6%). Isso demonstra a fragilidade dos Parques Estaduais frente a

pressão do desmatamento.

As Estações Ecológicas existentes no Estado, tanto federais quanto estadua-

is, apresentam taxas baixas de desmatamento, antes e após a criação, com valores

decrescentes no caso das estaduais. Nota-se um aumento na taxa dos desmata-

mentos após a criação nas Estações Ecológicas federais, que era de 0% passando

para 1,1%.

Os Refúgios de Vida Silvestre que representam 2,8% do total da UCs

existentes no Estado, apresentam uma redução significativa nas taxas de desma-

tamento após a criação, e demonstram-se eficazes ao avanço do desmatamento.

Representando apenas 35% do total das Ucs do Estado temos as categorias

de Uso Sustentável, como as Áreas de Proteção Ambiental e as Reservas

Extrativistas.

No Estado, são responsáveis por 65% do total dos desmatamentos ocorridos

no interior das UCs. As APAs Estaduais representam 61% desse total e as

federais 4%, ficando a única Reserva Extrativista do Estado responsável por

apenas 0,08% deste total.

Os resultados apontam que do desmatamento total ocorrido no interior das

unidades de conservação do Estado, 92,5% ocorreram em unidades estaduais

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

68

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apresentando taxa elevada também nos entornos chegando a 87% de desmata-

mentos. Dado muito preocupante e que reforça a necessidade de maior fortaleci-

mento no Sistema Estadual de Unidades de Conservação. As unidades federais

são responsáveis por 7,5% e por 13% nos seus entornos.

Das categorias de Unidades de conservação existentes em Mato Grosso,

destacamos como mais eficazes para barrar o avanço do desmatamento as

unidades de Proteção Integral como Refúgios de Vida Silvestre e Estações

Ecológicas, por demonstrarem clara diminuição nas suas taxas após a criação das

unidades.

Até 2005, cerca de 10% do território total das Unidades de Conservação do

Estado havia sido desmatado, bem como 15% das áreas do entorno dessas

Unidades, num raio de 10 km. Ao compararmos estes dados com as taxas

cumulativas do desmatamento ocorrido no Estado de Mato Grosso, que foi

35,3%, no mesmo período analisado, é possível constatar que, de um modo geral,

as UCs têm sido instrumentos eficazes na conservação do patrimônio natural,

contendo o avanço do desmatamento local. Como sugerem estudos recentes,

mesmo as UCs com deficiências administrativas e de manejo, demonstram-se

mais eficientes na conservação do que áreas não legalmente protegidas

(BRUNER, 2001).

Porém, estes 10% de áreas desmatadas no interior das UCs representa um

dado ainda expressivo, visto tratar-se de áreas protegidas por lei. Nas Terras

Indígenas foram registrados apenas 3,3% de desmatamento.

O mesmo ocorre com os 15% constatados nas áreas de entorno, consideran-

do ainda que, em muitos casos, o entorno de uma UC localiza-se no interior de

uma outra área protegida (UC ou TI), reduzindo desta forma a pressão do

desmatamento.

As categorias de manejo de Proteção Integral são as mais eficazes para

conter o avanço dos desmatamentos, porém é fundamental reforçar a necessida-

de de elaboração e implantação dos Planos de Manejo, passo muito importante

Comentários Finais

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

69

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na efetivação dessas áreas, proporcionando também a atuação dos atores-chave

na tomada de decisão e gestão da unidade, através dos conselhos consultivos ou

deliberativos.

Os resultados apresentados reforçam a necessidade de maiores estudos

sobre a biodiversidade para definição de áreas prioritárias visando a criação de

novas unidades conservação e assim fortalecer o sistema de unidades de

conservação do Estado, que atualmente representa apenas 4,6% do território.

Também apontam a necessidade de políticas públicas que privilegiem a

efetiva implantação das UCs existentes e a criação de novas áreas legalmente

protegidas, dentro dos programas voltados para a contenção do avanço do

desmatamento no Estado.

Deve também ser dada especial atenção às iniciativas que visam promover o

desenvolvimento integrado e sustentável dos territórios localizados no entorno

das UCs, efetivando-os, na prática, como Zonas de Amortecimento legais e

funcionais.

Referências Bibliográficas:ALENCAR, A.[et al], 2004. Desmatamento na Amazônia: indo além da Emergência Crônica.Belém:

Instituto de PesquisaAmbiental daAmazônia.

BRASIL. 2000 Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000 Institui o Sistema Nacional de Unidades de

Conservação da Natureza – SNUC, e estabelece critérios e normas para criação, implantação e gestão

das Unidades de Conservação.

BRUNER, A.G., GULLISON, R.R., RICE, R.E.E FONSECA, G.A.B. 2001. Effectiveness of parks in

protecting tropical biodiversity. Science 291(125–128).

DOUROJEANNI, M. J., 1997 Áreas Protegidas: problemas antiguos y nuevos, nuevos rumbros. In:

Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Curitiba: IAP/Unilivre/RNPUCs. Anais, vol. I, p:

69 – 109.

MAGNANINI, Alceo 2002. Política sobre as Unidades de Conservação – Dificuldades e sucessos no

pensamento de Alceo Magananini. Unidades de Conservação: Atualidades e Tendências – Curitiba:

Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. p: 151 – 160.

0

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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DE UMA AGRICULTURA SUSTENTADA À SUSTENTÁVEL

Vicente José Puhl1

O título justifica-se porque expressa a essência da análise do modelo de

desenvolvimento do agronegócio, predominante no estado de Mato Grosso.

Construiu-se subsidiado com recursos de crédito e pesquisas públicas. Mantém-

se à custa de altos impactos sociais, pois gera poucos empregos, muitas vezes usa

trabalho escravo ou degradante, faz baixa remuneração dos trabalhadores,

concentra terra e renda e produz acentuado êxodo rural. Apresenta custos

ambientais como desmatamento indiscriminado, queimadas, assoreamento e

poluição das águas por agro-químicos, etc.

A prova mais cabal, de que é sustentado pela sociedade, com recursos

públicos, são as recentes manifestações dos grandes produtores, principalmente

da soja, que iniciaram em 2005, promoveram um em Brasília, e

realizaram em 2006. O movimento é liderado nacionalmente

por produtores e políticos de Mato Grosso. A carta de 13 de março de 2006,

enviada pelo governador à Ministra Chefe da Casa Civil com as reivindicações

do setor, indica isto.

, afirmou a economista Miriam Leitão no dia

seguinte à demissão do ministro Antônio Palocci (27/03) e na posse de Guido

Mántega, disse que esperava do novo ministro a continuidade da gestão do

antecessor, não cedendo às pressões setoriais, como as do agronegócio.

Concluiu,

(Rádio CBN).

“tratoraço”

“o grito do Ipiranga”

“Agronegócio sustentado”

“a lógica do agronegócio é privatizar os lucros e deixar para a sociedade os

prejuízos inerentes ao setor. Nenhum governo pode operar assim, pois numa economia de

mercado as crises podem afetar todos os setores”

1 Mestre em Educação Pública e Meio Ambiente – UFMT; Coordenador Regional FASE-MT; membro do GT-Agricultura do Projeto MTSD.

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1. A agropecuária mato-grossense

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) Mato Grosso possui aproximadamente 90.000.000 (noventa milhões) de

hectares de terra, dos quais 33.648.412 ha, são ocupados pela agropecuária em

pasto e pela agricultura com soja, milho, arroz, algodão, cana, feijão, mandioca e

A imagem expressa uma visão da realidade da agropecuária de Mato

Grosso. Mostra elementos do processo de ocupação, como ocorre via de regra.

Produtores migrantes chegam, encontram uma mata ou cerrado, retiram a

madeira nobre, derrubam, queimam, plantam pasto ou mecanizam para a

produção de grãos, principalmente arroz, milho e soja.

O gráfico abaixo anota os principais produtos da agropecuária do Estado,

mostra a dinâmica de crescimento e a área que cada um ocupa.

Dinâmica das principais atividades agrícolas no Estado de MT

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

1978 1981 1985 1990 1995 2000 2004

Mil

ha

Algodão

Arroz

cana

Feijão

Mandioca

milho

soja

Gráfico 01 – Fonte, pesquisador Ms. Antônio João Castrillon Fernandes (2005)

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

72

Figura 1 – Foto Campanha Ykatu Xingu - Fonte ISA - 2005.

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banana. Significa que 37,38% da área do Estado já foi desflorestada e ocupada

pela agropecuária.

O pasto predomina na ocupação de área em relação aos grãos e outros

produtos agrícolas, com 25.918.998 ha, o que representa 77,02% da área ocupada.

Em segundo lugar vem a soja, com 5.279.928 ha, representando 15,69% da área

ocupada, mas representava 68,30% da área cultivada pelas principais lavouras

temporárias do Estado em 2004. Apresentou um crescimento impressionante.

Foram 1.703,20% desde 1977, início do registro de sua produção em Mato

Grosso, quando eram cultivados 310.000 ha. Sua área multiplicou-se 17 vezes.

Em terceiro lugar vem o milho, em 12,17% da área cultivada e no quarto lugar

está o arroz ocupando 9,56% da área cultivada. Este produto, em 1978, represen-

tava 81,6% da área total das lavouras temporárias. Assim como o arroz, o feijão,

produto destinado ao mercado interno, produzido predominantemente em

estabelecimentos familiares, teve a área de plantio reduzida de 48 mil ha em 1978

para 43.476 ha em 2004. Hoje representa apenas 0,56% da área cultivada com

lavouras temporárias. A mandioca não teve grandes variações ao longo do

período e ocupa apenas 0,48% da área cultivada.

Em síntese, observa-se um crescimento da área cultivada para os produtos

destinados ao mercado externo e às agro-indústrias (soja, milho, algodão e cana-

de-açúcar) e uma redução ou crescimento pouco expressivo dos produtos

destinados ao consumo no mercado interno como o arroz, feijão, milho e

mandioca (FERNANDES, 2005).

O crescimento da área de soja e milho não é exclusividade mato-grossense,

acompanha uma tendência mundial como mostra a tabela 01. Schlesinger (2006),

afirma que o crescimento global se deve principalmente ao aumento de consumo

de carne no mundo, pois a soja é o principal componente da ração animal. Aárea

do trigo diminuiu e a do arroz cresceu pouco porque os países asiáticos e os

países em desenvolvimento estariam aumentando o consumo de carne e

diminuindo o consumo destes cereais.

Os dados sobre o aumento da produção de soja no Brasil nos últimos anos,

impressionam. Sua área plantada na safra 2004/2005 equivale à soma dos outros

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

73

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quatro principais grãos produzidos no país: arroz, feijão, milho e trigo. O total da

área plantada destes, mais visíveis na mesa do brasileiro médio, reduziu-se entre

1991 e 2004, enquanto área destinada à soja mais do que triplicou.

O Brasil foi, em 2003 e 2004, o maior exportador mundial de soja e vem

mantendo a posição de segundo maior produtor, após os Estados Unidos. Os

três principais produtos do chamado complexo da soja – grão, farelo e óleo -

representaram, em 2004, 12% das exportações do país, cerca de 10 bilhões de

dólares. Corresponderam, também, a mais de um terço de toda a soja comerciali-

zada no mercado internacional.

Em Mato Grosso predominam absolutamente as monoculturas extensivas

tanto na pecuária como na produção agrícola. Trata-se de um modelo agrope-

cuário com uso intensivo de capital e com máquinas moderníssimas. Alcançou

alta produtividade devido ao uso intensivo de insumos químicos artificiais,

principalmente na agricultura de exportação.

Os Projetos Brasil e Mato Grosso Sustentável e Democrático partem de duas

preocupações centrais para a humanidade. Enfrentar a desigualdade da distri-

buição da riqueza, do acesso e uso dos recursos naturais, pois 80% são consumi-

dos pelos 20% mais ricos da população e a crescente degradação ecológica, que

causa desequilíbrios climáticos. Para resolver estes problemas são necessárias

profundas mudanças no modelo de produção e distribuição. Entendemos que o

primeiro passo da mudança é melhorar nossa compreensão sobre a realidade

dos diversos setores.

Tabela 01 - Tabela da Produção Mundial de Grãos (milhões t)

2. Agropecuária mato-grossense: sustentável e democrática?

Produto 1993/94 2003/04 Cresc. %Soja 117,8 200,2 70,00%Milho 476,4 609,0 27,80%Trigo 558,1 549,5 -1,50%Arroz 354,9 389,3 9,70%Forrageiros 798,6 881,6 16,30%

Fonte: Pereira (2004) Schlesinger (2005)

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Partimos do princípio de que democracia não é apenas o direito de partici-

pação nos processos eleitorais. Democracia real é a participação de todos/as os/as

cidadãos/as no usufruto dos recursos naturais e dos bens gerados a partir do

trabalho. Sustentabilidade só há quando existem processos de produção

duradouros, uso de práticas e técnicas que causem o mínimo de impactos

ambientais. Sociedade sustentável só se for democrática, com cidadãos satisfei-

tos, incluídos e usufruindo as benesses do desenvolvimento.

A análise da agropecuária de Mato Grosso, que é motivo de orgulho para

uns e de preocupação para outros, nos remete a uma reflexão importantíssima

de Schlesinger (2006, p 09), que afirma:

Enfatiza que a mecanização e a concentração dos negócios em número cada

vez mais reduzido de grandes empresas dedicadas à comercialização e industri-

alização de alimentos, invadem espaços antes ocupados pela agricultura de

subsistência – a autêntica agricultura familiar - reduzindo o emprego no campo,

a capacidade de produção de alimentos tradicionais e comprometendo, assim, a

segurança alimentar da população.

Destaca o avanço da soja sobre o Cerrado e a Amazônia que já não permite

sequer aos setores mais conservadores dos meios de comunicação ignorar seus

impactos sobre o meio ambiente. Ameaça às águas, o clima e a preservação da

biodiversidade, este avanço vem provocando não só denúncias e protestos, mas

também o surgimento de campanhas nos níveis nacional e internacional.

As lideranças do agronegócio, nos últimos anos, venderam a idéia de que o

setor representa a solução de problemas sociais como o desemprego e a falta de

trabalho, mas a análise dos dados sugere que o agronegócio está longe de ser a

solução, mas é em grande parte causa destes problemas (PUHL, 2005).

O crescimento do agronegócio de exportação vem provocando uma série de

impactos negativos sobre a qualidade de vida da população. Não se pode ignorar,

que a monocultura de exportação, ao longo da história do Brasil, sempre caminhou

de mãos dadas com padrões inaceitáveis de distribuição da riqueza, da renda e da

terra.

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O modelo das monoculturas extensivas é socialmente anti-democrático e

insustentável porque concentra terra e renda, dispensando e excluindo gente do

campo. Poucas empresas e pessoas, com moderníssimas máquinas se apropriam

e produzem em enormes extensões de terras. Trabalhadores perdendo seu lugar e

auto-sustento passam a depender de ajuda, de doações, de cuidados e de proteção

do Estado.Asociedade paga toda esta conta através dos impostos, que ao invés de

fomentarem investimentos na melhoria das condições de vida dos cidadãos, são

gastos na manutenção deste exército de excluídos e desempregados.

Estes custos não estão sendo embutidos na conta do agronegócio. Poucas

grandes corporações, em geral multinacionais, sempre ganham economicamen-

te devido à sua localização estratégica no mundo. Elas passam imunes às crises e

faturam porque dominam quase toda cadeia produtiva.

A soja é uma cultura que pode ser benéfica ao solo, da qual derivam cente-

nas de subprodutos, o problema é o modelo de sua produção. Preocupante

mesmo, é a tendência à concentração da produção, observada nos dados

estatísticos, tanto nas antigas quanto nas novas áreas de produção.As proprieda-

des com áreas de soja abaixo de 100 ha. diminuíram, entre 1985 e 1996, em 44,8%.

Por outro lado, as propriedades produtoras de soja com áreas acima de 1.000 ha

aumentaram em 11% e passaram a ser responsáveis por 35,1% da produção

brasileira. Os agricultores do Centro-Oeste, com destaque para os de Mato

Grosso, ocupam áreas mais extensas que na região Sul (SCHLESINGER, 2006).

Sendo a margem de lucro pequena, por área, a lógica do produtor é ampliar

a escala de produção, pela abertura de terras próprias, mas fundamentalmente

pela aquisição de novas áreas. O índice de concentração da terra tem-se elevado

desde o último Censo Agropecuário aos dias atuais. Os indicadores de Renda do

município de Sorriso, modelo de sucesso do agronegócio, também apontam esta

tendência da concentração.

Um dos objetivos do Projeto Mato Grosso Sustentável e Democrático é

enfrentar as desigualdades, por isso preocupa-nos de modo especial este modelo

que leva à concentração. Esta significa exclusão social ou ausência de democracia

real e leva à insustentabilidade social. A renda dos 80% mais pobres de Sorriso

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reduziu-se, em termos de participação na renda total, era de 39,5% em 1990 e foi

para 31,5% em 2000. Por outro lado, a renda dos 10% mais ricos, de Sorriso, em

termos de participação na renda total, subiu de 44,6% para 55,2%, crescimento de

10,6% (FERNANDES, 2005).

Um quinto da população mais pobre do município tinha renda

média, em 2000, de R$ 65,00 e um décimo mais rico R$ 2.550,00; ou seja, a diferen-

ça de renda média entre os 10% mais ricos e os 20% mais pobres é de aproximada-

mente 3.800%. Enquanto que a renda média dos 20% mais pobres

cresceu 30% no período de 1991 a 2000, a renda dos 10% mais ricos cresceu 99,1%.

Contraditoriamente, os municípios produtores de soja apresentam o IDH -

Índice de Desenvolvimento Humano acima da média do Estado. Argumento

utilizado pelo “setor produtivo” para demonstrar as vantagens sociais da

economia da soja. O IDH de Sorriso em 2000 foi de 0,824, enquanto o de Mato

Grosso era 0,773. É possível concluir que a metodologia do IDH, na prática

encobre o dado da desigualdade da renda, quando simplesmente divide toda

renda do município pela população. No caso de Sorriso gera uma renda média

alta, mas desconsidera que é concentrada.

Por mais que a agricultura familiar tenha baixa renda, para a maioria das

unidades de trabalho, este modelo da produção familiar é socialmente mais

adequado para um Mato Grosso Sustentável e Democrático.Aprodução familiar

inclui, ocupa muito mais mão-de-obra por área trabalhada e produz muito mais

do que muitos imaginam.

As propagandas patrocinadas pelas grandes corporações que dominam o

agronegócio no mundo falseiam a imagem da agricultura familiar e das vanta-

gens da agricultura patronal. No entanto os dados comparativos indicam que a

produção familiar camponesa é responsável por 95% dos empregos do campo,

embora só receba 15% do crédito federal. A agricultura patronal, ou o agronegó-

cio dos médios e grandes estabelecimentos, embora receba 85% do crédito,

emprega diretamente apenas 5% da mão-de-obra da agropecuária. Se tivésse-

mos uma inversão no direcionamento dos recursos a produção aumentaria com

inclusão social.

per capita

per capita

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Pode-se concluir que não está na contramão quem defende o modelo da

produção familiar, pois ela representa um caminho para parte da solução do

problema do desemprego.

Aopção de ancorar o modelo agropecuário de Mato Grosso, basicamente em

dois produtos, na pecuária e na soja, é uma decisão por manter pouca população

no meio rural, pois as duas atividades apresentam baixíssima capacidade de gerar

empregos, por área ocupada. Verificou-se que, com investimentos em tecnologias,

o número de trabalhadores por mil hectares caiu de 65 para 15, entre 1996 e 2004.

O modelo é economicamente anti-democrático e insustentável porque é

extremamente exigente em capital e baseado em monoculturas extensivas.

Como o modelo permite incorporar com facilidade novas áreas leva a super-

oferta do produto e conseqüentemente a baixa dos preços e o aumento dos

insumos porque aumenta a área e a necessidade de nutrientes na mesma área

plantada. Assim, constantemente o setor que contraditoriamente prega o livre

mercado, busca socorro do Estado, aos fundos públicos e passa a conta para toda

sociedade pagar e os benefícios ficam apenas para poucas grandes corporações,

na maioria, transnacionais.

As lideranças dos produtores e o governador de Mato Grosso estão na

dianteira das mobilizações do agronegócio, que solicitam como medida emer-

gencial a securitização e renegociação dos prazos das dívidas vencidas e por

vencer. Apresentaram uma carta com as reivindicações a Ministra Chefe casa

civil Dilma Rossef em 13-03-06.

Querem: que a ferrugem asiática da soia seja tratada como endemia;

insumos Genéricos para a Agropecuária a liberação comercial junto a CTNBIO

dos transgênicos das culturas de algodão e milho, que segundo eles possibilita

menor uso de agrotóxicos e diminuição dos custos de produção; a retirada do

veto ao artigo da lei que instituiu o quórum de 2/3 do conselho da CTNBIO;

incentivos da pesquisa oficial em biotecnologias; a regulação do uso de Bio-

combustível em nível regional, permitindo o uso puro ou em mistura por parte

do consumidor; o pagamento do frete, pela Petrobras, da refinaria até a base

distribuidora e eliminação da carga tributária federal sobre o óleo diesel utiliza-

;

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do na agricultura e pecuária (CIDE, PIS, COFINS, etc); a atualização dos preços

mínimos dos produtos agrícolas que levem em consideração os valores que

contemplem o atual custo de produção e garantam uma renda mínima ao

produtor, disponibilizando a opção da equivalência produto na contratação de

financiamentos; na infra-estrutura a Implementação e aporte de recursos do

Orçamento da União para inicio das obras de asfaltamento da BR 163 viabilizan-

do novo canal de exportação e conseqüente redução do custo Brasil.

Em resposta o governo federal lançou um pacote de medidas em 20 de maio

de 2006, bastante favorável, especialmente aos grandes devedores, com subsídi-

os que outros setores e categorias não obtêm. Como exemplo a redução da taxa

de juros de 17% para 8,75%.

Schlesinger (2005) aponta que esta situação já vem se arrastando desde a

implantação do Plano Real. Numa conjuntura desfavorável ao setor agrícola, o

governo FHC promoveu uma ampla renegociação das dívidas do setor agrícola,

lançando os chamados programas de securitização. Em 1997, foram incluídos

também os que deviam mais do que esse valor. Em 2001, nova negociação trocou

a correção monetária pela variação do preço do produto. Já no governo Lula

(2003) instituiu-se o desconto de 30% para os que pagassem em dia.

Görgen e Stédile (2005, p 07) vão além na análise destes números. Segundo

eles, as dívidas renegociadas em 1995, 1999 e 2002, roladas em 25 anos com juros

de 3% ao ano (enquanto a taxa Selic, que regula os índices de juros no país,

oscilava entre 15 e 20%) e garantidas pelo Tesouro Nacional, só em contratos

acima de R$ 100.000,00 somavam um valor global de R$ 26 bilhões .

O Brasil do agronegócio defende o fim dos subsídios e barreiras para

garantir mercado para os produtos do agronegócio “brasileiro”, que nem

sempre tem subsídio direto, mas em muitos casos exploração direta, como é o

caso do uso constante de mão-de-obra escrava ou degradante, Puhl (2005).

2

2 O Tesouro Nacional equaliza os juros dessas dívidas num valor anual superior a R$ 3,38 bilhões, pagando assimparte dos juros que os fazendeiros não querem pagar. O cálculo por baixo é de que seus beneficiários nãoultrapassam a vinte mil grandes proprietários. Feitas as contas, isto representa uma transferência a cada um delesde R$ 15 mil mensais.

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Só em 2005, tivemos em Mato Grosso mais de 1.300 trabalhadores libertados

em fazendas, por fiscais do Tribunal Regional do Trabalho porque eram escravi-

zados ou trabalhavam em condições degradantes. Esta prática recorrente indica

a agressividade do modelo e sua inviabilidade, pois se fosse viável, não recorre-

ria para o uso de mão-de-obra escrava.

O modelo agro-exportador de matéria-prima é inibidor do desenvolvimen-

to da agroindústria mato-grossense. A submissão dos produtores aos negócios

das grandes corporações que garantem seus ganhos em todas as situações, pois

dominam toda cadeia, fornecendo insumos (sementes, adubos e agrotóxicos),

financiando e comprando a produção e às vezes até industrializando-a.

Estas grandes corporações não querem o desenvolvimento de agroindústri-

as locais. Trabalham para facilitar a exportação de grãos in natura em detrimento

de subprodutos industrializados.

Schlesinger (2005), constatou que na Bunge, novas fábricas de processamen-

to de grãos, a maioria delas de soja, hoje são erguidas prioritariamente na Ásia e

no Leste Europeu, regiões onde é expressivo o potencial para o crescimento do

consumo de alimentos. Ao Brasil, que no passado recebeu aportes similares

também em função do consumo crescente e da vocação exportadora, cabe mais o

papel de "celeiro" para a abertura das fronteiras (LOPES, 2005).

Em entrevista um “pequeno produtor” faz o seguinte comentário:

O modelo do agronegócio, baseado na monocultura, no plantio direto e nos

insumos externos como os fertilizantes químicos artificiais, herbicidas, sementes

transgênicas e agrotóxicos é profundamente insustentável ambientalmente. A

poluição das águas dos córregos e rios tem afetado diretamente outros setores da

sociedade. As freqüentes mortandades de peixes por contaminação de agrotóxi-

cos vêm diminuindo o estoque de pescado. Pesquisadores já trabalham com a

Trabalhar só a minha área (120 ha) não sobrevive. Ai no assentamento de Boa

Esperança, lá o lote é de 70 (ha), ele planta e tem que caçar um serviço fora para

sobreviver. Para tirar luz, essas coisas, para sobreviver. Você só fica trocando seis por

meia dúzia.

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hipótese de que o pescado, em grande parte, diminui porque a flora aquática,

componente importante na alimentação dos peixes, está sendo afetada pelos

herbicidas. Assim, a inviabilização da vida de comunidades ribeirinhas e

pescadores é outro custo que o agronegócio não computa e toda sociedade é

convidada a pagar (PUHL, 2005).

Estudos recentes mostram que o comércio agrícola promove uma gigantes-

ca transferência de água de regiões onde ela se encontra de forma abundante e a

baixo custo para outras regiões onde é escassa, cara e seu uso compete com

outras prioridades (RODRIGUES, 2006). Assim, a China, importando cerca de 18

milhões de toneladas de soja por ano, permite que ingressem no país 45 milhões

de metros cúbicos de “água virtual”. O Brasil, por sua vez, exportou em 2003 1,3

milhão de toneladas de carne bovina. Por esse caminho, exportou também 19,5

km³ de água virtual (19,5 bilhões de m³) (SCHLESINGER, 2005).

Nos últimos vinte anos, verificou-se uma rápida internacionalização de

grandes empresas sementeiras, com a penetração de grupos industriais vindos

dos setores: farmacêutico, químico e alimentar. Especialmente na produção de

sementes geneticamente modificadas, um oligopólio formado por apenas cinco

empresas detém 91% das vendas, com valor estimado em US$ 4,5 bilhões no ano

de 2003. São elas a Dupont, Monsanto, Syngenta, Bayer CropScience (Aventis) e

DowAgroSciences ( 2005).

As vendas mundiais da ADM no ano de 2004 atingiram US$ 36,2 bilhões. As

da Bunge somaram US$ 25,2 bilhões.ABunge é a maior empresa de alimentos no

Brasil, com um faturamento de R$ 23,2 bilhões. Neste cenário, também as

empresas nacionais da soja passam a negociar com as multinacionais. Até

cooperativas com menos capacidade e experiência, dependem dessas multinaci-

onais para acederem ao mercado externo.

Os volumes da soja subordinados à atuação destas grandes empresas em

todo o mundo lhes permitem um amplo controle dos preços do produto no

mercado mundial. Esta supremacia e amparo político internacional das corpora-

ções transnacionais colocam em risco a soberania e segurança alimentar das

nações.

SCHLESINGER,

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3. Transição de agricultura sustentada à sustentável

O conjunto de atores envolvidos no Projeto Mato Grosso Sustentável e

Democrático entendem que os impactos socioambientais do atual modelo do

agronegócio, associado à insegurança econômica e o risco da soberania e

segurança alimentar, requer uma profunda mudança no modelo de desenvolvi-

mento rural do Estado. Não aprofundamos como esta transição para a agricultu-

ra sustentável se realizaria. Apenas anunciamos que importantes passos nesta

direção estão sendo implementados por diversas organizações de agricultores

familiares e camponeses.

As recomendações de Jean Pierre no Fórum Social Brasileiro, realizado em

novembro de 2003 em Belo Horizonte (MG), apontam um caminho que devemos

perseguir no projeto. Afirma que as monoculturas desestruturam as possibilida-

des de vida social nos territórios aonde chegam.

Por isso, ele propõe a criação de pólos de desenvolvimento local no meio

rural, com ênfase na pequena produção familiar e diversificada.

"Precisamos de vários pólos para fixar as famílias com produção diversifica-

da, sem isolamentos e com integração em mercados solidários".

É, sem dúvida, uma alternativa de desenvolvimento sustentável muito mais

interessante do que o agronegócio exportador que enriquece poucos, a custa de

todo o esforço da sociedade.

As dezenas de experiências de produção agroecológica que estão em

andamento em Mato Grosso representam um embrião necessário para construir

uma transição ao modelo agroexportador e concentrador, em desenvolvimento

sustentável e democrático.

"No Mato Grosso, vi famílias que já não têm ônibus passando perto de suas casas,

porque tudo em volta é soja. Com isso, as crianças não podem mais ir à escola. O que

acontece?Afamília tem que se mudar".

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4. Referências bibliográficas

DUARTE, Jorge; CASTRO, A. M. G.Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2004. 275p.

FERNÁNDEZ, Antonio J.C.Cuiabá, 2005, relatório pesquisa soja FASE, 46p.

GÖRGEN, Sérgio A. e STEDILE, João Pedro. Jornal O Globo, 21/06/05,p.7.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIAE ESTATÍSTICA- IBGE, 2004.LOPES, Fernando. Gazeta Mercantil, 13/06/05.

OLIVEIRA, Ariovaldo U.São Paulo, texto apresentado em reunião da CPT Nacional – Goiânia-GO 22/10/2003 e a

segunda versão ampliada, foi apresentada no XII Encontro Nacional do MST – São Miguel do Iguaçu– PR, 19 a 24 de Janeiro de 2004.

OLIVEIRA, Ariovaldo U. São Paulo: USP,2006.

PUHL, Vicente J. Anais do VIII CongressoBrasileiro de Plantio Direto. Tangará da Serra - MT: 2005.

RODRIGUES, Vânia(Artigo capturado em 20–05-2006)

SCHLESINGER, Sérgio.Rio de Janeiro: FASE, 2006. 76p.

Comunicação e tecnologia na cadeia produtiva da soja emMato Grosso.

Estudo De Caso Sobre A Soja No Estado De Mato Grosso MunicípioDe Sorriso.

O mensalão dos ruralistas.

Brasil alimenta expansão global daBunge.

Barbárie E Modernidade: O Agronegócio E As Transformações NoCampo.

Notas Para Entender A Crise Agrícola E As Falsas Saídas.

Plantio Direto: Risco direto para Segurança Alimentar.

Água virtual: a água que consumimos sem ver.

O grão que cresceu demais: A soja e seus impactos sobre a sociedade e omeio ambiente.

www.aesabesp.com.br/artigos_agua_virtual.htm

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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SINFONIAS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL MATO-GROSSENSE

Prelúdio

1

Michèle SatoDébora Pedrotti

Samuel B. de Oliveira-JrRonaldo Senra

2

Adimensão ambiental era ignorada pela civilização, passou a ser considera-

da na década de 1960, possivelmente com o grito ecológico de Rachel Carson,

com a publicação do livro “Primavera Silenciosa” (2002). A preocupação com a

dimensão ambiental ultrapassou os danos dos pesticidas e já é uma constatação

notória aos habitantes deste planeta Terra. Embora a Educação Ambiental (EA)

do plano internacional seja muito relacionada com a dimensão ecológica, no

Brasil ela se reveste de enorme envergadura social. Reconhecemos desta

maneira, que ela não é um mero instrumento de gestão ambiental e que nossa

luta está longe de ser finalizada. Ela é uma modalidade educativa que incorpora

a rebeldia da contracultura, recebe herança da Antropofagia da Semana da Arte

Moderna, incorpora o legado da Tropicália, ou espelha-se na corajosa e teimosa

luta de sujeitos como Chico Mendes. Queremos forjar um mundo com mais

justiça social e ambiental, através de táticas revolucionárias que possam promo-

ver a práxis de transformação contra os modelos insustentáveis de consumo e

simultaneamente, incluindo a maioria que ainda vive sem condições dignas de

sobrevivência.

No Brasil, orientada pela Lei 9795-99 de Educação Ambiental (PNEA), e

amparada no Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), o cenário

rico testemunha um caldo vigoroso de originalidade, criatividade e preocupação

social, ao lado da ambiental (BRASIL, 2005). Os estados se organizam em redes e

comissões colegiadas, traçando diretrizes, metas, proposições e utopias em

1

2

Agradecemos a Edinéia (Tangará da Serra, UNEMAT) e Lucileide (Cuiabá, GERA), parcerias do mesmo sonho.Membros do GT Educação do Projeto MTSD.

84

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3 www.ufmt.br/remtea.

horizontes de esperanças. O Estado de Mato Grosso não se esquiva deste

compromisso, iniciando sua trajetória ecologista ainda na década de 1960,

através do movimento dos artistas pela natureza e outros movimentos da

vanguarda que trouxeram a criação do Parque Nacional da Chapada dos

Guimarães. A primeira Organização Não-Governamental (ONG), a Associação

Mato-Grossense de Ecologistas (AME) ainda possui sua dinâmica, porém tímida

nos dias atuais. Grande parte de seus militantes ingressou em outras organiza-

ções, mudou de estado ou está em refluxo temporário. Estes ecologistas, entre-

tanto, permitiram seus legados na criação da Rede Mato-Grossense de Educação

Ambiental (REMTEA) , hoje liderança forte em Mato Grosso, oferecendo

eventos, contando com listas virtuais e em diálogos locais, nacionais e globais.

Suas atuações políticas vêm sendo reconhecidas pelo fortalecimento de uma EA

crítica, emancipatória e revolucionária.

Não há registro sistematizado da EA popular, senão estudos de caso que

revelam a forte presença da EA de forma multisetorial, com grupos ou sujeitos

que carregam marcas indeléveis de significados e esperanças que se redefinem,

redizem e ressignificam segundo os contextos e referências, à luz de nossas

cosmogonias, crenças e valores. Ainda que a REMTEAtenha um amplo cadastro

de seus membros, seus dados ainda são incipientes para oferecer um amplo

panorama do estado da arte da EA. Isso implica dizer que não há um cenário

padronizador que possa oferecer um perfil exato da EA no estado de Mato

Grosso, senão um vasto e complexo campo das diversas culturas e ambientes. A

Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) foi pioneira em oferecer um curso

de especialização em Educação Ambiental na América Latina e Caribe, ainda no

ano de 1989. Seus egressos tornaram-se lideranças em seus territórios e ainda

hoje, é possível conversar com um ou mais grupos sobre o efeito desta inovação.

Após esta fase, iniciou seu compromisso na pós-graduação , no

Programa de Pós-Graduação em Educação, através do Grupo Pesquisador em

Educação Ambiental (GPEA), que persiste vigorosamente até os dias atuais.

3

stricto sensu

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Diversos projetos de pesquisa, vivência e docência foram e ainda estão sendo

desenvolvidos, com premiações, financiamento e reconhecimento internacional.

Assim como a UFMT, outras universidades, principalmente a Universidade

de Estado de Mato Grosso (UNEMAT) também realizam suas atividades na EA,

seja através de vivências comunitárias, docência ou pesquisa em amplo desen-

volvimento. As Secretarias da Educação (SEDUC) e do Meio Ambiente (SEMA)

comandam a Política Estadual de Educação Ambiental e possuem projetos e

atuações fortalecidas no campo da EA. Buscam diálogos e transversalizando a

EA em demais órgãos, e através da Comissão Interinstitucional de Educação

Ambiental (CIEA), e acolhem vários organismos na Política Pública Privada,

como o Departamento de Trânsito, Estradas e Rodovias (DETRAN), Fórum

Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD), ou a

Federação das Indústrias de Mato Grosso (FIEMT), além de diversos outros

órgãos.

Uma grande expressão da sociedade civil foi a Carta da Terra, que em seus

16 princípios, trouxe ressonâncias internacionais. A Carta da Terra, inicialmente

liderada pelas Organizações das Nações Unidas em Educação, Ciência e Cultura

(UNESCO), regional Mato Grosso, foi incorporada facilmente pelos povos

indígenas, organização de bairros, movimentos negros, mulheres,

Comunidades Eclesiais de Base, artistas e Gays, Lésbicas e Simpatizantes (GLS),

entre outros. Suas atividades iniciaram em 1998, com a realização da Conferência

Internacional da Carta da Terra e têm sustentabilidade até os dias atuais (SATO,

PASSOS & MALDONADO, 2005). A Agenda 21 de Mato Grosso ainda está em

plena construção, mas nosso aporte à Agenda 21 nacional foi significativo,

através de proposições e olhares críticos que possibilitaram também escrever

uma agenda da EA, além da tessitura da agenda 21 escolar. Um outro destaque é

o Coletivo Jovem de Mato Grosso (CJMT), liderado majoritariamente por

universitários, com acolhimento aos estudantes do ensino médio e com forte

articulação nacional e internacional. Engajados na plataforma política do

governo federal: “Vamos Cuidar do Brasil”, atuam também nas escolas, partici-

pando da I Conferência Infanto-Juvenil do Meio Ambiente Pantaneiro (SATO,

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86

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2006), e convém sublinhar o papel relevante destes jovens que em suas irreverên-

cias, possuem compromissos que podem dar sustentabilidade aos chamados

“dinossauros” da EAda década de 1960, ainda em plena liderança no Estado.

A Lei Estadual da Educação Ambiental (7888/00) deve ser revisitada, com a

coragem de permitir que o Programa Mato-Grossense de Educação Ambiental

(ProMEA), acene sua dinâmica de mutação. Novos projetos em parcerias, redes,

comissões e coletivos educadores formam uma grande comunidade de aprendi-

zagem nos setores escolarizados e também em territórios não escolarizados,

construindo a escola e seu entorno, através de Organizações Não

Governamentais, instituições governamentais, empresas, escolas, artistas e

sujeitos. Cumpre ressaltar que no ano 2005, a REMTEAe o FORMAD realizaram

conjuntamente uma audiência pública com o Ministério do Meio Ambiente,

reforçando o papel da sociedade civil na participação democrática da construção

e formulação de políticas públicas.

Na contemporaneidade dos compromissos e agendas da EA, o Coletivo

Educador vem sendo construído no Programa de Formação em Educação

Ambiental no Pantanal (ProFEAP), que em aliança com o estado de Mato Grosso

do Sul, busca oferecer uma variedade de pratos no rico cardápio de variedades e

exuberâncias dos pantanais mato-grossenses. Ultrapassando a rigidez e enges-

samento das tradicionais disciplinas, cursos ou palestras, o cardápio pode ser

uma variação gastronômica da antropofagia oswaldiana, em comer o feio para

que o belo floresça. Na meta de promover o empoderamento comunitário,

basicamente através da agitação e barulho da educação popular, o coletivo

educador se arranja na composição de tons e semitons que matizam Mato Grosso

e seus Municípios Educadores Sustentáveis (MES). A proposta dos MES descen-

traliza as políticas, permitindo que as políticas sejam desenhadas conforme

necessidades e limites das biorregiões.Aordem na desordem pode ser percebida

na exuberante e bela natureza, mas ameaçada em seus impactos; ou no sabor das

expressões culturais, ameaçadas pelo efeito globalização que padroniza as

identidades.

Uma outra frente em EA veio no Projeto “Mato Grosso Sustentável e

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Democrático (MTSD)”, inicialmente liderado pela UNEMAT Tangará da Serra,

Grupo de Estudos sobre Reforma Agrária (GERA) e UFMT. A meta era diagnos-

ticar o estado da arte da EA em espaços escolarizados e não escolarizados,

através da fonte de consulta dos organismos da educação formal, bem como

ONGs. Entretanto, a ausência de financiamento foi determinante em encolher o

universo, e conjuntamente com a SEDUC, conseguimos um vasto panorama da

EA escolar. É sobre este contexto que o presente texto decorre seu olhar fenome-

nológico.

Através dos relatórios entregues pelas 27 secretarias de educação de cada

estado brasileiro, o Ministério da Educação (MEC), em conjunto com o Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), lançou

um amplo diagnóstico acerca do estado da arte da EA nas escolas (VEIGA,

AMORIM & BLANCO, 2005). A análise documental, que não contou com uma

pesquisa empírica, revela que a EAacompanha a evolução do número de escolas

do ensino fundamental, apontando um aumento na promoção da EA de,

aproximadamente, 72% no ano 2001 para 95% em 2005. Em Mato Grosso, este

número sobe de 57% para 94%, em sintonia com o cenário nacional.

Comparando regiões urbanas e rurais, o saneamento aparece como proposta da

EA, sem referência à saúde, ambas dimensões transversais nos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN). Inscreve-se nesta proposta da Agenda Marrom, o

tema mais popular da EA no cenário internacional: os resíduos sólidos, com

ênfase exagerada na Pedagogia da Reciclagem, que favorece a coleta seletiva do

lixo sem reflexão da inadequação do modelo desenvolvimentista da sociedade

global. Acoleta seletiva, geralmente em latas coloridas que indicam as caracterís-

ticas dos resíduos sólidos, aponta a preocupação do destino final do lixo, e isso

não pode ser encarado como meta da EA, uma vez que o consumo já foi realizado

e o resíduo representa um problema que não foi evitado.

Se conseguirmos transcender da “Pedagogia da Reciclagem” à “Pedagogia

dos 3 R (Redução, Reutilização e Reciclagem)”, alertaríamos sobre importância

Partituras

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da reflexão crítica dos modelos de desenvolvimento, evidenciando as disparida-

des sociais desassociadas das complexidades ambientais, desde que o consumo

exagerado de poucos gera a miséria da maioria da civilização humana. Algumas

pessoas se segregam e dialeticamente são segregadas na vida dos lixões, à mercê

das políticas ineficientes que corroboram a exclusão social e o prejuízo ambien-

tal.Ahistória do revela que os danos ambientais recaem, majoritari-

amente, nas camadas economicamente desfavorecidas e a Rede Internacional da

Justiça Ambiental conclama os direitos e a possibilidade de vidas dignas, através

de táticas que promovam a inclusão social com proteção ecológica.

A análise quantitativa de relatórios esconde de qual EA estamos tratando,

desde que inúmeras atividades em datas comemorativas, conteúdos abordados

nas ciências naturais e geografia, ou atividades pontuais de plantar árvores

podem ser compreendidas como práxis da EA. Tornou-se, assim, imperativa-

mente importante realizarmos um diagnóstico mais local, que pudesse oferecer

uma interpretação mais qualitativa do estado da arte da EA mato-grossense. No

ano de 2004, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC)

encaminhou um denso questionário às escolas públicas, com o objetivo de lançar

um olhar mais crítico à práxis educativa, além de promover encontros e conheci-

mento empírico das realidades escolares. O retorno de 52% dos 5 mil questioná-

rios encaminhados às escolas, valida a fidedignidade do espaço amostral, que

abarca vários municípios de áreas indígenas, rurais e urbanas. Embora com a

maioria numérica de escolas urbanas (69%), e com a clara divisão entre os

efetivos e contratados, cumpre ressaltar que das 22 escolas indígenas do Estado,

tivemos o retorno de 14 escolas, evidenciando a participação e interesse indíge-

na, que merece especial atenção na formulação de políticas educacionais.

Admiravelmente, a maioria dos questionários foi respondida por professo-

ras e professores com formação em Pedagogia (22%) e Letras (20%), contrariando

a tradicional presença de disciplinas como a Biologia (18%) ou a Geografia (10%).

Uma outra agradável surpresa foi a presença de 10% de questionários respondi-

dos por professores de Matemática, área tradicionalmente alheia as dimensões

ambientais, e cujas dificuldades pedagógicas são debatidas mundialmente no

Homo sapiens

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enfoque da EA. A área de História expressa sua relevante participação na EA

com uma representação de 9%, e surge, inclusive, a disciplina de Educação

Física, embora com representação de apenas 1%. Abarcando várias outras

disciplinas (10%), as escolas mato-grossenses demonstram que a temática

ambiental compreende uma polissemia de sentidos e interpretações e que as

fronteiras do conhecimento podem ser superadas, através do engajamento

responsável de todos os cidadãos. Este resultado valida a preocupação mundial

com o ambiente, desafiando as fronteiras do saber ao tratamento transdisciplinar

requerido à EA.

O diagnóstico revela que a leitura de 50% de professoras e professores traz o

ambiente como um lugar para se viver, cuja territorialidade deve ser protegida e

cuidadosamente valorizada. 18% ainda mantêm a percepção da instrumentali-

zação, e consideram que a EA seja uma mera ferramenta para solucionar os

dilemas ambientais como as queimadas, monocultura ou perda da biodiversida-

de. Embalados pelos desejos da proteção ecológica, talvez estes professores não

consigam enxergar os campos epistemo-praxiológicos próprios da EA. Em

contraposição a este olhar, 16% buscam a construção de sociedades sustentáveis,

inscritos nos desejos da participação democrática à promoção da inclusão social

e da proteção ambiental como fatores conjugados dos processos educativos.

Figura 1: Olhares da EA

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Na década (2005-2014) que se orienta mundialmente pela “Educação para o

Desenvolvimento Sustentável (EDS)”, é um conforto constatar que apenas 5%

dos professores compreendam a EA como elemento desenvolvimentista. O

desenvolvimento foi sempre orientado através de visões dominantes do poder,

com falhas históricas e dúvidas existenciais (FIELD, 2006). As orientações

hegemônicas internacionais, em particular as relacionadas com os programas

educativos da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

Cultura (UNESCO), Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI),

insistem em globalizar os discursos e padronizar os diferentes. No contexto

fenomenológico, é evidente que as orientações, ou os 'pacotes' vindos de cima

devam ser rejeitados, porque não são partes intrínsecas das identidades dos

sujeitos que atuam na EA. Se 4% dos professores compreendem a dimensão

ambiental em sua globalidade planetária, muitas vezes conclamando que Gaia é

um planeta vivo, há que sublinhar que outros 4% conclamam a terra, a água, o

fogo e o ar da biorregião como fatores prioritários à incorporação da EA.

Apenas 3% ainda percebem a EA associada aos elementos da natureza,

entretanto, esta pequena porcentagem contradiz os cartazes e narrativas

apresentados durante a I Conferência Infanto-Juvenil do Ambiente Pantaneiro,

realizada no final do ano de 2005. Sob a coordenação da SEDUC, do MEC, da

UFMT, do Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP) e do CJMT, cerca de 100 escolas

pantaneiras participaram da conferência expondo cartazes que evidenciavam a

esmagadora visão da EAnaturalista.As narrativas dos estudantes revelavam um

banquete do belo, com cantos de insetos, revoar de borboletas, exuberância de

flores e árvores, plumagens de pássaros ou percursos dos rios, bastante distantes

da existência humana (SATO, 2006). Entretanto, num contexto mais genérico,

talvez as professoras e os professores estejam se esforçando para superar o “mito

moderno da natureza intocada” (DIEGUES, 1994), buscando construir uma

trajetória da EAque aposte na utopia de um 'outro mundo possível'.

As dificuldades para inclusão da EA nas escolas são sublinhadas principal-

mente pela ausência de materiais pedagógicos, o que orienta a formulação de

políticas públicas que estimule a produção de materiais locais com ampla

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divulgação como plataforma das políticas de EA. Um segundo problema

concentra-se na escassez de processos formativos, iniciais e continuados, que

acarreta diversos outros problemas como: inabilidade em se trabalhar em grupo

ou formar parcerias; redimensionar o currículo às temáticas transversais;

compreender os conceitos subjacentes ao campo da EA; fomentar participação

comunitária nos projetos da escola; e a enorme dificuldade em se avaliar a

aprendizagem no âmbito da EA, já que, por ser uma proposta de vanguarda e

incorporada tardiamente pelos sistemas formais da educação, os modelos de

avaliação tradicionais não conseguem abarcar o processo da formação de uma

comunidade de aprendizagem.

Considerações sobre ausência de recursos, ou infra-estrutura escolar

precária são outros aspectos apontados como obstaculizadores à EA.

Obviamente, referendar a EA é também considerar o trabalho docente e sua

trajetória salarial, já que ela não é uma ilha isolada de um continente em crise.

Entretanto, as políticas devem orientar as agências de fomento para melhor

divulgação, com facilidade no cumprimento dos editais, desde que mesmo em

condições de financiamento às atividades da EA, distanciam-se das realidades

escolares em função do excessivo engessamento burocrático. Os eventos devem

estimular a participação dos professores com trabalhos, pois estes garantem a

visibilidade, divulgação e conhecimento das inúmeras experiências que pulsam

e embelezam o Estado, mas que paradoxalmente se fragilizam pelo seu anoni-

mato.

Para a análise das temáticas abordadas nas escolas, orientamo-nos pela

construção da Agenda 21, e nesta divisão, a Agenda Verde lidera com 35% por

meio de vivências relacionadas com a proteção da biodiversidade, preocupações

com a queimada, integridade ecossistêmica, cuidados nas matas ciliares ou

preocupação com as indústrias madeireiras e a monocultura. Incorporamos as

atividades relacionadas com hortas e jardinagens, temas bastante comuns nos

programas de EA do mundo todo (figura 2). O fato de a Agenda Verde superar a

Agenda Marrom (30%), contrariando o diagnóstico nacional com atividades

excessivas relacionadas ao saneamento, lixo ou esgoto, pode evidenciar a notória

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percepção dos danos ambientais no Estado, despertando a sensibilização da

comunidade escolar em não segregar a qualidade de vida dos aspectos naturais.

Cuidados com a comunidade do entorno escolar, valorização da cultura através

de mitos ou expressões artísticas revelam o compromisso da Agenda Social

(21%) intrinsecamente relacionado com a dimensão ambiental.

Os componentes da Agenda Azul (13%) evidenciam a preocupação e

cuidado com a água, nascentes, rios e olhos da água, numa das regiões mais ricas

do potencial hídrico do planeta, na presença das bacias do Alto Paraguai, Platina

e Amazônica. Todos os ecossistemas mato-grossenses, quais sejam, a Amazônia,

o Cerrado e o Pantanal são paisagens com intrincadas tessituras de ligação e, se

um elo for danificado, todo o sistema poderá entrar em colapso. 6% das temáti-

cas carregam proposições de fortalecimento da legislação, busca de energia

alternativa ou construção da educomunicação, uma nova tática que consagra a

formação e a informação em movimentos circulares de transmissão e recepção,

na ultrapassagem do produto informacional à valorização dos processos

formativos, e, essencialmente, na responsabilidade sócio-ambiental que edifica

uma Nação.

Embora a maioria das respostas indique que os sujeitos envolvidos nas

atividades da EA sejam de coletivos de professores e estudantes, muitas vezes

com o envolvimento de toda a escola, inclusive com a comunidade do entorno, as

aulas expositivas aparecem como estratégia mais utilizada pelos respondentes

Figura 2: Temáticas abordadas

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do diagnóstico. Dificulta, desta maneira, compreender como as aulas são

oferecidas aos membros da comunidade ou funcionários da escola, já que é uma

estratégia restrita ao âmbito da sala de aula. Reforçando o paradoxo, os livros

didáticos surgem como principal recurso utilizado, absolutamente na metade

das respostas obtidas. Informações dos veículos de comunicação de massa;

trabalhos de campo; palestras com especialistas; acesso à internet; documentos e

diálogos possíveis em eventos da EA constituem como demais recursos utiliza-

dos nas vivências em EA(figura 3).

As estruturas educadoras como parques urbanos, museus, ou unidades de

conservação são pouco citadas, talvez fruto da demasiada burocracia exigida nos

trabalhos de campo, na ausência de tempo ou na inabilidade em se trabalhar na

perspectiva de multirreferências, agregando mais de uma área do conhecimento

às atividades da EA. Somado a estes fatores, não há sistematização coerente que

possibilite a divulgação destes centros de EA, inviabilizando a utilização destas

estruturas como potenciais aliadas à práxis pedagógica da EA.

Embora diversos materiais, publicações, jogos ou multimídia sejam

divulgados cotidianamente, tais recursos ainda estão distantes da vida pedagó-

gica das escolas, demarcada pelo uso excessivo dos tradicionais livros didáticos.

Estudos sobre os livros didáticos (LD) evidenciam que o valor de um texto é

determinado pela qualificação do educador (SATO, 1992). A formação crítica na

qualificação docente possibilita que a professora, ou o professor, execute sua

Figura 3: recursos mais utilizados

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tarefa com louvor, desde que sua formação possibilitará lançar um olhar

aguçado às tendências, ideologias ou erros conceituais de qualquer LD. Por

outro lado, um bom livro jamais fará um bom professor, pois o valor e a aceitação

da EA vão depender da capacidade emancipatória da formação intelectual do

educador. É fundamental, portanto, que as políticas públicas incorporem o

processo de formação permanente na práxis educativa.

Para além dos recursos pedagógicos e processos formativos, entretanto, há

que considerar a importância de um desenho dos Projetos Políticos Pedagógicos

(PPP), perspectivando a dimensão ambiental nos currículos escolares, e não

apenas nas paixões movidas pela militância da luta ecológica. Ainstitucionaliza-

ção da EA não representa seu engessamento, desde que a causa ambiental

transcenda os espaços escolares e solicite um currículo fenomenológico mais

amplo (PASSOS & SATO, 2002), que se inscreva na produção e reprodução de

culturas das diversas sociedades sustentáveis. “Educar, na perspectiva libertária

e demais tendências pedagógicas que dialogam no campo crítico, é emancipar-

se, exercer ativamente a cidadania, construir democraticamente as alternativas

possíveis e desejadas” (LOUREIRO, 2004, p. 35). Assim, é preciso fortalecer as

políticas públicas que favoreçam a construção dos ProjetosAmbientais Escolares

Comunitários (PAEC), que aliem a dimensão escolarizada ao saber popular, e

que sobremaneira, resgatem a função revolucionária do processo pedagógico à

capacidade de mobilização, para que a democracia seja participativa e não

meramente representativa.

Amorfologia da EAnão é austera, mas sua fisiologia é legítima e dinâmica, e

muitas vezes, assemelha-se à teia de aranha, na metáfora weberiana da cultura

que é tecida por dentro, externaliza-se e sustenta a sobrevivência humana. Se um

fio se solta do emaranhado de fios e novelos da teia, a aranha então comanda a

operação de resgate, buscando táticas que possam fiar novos tecidos na trama

flexível da EA. A teia construída sofre intempéries de chuva, ventania e poeira.

Entretanto, superando o caos, busca em seus labirintos, seu caminhar ao hori-

Clausura

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zonte, superando obstáculos no equilíbrio e na dinâmica do ciclo da vida e da

morte. Em síntese, o estado da arte da EA no estado de Mato Grosso sempre foi

desenhado através dos princípios de:

• Trabalhos dialógicos em parceria;

• Privilégio da mediação pedagógica em situações de conflitos;

• Reconhecimento das multirreferências e na existência de saberes popula-

res e científicos;

•Aceitação de um enfoque emancipatório, complexo e crítico;

• Reflexão filosófica por uma ética menos antropocêntrica;

• Respeito à diversidade biológica e à diferença cultural e étnica;

• Competência em aliar o local com o global;

• Descentralização das ações, fortalecendo os municípios;

• Adequação de propostas biorregionais, contextualizadas nos limites e

potenciais de cada grupo social ou território;

• Proposta de transversalizar a EA em projetos, programas, currículos e

instituições;

• Conhecimento e liberdade autônoma dos sujeitos e instituições através de

pactos éticos;

• Adoção dos princípios à construção de sociedades sustentáveis, por meio

de ampliação das parcerias interinstitucionais e intersetoriais.

O fortalecimento da EA como programa de políticas públicas representa

uma guinada conceitual e prática em direção à consolidação da função social da

educação, propriamente dita, que poderá convergir para um genuíno compro-

misso com a participação para a desejada transformação social e responsabilida-

de ecológica. Poderá ser um momento de inauguração histórica, na aliança dos

protagonistas atuantes do estado, que sob compromisso social, mantêm seu foco

na dimensão ambiental do Estado.

Ao trazer a História da EA, reescrevemos a memória, ainda que incompleta

e faltando detalhes do movimento. Nada jamais conseguirá fazer com que a EA

se desvie da aventura que escolheu. O movimento ecológico foi, e continuará

sendo definido por grupos diferenciados, com instrumentos capazes de tocar

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músicas muito distintas, em sistemas e compassos muito específicos. Não é esta a

lógica que sustenta o aparelho do pragmatismo, porque a história não se

movimenta por lógicas, mas por interesses. E as correlações de forças são

mutáveis.

A meta esmiuçada, ponto de partida para a construção da EA, é o grande

desafio de quem se aventura a trabalhar em um grupo com diversos interesses.

Refazer e criar os desejos de esperanças, como sentido gerador no tempo, é a ação

de ofício de quem se arrisca a domar e a desvendar a EA.Ainspiração incita a ação

de desfazer e desconstruir a trama, algumas vezes amorosamente tecida por

diversas mãos, por outras vezes, violenta contra as agressões que ferem a liberda-

de. A EA representa, desta maneira, malhas frágeis de conflito que necessitam de

cuidados na dinâmica da cultura e da natureza. Representa uma viagem de

constantes tessituras que se tocam e se articulam mutuamente, não na sobreposi-

ção de uma ou outra opinião, mas na tensividade de sua complementação.

É no ritmo e na pausa deste desejo de transformação que a EA se põe em

circularidade, onde os perdedores das armas nem sempre são derrotados da

esperança e onde a utopia se inscreve na ousadia de correr os riscos, pois

somente aqueles que se aventuram em territórios ameaçados compreendem a

dimensão da vitória. São estes os compromissos da Educação Ambiental que

ousa propor seu programa desenhado pela democracia, na participação dos

diferentes segmentos do Estado que não se sobrepõem, nem se recusam a

dialogar nesta construção, mas que, sobremaneira, quer complementar suas

diferenças e competências no caldo vigoroso que torna Mato Grosso especial na

sua tessitura da EducaçãoAmbiental.

Instrumentos musicaisBRASIL, Ministério do Meio Ambiente; Ministério da Educação.

Brasília: Órgão Gestor da Política Nacional de

EducaçãoAmbiental - MMA/MEC, 2005.

CARSON, Rachel. Boston: Houghton Mifflin Company, 2002 (40ªed).

DIEGUES, Carlos. São Paulo: Hucitec, 1994.

Articular, fortalecer e enraizar a

Educação Ambiental para um Brasil de todos.

Silent spring.

O mito moderno da natureza intocada.

Mato Grosso - Sustentável e Democrático

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Systems (EOLSS).

Educação, ambiente e sociedade.

Sujets choisis en

éducation relative à l'environnement

How the environment is written

Toward a sustainable world: The Earth

Charter in action.

Currículo e práticas pedagógicas.

Um retrato da presença da Educação

Ambiental no ensino fundamental brasileiro:

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