historia do pensamento econômico-adilson-marques

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  • www.saraivauni.com.br

    Roberson de Oliveira Adilson Marques Gennari

    H i s t r i a d o pensamento econmico

    pensamento economico.indb I 15.09.08 17:03:04

  • pensamento economico.indb II 15.09.08 17:03:05

  • H i s t r i a d o pensamento econmico

    Roberson de Oliveira Adilson Marques Gennari

    pensamento economico.indb III 15.09.08 17:03:05

  • ISBN 978-85-02-07239-8

    CIP-BRASIL CATALOGAO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Gennari, Adilson Marques, Histria do pensamento econmico / Adilson Marques Gennari e Roberson de Oliveira. - So Paulo : Saraiva, 2009.

    Inclui bibliografi aISBN 978-85-02-07239-8

    1. Economia - Histria. I. Oliveira, Roberson de. II. Ttulo. 08-3202. CDD: 330.09

    CDU: 330(091)

    Copyright Adilson Marques Gennari e Roberson de Oliveira2009 Editora SaraivaTodos os direitos reservados.

    Diretora editorial: Flvia Helena Dante Alves BravinGerente editorial: Marcio CoelhoEditores: Rita de Cssia da Silva Ana Maria da Silva Produo editorial: Viviane Rodrigues Nepomuceno Juliana Nogueira LuizSuporte editorial: Rosana Peroni FazolariProduo: Mir EditorialArte e Capa: Diego Guerra

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao da Editora Saraiva.A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

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    pensamento economico.indb IV 15.09.08 17:03:05

  • Dedico este trabalho para Ana Carolinae nossa lhinha Amarlis como remisso

    ao carinho roubado.Adilson

    Para Fernanda Mara, que me acompanhou e compartilhou as di culdades de mais um desa o.

    Com amor.Roberson

    pensamento economico.indb V 15.09.08 17:03:06

  • pensamento economico.indb II 15.09.08 17:03:05

  • Agradecemos...

    ...aos funcionrios da biblioteca da Faculdade de Cincias e Letras da Unesp (Campus de Araraquara), pelo apoio na pesquisa.

    A Ana e a Viviane, pela pacincia e ateno na fase nal de produo.Ao Eduardo, pelo convite que resultou na materializao deste livro.Uma lembrana especial ao mestre e amigo em comum dos autores deste

    livro: o Prof. Dr. Carlos Eduardo Ornelas Berriel, cujo trabalho, por vias indi-retas, tornou esta obra possvel. Trata-se de um dos mais brilhantes intelectuais do nosso tempo, que ensina a pensar sobre a realidade e complexidade da his-tria e do ser social, e no apenas a comparar abstraes.

    pensamento economico.indb VII 15.09.08 17:03:06

  • pensamento economico.indb II 15.09.08 17:03:05

  • Sobre os autores

    Adilson Marques Gennari

    Professor do departamento de Economia da UNESP, Campus de Arara-quara. Mestre em Economia pela PUC-SP e doutor em Cincias Sociais pelo IFCH/Unicamp. Desenvolveu programa de Visiting Research Fellow, na Uni-versity of Sussex, UK. autor de Rquiem ao Capitalismo Nacional, Cultura Acadmica/UNESP, e tambm autor de diversos artigos sobre histria econ-mica brasileira e pensamento econmico.

    Contato com o autor:[email protected]

    Roberson de Oliveira

    Doutorando e mestre em histria econmica pela FFLCH/USP. Autor dos livros didticos As rebelies regenciais e Histria do Brasil, anlise e re exo. Cola-borador do caderno Fovest do jornal Folha de So Paulo. Professor de Histria na Universidade do Grande ABC (2001/2008) e da Escola Mbile (Ensino Mdio).

    Contato com o autor:[email protected]

    pensamento economico.indb IX 15.09.08 17:03:06

  • pensamento economico.indb II 15.09.08 17:03:05

  • Apresentao

    O livro sobre a histria do pensamento econmico que apresentamos ao lei-tor abarca um perodo extenso da tradio cultural do Ocidente. Parte de textos remotos elaborados pelos gregos nos sculos V e IV a.C. e chega ao debate tra-vado entre as principais escolas de pensamento econmico nos dias atuais.

    O carter abrangente do tema e a sua complexidade obrigaram os autores ao triplo desa o de realizar um esforo de sntese que no comprometesse o rigor da anlise e apresentasse o assunto numa linguagem acessvel, evitando os excessos do economs. Se os autores foram bem-sucedidos na empreitada, acreditamos que esta obra pode ser lida tanto pelo pblico especializado quan-to pelo pblico em geral, interessado em um conhecimento mais profundo sobre as relaes entre as condies histricas e as anlises e teorias sobre o que denominamos hoje de vida econmica.

    O livro est dividido em trs partes e, na medida do possvel, as escolas so apresentadas em ordem cronolgica.

    A primeira parte composta de uma introduo e trs captulos. O exame das anlises econmicas inicia-se na Antiguidade Ocidental (Grcia e Roma) e se estende at os pensadores mercantilistas tardios. A abordagem desse pe-rodo procurou ressaltar que as anlises econmicas dos gregos antigos at os mercantilistas sempre estiveram subordinadas a imperativos extra-econmicos de diversas ordens (tais como moral, tica, justia, religio, poltica), os quais eram assumidos claramente como os mais relevantes.

    A segunda parte a mais extensa. composta de 18 captulos que tratam das principais escolas do pensamento econmico, desde a Escola Clssica, em ns do sculo XVIII, at a Neoliberal, dominante no nal do sculo XX. No decorrer desses dois sculos, o capitalismo se irradiou e se consolidou como sistema global, e a economia se transformou num ramo autnomo do conheci-mento, numa disciplina aparelhada com conceitos e mtodos orientados a um objeto de estudo espec co.

    O pensamento clssico, desde suas primeiras manifestaes, teve como es-copo a compreenso dos novos fenmenos socioeconmicos e principalmente o entendimento da nova forma de riqueza das naes, o que levou a cincia a uma rdua pesquisa para detectar como as novas relaes sociais engendravam o valor. Passado algum tempo, j na segunda metade do sculo XIX, quando as relaes

    pensamento economico.indb XI 15.09.08 17:03:06

  • XII Histria do pensamento econmico

    capitalistas j estavam consolidadas, inclusive seus principais dilemas e contradi-es, as diferenas de interesses concretos no interior da sociedade reverberaram no surgimento de interpretaes divergentes sobre o conceito do valor. A princ-pio, as objees negavam as determinaes do valor apresentadas pelos clssicos e, num estgio seguinte, passaram a negar a prpria relevncia do conceito para o desenvolvimento da cincia econmica, criando, assim, condies para o surgi-mento de diferentes escolas de pensamento econmico.

    O sculo XX demarca um perodo de grandes transformaes com um substancial aumento da velocidade das mudanas econmicas e sociais, o que deu ensejo a novos caminhos e idias econmicas com o desenvolvi-mento da Escola Neoclssica e o surgimento da Escola Keynesiana, alm de vrias vertentes no campo da teoria do crescimento econmico. A tripla crise do nal do sculo XX, representada pelo esgotamento do longo ciclo de prosperidade europia do ps-guerra, pela crise do nacional-desenvolvi-mentismo na Amrica Latina e tambm pela crise do Leste Europeu, criou o ambiente propcio para a prosperidade e hegemonia de vertentes de ma-triz liberal. Assim, na segunda parte so estudadas as principais correntes do debate econmico do perodo.

    Na terceira parte so apresentadas as principais tendncias do pensamento econmico brasileiro no sculo XX, agrupadas em quatro escolas: a Desenvolvi-mentista, a Neoliberal, a Marxista e a Heterodoxa. Como nas duas primeiras partes,foram selecionados os autores mais signi cativos de cada tendncia, aqueles cujas obras so, reconhecidamente, os exemplos mais bem-sucedidos de aplicao de mtodos tpicos de uma escola ao estudo da realidade econmica brasileira.

    A anlise dessas obras procurou contemplar trs ngulos distintos: primei-ro, explicitar como os modelos de anlise das principais escolas foram incor-porados pelos estudiosos brasileiros e aplicados realidade local; segundo, ex-plicitar quais foram as contribuies originais que a produo local agregou s formulaes originais; e, terceiro, avaliar a contribuio dessas abordagens para a compreenso dos principais problemas econmicos do pas e a in uncia que elas exerceram no curso do nosso desenvolvimento.

    Ao oferecer este texto a alunos, professores e ao pblico em geral, espera-mos auxiliar no entendimento do debate econmico travado na esfera interna-cional e local, tornando esta obra um instrumento verdadeiramente til para a compreenso e avaliao crtica do mundo em que vivemos.

    pensamento economico.indb XII 15.09.08 17:03:06

  • Sumrio

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11. As anlises econmicas na Antiguidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7

    1.1 Xenofonte e Ho oikonomikos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    1.2 Plato e as consideraes sobre a vida econmica . . . . . . . . . . . . . . . 7

    1.3 Aristteles e a economia antiga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

    1.4 Refl exes econmicas entre os romanos antigos (II a.C.-V d.C.). . . . . 16

    2. A teologia e a anlise econmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

    2.1 Santo Agostinho (354-430) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

    2.2 Santo Toms de Aquino (1225-1274) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    2.3 A tica protestante: Martinho Lutero e Joo Calvino . . . . . . . . . . . . . . 26

    3. O Estado moderno, a anlise econmica e o mercantilismo . . . . . . . . . . . .31

    3.1 Formao do Estado moderno e o intervencionismo . . . . . . . . . . . . . . 31

    3.2 O mercantilismo: principais formuladores, aspectos gerais da doutrina e da ao, suas modalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    3.3 Mercantilismo e colonizao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

    3.4 Os impasses da doutrina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

    3.5 A produo como origem da riqueza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

    3.6 As idias de William Petty . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    3.7 Avaliao crtica do mercantilismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

    a3. Mercantilismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53

    4. As leis naturais da vida econmica: os fi siocratas e Adam Smith . . . . . . .55

    4.1 Os fi siocratas: Tableau conomique de Franois Quesnay . . . . . . . . . 55

    4.2 A Escola Clssica: o pensamento de Adam Smith . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

    a4. Fisiocratas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .69

    5. A Escola Clssica: o pensamento de Thomas Malthus . . . . . . . . . . . . . . . . . .71

    5.1 A teoria da populao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

    5.2 Sobre as leis de amparo aos pobres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

    5.3 A teoria da superproduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

    6. A Escola Clssica: o pensamento de David Ricardo . . . . . . . . . . . . . . . . . . .79

    6.1 A teoria do valor-trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

    6.2 A teoria dos rendimentos decrescentes na agricultura. . . . . . . . . . . . . 83

    6.3 A teoria das vantagens comparativas no comrcio internacional . . . 85

    7. A Escola Clssica: utilitarismo e utilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89

    7.1 A teoria da utilidade de Jeremy Bentham . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

    7.2 A teoria do valor, da produo e reformas sociais de John Stuart Mill . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

    7.3 A lei dos mercados de Jean-Baptiste Say, ou Lei de Say . . . . . . . . . . . 91

    7.4 A teoria da abstinncia de Nassau Senior. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

    pensamento economico.indb XIII 15.09.08 17:03:06

  • XIV Histria do pensamento econmico

    8. A crtica da economia poltica clssica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99

    8.1 A afi rmao do sistema industrial e a economia poltica clssica . . . 99

    8.2 As primeiras lutas de resistncia opresso do sistema industrial . . . 101

    8.3 Socialistas utpicos, socialismo francs e ingls . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

    a8. Socialistas franceses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .119

    9. A Escola Marxista: Karl Marx . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .123

    9.1 Um fantasma ronda a Europa: a revoluo marxista . . . . . . . . . . . . . 123

    9.2 O pensamento econmico-fi losfi co . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

    9.3 A teoria do valor-trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

    9.4 O capital e a mais-valia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

    9.5 O capital fi nanceiro e a renda da terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

    9.6 Propriedade fundiria e renda da terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

    10. A Escola Marginalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .139

    10.1 A teoria da utilidade de William Stanley Jevons . . . . . . . . . . . . . . . . . 140

    10.2 A Escola Austraca: a contribuio pioneira de Carl Menger . . . . . 144

    10.3 A teoria do equilbrio geral de Walras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148

    11. A Escola Neoclssica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .153

    11.1 O pensamento de Alfred Marshall (1842-1924) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

    a11. Escola Neoclssica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .167

    12. A Escola Neoclssica do Bem-Estar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .171

    12.1 Vilfredo Pareto e a economia do bem-estar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171

    12.2 Arthur Cecil Pigou (1877-1959) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

    12.3 Ludwig Edler von Mises (1881-1973) o clculo econmico na economia de mercado e no socialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

    12.4 Oskar Ryszard Lange (1904-1965) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181

    a12. Escola Neoclssica do Bem-Estar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .187

    13. A Escola Histrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .189

    13.1 A crtica do mtodo do pensamento clssico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

    13.2 Os Estados germnicos ps-Congresso de Viena . . . . . . . . . . . . . . . 191

    13.3 O precursor Friedrich List (1789-1846) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193

    13.4 A Escola Histrica Alem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196

    13.5 A sociologia econmica de Werner Sombart (1863-1941) e Max Weber (1864-1920) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198

    13.6 A Escola Histrica fora da Alemanha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

    a13. Escola Histrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .213

    14. A Escola Institucionalista Norte-Americana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .221

    14.1 Wesley Clair Mitchell (1874-1948) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

    14.2 A nova sociedade capitalista de John Kenneth Galbraith (1908-2006) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229

    a14. Escola Institucionalista Americana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .235

    15. A Escola Keynesiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .243

    pensamento economico.indb XIV 15.09.08 17:03:07

  • Sumrio XV

    15.1 O pensamento original de Keynes: uma revoluo no sculo XX . . 243

    16. Modelos de crescimento e desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .251

    16.1 Roy Forbes Harrod (1900-1978) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252

    16.2 Evsey David Domar (1914-1997) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252

    16.3 Robert M. Solow (1924) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254

    16.4 William Arthur Lewis (1915-1991) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259

    17. Teorias do crescimento e do desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .261

    17.1 Ragnar Nurkse (1907-1959) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261

    17.2 Theodore W. Schultz (1902-1998) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263

    17.3 Joseph Alois Schumpeter (1883-1950) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264

    17.4 Simon Smith Kuznets (1901-1985) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270

    17.5 Walt Whitman Rostow (1916-2003) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274

    17.6 Alexander Gerschenkron (1904-1978) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 278

    18. Teorias estruturalistas do crescimento e do desenvolvimento . . . . . . . . .281

    18.1 O estruturalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 281

    18.2 Albert O. Hirschmann (1915) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283

    18.3 Raul Prebisch (1901-1986) e a Cepal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287

    19. As escolas ps-keynesianas e novas contribuies cincia no sculo XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .295

    19.1 Concorrncia imperfeita de Joan Robinson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295

    19.2 A concorrncia monopolista de Edward Chamberlin . . . . . . . . . . . . 296

    19.3 Produo de mercadorias por meio de mercadorias de Sraffa . . . 297

    19.4 O tableau de Kalecki . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 299

    20. A escola da Economia Matemtica e a teoria dos jogos . . . . . . . . . . . . .305

    20.1 Teoria dos jogos e comportamento econmico em John von Neumann (1903-1957) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305

    20.2 A teoria dos jogos em John Nash (1928) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307

    20.3 As tabelas de insumo-produto de Wassily Leontief (1906-1999) . . . . 309

    20.4 A contribuio para o modelo IS-LM de John R. Hicks (1904-1989) . 312

    20.5 A contribuio terica de Paul Samuelson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317

    21. A Escola Neoliberal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .321

    21.1 As idias precursoras de Friedrich von Hayek . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323

    21.2 A contribuio da Escola de Chicago de Milton Friedman . . . . . . . 326

    22. Pensamento econmico brasileiro: Escola Desenvolvimentista . . . . . . . .333

    22.1 As idias precursoras de Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 334

    22.2 As idias econmicas revolucionrias de Celso Furtado . . . . . . . . . 338

    22.3 O desenvolvimentismo conservador de Roberto de Oliveira Campos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347

    22.4 A teoria da substituio de importaes de Maria da Conceio Tavares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 356

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  • XVI Histria do pensamento econmico

    23. Pensamento econmico brasileiro: Escola Neoliberal . . . . . . . . . . . . . . . .363

    23.1 As idias precursoras de Eugnio Gudin (1886-1986) . . . . . . . . . . . . . 363

    23.2 O primeiro embate terico: Roberto Simonsen e Eugnio Gudin . . 369

    23.3 A ortodoxia de Octvio Gouva de Bulhes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372

    a23. Brasil: Escola Neoliberal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .377

    24. Pensamento econmico brasileiro: Escola Marxista . . . . . . . . . . . . . . . . .383

    24.1 O sentido da colonizao e a histria econmica radical de Caio Prado Jnior (1907-1990) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383

    24.2 A teoria da dependncia de Fernando Henrique Cardoso (1931) e Enzo Faletto (1935-2003) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 389

    24.3 Os ciclos econmicos e as cooperativas solidrias de Paul Singer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392

    24.4 O antivalor e o ornitorrinco de Francisco de Oliveira . . . . . . . . . . . . 394

    25. Pensamento econmico brasileiro: Escola Heterodoxa . . . . . . . . . . . . . .403

    25.1 A teoria da infl ao de Igncio Rangel: entre Marx e Keynes . . . . . 403

    25.2 Lus Carlos Bresser-Pereira: a tecnoburocracia e a nova estratgia de desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 405

    25.3 A teoria da infl ao inercial de Mrio Henrique Simonsen . . . . . . . . 409

    25.4 A inrcia infl acionria e a reforma monetria de Prsio Arida e Lara Resende . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 411

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  • Introduo

    Os fenmenos da economia in uenciam de forma decisiva a vida de todos os cidados. Poltica monetria, variaes cambiais, nos ndices da in ao e nos ndices da Bolsa de Valores so temas cotidianos em todo tipo de mdia. Para que possamos nos orientar com segurana nesse universo de informao e nos debates travados em torno de tais assuntos, h a necessidade de nos familiarizar com as teorias econmicas que informam essas discusses. Conhecendo as teo-rias que orientam a ao dos agentes econmicos, tanto os privados quanto os pblicos, possvel traar aes econmicas e fazer escolhas (inclusive polticas) com mais segurana e, no limite, se antecipar aos movimentos dos agentes eco-nmicos mais in uentes, obtendo benefcios ou evitando perdas.

    Se desejamos, porm, uma compreenso, ao mesmo tempo, mais profunda e abrangente, necessrio que situemos as teorias econmicas concorrentes (opositoras) num contexto mais amplo, que contemple suas transformaes ao longo do tempo, isto , a sua histria. S pela contextualizao das teorias na histria do pensamento econmico que podemos avaliar com propriedade as questes de fundo que esto envolvidas no debate econmico.

    Como poderemos observar, as primeiras narrativas e abordagens sobre os componentes do que denominamos hoje de vida econmica foram elaboradas no Ocidente pelos gregos. Entretanto, essa tradio nunca concebeu os aspectos da produo, das trocas, da distribuio, do consumo e da gesto da escassez como um tema relevante em si mesmo. Esses componentes eram signi cativos como temas de narrativas ou da re exo los ca na medida em que eram considerados ramos da tica, da moral ou da poltica. Essa tradio lanou razes profundas na cultura do Ocidente e estendeu sua in uncia pelo menos at meados do sculo XVIII. Ela pode ser notada, por exemplo, na obra Breve introduo loso a moral, de 1742, escrita por Francis Hutcheson. No Livro II, Elementos da lei da natureza, o autor trata da propriedade, da sucesso, dos contratos, dos valores das mercado-rias, da moeda e das leis da guerra. No Livro III, Os princpios de economia poltica, trata da poltica, aborda o casamento, o divrcio, os deveres dos pais, dos lhos, de

    In

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  • 2 Histria do pensamento econmico

    como proceder em relao aos escravos, temas que hoje seriam considerados bi-zarros num livro de economia. Hutcheson foi professor de Adam Smith, e, apesar de nem sempre isso ser destacado pelos liberais mais ardentes, a maior obra desse dileto aluno, Investigao sobre a natureza e as causas da riqueza das naes, reitera essa tradio, na medida em que a defesa da e cincia do sistema econmico no considerada uma meta em si mesma, mas um meio, uma condio necessria para a promoo do bem-estar da comunidade e da humanidade em geral.1 Nesse sentido, Smith pode ser considerado herdeiro de uma longa tradio que remonta a Xenofonte, passa por Plato e encontrou em Aristteles o formulador mais aca-bado. Ela continua depois no Ocidente Medieval com os telogos da Igreja, em especial com a Escolstica e com Santo Toms de Aquino, que procuraram, a um s tempo, adequar a teologia crist s transformaes econmicas na Baixa Idade Mdia e subsumir as prticas econmicas teologia e moral crist.

    Com a formao dos Estados nacionais, sob o ponto de vista das neces-sidades dessas novas modalidades de associao humana e de organizao do poder que os processos da produo, das trocas, da distribuio e do consumo sero considerados na anlise e nas prticas mercantilistas. O Estado passou ento, progressivamente, a ocupar o papel de de nidor dos princpios, de re-gulador (ocupando a funo at ento desempenhada pela teologia crist) e, acima de tudo, de principal bene cirio das atividades econmicas com vistas a fortalecer a autoridade das nascentes monarquias absolutistas.

    O desenvolvimento ulterior das atividades mercantis e da produo, no decorrer dos sculos XVI, XVII e XVIII, desencadeou inmeras transformaes, entre as quais se destaca a estruturao de uma classe burguesa. Fraes desse novo agente social tenderam a se associar ordem social do Antigo Regime2, mas outras passa-ram a assumir uma postura de oposio s prticas mercantilistas, que subordina-vam a acumulao privada s necessidades do fortalecimento do poder do Estado e manuteno da ordem estamental. Iniciava-se a uma sutil alterao de registro na histria do pensamento econmico, uma vez que a acumulao de riquezas deixava de ser encarada como um meio (no caso em questo, da promoo do poder do Estado) para se tornar um m. Smith, sensvel a esse deslocamento que se operava na anlise econmica, enfatizou na sua obra que a acumulao privada era convergente promoo do bem-estar da comunidade nacional e humana,

    1 SEN, Amantya Kumar. Sobre tica e economia. So Paulo: Cia. das Letras, 1999.2 DOBB, Maurice. A evoluo do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.

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  • Introduo 3

    contribuindo, assim, para conferir legitimidade social ao valor supremo da classe emergente de empreendedores, isto , a busca do lucro.

    Alm dessas transformaes, a a rmao da cincia econmica, tal como a conhecemos hoje, e do seu objeto de estudo sofreu forte in uncia do modelo estabelecido por Newton no seu monumental Princpios matemticos da loso a natural, publicado em 1687. Nessa obra, Newton conseguiu equacionar e identi- car as leis naturais que regiam complexos fenmenos da natureza, relacionados aos movimentos dos objetos e dos corpos celestes, ao basear-se numa delimita-o precisa de conceitos, de nies, princpios e um poderoso instrumental de clculo matemtico. A capacidade explicativa do novo mtodo da cincia natural seduziu inmeros pensadores e passou a exercer in uncia crescente nos demais ramos do conhecimento. Os resultados dessa in uncia podem ser notados no pensamento los co do Iluminismo e entre aqueles que estudavam os proble-mas relativos produo e circulao dos bens econmicos.

    Para esses pensadores, o novo e poderoso instrumental terico era muito oportuno em virtude do conjunto de transformaes que vinham ocorrendo na Europa e que colocavam problemas cada vez mais complexos de quanti cao, de administrao de recursos e de busca de e cincia.

    Amparados numa nova metodologia e desa ados por uma srie de novos enig-mas engendrados pelas transformaes da produo e das trocas, esses pensadores deram o primeiro passo no sentido de estruturar o pensamento econmico mo-derno pela de nio de um novo objeto de estudo: a economia poltica. Segundo algumas evidncias, o termo lconomie politique foi utilizado pela primeira vez pelos franceses, no incio do sculo XVII, mas com uma nfase, sobretudo, nos aspectos polticos.3 No nal desse mesmo sculo, j era entendido como o conjunto das ativi-dades relacionadas produo, circulao, distribuio e consumo dos bens econ-micos, isto , dos bens que so teis aos homens. Aps a publicao de A riqueza das naes, o termo adquiriu o sentido de cincia, cujo objetivo era compreender as leis naturais da vida econmica e promover a riqueza das naes. O termo continuou sendo usado nesses dois sentidos at meados do sculo XIX. Nas dcadas seguintes, por razes que sero apresentadas mais adiante, ele foi abandonado e substitudo pela palavra economia. A partir de ento, ela passou a ser utilizada no sentido de vida econmica (economy, na lngua inglesa) e tambm como sinnimo de uma

    3 MONTCHRTIEN, Antoine de. Trait de l conomie politique, 1615.

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  • 4 Histria do pensamento econmico

    teoria que estuda a vida econmica segundo os critrios de cienti cidade, isto , passou a ser utilizada no sentido de cincia (economics, na lngua inglesa). Esses so os dois sentidos que ela encerra atualmente na lngua portuguesa.

    Nos anos que se seguiram Revoluo Industrial, tornou-se cada vez mais evi-dente que a multiplicao da capacidade de produo de riqueza proporcionada pela indstria impulsionava a acumulao privada, mas no resultava em incremento do bem-estar social das classes no-proprietrias. Essa constatao marcou profunda-mente a evoluo do pensamento econmico nas dcadas seguintes e in uenciou a de nio de duas grandes tendncias. A primeira, em continuidade com uma tradio mais remota, resgatou a nfase num tipo de anlise em que a organizao e a dinmica da vida econmica deveriam se subordinar a objetivos ticos, morais e polticos, o que implicava algum tipo de interveno do poder poltico no processo de produo e distribuio das riquezas. Em outras palavras, enfatizou que as esferas da produo, da comercializao, da distribuio e do consumo deveriam ser subor-dinadas a valores que lhes eram externos, relacionados basicamente a uma melhor distribuio do bem-estar (utilitarismo, socialistas ricardianos, socialistas utpicos, pensamento marxista) e/ou ao esforo industrializante das comunidades nacionais (nacionalismo). No que se refere ao problema do bem-estar social, as propostas oscilaram entre as sugestes de reformas distributivas e as de erradicao do capita-lismo por meio da revoluo. J em relao ao esforo industrializante, as propostas passaram a orbitar em torno de variadas formas e graus de intervencionismo estatal na economia, em defesa da indstria nativa.

    A segunda tendncia, que agrupa os marginalistas, neoclssicos, tendeu a acentuar a convico de que um conhecimento objetivo, cient co, da vida econmica dependia da eliminao dos elos que a anlise econmica man-tinha com as esferas da moral, da tica, da justia social e da poltica, e da formalizao dos procedimentos de interpretao atravs de um instrumental matemtico cada vez mais so sticado. Foi esse movimento o responsvel pelo progressivo abandono do termo economia poltica e pelo uso cada vez mais freqente da palavra economia (economics), para identi car a disciplina volta-da para a compreenso dos fenmenos da vida econmica segundo os critrios de cienti cidade reconhecidos pelo establishment acadmico.

    O pensamento econmico, a partir da, vem se alinhando entre esses dois gran-des campos: um que enfatiza a necessidade de a anlise e as propostas econmicas

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  • Introduo 5

    estarem subordinadas a valores extra-econmicos, como reduo da desigualda-de, por exemplo, e outro que, em nome da convergncia entre e cincia do sistema e promoo do bem-estar, eleva a livre atuao das foras do mercado e a acumula-o privada condio de nalidades supremas da vida econmica.

    importante destacar que as anlises e as escolas de pensamento econmi-co que sero abordadas s podem ser compreendidas adequadamente, primeiro, a partir dos princpios e valores dominantes em seu tempo e no interior do universo cultural do qual faziam parte. Segundo, em funo dos problemas colocados no mo-mento histrico em que foram formuladas. Assim, desse ponto de vista, no h sen-tido em tachar uma anlise econmica formulada na Grcia Arcaica de atrasada ou incompleta, ou atribuir aos mercantilistas uma de nio errada de riqueza.

    Isso no signi ca que, baseados em critrios precisos, considerando um momento histrico dado, um elenco determinado de problemas e um universo cultural comum, no se torne perfeitamente possvel estabelecer uma hierarquia entre as anlises e as escolas de pensamento, no que se refere sua capacidade explicativa de fenmenos da vida econmica. Alm disso, no possvel ignorar que os aspectos ideolgicos exercem in uncia relevante tanto na formulao das anlises econmicas quanto na avaliao que se faz delas. Por ideologia, entendemos uma viso de mundo rela-cionada posio ocupada pelo sujeito na ordem econmica, na hierarquia social e nas instncias de poder, que estrutura e condiciona, em graus variados, a repre-sentao da realidade, os valores, as concepes, os interesses, as opinies que o sujeito emite e defende e as intervenes que realiza no mundo ao seu redor. A posio ideo-lgica sempre exercer papel relevante no julgamento da e ccia ou na de nio da hierarquia das abordagens ou teorias econmicas, pois as teorias e as orientaes econmicas que lhes correspondem nunca so neutras, isto , distribuem de forma desigual os benefcios e os sacrifcios entre os grupos sociais. No surpreendente, portanto, os agentes econmicos (e os que se encontram no seu raio de in uncia) julgarem e avaliarem as teorias, inclusive do ponto de vista formal e metodolgico, in uenciados pelos efeitos que elas provocam nos seus interesses econmicos ime-diatos e de longo prazo. Se os teoremas de geometria contrariassem os interesses dos homens, surgiriam multides de matemticos para refut-los.4

    4 Apud SERRA, Jos. A reconcentrao da renda: justi caes, explicaes, dvidas. In: TOLIPAN, Ricardo; TINELLI, A. Carlos. A controvrsia sobre a distribuio de renda e desenvolvimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

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  • 6 Histria do pensamento econmico

    J a sucesso das escolas de pensamento econmico, no decorrer da histria, guarda ntima relao com as transformaes nas formas de existncia e repre-sentao das sociedades humanas. Tais transformaes, normalmente caracteri-zadas por novos sistemas de convivncia, novas relaes de poder, novas neces-sidades e problemas (em geral mais complexos), que por motivos bvios no so contemplados pelas anlises e teorias existentes, criam um campo propcio para contribuies ou, no limite, para a negao das idias at ento consagradas e a a rmao de novas perspectivas ou abordagens. Vrios fatores podem interferir no destino das teorias e prticas econmicas dominantes, isto , se elas sero alvo de contribuies ou superadas. Entre eles, podemos identi car a exibilidade da teoria, traduzida na capacidade de equacionar os novos problemas preservando sua coerncia formal. Outro fator que interfere na longevidade de uma teoria econmica, e das prticas que lhe so correspondentes, o grau de identi cao que ela desperta nos grupos que exercem o poder no interior da comunidade.

    Na primeira parte, faremos um pequeno retrospecto das abordagens que antecederam a formulao do pensamento econmico clssico, visando de-monstrar o carter histrico das anlises e situar as origens de alguns con-ceitos-chave, bem como as transformaes pelas quais passaram. Na segunda parte, trataremos das principais escolas do pensamento econmico no perodo compreendido entre os sculos XVIII e XX. J a terceira focalizar o pensa-mento econmico brasileiro no sculo XX.

    A fertilidade do pensamento econmico brasileiro no sculo XX perpassou as principais escolas, desde a Marxista, com destaque para Caio Prado Jr., at a Neoli-beral, em que se ressalta o pensamento de Eugnio Gudin. Com as idias elaboradas sob a gide da Cepal, o pensamento econmico foi brindado com uma de suas mais brilhantes e inovadoras contribuies, principalmente nas penas do argentino Raul Prebisch e do brasileiro Celso Furtado. Pela dimenso e profundidade, o pensamen-to de Furtado foi considerado o demiurgo do Brasil. Tambm ganhou relevncia o pensamento desenvolvimentista cosmopolita de Roberto Campos, inspirador da economia que emergiu no ps 1964. Recentemente, aps longa e criativa trajetria, o pensamento econmico brasileiro foi brindado com as esclarecedoras idias sobre o processo in acionrio, com destaque para as teorias neo-estruturalistas ou inercia-listas de Prsio Arida e Andr Lara Resende.

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  • As anlises econmicas na Antiguidade

    1.1 Xenofonte e Ho oikonomikos

    A palavra economia vem do grego oikonomikos. O termo resulta da compo-sio da palavra oikos (que signi ca casa ou unidade domstica) com o radical semntico nem (que signi ca regulamentar, administrar, organizar). O sentido que essa palavra teve at meados do sculo XVIII foi estabelecido pela obra de Xenofonte1 Ho oikonomikos, escrita na primeira metade do sculo IV a.C.

    A obra basicamente um tratado de tica. um guia que de ne para o pro-prietrio rural o que seria uma vida boa, a maneira correta de se utilizar a riqueza, identi ca as virtudes e qualidades necessrias ao senhor para dirigir bem a sua casa e fornece orientaes rudimentares de agronomia. Trata tambm da educao e das virtudes das mulheres e de como os escravos devem ser dominados e educa-dos. Os trs pilares que sustentam o conceito (a gesto dos bens, o domnio sobre o ncleo familiar e os escravos) so expresses objetivas de como se estruturava uma unidade familiar entre os gregos antigos. As consideraes do autor no constituem uma anlise econmica propriamente dita, pois no h, por exemplo, preocupao com os problemas da e cincia da produo ou da comercializao.

    Entre os romanos, a palavra correspondente a oikonomikos era famlia, e, tal como a unidade familiar grega, ela articulava trs esferas de signi cado: o dominium (poder sobre os bens), o manus (poder sobre as mulheres e as mu-lheres dos lhos) e o potestas (poder sobre os lhos, netos e escravos). No mais, os escritos romanos sobre os setores da economia so compostos de manuais agrcolas e orientaes baseadas no senso comum que tratam de cuidados com o solo e conselhos sobre comercializao.

    1.2 Plato e as consideraes sobre a vida econmica

    Plato (428-27 a.C.-348-47 a.C.), contemporneo de Xenofonte, tambm abordou a vida econmica de uma perspectiva tica, mas seu foco no era a unidade familiar, e sim a plis. Tanto Plato quanto Aristteles orientaram

    1 Pensador grego que viveu entre 431 a.C.-355 a.C.

    1

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  • 8 Histria do pensamento econmico

    a ateno para a vida econmica com o objetivo de extrair normas prticas que garantissem condies de vida adequadas aos cidados, o funcionamento, a harmonia e a estabilidade poltica da plis. Da perspectiva que eles assumiam, o homem era entendido como um conjunto de potencialidades integradas (f-sicas, produtivas, ticas, artsticas, intelectuais e espirituais) cuja realizao ple-na s seria possvel na vida em sociedade, isto , no interior da plis.

    Segundo Plato, a plis era o resultado natural da evoluo do homem, mais precisamente do fato de os homens terem aptides diferentes, o que os le-vava a se dedicar mais a uma atividade do que a outra. Essa especializao fez com que o homem passasse a depender dos demais para obter os artigos de que necessitava mas no produzia. Assim surgiu a necessidade de cooperao, e a plis o ambiente no qual os homens cooperam entre si para produzir e obter, por meio da troca, os produtos de que necessitam para viver melhor. Deve-se a Plato a primeira anlise que atribui diviso social do trabalho o papel de promover a coeso da comunidade. Essa talvez a principal contribuio do autor no que se refere compreenso da vida econmica da plis.

    Um discpulo de Plato, apesar de reconhecer, como o mestre, o papel decisi-vo da diviso social do trabalho, considerou insu cientes as anlises sobre a troca, razo pela qual atacou o problema na Poltica e formulou conceitos-chave que in uenciaram todo o pensamento econmico produzido nos sculos seguintes.

    1.3 Aristteles e a economia antiga

    Quanto vida consagrada ao ganho, uma vida forada, e a riqueza no evidentemente o bem que procuramos: algo til, nada mais, e ambicionado no interesse de outra coisa.2

    A outra coisa qual Aristteles (384 a.C.-322 a.C.) se refere o desenvolvi-mento do indivduo e a promoo do bem comum, que para ele, assim como para Plato, s poderiam ser atingidos pela vida em comunidade no seio da plis.

    Na Poltica, Aristteles analisou as causas que levaram ao surgimento da plis, as relaes entre o cidado e a cidade, tratou dos tipos de governo e das condies de sua conservao e subverso. A abordagem dos temas econmi-cos aparece na obra quando ele trata das condies necessrias para a subsis-tncia da famlia e da cidade.

    2 ARISTTELES. tica a Nicmaco. Livro I, cap. V.

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  • As anlises econmicas na Antiguidade 9

    Segundo Aristteles, toda ao do homem visa quilo que ele considera um bem, e as vantagens que os homens esperam obter quando decidem viver juntos so a prpria segurana, condies para sua reproduo e subsistncia. Mas a cidade no foi criada apenas para os homens viverem juntos, mas sim para viverem bem juntos.3 Aristteles considera que a cidade realiza seu m supremo somente quando permite ao cidado viver bem, o que signi ca levar uma vida perfeita e que se baste a si mesma. Ao se unir a uma mulher, ter lhos, submeter escravos e se integrar a outras famlias para obter o que precisa e que seu grupo familiar no produz, ele cria uma comunidade auto-su ciente de subsistncia e promove o bem-estar de cada um e de todos.

    A sobrevivncia de cada famlia em particular e da cidade como um todo depende de relaes de intercmbio com a natureza e com outros homens. Aristteles denomina esse intercmbio arte da aquisio e a rma que h uma correspondncia entre o modo pelo qual o homem obtm da natureza a subsis-tncia e o gnero de vida que ele leva.4 Segundo sua anlise, existem dois tipos de arte da aquisio: a aquisio natural ou economia e a aquisio arti cial ou crematstica.

    A aquisio natural se refere ao conjunto de atividades (agricultura, pasto-reio, caa, saque, troca) desenvolvidas pelas famlias (economia domstica) ou pela cidade (economia poltica) visando obter os alimentos e os meios necess-rios vida. Para Aristteles, os produtos obtidos diretamente da natureza, sem os quais a vida no possvel, constituem a verdadeira riqueza, e apenas eles so objeto da cincia econmica.

    A aquisio arti cial constitui o que ele denomina gnero especulativo. A aquisio especulativa todo tipo de atividade que elege o aumento da riqueza como um m em si mesmo e no estabelece limite de acumulao. Para ex-plicar como surgiu esse modo de aquisio, Aristteles analisou a origem e o desenvolvimento da troca.

    Segundo ele, o aparecimento da propriedade e do excedente econmico pro-piciou o surgimento da troca. Quando uma famlia ou tribo tinha de sobra o que faltava para outra, as necessidades eram atendidas pelas operaes de troca, que naturalmente envolviam o problema da proporo em que os produtos eram

    3 ARISTTELES. A Poltica. Livro II, cap.V.4 Numa palavra, existem tantos gneros de vida quanto operaes naturais para obter vveres, sem

    contar os que se adquirem por troca ou compra. [...] Id., Ibid., cap. II.

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  • 10 Histria do pensamento econmico

    trocados, isto , implicavam relaes de valor. Ao analisar esses problemas, formu-lou dois conceitos-chave para o desenvolvimento do pensamento econmico:

    [...] cada coisa que possumos tem dois usos dos quais nenhum repugna a sua natu-reza; porm um prprio e conforme a sua destinao, outro, desviado para algum outro m. Por exemplo, o uso de um sapato calar; podemos tambm vend-lo ou troc-lo para obter dinheiro ou po, ou alguma outra coisa, isto sem que ele mude de natureza; mas este no o seu uso prprio, j que ele no foi inventado para o comrcio [...]. A natureza no fez as coisas para serem trocadas, mas, tendo os homens uns mais, outros menos do que precisam, foram levadas por esse acaso troca.5

    Ele elabora, assim, os conceitos de valor de uso e valor de troca. Denomina troca o intercmbio de produtos que visa atender s necessidades de consumo e a rma que ela no contraria as intenes da natureza. J o comrcio uma moda-lidade de troca que consiste em comprar para vender mais caro, tem como meta o enriquecimento e, como demonstra mais adiante, contraria os ns da natureza.

    Com a ampliao do intercmbio, surgiu a necessidade de um meio para facilitar as trocas e, por isso, os homens criaram a moeda. A anlise monetria de Aristteles contempla o valor intrnseco da moeda, o valor de face (nomi-nal), e ele tambm percebeu que ela assumiu outras funes medida que seu uso se generalizou. Alm de meio de troca, tornou-se reserva de valor (riqueza) e meio de enriquecimento (capital usurrio). Entretanto, ele ponderou que absurdo chamar riquezas um metal cuja abundncia no impede de se morrer de fome [...].6 e ressaltou a esterilidade da moeda, a impossibilidade de ela criar valor, pois, na sua origem, simples meio de troca e pura conveno; con-seqentemente, tanto a acumulao monetria (por meio do comrcio) quanto o emprstimo a juros so contrrios natureza e, portanto, condenveis e odio-sos. Os argumentos utilizados pela Igreja no perodo medieval para condenar a acumulao de riqueza pelo comrcio e, principalmente, pela usura basearam-se nessas anlises de Aristteles. Essas observaes que associam ao dinheiro a dupla funo de meio de troca e reserva de valor, que pode ser utilizado para se obter mais riqueza, constituem uma aquisio inestimvel no campo da an-lise econmica, pois foi a primeira vez que se estabeleceu a diferena entre o dinheiro e o capital (dinheiro empregado para se obter mais dinheiro). Outra concluso importante de seus estudos sobre a moeda com decisiva in uncia

    5 ARISTTELES. A Poltica. Livro I, cap. II.6 Id.

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  • As anlises econmicas na Antiguidade 11

    no pensamento econmico posterior foi o reconhecimento de que o papel de-sempenhado pela moeda no est associado s caractersticas naturais, fsicas, sendo muito mais resultado de uma conveno xada pelo costume entre os agentes envolvidos nas atividades de troca.

    A condenao ao comrcio e a quali cao que o autor lhe atribui de ati-vidade inferior no impediram que reconhecesse a sua importncia e mesmo a recomendasse quando o assunto era a economia poltica, isto , as nanas pblicas. Suas observaes sobre a vida econmica levaram-no constatao de que algumas cidades obtinham lucros elevadssimos ao comercializar ou produzir mercadorias em condio de exclusividade.

    bom que os que governam os Estados conheam esse recurso, pois preciso dinhei-ro para as despesas pblicas e para as despesas domsticas, e o Estado est menos do que ningum em condies de dispens-lo. Assim, o captulo das nanas quase o nico a que alguns prestam ateno.7

    Dessa forma, a prtica do monoplio vista pelo autor como um recurso til e ben co ao Estado e, portanto, recomendvel aos homens responsveis pela solvncia das contas pblicas.

    Aristteles tambm reconhecia que, entre as maneiras de se adquirirem produtos pela troca, o comrcio era o principal, seguido pelo tr co de metal, pelos trabalhos mercenrios e pelo extrativismo (madeira e minas). Com rela-o ao trabalho, porm, faz questo de a rmar o seguinte:

    Dentre esses diversos trabalhos, os mais excelentes pela arte so os que menos devem ao acaso; os mais baixos, os que mais sujam o rosto e as mos; os mais servis, aqueles em que o corpo trabalha mais que o esprito; os mais ignbeis, os que no requerem nenhuma espcie de virtude.8

    H aqui, pelo menos, duas idias relevantes. Se considerarmos que a ex-presso diversos trabalhos no se refere s ao, mas tambm ao produto da ao, ao produto do trabalho propriamente dito, e se interpretarmos a frase Dentre [...] diversos trabalhos, os mais excelentes [...] so os que menos de-vem ao acaso como uma indicao de que um trabalho deve ser mais valori-zado quanto mais a arte e a habilidade humanas o tornam diferente do estado em que se encontra na natureza (ao acaso), temos uma pista que pode ajudar

    7 ARISTTELES. A Poltica. Livro I, cap. II.8 Id.

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  • 12 Histria do pensamento econmico

    a compreender a relao estabelecida posteriormente, por outros pensadores9, entre trabalho e valor das mercadorias.

    Nos Tpicos, Aristteles identi cou uma outra possibilidade, mais sub-jetiva, de estimar o valor de um bem acrescentando-o a um conjunto de produtos e retirando-o em seguida. Quanto maior a perda que se experi-menta com sua eliminao do conjunto, mais desejvel ele e maior o seu valor. Aqui a nfase na determinao do valor se desloca para o plano da demanda e funo da quantidade de bens da mesma natureza de que j dispomos. inegvel a in uncia desse exame nas teorias que estabele-ceram a formao do valor na esfera da troca, como a teoria utilitarista e marginalista.

    O outro aspecto diz respeito depreciao que Aristteles associa ao tra-balho manual mais simples, que, em geral, era realizado por escravos e, por-tanto, era indigno dos grupos sociais que detinham a autoridade e o poder de decidir os destinos da plis. A concepo que torna o trabalho incompatvel com o exerccio da cidadania trao marcante da Antiguidade clssica e ser herdada pela cultura medieval e pelas sociedades que adotaram o regime da escravido durante a poca Moderna, as quais, em alguns casos, resistiram at o nal do sculo XIX.

    Mas no s pelo ngulo da Poltica que Aristteles deduz a gesto do oikos (economia) e da polis (economia poltica). A tica outro campo de referncia fundamental para o autor, e isso pode ser observado na anlise dos problemas da distribuio e do preo.

    Segundo Aristteles, o desenvolvimento do cidado e a promoo do bem co-mum dependem de uma disponibilidade moderada de bens teis e necessrios que sejam compatveis com o objetivo moral da famlia e da plis. Uma parte desses bens, como j foi assinalado, adquirida pela troca, e esta, por sua vez, deve se su-bordinar ao imperativo da justia, o que signi ca que a troca s pode ser realizada entre produtos equivalentes.

    H aqui trs aspectos que merecem destaque: o primeiro diz respeito fruio, ao gozo dos bens privados no contexto da plis; o segundo se refere distribuio dos bens entre os cidados; e o terceiro, maneira como devem ser trocados.

    9 Tais como Locke, Smith e Ricardo.

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  • As anlises econmicas na Antiguidade 13

    Apesar de Aristteles reconhecer que a riqueza til principalmente por-que a opinio de muitos que a vida depende da posse de riquezas10, ele argumentava que:

    as coisas teis podem ser bem ou mal usadas [...] e cada coisa usada da melhor maneira pelo homem que possui a virtude relacionada com ela. Quem melhor usar a riqueza, por conseguinte, o homem que possui a virtude relacionada com a riqueza, e esse homem o liberal.11

    Assim, tanto a avareza quanto a prodigalidade (desperdcio de dinhei-ro com os prazeres) so condenadas em nome da liberalidade, que seria um meio-termo no tocante ao dar e ao tomar riquezas.12 Portanto, o gozo dos bens privados deveria ser coerente com os valores morais da comunidade. Como no caso grego tais valores esto associados idia de equilbrio, no surpresa a defesa da liberalidade feita por Aristteles. Essa posio, expressa no contexto da Poltica por contrariar a lei natural, reiterada no contexto da tica por violar os valores e virtudes que a plis deveria adotar.

    Com relao ao problema da distribuio da riqueza, Aristteles consta-tava com perspiccia que uma desigualdade excessiva entre os cidados co-locava em risco a estabilidade poltica e a coeso da comunidade, condies fundamentais para que ela pudesse atingir os seus ns mais elevados, isto , a realizao plena do cidado. Assim, era imprescindvel evitar nveis extremos de desigualdade na distribuio da riqueza. Segundo observou, deveria haver algum tipo de assistncia aos famintos e aos mais pobres e, alm disso, o n-mero de cidados deveria ser mantido dentro de certos limites para evitar a escassez de gneros. Preferia a propriedade privada comum, na medida em que s os proprietrios privados de reas de cultura teriam como garantir a subsistncia, a independncia e a participao na vida pblica. A estabilidade da plis dependia tambm da existncia de uma numerosa classe mdia, que teria o papel de mediar as relaes entre os ricos e os pobres, atenuando os con itos e garantindo a coeso social.

    Apesar das ponderaes de Aristteles de que a desigualdade no deveria ser excessiva, no seguro a rmar que essa era a viso dominante na Antigui-dade. Segundo Finley,

    10 ARISTTELES. tica a Nicmaco. So Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleo Os Pensadores, v. IV.11 Id.12 Id.

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  • 14 Histria do pensamento econmico

    o juzo da Antiguidade sobre a riqueza era franco e inequvoco. A riqueza era uma ne-cessidade e era boa; ela era absolutamente indispensvel para uma vida boa; e em geral no havia mais nada a dizer..13

    Assim como, e j mencionado anteriormente, a distribuio deveria estar as-sentada numa disponibilidade moderada dos bens e na liberalidade, a troca deveria ser regida pela justia. No livro V, 1, 2, 3, 4 e 5 da tica, Aristteles analisa o problema da justia/injustia, especialmente no mbito do que ele chama da justia particular, e como elas se manifestam nas relaes de troca.

    De acordo com sua abordagem, a justia particular divide-se em distribu-tiva e corretiva. No primeiro caso, de ne o justo como uma espcie de termo proporcional e o injusto como o que viola a proporo. Decorre da que, se no so iguais, no recebero coisas iguais, [...] pois todos admitem que a dis-tribuio justa deve concordar com o mrito num sentido qualquer, fazendo questo de notar que o mrito relativo aos sistemas de governo adotados pela comunidade: na democracia, liga-se condio do homem livre, na oligarquia, riqueza (ou origens familiares) e excelncia. Com o rompimento da pro-porcionalidade, um dos termos torna-se grande demais e o outro demasiado pequeno [...] porque o homem que age injustamente tem excesso e o que injustamente tratado tem demasiado pouco do que bom. A in uncia des-sas consideraes no pensamento econmico signi cativa. Nas sociedades modernas, se associarmos o mrito formao educacional e quali cao do cidado para o exerccio de dada funo no mercado de trabalho, portanto, num contexto distinto da re exo de Aristteles, temos a a inspirao remota para a teoria do capital humano. Vale a pena tambm chamar ateno para desdobramentos dessas consideraes que ultrapassam a teoria do capital hu-mano, pois, se a desigualdade fundada no mrito implica retribuio distinta, qual estratgia adotar diante das desigualdades entre cidados decorrentes de privaes econmicas, sociais e de discriminaes tnicas, por exemplo? Elas tambm implicariam retribuies distintas, j que no justo tratar desiguais igualmente?

    A justia corretiva relaciona-se ao contexto das transaes entre os homens. Quando essas transaes implicam perdas ou ganhos, cabe justia corretiva, por intermdio do juiz, restaurar a igualdade. Assim, o justo o intermedirio entre

    13 FINLEY, Moses I. A economia antiga. Porto: Edies Afrontamento, 1980.

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  • As anlises econmicas na Antiguidade 15

    uma espcie de ganho e uma espcie de perda [...]. Consiste em ter uma quanti-dade igual antes e depois da transao. A troca de dois pares de sapatos justa se, como contrapartida, se obtm dois pares de sapato. Mas Aristteles argumenta que esse tipo de troca, apesar de justo, no assegura a coeso da comunidade.

    Com efeito, no so dois mdicos que se associam para a troca, mas um mdico e um agri-cultor, e, de modo geral, pessoas diferentes e desiguais; mas essas pessoas devem ser igualadas. Eis a por que todas as coisas que so objeto de troca devem ser comparveis [...]. Foi para isso que se introduziu o dinheiro, o qual se torna, em certo sentido, um meio-termo, visto que mede todas as coisas e, por conseguinte, tambm o excesso e a falta quantos pares de sapato so iguais a uma casa e uma determinada quantidade de alimento.14

    Esse tipo de troca entre quantidades de produtos distintos deve atender, para assegurar o princpio da justia anteriormente estabelecido, a uma retri-buio proporcional, isto , deve estar baseado na reciprocidade.

    Haver, pois, reciprocidade quando os termos forem igualados de modo que, assim como o agricultor est para o sapateiro, a quantidade de produtos do sapateiro esteja para a de produtos do agricultor pela qual trocada. Mas no devemos coloc-los em proporo depois de haverem realizado a troca [...] e, sim, quando cada um possui ainda os seus bens. Desse modo, so iguais e associados justamente porque essa igualdade se pode efetivar no seu caso.15

    E conclui a rmando que justia aquilo que um homem justo pratica quando distribui seja entre si mesmo e um outro, seja entre dois outros, no de maneira a dar mais do que convm a si mesmo e menos ao prximo [...] mas de maneira a dar o que igual de acordo com a proporo [...].

    Essas passagens poderiam ser desdobradas em inmeras direes, mas va-mos nos limitar a destacar os seguintes aspectos: primeiro, ca evidente na an-lise que a troca mercantil cumpre o relevante papel de contribuir para a coeso social; segundo, ela deve atender aos critrios da justia, ou seja, os produtos trocados devem respeitar uma equivalncia, uma proporcionalidade; terceiro, a proporcionalidade anterior troca propriamente dita e anterior existncia do dinheiro, o que signi ca existir algum critrio objetivo que assegura a recipro-cidade. Na Poltica, como vimos, esse critrio pode ser relacionado ao trabalho. Quarto, o dinheiro uma conveno criada pelos agentes da troca para medir a proporo em que os produtos podem ser trocados e tambm uma reserva de

    14 FINLEY, Moses I. A economia antiga. v. 5, p. 328.15 Id.

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  • 16 Histria do pensamento econmico

    valor, uma vez que a converso do dinheiro em mercadoria pode ocorrer num prazo bem posterior. Fica implcita a distino entre o valor dos produtos e a medida desse valor em termos de unidade monetria (dinheiro), isto , seu preo. Essa abordagem representa uma contribuio inestimvel economia poltica do sculo XIX. Alm disso, Aristteles praticamente mapeou as trs funes que atualmente se atribuem moeda: meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. Quinto, como a troca deve atender aos critrios da justia, isto , implicar uma retribuio proporcional, a converso da mercadoria em dinheiro e do dinheiro em mercadoria (M - D - M) ou do dinheiro em merca-doria e da mercadoria em dinheiro (D - M - D) deve preservar a equivalncia, no pode haver nem perda nem ganho no ciclo. S nessa condio a troca e o preo pago foram justos. Essa formulao ser a pedra angular do pensamento econmico da Igreja no decorrer da Idade Mdia.

    Como podemos observar, Aristteles desdobra a economia, tal como a entendemos, da poltica e da tica. A ordem produtiva escravista necessria para o cidado exercer as funes polticas; a troca, uma necessidade para o bem-estar do cidado e da plis; a equivalncia nas trocas naturais (realizadas com outros homens), um imperativo da justia; a submisso lgica da acumu-lao, uma inverso entre meios e ns que se afasta da virtude; a distribuio equilibrada da riqueza e da propriedade, um requisito da coeso social da plis. Ele se encontra, portanto, no incio de uma tradio que reconhece as esferas da produo, troca ou comercializao, distribuio e consumo como um meio para a realizao de ns mais elevados relacionados participao poltica, justia, ao bem-estar e tica. Entre os romanos, essa nfase na realizao das potencialidades mais elevadas do homem ser atenuada em benefcio da defesa dos interesses mais precisos, relacionados s propriedades e riqueza dos cidados.

    1.4 Refl exes econmicas entre os romanos antigos (II a.C.-V d.C.)

    A criao da Repblica romana provocou um deslocamento no papel da cidade e no sentido da vida comunitria nos termos em que foram formulados por Aristteles. O compromisso da cidade com os objetivos superiores de reali-zao plena do homem cedeu espao a um novo tipo de associao que enfati-zava a defesa de direitos e interesses comuns de nidos em lei e garantidos pela justia. H uma atenuao dos objetivos humanos e ticos mais elevados da

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  • As anlises econmicas na Antiguidade 17

    plis em benefcio de uma associao com carter mais pragmtico da cidade. Na nova associao os cidados esto unidos por um conjunto de leis fundadas numa ntida e rgida separao entre res-pblica e res-privada, e as instituies desempenham funes precisas de controle, justia e operacionalizao da vida na urbe. A lei o fator de coeso da comunidade, regula a economia, garante a autonomia e a liberdade do cidado na esfera privada.

    A expanso territorial romana, que ocorreu no nal do perodo republicano e se intensi cou durante o Imprio, foi acompanhada pela implantao de uma administrao centralizada, elaborada a partir de uma compatibilizao entre as leis da cidade (o direito romano) e as tradies jurdicas dos territrios con-quistados, e resultou na organizao de um corpo jurdico comum que cou conhecido como jus gentium. Essa prtica jurdica, que se estendeu por todo o Imprio e subordinou as tradies locais, base daquilo que cou conhecido sculos mais tarde como direito natural. Esse conceito teve papel fundamen-tal tanto na constituio jurdica e poltica do Ocidente quanto na formao do pensamento econmico moderno.

    Dentre os elementos do jus gentium sistematizado pelos juristas romanos, os que tiveram mais in uncia na constituio do pensamento econmico es-to presentes nas de nies:

    de um direito de propriedade quase sem limites (propriedade privada legal);1. de liberdade contratual semelhante aos padres que vigoram atualmente.2.

    Apesar de os romanos considerarem o comrcio e a indstria ocupaes inferiores, dignas apenas de escravos, estrangeiros e plebeus, esses traos do direito romano so uma evidncia da importncia do comrcio e da expresso do interesse privado durante o perodo do Imprio.16

    Essas de nies estabelecidas pelo direito romano signi caram um incre-mento da soberania do proprietrio sobre seus bens, criando uma esfera na qual proprietrios soberanos podem pactuar entre si como entidades independentes e autnomas. Tambm vincularam pessoa do proprietrio certas prerrogativas e direitos que eram independentes dos vnculos com a comunidade, de tal ma-neira que as decises relativas gesto dos bens privados no sofriam nenhuma in uncia de compromissos morais ou ticos relacionados cidade. No foi

    16 ROLL, Eric. Histria das doutrinas econmicas. So Paulo: Cia. Editora Nacional, 1971.

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  • 18 Histria do pensamento econmico

    por acaso, portanto, que Plato e Aristteles foram as principais referncias para a teologia medieval crist e o direito romano, a base do individualismo moder-no. Enquanto eles enfatizaram a noo de pertencimento (a realizao plena do homem s vivel por meio da vida em comum na plis), decisivo para a formao do conceito de comunidade crist (a ecclesia do Novo Testamento), os romanos potencializaram a soberania do indivduo, estabelecendo slido ponto de apoio para a idia, cara modernidade, de direitos naturais e inalienveis.

    A crise do Imprio e o colapso do modo de vida urbano e do comrcio precipita-ram a desagregao do mundo antigo e induziram a agricultura a orientar-se predo-minantemente para o consumo, acelerando o processo de ruralizao da Europa.

    A cristalizao de uma aristocracia guerreira e proprietria e de uma clas-se de camponeses ligada terra e vinculada aos aristocratas pelas obrigaes em espcie e em trabalho, como contrapartida pela proteo, produziu uma ordem social rigidamente hierarquizada e diferenciada. Ao mesmo tempo, as guerras, os saques freqentes e a violncia indiscriminada aceleravam a desar-ticulao do poder central que at ento ordenava a vida, a justia, a produo e a troca, compondo um quadro no qual o homem se via isolado, impotente e frgil, vtima fcil de circunstncias sobre as quais no tinha o menor controle. A viso otimista do homem como ser apto a realizar suas potencialidades, tpi-ca da Antiguidade, sucumbia progressivamente, junto com o modo de vida e a cultura que lhe eram pertinentes.

    Foi nesse ambiente de falncia de um modelo de civilizao, de insegurana e de pessimismo em relao s possibilidades terrenas de realizao humana que Santo Agostinho elaborou sua teologia e formulou suas consideraes so-bre a vida econmica.

    Questes

    As primeiras abordagens sobre a vida econmica no Ocidente tinham uma ca-1. racterstica que exerceu grande in uncia nos sculos seguintes. Explique qual caracterstica era essa.Explique os principais aspectos das consideraes de Plato sobre a vida 2. econmica.Identi que trs das principais contribuies de Aristteles para o pensamento 3. econmico e explique cada uma delas.

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  • As anlises econmicas na Antiguidade 19

    Explique quais as principais inovaes introduzidas pelos romanos na anlise 4. da vida econmica.A teologia de Santo Agostinho foi elaborada em que momento histrico?5.

    RefernciasARISTTELES. A Poltica. Trad. Roberto Leal Ferreira. So Paulo: Martins Fontes, 2002.ARISTTELES. Coleo - Os pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1973.FINLEY, Moses I. A economia antiga. Porto: Edies Afrontamento, 1973.ROLL, Eric. Histria das doutrinas econmicas. So Paulo: Cia. Editora Nacional, 1971.SEN, Amantya Kumar. Sobre tica e economia. So Paulo: Cia. das Letras, 1999.SPENGLER, John; ALLEN, Willian R. El pensamiento econmico de Aristteles a Marshall. Madri: Editora Tecnos, 1971.

    Sites

    Textos de Xenofonte, Plato e Aristteles disponveis em http://www.dominiopublico.gov.br

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  • pensamento economico.indb II 15.09.08 17:03:05

  • A teologia e a anlise econmica

    A desestruturao do Imprio e da cidade antiga resultou no colapso de um poder central capaz de ordenar minimamente a vida social e econmica e abriu uma fase marcada por guerras, violncia, medo e desespero. Do ponto de vista po-ltico, houve uma fragmentao do poder e da autoridade em uma in nidade de domnios que deram origem aos senhorios feudais na Europa Ocidental e, na esfera social, surgiu uma ordem rigidamente hierarquizada e desigual reconhecida e aceita como natural e justi cada por uma determinao divina. No que diz respeito vida econmica, a ruralizao induziu retrao da agricultura mercantil e estimulou a produo destinada ao consumo a ponto de ela tornar-se hegemnica.

    A nica esfera de poder universal que sobreviveu tendncia de fragmen-tao da autoridade foi a Igreja. A sua unidade institucional e a coeso dou-trinria lhe proporcionaram uma expresso poltica, espiritual e cultural sem paralelo no decorrer do perodo medieval. Com o crescimento de seu poder econmico, obtido com a aquisio de parcelas imensas de terras, e com a pro-eminncia que ela exercia no plano cultural e espiritual, a Igreja reuniu con-dies para exercer ampla hegemonia poltica na Europa Ocidental. Um dos aspectos decisivos dessa proeminncia foi a grande empreitada dos seus prin-cipais telogos, que realizaram um imenso esforo para tornar a religiosidade crist uma referncia que fosse alm da vida espiritual e mostrasse uma nova viso de mundo integrando a loso a, a conduta humana (a tica) e os fen-menos da natureza, e, inclusive, que regulasse os processos da vida econmica.

    Essa viso foi se estruturando no interior do direito cannico, por uma com-binao, nem sempre muito consistente, entre os ensinamentos dos Evangelhos, dos primeiros telogos e da loso a clssica, que era valorizada por oferecer um modelo so sticado de articulao entre moral, tica e anlise econmica.

    2.1 Santo Agostinho (354-430)

    Coube a Santo Agostinho apresentar a primeira formulao teolgi-ca abrangente e orgnica nessa fase de transio entre o mundo antigo e o medieval. Sua viso expressa uma profunda descrena no poder da cidade de promover as potencialidades humanas (viso grega) e de garantir a justia e

    2

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  • 22 Histria do pensamento econmico

    os interesses dos cidados (viso dos romanos). Ao pessimismo em relao s possibilidades de realizao humana elevada num ambiente terreno ca-tico e violento correspondeu a potencializao das esperanas de realizao es piritual, traduzida na possibilidade de salvao da alma.

    Segundo Santo Agostinho, o homem s podia atingir a felicidade no mundo baseado numa hierarquia de seres e valores no qual os objetivos inferiores (liga-dos esfera secular) se subordinassem aos superiores (ligados esfera espiritual), sendo que, entre esses, o mais importante era a salvao eterna. Para Santo Agos-tinho, a ordem hierrquica comprometida com a salvao da alma no podia ser criada pelo homem, mas somente por Deus. No existia poder secular armado de fora de coero capaz de estabelecer essa ordem. Ela s podia ser obtida por uma associao baseada na solidariedade e na rigorosa disciplina crist dirigida pelos representantes da Igreja.1 Nessa perspectiva, cabia agora hierarquia ecle-sistica a tarefa de regular o conjunto das esferas da vida humana.

    No que se refere vida econmica propriamente dita, Santo Agostinho pou-co acrescentou s formulaes dos juristas romanos. O comrcio e o lucro co-mercial continuaram a ser condenados pelo telogo, pois afastavam o homem do desejo de encontrar Deus. No limite, a atividade deveria ser realizada atendendo aos requisitos do preo justo, como na anlise de inspirao aristotlica.

    As condies que presidiram a formulao da teologia agostiniana permane-ceram por alguns sculos at que transformaes econmicas na Europa, relacio-nadas principalmente expanso das atividades bancrias, ao desenvolvimento do comrcio e proeminncia das cidades (em especial no norte da Pennsula Itlica), obrigaram os telogos da Igreja a promover acomodaes na doutrina.

    A escolstica assumiu a tarefa de realizar essa exibilizao do pensamento econmico da Igreja mediante um conjunto de leis e preceitos morais criados para possibilitar uma boa administrao da vida econmica, e coube a Santo To-ms de Aquino o papel de apresentar a formulao mais acabada sobre o tema.

    2.2 Santo Toms de Aquino (1225-1274)

    O imenso empreendimento teolgico de Santo Toms est solidamente ali-cerado na tradio aristotlica. Os pontos de partida da anlise do telogo coin-cidem com os do lsofo grego em vrios casos e os desenvolvimentos diversos

    1 ROLL, Eric. Histria das doutrinas econmicas. So Paulo: Cia. Editora Nacional, 1971.

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  • A teologia e a anl ise econmica 23

    correm por conta das preocupaes religiosas que orientavam sua doutrina. Isso pode ser observado em algumas consideraes sobre o Estado, por exemplo.

    Para ele, o Estado era uma associao instituda por Deus para impulsionar o homem ao bem comum contra o impulso que conduz ao bem privado e indivi-dual; possibilitar uma vida virtuosa pelo estabelecimento da paz e da realizao de boas obras; garantir a proviso su ciente das coisas que se requerem para viver adequadamente; e para que os homens alcancem Deus por meio de uma vida virtuosa. Considerava a sociedade econmica como um sistema que deveria seguir os princpios da justia cumulativa e distributiva e operar baseado na cooperao. Os componentes dessa sociedade eram considerados partes especializadas e in-terdependentes que deveriam se submeter s regras, operar de maneira cooperativa e ser coordenadas por associaes ou grmios. O princpio fundamental para a so-ciedade econmica preservar seu equilbrio era respeitar o preo justo, de nido por Santo Toms tanto do ponto de vista formal quanto prtico, e o Estado s deveria intervir no sistema em casos de absoluta necessidade.

    A in uncia da tradio aristotlica em Santo Toms vai se manifestar em vrios outros aspectos de seu pensamento econmico, em especial na maneira como via a riqueza, as relaes entre indivduo e coletividade, a propriedade, o comrcio e a usura.

    A riqueza e a propriedade, na loso a tomista, no eram consideradas, em si, um mal, mas seu uso poderia implicar benefcios ou malefcios. Nesse sentido, considerava que o interesse individual sempre devia se subordinar ao coletivo, e da desdobrava a condenao avareza, cobia e a todo tipo de prtica que aumen-tasse a explorao e a desigualdade no interior da comunidade. Deduzia tambm, divergindo do direito romano, que o direito de propriedade no podia ser ilimitado, chegando at a justi car o roubo por necessidades bsicas de subsistncia.

    [...] se a necessidade for de tal modo evidente e imperiosa que seja indubitvel o dever de obvi-la com as coisas ao nosso alcance por exemplo, quando corremos perigo iminente de morte e no possvel salvarmo-nos de outro modo , ento podemos licitamente satisfazer nossa necessidade com as coisas alheias, apoderando-nos delas manifesta ou ocultamente.

    [...] Servirmo-nos de uma coisa alheia, tomada s ocultas, em caso de necessidade ex-trema, no tem natureza de furto, propriamente falando. Porque essa necessidade torna nosso aquilo de que nos apoderamos para o sustento da nossa prpria vida.2

    2 AQUINO, Toms de. Suma teolgica. 2a parte da 2a parte, Escola Superior de Teologia/Universidade de Caxias do Sul/Livraria Sulina Editora, em colaborao com UFRS, 1980.

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  • 24 Histria do pensamento econmico

    A atividade comercial era condenada por alguns telogos da Igreja que remontam ao sculo V e exerceram muita in uncia nos sculos seguintes. Todo aquele que compra uma coisa para lucrar, vendendo-a inteira e tal qual a comprou, um negociante que ser expulso do templo de Deus.3

    A anlise de Santo Toms estabeleceu algumas mediaes nessa viso tra-dicional da Igreja. Ele considerava que

    [...] a negociao, em si mesma considerada, no visando nenhum m honesto ou neces-srio, implica em certa vileza. Quanto ao lucro, que o m do negcio, embora no implique por natureza nada de honesto ou necessrio, tambm nada implica de vicioso ou de contrrio virtude [...] nada impede um lucro ordenar-se a um m necessrio ou mesmo honesto. E, desse modo, a negociao se torna lcita. Assim, quando buscamos, num negcio, um lucro moderado, empregando-o no sustento da casa ou mesmo ao socorrer os necessitados. Ou ainda quando fazemos um negcio visando a utilidade pblica, para no faltarem ptria as coisas necessrias vida; e buscamos o lucro, no como um m, mas como paga do trabalho.4

    O comrcio era considerado por ele como algo antinatural, mas inevitvel num mundo imperfeito, e podia ser justi cado: a) se os ganhos obtidos pelo comerciante fossem su cientes para manter sua famlia e seu lar; e b) se fosse ben co comunidade e ao Estado. Desse ponto de vista, considerava justo o lucro do comrcio desde que fosse uma retribuio ao trabalho do comerciante, e no um m em si mesmo e fonte de riqueza e de luxo.

    Sua anlise do preo inspira-se integralmente em Aristteles.[...] a quantidade das coisas que servem ao uso do homem mede-se pelo preo dado;

    para o que se inventou a moeda, como diz Aristteles. Portanto, se o preo exceder a quantidade do valor da coisa ou se, inversamente, a coisa exceder o preo, desaparece a igualdade da justia. Portanto, vender mais caro ou comprar mais barato do que a coisa vale em si mesmo injusto e ilcito.5

    Toms de Aquino, no entanto, argumenta que h circunstncias nas quais a venda de um bem implica o suprimento de uma grande necessidade (utilida-de) para quem compra e de uma grande perda para quem vende. Nesses casos, o preo justo consistir em se considerar no somente a coisa vendida, mas tambm o dano que pela venda sofre o vendedor. E, ento, pode licitamente uma coisa ser vendida por mais do que vale para seu dono.6 Se o preo de ven-

    3 CRISSTOMO, apud AQUINO, Toms de, op. cit.4 AQUINO, Toms de, op. cit.5 Id.6 Id.

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    da for excessivo, tanto a lei humana quanto a divina obrigam a quem recebeu de mais [...] recompensar o que cou dani cado, se o dano for considervel. O que assim digo por no ser o justo preo das coisas rigorosamente determina-do, mas consistir antes numa certa estimativa tal, que um pequeno acrscimo ou pequena diminuio no basta para destruir a igualdade da justia.7

    Ao considerar que o preo justo incorporava o lucro do comerciante, San-to Toms operou um primeiro deslocamento em relao ao conceito aristo-tlico de troca justa. Para Aristteles, a troca s justa quando feita entre produtos equivalentes. Ao se acrescentar o lucro do comerciante ao preo justo do produto, rompem-se a equivalncia e o princpio da justia. Pen-sadores vinculados escolstica, anteriores a Santo Toms, desenvolvendo Aristteles, consideraram que as mercadorias que contivessem quantidade igual de trabalho e custos poderiam ser trocadas. A doutrina tomista deu um passo adiante, expondo que a remunerao do comerciante pelo seu trabalho, numa proporo que garantia a sua subsistncia e a da sua famlia, no viola-va a justia, estabelecendo pela primeira vez que a troca desigual no ne-cessariamente injusta. Temos a a primeira acomodao da teologia catlica s imposies do novo contexto histrico. Enquanto o comrcio permaneceu restrito a uma esfera local, esse lucro comercial que compunha o preo jus-to no era to difcil de estabelecer. Entretanto, com o desenvolvimento do comrcio de longa distncia, a xao desse lucro justo tornou-se cada vez mais complexa. A doutrina teve, ento, de realizar inmeros malabarismos, prever tantas excees e casos especiais que, ao m e ao cabo, a lei da oferta e da procura foi se impondo inexoravelmente.

    A de nio de Santo Toms contra a usura tambm se baseou na de Aristteles, que no inclua, entre as funes naturais da moeda, criar valor. No princpio da Idade Mdia, essa restrio no criou problemas srios em virtude da crise da economia mercantil e da falta de opes para investimen-to de capital monetrio. Os pagamentos eram feitos em espcie, e os reis, a nobreza feudal e a Igreja, quando precisavam de emprstimos, recorriam aos judeus, sobre os quais a interdio no incidia. Entretanto, o crescimento da economia mercantil pressionou as regras cannicas e elas foram cedendo, uma a uma.

    7 AQUINO, Toms de, op. cit.

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    A primeira concesso foi a mora, que incidia por atraso no pagamen-to. Depois surgiu o conceito de lucro cessante. Diante do crescimento das atividades comerciais e da ampliao das possibilidades de investimento do capital-dinheiro, o emprstimo sem juros implicava uma perda de oportunida-de de ganho para o detentor do capital, da que o juro ganhou uma justi cativa adicional, constituindo uma compensao pelo lucro cessante.

    2.3 A tica protestante: Martinho Lutero e Joo Calvino

    Assim como a teologia catlica, os telogos reformadores tambm tiveram de enfrentar os problemas complexos que o desenvolvimento da economia de mercado trazia para as formulaes teolgicas tradicionais.

    Martinho Lutero (1483-1546), apesar dos duros ataques desferidos contra a teologia catlica, no que se refere aos juros, assumiu as formulaes dos mais tradicionais tericos cannicos da Igreja, criticando as alteraes e as inmeras excees que foram elaboradas para acomodar a doutrina aos novos tempos, como podemos observar nesta passagem:

    O maior dos males da nao alem indubitavelmente o tr co do dinheiro [...]. O demnio o inventou e o Papa, ao autoriz-lo, tem feito ao mundo um mal incalculvel.8

    O alinhamento de Lutero aos mais tradicionais pensadores catlicos, no que se refere ao emprstimo a juros, nos remete ao complexo campo das re-laes de continuidade e descontinuidade entre o pensamento de Lutero e a doutrina o cial da Igreja.

    Uma das mais antigas tradies da Igreja atribua um valor positivo ao tra-balho. A primeira ordem monstica, os Beneditinos, criada no sculo VI, era hostil vida essencialmente contemplativa e estabeleceu como seu lema Ora et labora. Sculos mais tarde, o resgate da tradio aristotlica e a in uncia que ela exerceu em Santo Toms recuperaram o cio e a contemplao (virtudes do cidado e do sbio na Antiguidade clssica) como as vias privilegiadas para se alcanar a salvao e o reino do cu. Quando Lutero resgatou a positividade do trabalho, revalorizando-o em detrimento da vida contemplativa, ele abriu mais uma frente de combate s doutrinas hegemnicas da Igreja, aprofundando suas divergncias com a instituio. E nesse sentido que deve ser entendida

    8 LUTERO, Martinho. nobreza crist da nao germnica 1520, apud SKINNER, Quentin. As fundaes do pensamento poltico moderno. So Paulo: Cia. das Letras, 1996.

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    sua crtica usura, pois se trata de um gnero de ganho que possibilita a vida contemplativa, o cio, o luxo e viabiliza a ostentao. No contexto do sculo XVI, a nfase do reformador no resgate de uma moral fundada no trabalho, no culto a uma vida sem ostentao e orientada pelos valores da simplicidade e da discrio aquisitiva, apesar de se vincular a certa tradio da Igreja nos pri-meiros tempos, abriu uma nova frente de combate de Lutero com as doutrinas catlicas de inspirao aristotlica (que valorizavam o cio), com as ordens mendicantes (que consideravam o mendigo um novo Cristo) e com a ostenta-o e o apego ao luxo predominante na alta hierarquia catlica no perodo.

    O outro grande reformador do perodo, o telogo francs Joo Calvino (1509-1564), compartilhava do ponto de vista de Lutero a respeito da valori-zao do trabalho e do apego aos valores da vida simples e sem ostentao em detrimento do cio. O que interessante, e at certo ponto surpreendente, que, partindo desse campo comum, sua teologia chegou a concluses radical-mente distintas s de Lutero sobre a usura e os juros, o que s pode ser expli-cado pela teoria da salvao de Calvino.

    Calvino, assim como Lutero, era agostiniano e, conseqentemente, iden-ti cado s teses da predestinao. Segundo essa viso teolgica, a salvao da alma no dependia da conduta do cristo, ela estava predeterminada por Deus e constitua um mistrio fora do alcance da compreenso humana. Lu-tero compartilhava integralmente da viso de Santo Agostinho, mas Calvino acreditava que era possvel identi car os escolhidos por Deus. Para ele, os destinados salvao eram, necessariamente, portadores de uma graa divina que os diferenciava dos demais mortais, e esse toque divino se expressava por meio de uma vocao. Levando frente suas re exes, o telogo francs avaliou que os ganhos nos negcios, os lucros em empreendimentos arrisca-dos e as boas obras praticadas pelo cristo podiam ser considerados expresso da vocao e, conseqentemente, a materializao da graa divina. Mas Cal-vino fazia questo de ressaltar que os sinais da escolha deveriam ser desfru-tados com discrio, sem ostentao, luxo ou consumo excessivo. Para ele, os agraciados tinham uma responsabilidade e um compromisso com o criador que deveriam se traduzir numa reiterao da vocao pelo exerccio da incli-nao empreendedora e da dedicao disciplinada ao trabalho na extenso das possibilidades do cristo, pois, agindo assim, estariam materializando a graa divina e demonstrando, por meio de seu trabalho e suas realizaes,

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    o poder e a glria de Deus na Terra. No contexto do calvinismo, portanto, a acumulao podia ser interpretada em dois registros: num deles, relacionava-se vocao e salvao, e no outro, glria de Deus, na medida em que era a ex-presso concreta e terrena da graa e do poder divino. A dedicao disciplinada ao trabalho, a ndole empreendedora e a poupana (acumulao) tornavam-se virtudes chanceladas por Deus. Alm disso, do ponto de vista de Calvino, o desprezo ao dinheiro no era razovel na medida em que era o melhor meio de ajudar o prximo e fazer caridade.

    Mas como a usura se articula a esse sistema teolgico? Nas suas palavras,[...] se proibirmos totalmente a usura, submeteramos as conscincias a uma norma

    mais estrita que a que Deus estabeleceu. Se a permitirmos, mesmo que em condies muito estritas, com esse pretexto muitos tomariam imediatamente uma licena desen-freada, porque no podem suportar que alguma exceo os limite.9

    Calvino discordava de que o dinheiro no poderia c