mastectomia e suas repercussoes· · tom ina na vida da paciente, desde a descoberta ate 0...

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MASTECTOMI A E SUAS REPERCUSSOES· Ana Virginia de Melo Fialho** Raimunda Maghaes d a Silva*** RESUMO: 0 trabalho visa a Identificaao e exploraao d as repercussoes da mastec- tomia, por cancer de mama, na vida da mulher. A entrevista s emi- estruturada foi aplicada a uma p aciente do ambulat6rio do Instituto do Cancer do Ceara. A an alise de dados foi procedida em quatro categorias, constru idas com as falas conveentes da paciente. Constatou-se que a mutilaao teve grande repe rcus sao p ara a paciente, que passou a viver com · indiferenya. A aus encia de uma assistencia qualificad a, vis ando as necessidades da paciente e 0 significado destrutivo da pea da mama, constitu em fatores relevantes para 0 desequil ibr io bio-ps ico-socio-esp iritual da paciente. ABSTRACT: The work ' s .objective is the ident ificat ion and exploratio n of mastectomy repercussion, by breast cancer, in women's life. The inteiew with open qu estions was applied to a pat ient from Instituto do Cancer do Ce ara. The analysis of the basic facts was made in four groups with si milar information. It was found out that the mutila tion had great repercussion to t he patient, who tumed into living with in difference. Th e absence of quali fied ass istance aimed at th e needs of the patient and the destruive meani ng of the loss ofthe breast, are impoa nt faors wh fch contribute to the pati ent ' s' bio-ps ico-so cio-spiritual unbalancing. 1. O DESPERTAR diagnost ico e de neoplasi a mamaria as rea�oes emo- cionais se intensificam. "Algo que desgasta, corroi, corrompe vagarosa- mente e sectamente" . Esta defini�ao de di«r co n- ti n o Oo English Diction, tduz 0 efeito do diagnosco de cancer na vida de u ser que e obriga - do a erentai l alidade. 0 cancer pa muitos nao e u doea e sim u a] iuvel e indestrutivel, cהgando a ser considerado u astigo, uma sentea de moe(8). . A foa�ao causada pOT e�ta doena e dolo- . rosa, i s, 0 cancer corroi os tecidos, corrompe valo- res e consome vagarosamente a vitalidade, carregan- do consigo preconceito, discriminaao e solidao . o significado e as repercussoes dessa experiencia sao icos pa cada individuo e 0 mesmo te uma for diferencia de enfrentar a si aao( 9 Sua maior ou menor significaao refe re-se a loca l i ao e a mutifaao que comumente ocorre (8 ) . Quando 0 Os seios sao atributos de gnde significado pa a mulher. Si mbolos da metamorfose feminina, icia- da puberdade . e finizada menarca oe a me nilk to-se mulher. BRUER & SUDDAR 2 ) ressaltam a in- fluencia da visao soci al mama femi, que faz a mulhe r desejar seios peritos e rejeir a possibilida- de de seT acometida por uma doena estigmatida como 0 cancer. As ideias amedrontadoras em relaao a doena podem i mpedir a detecao das celulas can- cesas em estagio inic ial. A precocidade do diagnos- tico ppicia u tmtamento adequado, menos trau- matico e com maiores possibilidades de cum. Sendo dados do I nstitu . to Nacional do Cancer (INCa)de 19 9 1 , 0 cancer de mama e 0 mais freqtiente em mulheres, em muitos paises. No Bra sil , Porto Trabalho apresentado 'no 45° Congresso Bnis ileiro de Ennnagel1 l. Premio Gletc de Aldntara - lugar. Recif e PE, 28 de Novel1lbro a 3 de d ezel1lbro de 1993. ** *** Al u na do clI i ;o de Gradl la9o em Enfen gcm e Bois ista de i nic ia9 0 Cient it ica da Univcrsidade Fe deral do Cea r a. Docente da Es cola de Enfennagel1l da Universidde Federal do Ceara. 266 R. Bras. Enferlll. Brasil ia. v. 46. n. 3/4. 266-270,jll l. ldcz. 1993 .

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Page 1: MASTECTOMIA E SUAS REPERCUSSOES· · tom ina na vida da paciente, desde a descoberta ate 0 pos-operatorio, explorando suas rea

MASTECTOMIA E SUAS REPERCUSSOES·

Ana Virginia de Melo Fialho* * Raimunda Magalhaes d a Silva***

RES UMO: 0 tra ba lho v isa a Identifica<;ao e explora<;ao das repercussoes da mastec­tomia , por cancer de mama , na vida da mulher. A entrevista semi-estrutu rada fo i ap l icada a u ma paciente do ambu lat6rio do I nst ituto do Cancer do Ceara . A ana l ise de dados foi proced ida em q uatro categorias , constru idas com as fa las convergentes da paciente . Constatou-se que a muti la<;ao teve grande repercussao para a paciente , que passou a viver com · ind iferenya . A a usencia de uma assistencia qua l ificada , visando as necessidades da paciente e 0 sign ificado destrutivo da perda da mama , constituem fatores re leva ntes para 0 desequ i l ibrio bio-psico-socio-espiritua l da paciente .

ABSTRACT: The work's .objective is the identification and exploration of mastectomy repercuss io n , by breast cancer, in women's l ife . The interview with open q u estions was a ppl ied to a pat ient from I nstituto do Cancer do Ceara . The ana lysis of the basic facts was made in fou r groups with s imi lar information . It was found out that the muti lat ion had g reat repercussion to the patient, who tumed into l iving with ind ifference . The a bsence of qua l ified assistance a imed at the needs of the patient and the destructive meaning of the loss of the breast, are i mportant factors wh fch contribute to the patient 's ' bio-psico-socio-spiritua l unba lancing .

1 . O DESPERTAR diagnostico e de neoplasia mamaria as rea�oes emo­cionais se intensificam.

"Algo que desgasta, corroi, corrompe vagarosa­mente e secretamente" . Esta defini�ao de dinc«r co n­tida no Oxford English Dictionary , traduz 0 efeito do diagnostico de cancer na vida de urn ser que e obriga­do a enfrentai tal realidade. 0 cancer para muitos nao e uma doell9a e sim urn rna] incuravel e indestrutivel, chegando a ser considerado urn <:;astigo, uma sentell9a de morte(8).

.

A tranSforma�ao causada pOT e�ta doen<;:a e dolo­. rosa, pois, 0 cancer corroi os tecidos, corrompe valo­res e consome vagarosamente a vitalidade, carregan­do consigo preconceito, discrimina<;:ao e solidao.

o significado e as repercussoes dessa experiencia sao iIl}.icos para cada individuo e 0 mesmo tern uma forma diferenciad3 de enfrentar a situa<;:ao(9}, Sua maior ou menor significac;:ao refere-se a loca lizac;:ao e a mutifac;:ao que comumente ocorre(8). Quando 0

Os seios sao atributos de grande significado para a mulher. Simbolos da metamorfose feminina, inicia­da na puberdade . e finalizada na menarca onde a menilk'l torna-se mulher.

BRUNNER & SUDDARTC2) ressaltam a in­fluencia da visao social da mama feminina, que faz a mulher desejar seios perfeitos e rejeitar a possibilida­de de seT acometida por uma doenc;:a estigmatizada como 0 cancer. As ideias amedrontadoras em relac;:ao a doenc;:a podem impedir a detec<;:ao das celulas can­cerosas em estagio inicial. A precocidade do diagnos­tico propicia urn tmtamento adequado, menos trau­matico e com maiores possibilidades de cum.

Segundo dados do Institu.to Nacional do Cancer (INCa)de 1 99 1 , 0 cancer de mama e 0 mais freqtiente em mulheres, em muitos paises . No Brasil , Porto

Trabalho apresentado 'no 45° Congresso Bnis ileiro de Enfennagel1l. Premio Gletc de Aldntara - 3° lugar. Rec ife PE, 28 de Novel1lbro a 3 de dezel1lbro de 1 993 .

** ***

Aluna do clIi;o de Gradlla9iio em Enfenmigcm e Bois ista de inicia9�0 Cientitica da Univcrsidade Federal do Ceara. Docente da Escola de Enfennagel1l da Universiditde Federal do Ceara.

266 R. Bras. Enferlll. Brasi l ia. v. 46. n. 3/4. 266-270, j ll l . ldcz. 1 993 .

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Alegre e Sao Paulo tem 0 cancer de mama como a primeira causa de morte por neoplasias malignas na populac;ao feminina; em Recife e Fortaleza e a segun­da, e em Belem e Goiania e a terceinP).

A mutac;ao brusca na vida da mulher, decorrente do diagnostico e tratamento do cancer de mama, a sua elevada incidencia e a necessidade de informar e orientar a mulher que 0 descobre abruptamente, e em estagio avan<;:ado do desenvolvimento tumoral, des­pertou nosso interesse para este estudo .

o presente trabalho procura identificar e explorar as mudanc;as ocorridas na vida da mulher ap6s a mastectomia por cancer de mama, suas preocupa90es, rea90es, necessidades afetadas e expectativas.

2. 0 PERCURSO METODOLOGlCO

Para a realiza<;:ao do trabalho usou-se 0 estudo de caso, como metodo, 0 qual comportava a compreen­sao da situa<;:ao de uma paciente submetida a mastec­tomia por cancer de mama. Este estudo [oi desenvol­vi do numa situa<;:ao natural, com riqueza de dados descritivos, focal izando a realidade das experiencias vivenciadas pela mulher no periodo pos-operatorio de uma cirurgia mutilante, e que repercutiu negativa­mente na vida da entrevistada.

Os dados [oram coletados atraves de entrevista com questoes abertas e semi-estruturadas, aplicada no Instituto do Cancer do Ceara (ICC), no inicio do mes de agosto de 1 993 . Durante a cntrevista a paciente foi convidada a falar sobre a descoberta do nodulo, suas preocupa90es, 0 significado da perda da mama e suas expectativas. A entrevista foi realizada durante trinta minutos de maneira infonnaI , com consentimento verbal da paciente . Procuramos deixa-Ia a vontade para expressar seus sentimcntos relacionados as suas preocupac;oes com a situa9ao existenciaI . Assumi­mos, muito mais. 0 papel de ouvinte que 0 de entre­

vistadora, mesmo porquc, sentimos que a pacicnte necessitava ser ouvida . Tal afimla9ao foi detectada na frase : "preciso desabafar".

A anota<;:ao dos fatos foi [eita imediatamente apos a entrevista de fomla assistematica, ou seja, na pro­por9ao que os fatos ocorridos eram lembrados . Pos­terionnente, os dados foram organizados e categori­zados de acordo com as falas convergentes ( I ) .

A analise dos dados esta inserida na realidade da

mulher mastectomizada, abordando dimensoes dessa

problematica e buscando novos pontos de vista, no caso em estudo . Os resultados considerados pertinen­tes as questoes foram lidos exaustivamente . Logo

ap6s procedeu-se a codifica9ao e a categorizac;ao.

3. ANALIS E E DlSCUssAo DOS RES ULTADOS

Os resultados foram apresentados e discutidos confomle as respostas obtidas durante a aplicac;ao dos instrumentos. 0 agrupanlento em quatro categorias, objetiva a identifica<;:ao das repercussoes da mastec­tom ina na vida da paciente, desde a descoberta ate 0 pos-operatorio, explorando suas rea<;:oes, preocupa-90es, fatores agravantes, significado da perda e suas expectativas .

Considera-se importante a identificac;ao da pa­ciente e apresenta9ao de alguns dados da evoluc;ao C\inica . Paciente solteira, trinta e cinco anos de idade, mora com uma irma, domestica, residente em Forta­leza. Cursou segundo grau. Portadora de Carcinoma Ductal Infiltrante, submeteu-se a mastectomia radical modificada esquerda, com retirada de ganglios axil a­res, pela tecnica Patey, em 30 de dezembro de 1 99 1 .

Nao apresenta I infedema e nao movimenta 0 b ra<;:o total mente . Foi detectada metastase ossea dissemina­da, fato desconhecido pela paciente.

3.1 Quanto a Descoberta

Os aspectos abordados aqui dizem respeito a como e quando a paciente descobriu que tinha cancer e 0 que isso significou.

Como e Quando A detec9ao do nodulo ocorreu quando a paciente

procurou um servi90 de saude queixando-se de ingur­gitamento mamario, apos a realiza9ao de um aborto, em novembro de 1 990 .

Sabemos que a maioria dos casos de neoplasia mamaria e descoberto pela propria mulher durante 0 banho ou em outras oportunidades. Porem, a desco­

berta freqtientemente acontece num momenta inopor­tuno, estando muitas vezes disseminado para outros orgaos.

E importante a precocidade do diagnostico, 0 conhecimento sobre agentes cancerigenos, fatores de risco c s inais de altera9ao patologica, como tambem o combate ao estigma do cancer. A ausencia desse conhecimento podera detemlinarem muitos casos um desconforto emocional, facilitando assim 0 surgimen­to de outras patologias .

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Sign ificado da Descoberta . .. . . pra mim a vida nfio tem mais sentido, eu sempre achei que quando eles dizem que a pessoa tem dincer, nfio tem mais

jeito. Ii a mesma coisa da morte " .

A descoberta desencadeou de imediato uma rea­�ao emocional intensa . Na conce{J\:ao da paciente cancer e sioonimo de morte e a descoberta aconteceu de forma inesperada.

Muitas rea�oes sao descritas na l iteratura sobre 0 significado da descoberta do dincer. "Cada individuo e unico, cada um tem seu proprio modo de enfrentar a situa�ao em que se encontra" (9) .

3.2 Quanto as Preocu pa<;oes .

Indagamos a cliente sobre as preocupa�oes que surgiram, apas a descoberta da doen�a e os dados referem-se a cirurgia, ao tratamento e a auto-imagem.

Relacionadas a C i ru rg ia . .. . . lui pra sala chorando tanto, que 0

pano. da coma .ficou todo 1II0lhado. Eu quase nfio deixei colocarelll aquele tubo na minha boca, eu so queria 1II0rrer e pedia 0 tempo todo pra Deus me levar . . . "

As preocupa�oes da entrevistada relacionadas a cirurgia relaciol1am-se a ausencia de orienta�ao pre­operatoria . A entrevistada ignorava, ate poucas horas antes da cirurgia, a necessidade da e:\1irpa�ao da mama. Pensava que so 0 nodulo seria retirado . 'Esse fato confimla dados na literatura sobre a quase ine­xistencia de esclarecimentos pre-operatorios. A pre­para�ao bio-psic.o-socio-espiri�ual das mu lheres com · .cancer de mama e fundamental para a diminui�ao das

preocupa�oes. e possibil ita uma melhor adapta�ao .

CAR V ALHO(3 ) relata que a orienla�ao pre-ope­ratoria restinge-se a possibilidade de extirpa�ao da mama e aos exercicios com 0 bra�o. As informa�oes sobre 0 tipo e a dura�ao da cirurgia. anestesia, l imita­�oe� dos movimentos, usa de protese, tempo de hos­pitalizac;:ao e pos-6peratorio nao sao fomecidas .

Relacionadas ao Tratamento "Eu queria que eles tivessem jeila esse lrqtamento antes, para desil�/lamar, pra .ficar so 0 caror,:o e nao 0 seia. "

o desconhecimento dos objeUvos do tratamento quimioterapico a que estava se submetendo, fez a

paciente julgar desnecessaria a mastectomia realizada.

A ausenda de orienta�ao aumentou as preocupa­�oes da paciente, que nao foi informada sobre os efeitos traumaticos para os que nao os conhecem e se deparam com a alopecia logo no inicio do tratamento .

" Eu gostava mais da radio, era me/hoI',

eu melhorei muito das costas (dores) conI a radio ".

No momenta a paciente realiza quimioterapia semanalmentc. Foi diagnosticada metastase ossea M cerca de quatro meses, submeteu-se a tratamento radioterapico na ocasiao e obteve bons resultados.

Relacionadas a Auto- imagem Os seios expressam a feminilidade na cultura

ocidental, sao simbolos da dadiva concedida ao sexo feminino que e a amamenta�ao (materiJ.idade). Inde­pendente mente da cultura, educac;:ao ou idade, todas as mulheres sonham com seios perfeitos(4) .

A mutila�ao causada pela m:astectomia desequi­libra a 3uto-imagem, resultando em nao aceita�ao da situa�ao .

" . . . a imagem do corpo conslitui parte integrante de uma concepr,:fio individual da propria personalidade, de seu valor como individuo, nas relar,:oes COlli outros pessoas ", (3) ' 'Eu sempre .lui muito alegre, gostava muito de sail', danf'ar, nOlnorar, usar rou­pajusta, queria que voce visse, mas ago­ra, nfio telll nem grar,:a . . . . .

. ' . . . loi WI/ pedar,:o de lIlilll. "

A pa'Ciente tern preocupa�ao ma ior com a muti� la9ao que com a doen9a, pois, a moite para ela e fato

consumado para os .portadores do cancer.

3.3 Fatores Agravantes

Os resultados aqui apresentados sao fatores que prejudicam 0 prognostico e a pacientc . Esses agravan­tes poderiam ter sido trabalhados pelos membros da

- equipe de saude a fim de minimizar as preocupa�oes da mastectomizada. Relacionanl-se a necessidade de orienta�ao, ao diagnostico tardio, ao relacionamento

, familiar e a s,exua l ida.de .

Necess idade de Orientayao " Eles nfio lIIejalaralll que ialll tirar 0 seio

,toda, se tivesselll dito eu nfio tinha./eito ",

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"Eu vejo tan/a genIe aqui que jicou boa so com 0 tra/amento sem tirar 0 seio . . .

A ausencia de orientac;ao sobre seu real estado de saude, procedimentos terapeuticos e finalidades do tratamento, agravam as preocupac;oes e dificultam a aceitac;ao das mudanc;as ocorridas.

CAR V ALHO(3) relata que para um maior equi­Iibrio e necessario que a paciente : JO) aceite a perda; 2°) reintegre a imagem corporal ; 3°) aceite viver com o risco de metastases . Para isso e essencial a orienta­c;ao e 0 apoio profissional .

Diagnostico Tard io "Demoraram muito pra me dar 0 diag­nostico, quase UIII ano, quando fui para 0 Banco de Leite era pequeno, movel e naa era inflamado. Eles custaralll tanto COlli exames, consultas, que cresceu e tOIllOti todo 0 seio, a bico, e saia lIluito pus ' '.

As condutas de diagnostico e de tratamento utili­zadas na assistencia ao paciente, devem ser de boa qualidade e processadas em tempo oportuno, pois, este fator pode freqtientemente agravar 0 prognostico da paciente .

Relacionamento Fami l iar e Afetivo "A minha familia me ajudou muito, mas depois da cirurgia eu lIIe afastei de to do mundo, ell me trancava no quarto, nao queria ver ningue,n, eu entrei em depres­slio . . . "

. 'As pessoas que se afastam de lIIim, eu entendo que e por causa do cancer, por isso eu me afastei delas, logo . . .

"Eu niia queria ver ele {namorado}. Ele me procurava, mas eu nao queria . . . ele me levava pra passear, lIIe levou pra Canin­de, mas depois quefui pra cadeira de roda nunca mais ele apareceu . . . . .

o abandono, 0 preconceito, a pena e a rejeic;ao que acompanham 0 cancer, e resultado do crescente numero de cas os e do descobrimento de terapeuticas mais eficazes e menos problematicas.

o cancer desperta nas pessoas reac;oes de medo, culpa e rejeic;ao, pois 0 cancer e urna doenc;a marcante e leva it morte e isso apavora aqueles que se deparam com urn portador de tal sentenc;a. (9)

Sexua l idade "Faz dois anos que nao tenho e nao quero

saber de sexo. Isso tudo come9au por causa do abarto que jiz . . . . .

A repressao da sexualidade ocorre freqiientemen­te em situac;6es angustiantes e complexas como essa, onde a mulher se sente menos mulher<6).

3.4. S ignificado da Perda da Mama e S uas Expectativas

"Jv/inha vida acabou ".

" . . . eu sei que nao tem cura. "

" . . . ter cancer e meslllo que morte, so niio queria marrer meSilla, com pena da mi­nha mae, mas agora que ela morreu . . . . .

"Tanta gente que nao presta, e sadio e eu que nao f090 mal a ninguem estou desse jeito . . . . .

A perda da mama tern uma significac;ao diferente para cada pessoa. Os sentimentos e e�'})ectativas ge­rados pela mutilac;ao sao associados a concepc;ao de vida que cada urn tern, e 0 comportamento e a respon­sabilidade consigo mesmo (7) .

A culpa, a soJ idao, 0 medo, a revolta e a proximi­dade da morte podem causar muitas reac;oes. STROUD(9) relata que nenhuma reac;ao e melhor ou pior que outra, mas os sentimentos associados it ex­periencia devem ser superados.

4. CONSIDERACOES FINAlS

Para a entrevistada a perda da mama despertou sentimentos de desesperanc;a, revolta e desamparo. A proxirnidade da morte gera acomodac;ao e banaliza qualquer ac;ao de luta contra 0 cancer. Suas expecta­tivas giravam em tomo de permanecer afastada do convivio social, desiludida com os sentimentos de afetividade e indiferente com a continuidade da qua­Iidade de vida .

Durante a coleta d e dados, em nenhum momento, a paciente referiu a Enfermagem como urn ponto de apoio para sua assistencia . Por outro lado, sabemos que os membros da equipe de Enfermagem pres�m algum tipo de assistencia ou, ate mesmo, uma aSSIS­tencia de quaJ idade aceitaveI . No entanto, nao se destaca dentre os cuidados recebidos pela paciente . Nesse sentido, ficamos interrogando:

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Como a Enfennagem esrn prestando assistencia a paciente portadora de cancer de mama?

Sera que a Enfermagem esta preocupada com os fatores sociais, emocionais e culturais da paciente?

Sera que existe urn momenta para conversar com a paciente e ouvir, em alguns detalhes, sua ex-

. periencia de vida?

Por que a paciente nao relatou nenhuma a9aO da Enfermagem? Sera que nao existiu? Se existiu, sera que nao chegou ao alcance dela?

Diante de tais questionamentos alertamos a En­fennagem para 0 compromisso com a qualidade da

assistencia prestada a pessoa seja no ambito ambula­torial ou hospitalar.

Acreditamos q�e a Enfennagem de boa qualida­de reflete no reconhecimento da clientela, principal­mente quando se trata de uma paciente submetida a uma cirurgia mutilante e que ficou com traumas pos­sivelmente profundos, como ela mesma falou : "Mi­nha vida acabou " .

E importante enfatizannos a necessidade de a90es facilitadoras da readapta900 da mulher. A assistencia de saUde, com qualidade, e fundamental para a paciente conviver com 0 cancer.

REFE RENCIAS BI BLIOGRAFICAS

1 . BARDIN, L . Analise de Conte/ido. Lisboa: Ediyoes 70 Ltda, 1 979, 229p.

2. BRUNNER, L. S . , SUDDARTH, D.S . Tratado de Enfer­magem Medico-Cirurgica. Trad. de Andre Luis de Souza Melgayo, Cleto Jose Gomes Costa, Cristina Neves Bap­tista. Rio de Janeiro : Interamericana, 1982. p. 1 046-65 .

3 . CARVALHO, Z. M . de F. Orienta9iio de Enfennagem. Fator Importante no Ajustamento das Mulheres Mastectomi­zadas. Rev. Bras. de Enformagem. Brasil ia, v. 37, n .3/4, p. 1 5 7-64. JUUDEZ, 1 984.

4. FERNANDES, A. F . C. Mu/her com Cancer de Mama: Estru­tura Familiar, Cotidianidade e Jdentidade. Dissertayiio (mestrado). Universidade Federal do Ceara. Fortaleza,

1 99 1 .

270 R. Bras. En(erm. Brasilia, v. 46, n . 3/4, 266-270, juLidez. 1 993

5 . M INISTERIO DA SAUDE. Cancer no Brasil. Dados dos '

Registros de Base Poplliacionai. Instituto Nacional do

Cancer, (Coordena<;:ao de programas de controle de cancer). Rio de Janeiro, 1 99 1 .

6. MURAT, M.D. A paciente mastectomizada. Rev. Med. A TM. Porto Alegre,n. l , p.6 1 -3 . 1 984.

7. SIMONTON, C. et al. Com a vida de novo, IIl1/a abordagem de allto-a/llda para pacientes COI1/ cancer. Sao Paulo : Suml11us, 1987. 250 p.

8. STROUD, M. Conl'ivendo com 0 cancer. Trad. de Atti lio

Bmnetta. Rio de Jruleiro. Petr6pol is : Vozes, 1 988. 9. SONTAG, S . A doen9a como metafora. Rio de Janeiro : Graal .

1 984. 108 p.

Recebido para publica9aO em 28. 1 1 . 93 .