masp em revisão

Upload: rramoscosta

Post on 08-Mar-2016

4 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Masp em revisão: museu transparente

TRANSCRIPT

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    337

    MASP EM REVISO: MUSEU TRANSPARENTE Stela Politano1

    Resumo A Exposio Didtica, realizada no Museu de Arte de So Paulo, em 1947,

    constituiu um dos marcos iniciais da instituio museogrfica dirigida por P.M.Bardi. Perante a formao do acervo, dos novos cursos, palestras e exposies de artistas nacionais e internacionais, a linha de raciocnio historiogrfico e artstico da exposio amarrava todas as aes do italiano: a didtica, do passado ao presente cultural e artstico, dominava o primeiro andar do edifcio dos Dirios Associados. Com ajuda do Studio dArte Palma (Roma) e de pesquisadores e historiadores importantes do contexto italiano e internacional, a Exposio Didtica foi a base slida para a construo e elevao do MASP ao patamar dos museus mais importantes do mundo.

    Ao ouvirmos algo sobre o MASP, provvel que imaginemos o edifcio da Avenida

    Paulista, com seus prticos vermelhos e sua caixa de vidro envolvida em cartazes e palavras gigantes, anunciando suas exposies como grandes espetculos ao pblico. Por vezes, esquecemos que a memria uma estrutura social e cultural construda e recodificada com o tempo. E, quando recorremos Histria para nos lembrarmos de fatos passados, no percebemos que ela, como disciplina, no abarca todos os tempos, espaos, acontecimentos. Deixamos de lado, s vezes, fenmenos importantes compreenso do nosso presente. Por isso, esta pesquisa buscou, humildemente, resgatar a didtica inicial dessa instituio museogrfica to importante e fundamental histria da arte contempornea brasileira.

    As Exposies Didticas inauguram uma nova maneira de expor: eram formadas por grandes painis de vidro repletos de reprodues de obras de arte, de objetos de design, de elementos da arquitetura e de textos explicativos, introdutrios e questionadores de noes estilsticas, iconolgicas e formalistas. Possuam como objetivo formar um pblico apto compreenso da histria da arte em sua totalidade, das origens da humanidade at a sua contemporaneidade, como um processo de repensar constante do campo artstico.

    As Exposies Didticas2 correspondiam como as bases transformao cultural que P.M.Bardi, diretor do museu, teria em mente desde os tempos como jornalista e critico em sua terra natal. O italiano continha o apoio de Chat que, aos moldes de William Hearst, construiu uma extraordinria rede de comunicao (jornais, rdios, televiso) e possua como meta um projeto reformulador de pensamento e ao para a sociedade brasileira. Segundo Bardi, a justificativa de incentivar a formao intelectual do pblico atravs das didticas empregada nas exposies era obter um ambiente adequado para a produo artstica e cultural3.

    1 Mestre em Histria da Arte pela Universidade Estadual de Campinas, Unicamp. 2 A Exposio Didtica, com o passar dos anos, foi desdobrada e ampliada com base nos seus temas e perodos. Por isso que, muitas vezes, citada no plural nos textos, documentos e escritos de poca. 3 P.M.Bardi sobre a necessidade de educao e informao a todos:

    [...] o gnio nasce e frutifica somente num clima adequado, numa atmosfera produzida mediante as contribuies da cultura duma poca e dum lugar. Por sta razo devemos cuidar muitssimo no da fabricao do gnio e sim do preparo de um ambiente harmonioso em que o gnio, mais cedo ou mais tarde, despontar e dar seus frutos (ALENCASTRO, Desenho Industrial, 1950: 94).

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    338

    P.M.Bardi no via a necessidade de criar uma escola acadmica, onde fosse transmitido o conhecimento, de mestre para discpulo, como nas Escolas de Belas Artes. Chamado de Professor, o diretor do museu previa a discusso, a difuso da informao entre o pblico esclarecido e o leigo, dentro de um ambiente livre e que estimulasse a troca de conhecimento. O objetivo era a construo de um centro de cultura, ambiente fervoroso para o surgimento de idias e trabalhos.

    A formao de pblico, para alm de observadores e apreciadores das obras de arte no museu, era tambm vista como a constituio de mo de obra especializada, capacitada e geradora de uma produo industrial consciente e pensante para uma nascente metrpole como a industrializada So Paulo. As lies, descries dos cursos, trabalhos de monitoria e auxlio aos visitantes, possuam um carter de divulgao e de encorajamento ao estudo da histria da arte e a sua apreciao como fenmeno e reflexo da sociedade passada e atual. No mera coincidncia influncias no projeto pedaggico do Museu de Arte de instituies como a Staatliches-Bauhaus (casa estatal de construo em alemo, ou simplesmente Bauhaus) ou o Museu para Operrios de John Ruskin. Nas palavras de P.M.Bardi:

    O programa foi centralizado na didtica provocando a intolerncia de quatro gatos pingados que sabiam tudo de histria da arte4, tendo porm a aprovao mais vlida dos jovens. No me contentei em oferecer passivamente o desenrolar histrico, mas organizei a comunicao, segundo prospectivas crticas de fcil compreenso. Longe de modestos orgulhos inventivos, apressei-me em escrever que havia tirado as idias do famoso Museu para Operrios de Ruskin (BARDI. Sodalcio com Assis Chateaubriand, 1982, p.51).

    A preocupao social e militante, encabeada pelo casal Bardi, no estava distante,

    por exemplo, dos ideais estticos de Friedrich Schiller e das concepes sociais de Le Corbusier, cujo pensamento multidisciplinar sobre as artes conduziria os homens a uma igualdade de conhecimento. Muitas vezes com uma postura anrquica (implantao de idias de forma unilateral, como P.M.Bardi muitas vezes fazia no museu, impondo suas palavras), tentou-se construir um museu transparente, no sentido de oferta de conhecimento e possibilidade de interpretao livre, que revelava as contradies da modernidade e da prpria sociedade do ps-guerra com uma tentativa de super-las.

    O Museu de Arte de So Paulo nasceu contemporneo ao seu tempo: o objetivo, como centro cultural, era fundar e ser base para um novo tipo de pblico. Para que isso fosse real, necessitava-se de informao5. A Exposio Didtica nasceu dentro deste objetivo. Em 1946 o Studio dellArte Palma (Roma), sob direo de Emilio Villa6, Francesco Vale lembrar que as Crnicas de Alencastro geralmente eram escritas por Pietro Maria Bardi e Lina Bo. Alencastro era apenas um pseudnimo utilizado para expresso informal de opinies dos dirigentes do museu sobre a sociedade e o campo artstico paulistano. 4 Sobre o ambiente cultural de So Paulo e a sua formao sociolgica, ver o texto de Lvi-Strauss sobre So Paulo, em Tristes Trpicos, Lisboa/So Paulo, Editora 70/Martins Fontes, 1981. 5 No momento em que o museu de arte foi inaugurado em outubro de 1947, o centro de So Paulo contava com algumas iniciativas culturais que divulgavam as novas tendncias artsticas internacionais e nacionais como a Biblioteca Municipal, a Galeria Ita, Galeria Prestes Maia e a Galeria Domus. 6 Emilio Villa (1914 2003) um grande poeta italiano, um dos principais do sculo XX e conhecedor da filologia semtica. A partir dos anos trinta se estabelece como crtico de arte de vanguarda e entra em contato, em Roma, com muitos artistas. Trabalha no Studio a partir de 1946 e vem para o Brasil a convite de Bardi em 1951, para melhores condies de vida (ps-guerra) e para contribuir, de perto, com o MASP. Fica at 1952. Ao longo deste trabalho, ser abordada a importncia de sua participao no museu, no s para a concepo museogrfica, mas tambm terico-pedaggica.

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    339

    Monotti (secretrio de Bardi e diretor do Studio) e Mario Modestini (diretor de restaurao), intelectuais como Benedetto Croce, Roberto Longhi, Marcelo Piacentini, Giuliano Briganti, Laura Radioconcini, os historiadores Federico Zeri, Gigli e Pepe, os arquitetos Bruno Zevi, Luigi Piccinato, Mario Ridolfi, Per Luigi Nervi (todos tambm com influncia da arquitetura orgnica de Frank Lloyd Wright) retomaram as pesquisas dos funcionalistas italianos Giuseppe Pagano, Giuseppe Terragni e dos crticos Lionello Venturi e Edoardo Persico para, alm da pesquisa e execuo do material didtico do Museu de Arte de So Paulo, criticar as posies nacionalistas contrrias ao regime fascista e iniciar um projeto museogrfico funcionalista, com influncia de Le Corbusier. A revista italiana Metron, Architettura urbanista (Bruno Zevi um dos fundadores) tambm serviu de repertrio didtico (alm da influncia grfica e editorial) formao das pranchas, alm de Casabella, Domus e Quadrante, peridicos de arquitetura importantes no perodo.

    Sob a luz dos estudos de Emilio Villa - que trouxe ao meio artstico o conhecimento dos estudos etnlogos, antropolgicos, arqueolgicos e de cultura popular oriundo do convvio com Gabriella Lajatico, desenvolvidos durante as dcadas de 40 e 50 na Itlia - e sob a regncia de Bardi, as Exposies Didticas (principalmente a segunda, Pr-Histria e Povos Primitivos, projetada em 1947, mas realizada somente em 1950) consistiam em pensar o homem como um produto do seu meio social. Ele est vivo em comparao e de acordo com outros homens, vivendo com a contribuio e herana de todas as civilizaes passadas. A arte, como produto social, no poderia ser diferente. A Histria, como resultado, no feita de saltos. Assim, a exposio buscava demonstrar a expresso artstica de maneira progressiva e incessante, adicionando-lhe o elemento econmico e social como contextualizao, alm de ressaltar a transformao da forma plstica, sendo este o elemento fundamental compreenso da histria da arte; portanto, uma das maiores preocupaes dos organizadores.

    O objetivo no poderia ser limitado simples exibio das obras dos grandes mestres cristalizadas por rea ou escola, canonizados pelos museus e transmitidas ao mundo com maior ou menor fidelidade. Ao contrrio, a inteno era convencer o pblico da profunda infinitude que unifica as artes com a vida cotidiana, j que no h separao entre a forma criada por uma viso artstica e as existentes no dia-a-dia. A arte no ps-guerra no era mais somente prazer ou curiosidade, tornava-se parte do profundo processo vital da existncia humana. No havia mais por que se limitar a apenas observar as condies nas quais a arte era produzida. Na viso dos idealizadores da Exposio, o homem deveria ser herdeiro e parte dessa produo.

    A Exposio Didtica era constituda por grandes pranchas sob painis de vidro, repletas de fotografias, imagens, desenhos e textos, como uma colagem cubista de Picasso ou Braque. As pranchas foram colocadas entre duas folhas de cristal temperado Vis de 1,20 x 1,20 m., permitindo a viso de ambos os lados. Os quadros de cristal (vidro plano) - importados diretamente de Roma7 - eram presos por meio de pequenas

    7 A indstria de vidro plano no Brasil, elemento base na arquitetura moderna, recente se comparada com a industrializao europeia e norte-americana deste tipo especfico de vidro. Se pensarmos nos primeiros momentos da sociedade colonial nacional, de vida modesta e construes rsticas, a presena do vidro limitou-se a alguns raros utenslios familiares e algumas janelas envidraadas, privilgio de umas poucas edificaes aristocrticas e pblicas. A lenta introduo das folhas de vidro de abrir nas janelas das edificaes completou-se apenas no incio do sculo 20, devido h vrios fatores: o vidro era escasso e raro, porque era importado, caro e seu transporte era difcil devido a sua fragilidade. Mesmo com alguns casos de sucesso na indstria de vidro (Salvador e Rio de Janeiro), somente nos anos 1930/1940 que essa produo, mais especificamente do vidro plano, ganhar contornos modernos, auto-suficientes e competitivos no pas.

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    340

    mordaas com guarnio de borracha e suspensos em uma armao de tubos de alumnio fixos entre o teto e o pavimento. Lado a lado, a histria da arte e das formas passava como um filme aos olhos virgens do pblico diante de tamanha informao, formas e reformas, histrico do processo de criao artstico do homem. Da pr-histria at a contemporaneidade, a histria da arte era contada como um pensamento, um caminho de construo e contemplao do passado e do presente. Como os cubistas, que se libertaram da superfcie do quadro atravs da sobreposio dos elementos cotidianos, as pranchas didticas propunham novas formas de pensar, usando o espao como suporte ilimitado entre as fronteiras das artes (escultura, pintura, arquitetura, etc.).

    Para a realizao dessa mostra, era necessrio primeiro encontrar o material necessrio. O Studio dellArte Palma, Roma por correspondncia organizou uma coleo orgnica, reunindo aproximadamente 20.000 reprodues em preto e branco e 2.000 coloridas, muitas vezes recorrendo colorao a mo. Uma vez o arquivo constitudo, era necessrio estabelecer uma linha geral, uma idia fundamental de desenvolvimento, uma exata demonstrao de intenes para uma exposio concisa.

    Atravs de correspondncia, em 19478, de Emilio Villa (idealizador fundamental na Itlia, e depois no Brasil em breve perodo, da exposio), percebe-se que Bardi o responsvel pelas decises finais apesar do trabalho ser coletivo. O tom irnico de Villa nas frases traduz o trao da autoridade do diretor do museu e, ao mesmo tempo, a forte personalidade do crtico/poeta: conforme a tua vontade, segundo o seu consentimento, por favor, aguardamos a sua vontade so lidas, a princpio, como resultado da difcil personalidade de Pietro. Apesar da fina ironia, h entre ambos intelectuais uma evidente amizade, demonstrada por meio das carinhosas citaes em livros enviados por Villa Bardi. Muitos deles referem-se a exposies, monografias de artistas, livros de poesia e outros.

    O esprito dos tempos republicanos brasileiros, mais aberto, democrtico e modernizador, era um esprito de muitas faces. Na arquitetura e na engenharia civil, ele iria revelar-se na adoo das recentes inovaes europeias e norte-americanas de conceito, tcnica e estilo de construo. A combinao de ferro, ao, cimento, vidro e outros materiais permitiu obras maiores, melhores e at arrojadas. A valorizao da funcionalidade, com melhor distribuio e iluminao dos espaos de acordo com finalidades especficas, estimulou a criao de obras mais bem planejadas e executadas a menor custo, como escolas e hospitais, residncias e prdios pblicos, alm dos avanos e incorporao de novos conhecimentos por parte da arquitetura brasileira. Um desses recursos foi, com certeza, o vidro. A partir das dcadas de 1940 e 1950, o uso do vidro na edificao se intensifica, sob influncia das principais escolas da arquitetura mundial e sob presso interna da modernizao urbano-industrial do Brasil. Apesar de existirem indstrias em So Paulo na poca do nascimento do Museu de Arte e da execuo e montagem das Exposies Didticas e Vitrine das Formas (Companhia Paulista de Vidro Plano, CPVP, famosa indstria produtora do vidro paulistinha, por exemplo), os vidros planos no eram de boa qualidade: porosos, frgeis e pouco transparentes, no serviam para o propsito didtico do museu. Para os consumidores mais exigentes, como P.M.Bardi, a alternativa ainda era a importao. Na dcada de 50, com a melhoria na produo e na qualidade do produto final, alm dos incentivos do governo de Juscelino Kubitschek, o cenrio mudou. Indstrias como Santa Lcia Cristais Ltda., fundada em So Paulo no incio de 1951 pelo investidor francs Louis Dreyfus em associao com os empresrios paulistas, abasteciam a demanda nacional e dos pases vizinhos, como a Argentina. Tanto que, quando inaugurada em 1968, a sede da Avenida Paulista do Museu de Arte de So Paulo foi feita 100% com material nacional, principalmente a fachada de vidro, produzida pela Indstria Providro, outra gigante do mercado local. 8 Cartas enviadas por Emilio Villa, correspondente s Exposies Didticas, durante todo o ano de 1947. Arquivo de Documentao Histrico do Museu de Arte de So Paulo.

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    341

    Nessas correspondncias revelam-se, alm dos transmites da organizao da exposio, pesquisas importantes que esto sendo realizadas na Itlia, principalmente arqueolgicas, e o contexto ps-guerra que o pas enfrenta.

    O Brasil do ps-guerra, ainda carregando o peso das tradies clssicas europias, torna-se aos olhos de Villa e Bardi uma realizao do gosto pela contaminao entre o arcaico e moderno, entre lnguas e culturas diferentes, no qual hoje se reconhece a base potica villiana. Assim as realizaes e as iniciativas culturais brasileiras possuam um elo entre a cultura pr-grega e o moderno.

    Sobre a didtica da prancha, no podemos esquecer da Tavola degli orrori, de 1931, realizada por Bardi especialmente para a Esposizione Italiana di Architettura Razionale a Roma, organizada na Galleria DArte de Roma. A relao entre o fascismo e a cultura italiana, a princpio, foi diferente da que o nazismo estabeleceu na Alemanha. O fascismo se apoiou nos modernos, nos futuristas, na arquitetura de Terragni e em Pietro Maria Bardi. O prprio Mussolini declarou vlida a colagem de Bardi, durante a exposio, em uma crtica aos arquitetos classicistas. Na mesa, esto fotografias de edifcios e obras acadmicas intercalados por vinhetas e impertinncias contrrias s correntes ento em uso ligadas ao passadismo.

    O interesse de Bardi pela fotografia surge no comeo dos anos 30, quando esteve envolvido na campanha de renovao da arquitetura italiana que resultou, alm de inmeras outras aes e movimentos, na exposio em Roma. A paixo e estudo por essa tcnica o acompanhou ao longo da sua carreira, principalmente durante a sua direo no Museu de Arte de So Paulo, que originou na criao de um estdio fotogrfico e de revelao dentro do museu, de inmeras exposies sobre fotografia, alm das Exposies Didticas.

    O museu inicia-se com a proposta de ser uma obra aberta9, onde o discurso, fomentado principalmente pela arte de vanguarda, apresenta-nos o mundo de uma forma nova, muita alm dos hbitos conquistados e enrijecidos pelo nosso cotidiano, que infringe as normas simblicas e de linguagem que nos rodeia. Os leitores do discurso precisam do esforo individual e coletivo para a compreenso da obra, junto com o conjunto de significados que a prpria obra e seu autor oferecem (elementos legitimadores do objeto enquanto obra de arte). A interpretao singular e difere do restante, dando obra uma amplitude aos seus prprios limites. Transparncia no como meio, mas como finalidade.

    O MASP era um espao de dilogo entre o passado e o presente nas artes, de convvio entre a pintura, a escultura, a gravura e outras tcnicas artsticas. E, ao mesmo tempo, era um espao difusor de conhecimento a todas as idades: crianas, jovens, adultos, e de concentrao de intelectuais brasileiros e estrangeiros10. A proposta da Exposio

    9 Umberto Eco salienta que:

    [...] O discurso aberto tem como primeiro significado a prpria estrutura. Assim, a mensagem no se consuma jamais, permanece sempre como fonte de informaes possveis e responde de modo diverso a tipos de sensibilidade e de cultura. O discurso aberto um apelo responsabilidade, escolha individual, um desafio e um estmulo para o gosto, para a imaginao, para a inteligncia. Por isso a grande arte sempre difcil e sempre imprevista, no quer agradar e consolar, quer colocar problemas, renovar a nossa percepo e o nosso modo de compreender as coisas (ECO, 2001, p.280).

    10 Campo artstico oriundo da gerao de 22, da Famlia Artstica de So Paulo e do Ncleo Bernardelli do Rio de Janeiro, da Exposio Francesa em 1940, da criao do Teatro Brasileiro de Comdia em 1948, da Companhia Cinematogrfica Vera Cruz em 1949 e da vinda de estrangeiros, com Lvi-Strauss, foragidos da II Guerra Mundial. Muitos fizeram parte do corpo docente da USP (Universidade de So Paulo). nesse ambiente de construo e crescimento artstico e cultural que se tem o surgimento do Museu de Arte de So Paulo em 1947, do Museu de Arte Moderna MAM em So Paulo em 1948 e em 1949 no Rio de Janeiro, e

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    342

    Didtica o espelho deste contexto, do momento de difuso do conhecimento de artes, na busca de formao de um centro vivo de cultura11. Quase como uma bandeira democratizao das artes, as Exposies Didticas propunham a importncia da forma como fator dominante e determinador do espao e do tempo, no s das atividades corriqueiras, mas tambm dos ideais, das harmonias, das ideologias. A arte a operadora da mais forte modificao da natureza, sendo, nas palavras de Bardi, a experincia mais perfeita e humana que possa ser realizada.

    [...] O objetivo das mostras didticas no pode limitar-se a uma exibio de obras primas cristalizadas no tempo, consagradas ao altar poeirento dos museus e transmitidas tricromia com maior e menor fidelidade. Ao contrrio, seu alvo o de persuadir os homens da profunda intimidade que unifica as artes vida cotidiana. Demonstrar e mostrar que no existe separao entre as formas criadas pela viso artstica e a sugesto que elas exercem (BARDI, 1947, p.2).

    Alm da questo e importncia do museu vivo e didtico, h uma preocupao social e militante que transparece nos textos do projeto. Lina Bo mais esquerdista12 e Pietro no deixava de ser um progressista, quase anrquico, v-se claramente que o homem, genrico, precisava urgentemente reconhecer os outros homens como pertencentes mesma classe. De acordo com o pensamento de Bardi, a humanidade no estava destinada a acentuar o dualismo existente entre as classes dominantes e dominadas, entre a aristocracia e a plebe, entre a elite e a massa; a humanidade teria por objetivo final ser uma nica e grande aristocracia13. Ao buscar a formao de um pblico especializado para adentrar e percorrer o acervo do museu, numa esplndida conquista do esprito coletivo, Bardi e todos os colaboradores colocavam em prtica aquilo que no conseguiram realizar (ou realizaram de forma parcial) na Itlia, durante os primeiros anos do Fascismo.

    Em suma, a prancha deveria ser entendida como uma gramtica geral e sistemtica, portanto, mais facilmente compreensvel e acessvel. O restante da Exposio Didtica, da disposio das pranchas prpria exposio, foi servindo de exerccio, como antologia sumria e histrica. Sempre o observador poderia andar pelas pranchas e encontrar aplicaes do que ele viu, constituindo assim o seu prprio campo de conhecimento e referncia. Assim como se faz com as gramticas: do lado dos exerccios, est a antologia.

    da 1 Bienal Internacional de So Paulo, em 1951, onde Max Bill ganhou o primeiro prmio com a escultura Unidade Tripartida, servindo de smbolo ao concretismo brasileiro. 11 Nas prprias palavras de Bardi no relatrio enviado UNESCO, as mostras didticas representariam:

    [...] Cada obra que enriquece o Museu no pode ser abandonada em seu isolamento casual, mas deve ser situada no conjunto do processo histrico, pelo qual expressa, moldeada e amadurecida, se desejarmos que ela revele todo o mundo que encerra. [...] No h soluo de continuidade; no existem saltos na histria do desenvolvimento humano. Cada acontecimento, fato ou gesto tem a sua razo, que o liga ao passado numa espcie de ressonncia viva (BARDI, 1947, p.1).

    12 Do ponto de vista de coletividade, interessa notar essa caracterstica pessoal de Lina e P.M.Bardi: a idia de profuso de conhecimento a partir do coletivo. A Casa de Vidro, residncia do casal no Morumbi e o primeiro projeto arquitetnico de Lina executado, em 1951, funcionava como uma espcie de residncia-atelier para artistas e arquitetos. O objetivo era incentivar seus trabalhos e a idia de montar ateliers, oficinas, sales para exposio, para reunio, que povoariam o nascente bairro Morumbi. A idia era vista, concretamente e de forma menor, no interior da prpria Casa de Vidro: um grande pavilho rodeado de fauna/flora, povoado de objetos, cadeiras, colees por Lina Bo e P.M.Bardi. Ver: ZOLLINGER, 2007. 13 BARDI, Lexprience didactique du Museu de Arte de So Paulo / An Educational Experiment at the Museu de Arte. So Paulo. MUSEUM UNESCO Museums and education, vol I, n 3/4, 1948.

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    343

    Bibliografia

    ALENCASTRO. Desenho Industrial, In: Habitat n.1. Revista do Museu de Arte de So Paulo: 1950, p.94.

    BARDI, Pietro Maria. As mostras didticas [Relatrio de P.M Bardi apresentado no Congresso Internacional dos Museus realizado em Cidade do Mxico em novembro de 1947]. Arquivo do Acervo da Biblioteca e Centro de Documentao do Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand, 1947.

    _____. Lexprience didactique du Museu de Arte de So Paulo / An Educational Experiment at the Museu de Arte. So Paulo. MUSEUM UNESCO Museums and education, vol I, n 3/4, 1948.

    _____. Pequena Histria da Arte Introduo ao Estudo das Artes Plsticas. So Paulo: Melhoramentos, 1968.

    _____. A cultura nacional e a presena do MASP. So Paulo: Fiat do Brasil, 1982.

    _____. Histria do MASP. So Paulo: Instituto Quadrante, 1992.

    ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminao nas poticas contemporneas. So Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

    STRAUSS, Lvi. So Paulo, In: Tristes Trpicos, Lisboa/So Paulo, Editora 70/Martins Fontes, 1981.

    ZOLLINGER, Carla. Lina Bo Bardi. 1951: Casa de Vidro, 1964: Niente Vetri (Pavilho e recinto: o desenvolvimento de dois tipos). In: Arquitextos 082, Texto Especial 408, maro 2007. Portal Vitruvius. Link: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp408.asp

    Figura 1: Vista geral da Exposio Didtica, 194714.

    14 Acervo fotogrfico da Biblioteca e Centro de Documentao do Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand.

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    344

    Figura 2: P.M.Bardi (primeiro esquerda, de gravata preta) com seus auxiliares trabalhando na montagem da Exposio Didtica. 1947.

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    345

    Figura 3: Detalhe de Painel Explicativo sobre Arte Contempornea.

  • V ENCONTRO DE HISTRIA DA ARTE IFCH / UNICAMP 2009

    346

    Figura 4: Detalhe de Painel sobre Pr-Histria.