martins historia do pensamento economico

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  • 7/23/2019 Martins Historia Do Pensamento Economico

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    Universidade dos Aores

    Departamento de Economia e Gesto

    Histria do Pensamento

    Econmico

    Nuno Miguel Ornelas Martins

    Angra do Herosmo, 2012

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    ndiceA-Funcionamento da disciplina

    0. Introduo................................................................................................................................ 4

    1. A Economia e as Cincias Sociais.......................................................................................... 7

    1.1. As definies de Economia de Mill, Marshall e Robbins.............................................. 7

    2. O Pensamento Econmico anterior a Adam Smith............................................................ 10

    2.1. A teoria do valor na idade antiga e medieval: as origens da Economia.................... 10

    3.O Pensamento Econmico Clssico I: Adam Smith........................................................... 12

    3.1. Os antecedentes da Riqueza das Naes: Mercantilismo e Fisiocracia..................... 12

    3.2 O Pensamento Econmico de Adam Smith................................................................... 15

    4. O Pensamento Econmico Clssico II: Say, Ricardo, Malthus e Mill.............................. 194.1. O pensamento econmico clssico ps-Smith.............................................................. 19

    4.1.1. Jean-Baptiste Say...................................................................................................... 19

    4.1.2. David Ricardo........................................................................................................... 20

    4.1.3. Thomas Robert Malthus............................................................................................ 23

    4.1.4. John Stuart Mill......................................................................................................... 25

    5. Karl Marx.............................................................................................................................. 29

    5.1 O contexto do idealismo alemo..................................................................................... 29

    5.2. O materialismo dialctico.............................................................................................. 29

    5.3. O materialismo histrico............................................................................................... 31

    5.4. A tendncia do capitalismo para se auto-destruir....................................................... 33

    5.5. O caminho para o Comunismo..................................................................................... 38

    6. A revoluo marginalista e o pensamento econmico neoclssico.................................... 44

    6.1. A revoluo marginalista de Menger, Jevons e Walras.............................................. 44

    6.2. A Escola Neoclssica de Alfred Marshall..................................................................... 46

    6.3. A expanso da matemtica Cartesiana dentro da Escola Neoclssica...................... 49

    7. Methodenstreit - A Batalha dos Mtodos............................................................................ 52

    8. A Escola Austraca................................................................................................................ 54

    8.1. A crtica Austraca da Escola Neoclssica.................................................................... 54

    8.2. O estudo Austraco da aco humana.......................................................................... 55

    8.3. O Liberalismo Austraco e a crtica do Estado centralizado...................................... 57

    9. O Institucionalismo Americano........................................................................................... 59

    9.1. Thorstein Veblen............................................................................................................ 599.2. O estudo institucionalista da economia contempornea............................................. 62

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    10 John Maynard Keynes e o Pensamento ps-keynesiano:................................................. 64

    10.1. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.................................................... 64

    10.2. A filosofia social da Teoria Geral e do Ps-Keynesianismo...................................... 67

    10.3. A perspectiva Keynesiana dos mercados financeiros e as crises financeiras.......... 70

    10.4. Piero Sraffa e o regresso aos clssicos no Ps-Keynesianismo................................. 74

    10.5. A Economia Ortodoxa e o Keynesianismo................................................................. 77

    10.6. As crticas Ps-Keynesianas funo de produo agregada.................................. 79

    10.7. A controvrsia de Cambridge e a teoria econmica contempornea...................... 84

    11. Joseph Schumpeter............................................................................................................. 89

    12. O Evolucionismo.................................................................................................................. 91

    13. Concluses............................................................................................................................ 93

    Apndice I: Apndice matemtico sobre a teoria marginalista............................................ 98

    Apndice II: Apndice matemtico sobre a teoria de Piero Sraffa..................................... 103

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    0.INTRODUO

    O programa da disciplina de Histria do Pensamento Econmico debrua-se sobre a

    evoluo do pensamento econmico, comeando pelo pensamento econmico pr-

    clssico, isto , o pensamento que antecede Adam Smith. Segue-se depois uma

    discusso da filosofia moral e pensamento econmico de Adam Smith, que precede uma

    anlise do pensamento econmico clssico iniciado por Smith.

    Esta anlise do pensamento econmico clssico aps Smith centra-se no trabalho

    de autores como Jean-Baptiste Say, David Ricardo, Thomas Robert Malthus, e John

    Stuart Mill. Apesar da influncia destes autores sobre Karl Marx, este ltimo foi tratado

    num captulo autnomo, devido complexidade filosfica e poltica que rodeia o seu

    trabalho, de modo a poder considerar outras influncias sobre Marx para alm do

    pensamento econmico clssico, como o idealismo alemo, e o socialismo.

    Segue-se no programa da disciplina o tema da revoluo marginalista e do

    pensamento econmico neoclssico, e uma explicao de como este pensamento se

    tornou dominante, substituindo o paradigma clssico. As diferenas entre os diversos

    autores do marginalismo, como Stanley Jevons, Leon Walras e Carl Menger, so

    consideradas, com especial nfase no caso de Carl Menger, e nas diferenas

    metodolgicas deste autor, que so posteriormente abordadas num captulo dedicado

    Methodenstreit (ou Batalha dos Mtodos), e desenvolvidas tambm noutro captulosobre a Escola Austraca de Economia, desde Carl Menger at autores mais recentes

    como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. O programa trata em seguida John

    Maynard Keynes e o pensamento Ps-Keynesiano, seguindo-se uma anlise do

    Institucionalismo Americano de Thorstein Veblen a John Kenneth Galbraith. O

    pensamento de Joseph Schumpeter abordado no captulo seguinte, seguindo-se uma

    discusso sobre o Evolucionismo noutro captulo. Algumas concluses sobre a

    transformao do pensamento econmico so feitas neste captulo, seguindo-se algumasconsideraes finais sobre a Histria do Pensamento Econmico em geral.

    Com este programa, pretende-se que o aluno desenvolva competncias ao nvel

    da compreenso das diferentes tradies de pensamento econmico. Pretende-se

    igualmente que o aluno seja capaz de proceder a uma anlise crtica das teorias

    econmicas sugeridas pelas diferentes tradies de pensamento econmico e de avaliar

    a sua relevncia na actualidade. Resumidamente, o programa o seguinte:

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    1. A Economia e as Cincias Sociais

    2. O Pensamento Econmico Pr-Clssico

    3. O Pensamento Econmico Clssico I: Adam Smith

    4. O Pensamento Econmico Clssico II: Say, Ricardo, Malthus e Mill

    5. Karl Marx

    6. A Revoluo Marginalista e o Pensamento Econmico Neoclssico

    7. A Methodenstreit

    8. A Escola Austraca

    9. O Institucionalismo Americano

    10. Keynes e o pensamento ps-Keynesiano

    11. Joseph Schumpeter

    12. O Evolucionismo

    O regime de avaliao constitudo por duas frequncias a realizar ao longo do

    semestre. Em alternativa, os alunos podem optar por efectuar um exame, ao qual quem

    reprovar nas frequncias ter tambm acesso, com uma ponderao de 100% na nota

    final.

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    Contedos Programticos da

    disciplina de

    Histria do Pensamento

    Econmico

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    1.AECONOMIA E AS CINCIAS SOCIAIS

    1.1.AS DEFINIES DE ECONOMIA DE MILL,MARSHALL E ROBBINS

    A primeira questo que se coloca no estudo da Histria do Pensamento Econmico a

    definio do tpico. Saber como se define a Economia enquanto rea de estudo

    fundamental para compreender a sua evoluo. A Economia Poltica surge como rea

    relativamente autnoma do saber com Adam Smith, com a publicao da sua obra

    Riqueza das Naesem 1776.1A Economia Poltica consolida-se durante o sculo XIX,

    altura em que o livro de John Stuart MillPrinciples of Political Economy, publicado em

    1848, substitui o livro de Smith como o manual mais utilizado no ensino da Economia.2

    Em 1890 Alfred Marshall publica o seuPrinciples of Economics, que se torna o manual

    de ensino da Economia mais influente3, substituindo o livro de Mill, e em 1903 Alfred

    Marshall funda a Faculty of Economics and Politics da Universidade de Cambridge,

    comeando as Faculdades de Economia a surgir enquanto Faculdades autnomas dentro

    da Universidades por volta desta poca.

    A ligao entre tica, economia e poltica vai-se mantendo neste processo. Em

    Aristteles estas reas no eram separadas, e autores como Adam Smith, John Stuart

    Mill e Alfred Marshall demonstram uma grande preocupao em no separar a

    Economia destas consideraes. No entanto, Lionnel Robbins criticar num famoso

    ensaio de 1932 a mistura das questes normativas com as questes positivas da

    Economia, incluindo a ligao desta ltima a questes normativas no mbito da Poltica,

    o que contribui para que se abandone a designao de Economia Poltica, para se passar

    a usar a designao de Economia.4

    Trs influentes definies de Economia surgem neste processo, e so as de John

    Stuart Mill, Alfred Marshall e Lionnel Robbins. John Stuart Mill, que procura

    sistematizar o pensamento clssico iniciado por Adam Smith, enfatiza que a Economia

    a cincia que estuda as causas da riqueza, e as actividades de produo, distribuio e

    1Smith, A.,An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, London, Methuen

    and Co., Ltd, 1776.2Mill, J. S.,Principles of Political Economy, London, J. P. Parker, 1848.

    3

    Marshall, A.,Principles of Economics, London, Macmillan and Co, 1920[1890].4 Robbins, L., An Essay on the Nature and Significance of Economic Science, London,Macmillan, 1935[1932].

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    troca dessa riqueza. J Alfred Marshall, que procura continuar o pensamento clssico de

    Smith e Mill, mas complement-lo com as novas ideias da revoluo marginalista,

    numa concepo neoclssica, salienta que a economia o estudo da aco humana na

    medida em que afecta as condies materiais do bem-estar. Lionel Robbins, por outro

    lado, define a economia como a cincia que estuda os usos alternativos de recursos

    escassos.

    Cada uma destas definies enfatiza aspectos diferentes. Millsalienta ascausas

    da riqueza, Marshallaaco humana, e Robbinsa existncia de necessidades mltiplas

    e recursos escassos. Enquanto Marshall procura continuar a abordagem clssica de Mill,

    procurando combinar a mesma com o marginalismo numa abordagem neoclssica,

    Robbins criticou a anlise do bem-estar de Marshall e do seu discpulo em Cambridge

    Arthur Cecil Pigou, que caracteriza a ala neoclssica de Cambridge, argumentando que

    no possvel comparar a utilidade subjectiva de diferentes indivduos, e criticando a

    mistura de questes normativas e questes positivas que essa anlise do bem-estar

    implicaria.

    Como Marshall tinha uma concepo da Economia segundo a qual esta consistia

    no estudo da actividade humana na medida em que esta afecta as condies materiais do

    bem-estar, esta concepo era uma concepo substantiva, em que a Economia se

    definia em termos de um objecto de anlise, tal para os clssicos, como John Stuart

    Mill, autor que influenciou fortemente Marshall, e para quem a Economia Poltica se

    definia tambm em termos do estudo de um objecto, como a produo e distribuio da

    riqueza.

    J Robbins definia a Economia como o estudo dos usos alternativos de recursos

    escassos, adoptando uma definio que sendo formal, e no substantiva, leva a uma

    concepo em que a Economia poder estudar vrios objectos para alm das condies

    materiais do bem-estar, ou da produo e distribuio de bens, utilizando os conceitosmarginalistas de optimizao e escassez.

    Esta concepo formal de Robbins contribuiu para o abandono do realismo

    Marshalliano dentro da escola neoclssica, e na Economia em geral, pois a partir do

    momento em que a Economia se define em termos formais, e no substantivos, est

    aberto o caminho para a utilizao dos mais variados modelos e mtodos,

    independentemente de serem adequados ao estudo de uma dada realidade ou no. A

    tendncia para o abandono do realismo na teoria econmica relaciona-se com esteprogresso do formalismo.

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    Baseados nesta oposio entre a abordagem substantiva de Mill e Marshall, e a

    abordagem formal de Robbins, podemos chegar a duas vises fundamentais acerca da

    interdisciplinaridade entre as cincias sociais. Uma abordagem seria pensar que a

    Economia deve aprender com as outras cincias sociais, na medida em que estas nos

    permitem estudar a aco humana no seu conjunto, um aspecto enfatizado por Marshall

    e Mill. Outra abordagem seria pensar que as outras cincias sociais devem aprender com

    o mtodo econmico que estuda os usos alternativos de recursos escassos, que para

    Robbins a essncia da Economia. Se a Economia caracterizada pelo mtodo, pode

    ser aplicada a qualquer estudo, a qualquer rea. Estas duas tendncias, uma substantiva,

    outra formal, sero as tendncias entre as quais oscilar a Economia, como iremos ver.

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    2.OPENSAMENTO ECONMICO ANTERIOR A ADAM SMITH

    2.1. A TEORIA DO VALOR NA IDADE ANTIGA E MEDIEVAL: AS ORIGENS DA

    ECONOMIAConsideramos neste captulo dos pr-clssicostudo o que foi escrito sobre economia

    antes de Adam Smith. Podemos distinguir aqui dois perodos que antecedem a idade

    moderna. Um deles ser a Antiguidade, onde a matriz dominante no mundo ocidental

    era a matriz greco-latina. O trabalho fundamental na rea da Economia aqui ser o de

    Aristteles, que alis considerava em conjunto as reas da tica, politica e economia.

    Outro perodo ser a Idade Mdia, onde as matrizes dominantes no mundo ocidental

    passam a ser a matriz judaico-crist e a matriz greco-latina. Nos escritos destas pocas

    encontramos os antecedentes de uma questo central da Economia, a teoria do valor.

    A questo do valor tinha j sido tratada, mas no resolvida por Aristteles, por

    exemplo no captulo 5 do livro 5 da tica a Nicmaco. Aristteles vai distinguir entre

    valor de uso (valor atribudo em funo do uso que damos aos objectos) e valor de troca

    (que pressupe comparao de algo comum). Mas deixa em aberto a questo de se o

    (elemento comum que permite comparar o) valor de um bem depende do trabalho

    necessrio para produzir esse bem, ou da utilidade do bem.

    Como veremos, para a teoria clssica o preo de um bem depender do seu custo

    de produo, que medido pelo trabalho necessrio para o produzir, enquanto na teoria

    marginalista o preo de um bem depender da utilidade adicional do bem. A teoria dos

    preos como custo de produo foi, como Joseph Schumpeter5salienta, formulada de

    um modo mais claro apenas por Joo Duns Escoto, autor Franciscano que viveu a

    transio do sculo XIII para o sculo XIV, dividindo o seu tempo entre as

    Universidades de Oxford, Cambridge, Paris e Colnia, e que antecipou pois a teoria do

    valor do pensamento econmico clssico que veremos adiante, onde o preo tende para

    o custo de produo.

    A anlise dos preos em termos das preferncias subjectivas, que apenas so

    reveladas quando se manifestam num mercado competitivo, remonta ao trabalho de

    Francisco de Vitria, autor Dominicano e fundador da Escola de Salamanca, de Lus de

    Molina, autor Jesuta que dividiu o seu tempo entre as universidades de Coimbra, vora

    5

    Schumpeter, J.,History of Economic Ideas, London and New York, Routledge, 1997[1954], p.93.

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    e Madrid, e Francisco Surez, autor tambm Jesuta que tambm acabou por dividir o

    seu tempo entre Salamanca e Coimbra. Estes autores enquadram-se na fase final do

    perodo escolstico Ibrico, que era crtico da teoria do preo como custo de produo

    defendida por Joo Duns Escoto, autor Franciscano de uma fase anterior do pensamento

    escolstico.

    Deste modo, a mudana de paradigma acerca da teoria do valor, que se d no

    pensamento econmico ocidental na dcada de 1870 com a revoluo marginalista, que

    iremos estudar adiante, j se tinha dado de certo modo dentro da escolstica medieval.

    Efectivamente, embora a questo do valor tivesse sido j abordada por Aristteles, a

    distino entre preo como custo de produo, e preo como resultado da manifestao

    de preferncias subjectivas, aparece de modo mais claro apenas no pensamento

    escolstico medieval.

    Como Schumpeter6 explica, tanto Adam Smith, como o pensamento clssico e

    neoclssico que se segue, influenciado pela escolstica medieval, embora estas

    tradies de pensamento econmico recebam maior influncia de fases diferentes da

    escolstica medieval. A escolstica medieval abarca pois autores como Duns Escoto,

    que defendem que o preo resulta do custo de produo (como defender depois o

    pensamento econmico clssico), e autores de uma fase mais tardia da escolstica

    Ibrica como Francisco Vitria, Lus de Molina ou Francisco Surez, para quem o

    preo, resultando de um valor subjectivo, simplesmente o que for estabelecido em

    qualquer mercado competitivo (como defendero mais tarde as escolas neoclssica e

    Austraca). Este pensamento escolstico tardio Ibrico inspirou pois tradies de

    pensamento econmico que consideravam o valor como algo subjectivo, e as tradies

    econmicas liberais, como Schumpeter7explica, nas quais podemos enquadrar a escola

    Austraca de Economia, que se baseia no trabalho do marginalista Carl Menger.8

    No entanto, quando esta questo regressa ao pensamento econmico, havernaturalmente um contexto poltico e institucional muito diferente. Schumpeter explica

    que a autoridade papal garantiu segurana face interferncia externa sobre aquilo que

    nos mosteiros, conventos e abadias se estudava acerca de Economia. Ao longo do tempo

    6Schumpeter, J., History of Economic Ideas, London and New York, Routledge, 1997[1954],pp. 93-94.7Schumpeter, J.,History of Economic Ideas, London and New York, Routledge, 1997[1954], p.

    98-99.8Menger, C.Principles of Economics, New York, New York University Press, 1976[1871].

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    existiu sempre uma tendncia para a poltica influenciar a teoria econmica. No entanto,

    a poca medieval uma excepo pois o poder poltico real no intervinha devido ao

    poder do Papa. Embora teologicamente houvesse uma preocupao com o contedo das

    teorias por parte do Papado, por exemplo, no existia uma grande preocupao com o

    contolo do contedo econmico das teorias.

    Discusses centrais na escolstica medieval eram a legitimidade do juro, ou a

    justia na distribuio. De facto, com o Cristianismo a pessoa humana passa a ser vista

    como possuidora de uma dignidade inalienvel, e deixa de ser vista como algo que tem

    de se adequar a uma ordem natural que inclui a escravatura, como defendiam autores

    gregos como Aristteles. Isto significa que a justia comutativa nas transaces

    econmicas, e a justia distributiva na sociedade, continuam a ser questes essenciais na

    idade Mdia, como eram para Aristteles, mas que tero de ser abordadas tendo em

    conta a dignidade inalienvel da pessoa humana.

    Alfred Marshall explica isto claramente no seuPrinciples of Economics, notando

    como a transio da tradio grega para a concepo crist de pessoa foi fundamental

    para a (re)colocao das questes econmicas. Antes de reentrar na teoria econmica do

    valor e distribuio, vamos agora estudar melhor essa concepo moral crist, e o papel

    da pessoa humana nessa concepo.

    3.OPENSAMENTO ECONMICO CLSSICO I:ADAM SMITH

    3.1. OS ANTECEDENTES DA RIQUEZA DAS NAES: MERCANTILISMO EFISIOCRACIA

    No apenas na teoria moral e na filosofia que David Hume deixou marca em autores

    como Smith ou Kant, mas tambm no pensamento econmico, onde empiristas

    britnicos como John Locke e David Hume foram autores influentes do conjunto de

    princpios designados por Smith como mercantilismo. No momento em que estes

    autores escrevem comea a surgir o estudo das variaes ao nvel dos preos e das

    quantidades, comeando tambm a aparecer um estudo da economia com um maior

    grau de separao das dimenses ticas e polticas do que antes, mas ainda muito ligado

    a estas dimenses. No mercantilismo ainda no temos o estudo da economia enquanto

    cincia autnoma, mas j existe um estudo mais centrado apenas em variveis

    econmicas. O mercantilismo tem diversas variantes, e dificilmente pode ser

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    considerado uma escola do pensamento. Constitui essencialmente um conjunto de

    polticas econmicas baseadas na observao de variaes quantitativas na economia.

    Na altura em que emerge o mercantilismo, o Estado-Nao a entidade poltica

    mais importante, que nasce da centralizao do poder monrquico face aos nobres

    feudais, desaparecendo o sistema descentralizado medieval, que d lugar ao Estado-

    Nao centralizado moderno.9 Neste contexto, os autores mercantilistas vo-se

    preocupar com a riqueza do Estado-Nao. Os autores mercantilistas vo argumentar

    que a riqueza das naes consiste na acumulao de metais preciosos, atravs de

    balanas comerciais favorveis.

    Os mercantilistas vo defender que para conseguir uma balana comercial

    favorvel, ser fundamental a importao de matrias-primas baratas, de modo a que a

    agricultura possa ceder lugar ao desenvolvimento das indstrias e manufacturas, onde os

    produtos possuem um maior valor acrescentado. Assim, a Nao produzir produtos de

    maior valor acrescentado, que trocar por matrias-primas de menor valor acrescentado,

    conseguindo uma balana comercial favorvel face a outras naes, e por conseguinte a

    acumulao de metais preciosos. Nesta concepo a riqueza baseada pois na

    actividade industrial, que permite vantagem no comrcio internacional.

    Neste contexto, h uma tendncia para o proteccionismo da indstria, de modo a

    poder desenvolver a indstria, e limitar as importaes de produtos manufacturados,

    pois considera-se que o comrcio um jogo de soma nula. No entanto, apesar de se

    recomendar a importao de matrias-primas baratas para que o sector primrio da

    Nao possa dar lugar ao sector industrial, muitos autores mercantilistas consideram

    que nunca se dever ficar totalmente dependente de matrias-primas do outro pas,

    especialmente se estas forem essenciais, pois em caso de guerra, no existindo

    comrcio, difcil obter essas matrias-primas.

    David Hume defender no entanto que no possvel manter uma balanacomercial positiva para sempre. Isto porque a balana comercial positiva leva a aumento

    dos metais preciosos (da moeda) no pas e logo a um aumento dos preos. Face ao

    aumento dos preos, a competitividade dos bens do pas relativamente aos bens de

    outros pases desce, logo h um decrscimo da balana comercial, dos metais preciosos

    (moeda), e dos preos. Mas esta ltima baixa de preos traz de novo uma maior

    9

    Conforme explicado em Heilbroner, R., The Wordly Philosophers: The Lives, Times, andIdeas of the Great Economic Thinkers, 6th ed., New York, Touchstone, 1986 [1953].

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    competitividade dos bens do pas relativamente aos bens de outros pases, logo uma

    balana comercial favorvel, e reinicia o ciclo.

    Todavia,Richard Cantillonafirmar que os preos vo aumentar com o influxo

    de metais preciosos, mas em propores diferentes em diferentes sectores, o que pode

    criar complicaes neste mecanismo. De resto, s aquilo que transformado no pas

    teria preos mais elevados, devido s importaes de matrias-primas. Como veremos,

    Adam Smith argumentar tambm que os mercantilistas deveriam olhar para a estrutura

    da Economia e no apenas para os metais preciosos. Smith afirma que o mercantilismo

    transferiu inapropriadamente para a economia uma ideia do senso comum: a ideia de

    que ter metais preciosos ou moeda significa riqueza.

    O mercantilismo ser no entanto defendido mais tarde por autores como John

    Maynard Keynes, para quem os mercantilistas defenderam polticas apropriadas, porque

    a importao de metais preciosos era na poca a nica forma de baixar a taxa de juro

    implcita, e aumentar o investimento. O mercantilismo ser defendido tambm pela

    Escola Histrica Alem, que explicar que a economia poltica um jogo de soma nula,

    e os mercantilistas compreenderam bem este facto. As polticas proteccionistas

    mercantilistas so de facto semelhantes s que a Alemanha foi seguindo desde a unio

    aduaneira do Zollverein, liderada pela Prssia, e durante a sua unificao com Bismarck

    e subsequente crescimento at s duas guerras mundiais.

    Os Fisiocratas, oriundos de Frana, vo no entanto criticar as polticas

    mercantilistas, que em Frana haviam sido defendidas por Colbert, e designadas muitas

    vezes como Colbertismo. Para os Fisiocratas, o principal recurso da economia era a

    terra, logo os Fisiocratas defendem que deveramos olhar para a Agricultura como fonte

    de riqueza, e no para os metais preciosos. Franois Quesnay nota que na economia

    existe o sector comprador e o sector vendedor, onde cada um destes papis pode ser

    desempenhado por trs classes: agricultores, proprietrios fundirios e artesos. aprimeira vez que vamos ter um quadro que tenta retratar toda a actividade econmica.

    Os Fisiocratas vo enfatizar a ideia de que o sistema econmico estar em equilbrio,

    pois Quesnay explica que tudo aquilo que comprado foi vendido e tudo aquilo que

    vendido foi comprado.

    Esta perspectiva ter implicaes em termos de poltica econmica. Se toda a

    riqueza vem da terra e a classe que detm a terra so os proprietrios, ento deveria

    haver um imposto nico sobre quem detm os recursos, que so os proprietrios daterra. Os Fisiocratas vo defender que a moeda apenas um meio de troca, e no tem

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    qualquer impacto na economia real. A economia real no afectada pela economia

    monetria. Adam Smith ser um crtico feroz do mercantilismo, e manter um grande

    respeito pela tradio fisiocrata. No entanto, chegar a uma teoria econmica que est

    para alm de ambas estas concepes, como veremos.

    3.2OPENSAMENTO ECONMICO DE ADAM SMITH

    Geralmente considera-se que Adam Smith, que iniciou o pensamento econmico

    clssico, possibilitou o aparecimento de uma cincia econmica autnoma, algo que j

    se comeava a desenhar no pensamento mercantilista e fisiocrata. Uma questo

    interessante ser investigar at que ponto o pensamento de Adam Smith realmente

    possibilitou ou no uma separao entre a cincia econmica, e outras reas como atica e a filosofia moral, bem como o posterior desenvolvimento da economia como

    uma cincia social autnoma.

    A noo de liberdade individual, na qual se baseavam autores como Adam

    Smith, pressupunha um indivduo relacional, que atravs da empatia (Adam Smith

    utilizava o termo simpatia, como vimos), era capaz de se colocar na situao dos

    outros agentes, levando a uma interaco entre indivduos baseada em sentimentos

    morais. Mesmo os mercados, onde os agentes econmicos procuram o seu interesseprprio, surgem da propenso humana para o dilogo, baseada na empatia, e

    pressupem a confiana mtua entre seres humanos, para Smith. Deste modo, a

    concepo de um indivduo separado dos restantes indivduos, movido apenas pelo

    egosmo, no corresponde concepo de indivduo de Smith, para quem as normas

    ticas e sociais eram uma dimenso fundamental da realidade social.

    Adam Smith especifica que a diviso do trabalho o ponto de partida para a

    formao do sistema econmico. Mas a diviso do trabalho depende da existncia de

    um mercado suficientemente vasto, e a existncia do mercado, segundo Adam Smith,

    resulta da propenso do ser humano para a troca. J a propenso para a troca, segundo

    Smith, depende de disposies ticas que possibilitam o dilogo e a confiana mtua.

    Na ausncia destas disposies, o mercado no funciona.

    Na medida em que a diviso do trabalho depende do mercado e da troca, e esta

    depende de aspectos ticos, a separao entre tica e economia no foi estabelecida em

    Smith que de resto era um professor de filosofia moral, cuja obra principal sobre o

    tpico, a Teoria dos Sentimentos Moraiscontm uma viso integrada das disposies

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    ticas que permitem o dilogo humano. A viso integrada das vrias dimenses do

    processo de desenvolvimento, incluindo a prpria dimenso tica do problema,

    encontrava-se j nos autores do pensamento econmico clssico, como Amartya Sen10

    refere, criticando a interpretao de Adam Smith feita por George Stigler, que

    argumenta que Smith explica toda a actividade econmica com base no interesse

    prprio. Para Amartya Sen o interesse prprio no suficiente mesmo para Adam

    Smith. preciso ter em conta o lado moral, simpatia e empatia, para conseguir explicar

    e perceber as actividades econmicas, mesmo na perspectiva Smithiana. Sendo assim,

    Smith no defende uma sociedade estruturada unicamente na procura do interesse-

    prprio individual, como muitos autores que advogam que a sociedade emerge do

    contrato social entre indivduos que procuram apenas o seu interesse prprio.

    Contudo, Smith argumenta na Teoria dos Sentimentos Morais que a

    benevolncia no suficiente para estruturar uma sociedade. Enquanto a benevolncia

    ser o ornamento do edifcio da sociedade, a justia trar as fundaes do edifcio. No

    entanto, no ser a prudncia a base da sociedade, muito menos uma prudncia apenas

    egosta. Justia, prudncia, benevolncia e auto-controlo sero as quatro virtudes

    necessrias para compreender a sociedade, sendo a justia a base a partir da qual as

    outras trs virtudes permitiro aperfeioar a sociedade. David Hume j argumentava que

    a benevolncia apenas ser suficiente para sustentar pequenos grupos, como a famlia.

    Smith prope que para estruturar uma sociedade de maior dimenso, ser

    fundamental a virtude da justia, que tem a sua base tambm em sentimentos morais, e

    na responsabilidade que o indivduo sente perante a sociedade. Para explicar a evoluo

    da economia e da sociedade, Smith adopta uma viso da histria em que esta progride

    por fases, sendo preciso compreender o contexto moral e poltico subjacente a cada fase

    para compreender a economia e a sociedade. com base nesta concepo da sociedade

    que podemos agora passar para a anlise econmica de Smith.Na sua obra A Riqueza das Naes, Smith11 considerava que a diviso do

    trabalho limitada pela dimenso do mercado, pois s a produo em maior quantidade

    permite a diviso do trabalho e consequente aumento da produtividade. Para Smith, o

    aumento da produtividade permite a existncia de lucros, que originam poupana, que

    por sua vez ser reinvestida em capital, permitindo uma maior diviso do trabalho e

    10

    Sen, A., On Ethics and Economics, Oxford and New York, Basil Blackwell, 1987.11Smith, A.,An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, London, Methuenand Co., Ltd, 1776.

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    mais uma vez maior produtividade. Neste caso, o crescimento econmico entra num

    ciclo virtuoso. Como os autores Ps-Keynesianos clarificaro mais tarde, a poupana

    gerada pelos lucros na medida em que a propenso a poupar de quem recebe lucros

    superior, em mdia, propenso a poupar de quem recebe salrios. Deste modo, os

    lucros so essenciais para a poupana.

    Ao explicar em maior pormenor a sua concepo da economia, Adam Smith

    analisou uma estrutura social mais especfica, o mercado, e explicou que a prossecuo

    do interesse prprio dentro de um processo de mercado ser regulamentada pela

    existncia de concorrncia entre os vrios agentes do mercado. Este argumento muitas

    vezes usado para justificar as polticas que recomendam a reduo da regulamentao

    do mercado, uma vez que a concorrncia no mercado seria suficiente para equilibrar o

    mesmo. No entanto, Adam Smith formulou o seu argumento tendo em mente um

    mercado relativamente descentralizado onde no haveria muita diferena entre a

    competitividade dos diversos agentes econmicos, tendo cada empresa uma parte

    relativamente pequena deste mesmo mercado. Neste contexto, o comrcio livre poderia

    vir a ser uma melhor opo do que a adopo das polticas mercantilistas que Smith

    criticou.

    preciso notar que os argumentos de Smith baseavam-se no pressuposto de uma

    economia de, diramos hoje, pequenas e mdias empresas, onde o poder de mercado de

    cada empresa individual era relativamente reduzido. O mercado defendido por Smith

    era um mercado descentralizado, em que os vrios agentes tinham um poder

    competitivo semelhante que auto-regulava o interesse prprio de todos. Smith explicou

    as virtudes do mercado e do comrcio internacional, considerando o mercado um

    sistema onde a competio contrabalana o interesse prprio, sendo pois um processo

    auto-regulado (e suportado por disposies ticas e normas morais), que gera benefcios

    face diviso do trabalho que permite. Para Smith, um pas deve se especializar naproduo do bem em que tem maior produtividade absoluta e logo menores custos

    absolutos, beneficiando para tal da diviso internacional do trabalho.

    Isto no significa que para Adam Smith o interesse prprio no seja uma fora

    importante. de facto juntamente com a competio, umas das duas foras

    fundamentais da Economia, pois o interesse prprio impulsiona a aco e regulado

    pela competitividade. Mas no actua fora de um contexto social e institucional. Na

    concepo liberal dos autores clssicos, a liberdade humana pressupe uma estruturasocial e institucional que regula a aco humana, e em que se garante que nenhum grupo

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    tem o poder para fazer os seus interesses prevalecer sempre sobre os interesses de

    outros.

    Dentro deste contexto de competio e equilbrio de poder de mercado, no

    mercado forma-se um preo de mercado, que gravita em torno do preo natural, que o

    preo para o qual o preo de mercado deve tender se o mercado estiver em equilbrio.

    Este preo natural vai tender para o custo de produo, que se mede com base nas

    unidades de valor-trabalho. Smith explica que o ouro mais caro do que a gua porque

    demora mais horas de trabalho a extrair (e no por ser mais escasso e ter uma utilidade

    marginal superior, como defender mais tarde a teoria marginalista neoclssica).

    A Riqueza das Naes apresenta algumas inconsistncias porque contm ainda

    algumas influncias dos pensamentos anteriores, como qualquer obra de grande

    originalidade. Neste sentido, acabam por existir duas verses da teoria do valor-

    trabalho, uma focando o trabalho como incorporado, isto , as horas de trabalho

    necessrias para produzir algo; e outra focando o trabalho comandado, isto , as horas

    de trabalho que poderemos comprar com o bem. Esta ltima verso, de trabalho

    comandado, aquela que Smith adopta mais consistentemente, sendo por isso criticado

    por Ricardo, e defendido por Malthus.

    A concepo de mercado de Smith influenciada por Isaac Newton, e pela sua

    concepo de gravitao em direco a um equilbrio, enquanto a dinmica da

    transformao econmica Smithiana concebe a sociedade como algo em evoluo.

    Neste contexto, em Adam Smith existem duas leis fundamentais que regem a dinmica

    da transformao da economia, como Heilbroner refere, a Lei da Acumulao e a Lei da

    Populao.12 Segundo a Lei da acumulao, a poupana que leva acumulao de

    capital. O aumento de capital leva diviso do trabalho que leva especializao, que

    traz mais produtividade, logo mais produo, uma maior acumulao de poupana, e

    mais capital, continuando o processo num ciclo virtuoso.J segundo a Lei da populao, com maior produo, partida poder-se- pagar

    mais salrios. Com mais salrios, a populao est em melhores condies, h uma

    melhoria do nvel de vida, o que leva ao aumento da populao. Mas se a populao

    cresce, os salrios voltam a diminuir, o que leva diminuio da populao, e diminui o

    nmero de trabalhadores. A diminuio do nmero de trabalhadores leva ao aumento do

    12

    Heilbroner, R., The Wordly Philosophers: The Lives, Times, and Ideas of the GreatEconomic Thinkers, 6th ed., New York, Touchstone, 1986 [1953].

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    salrio e o processo recomea. Os salrios flutuam assim em torno de um determinado

    valor.

    Esta perspectiva da acumulao, populao, e do valor-trabalho, acompanhar os

    autores do pensamento econmico clssico, como Say, Ricardo, Malthus, Mill, e

    mesmo o prprio Marx, que se distinguiro pelas suas interpretaes do pensamento de

    Smith.

    4.OPENSAMENTO ECONMICO CLSSICO II:SAY,RICARDO,MALTHUS E MILL

    4.1.OPENSAMENTO ECONMICO CLSSICO PS-SMITH

    4.1.1. Jean-Baptiste SayO pensamento econmico clssico foi iniciado por Adam Smith, e continuado por

    autores como Jean-Baptiste Say, David Ricardo, Thomas Malthus e John Stuart Mill,

    entre muitos outros. Uma das diferenas fundamentais entre a teoria destes autores e a

    teoria neoclssica que depois se tornou dominante reside na questo do valor. Para os

    clssicos, os preos correspondiam ao custo de produo, num contexto em que esse

    custo era avaliado em termos do trabalho. Adam Smith utilizar diversas vezes a noo

    de trabalho comandado, isto , as horas de trabalho que um bem vendido no mercado

    poderia comprar, como Malthus far consistentemente, enquanto Ricardo usar o

    conceito de trabalho incorporado, isto , horas de trabalho despendidas a produzir algo,

    criticando a noo de trabalho comandado.

    Para os clssicos, da produo resultaro diversos rendimentos, como o salrio,

    renda, juro e lucro (estes dois ltimos no eram distinguidos muitas vezes, separando-se

    cada vez mais com o progresso do capitalismo), sendo que os lucros levaro

    poupana, que por sua vez leva acumulao de capital, e ao crescimento econmico.

    Deste modo, a anlise clssica centrava-se na reproduo e distribuio de um

    excedente produzido pelo trabalho, sendo atravs da reproduo e distribuio desse

    excedente que se d o processo de crescimento e desenvolvimento econmico.

    Todos os clssicos aceitavam esta lgica do processo econmico, que consistia

    na reproduo e distribuio de um excedente produzido pelo trabalho. Jean-Baptiste

    Say comea por ser um divulgador destes princpios da obra de Smith em Frana. Mas

    ao clarificar a obra de Smith, considera que j est a contribuir para o evoluir da teoria.

    Sayd-nos uma definio clara de Economia, na qual a Economia a cincia que estudao modo como se produzem, distribuem e consomem as riquezas. Esta definio, onde

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    Say distingue como trs actividades econmicas fundamentais a produo, distribuio

    e consumo, est muito prxima da definio que ser depois dada por John Stuart Mill.

    Say era contra a matematizao das cincias sociais, e vai tentar clarificar que as

    cincias sociais devem ser estudadas com base na teoria usada por Smith e no atravs

    da matematizao. Segundo esta perspectiva, a matemtica no essencial para as

    cincias sociais. Baseado no pensamento de Smith, Jean-Baptiste Say formulou uma

    ideia que designada correntemente como a lei de Say, segundo a qual a oferta gera a

    sua prpria procura, pois a actividade de produo gera rendimentos (salrios, lucros,

    rendas, juros) que aps distribudos sero utilizados no consumo, gerando procura.

    Atravs da sua anlise da produo, distribuio e consumo, Say conclui que se

    a economia tende para o equilbrio, onde a produo que vai determinar a actividade

    econmica. Esta produo iniciada com o investimento efectuado peloempreendedor,

    conceito que Say vai trazer tambm para a anlise econmica, que ser posteriormente

    desenvolvido por Schumpeter. Enquanto Say refere o empreendedor como o elemento

    dinmico que coordena o investimento, Ricardo, tal como a maioria dos clssicos,

    designar o detentor de capital, e investidor, como capitalista.

    4.1.2. David RicardoA perspectiva de Smith e Say acerca do processo de mercado era optimista quanto

    sustentabilidade do mesmo, processo este suportado pelas disposies ticas e morais

    que permitiam o dilogo e o mercado. David Ricardo, como Smith, defendia que o

    comrcio internacional pode ser vantajoso para as vrias partes envolvidas, desde que

    cada pas se especializasse em reas nas quais teria vantagens competitivas (vantagens

    absolutas, segundo Smith, ou vantagens comparativas, segundo Ricardo). Segundo

    Ricardo, para haver comrcio internacional no necessrio que um pas tenha

    vantagem absoluta na produo de um bem, como para Smith, basta haver vantagens

    comparativas. Como, segundo Ricardo, existem limites mobilidade de capital mesmo

    que um pas tenha vantagens absolutas em todas as indstrias, no poder dedicar-se a

    todas essas indstrias. Esse pas ter ento de se especializar na produo dos bens em

    que tem maior produtividade relativa, e logo menores custos relativos.

    Assim, segundo Ricardo, dever ser sempre possvel a integrao de um pas no

    comrcio internacional, pois mesmo que esse pas no tenha vantagens absolutas na

    produo de nenhum bem, ter sempre vantagens comparativas em alguns deles.

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    preciso notar que autores como Smith, Say e Ricardo no defendem que o comrcio

    internacional levar inevitavelmente existncia de vantagens mtuas no comrcio, mas

    apenas que por permitir criar um excedente (atravs dos ganhos de especializao), o

    comrcio internacional tem o potencial de gerar benefcios mtuos. Claro que a

    materializao desse potencial em ganhos mtuos depende da repartio desse

    excedente, que por sua vez resulta da forma concreta como o comrcio internacional

    conduzido.

    Todavia, nem todos os autores clssicos partilharam a perspectiva optimista de

    Smith acerca da sustentabilidade do crescimento econmico, incluindo o prprio

    Ricardo. Ricardo, como Smith e os clssicos que lhe seguem, vai distinguir trs

    rendimentos, rendas, lucros e salrios, que se repartem por trs classes sociais, os

    rendeiros, capitalistas, e trabalhadores.13 Para Ricardo os lucros entre sectores sero

    iguais dentro de um determinado pas devido competio entre os diferentes sectores

    (o mesmo no se passando entre os pases havendo dificuldade na mobilidade de

    capitais).

    Para alm disto, os preos tendem para o custo de produo, o que criaria a

    tendncia para a inexistncia de lucro. No entanto, na agricultura os bens produzidos

    so usados como matria-prima na sua prpria produo, havendo ento um excedente

    fsico na agricultura, determinado pela produtividade agrcola. Sendo assim, os lucros

    nunca podero descer abaixo deste lucro determinado pelo excedente fsico da

    actividade agrcola, pois a competio entre sectores far com que um lucro mais baixo

    noutro sector redireccione o investimento para a agricultura. Logo, ser a actividade

    agrcola que determinar o lucro da economia.

    Marx adaptar mais tarde este esquema, substituindo no entanto na sua

    adaptao deste esquema a produtividade agrcola pela produtividade laboral, dizendo

    ser o trabalho que produz o excedente e determina o lucro, pois o trabalhador produzmais do que o que recebe. Enquanto Marx considerar o excedente do trabalho, que

    ocorre porque para Marx o trabalho produz mais do que recebe, Ricardo considera o

    excedente da terra, que ocorre porque para Ricardo a terra produz mais do que o que

    recebe.

    13

    Ricardo, D., On the Principles of Political Economy and Taxation, London, John Murray,third edition, 1821[1817]. Com a evoluo do capitalismo, comear-se- a distinguir entre lucroe juro.

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    Ricardo considerava no entanto que devido aos rendimentos decrescentes da

    terra, a actividade agrcola teria uma produtividade cada vez menor medida que a

    produo agrcola aumenta. Isto , a terra tem rendimentos decrescentes, e se

    inicialmente usam-se terras frteis, quando estas acabarem teremos de utilizar as terras

    menos frteis. Isto significa que nas primeiras terras a ser utilizadas obtm-se um

    rendimento superior ao rendimento obtido noutras terras, gerando-se assim uma

    diferena de rendimento, que a renda. Isto , para Ricardo a renda consiste na

    diferena de rendimento decorrente da posse de recursos que no esto ao acesso de

    todos, como por exemplo a maior fertilidade da terra.

    Ricardo, no seu Principles of Political Economy and Taxation, publicado em

    1817 e revisto em 1821, considera esta definio de renda como um dos conceitos mais

    importantes da Economia Poltica, e atribui a sua origem a dois trabalhos independentes

    de 1815, um deles de Thomas Robert Malthus, autor de Cambridge, sendo o outro

    desses trabalhos feito por um autor de Oxford. Este conceito Ricardiano de renda difere

    do de Adam Smith. Enquanto para Adam Smith a renda a remunerao da cedncia da

    terra, para Ricardo a renda da terra decorrer das diferenas de produtividade entre as

    vrias terras, havendo um movimento no sentido de ir usando terras cada vez menos

    frteis, aumentando assim a diferena de produtividade entre as terras, e a renda, que

    resulta deste diferencial de produtividade.

    Isto significa que a actividade agrcola tem rendimentos decrescentes: quanto

    maior a produo agrcola, menor a quantidade adicional (depois da revoluo

    marginalista diria-se marginal) de produto, devido menor fertilidade das novas

    terras. Isto resultaria numa diminuio dos lucros da actividade agrcola. Essa

    diminuio dos lucros redireccionaria o investimento para a actividade industrial (e

    manufactureira), aumentando a concorrncia nessa actividade, e causando uma

    diminuio dos lucros nesta actividade tambm, pois a competio faz os lucros seremiguais em todos os sectores, e todos os sectores acompanham o decrscimo de lucro da

    agricultura, que como vimos determina o excedente da actividade econmica. Este

    processo continua, at que o crescimento econmico estagna em todos os sectores.

    No entanto, no existe um grau de competio to acentuado entre os

    proprietrios da terra, pois esta j est repartida. medida que a produo da terra

    aumenta, os lucros diminuem face menor fertilidade das novas terras, mas as rendas

    sobem face aos lucros, devido ao maior diferencial de produtividade das terras, que para

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    Ricardo a fonte das rendas. Este processo aumenta os custos dos agricultores que

    arrendam a terra, que so obrigados a subir o preo dos bens alimentares.

    Quanto maior o preo dos bens agrcolas, maior o salrio de subsistncia, maior

    o custo de vida, e menor o lucro. Os lucros so esmagados pelas rendas, pelo aumento

    doa salrioa, e porque existe competio num contexto de produtividade decrescente.

    Os lucros vo desaparecer, e restaro salrios e rendas. Sem lucro, no existe poupana,

    no existe investimento, e o processo de crescimento econmico chega a um fim, pois

    sem lucros, no se gera poupana para a acumulao de capital, e o crescimento

    econmico acabar por estagnar. Neste sentido, segundo Ricardo, existe um limite para

    o crescimento econmico, no sendo pois um processo sustentvel no longo prazo.

    A metodologia de Ricardo uma metodologia dedutiva que postula uma srie de

    hipteses e deduz com base nessas hipteses a estagnao do processo de crescimento.

    Ricardo no utilizou uma metodologia matemtica, mas o seu mtodo dedutivo

    facilmente adaptvel a tal metodologia. Alfred Marshall, todavia, argumentar que foi o

    desleixo de Ricardo na escrita dos seus textos que levou percepo errada de que a sua

    teoria e pensamento so mais generalistas e dedutivistas do que na realidade eram.

    4.1.3. Thomas Robert MalthusNo seu livro Principles of Political Economy, publicado em 1820, Thomas Robert

    Malthus criticar o uso excessivo de generalizaes na Economia Poltica, que

    considera uma rea mais prxima das cincias morais e polticas do que da

    matemtica.14 Malthus escrever grande parte desta obra em contraponto obra de

    Ricardo, como o prprio Malthus refere.

    Como Ricardo, Malthus considerava igualmente que o crescimento econmico

    no seria sustentvel no longo prazo. Como, segundo Malthus, o crescimento

    populacional superior taxa de crescimento do produto total, o crescimentoper capita

    tender a decrescer. Enquanto a produo de alimentos cresce a uma progresso

    aritmtica, a populao cresce a uma progresso geomtrica. Vai haver sempre mais

    populao do que produo de alimentos para a alimentar. Os salrios vo ento tender

    para o nvel de subsistncia, e a sociedade tendar para uma situao de pobreza e fome.

    Os salrios no podero ser inferiores ao nvel de subsistncia porque a o

    aumento da taxa de mortalidade diminuiria o crescimento populacional e levaria de

    14Malthus, T.R.,Principles of Political Economy, London, John Murray, 1820.

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    novo os salrios para o nvel de subsistncia. Mas tambm no podero ser superiores

    ao nvel de subsistncia, pois a o aumento da populao consequente desse aumento

    dos salrios levaria a uma maior competio entre um maior nmero de trabalhadores, e

    a um retorno dos salrios ao nvel de subsistncia.

    Malthus no aceitava a Lei de Say. Malthus explica que segundo a lei da

    acumulao de Smith, a poupana leva acumulao de capital, logo ao investimento,

    ao aumento da produo, e ao aumento do lucro. Mas os lucros no so usados no

    consumo, como os salrios, mas sim para nova acumulao de capital, o que leva a mais

    produo. Entretanto, como os salrios se mantm no nvel de subsistncia, devido

    presso populacional, no existe procura suficiente para comprar toda a produo

    existente, o que leva a uma crise de sobreproduo. Como Keynes dir mais tarde,

    inspirado por Malthus como o prprio reconhece, a propenso a consumir de quem

    recebe salrios superior propenso a consumir de quem recebe lucros, e portanto os

    salrios so essenciais para o consumo, logo o nvel baixo dos salrios (que se mantm

    no nvel de subsistncia) causa uma diminuio da procura face oferta, levando a

    crises de sobre-produo ou de sub-consumo.

    Para Malthus no vivel resolver esta questo transferindo rendimentos para

    quem recebe salrios. Essa transferncia aumentaria o salrio no curto prazo. Mas esse

    aumento do salrio leva a uma melhoria do nvel de vida, o que leva ao aumento da

    populao. Este aumento da populao, por sua vez, traz um aumento do nmero de

    trabalhadores, e a competio entre estes trabalhadores leva a que o salrio volte para o

    nvel de subsistncia. Por outro lado, tambm no vivel aumentar os lucros, isto , os

    rendimentos dos capitalistas, pois o aumento do lucro leva ao aumento do investimento

    que, por sua vez, leva ao aumento da produo sem um correspondente aumento do

    consumo, pois os lucros do capitalista so utilizados fundamentalmente para investir e

    no para consumir. Isto levar tambm a uma crise de sobreproduo.Para Malthus, a soluo pois transferir rendimentos para quem recebe rendas,

    isto , os proprietrios das terras, pois estes no vo poupar e investir, como os

    capitalistas, e gastaro os seus rendimentos em mais consumo, sem que isso leve a um

    aumento da populao. Ao contrrio de Ricardo, que acusa os proprietrios da terra de

    prejudicarem o interesse nacional, Malthus defender que os interesses dos proprietrios

    de terra sero os mesmos que os interesses da Nao, e podero mesmo ajudar a

    suplantar a falta de procura agregada.

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    Neste sentido, para Malthus a lei de Say no se verifica (a oferta no gera a sua

    prpria procura), e torna-se necessrio criar formas de estimular a procura. Mas no

    longo prazo, o crescimento econmico tende a estagnar devido presso populacional.

    Sendo assim, para alm da interveno dos proprietrios de terra atravs do seu

    consumo, necessrio tambm controlar o crescimento populacional da classe

    trabalhadora. Para Malthus, o problema fundamental para a sustentabilidade decorria do

    facto do crescimento econmico no permitir responder presso demogrfica. Era uma

    inconsistncia entre dois fluxos (medidos respectivamente pela taxa de crescimento

    econmico e pela taxa de crescimento populacional), e no pelo esgotamento de um

    stock de recursos.

    Malthus discordar de Ricardo no apenas devido ao facto de, ao contrrio de

    Ricardo, Malthus apoiar os proprietrios de terras, mas tambm ao nvel da teoria do

    valor, pois enquanto Ricardo considera o trabalho incorporado, Malthus considera o

    trabalho comandado, defendendo que esta a verso da teoria do valor-trabalho mais

    consistente com Adam Smith. Malthus reclamar-se- tambm herdeiro de Smith na sua

    defesa da ideia de que o interesse nacional est em sintonia com o interesse dos

    proprietrios das terras, ideia que estava em Smith, mas que Ricardo tinha rejeitado.

    4.1.4. John Stuart MillJohn Stuart Mill15 foi uma das figuras dominantes do seu tempo. Mill fortemente

    influenciado por Jeremy Bentham e pelo seu pai James Mill, amigos de David Ricardo.

    Na teoria econmica, John Stuart Mill procurar continuar a tradio Ricardiana,

    seguida tambm pelo seu pai, enquanto ao nvel da filosofia moral, Mill procurar

    desenvolver a teoria Utilitarista de Jeremy Betham. O Utilitarismo pode ser definido

    como a teoria tica segundo a qual o valor tico, ou moral, das aces humanas depende

    da utilidade gerada por essas aces para os indivduos da sociedade.

    Kant desvalorizava as consequncias da aco, que no so relevantes para a

    moralidade da mesma, dado que o que interessa a inteno, no as consequncias.

    Enquanto a teoria tica Kantiana uma teoria tica deontolgica, onde apenas interessa

    se a mxima seguida na aco universalizvel ou no, independentemente das

    consequncias dessa aco, o Utilitarismo uma teoria tica consequencialista, isto ,

    onde a aco avaliada em funo das consequncias das aces, e onde essas

    15Mill, J. S.,Principles of Political Economy, London, J. P. Parker, 1848.

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    consequncias so medidas em termos da utilidade subjectiva, por exemplo em termos

    da felicidade que geram. Assim, enquanto a felicidade , como as consequncias,

    irrelevante para a moralidade da aco segundo Kant, j para o Utilitarismo felicidade e

    consequncias so elementos fundamentais para a moralidade da aco, pois a

    moralidade da aco depende precisamente do facto desta ter como consequncia o

    aumento da felicidade, e da utilidade, dos indivduos da sociedade.

    John Stuart Mill tornou-se, como Aristteles e Kant, num dos autores

    fundamentais da filosofia moral, dado que actualmente considera-se que as trs

    principais teorias morais so a tica das virtudes (de inspirao Aristotlica, e

    semelhante teoria moral que Adam Smith viria a defender), a moral Kantiana, e o

    Utilitarismo, iniciado por Jeremy Bentham e John Stuart Mill.

    No entanto, John Stuart Mill acabar por atribuir um papel muito importante aos

    sentimentos morais, e por considerar que a felicidade humana depende de aspectos

    muito diferentes que no so redutveis a uma unidade mensurvel, como Bentham

    argumentava. Sendo assim, o Utilitarismo de Mill ter muitas semelhanas com a teoria

    tica Aristotlica e de Adam Smith, ao contrrio da teoria tica de Jeremy Bentham da

    qual partiu. A existncia de uma pluralidade de sentimentos morais ser importante

    tambm para a teoria econmica de Mill, que argumentar, tal como Smith, que a aco

    humana no pode ser resumida a uma procura egosta do interesse prprio, ao contrrio

    do modo como os clssicos desde Smith, incluindo o prprio Mill, foram sendo

    interpretados.

    Ao nvel da teoria econmica, Mill definia a produo, distribuio e troca como

    as actividades fundamentais a estudar na Economia, que era a cincia que estuda as

    causas da riqueza, como vimos. Mill defendia que a produo depende essencialmente

    da tecnologia, enquanto a distribuio depende das instituies sociais. Deste modo, no

    a produtividade que determina a distribuio do rendimento em Mill, mas asinstituies sociais. Apenas o crescimento econmico depende essencialmente da

    tecnologia. Mill explica ento que como actualmente (actualmente para Mill

    significava meados do sc. XIX, aquando da publicao dos seusPrinciples of Political

    Economy em 1848) a tecnologia j permite produzir em quantidades suficientes, a

    questo fundamental a resolver no futuro no seria o problema do crescimento

    econmico, mas sim a criao de arranjos institucionais que permitam uma melhor

    distribuio do rendimento.

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    Mill distingue entre vrios sistemas institucionais, como o sistema de

    propriedade privada, o socialismo (em que os meios de produo so propriedade

    colectiva) e o comunismo (em que os meios de produo so igualmente propriedade

    colectiva, mas o rendimento distribudo de forma igualitria, sendo que segundo

    Marx, seria de acordo com as necessidades de cada um).

    Mill defende que, dada a situao actual da sociedade (referindo-se a meados do

    sc. XIX), o comunismo no ser vivel (embora no coloque de parte a possibilidade

    de vir a ser vivel no futuro), mas que possvel melhorar a distribuio de rendimento,

    por exemplo pela criao de cooperativas em substituio das empresas de propriedade

    individual. Surgiram diversas cooperativas na Gr-Bretanha no tempo de Mill. Mill

    discute uma dessas cooperativas, Rochdale, que era um smbolo do movimento

    cooperativo. Mill argumenta que a vantagem relativa da cooperativa trazida pela

    motivao que advm da actividade participativa e partilha de resultados. A vantagem

    relativa da propriedade privada, por outro lado, a capacidade de decidir e impor

    autoridade com grande rapidez e flexibilidade.

    Mas mesmo as cooperativas, segundo Mill, teriam de ser competitivas no

    mercado para sobreviver, surgindo espontaneamente. Mill explica que cooperativas

    como Rochdale comearam a tornar-se menos competitivas quando, durante os seu

    crescimento, comearam a admitir membros sem os mesmos direitos dos membros mais

    antigos da cooperativa. Isto reduziu a motivao dos novos membros, fazendo a

    cooperativa perder a vantagem relativa motivacional que advinha da actividade

    participativa e partilha de resultados. Neste sentido, a cooperativa em causa ficou sem a

    vantagem competitiva natural s cooperativas, e como no possuia tambm a vantagem

    competitiva da propriedade privada, que resulta da capacidade de decidir e impor

    autoridade com grande rapidez e flexibilidade, acabou por entrar em declnio face

    reduo da sua competitivdade. Este caso concreto ajuda a perceber o grandedinamismo do movimento cooperativo observado por Mill no sculo XIX, e o seu

    subsequente declnio face propriedade privada.

    Segundo Mill, o sistema de propriedade privada traz problemas devido

    distribuio desigual de rendimento que impe, e ao abuso dos direitos de propriedade,

    mas a sociedade no est preparada para uma mudana radical do sistema. Mill defende,

    como Smith, a propriedade privada nos contextos em que temos um mercado

    descentralizado, mas defende a nacionalizao nos casos em que existe naturalmenteuma tendncia para a concentrao, como nos casos em que h um monoplio natural.

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    De facto, Mill notou tambm a possibilidade de existncia de monoplios naturais, onde

    a natureza da actividade econmica do sector leva concentrao, e o grau de

    concorrncia tende a tornar-se insignificante. O pensamento de Mill mostra claramente

    como as diferenas entre os clssicos residem mais nas suas crenas quanto tendncia

    do capitalismo e do mercado para gerar concentrao, e como em contextos diferentes o

    mesmo autor clssico pode defender solues institucionais diferentes. Tal no resulta

    de uma inconsistncia terica, dado que a teoria econmica fundamentalmente a

    mesma, mas das diferentes anlises institucionais que os clssicos fazem a partir da sua

    teoria da produo e distribuio do excedente produzido pelo trabalho.

    A questo da distribuio fundamental para Mill, pois um processo de

    crescimento econmico indefinido levaria ao esgotamento dos recursos necessrios a

    esse crescimento. Por conseguinte, para Mill a soluo para as desigualdades existentes

    na sociedade e na economia no reside em mais crescimento econmico, mas na criao

    de arranjos institucionais que permitam uma melhor distribuio do rendimento gerado

    pela economia.

    De facto, a questo do esgotamento dos recursos naturais est presente nos

    autores clssicos de Ricardo e Malthus a Mill. A causa dos rendimentos decrescentes

    apontados por Ricardo relaciona-se com a produtividade decrescente de um recurso

    natural, a terra, enquanto Malthus explica como o crescimento populacional trar

    presso sobre os recursos naturais, e John Stuart Mill refere tambm explicitamente o

    perigo do esgotamento dos recursos naturais. Deste modo, Ricardo, Malthus e Mill

    traro uma viso pessimista do desenvolvimento e crescimento econmico, que

    contrasta com a viso optimista de Smith.

    Podemos pois verificar que autores que se seguiram a Adam Smith no sc. XIX,

    como Ricardo, Malthus e Mill, consideravam que um processo de crescimento

    econmico ilimitado no era sustentvel, e apontaram contradies entre as esferaseconmica, social e ecolgica, ou mesmo dentro da prpria esfera econmica, como a

    causa para a insustentabilidade do processo de desenvolvimento. Para alm disso, todos

    estes economistas clssicos, procuravam analisar temas como a tica, a poltica, e a

    sustentabilidade de um modo integrado. Podemos dividir os economistas clssicos de

    Smith a Mill entre os economistas mais optimistas, como Smith e Say, e os mais

    pessimistas que se seguiram a Smith, como Ricardo, Malthus e Mill.

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    5.KARL MARX

    5.1OCONTEXTO DO IDEALISMO ALEMO

    Se o idealismo alemo rejeita a matria em favor do mundo inteligvel, j Marxdefender precisamente uma concepo materialista. O materialismo de Marx leva este

    autor ao estudo da economia, e de como a poltica e a ideologia emergem da economia.

    No seu estudo da economia, Marx ser fortemente influenciado pelo pensamento

    econmico clssico e autores como Smith e Ricardo, cujo pensamento tenta

    compatibilizar com as suas ideias socialistas, e com o pensamento filosfico de Georg

    Wilhelm Friedrich Hegel. Este pensamento Hegeliano era extraordinariamente influente

    na Alemanha, onde Marx fez o seu doutoramento. Para compreender melhor a posiode Marx, pois importante perceber o contexto do idealismo alemo, que parte de Kant,

    e prossegue com autores como Fichte, Schelling e Hegel, pelo que este tpico ser agora

    abordado.

    5.2.OMATERIALISMO DIALCTICO

    Marx argumentava que todo o ser humano tem uma essncia, caracterizada por uma

    dada estrutura humana, e critica no s o idealismo por rejeitar a dimenso material do

    ser humano, como o utilitarismo de Jeremy Bentham por no distinguir entre diferentes

    tipos de necessidades humanas, e utilizar uma mtrica homognea. Para Marx, podem

    existir contradies entre a estrutura e a essncia do ser humano e o meio econmico em

    que est inserido, ou contradies dentro do prprio sistema econmico, como veremos.

    Marx vai se inspirar no s em Hegel, e na inverso do pensamento de Hegel

    preconizada por Feuerbach que vimos na seco anterior, mas tambm no socialismo

    francs, e no pensamento econmico clssico Britnico, especialmente em David

    Ricardo. O seu trabalho muitas vezes interpretado como uma aplicao do sistemadialctico (inspirando-se em Hegel) economia (inspirando-se em David Ricardo), com

    vista explicao cientfica do socialismo.

    Marx define as seguintes foras de produo: trabalho, matrias -rimas, e

    ferramentas (tecnologia). Esta diviso semelhante dos autores clssicos em que

    Marx se baseia. Marx utiliza uma terminologia diferente dos clssicos e separa o

    trabalho dos outros factores produtivos: terra e capital. Marx explica que as foras de

    produo esto organizadas de acordo com a tecnologia, e esta tecnologia leva adeterminadas relaes de produo, relaes sociais que surgem entre as pessoas em

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    funo das posies que estas ocupam na economia (por exemplo, donos de fbrica e

    operrios). Logo, para Marx, a economia e a socieadade emerge do modo de produo,

    constitudo pelas foras de produo e relaes de produo (ao conjunto das relaes

    de produo e das foras de produo, Marx chama portanto de modo de produo). A

    partir do modo de produo, surge uma superstrutura (politica, ideologia, religio).

    Marx admite a eficcia causal das ideias, hbitos de pensamento, e da ideologia

    em geral, reconhecendo no entanto que estas emergiram a partir da actividade prtica

    humana. Podemos dizer que, segundo Marx, a economia, ou o modo de produo, e

    incluindo portanto as foras de produo e as relaes de produo, so a base material

    da qual emerge a superestrutura, mas a superestrutura, incluindo os aspectos polticos e

    ideolgicos, pode ter um efeito causal sobre a base da qual emergiu, num processo

    recproco de interaco contnua.

    A base determinante em ltima instncia na medida em que a superestrutura

    emergiu a partir da base, independentemente de qualquer eventual influncia causal que

    a superestrutura emergente possa ter posteriormente sobre a base. Usando a

    terminologia empregue anteriormente ao descrever a concepo de emergncia do

    realismo crtico, podemos dizer que a base determinaria completamente a superstrutura

    apenas se esta fosse superveniente, e no emergente, face base. Formaes ideolgicas

    emergentes podem ter um efeito causal sobre a base da qual elas surgiram, e de resto,

    so fundamentais para a reproduo das estruturas sociais, incluindo a economia e a

    cultura, como Louis Althusser explica.16

    Se as ideias so emergentes, e no supervenientes, face actividade econmica e

    prtica, a sua eficcia causal sobre a actividade econmica e prtica no pode ser

    negada a priori. A noo de emergncia em particular, mostra como o papel causal das

    ideias compatvel com os argumentos de Marx sobre o papel da vida prtica na criao

    das ideias, mas leva a uma compreenso no-reducionista da relao entre a economia ea restante realidade social. A estrutura social (incluindo a ideologia) que emerge a partir

    da aco humana pressuposta por esta mesma aco humana, estrutura esta

    permanentemente reproduzida e transformada pela aco humana. Deste modo, a

    estrutura social, enquanto ontologicamente distinta, no redutvel aco humana

    (como no individualismo atomista), nem a aco humana totalmente determinada pela

    estrutura social, dado que a ltima apenas um recurso usado na livre aco humana.

    16Althusser, L.,For Marx, London, Verso, 2005[1965].

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    Estas estruturas (econmicas, sociais e tecnolgicas) levam existncia de uma srie de

    aces potenciais que so permitidas pelas mesmas, e restringem outras aces. Sendo

    assim, formam os contornos da liberdade humana. Assim, a liberdade humana existe,

    mas depende das (sem ser completamente determinada pelas) estruturas econmicas,

    tecnolgicas e sociais (incluindo as normas ticas e culturais).

    5.3.OMATERIALISMO HISTRICO

    Marx considerava que as contradies existentes e descritas neste esquema do

    materialismo dialctico levariam transformao da economia e da sociedade. A

    economia e sociedade evoluiriam passando pelas seguintes fases: comunismo primitivo,

    onde existe a partilha de bens e terras comuns numa economia de subsistncia;esclavagismo, que um sistema no qual os prprios trabalhadores (e no a terra, como

    no feudalismo, ou o capital, como no capitalismo) so propriedade dos seus donos;

    feudalismo, que o sistema onde os trabalhadores esto vinculados terra e no ao

    proprietrio, e a terra que por sua vez pertence ao proprietrio; capitalismo, o sistema

    no qual os trabalhadores no so donos do capital (ferramentas, materiais) que utilizam,

    e vendem o seu trabalho, ou melhor, o seu poder de trabalho, aos donos do capital;

    socialismo, o regime no qual os meios de produo so colectivizados; e o comunismo,que o regime no qual os meios de produo so colectivos e cada um produz de

    acordo com as suas possibilidades, mas a distribuio feita de acordo com as

    necessidades de cada um.

    Marx diz que a histria ocorre devido a contradies que vo gerar tenses e que

    por sua vez originam a transformao. O modo de produo o motor da histria, pois

    vai ser neste que residem as contradies que fazem com que a histria avance. Para

    Marx existem contradies dentro da economia, e entre a economia e o resto da

    sociedade, como vimos. Estas contradies vo destruir cada sistema e assim h

    evoluo do esclavagismo para o comunismo.

    Numa fase de comunismo primitivo, comeam a existir excedentes da

    agricultura aps a revoluo agrria na transio do paleoltico para o neoltico. Ento

    existem incentivos para tentar adquirir esse excedente ou os meios de produo desse

    excedente, e desenvolve-se a noo de posse que, segundo Marx, acabar por dar lugar

    mais tarde noo de propriedade. Surge uma contradio entre a coexistncia pacfica

    do comunismo primitivo e a existncia de posses na famlia e tribo. Com o

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    aparecimento da posse, e de ferramentas, passam a existir motivos (e meios) para o

    conflito. As relaes de produo pacfica passam a entrar em conflito com as foras de

    produo. Ento passamos a ter as relaes de produo do esclavagismo.

    No esclavagismo, existe uma contradio entre a posio de escravo e a

    tendncia humana para a liberdade. Com o avanar do modo de produo medieval,

    passamos do esclavagismo para o feudalismo. Com o feudalismo, os trabalhadores, isto

    , os servos, passam a estar vinculados terra, em vez de ser posse de algum. Como os

    servos esto vinculados terra, no se podem desligar dela. A produo nestas relaes

    de autoridade gera conflitos pelo poder entre os nobres e os reis. Os reis procuram

    diminuir o poder econmico dos senhores feudais, incentivando a transferncia da

    actividade econmica para as cidades, como Adam Smith tinha j explicado.

    Com isto, comea a existir mercado e trocas de excedente. Mas para o mercado

    funcionar no podem existir as restries feudais relacionadas com a terra, trabalho e

    capital. medida que se desenvolve o mercado, destroem-se estas relaes feudais.Com

    a evoluo do sistema de mercado, vo surgir contradies entre as foras de produo e

    as relaes de produo: os trabalhadores esto ligados terra mas haver o incentivo

    para ir para as cidades para trabalhar no comrcio regido por guildas, e mais tarde nas

    fbricas. Surgem tenses entre o campo e a cidade, das quais emerge a burguesia

    citadina em oposio aristocracia feudal, processo que leva ao capitalismo.

    Para haver capitalistas, Marx explica, tem haver a acumulao primitiva, que

    para Marx foi um roubo. Marx escreve que no regime feudal, muitas terras eram ainda

    comuns. Como Marx explica, grande parte dessas terras era propriedade da Igreja e das

    ordens religiosas, que permitia que a populao utilizasse essas terras. Mas a certa altura

    vai haver um processo de expropriao dessas terras comuns, e das terras da Igreja, por

    parte do poder poltico, acabando essas terras por passar posteriormente para a posse

    dos capitalistas. com este processo de expropriao que se inicia o capitalismo, que

    caracterizado por Marx como um processo de expropriao, iniciado com esta

    acumulao primitiva, onde terras que eram comuns passaram a ser usadas apenas por

    alguns. Esta acumulao primitiva pois um roubo segundo Marx, onde os camponeses

    ficaro sem meios de subsistncia, o que os leva a trabalhar para outros, surgindo assim

    o capitalismo. Para Marx o capitalismo surge porque, e onde, houve expropriao das

    terras, pois para Marx o capitalismo consiste num movimento de expropriao, que leva

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    as populaes a deixarem de ter meios de subsistncia autnoma, e a ter de entrar no

    sistema capitalista, indo trabalhar para os capitalistas.

    No capitalismo vamos ter um sistema econmico muito complexo, cuja

    compreenso obriga a um conhecimento mais profundo da economia, agora mais

    complexa. Para compreend-lo, Marx ir buscar apoio no pensamento econmico

    clssico, como veremos agora, explicando como o capitalismo tender para a sua

    destruio.

    5.4.ATENDNCIA DO CAPITALISMO PARA SE AUTO-DESTRUIR

    Marx adopta a teoria do valor-trabalho, que tinha j sido adoptada pelos autores do

    pensamento econmico clssico. Logo, para Marx, quando se vende um produto, ovalor do produto vem do trabalho. Quando o produto depois trocado no mercado, ser

    comprado e vendido pelo seu valor de troca, que tende para o custo de produo, que

    depende do trabalho. Enquanto Smith e Malthus argumentam que a medida deste valor

    o trabalho comandado, Ricardo dir que a medida deste valor o trabalho

    incorporado. Marx resolver esta questo dizendo que a medida deste valor o trabalho

    necessrio para produzir o bem, que pois a medida do seu valor no mercado.

    Mas o valor do que se paga ao trabalhador menor do que o valor do produto,ficando o capitalista com o excedente, que a diferena entre o valor pelo qual se vende

    o produto, e o valor que o trabalhador recebe. Assim, para Marx, o trabalho a nica

    mercadoria que produz um valor superior quele pelo qual foi paga. Isto porque

    enquanto as restantes mercadorias so vendidas de acordo com o seu valor em termos de

    trabalho (necessrio para a sua produo), o trabalhador no vende o seu trabalho, mas o

    seu poder de trabalho, pago ao preo de mercado conforme a competio entre

    trabalhadores no mercado. Mas vendido o poder de trabalho, que acaba por ser uma

    venda do prprio trabalhador pelo salrio que lhe pagarem, este trabalhador, ou o seu

    poder de trabalho, pode ser usado para produzir um valor acima do trabalho pago (isto

    , acima do salrio). O trabalhador portanto a nica mercadoria que acrescenta valor

    ao produto, pois as restantes mercadorias so vendidas por um dado valor dado.

    Enquanto as restantes mercadorias usadas na produo possuem um valor que

    simplesmente transferido para o valor final do produto, o trabalhador acrescenta valor

    ao produto, valor esse superior ao valor do salrio que recebe, sendo portanto a fonte do

    excendente e do lucro.

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    Tal como em Ricardo a terra produz mais do que recebe, gerando um excedente,

    em Marx o trabalhador que produz mais do que recebe, gerando o excedente, pois a

    terra e o capital nada produzem sem a aco do trabalhador. Marx no s adapta o

    esquema Ricardiano desta forma, como aceita que a taxa de lucro tender a ser igual em

    todos os sectores devido competio, como Ricardo, e aceitar tambm a teoria

    Ricardiana da renda, onde a renda resulta do diferencial de produtividade resultante do

    acesso a recursos que no esto ao alcance de todos. Marx, seguindo Ricardo, aponta

    especificamente os recursos naturais ou a localizao geogrfica como factores

    importantes para a determinao da renda que o territrio permite, na medida em que

    vantagens nesses factores permitiro um menor custo de produo, que ser apropriado

    pelo detentor do territrio sob a forma de renda. O excedente produzido pelo trabalho

    pois dividido em lucros, juros, salrios e rendas, sendo o juro o montante pago pelo

    financiamento.

    Segundo Marx, o capital detido por um pequeno nmero de indivduos, que

    retirando o excedente criado pelo trabalho, sob a forma de lucro, deixam apenas a parte

    remanescente do valor de um produto para ser paga sob a forma de salrio ao

    trabalhador, pagando tambm juro pelo capital emprestado, e renda pelo uso de recursos

    que no esto ao alcance de todos, como a terra. Deduzidos estes rendimentos (renda,

    juro e salrio) resta a parte do excedente que constitui o lucro.

    Para Marx, a taxa de lucro a razo entre esse excedente produzido pelo

    trabalho, e a soma do capital constante (as mquinas por exemplo), e capital varivel,

    que o trabalho. A razo entre o capital constante e o capital varivel o grau de

    mecanizao. No processo capitalista existe uma tendncia geral para o aumento do

    grau de mecanizao. O aumento do grau de mecanizao leva existncia de menos

    trabalho para ser explorado. Sendo o trabalho a fonte do excedente e do lucro, estes

    descero. Logo, existe uma tendncia decrescente da taxa de lucro, como dizia DavidRicardo, mas em Marx tal acontece por razes diferentes. A diminuio da taxa de lucro

    leva a menos poupana. Se h menos poupana, haver menos acumulao de capital

    constante.

    A tendncia decrescente da taxa de lucro no se manifesta permanentemente,

    pois surgem diversas contratendncias tendncia decrescente da taxa de lucro. Uma

    delas que com a mecanizao, o capital fica mais barato, e a mesma poupana (ou

    mesmo uma menor poupana) permite investir mais. Outra contratendncia que com osurgimento de eventuais inovaes, precisa-se cada vez menos de capital, dado que o

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    mesmo capital pode servir para aumentar a produtividade do trabalho. Alm disso, o

    aumento do grau de explorao do trabalho, que a razo entre o excedente extrado do

    trabalho, e o valor pago ao trabalho, ajudaro a contrariar a tendncia decrescente da

    taxa de lucro. Para Marx, estas contratendncias podem fazer com que a taxa de lucro

    no decresa, e at aumente, mas s durante algum tempo. Porm, no longo prazo a

    tendncia decrescente da taxa de lucro vai-se manifestar, pois as inovaes vo acabar

    por no ser suficientes.

    Marx argumentou que a reduo da taxa de lucro leva a uma concentrao do

    capital em empresas de maior dimenso, com um maior poder de mercado, e que estas

    empresas sobrevivem precisamente devido ao seu maior poder de mercado. Isto porque

    apenas empresas com dimenso e poder de mercado suficientemente elevadas sero

    suficientemente competitivas numa fase avanada do capitalismo, ea maior quantidade

    vendida compensa os menores lucros por unidade vendida. Alm disso, a concorrncia,

    e a necessidade de aumentar a taxa de lucro, leva as empresas a procurar recursos menos

    onerosos em pases estrangeiros, e a expandir-se para mercados estrangeiros,

    expandindo tambm o prprio mercado para vrias esferas da aco humana, como

    Marx refere, algo que obriga obteno de uma certa dimenso.

    Mas o capitalista depende dos trabalhadores no s para o funcionamento da

    unidade produtiva, mas tambm para o consumo dos produtos produzidos. Marx aceita

    a teoria dos clssicos segundo a qual os salrios tendem a estar no nvel de subsistncia,

    logo os trabalhadores no tm rendimento suficiente para comprar a produo, e no

    existe procura suficiente para a oferta existente. O facto do salrio no incluir o

    pagamento do excedente reduz o rendimento dos trabalhadores, que desse modo tero as

    suas possibilidades de consumo limitadas, levar a crises de sub-consumo e sobre-

    produo. A nica sada que os capitalistas encontram para este problema a procura de

    novos mercados internacionais para escoar a produo. Esta concorrncia internacionalcontribui ainda mais para a concentrao das empresas, para evitar a tendncia

    decrescente dos lucros e a mecanizao. Isto leva ao aparecimento de empresas de

    grande dimenso e tambm diminui o nmero de capitalistas, aumentando a

    concentrao do capital nas mos de alguns poucos capitalistas.

    Para alm disso, a concentrao do capital leva concentrao da riqueza,

    reduzindo as possibilidades de consumo da populao. Dado que o crdito permite uma

    maior dimenso, trazendo pois vantagem s empresas que a este recorrerem, para almde permitir financiar o consumo que garante a procura agregada, as instituies

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    financeiras tero um papel determinante nesta fase do capitalismo, no s no

    financiamento do investimento (retirando uma parte do excedente ao lucro sob a forma

    de juro), como no financiamento do consumo.Sendo assim, o juro ser um rendimento

    cada vez mais importante, o que juntamente com a tendncia decrescente da taxa de

    lucro, levar a uma situao em que na economia havero apenas trs rendimentos

    fundamentais: o salrio, que estar ao nvel necessrio subsistncia do trabalhador, a

    renda, que resulta da explorao de recursos que no esto ao alcance de todos, e o juro,

    que o rendimento obtido pela cedncia do capital, e que gradualmente vai substituindo

    o lucro, que tende a desaparecer. Nesta fase, ter-se- passado do capitalismo industrial

    para o capitalismo financeiro.

    A inovao tecnolgica foi identificada por Marx como um atenuante agindo

    contra a tendncia da queda da taxa de lucro. Mas ao fornecer melhor condies

    tecnolgicas de transporte e comunicao, a inovao tecnolgica facilita novamente o

    surgimento de empresas de maior dimenso, que se tornam os principais actores de uma

    economia mundial onde cada um enfrenta um grau muito menor de concorrncia do que

    as pequenas empresas do capitalismo comercial a que Smith se referia. Sendo assim,

    agora preciso ter em conta a alterao das condies de concorrncia pressupostas por

    Smith na sua defesa do mercado livre.

    Para alm disso, a mecanizao do processo produtivo torna este mais intensivo

    em capital, e cada vez menos intensivo em trabalho. Como o lucro resulta da explorao

    do excedente gerado pelo trabalho, o facto do processo produtivo ser cada vez menos

    intensivo em trabalho faz com que se reforce ainda mais a tendncia de longo prazo

    para a diminuio da taxa de lucro. Logo os capitalistas tero de recorrer cada vez mais

    aos trabalhadores de pases onde os salrios sejam inferiores (e as matrias primas

    menos onerosas) para contrabalanar esta tendncia para o decrscimo da taxa de lucro.

    Deste modo, o processo de desenvolvimento do comrcio internacional torna-seum processo de imperialismo econmico, onde os pases capitalistas sero obrigados a

    colocar outros pases numa relao de dependncia para garantir o escoamento dos seus

    produtos, e salrios reduzidos (bem como matrias primas menos onerosas). Para tal,

    estabelecem-se relaes de poder entre um centro (constitudo pelos pases capitalistas)

    e a periferia (constituda pelos pases em vias de desenvolvimento). Para manter essas

    relaes de poder, os pases capitalistas recorrem s elites locais dos pases em vias de

    desenvolvimento (incluindo empresrios, militares, ou polticos, por exemplo) que so

  • 7/23/2019 Martins Historia Do Pensamento Economico

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    recompensados por garantir a manuteno da ordem capitalista mundial, algo que

    conseguem atravs de polticas favorveis ao sistema capitalista.17

    Haver crises cclicas neste processo. De facto, segundo Marx o aumento da

    produo e da existncia de bens alimentares levar ciclicamente ao aumento dos

    salrios, levando ao aumento da procura, e ao novo aumento da produo. Mas chega-se

    a um ponto em que o aumento dos