maria luiza rodrigues vitor o ensino-aprendizagem de

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0 MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA NUM RECANTO AMAZÔNICO: COMPETÊNCIAS EM CONSTRUÇÃO FACULDADE DE EDUCAÇÃO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS UNIVERSIDADA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

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MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR

O ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA NUM

RECANTO AMAZÔNICO: COMPETÊNCIAS EM CONSTRUÇÃO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

UNIVERSIDADA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

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O ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA NUM RECANTO

AMAZÔNICO: COMPETÊNCIAS EM CONSTRUÇÃO

Por:

MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR

Dissertação de Mestrado em Educação apresentada à

Coordenação de Cursos de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Orientadora: Professora Doutora Cristina Haguenauer

& Co-Orientador: Professor Doutor João Carlos de

Carvalho.

RIO DE JANEIRO, 1º SEMESTRE DE 2003.

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O ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA NUM RECANTO

AMAZÔNICO: COMPETÊNCIAS EM CONSTRUÇÃO

Por:

Maria Luiza Rodrigues Vitor

Dissertação submetida ao corpo docente da Faculdade de Educação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Mestre.

Aprovada por: ___________________________________ Professora Doutora Cristina Haguenauer

(Orientadora)

_____________________________________

Professor Doutor João Carlos de Carvalho.

(Co-Orientador)

____________________________________ Professor Doutor Francisco Cordeiro Filho

Rio de Janeiro, 1º semestre de 2003.

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Vitor, Maria Luiza Rodrigues.

O Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa num Recanto

Amazônico: Competência em Construção / Maria Luiza Rodrigues

Vitor - Rio de Janeiro, 2003.

xi, 95? f.: il.

Dissertação de Mestrado em Educação - Universidade Federal do Rio

de Janeiro - UFRJ, Instituto de Pós-Graduação em Educação, 2003.

Orientadora: Professora Doutora Cristina Haguenauer

I. 1. Reflexões Introdutórias. 2. Fundamentação Teórica. 3.

Procedimentos Metodológicos. 4. Dados coletados e sua

Interpretação. 5. Reflexões Conclusivas. (Dissertação)

II. Haguenauer, Cristina. (Orientadora)

III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pós-Graduação

em Educação.

IV. O Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa num Recanto

Amazônico: Competências em Construção.

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A Deus, meu Pai especial, que me deixou ser.

À Hilda Averbek, minha Irmã, que me deixou crescer.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Cristina Haguenauer, por sua imprescindível e competente orientação.

Ao Professor Doutor João Carlos de Carvalho, por sua imprescindível e competente co-

orientação.

Aos colegas do Curso de Mestrado, pela troca de idéias.

Ao Professor Mestre Cleidson de Jesus Rocha, pelo incentivo inicial.

À Professora Especialista Alexandrina Félix por sua colaboração fundamental em aplicar os

instrumentos de pesquisa.

Aos professores de Língua Portuguesa da Escola Flodoardo Cabral, os sujeitos professores

desta pesquisa.

Aos alunos das turmas 1º B, 2º C, e 3º G da escola Flodoardo Cabral, os sujeitos alunos desta

pesquisa.

À Mariliza Trelha, ao seu esposo Júlio César e ao seu filho Rafhael, por serem pessoas

maravilhosas comigo.

À Cristiane Souza e a seus pais, pela ajuda valiosa que me deram, mesmo à distância.

À Cida Victor, ao seu esposo Clínio e a sua filha Aline, pelo incentivo constante e valioso

durante minha estadia no Rio de Janeiro.

À Dolores e a sua família, pela carinhosa acolhida.

À Francila Alves, pelo abstract.

Obrigada!

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LÍNGUA

Caetano Veloso

Gosto de sentir a minha língua roçar

A língua de Luís de Camões

Gosto de ser e de estar

E quero me dedicar

A criar confusões de prosódias

E uma profusão de paródias

Que escutem dores

E furtem cores como camaleões

Gosto do Pessoa na pessoa

Da rosa no Rosa

E sei que a poesia está para a prosa

Assim como o amor está para a amizade

E quem há de negar que esta lhe é superior

E deixa os portugais morrerem à míngua

“minha pátria é minha língua”.

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RESUMO

VITOR, Maria Luiza Rodrigues. O Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa num Recanto

Amazônico: Competências em Construção. Orientadora: Cristina Haguenauer. Rio de Janeiro:

UFRJ, 2003. Dissertação (Mestrado em Educação).

Estudo interpretativo com o objetivo de identificar em que medida as

competências em Língua Portuguesa, estabelecidas pelos PCNEM, estão sendo construídas

pelos alunos do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral, o nosso Recanto Amazônico, em

Cruzeiro do Sul / Estado do Acre. Todo este trabalho foi realizado na perspectiva de

depararmo-nos intimamente com a existência de uma realidade particular, a construção de

competências.

A estrutura deste estudo deu-se assim: reflexões introdutórias; fundamentação

teórica; procedimentos metodológicos; dados coletados e sua interpretação; reflexões

conclusivas. E três etapas metodológicas orientaram-no. A primeira consistiu da pesquisa

teórica; a segunda, da construção e a aplicação dos instrumentos de pesquisa; e a terceira

constou da análise dos dados. Para a coleta de dados foram aplicados questionários para 3,2 %

dos alunos e para 43% dos professores de Língua Portuguesa da escola Flodoardo.

Os resultados obtidos identificaram que as competências em Língua

Portuguesa, estabelecidas pelos PCNEM de 1997, ainda não estão sendo construídas pelos

alunos do Ensino Médio da Escola Flodoardo Cabral. E os mesmos resultados indicaram

igualmente que é desejo dos sujeitos desta pesquisa que o ensino de Língua Portuguesa de sua

escola seja um Ensino-Baseado-em-Competência.

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ABSTRACT

VÍTOR, Maria Luiza Rodrigues. The teaching learning of Portuguese Language in a Retreat

of the Amazonian: Competences in Construction. Guiding: Cristina Haguenauer. Rio de

Janeiro: UFRJ, 2003, Dissertation (Master’s degree in Education).

Interpretative study with the objective of identifying in what measured the

competences in Portuguese Language, established by PCNEM, are being built by the High

School students of the Flodoardo Cabral school, our Amazon Retreat, in Cruzeiro do Sul /

State of Acre. All this work was accomplished in the perspective of getting across intimately

with the existence of a particular reality, the construction of competences.

The structure of that study felt like this: introductory reflections; theoretical

foundation, methodological procedures; collected data and their interpretation; constructive

reflections. Three methodological stages guide it. The first consisted of the theoretical

research; second the construction and the application of the research instruments; and the third

consisted of the analysis of the data. For the collection of data there were applied

questionnaires for 3,2% of the students and for 43% of the teachers of Portuguese Language

of the Flodoardo school.

The obtained results identify that the competences in Portuguese Language,

established by PCNEM 1997, are not yet being built by the students of the Medium Teaching

of the Flodoardo Cabral school. And the same results indicate equally that it is a desire of the

subjects of this research that the teaching of Portuguese Language of their school be a

Teaching-based-in-competences.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................x

CAPÍTULO

I. REFLEXÕES INTRODUTÓRIAS .............................................................................01

1.1. Os Motivos do Estudo ...........................................................................................01

1.2. Definição do Problema, dos Objetivos e das Questões de Estudo ........................06

1.3. Importância do Estudo ..........................................................................................09

II. FUDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................15

2.1. Concepções de Ensino-Aprendizagem ..................................................................15

2.2. Ensino-Baseado-em-Competência ........................................................................24

2.3. Competências em Construção - PCNEM ..............................................................34

III. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..............................................................52

3.1. O Método Escolhido .............................................................................................52

3.2. Etapas do Estudo e Técnica de Coleta ..................................................................56

3.3. O Contexto da Pesquisa e seus Sujeitos ................................................................64

IV. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS .........................................................71

4.1. Apresentação e Análise de Dados .........................................................................72

4.2. Conclusões da Análise de Dados ..........................................................................98

V. REFLEXÕES CONCLUSIVAS ..............................................................................105 6.1. Considerações Finais ...........................................................................................105

6.2. Recomendações ...................................................................................................110

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APRESENTAÇÃO

O estudo que ora apresentamos postula tratar de O Ensino-Aprendizagem de

Língua Portuguesa num Recanto Amazônico: Competências em Construção. É uma

Dissertação de Mestrado em Educação pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro),

com o objetivo geral: identificar em que medida as competências em Língua Portuguesa,

estabelecidas pelos PCNEM, estão sendo construídas pelos alunos do Ensino Médio da escola

Flodoardo Cabral, o nosso Recanto Amazônico, em Cruzeiro do Sul / Estado do Acre.

Almejando contemplar este objetivo, foram aplicados questionários a alunos e a

professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral, avaliando a

práxis do ensino de língua materna neste Recanto Amazônico, considerando o grau de

atendimento às competências básicas em Língua Portuguesa estabelecidas pelos PCNEM

(Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio) na área de Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias e no que se refere à interpretação da mesma língua, e dos diferentes aspectos que

a envolvem. Para tal, embasamo-nos em uma fundamentação teórica adequada e nas

experiências da população de pesquisa.

Assim, a relevância desta pesquisa se assenta na necessidade de

compreendermos a natureza de certas situações com as quais nos deparamos ao trabalhar com

a Língua Portuguesa numa realidade especifica, Cruzeiro do Sul, e, deste modo,

identificarmos em que medida as competências em Língua Portuguesa estabelecidas pelos

PCNEN estão sendo construídas pelos alunos do Ensino Médio, a partir de uma coleta de

dados em contexto de uma das três escolas de Ensino Médio local, Flodoardo Cabral,

abrangendo uma amostra de 43 % dos professores de Língua Portuguesa (03) e uma amostra

de 3,2 % dos alunos (55).

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Na expectativa de proporcionarmos a esta investigação uma compreensão

adequada, estruturaremos a dissertação aqui apresentada em cinco capítulos. No Capítulo I,

apresentam-se as reflexões introdutórias: os motivos do estudo; a definição do problema, do

objetivo e das questões de estudo; a importância do estudo. O Capítulo II apresenta a

fundamentação teórica da investigação com uma discussão sobre concepções de ensino-

aprendizagem e sobre o Ensino-Baseado-em-Competência. E uma análise dos PCNEM na

área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, dando ênfase às competências a serem

desenvolvidas em Língua Portuguesa, finaliza este capítulo.

No Capítulo III, são estabelecidos os procedimentos metodológicos adotados

para a realização da investigação. No Capítulo IV, serão apresentados os dados coletados, a

sua análise à luz da fundamentação teórica e as conclusões deduzidas com tal análise. E o

Capítulo V conclui esta dissertação apresentando as reflexões conclusivas com as

considerações finais e as recomendações a que chegamos com a realização de toda a

investigação.

Todo este trabalho será realizado com o propósito de depararmo-nos mais

intimamente com a existência de uma realidade particular, o ensino-aprendizagem de Língua

Portuguesa na escola Flodoardo Cabral: competências em construção, uma realidade presente

num mundo criado e habitado por pessoas, professores e alunos, que sonham com um amanhã

bem melhor que o hoje presente para o ensino de sua língua mãe, um ensino comprometido

com a aprendizagem, pois enquanto houver gente falando e estudando uma determinada

língua, ela sofrerá variações, transformações, mudanças...

Deste modo, o processo ensino-aprendizagem de nossa língua vernáculo precisa

acontecer de uma maneira mais precisa e mais de acordo com as necessidades de educadores e

educandos, numa troca mútua de saberes e numa permanente construção de competências

básicas.

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CAPÍTULO I

REFLEXÕES INTRODUTÓRIAS

Este capítulo é a introdução de nossa investigação. Ele apresenta, numa ótica

reflexiva, as subdivisões: os motivos do estudo; a definição do problema, do objetivo e das

questões de estudo; a importância do estudo. Refletir sobre um determinado processo ensino-

aprendizagem é uma tentativa de aproveitar do passado para entender o presente e orientar o

futuro. A reflexão feita aqui será parte do conhecimento empírico e científico, de grande

relevância para nossa vida, tratando do ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa:

competências em construção e suas principais implicações na formação do falante crítico da

mesma língua em um Recanto Amazônico.

1.1. Os Motivos do Estudo

O ser humano é um ser capaz de tomar decisões, de formular julgamentos, de

comprometer-se com uma resposta, de refletir sobre sua vivencia de mundo. Por esta lógica,

queremos aqui refletir a respeito do que vivenciamos enquanto profissional das Letras, em um

certo lócus amazônico, pois refletir sobre uma determinada experiência, no nosso caso, o

ensino-aprendizagem de língua materna, pode ser uma excelente maneira para desviarmo-nos

de nossos erros e construirmos oportunidades mais amplas e, ao mesmo tempo, mais

direcionadas a questões essenciais que permitam o desenvolvimento do processo ensino-

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aprendizagem de Língua Portuguesa em meio à selva amazônica.

Pois, no decorrer dos dezesseis anos de nossa vida profissional em Cruzeiro do

Sul (como professora do Ensino Infantil ao Ensino Superior, em todas as séries; como diretora

de escola e como supervisora educacional), tornamo-nos conhecedora das queixas sobre a

falta de estímulos dos alunos para lerem e escreverem, para aprenderem a Língua Portuguesa

ensinada na escola, e das dificuldades dos professores para trabalharem com a mesma língua

num mundo real de desinteresses, como se o processo ensino-aprendizagem de Língua

Portuguesa, na escola, fosse uma perturbação e não um auxílio para um uso lingüístico

adequado e consciente.

Assim, a identificação da língua materna com a nacionalidade e a visão do ler

e do escrever corretamente como um dever cívico, defendida por Almeida (1978), não é algo

comumente encontrado no dia-a-dia do mundo educacional do qual somos parte integrante,

Cruzeiro do Sul, município que aspira por desenvolvimento cultural, econômico, social e

político em plena selva amazônica, onde o homem e a natureza constroem um mundo a sua

maneira, numa tentativa de sobrevivência:

Conhecer a língua portuguesa não é privilégio de

gramáticos, senão dever do brasileiro que preza sua nacionalidade. É

erro de conseqüências imprevisíveis acreditar que só os escritores

profissionais têm a obrigação de saber escrever. Saber escrever a própria

língua faz parte dos deveres cívicos. A língua é a mais viva expressão de

nacionalidade (p. 07).

O comum é encontrarmos professores de Língua Portuguesa insatisfeitos com

seu trabalho, frustrados e tomados de sensação insuportável de derrota. Espalham-se as

queixas: os alunos, de um modo geral, caracterizam-se por baixo desempenho lingüístico,

desprezam a língua, não entendem o que lêem, abusam, na produção textual, de lugares-

comuns, são incapazes de pensar. O pior: costumamos responsabilizar os próprios alunos por

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esta situação caótica. E somente raras vezes nós, os professores, vemo-nos como peça desta

engrenagem, onde os sucessos e os fracassos do processo ensino-aprendizagem de nossa

língua mãe fazem parte de nossa história igualmente.

As conseqüências de tal quadro, certamente, não são as melhores: os estudantes

não gostam de estudar a própria língua; a gramática é desrespeitada por uma criança da 1ª

série do Ensino Fundamental da mesma forma que é por um universitário do Curso de Letras;

o ensino e o uso da Língua Portuguesa mostram-se como algo problemático; a escola parece

que não consegue lidar com os conflitos lingüísticos. E, em meio a tudo isso, o que ouvimos é

um grito de um novo ensino para a Língua Portuguesa pelo Brasil inteiro, inclusive no Acre,

pois o Estado se encontra abaixo da Média Nacional em todas as séries pesquisadas pelo

SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) de 1999.

Neste contexto, vejamos o depoimento de uma professora de Língua

Portuguesa do Ensino Médio em Cruzeiro do Sul:

“Sou professora de Língua Portuguesa há cinco anos no

Ensino Médio e são muitas as inquietações que me afligem.

Recentemente, deparei-me com a prova do ENEM. Nela é patente a

distância que existe entre o que fazemos em sala de aula e o que o nosso

aluno precisa ter como competência. A avaliação do ENEM, parâmetro

para todo o Brasil, é feita para um aluno que além de estar em sala de aula

vivendo as atividades que nela se realizam, vivem constantemente

antenados com tudo que é informação. Esse não é o nosso aluno. Em

nossa realidade, eles não têm contato com tantos meios assim, eles não

têm perspectivas, falta-lhes alguma coisa de condições, de motivação

exterior à sala de aula. Por outro lado, ouve-se constantemente falar em

‘qualidade de ensino’ sem se oferecer mecanismos e infra-estrutura para

que isso ocorra. Por essas e por outras razões é que somos forçados a

avaliar o ensino da Língua Portuguesa como necessitado, ainda, de

mudanças que possam efetivar e evidenciar a interpretação de mundo, de

que você fala, em nossos educandos” (Maria José Costa).

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Envolvida por tal realidade e testemunha de tantos dissabores em relação à

nossa língua materna, fomos passando os nossos anos de Magistério aspirando pela

elaboração de um estudo que saciasse nossa sede de conhecer mais profundamente a situação

em que se insere o ensino de Língua Portuguesa no nosso campo de trabalho. Deste modo,

não foi difícil estabelecer, com clareza, o título para esta dissertação de mestrado: O Ensino-

Aprendizagem de Língua Portuguesa num Recanto Amazônico: Competências em

Construção.

Perrenoud (2002, p. 118), diz-nos: a primeira grande competência do professor

hoje é organizar e dirigir situações de aprendizagem. Sabemos que, diante disso, nós

professores podemos dizer que isso é o que sempre fizemos. Só que Perrenoud propõe como

nova competência ou desafio para nós, sabermos propor e gerir situações de ensino-

aprendizagem na perspectiva de uma escola diferenciada, ou seja, que leve em conta

características, ritmos, motivações dos alunos e não que apenas incite professores e alunos a

ficarem correndo atrás de problemas.

Assim, entendemos que ensinar a Língua Portuguesa é, fundamentalmente,

compreender como ela funciona e que usos tem e, ao mesmo tempo, refletir sobre o papel da

linguagem na nossa vida, como instrumento de libertação, como mediadora na construção do

conhecimento e do raciocínio. É missão para aqueles que desejam ser heróis e sujeitos no

despertar de uma sociedade onde todos tenhamos vez e voz, como apontam os Parâmetros

Curriculares Nacionais (1997):

O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a

participação social e efetiva... Ao ensiná-la, a escola tem a

responsabilidade de garantir aos seus alunos o acesso aos sabores

lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável a

todos (volume 2, p. 15).

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Os PCNs até que apontam para uma direção libertadora do aluno mediante o

uso da língua, ou seja, a língua é vista como instrumento de libertação social do educando.

Porém, o que observamos, pelos caminhos da vida, é que a escola, muitas vezes, impõe um

modo de falar e conceber o mundo ao aluno, complicando e distanciando o mesmo do objeto

do conhecimento, dificultando assim o exercício da cidadania, através dos sabores

lingüísticos, de uma forma consciente.

Na prática, porém, tudo aparenta levar à reprodução: o aluno reproduz a fala

do professor, que reproduz a fala do livro didático, que reproduz um jeito de se interpretar a

vida de quem o escreve. A escola reproduz-se, certamente. Até porque, como o

conhecimento, na maioria das vezes, é visto/dado como algo acabado, resta a todos

apreendê-lo e reproduzi-lo, sem construí-lo. Tal perspectiva está claramente presente na

concepção de muitos escritores modernos. Lívia Suassuna (2000), por exemplo, afirma:

Qualquer professor de língua portuguesa é capaz de

lembrar a sua própria história escolar e admitir que ela foi quase que

uma mera repetição da imposição do “certo e do errado”. A tendência

natural, então, é que reproduza esse procedimento dogmático e prescrito

na escola, acreditando mesmo em seu funcionamento. (p. 32)

No entanto, precisamos mobilizar-nos no sentido de estruturarmos estratégias

metodológicas criativas para o ensino, pois o professor de Língua Portuguesa deverá ser

aquele que reúne condições para dirigir situações de ensino e aprendizagem da língua aos

alunos, com objetivos precisos, conforme recomenda Kock (1984): ”Ao professor cabe a

tarefa de despertar no educando uma atitude crítica diante da realidade em que se encontra

inserido, preparando-o para ‘ler o mundo’; a princípio o seu mundo, mas, daí em diante, e

paulatinamente, todos os mundos possíveis” (p.160).

Tamanha tarefa é reservada ao professor de Língua Portuguesa. Porém, na

maioria das vezes, o mesmo professor não é preparado para tal, ele que quase sempre recebe

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uma formação, em Língua Portuguesa, deficiente de uma escola também deficiente e, por sua

vez, estará igualmente incapacitado para trabalhar a língua de uma forma consciente e

libertadora, o que resultará em alunos não preparados para enfrentar o mundo lingüístico-

cultural-social que faz parte do seu dia-a-dia.

Foram situações deste nível que nos motivaram a entrarmos de corpo e alma

nesta investigação. Pois, para a nossa concepção de educadora, os maus hábitos como vem

sendo encarado o processo ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa são motivos mais que

suficientes para realizarmos um estudo de pesquisa como este, uma vez que tais problemas

requerem o enfrentamento. Macedo (2002), esclarece-nos:

Uma situação-problema, como situação de aprendizagem,

coloca um desafio intelectual, algo a ser superado. Ela pede antecipação

dos resultados, planejamento, correr riscos, portanto, reflexão,

tematização, disputa, enfrentamento de conflitos, tensões, paradoxos,

alternativas diversificadas ou argumentações (p.120).

É exatamente o que Macedo coloca aqui que aspiramos com esta investigação,

pois queremos, de certa forma, ser contribuinte numa grande história de amor à língua

materna, em um pequeno recanto em plena selva amazônica, onde homem e natureza ainda

formam um par quase perfeito...

1.2. Definição do Problema, do Objetivo e das Questões de Estudo

1.2.1. Definição do Problema do Estudo

A intermediação de um real externo, problemático, mescla-se às reflexões,

como que exigindo ser aberto primeiro para que possa clarear o objeto desta pesquisa. Na

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verdade, sentimo-nos motivados em construir o objeto com base nas teorizações que tentam

interpretar o contemporâneo, em especial a construção de competências que exigem um alto

nível de elaboração mental, e nas experiências de professores de Língua Portuguesa e alunos

do Ensino médio.

Pois a realidade a qual situamos o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa

em Cruzeiro do Sul, escola de Ensino Médio Flodoardo Cabral, o Recanto Amazônico lócus

de nossa investigação, é uma realidade que merece de nós, profissionais do idioma, atenção

especial. Embasando-nos em Perrenoud (2000), vamos perceber que ele aponta as

competências básicas que cabem ao professor desenvolver como auxílio ao processo ensino-

aprendizagem, uma vez que elas estão ligadas à organização e à estimulação de situações de

aprendizagem. E, ao professor, cabe igualmente gerar e garantir a progressão da

aprendizagem e também pode refletir sobre como isso pode ser feito.

Logo, “a atuação do professor deve acontecer no sentido da construção de uma

nova consciência, consolidando uma cidadania ética e solidária” (Allessandrini, 2002, p.167).

Em meio a essa concepção, estamos nos propondo trabalhar com o seguinte problema de

estudo: em que medida as competências em Língua Portuguesa, estabelecidas pelos PCNEM,

estão sendo construídas pelos alunos do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral, o nosso

Recanto Amazônico, em Cruzeiro do Sul / Estado do Acre?

1.2.2. Definição do Objetivo do Estudo

Tendo em vista o problema de estudo acima mencionado, esta investigação tem

por objetivo geral: identificar em que medida as competências em Língua Portuguesa,

estabelecidas pelos PCNEM, estão sendo construídas pelos alunos do Ensino Médio da escola

Flodoardo Cabral, o nosso Recanto Amazônico, em Cruzeiro do Sul / Estado do Acre.

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Na tentativa de concretização deste objetivo, consideraremos o grau de

atendimento às competências básicas em Língua Portuguesa estabelecidas pelos PCNEM na

área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; e fundamentar-nos-e-mos em autores como

Perrenoud, Allessandrini, Macedo, Machado que acreditam que as competências são formadas

passo a passo, segundo um processo de construção contínuo, e que têm uma visão educacional

que compreende um aspecto transformador, uma vez que exigem uma postura crítica por parte

do professor, de forma a promover a reflexão. Allessandrini (2002), por exemplo, afirma:

Somos frutos de uma forma de se acreditar na educação.

Entretanto, recebemos a imensa tarefa de aprendermos a funcionar

internamente de um modo diferente daquele no qual fomos constituídos.

A cada dia, vivemos a necessidade de possuirmos uma consciência crítica

que participe efetivamente de nossas ações. Percebemos nossas amarras e

precisamos aprender a lidar com elas, em favor das crianças, dos

adolescentes e dos jovens que chegam a nós como alunos aprendizes,

trazendo consigo uma forma diferente (da nossa) de serem alunos (p.169).

1.2.3. Definição das Questões de Estudo:

A presente investigação, para alcançar seu objetivo geral, pretende encontrar

respostas para as seguintes questões de estudo:

Quais as percepções de alunos e professores do Ensino Médio sobre o ensino de Língua

Portuguesa, na escola Flodoardo Cabral, em Cruzeiro do Sul, tendo em vista o

relacionamento professor/aluno e os conteúdos trabalhados em sala de aula?

As competências: aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola;

articular as redes de diferenças e semelhanças entre a língua oral e a escrita; considerar a

Língua Portuguesa como fonte de legitimação de condutas sociais, estão sendo construídas

Page 21: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

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pelos alunos do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral?

Como os alunos do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral querem que seja o ensino

de Língua Portuguesa, tendo em vista a construção de competências estabelecidas pelos

PCNEM?

1.3. Importância do Estudo

A idéia de que a meta principal da escola não é o ensino de conteúdos

disciplinares, mas sim o desenvolvimento das competências pessoais, está hoje no centro das

atenções. E, como não existe uma competência sem a referência a um contexto no qual ela se

materializa, é que a importância desta pesquisa se dá na necessidade de identificarmos em que

medida as competências em Língua Portuguesa estabelecidas pelos PCNEM estão sendo

construídas pelos alunos do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral, nosso Recanto

Amazônico.

Os PCNEM (1997, p.10), na apresentação das Diretrizes Curriculares

Nacionais, apresentam como uma das competências a serem desenvolvidas em Língua

Portuguesa: “Compreender e usar a Língua Portuguesa como língua materna, geradora de

significação e integradora da organização de mundo e da própria identidade”. Esta

competência demonstra quão relevante é o papel que um idioma pátrio deve desempenhar na

vida de qualquer ser humano, a partir dos primeiros anos de existência.

Porém, somos conscientes das dificuldades que existem para a construção de tal

competência e também das demais, que serão analisadas neste trabalho, uma vez que

professores e alunos são partes atuantes de um meio onde não há o hábito de amar e respeitar a

Língua Portuguesa como língua mãe, geradora de tantos benefícios. E, por isso, estamos

Page 22: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

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procurando cooperar, de forma efetiva, para a reversão da situação, propondo o presente

estudo.

E, no um estudo deste gênero, os maiores beneficiados certamente serão alunos

e professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio que terão suas necessidades e interesses

atendidos à medida que estamos procurando elaborar um trabalho altamente inserido na

realidade local dos mesmos, onde eles serão os atores principais do processo, construindo

competências que venham a colaborar com o ensino-aprendizagem de língua materna em um

Recanto Amazônico. Queremos contribuir para que se realize o que Allessandrini (2002) nos

coloca:

Aprendendo a ver com olhos observadores e reflexivos, a

escutar o discurso que está sendo dito, a ler e a sentir o que está presente

nas entrelinhas do texto gestual ou escrito, o educador torna-se capaz de

desenvolver uma nova consciência que lhe possibilita enxergar o tácito e o

implícito no processo de aprendizagem de seu aluno. Desse modo, é

convidado a desenvolver suas próprias competências, direcionando seus

alunos para que aprendam a ser e a pensar (p. 161).

Os resultados desta pesquisa oferecerão subsídios para os diversos segmentos

envolvidos no processo ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa em Cruzeiro do Sul, a

partir da Escola de Ensino Médio Flodoardo Cabral, contribuindo na prática pedagógica dos

professores, visando auxiliá-los em seu trabalho diário com a língua e proporcionando ao

aluno condições para a ampliação de seu patrimônio científico, para a aprendizagem de uma

consciência crítica, capaz de interpretar o idioma que estuda e capaz de construir as

competências em Língua Portuguesa estabelecidas pelos PCNEM.

Pois, ao nosso ver, o mérito de uma pesquisa em educação, no tocante à

língua mãe, se justifica pela necessidade de garantir a aprendizagem de conhecimentos

básicos a todos os envolvidos. Denominamos conhecimento básico, em Língua Portuguesa, a

possibilidade de desenvolvimento da comunidade por meio da linguagem verbal em

Page 23: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

22

diferentes esferas da vida social, e a construção de competências básicas a partir do EBC

(Ensino-Baseado-em-Competênca).

“Trabalhar com aprendizagem envolve um contínuo movimento de reflexão,

um reajuste cotidiano de nossos próprios processos” (Allessandrini, 2002, p.166). Assim, este

trabalho de pesquisa, poderá ser um instrumento para a construção de um conhecimento

crítico, valorizando os interesses individuais articulados a um contexto sócio-histórico que

abrange o uso das novas metodologias e das tecnologias da comunicação e da informação,

fugindo de uma perspectiva puramente instrumental, acreditando que é possível fazer do

ensino-aprendizagem de língua materna uma intensiva interlocução, começando pela

conscientização de que ensinar o idioma pátrio a quem o domina de forma intuitiva constitui

um dever árduo; porém, necessário à formação básica e permanente do cidadão.

Precisamos apenas querer mudar e assumir os riscos de uma atitude inovadora,

onde o professor seja guia seguro e o aluno seja sujeito de sua própria história de

aprendizagem, e ambos acreditem que as mudanças virão, principalmente, daqueles que vivem

o ensino de língua, não daqueles que especulam sobre ele. Perrenoude (2002, p.31), refere-se a

esta percepção ao dizer: “Os formadores trabalham, refletem, formam-se, inovam, mas com

freqüência cada um continua no seu canto. Deixam o desenvolvimento de uma visão conjunta

nas mãos dos ministérios e da direção das instituições”.

Assim, um processo ensino-aprendizagem de língua mãe fundamentado no

EBC, nunca pode ser completamente isolada da cultura no qual está profundamente

enraizada, pois seu estudo deve levar aluno e professor à percepção de que há muitas formas

de construir competências e de olhar para as coisas, muitas formas de ação e expressão, e que

as diferenças não representam, necessariamente, questões certas ou erradas. De acordo

Allessandrini, (2002):

Há uma consciência crítica que deve ser desenvolvida. Há

uma qualidade de ser humano que precisamos aprender a ser. Há uma

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23

nova postura que precisa participar de nossa atuação no mundo. Há um

desafio imenso que se traduz em pequenos gestos, no cotidiano de nossas

vidas pessoais e profissionais, que deve ser enfrentado e elaborado com a

maturidade que construirmos. Há competências a serem atualizadas e

ressignificadas. Há novas competências a serem desenvolvidas (p. 169).

Desta forma, o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, que concebemos

com este trabalho, será aquele que oferece ao homem um maior desenvolvimento de sua

capacidade ideativa, pela reflexão constante a que nos obriga o estudo de um sistema

lingüístico, trazendo-lhe, ainda, um aperfeiçoamento estético e uma evolução do pensamento

discursivo, com reflexo na função cognitiva, isto é, na que nos produz conhecimento, na que

nos leva ao mundo do saber constante e inserido numa realidade específica e que alimenta a

busca de sempre estarmos em evolução. Os PCNEM (1997), acrescentam:

O desenvolvimento da competência lingüística do aluno no

Ensino Médio, dentro dessa perspectiva, não está pautado na exclusividade

do domínio técnico de uso da língua legitimada pela norma padrão, mas,

principalmente, no saber utilizar a língua, em situações subjetivas e/ou

objetivas que exijam graus de distanciamento e reflexão sobre contextos e

estatutos de interlocutores – a competência comunicativa vista pelo prisma

da referência do valor social e simbólico da atividade lingüística e dos

inúmeros discursos concorrentes (p.11).

É importante também perceber que até mesmo o caminho da produção desta

investigação está sendo gratificante, pois o ponto de partida é a vivência de dezesseis anos que

temos com o ensino de Língua Portuguesa em Cruzeiro do Sul. Por esta ótica, procuraremos

manter o respeito à diversidade e às diferenças das pessoas entrevistadas na coleta de dados,

incluindo reflexões sobre o sentido do ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa e das

competências a serem objetivadas no Ensino Médio da mesma disciplina.

Page 25: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

24

E, finalmente, um dos primeiros fatores a ser considerados para que esta

investigação faça sentido pode ser encontrado na experiência daqueles que vivenciaram e

vivenciam o ensino de Língua Portuguesa no nosso Recanto Amazônico ou em qualquer outro

lugar. Um poema, Aula de Português, de um dos maiores poetas da literatura brasileira e

mundial, Carlos Drummond de Andrade (1974, p.76-77), dá algumas indicações sobre uma

dessas experiências:

A linguagem

na ponta da língua,

tão fácil de falar

e de entender.

A linguagem

na superfície estrelada de letras,

sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,

e vai desmatando

o amazonas de minha ignorância.

Figuras de gramática, esquipáticas,

atropelam-me, aturdem-se, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,

em que pedia para ir lá fora,

em que levava e dava pontapé,

a língua, breve língua entrecortada

do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

De acordo com esta percepção de experiência com o ensino de Língua

Portuguesa na escola, a língua que se ensina é diferente e distante do português que se usa no

dia-a-dia. Este, como apresenta a primeira estrofe, esta na ponta da língua e é fácil de falar / e

de entender. Já o outro Português, o da escola, é visto, na segunda estrofe, como

incompreensível: “sabe lá o que ela quer dizer?”.

Page 26: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

25

Ainda, de acordo com essa percepção, o resultado do ensino dessa outra língua

não é o seu aprendizado. Ao contrário, é, primeiramente, o reconhecimento de que não se sabe

essa língua: “Professor Carlos Góis, ele é quem sabe, / e vai desmatando / o amazonas de

minha ignorância”. É, por fim, o esquecimento, ou melhor, o estranhamento da língua do dia-a-

dia: “já esqueci a língua em que comia”,... Em suma: “o português são dois; o outro, mistério”.

Segundo a experiência acima, o português que se usa e o Português que se

ensina não coincidem. É como se fossem dois mundos tentando sobreviver numa única

realidade. Batista (1997), mostrando-se conhecedor de tal experiência nos coloca:

A natureza, assim, daquilo que se transmite na aula de

Português pode ser vista como o resultado das condições em que se

realiza a própria atividade de transmissão. Faz sentido, desse modo,

perguntar: quando se ensina Português, que português se ensina?

Responder a essa pergunta é de fundamental importância. Buscando sua

resposta, pode-se ter uma visão mais clara dos problemas enfrentados

pelos professores de Português em sua prática de ensino (p. 07).

Foi a partir de questões como as que foram acima mencionadas, que nos

propusemos a elaborar esta investigação; pois é investigando, explorando, pesquisando a

realidade dos fatos que nós podemos responder perguntas que não querem calar, produzir

nosso próprio conhecimento e descobrir o verdadeiro funcionamento do processo ensino-

aprendizagem de Língua Portuguesa: competências em construção, uma solução?

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26

CAPÍTULO II

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, temos por objetivo construir a fundamentação teórica da

investigação. Com este propósito, em primeira instância, abordaremos certas concepções de

ensino-aprendizagem. Em seguida, traçaremos uma perspectiva histórica do EBC (Ensino-

Baseado-em-Competência). E, finalmente, trabalharemos com os PCNEM (Parâmetros

Curriculares Nacionais - Ensino Médio) na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,

fazendo uma análise crítica de três competências das oito a serem desenvolvidas em Língua

Portuguesa estabelecidas pelos mesmos PCNEM.

2.1. Concepções de Ensino-Aprendizagem

Para Fernádez (1998, p. 45), as reflexões sobre o estado atual do processo

ensino-aprendizagem nos permite identificar um movimento de idéias de diferentes correntes

teóricas. Entre os fatores que estão provocando esse movimento, podemos apontar as

contribuições da Psicologia atual em relação à aprendizagem, que nos leva a repensar nossa

prática educativa. E os mecanismos de influência educativa têm um lugar no processo de

ensino-aprendizagem, como um ponto onde não se centra atenção apenas em um dos aspectos

que o compreendem, mas em todos os envolvidos.

Page 28: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

27

O Relatório Jacques Delors (1998), resultado dos trabalhos da Comissão

Internacional sobre Educação para o Século XXI, da UNESCO, apresenta também sua

contribuição valiosa no tocante à aprendizagem:

A educação deve organizar-se em torno de quatro

aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum

modo para cada individuo, os pilares do conhecimento: aprender a

conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão, aprender a

fazer, para poder agir sobre o meio envolvente, aprender a viver juntos, a

fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades

humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três

precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas

uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de

relacionamento e de permuta (p.89-90).

Podemos perceber nesse texto do Delors a insistência em conjugar, em todos os

sentidos da palavra, dois verbos em cada um dos chamados pilares, sendo que o primeiro,

aprender, repete-se em todos eles. Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver,

e aprender a ser. Enfim, levando às suas últimas conseqüências pedagógicas, os pilares se

reduzem a aprender a aprender, embora o próprio relatório considere essa máxima como

síntese apenas do primeiro pilar. “Aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a

aprender, excitando a atenção, a memória e o pensamento” (p.92).

O processo ensino-aprendizagem tem sido historicamente caracterizado de

formas diferentes, que vão desde a ênfase no papel do professor como transmissor de

conhecimento, até as concepções atuais que concebem o processo de ensino-aprendizagem

como um todo integrado que destaca o papel do educando. Nesse último enfoque, considera-

se a integração do cognitivo e do afetivo, do instrutivo e do educativo como requisitos

psicológicos e pedagógicos essenciais. Para Machado (2002), o que concretiza as concepções

atuais de ensino-aprendizagem é o desenvolvimento das competências:

Page 29: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

28

Hoje, porém, parece cada vez mais claro que tanto a

formação escolar básica quanto a formação profissional justificam-se

apenas se se concentrarem no desenvolvimento das competências

pessoais. Estas certamente não são desenvolvidas sem que se estude

muita ciência, sem o recurso constante a aparatos tecnológicos,

concebidos para servir de meios à realização de nossos projetos (p.152).

A concepção defendida aqui é que o processo ensino-aprendizagem é uma

integração dialética entre o instrutivo e o educativo que tem como propósito essencial

contribuir para a formação integral de personalidade do aluno. O instrutivo é um processo de

formar homens capazes e inteligentes. Entendendo por homem inteligente quando, diante de

uma situação problema ele seja capaz de enfrentar e resolver os problemas, de buscar soluções

para resolver as situações. Ele tem que desenvolver sua inteligência e isso só será possível se

ele for formado mediante a utilização de atividades lógicas, como, por exemplo, a construção

de competências básicas.

A eficácia do processo ensino-aprendizagem está na resposta em que este dá à

apropriação dos conhecimentos, ao desenvolvimento intelectual e físico do estudante, à

formação de sentimentos, qualidades e valores, que alcancem os objetivos gerais e específicos

propostos em cada nível de ensino de diferentes instituições, conduzindo a uma posição

transformadora, que promova as ações coletivas, a solidariedade e o viver em comunidade.

A concepção de que o processo ensino-aprendizagem é uma unidade dialética

entre a instrução e a educação está associada à idéia de que igual característica existe entre

ensinar e aprender. Esta relação nos remete a uma concepção de que o processo ensino-

aprendizagem tem uma estrutura e um funcionamento sistêmico, isto é, está composto por

elementos estreitamente inter-relacionados. Paulo Freire (1978, p.79), há mais de duas

décadas, já defendia uma idéia educacional de comunhão: “Já agora ninguém educa ninguém,

como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,

mediatizados pelo mundo”.

Page 30: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

29

Essa é uma das afirmações mais citadas e mais conhecidas de Paulo Freire, mas

que, se não examinada em profundidade, pode provocar grandes equívocos. Estamos citando-

a aqui com a intenção de retomar uma idéia tão difícil de ser absorvida na nossa prática

educativa, dada à tradição hegemônica de um sistema educacional cujo eixo tem sido, entre

nós, o de ensinar conteúdos. A máxima freiriana constitui-se como auto-educação, pois tem

como centralidade o aprender, não o ensinar. Neste sentido, essa concepção posiciona-se na

mesma linha de Relatório Delors. Paulo Freire (1997) é até mais explícito nessa direção:

É preciso, sobretudo, e aí já vai um desses saberes

indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua

experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção

do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou sua

construção (p.25).

Assim, no processo ensino-aprendizagem fundamentado em Paulo Freire,

homens e mulheres são irredutíveis a objetos do educador, isto é, não são informados nem

formados por outrem, mas auto-informados e autoformados. Aqui cabe indagar se o educador

tem razão de ser e, mais do que isso, se ele é fundamental ao processo pedagógico, embora

sua tarefa, na educação libertadora, seja a de criar possibilidades e ambiência adequada para

a construção do conhecimento pelos educandos. Esta ótica que caracteriza o olhar freiriano

sobre o processo ensino-aprendizagem se esclarece na perspectiva histórica:

Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi

aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens

descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente

aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam

que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos,

métodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras,

ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender (Freire,

1997, p.26).

Page 31: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

30

Isso nos leve a crer que nos primórdios da humanidade, não havia processos

sistemáticos e intencionais de ensino. Os seres da espécie aprendiam observando a realidade,

buscando, inicialmente, as soluções individuais. Com o passar do tempo, o homem construiu

coesões sociais mais amplas. Mas, o que queremos destacar aqui, é que o processo do

aprender precedeu o do ensinar. Esse, com o correr do tempo, tornou-se uma necessidade,

dada a acumulação de conhecimentos, habilidades e posturas necessárias à preservação ou à

transformação das formações sociais.

Já no primeiro livro de sua grandiosa carreira, Educação e atualidade

brasileira, escrito em 1959 e republicado em 2001, Paulo Freire assim se expressou:

Somente uma escola centrada democraticamente nos

educandos e na sua comunidade local, vivendo as suas circunstâncias,

integrada com seus problemas, levará os seus estudantes a uma nova

postura diante dos problemas de seu contexto. (...) Escola que se faça uma

verdadeira comunidade de trabalho e de estudo, (...) e faça com que

aqueles aprendam sobretudo a aprender (2001, p.85).

Tais idéias de Paulo Freire, há mais de quatro décadas, certamente causaram

grande estranheza para muitos; no entanto, acabaram por se tornar o eixo norteador da

educação no século XXI. Pois, apenas recentemente, foi que a humanidade descobriu que a

possibilidade de aprender conteúdos, desenvolver competências e habilidades, incorporar

princípios só é possível quando a pessoa aprende a aprender. Peter Senge (1990) escreveu:

O ser o humano vem ao mundo motivado a aprender, a

explorar e a experimentar. Infelizmente, a maioria das instituições em

nossa sociedade é orientada mais para controlar do que para aprender,

recompensando o desempenho das pessoas, em função de obediência a

padrões estabelecidos e não por seu desejo de aprender (p.45).

Page 32: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

31

Ao longo desta discussão, estamos percebendo que todo ato do processo

ensino-aprendizagem obedece a determinados fins e propósitos de desenvolvimentos sociais e

econômicos, sustenta-se em uma filosofia da educação, adere a concepções epistemológicas

específicas, leva em conta os interesses institucionais e, depende, em grande parte, das

características, interesses e possibilidades dos sujeitos participantes: alunos, professores,

comunidades escolares e demais fatores do processo.

Todas estas influências exercem sua ação inclusive nos pequenos atos que

ocorrem na sala de aula, ainda que não sejam conscientes. Por isso, a adoção de uma nova

postura educacional, a busca de um paradigma da educação tem substituído, no processo

ensino-aprendizagem, uma relação de causa e efeito para um modelo que enfatiza o exercício

de investigação e construção de conhecimento. Allessandrini (2002) apresenta os temas

transversais como uma resposta à nova postura educacional:

Os temas transversais, longamente discutidos nos PCNs,

representam uma direção educacional efetivamente norteadora, pois

solicita-nos a refletir sobre a inserção real de nossos valores em nossa

práxis, criando respostas coerentes com o que pressupõe uma ação

reflexiva (p. 172).

Quem ensina sabe que a atividade escolar transcorre de uma forma rápida

demais. O professor deve atuar entre os alunos, em seus trabalhos, nas avaliações, na sala de

aula, nas consultas e visitas dos pais etc. No entanto, sem uma reflexão sobre a própria

prática, esta se torna automática e corre o risco de distanciar-se cada vez mais da realidade

mutante da sala de aula. A reflexão é a única via para melhorar o trabalho educativo.

Assim, alguns pontos são considerados essenciais por Fleury (1995) para gerar

uma dinâmica de ensino-aprendizagem em contextos de permanentes mudanças:

O processo de inovação, de busca contínua de capacitação e qualificação

das pessoas é um processo permanente, jamais esgotado.

Page 33: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

32

O processo de aprendizagem é um processo coletivo, partilhado por todos,

e não o privilégio de uma minoria pensante.

A comunicação flui entre pessoas, áreas, níveis, visando à criação de

competências interdisciplinares.

Desenvolve-se uma visão sistêmica e dinâmica do fenômeno

organizacional (p.103).

O desafio é que esta dinâmica da aprendizagem precisa estar fundamentada

sobre valores básicos, que dêem consistência às práticas do processo ensino-aprendizagem.

Ou seja, há necessidade de que os valores básicos sejam consistentes com esta dinâmica de

aprendizagem e inovação permanentes.

Acredita-se, também, que a nossa emancipação, como professores, com relação

aos conteúdos e ao seu ensino, deva vir através do desenvolvimento de uma atitude crítica

sobre o conhecimento e o ensino do conhecimento, numa perspectiva de investigação e

construção de uma nova prática. Por nova prática, entendemos uma prática consciente, na

qual nós professores reflitamos e escolhamos os caminhos, de maneira mais comprometida

com resultados mais positivos, para nós e para nossos alunos.

Enfim, como educadores, deparamo-nos com a necessidade de trabalharmos no

sentido de aprimorar nosso conhecimento e desenvolver nossas possibilidades, favorecendo,

assim, a construção das competências de nossos aprendizes, permitindo-lhes que aprendam a

pensar e a aprender por eles próprios, a partir de diretrizes básicas, permeadas por valores e

princípios. Deste modo, o processo ensino-aprendizagem, do qual somos partes integrantes,

será um processo onde nós e nossos alunos possamos ensinar e aprender juntos, como sujeitos

de um único processo. Assim, certamente, o que Perrenoud (2002) escreve não continuará

sendo uma realidade entre nós:

As reformas escolares fracassam, os novos programas não

são aplicados, belas idéias como os métodos ativos, o construtivismo, a

avaliação formativa ou a pedagogia diferenciada são pregadas, porém

Page 34: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

33

nunca praticadas. Por quê? Precisamente porque, na área de educação,

não se mede suficiente o desvio astronômico entre o que é prescrito e o

que é viável nas condições efetivas do trabalho docente. (p.17).

E, saindo de uma visão geral de ensino-aprendizagem para um aspecto mais

específico, Língua Portuguesa, podemos nos perguntar: O que significa mesmo

ensinar/aprender Português?

Quando dirigimos esta pergunta a estudantes de Língua Portuguesa, em geral

obtemos como resposta algo em torno da grande dificuldade de aprender uma língua

considerada “difícil e complicada”. Há uma clara percepção de que existe acentuada diferença

(já cantada em versos e prosa por Drummond, em Aula de português e por Luis Fernando

Veríssimo, em O gigolô das palavras) entre o português que se sabe e se pratica

cotidianamente e aquele que é ensinado na escola. Tal percepção dos falantes a respeito dessa

duplicidade sugere pelo menos uma pergunta: o que se ensina, de fato, nas aulas de Português,

para falantes de Português?

Autores como Cagliari (1984), Luft (1984/2002), Geraldi (1984 e 1996),

Soares (1995/2002) e Batista (1997) defendem que o ensino de teoria gramatical é a tônica e a

questão que se impõe no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. Porém, os mesmos

estudiosos têm buscado mais respostas a essa questão e algumas certezas já são correntes.

Talvez a mais importante delas seja a de que o ensino quase exclusivo de metalinguagem e de

teoria gramatical não determina a autonomia para o uso da língua em situações que não sejam

as simuladas em sala de aula.

Neste contexto, os PCNEM (1997) surgem como que redefinindo os conceitos

e apontando novos rumos para o ensino-aprendizagem de língua materna:

A Língua Portuguesa é um produto de linguagem e

carrega dentro de si uma história de acumulação/redução de significados

sociais e culturais. Entretanto, na atualização da língua, há uma variedade

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de códigos e subcódigos internalizados por situações extra-verbais que

terminam por se manifestar nas interações verbais estabelecidas (p.20).

Além disso, por mais que se façam diagnósticos de crise, de falhas e de

denúncias sobre o ensino de teoria gramatical, esse modelo de ensino persiste e é realista

pensar como Ilari (1986, p. 219-20) quando ele avalia que, de certa forma, “(...) a gramática

tradicional resiste porque tem constituído um poderoso fator de auto-confiança do professor

primário e secundário, e faz parte da representação que o professor de português faz de sua

própria competência profissional”.

Uma compreensão mais ampla aponta para o ensino-aprendizagem de Língua

Portuguesa como sendo “o produto de uma visão do fenômeno da língua e do papel de seu

ensino em uma determinada sociedade” (Batista, 1997, p. 3); um produto, portanto, de certas

condições sócio-históricas que o engendram. Em conseqüência dessa posição, assume-se que

há lutas políticas na definição do objeto e dos objetivos de Língua Portuguesa. Assim, aquilo

que se ensina/aprende é fruto de uma escolha que se processa por meio de tensões e disputas

pela hegemonia no campo da linguagem.

Em 1984, Luft já havia argumentado que o ensino tradicional é ingênuo porque

é cheio de preconceitos que reiteram uma ação acrítica e rotinizada de práticas pedagógicas

caracterizadas pela via de mão única: professor ensina/aluno aprende. Tal prática, ainda na

visão de Luft, não leva em conta que todo falante já sabe sua língua e que “não há

oportunidade privada no mundo das palavras” (p.30). No entanto, a escola continua

orientando-se pela concepção de que há certo e errado em língua e assumindo, com isso, a

discriminação lingüística. Luft (1984/2002) define assim o ensino ideal:

O ensino ideal, a educação ideal, que todos desejamos, há

de ser uma educação para a liberdade, como a têm preconizado figuras do

porte de um Paulo Freire em nosso país. Muito particularmente se aplica

isto ao ensino de língua materna, já que é através dela que pensamos,

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35

analisamos o mundo, nos integramos e nos relacionamos com os nossos

irmãos (p. 98).

Portanto, a nossa tarefa fundamental, como professores de língua materna ou

não, num novo processo ensino-aprendizagem, hoje, é semear desejos, estimular projetos,

consolidar uma arquitetura de valores que os sustentem e, sobretudo, fazer com que os nossos

alunos saibam articular seus projetos pessoais com os da coletividade na qual se inserem,

sendo, conseqüentemente, competentes e capazes de construírem competências básicas e seu

próprio modelo de aprendizado, no nosso caso, no Recanto Amazônico lócus de nossa

pesquisa.

2.2. Ensino-Baseado-em-Competência

O EBC (Ensino-Baseado-em-Competência) não está necessariamente

associado a qualquer filosofia ou a qualquer modelo de ensino-aprendizagem. Como

movimento, ganhou alta cotação a partir do fim da década de 60 nos Estados Unidos. E, como

a maioria dos movimentos dessa natureza, reflete uma tendência cultural geral, assim como

metas educacionais específicas.

Duas forças na sociedade americana se somaram contribuindo para o

desenvolvimento do EBC. A primeira, derivada de pressões nos setores comerciais e

industriais, enfatizava a responsabilidade que era cobrada dos indivíduos no exercício de suas

atividades. Assim, não se esperava que médicos, professores, dentistas, e outros, dominassem

profundamente apenas os conhecimentos dos seus campos. A segunda força, modeladora e

direcionadora do ensino, fundamentava-se na necessidade de personalização do ensino,

necessidade esta de profundas raízes na cultura americana (Houston, 1974).

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36

O ensino para a competência constitui programa flexível e individualizado, que

liberta ambos, professor e aluno, das tarefas rotineiras e tradicionais, a fim de poderem

trabalhar no seu ritmo próprio, sem receio de fracasso, razão pela qual este tipo de ensino vem

ganhando tantos adeptos e suscitando tanto interesse. Muitos recorreram ainda a esta espécie

de ensino devido ao descontentamento reinante em relação à discrepância evidente que existe

entre teoria e prática. Outros, ainda, para tentarem responder às demandas públicas por

melhores professores ou ainda para que surjam novas mudanças na tecnologia educacional.

Apesar da noção de competência não ser nova, seu uso cada vez mais

difundido nos discursos educacionais, científicos e sociais é relativamente recente e nos leva a

inquirir sobre a significação do seu emprego. Segundo Bourdieu (1989, p. 67), “é preciso

examinar-se o espaço que as palavras ocupam na construção das coisas sociais”. E, devido à

importância que a palavra competência assumiu para se estabelecer o que seria um bom ou

um mau profissional, foi elaborada uma gama variada de definições.

Uma das definições mais comuns é de que este termo designa o conjunto de

conhecimentos, capacidades e aptidões que habilitam alguém para uma multiplicidade de

decisões e desempenhos sociais. Seu significado, no âmbito educacional e da formação para o

trabalho, está intimamente ligado ao desempenho e à eficiência. Mas, Perrenoud (1999),

esclarece-nos:

Não existe uma definição clara e partilhada das

competências. A palavra tem muitos significados, e ninguém pode

pretender dar a definição. O que fazer então? Resignar-se à Torre de

Babel? Procurar identificar o significado mais comum em uma instituição

ou em um meio profissional? Avançar e conservar uma definição

explícita? (p.19).

O próprio Perrenoud (2002), três anos depois, já se arrisca numa definição

mais consistente para competência:

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37

Atualmente, define-se uma competência como a aptidão

para enfrentar uma família de situações analógicas, mobilizando de uma

forma correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos recursos cognitivos:

saberes, capacidades, microcompetências, informações, valores, atitudes,

esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio (p.19).

Essa amplitude semântica evidencia diversidade de significação, gerando

incerteza na conceituação geral de competência; às vezes, tal termo remete à capacidade,

outras vezes à habilidade, ao conhecimento, às atitudes e ao desempenho, conforme se pode

verificar em algumas definições presentes no Documento Educação Profissional: o debate da

(s) competência (s), citado pela Revista do PAS - Vol. 2. - Nº 2:

Competência é a capacidade de uma pessoa para desenvolver ações de maneira

autônoma, planejando-as, complementando-as e avaliando-as.

Competência profissional é a capacidade de utilizar os conhecimentos e as habilidades

adquiridas para o exercício de uma situação profissional.

Competência é a capacidade para usar habilidades, conhecimentos e atitudes e

experiências adquiridas para desempenhar bem papéis sociais.

Competência é a capacidade para aplicar habilidades, conhecimentos e atitudes em

tarefas ou combinações de tarefas operacionais. (p. 26)

Vale dizer ainda que as noções de saberes e competências foram redefinidas

pelas ciências cognitivas. Para alguns autores, competência é a potencialização de

capacidades várias e, para outros, é a efetivação das capacidades. Na elaboração do currículo,

essas duas dimensões estão configuradas: busca-se desenvolver no educando capacidades já

descobertas ou ainda não reveladas.

Em nossos dias, as rápidas transformações tecnológicas e as mudanças nas

formas de organizações sociais, sobretudo no mundo do trabalho, exigem um

redimensionamento educacional. Assim, O EBC começou surgir em vários países, deixando

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38

as fronteiras dos Estados Unidos, com padrões estabelecidos de avaliação em conseqüência

dessas transformações, apresentando traços comuns em vários lugares, exigindo um novo

perfil do professor. Perrenoud (2000) parece que concorda com este raciocínio ao oferecer

mais uma definição para competência:

Prática reflexiva, profissionalizante, trabalho em equipe e

por projetos, autonomia e responsabilidade crescentes, pedagogias

diferenciadas, centralização sobre os dispositivos e sobre as situações de

aprendizagem, sensibilidade à relação com o saber e com a lei delineiam

um roteiro para um novo ofício (p.11).

E Cooper e Weber (em Houston, 1974, p.53) definem EBC como um

programa que especifica: “As competências a serem demonstradas pelo aluno. Os critérios

que serão aplicados na avaliação das competências do aluno. A responsabilidade do aluno

para satisfazer aqueles critérios”.

Tais competências referem-se a atitudes, comportamentos e habilidades que

facilitarão o crescimento físico, intelectual, social e emocional nas crianças e que são, sem

dúvida, necessárias a um ensino eficiente de qualquer disciplina. O aluno pode, no entanto,

ajudar a determinar as competências que serão demonstradas ou construídas por eles ao

longo de suas vidas escolares, atitude esta que raras são às vezes que acontece. O normal ou

comum, em vários sistemas educacionais, é o aluno ficar de fora do processo inicial da

escolha das competências.

Por esta ótica, o saber pedagógico do professor na sua relação com os alunos

deve estar pautado na compreensão de os saberes adquiridos no cotidiano da vida devem ser

sempre o ponto de partida e de chegada para a ampliação da compreensão mais competente

do mundo letrado, observando-se a seleção de conteúdos e os procedimentos de ensino-

aprendizagem, identificando as competências a serem construídas e o processo de avaliação

como um todo.

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39

Perrenoud (2000), tendo como guia um referencial de competências adotado

em Genebra em 1996, apresenta dez novas competências para ensinar. Estas competências

apresentadas por Perrenoud são caminhos que nos conduzirão a novos horizontes, pois elas,

de uma forma didática, oferecem passo a passo o que precisamos fazer para construímos um

novo ofício em nossa prática docente:

Organizar e dirigir situações de aprendizagem; administrar

a progressão das aprendizagens; conceber e fazer evoluir os dispositivos

de diferenciação; envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu

trabalho; trabalhar em equipe; participar da administração da escola;

informar e envolver os pais; utilizar novas tecnologias; enfrentar os

deveres e os dilemas éticos da profissão; administrar sua própria

formação contínua. (p.20)

Assim, o referencial no qual Perrenoud baseou-se para definir estas dez

competências parece que foi desenvolvido com uma finalidade definida: orientar a formação

contínua dos professores para torná-la coerente com as renovações em andamento no sistema

educativo. Ele não é definitivo nem acabado, pois nenhum referencial pode garantir uma

representação consensual, completa e estável de um ofício ou das competências que ele

operacionaliza. O referencial de Genebra é, então, parte integrante do EBC, servindo para

torná-lo mais rico e mais completo.

No EBC, a ênfase está no educando e na aprendizagem, em lugar do professor

e do processo de ensino. Esta mudança foi o que tornou o EBC um movimento ver-

dadeiramente revolucionário. Neste tipo de ensino, um padrão mínimo para o desempenho

efetivo é exigido. Cinco objetivos são definidos por seus defensores (Houston, 1974, p. 62):

Objetivos baseados na cognição. Espera-se aqui que o participante demonstre

conhecimento, capacidade intelectual e habilidades.

Objetivos baseados em desempenho. O participante é requisitado a fazer algo mais do

que simplesmente conhecer algo. Assim, põe a ênfase na ação observável.

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40

Objetivos baseados em conseqüência. Solicita-se que o indivíduo ocasione mudanças em

outras pessoas, por exemplo, a habilidade de ensinar do professor é avaliada pelo

desempenho dos seus alunos.

Objetivos exploratórios. Os resultados aqui não são precisamente definidos, mas sim,

especificadas as atividades que prometem conduzir a uma aprendizagem significativa.

Objetivos no domínio afetivo. São vitais no EBC e estão embutidos nos demais tipos de

objetivos.

E para caracterizar o EBC, muitos elementos são considerados essenciais.

Houston (1974, p. 87), citando vários outros autores, lista uma série de características do

referido ensino. Destacamos algumas delas:

O programa como um todo é sistêmico e modularizado.

Os objetivos educacionais são formulados com clareza e precisão.

A instrução é individualizada e personalizada.

O tempo não é considerado, o importante é a aquisição da habilidade.

O aluno assume a direção de sua aprendizagem.

As competências devem ser hierarquizadas.

Uma escala flexível de atividades de aprendizagem é essencial.

A experiência de aprendizagem é guiada pelo feedback.

Em resumo, para os seus defensores, todo o EBC está fundamentado no tripé

que esclarece nitidamente a sua essência:

Organização do conteúdo a ser aprendido em componentes interdependentes.

Especificação do que deve ser aprendido.

Feedback durante a seqüência de aprendizagem.

Este tripé é facilmente compreendo através do esquema apresentado na figura

abaixo, baseada em Houston (1974):

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41

Input Sistema de transformação Output

Feedback

Como qualquer outro programa, um programa de EBC apresenta alguns pontos

difíceis, mas não impossíveis de serem solucionados. Faz-se, portanto, necessário que se

estabeleça sempre uma reflexão profunda sobre eles para que o programa não seja ameaçado

de tornar-se estéril ou marginalizado.

Verificou-se inicialmente a dificuldade que existe em se preparar uma lista de

competências básicas para o EBC. É muito difícil se obter consenso porque variam as

filosofias de educação e teorias de aprendizagem, e porque as diversas comunidades

apresentam diferentes interesses e necessidades. A seleção de competências é, assim, um dos

pontos mais cruciais num programa de ensino baseado em competências. Perrenoud (1999)

completa este raciocínio:

Enfrentar situações diversas requer competências também

diversas, e estas não serão construídas pela simples transferência de

esquemas gerais de raciocínio, análise, argumentação e cisão. A escola só

pode preparar para a diversidade do mundo trabalhando-a explicitamente,

aliando conhecimento e savoir-faire a propósito de múltiplas situações da

vida de todos os dias (p. 75).

Um outro aspecto polêmico no EBC diz respeito à avaliação. Um programa

assim só poderá ser bem sucedido se houver meios adequados de se avaliar a competência do

aluno e do professor. É necessário criar novos métodos para se avaliarem os objetivos

complexos como os cognitivos e os afetivos, que são uma parte essencial da formação de

professores defendida pelo EBC.

SITUAÇÕES DE ENSINO DESEMPENHO

ALUNO

Page 43: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

42

Neste contexto, uma das metodologias mais pertinentes ao desenvolvimento do

EBC, elaborado interdisciplinarmente através de contextos significativos para o aluno, que

contemplem cada vez mais aspectos da cultura juvenil, é a de projetos. Sua construção se dá

no coletivo, proporcionando a reflexão e o incentivo a práticas de valores, como o respeito às

diferenças e à solidariedade. Sem falar no processo de avaliação contínua que é inerente a tal

metodologia, promovendo a avaliação diferenciada e a auto-avaliação.

O Relatório Delors (1998) defende, assim como nós, um ensino voltado à

metodologia de projetos:

Parece, pois, que a educação deve utilizar duas vias

complementares. Num primeiro nível, a descoberta progressiva do outro.

Num segundo nível, e ao longo de toda a vida, a participação em projetos

comuns, que parece ser um método eficaz para evitar ou resolver conflitos

latentes (p.97).

No EBC, os professores são tidos como responsáveis pelos resultados de seus

alunos, embora se reconheça como é difícil controlar os muitos fatores que influenciam a

aprendizagem (interesse e motivação do aluno, disponibilidade de recursos, e outros). Desta

forma, tem-se que relevar esse ponto durante a avaliação da competência de um professor. E

mais ainda, levantar a questão se serão professores mais bem sucedidos aqueles que mostram

mais altos níveis de desempenho nas várias competências. Assim, professores formados por

programas baseados em competência serão professores mais eficientes? Ou todos são iguais,

independente do programa de formação?

Pesquisas estão sendo realizadas no sentido de relacionar a aprendizagem do

aluno com a as competências do professor, o que oferece um bom feedback para avaliar-se a

competência de um professor formado por um programa baseado em competência. Isso

porque o bom professor não é aquele que apenas obtém resultados bons nos seus exames

escolares, mas as decisões que ele tomará mais tarde, já em real interação com os alunos é que

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43

evidenciará se o programa preparou-o adequadamente para o exercício eficiente de sua

carreira.

Apesar de alguns obstáculos e dificuldades, as inúmeras vantagens do EBC

justificam o seu desenvolvimento. Ele valoriza o tempo do professor e dos alunos, diminui o

tempo gasto em atribuições de notas, de controle da disciplina e exposição da matéria. Sendo

o aluno livre para realizar a tarefa proposta pelo programa dentro do seu ritmo individual e,

inclusive podendo auxiliar o professor durante a fase do estabelecimento dos objetivos, tem

grandes chances de se tornar um indivíduo autodeterminado e responsável.

Assim, o EBC vem preencher o vácuo existente entre teoria e prática. O mesmo

possui caráter democrático, uma vez que não discrimina a pessoa na base de classe, educação,

raça ou cor, respeitando todos com seus respectivos potenciais, o que contribui, obviamente,

para a formação de pessoas com caráter ético e democrático. Porém, como diz Perrenoud

(1999), o mais importante na construção de competências não é o modelo de programa

seguido:

Desenvolver competências não é contentar-se em ter

seguido um programa, e sim não parar com sua construção e testagem.

Pouco importa o programa; o que se deve fazer é enfrentar o problema, e

o problema é que a ação pedagógica não alcançou sua meta. Deve-se,

então, teimar, sem cair na persistência pedagógica, sem fazer mais a

mesma coisa, procurando novas estratégias (p.79).

A implantação de um Programa de Competências requer uma reestruturação

total, seja por parte das autoridades educacionais, do programa, do planejamento, do

treinamento e papéis de professores, das instalações, da didática, do tempo e energia

necessários, das responsabilidades e dos custos, pois, para Perrenoud, em PÁTIO ANO VI Nº

23 SET/OUT 2002:

Talvez o grande perigo dos programas orientados para as

competências seja não sustentar suas promessas, como também não

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44

proporcionar sólidos e verdadeiros conhecimentos àqueles que mais

necessitam deles. Ao invés de estigmatizar os programas, seria melhor

apontar as incoerências dos governos que os promulgam, mas não

proporcionam os meios para que sejam aplicados, reforçando, assim, as

desigualdades (p.08).

O Brasil e vários países europeus (por exemplo, França, Portugal e Espanha)

introduziram ou estão introduzindo, desde o Ensino Fundamental, programas orientados para

as competências. Porém, há quem pense que os programas baseados em competências são

uma invenção das classes dominantes e das forças conservadoras que comandam o mundo.

Perrenoud, mais uma vez em PÁTIO ANO VI Nº 23 SET/OUT 2002, esclarece:

Os historiadores dirão – daqui a 30 ou 50 anos – se os

programas orientados para as competências foram uma profunda agressão

na emancipação das pessoas e no desenvolvimento democrático das

sociedades ou, ao contrário, um progresso. Também dirão quem tinha

razão: os que combateram e os que apoiaram essas reformas (p.09).

A partir desta concepção de Perrenoud, é evidente que devemos tomar

posições sem saber a que exatamente nos opomos ou nos aliamos. O mais prudente, sem

dúvida, é adotar uma postura de esperar para ver, de não se engajar, de não se manifestar.

Naturalmente, essa prudência permite preservar nossa virtude, mas a história não é construída

por aqueles que esperam o fim da mesma história para tomar partido. Por esta ótica, aliamo-

nos ao grupo dos que acreditam e apostam em um Programa de Ensino-Baseado-em-

Competência, confiando nas palavras de Perrenoud (1999):

Se uma abordagem por competências não passar de uma

linguagem da moda, ela modificará apenas os textos e será rapidamente

esquecida. Se sua ambição for a transformação das práticas, passará a ser

uma reforma do terceiro tipo. Construir competências desde a da escola

requer paciência e longo tempo (p.86).

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45

2.3. Competências em Construção - PCNEM

Na análise que ora iniciamos, procuraremos situar nossas exposições no

contexto das inovações curriculares propostas para o Ensino Médio, na tentativa de provocar

uma reflexão em torno das competências a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa

estabelecidas pelos PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio) e sua

conexão com uma concepção de ensino-aprendizagem baseado na construção de

competências básicas, pois construir competência, hoje, parece ser necessário a qualquer

sistema de ensino, apesar das dificuldades existentes em um processo assim.

Vale lembrar que os PCNEM não são nem um currículo já pronto, nem uma

proposta curricular predeterminada, nem muito menos um programa curricular. Eles apenas

apontam, sugerem e encaminham possibilidades de trabalho. Eles são tão somente

parâmetros. E, ao apresentarem-se, afirmam que os mesmos têm como finalidade delimitar a

área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. E ainda esclarecem:

(...) As diretrizes têm como referência a perspectiva de criar uma escola

média com identidade, que atenda às expectativas de formação escolar

dos alunos para o mundo contemporâneo.. O caminho de sua produção foi

longo e histórico. O ponto de partida se deu em 1996. Houve adesão de

diferentes pessoas, que encaminharam críticas e sugestões diversas, o que

motivou a elaboração de várias versões. Cabe ao leitor entender que o

documento é de natureza indicativa e interpretativa, propondo a

interatividade, o diálogo, a construção de significados na, pela e com a

linguagem (p. 04).

É certo que este documento tem um alcance normativo para todo o sistema de

escolas federais, estaduais e municipais de Ensino Médio e Tecnológico. No entanto, para um

conjunto nacional mais significativo, ele é apenas, como já foi dito antes, um instrumento.

Pode ser lido como princípio de orientação para aqueles docentes e escolas que, não

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dispondo de recursos materiais e humanos, necessitam ainda construir uma metodologia de

ensino. Esta é, de fato, sua primeira e principal função.

Dito isso, faz-se necessário enfocar os conceitos de interdisciplinaridade,

contextualização e competências, eixos fundadores da reforma do Ensino Médio baseada nos

PCNEM. É sobre esse tripé que se articula a resposta a uma demanda crescente e legítima no

mundo contemporâneo: colocar em contato as diferentes especialidades de modo a articular

uma visão de conjunto do real e permitir um domínio significativo dos saberes. Pois, de

acordo com Perrenoud, em PÁTIO ANO VI Nº 23 SET/OUT 2002: “A abordagem por

competências cria vínculos entre os saberes escolares e as práticas sociais” (p.10).

Com isso, tem-se em vista a necessidade de se construir competências gerais e

básicas na educação de nível médio. É missão da escola, hoje, superar a fragmentação, a qual

constitui um entrave à construção de um mundo mais igualitário. Os PCNEM pretendem

contribuir para que a escola pense a fragmentação e promova a superação do isolamento

disciplinar, cuja função histórica há muito se esgotou e, muitas vezes, resta-nos tão somente

mal-entendidos, desvios. Guiomar Namo de Mello (1988) esclarece que

(...) a interlocução é sempre difícil; um diz uma coisa, o outro entende

outra; demora para as pessoas estarem falando a mesma língua, com o

mesmo quadro de referência. A comunicação é muitas vezes truncada, ou

seja, aquele processo através do qual se podem compartilhar diferentes

universos, que são simbólicos, são culturais e, portanto, são também

políticos, é um processo de encontro e desencontros (p.21).

A meta da nova educação básica contida nos PCNEM é, pois, promover o

desenvolvimento pessoal do aluno, tornando-o capaz de tomar decisões ao longo de sua vida e

de intervir socialmente. O que o tornará sujeito crítico, capaz de solucionar problemas e tomar

decisões é uma aprendizagem por competências. Através dela, o aluno terá que enfrentar

desafios apresentados pelo professor, pelo grupo e pela sociedade.

Page 48: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

47

Deste modo, o jovem aprende a enfrentar desafios através da mobilização de

competências frente a problemas significativos para ele. Logo, terão significado para o aluno

os problemas referentes ao seu contexto. Cada aluno é único, com histórias e repertório

diversificados (saberes e competências acumulados pela escolaridade e pelo que a vida lhe

ensinou). Cabe a nós, professores, ampliarmos este repertório, esta rede de conhecimentos que

o aluno possui e mobilizá-los a serviço do seu desenvolvimento pessoal.

Assim, a nova concepção de aprendizagem busca construir a autonomia

intelectual do aluno, para que ele possa tomar decisões, que é mais do que resolver

problemas, pois implica na utilização de raciocínio e de valores, como decidir pelo que é

mais justo para ele e para sua comunidade. A multiplicidade de alternativas frente à tomada

de decisões está intrinsecamente ligada à ampliação do repertório do aluno, que se dará pela

construção de competências.

O que fica patente, com toda a discussão aqui efetivada, é que as competências

ocupam, atualmente, lugar central na construção dos currículos educacionais. A escolha das

competências básicas, as que devem formar o cidadão, está ligada à própria concepção de

homem, de educação e de sociedade que se pretende. Tendo como pressuposto a convicção

de que o homem não deve apenas adaptar-se às condições que lhe são impostas pela

sociedade, como se fosse mero objeto, mas prepara-se, sobretudo, para transformá-las.

Perrenoud (2002) é feliz quando diz:

O reconhecimento de uma competência não passa apenas

pela identificação de situações a serem controladas, de problemas a

serem resolvidos, de decisões a serem tomadas, mas também pela

explicitação dos saberes, das capacidades, dos esquemas de pensamento

e das orientações éticas necessárias. (p.19).

Os PCNEM classificam as competências da área de Linguagens, Códigos e

suas Tecnologias em três conjuntos de competências: Representação e comunicação;

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48

Investigação e compreensão; Contextualização sócio-cultural. Nesses três conjuntos, são

apresentadas oito competências a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa.

Não iremos analisar todas elas. Tomamos a liberdade e elegemos apenas três, uma de cada

conjunto, na certeza de estarmos tirando uma amostra que contemple a demanda de nossa

pesquisa. Os PCNEM apresentam assim suas competências:

As competências que aqui serão objetivadas correspondem

a uma visão da disciplina dentro da área e deverão ser desenvolvidas no

processo de ensino-aprendizagem, ao longo do Ensino Médio. A proposta

não pretende reduzir os conhecimentos a serem aprendidos, mas sim

indicar os limites sem os quais o aluno desse nível teria dificuldades para

prosseguir nos estudos, bem como participar ativamente na vida social.

(p.20).

2.3.1. Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e

em outros contextos relevantes para a sua vida (PCNEM, p.11).

Ao iniciarmos nossas reflexões, podemos perceber que não é mais possível

pensarmos em cidadania plena sem uma alfabetização tecnológica. Logo, poder servir-se das

tecnologias da comunicação e da informação é uma competência básica a ser propiciada no

conjunto do currículo escolar e de suas disciplinas.

De acordo com os PCNEM, “As novas tecnologias da comunicação e da

informação permeiam o cotidiano, independente do espaço físico, e criam necessidades de

vida e convivência que precisam ser analisadas no espaço escolar” (p. 11-12). Assim,

situaremos nossas considerações no contexto das inovações curriculares propostas para o

Ensino Médio, na tentativa de provocar uma reflexão e um debate em torno do papel das

novas tecnologias e sua conexão com uma concepção de educação baseada no

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49

desenvolvimento de competências básicas, e vinculada aos diversos contextos de vida dos

alunos.

E, considerando o fato de que não faz sentido conhecer e não saber utilizar, a

competência de aplicar essas tecnologias em contextos relevantes vem, por assim dizer,

coroar os esforços que o novo Ensino Médio pretende desenvolver para aproximar a educação

da vida concreta. Afinal de contas, somos seres dotados de necessidades que são

historicamente constituídas e as novas tecnologias são respostas sociais a necessidades que

vão sendo criadas pela própria dinâmica da vida coletiva. Para os PCNEM,

As tecnologias da comunicação e informação não podem

ser reduzidas a máquinas; resultam de processos sociais e negociações

que se tornam concretas. Elas fazem parte da vida das pessoas, não

invadem a vida das pessoas. A organização de seus gêneros, formatos e

recursos procura reproduzir as dimensões da vida no mundo moderno

(p.12).

Dada a intrincada rede de relações que as realidades tecnológicas mantêm com o

todo cultural, o novo currículo do Ensino Médio também prevê uma contribuição especial da

Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias a uma tomada de posição mais definida com

relação a essa questão. Trata-se de estruturar um currículo em que o estudo das ciências e o

das humanidades sejam complementares e não excludentes. Busca-se, com isso, uma síntese

entre humanismo, ciência e tecnologia, que implique a superação do paradigma positivista,

referindo-se à ciência, à cultura e à história (PCNs, vol. 4, p. 19).

Hoje, mais do que ontem, em virtude das inúmeras possibilidades de aplicação

à educação das novas tecnologias da comunicação e da informação, devemos estar atentos

para não repetir erros do passado, quando as tecnologias educacionais foram inspiradas mais

nos seus meios do que nos seus fins. Com o predomínio da técnica, foram adicionados meios

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50

ao sistema tradicional como se esses, por si sós, fossem capazes de promover mudanças

significativas na escola e no sistema educacional. Consoante com os PCNEM, as

Descobertas humanas foram pensadas para o homem e

assim devem ser entendidas. Os sistemas tecnológicos, na sociedade

contemporânea, fazem parte do mundo produtivo e da prática social de

todos os cidadãos, exercendo um poder de onipresença, uma vez que

criam formas de organização e transformação de processos e

procedimentos. (p.12)

Infelizmente, no contexto educacional brasileiro, as coisas não acontecem bem

assim. A prática predominante tem sido a de, primeiro, dotar as escolas de equipamentos e

produtos, para depois pensar ou viabilizar, através da capacitação de professores e alunos, sua

utilização no contexto da escola. E, o que sabemos hoje, é que os computadores existentes nas

escolas, ligados ou não à Internet, salvo exceções, não vêm se constituindo em um auxiliar da

prática pedagógica, em instrumento motivador da aprendizagem, de exploração crítica, da

prática da pesquisa, enfim, um instrumento renovador do processo ensino-aprendizagem.

Contextualizando: em março de 2001, estávamos nós numa cidade do interior

do Acre, Brasiléia, assistindo a uma palestra do então Governador do Estado, Jorge Viana.

Quando este terminou sua fala, pediu que a platéia se manifestasse sobre o assunto por ele

discursado: Biodiversidade. Foi então que um aluno do Ensino Médio local, surpreendendo a

todos, mudou totalmente a lógica do debate pedindo ao Governador a concessão para ele e

seus colegas usarem os muitos computadores que há dois anos estavam dentro de uma sala da

escola onde ele estudava, mas que ninguém podia utilizá-los.

O Governador Jorge Viana ficou irritado com a denúncia feita pelo aluno e

ordenou que imediatamente fosse formada uma comissão para a investigação dos fatos. Os

resultados apurados nós não tomamos conhecimento. Porém, isso não é o principal. Citamos

aqui apenas um exemplo tentando mostrar os problemas que ainda rondam a aplicação de

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51

tecnologia nas escolas brasileiras. E neste contexto, os PCNEM chamam nossa atenção para o

perigo de convivermos com as tecnologias sem entendê-las:

Qualquer inovação tecnológica traz certo desconforto

àqueles que, apesar de conviverem com ela, ainda não a entendem. As

tecnologias não são apenas produtos de mercado, mas produtos de

práticas sociais. Seus padrões são arquitetados simbolicamente como

conteúdos sociais, para depois haver uma adaptação mercadológica

(p.12).

Deste modo, a visão educacional que precisamos adotar compreende um

aspecto transformador, uma vez que exige uma postura crítica por parte das autoridades

educacionais e dos professores de forma a promovermos a aplicação das novas tecnologias da

comunicação e da informação à prática do ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, de

modo particular, em nosso Recanto Amazônico, que tanto necessita de um desenvolvimento

tecnológico que lhe assegure um ensino de qualidade baseado nos recursos modernos que hoje

permeiam a educação nacional.

Neste contexto, devemos assumir a responsabilidade ética de sermos agentes de

mudanças em nosso ambiente de trabalho, transformado-nos em multiplicadores de novas

idéias e das novas tecnologias, por mais que isso não seja uma tarefa fácil. Para Allessandrini

(2002), devemos “(...) entender a educação como a possibilidade de oferecer ao outro

qualidade e condições de desenvolvimento” (p.170).

Enfim, para encerrar esta discussão, citaremos a Comissão Internacional sobre

Educação para o séc. XXI:

O aparecimento de sociedades da informação corresponde

a um duplo desafio para a democracia e para a educação, e que estes dois

aspectos estão estreitamente ligados. A responsabilidade dos sistemas

educativos surge em primeiro plano: cabe-lhes fornecer, a todos, meios

para dominar a proliferação de informações, de as selecionar e

hierarquizar, dando mostras de espírito crítico.

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Concluímos nossas reflexões, reiterando o quanto é fundamental que nós,

profissionais de educação, invistamos em tecnologias inovadoras, contribuindo para que

nossos aprendizes encontrem seus próprios modos de construção. Dessa maneira, estaremos

desenvolvendo uma verdadeira Pedagogia Diferenciada, baseada em construção de

competências básicas.

2.3.2. Articular as redes de diferenças e semelhanças entre a língua oral e escrita e seus

códigos sociais, contextuais e lingüísticos (PCNEM, p. 24).

A partir das concepções de Vygotsky (1991), partimos do princípio que,

através do ensino, os sujeitos se encontram numa rede de relações com o mundo, que lhes

possibilita adquirir uma forma peculiar de existência, constituindo, assim, seu campo

simbólico de significações. Esta capacidade simbólica do homem, que se expressa através da

linguagem e se materializa no texto oral ou escrito, relaciona-se diretamente com sua prática

social global.

As pesquisas mais recentes sobre o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa

apontam para a necessidade de definir-se por uma concepção de linguagem que fundamente a

prática pedagógica. Essa concepção deve ser o ponto de partida para o ensino de língua

materna em todos os aspectos e, em especial, nas muitas diferenças e semelhanças existentes

entre a língua oral e a escrita, um grande desafio presente no processo ensino-aprendizagem

de nosso idioma pátrio. Para Rocco (1989):

Nas duas últimas décadas, a preocupação sistemática com

as especificações do oral e do escrito, tem estado muito presente entre

estudos da linguagem, mostrando-se como uma espécie de

questionamento - desafio para um grande número de pesquisadores da

área (p.76).

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53

A oralidade é uma prática social para fins comunicativos fundada na realidade

sonora e que se apresenta em realizações que vão da mais informal a mais formal, sem a

necessidade de uma tecnologia além do próprio ser humano. Já a escrita, inserida na prática

do letramento, envolve desde um conhecimento mínimo de sua tecnologia (como no indivíduo

analfabeto que identifica o ônibus que deve tomar, mas não é capaz de escrever) até o

conhecimento que possibilita escrever e ler sem restrições.

Assim, as modalidades da linguagem verbal atualizam-se nas formas oral e

escrita. A primeira é adquirida pela criança, ainda quando pequena, na interação social. Há

um processo complexo para essa aquisição, que pode ser favorecida num ambiente de

interação amigável, marcado por descontração e afeto. O aprendizado da escrita, por outro

lado, ocorre principalmente na escola. Por volta dos seis ou sete anos, a criança entra na

escola, começa aprender a escrever e a partir daí não pára mais. A aprendizagem da escrita

tem um começo, mas não um término, como observa Vygotsky (1991, p. 85):

Nossa investigação mostrou que o desenvolvimento da

escrita não repete a história do desenvolvimento da fala. A escrita é uma

função lingüística distinta, que difere da fala oral tanto na estrutura como

no funcionamento, até o seu mínimo desenvolvimento exige um alto

nível de abstração. Ao aprender escrever, a criança precisa se desligar do

aspecto sensorial da fala e substituir palavras por imagens de palavras.

Por isso, dizer que o homem é um ser que fala não significa, para Marcuschi

(2000), dizer que a oralidade é superior à escrita, muito menos que a escrita é derivada e a fala

primária. A escrita não é uma representação da fala. Por um lado, ela não reproduz certos

fenômenos da oralidade como os gestos e os movimentos do corpo. Por outro, ela possui

elementos próprios como tamanho e tipo de letras que podem representar graficamente gestos

ou prosódia. Escrita e oralidade são, portanto, práticas e usos da língua com características

próprias, mas não são dois sistemas lingüísticos diferentes.

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54

Muitas sociedades e pessoas sobrevivem sem o registro escrito e transmitem

suas idéias pela fala, mostrando que as regras-padrão da escrita não são, portanto, a única

possibilidade de uso. E, para Bagno (2001), a língua falada é um sistema lingüístico, como é o

escrito:

(...) Isso não significa, como querem nos convencer os

tradicionalistas, que a língua falada não tem regras, é relaxada, não tem

compromisso com a gramática (...). Significa, sim, que muitas regras

cristalizadas na norma-padrão não fazem parte da gramática do português

falado no Brasil. (...) Não existe língua falada que não tenha regras, que

não tenha uma lógica de funcionamento sintático-semântico-pragmático,

que não tenha gramática, enfim (p.161-2).

Aprender a escrever faz sentido em uma sociedade letrada, isto é, numa

sociedade em que estar analfabeto significa não compartilhar de um direito social. No Brasil,

podemos dizer que aproximadamente 40 milhões de pessoas vivem sem saber escrever.

Entretanto, elas são, de uma forma ou de outra, pressionadas pela palavra escrita. Precisamos,

por isso, aprender a escrever, pois numa sociedade como a nossa, o domínio da palavra escrita

significa poder.

Dessa forma, podemos afirmar que no Brasil existe uma situação de diglossia

bastante peculiar. Embora não tenhamos aqui duas línguas diferentes, como no caso do

Paraguai, por exemplo, existe, por outro lado, uma distribuição bastante desigual dos usos

atribuídos às variedades mais padronizadas (escrita) e dos atribuídos às variedades menos

padronizadas (fala). Assim, as pessoas que não têm acesso à norma-padrão têm como língua

materna uma variedade lingüística que apresenta sempre pontos de atrito. Bagno (2001) ainda

acrescenta:

Quando se trata dos falantes pouco escolarizados ou

totalmente analfabetos, o abismo entre a norma-padrão e a língua

realmente falada fica ainda maior. É por isso que costumo dizer que no

Brasil se desenrola um verdadeiro drama lingüístico. Embora se diga que

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55

aqui “todo mundo fala português”, existem “portugueses” que valem mais

do que outros... (p.163).

Na mesma linha de argumentação, o lingüista Mário Perini (1997) fala da

distância entre o ”português” (norma-padrão, escrita) e o “vernáculo” (a língua falada pelos

brasileiros). Vejamos o que ele nos diz:

O português e o vernáculo são, é claro, línguas muito

parecidas. Mas não são em absoluto idênticas. (...). Isto é, poderiam ser

consideradas línguas distintas, se ambas fossem línguas de civilização e

oficialmente reconhecidas. Mas sendo as coisas como são, tendemos a

pensar que o vernáculo é simplesmente uma forma errada de falar

português. (...) Pessoalmente, não tenho grandes objeções quanto a se

escrever português; mas acho importante que se entenda que ele é (pelo

menos no Brasil) apenas uma língua escrita. Nossa língua materna não é o

português, é o vernáculo brasileiro – isso não é um slogan, nem uma

posição política; é o simples reconhecimento de um fato (p. 31-8).

Perini, nesta citação, faz declarações bastante comprometedoras. Porém, são

distâncias como as que ele aponta que fazem com que nosso trabalho com a língua materna se

torne a cada dia mais difícil. Pois, muitas vezes, não sabemos lidar com as diferenças

existentes entre a língua falada e a escrita e isso faz com que se instaure um dilema, dando a

impressão de dois português, como dizia Drummond: “O português são dois; o outro,

mistério”. Para nós, é esta realidade que constitui o tipo especial de diglossia que temos no

Brasil, apesar desta não ser uma posição aceita por muitos estudiosos da língua.

Mattoso Câmara (1981), um grande lingüista brasileiro, ao criticar a rigidez das

gramáticas, da norma-padrão, destaca a sua importância para evitar o caos lingüístico.

Observemos uma citação onde ele chama a atenção para o perigo das intervenções individuais

sobre a língua:

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56

Seria penoso que diante dessa precariedade da norma

lingüística cada um de nós tivesse, a cada momento, de achar soluções por si.

A gramática normativa que se descreve com a arte de escrever e falar

corretamente, poupa-nos esse esforço, apresentando uma espécie de códigos

de leis, que estudamos para obedecer. (...) Aqueles que se dedicam ao estudo

da linguagem e os literatos, que fazem dela um motivo de arte, discutem

essas soluções e apresentam outras diversas. Quem tem apenas o objetivo

prático de comunicação eficiente deve, ao contrário, pautar-se pelas

convenções usualmente seguidas, embora sem procurar orientar-se por

gramáticos e dicionários intransigentemente conservadores (p. 91).

Um outro exemplo do poder da palavra escrita encontra-se nos fundamentos

dos jesuítas, os primeiros que, no Brasil, ensinaram a Língua Portuguesa aos índios. No ato de

ensinar a língua, também ocorria um processo violento de aculturação por parte dos índios.

Isso significa que os nativos eram obrigados a passar por um processo de substituição de seus

princípios e de seus valores. E o que observamos aqui é que desde os primórdios do ensino-

aprendizagem de língua materna do Brasil, não foi respeitado o direito da utilização de várias

linguagens, conforme alertam os PCNEM:

O conhecimento, a análise e o confronto de opiniões sobre

as diferentes manifestações da linguagem devem levar o aluno a respeitá-

las e preservá-las como construções simbólicas e representações da

diversidade social e histórica. As linguagens se utilizam de recursos

expressivos próprios e expressam, na sua atualização, o universal e o

particular (p. 09).

Desta forma, se apenas a aquisição da língua culta, burguesa por excelência, é

o objetivo da escola, estaremos, com certeza, imputando uma substituição cultural. Negamos,

assim, que há uma cultura popular tão rica quanto outra qualquer, que pode na prática escolar

ser registrada. Se, por outro lado, considerarmos a aquisição da língua padrão como mais

uma, dentre as variedades lingüísticas, privilegiada só porque representa uma classe social,

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57

estaremos mostrando a diversidade de manifestações possíveis da linguagem, como

argumenta Fiorin (2002):

A língua escrita não reflete todas as mudanças que ocorrem

na língua falada. A língua escrita vem normalmente a reboque das

mudanças ocorridas na língua falada, havendo freqüentemente uma

defasagem entre o aparecimento de mudanças na língua falada e o

momento em que elas passam a ser aceitas ou pelo menos toleradas na

língua escrita (p.147).

Por este aspecto, o mais viável seria uma integração da língua falada em nossas

práticas escolares. Pois tal integração poderia oferecer uma resposta às conhecidas

dificuldades do ensino de Português no Brasil contemporâneo e, em particular, no nosso lócus

de estudo e trabalho, Cruzeiro do Sul, nosso Recanto Amazônico. Assim, o importante seria

sabermos lidar com as redes de diferenças e semelhanças existentes entre os dois processos

distintos, oral e escrito, de uma mesma realidade, a Língua Portuguesa. Língua é, pois,

mudança, interação, transformação.

Para Marcuschi (2000), a oralidade será sempre o fator de nossa identidade

social, já que a língua é socialmente modelada e desenvolvida. Enquanto a escrita, por ser

pautada pelo padrão, carece dessa marca de identidade. Apesar de oralidade e escrita serem

realizações de uma gramática única, já que ambas fazem parte do mesmo sistema de língua,

não podemos dizer que a escrita representa a fala. E aqui estamos diante de mais um dos

pontos polêmicos da língua. Zuleika Murrie (2001), por exemplo, coloca:

(...) O oral existe sem a escrita mas a escrita não existe sem o oral. Grupos

éticos diversos, em comunidades primitivas ou desenvolvidas, servem-se

sem exceção, da comunicação oral. A escrita, no entanto, já não se mostra

como um a priori da vida dos grupos sociais. Se temos catalogadas

aproximadamente 3000 línguas, sabemos que, dentre elas, somente 110

possuem escrita e apenas 78 chega à literatura (p. 69).

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58

Finalizando, podemos concluir que ter domínio da língua escrita faz muita

diferença. Significa, numa sociedade como a nossa, estar mais preparado para interagir com

outras pessoas, o que implica ter a possibilidade e influenciar seu modo de agir e pensar e, da

mesma forma, também ser influenciado. Porém, não podemos negar a importância da língua

oral, nossa primeira conquista como seres humanos. Sem contar que um processo, oral, não

prevalece nunca sobre o outro, escrito, nem vice-versa. Os dois têm a mesma importância, em

esfera distinta, é claro. E ambos formam a mesma língua Portuguesa que os PCNEM assim

vêem o seu espaço:

O espaço da Língua Portuguesa na escola é garantir o uso

ético e estético da linguagem verbal; fazer compreender que pela e na

linguagem é possível transformar/reiterar o social, o cultural, o pessoal;

aceitar a complexidade humana, o respeito pelas falas, como parte das

vozes possíveis e necessárias para o desenvolvimento humano, mesmo

que, no jogo comunicativo, haja avanços/retrocessos próprios dos usos da

linguagem; enfim, fazer o aluno se compreender como um texto em

diálogo constante com outros textos. (p.22-23)

2.3.3. Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas

sociais e como representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas

de sentir, pensar e agir na vida social (PCNEM, p.20).

De maneira ampla, a educação se envolve com duas tarefas básicas: a

transmissão do conhecimento produzido pela cultura e a formação do indivíduo para atuar na

realidade social. Para cumprir seus objetivos, a instituição escolar se fundamenta em certa

organização e em técnicas pedagógico-administrativas com vistas à transmissão de saberes e à

socialização da criança e do jovem. Assim, a escola é o espaço privilegiado da construção da

inteligência, das competências, dos saberes, do pensamento e das subjetividades mais

adequadas à ação social do educando. Os PCNEM dizem:

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Na escola, a exigência de se dar espaço para a verbalização

do não-dito será uma possibilidade para a construção de múltiplas

identidades. Dar espaço para a verbalização da representação social e

cultural é um grande passo para a sistematização da identidade de grupos

que sofrem processos de deslegitimação social (p.20).

Fundamentando-nos em Vygotsky (1987), vamos perceber que ele parece

colocar no primeiro plano da cena do desenvolvimento e da aprendizagem a interação social e

a linguagem, porque defende que estas são, sobretudo, fenômenos de natureza interpessoal,

“(...) é a interiorização do diálogo exterior que faz a linguagem exercer influência sobre o

fluxo do pensamento”.

Vygotsky vai ainda mais além e postula que, ao interagir com um par mais

competente, a criança vai se desenvolvendo numa área chamada “zona de desenvolvimento

proximal”, que é aquela onde se situa o nível atual do (a) aprendiz e o nível potencial ao qual

ele/ela pode atingir quando guiado pela interação colaborativa. Filomena Varejão (2000), em

sua Dissertação de Mestrado em Lingüística Aplicada pela UFRJ, chama a atenção para uma

das manifestações da linguagem, a fala, como meio de aprendizagem social:

Ora, se a fala é o meio pelo qual o mundo é significado,

apreendido e reconstruído, é importante que nos detenhamos no fenômeno

da linguagem em ação para que compreendamos seu alcance na

constituição dos significados sociais negociados pelo e no diálogo (p.35).

Ao assumir uma perspectiva que põe em foco a linguagem em ação (discurso)

no contexto escolar, é fundamental caminhar por um viés teórico que seja adequado à

compreensão da complexidade do processo discursivo da escola. Essa é uma instituição onde

agem sujeitos que amam, odeiam, lutam, refletem, submetem-se e rebelam-se, envolvidos em

suas emoções, trazendo no discurso as marcas de sua identidade e história. Esses são os

sujeitos reais cujas vozes, fala, é preciso ouvir, num processo também de diálogo e interação,

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60

se pretendemos compreender os fenômenos de linguagem que se apresentam numa sala de

aula de Língua Portuguesa, como apontam os PCNEM:

A linguagem verbal representa a experiência do ser humano

na vida social, sendo que essa não é uniforme. A linguagem é constructo e

construtora do social e gera a sociabilidade. Os sentidos e significados

gerados na interação social produzem uma linguagem que, apesar de

utilizar uma mesma língua, varia na produção e na interpretação (p.20).

Os estudos de Bakhtin (1981) são instrumentos bastante adequados à

compreensão desse intrincado e fascinante fenômeno que é o processo de educação

interpessoal na escola. Essa posição se justifica porque a dialogicidade é a noção mais cara ao

corpo de idéias construído por esse intelectual russo e ela é pertinente a um estudo de base

sócio-interacional, como este que ora apresentamos. Por dialogicidade Bakhtin entende a

natureza multivocal do discurso, isto é, sua natureza contínua e incorporadora de vários outros

discursos. Assim, para os PCNEM,

A competência do aluno depende, principalmente, do poder

dizer/escrever, de ser alguém que merece ser ouvido/lido. A escola não

pode garantir o uso da linguagem fora do seu espaço, mas deve garantir

tal exercício de uso amplo no seu espaço, como forma de instrumentalizar

o aluno para o seu desempenho social. Armá-lo para poder competir em

situação de igualdade com aqueles que julgam ter o domínio social da

língua. (p.22)

Expandindo a noção vygotskyana de construção social do conhecimento,

Bakhtin confere lugar de destaque à dialogicidade como poderoso instrumento de mediação

para um ensino que se pretenda sócio-culturalmente situado. Em sala de aula, uma perspectiva

nessa linha é aquela que entende a interação e o discurso para ensinar/aprender como

fenômenos situados em entendimentos mútuos entre pessoas que se comunicam, como

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escreveu Stella Maris Bortoni-Ricardo (1997), um dos nomes mais importantes da

Sociolingüística brasileira, citado em Bagno (2001):

“Em sociedades mais democráticas, a língua-padrão está

associada ao contexto de uso. (...) No Brasil, a língua-padrão é

determinada, só secundariamente, pelo contexto. Sua distribuição é, em

principio, associada à classe social. As classes que têm acesso à cultura de

letramento, por meio de uma escolarização eficiente, têm o apanágio das

formas prestigiosas de falar. À grande massa de brasileiros é sonegada

uma boa escolarização e, conseqüentemente, o acesso aos recursos

lingüísticos que permitem ao falante transitar, com segurança, de um

estilo menos monitorado aos mais monitorados, de acordo com as

exigências da situação social. Nessas circunstâncias, muitos brasileiros

são silenciados, porque se sentem inseguros no uso de sua própria língua

materna!” (p.166).

È importante retomar a idéia de que os sujeitos interagem em determinado

contexto e a fala, as condições sociais de comunicação e as estruturas sociais estão

intimamente ligadas e, portanto, “ (...) não são palavras o que pronunciamos ou escutamos,

mas verdades ou mentiras, coisas boas e más, importantes ou triviais, agradáveis ou

desagradáveis etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido

ideológico ou vivencial” (Bakhtin, 1981, p. 95).

Deste modo, a linguagem integrada à vida humana não pode ser compreendida

fora de seu contexto, que é sempre social. Ela não só informa sobre os significados localmente

construídos como também informa sobre o macro-contexto no qual age como discurso. Isso

significa que a linguagem praticada na sala de aula é, ao mesmo tempo, meio pelo qual se

ensinam e se aprendem os conteúdos e saberes de uma disciplina e também é veículo de

construção e transmissão de valores e significados socialmente úteis às relações de poder

momentaneamente em ação. “O discurso se revela, portanto, como um local onde se

confrontam valores sociais contraditórios e provisórios” (Bakhtin, 1981, p. 136).

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Mattoso Câmara (1981), ao considerar que as funções primordiais da

linguagem são a organização do pensamento e a comunicação ampla do pensamento assim

organizado, está imbuído de um espírito sociológico extremado, que justifica a correção

lingüística em termos de consenso, sinal de status social e de grau de instrução:

A conseqüência inevitável é que cada um de nós tem de

saber usar uma boa linguagem para desempenhar o seu papel de indivíduo

e de membro de uma sociedade humana. Não se pode admitir que um

instrumento tão essencial seja mal conhecido e mal manejado; mal utilizá-

lo é colocarmo-nos na categoria dos operários que são canhestros e

incipientes no exercício de sua profissão (p. 12).

Concluindo, o que se ensina numa sala de aula de língua materna, por exemplo,

é um ponto de fundamental importância para que se compreendam avanços e recursos no

processo de escolarização de uma pessoa, no qual está intimamente ligado aos lugares sociais

que ela ocupa dentro e fora da escola. Deste modo, os educando estarão aptos a considerarem

a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e de condutas sociais, em um

mundo repleto de desigualdades também sociais.

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CAPÍTULO III

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, são apresentados os procedimentos metodológicos adotados

para a realização desta investigação, tais como o método escolhido, as etapas do estudo e as

técnicas de coleta de dados, a seleção da população, a construção e a aplicação dos

instrumentos, a contextualização do local e dos sujeitos de pesquisa. Durante toda a

elaboração deste capítulo, tentaremos manter em nós o mesmo entendimento de metodologia

que inspirou Minayo (1999):

Entendemos por metodologia o caminho do pensamento e a

prática exercida na abordagem da realidade. Neste sentido, a metodologia

ocupa um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a

elas. Dizia Lênin (1965) que ‘o método é a alma da teoria’ (p.148),

distinguindo a forma exterior como que muitas vezes é abordado tal tema

do sentido generoso de pensar a metodologia como articulação entre

conteúdos, pensamentos e existência (p.16).

3.1. O Método Escolhido

Agora é o momento de apresentarmos o método que utilizamos na

concretização de nossa investigação. Richardson (1999, p.29) afirma: “Em sentido genérico,

método de pesquisa significa a escolha de procedimento sistemático para a descrição e

explicação dos fenômenos”.

Dentre as visões contemporâneas de pedagogia, há aquela que defende um

olhar crítico e constantemente reflexivo sobre todos os campos ou eventos que envolvem o

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processo ensino-aprendizagem, dentre os quais: os conteúdos, os currículos, a metodologia, a

abordagem e a visão dos sujeitos sobre a aprendizagem, linguagem e disciplinas. Nas palavras

de Demo (1996, p.14), a centralidade de pesquisa em sala de aula está intimamente ligada à

tarefa de ensinar, pois “Quem ensina carece pesquisar, quem pesquisa carece ensinar”.

Assim, podemos perceber que não é possível vislumbrar possibilidade de

transformação e mudanças na prática de profissionais da educação quando se separam o

ensino e a pesquisa, pois ambos se alimentam mutuamente e alavancam novas perspectivas de

produção de conhecimento para ensinar e aprender.

Além disso, estudiosos como Moita Lopes e Cavalcanti (1991), Magalhães

(1994) e Demo (1996) afirmam que não há emancipação histórica sem pesquisa, visto que

sem ela inexiste o diálogo crítico com a oralidade, sem o qual a ação educativa torna-se estéril

e reprodutora. Pôr em xeque o saber vigente e abrir novas possibilidades para a construção de

competências básicas é uma ação que exige, por um lado, comprometimento político e, por

outro, capacitação técnica. Filomena Varejão (2000), em sua Dissertação de Mestrado em

Lingüística Aplicada pela UFRJ, afirma consciente:

O fundamental na ação do pesquisador é que, além de gerar

compromissos técnicos e políticos, ele é capaz de produzir e multiplicar

conhecimento. O experimentador pode ser instrumento fácil de

manipulação política que venha a servir a interesses pouco afinados com

aqueles que visam a uma educação libertadora e democrática, uma vez

que só reproduz as idéias de outrem, sem o compromisso com a reflexão e

a pesquisa próprias. O mais comum é encontrarmos o profissional

empregando métodos e discursos veiculados pelo senso-comum presente

nos livros didáticos e/ou orientação de coordenadores de disciplinas

(p.53).

Neste contexto, é que a figura do pesquisador faz-se necessária e fundamental

na construção de um novo panorama para o cenário educacional, pois como já dizia Van Lier

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65

(1988, p.46), “(...) não há observação livre de valores ou livre de teorias”, assim como não há

ação humana que não responda a um projeto político construído pela inserção do sujeito no

mundo social. Isso significa que toda pesquisa é um ato político e carrega as marcas do sujeito

pesquisador, seus valores e sua visão de mundo.

Tomando como central a noção de que a vida humana é complexa e envolve

significados constituídos na relação social, o interpretativismo assume a multiplicidade de

modelos de estudo na área de ciências humanas e sociais, pautando-se, assim, o chamado

paradigma interpretativista, em três concepções básicas:

O problema advém da imersão do observador no contexto e da percepção que os sujeitos

nele envolvidos têm da sua realidade.

A análise dos dados visa à compreensão das ações e inter-relações pessoais no próprio

contexto onde se desenvolvem.

A vinculação indissociável do sujeito ao objeto, o que coloca o pesquisador como parte

integrante do processo de pesquisa, passando a ser um sujeito político e socialmente

localizado, que interpreta e atribui significados aos fenômenos em foco.

Para Alves (1999, p. 54), existe um ponto comum que unifica esse paradigma

de pesquisa que é o fato de que se baseia, principalmente, na tradição hermenêutica, onde se

parte do princípio de que “as pessoas agem em função de suas crenças, percepções,

sentimentos e valores e seu comportamento tem sempre um sentido, um significado que não

se dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvendado”.

Segundo Lüdke e André (2002:12), na pesquisa qualitativa, é de fundamental

importância a percepção do pesquisador sobre aspectos que, a princípio, passariam

despercebidos a pessoas de fora do processo, “numa tentativa de captar as perspectivas dos

participantes, isto é, a maneira como os informantes encaram as questões que estão sendo

focalizadas”. Logo, nesse paradigma, o conhecimento é concebido como uma construção em

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66

processo dinâmico, que sofre interferência do corpo social e das subjetividades nela

envolvidas. Minayo (1999) explica:

A pesquisa qualitativa responde a questões muito

particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de

realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o

universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes,

o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos

e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de

variáveis (p.21-2).

Deste modo, percebemos que, na pesquisa qualitativa, a quantificação não é o

centro de referência, o qual se desloca para as interpretações dos dados e a busca de relações

entre os fenômenos e as causas que os produziram. Mas, como bem ainda explica Minayo

(1999, p. 22): “O conjunto de dados quantitativos e qualitativos, porém, não se opõem. Ao

contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles interage dinamicamente,

excluindo qualquer dicotomia”. Apesar de nem sempre ser possível percebermos esta

realidade, o fato é que outros teóricos também pensam como Minayo.

E, nesta investigação, adotamos os pressupostos básicos da pesquisa

interpretativa ou qualitativa a qual tem como base a total integração dos membros envolvidos.

Contudo, como salientam Sâmara e Barros (2002, p.31) para cada “pesquisa cabe ao

pesquisador indicar a metodologia adequada que venha solucionar o problema de pesquisa,

decidindo se, para cumprir aos objetivos propostos, a metodologia deve ser quantitativa,

qualitativa ou ambas”. Valemo-nos também da pesquisa quantitativa na coleta e na

apresentação dos dados, pois acreditamos, como Richardson (1999, p. 38), que “O aspecto

qualitativo de uma investigação pode estar presente até mesmo nas informações colhidas por

estudos essencialmente quantitativos...”.

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3.2. Etapas do Estudo e Técnicas de Coleta de Dado

Na certeza de alcançarmos, com êxito, o objetivo geral desta pesquisa:

Identificar em que medida as competências em Língua Portuguesa, estabelecidas pelos

PCNEM, estão sendo construídas pelos alunos do Ensino Médio da Escola Flodoardo Cabral,

nosso Recanto Amazônico, em Cruzeiro do Sul / Acre, dividimos nosso processo de trabalho

em três etapas metodológicas que orientaram nossa investigação. Vejamos estes três

momentos em detalhes:

3.2.1. Primeira Etapa:

Nesta etapa, realizou-se a pesquisa teórica onde concentramos nossas atenções

em construir uma convincente fundamentação teórica que justificasse nossas opções por estes

temas de nossa preferência: concepções de ensino-aprendizagem; ensino-baseado-em-

competência; competências em construção - PCNEM. Procuramos, nesta etapa, observar o

que Richardson (1999) escreveu sobre como o pesquisador deverá se comportar neste

contexto. Para ele, o pesquisador,

(...) estudará, em nível macro, dentro da corrente teórica escolhida, as

diversas perspectivas e concepções acerca do tema, utilizando

coerentemente o método dedutivo, pois todo processo de passagem do

nível teórico macro para o nível micro implica inferência de pressupostos

que possuam grau maior de abrangência da realidade (...) (p.23).

Na realização desta fundamentação teórica, utilizamo-nos de um time de

intelectuais de primeira linha para melhor embasarmos as nossas argumentações sobre os

assuntos definidos por nós para justificar o tema desta dissertação: O Ensino-Aprendizagem

de Língua Portuguesa num Recanto Amazônico: Competências em Construção.

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O trabalho de fundamentação baseado em tais intelectuais foi realizado tendo

em vista o que nos coloca Neto (1999):

A plena realização de um trabalho de campo requer (...)

várias articulações que devem ser estabelecidas pelo investigador. Uma

dessas diz respeito à relação entre fundamentação teórica do objeto a ser

pesquisado e o campo que se pretende explorar. A compreensão desse

espaço da pesquisa não se resolve apenas por meio de um domínio

técnico. É preciso que tenhamos uma base teórica para podermos olhar os

dados dentro de um quadro de referências que nos permite ir além do que

simplesmente nos está sendo mostrado (p.61).

E, nesta etapa, valemo-nos também da técnica de análise de documentos, que,

segundo Caulley (1981), citado por Lüdke e André (1986:38), é útil para se buscar

“identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de

interesse“. Para Guba e Lincoln (1981), citados por Lüdke e André (1981:39), a análise

documental apresenta as seguintes vantagens: os documentos constituem uma fonte estável e

rica e, como persistem ao longo do tempo,

(...) podem ser consultados várias vezes (...) podendo dar mais

estabilidade aos resultados obtidos; outra vantagem é o custo baixo para

acesso; são uma fonte não reativa, permitindo a obtenção de dados

quando o acesso ao sujeito é impraticável (...) ou quando a interação com

os sujeitos pode alterar seu comportamento ou seus pontos de vista (...).

Vale dizer que os documentos analisados cuidadosamente por nós foram os

PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio) de 1997 na Área de

Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, acreditando que eles são, para nós brasileiros, a

autoridade máxima na questão construção de competências. Igualmente analisamos o

Relatório Jacques Delors (1998), o resultado dos trabalhos da Comissão Internacional sobre

Educação para o Século XXI, da UNESCO.

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69

Finalizando, podemos afirmar que todo o trabalho de fundamentação que

conseguimos executar, na pesquisa teórica, foi uma tentativa de concretizar o que Richardson

(1999) disse que um pesquisador deveria ser capaz de fazer:

O pesquisador deverá realizar uma interpretação do tema,

historicamente ou apenas na fase atual, analisando criticamente as

diversas concepções de perspectivas anteriormente apresentadas, ou

melhor, apresentado sumariamente o Status Question, isto é, o estágio do

desenvolvimento do assunto ‘ mediante referência a tudo que se escreveu

sobre ele’ (p.23).

3.2.2. Segunda Etapa:

Esta é a etapa da pesquisa de campo e inicia-se pela definição da população de

pesquisa: alunos e professores de Língua Portuguesa da escola de Ensino Médio Flodoardo

Cabral, nosso Recanto Amazônico. Ao nos decidir por esta população, estamos pretendendo

trabalhar com dois grupos em nossa coleta de dados.

Em seguida, aconteceu a elaboração do instrumento de pesquisa, os

questionários. Optamos pela elaboração de questionários porque concordamos com

Richardson (1999, p.142) quando afirma: “Existem diversos instrumentos de coleta de dados

que podem ser utilizados para obter informações acerca de grupos sociais. O mais comum

entre esses instrumentos talvez seja o questionário”.

Na elaboração dos questionários, decidimos por elaborar questionários com

perguntas fechadas e abertas ao mesmo tempo. Richardson (1999) coloca:

Freqüentemente, os pesquisadores elaboram os

questionários com ambos os tipos de perguntas. As perguntas fechadas,

destinadas a obter informação sociodemográfica do entrevistado (sexo,

escolaridade, idade etc.) e respostas de identificação de opiniões (sim –

não, conheço – não conheço etc.), e as perguntas abertas, destinadas a

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70

aprofundar as opiniões do entrevistador. Geralmente, o pesquisador,

visando não fechar totalmente uma pergunta, inclui entre suas alternativas

uma categoria outros, aberta (p.146).

Elaboramos o questionário para os alunos com 08 e o questionário para os

professores com 07 perguntas, acreditando que as perguntas feitas são o necessário para uma

coleta de dados eficiente para a nossa investigação, consoante com o problema e o objetivo de

pesquisa. Além do mais, novamente citando Richardson (1999), percebemos:

Atualmente, não existem normas claras para avaliar a

adequação de determinados questionários a clientelas específicas. É

responsabilidade do pesquisador determinar o tamanho, a natureza e o

conteúdo do questionário, de acordo com o problema pesquisado e

respeitar o entrevistado como ser humano que pode possuir interesses e

necessidades divergentes das do pesquisador (p.143).

Para um melhor desenvolvimento de nossa coleta de dados, optamos por

trabalhar com o critério de amostra probabilística simples. Neste tipo de amostra, todos os

elementos da população têm igual probabilidade, diferente de zero, de serem selecionados

para compor a amostra. É a escolha aleatória dos elementos que farão parte da amostra.

Richardson (1999, p.108) esclarece: “A representatividade da população nessa amostra é

guiada pelas leis da probabilidade. Isso quer dizer que, de acordo com o modo como se

seleciona a amostra em relação à população, ela terá uma probabilidade adequada de ser

representativa da população”.

Foram entrevistados 03 professores, de um universo de 07 professores de

Língua Portuguesa da escola Flodoardo. Embora o número de professores informantes, à

primeira vista, pareça pequeno, representa o índice de aproximadamente 43 % dos professores

de Língua Portuguesa da escola. Foram entrevistados 55 alunos, o que representa 3,2% do

total de matriculados em 2002, 1750. As idades desses alunos variam de 15 a 20 anos: 76%;

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de 21 a 25: 20% e de 26 a 30: 04%. E quanto à questão sexo, 38% representa homens e 62%,

mulheres.

Optamos, porque consideramos mais coerente com a análise de dados, por

aplicar questionário somente a alunos dos professore informantes, das turmas 1º B, 2º C e 3º

G do Ensino Médio, nos turnos da manhã, tarde e noite. Deste modo, a representatividade de

nossa pesquisa de campo abrange as séries e os horários totais da população definida para esta

coleta de dados.

Quanto à aplicação dos questionários, decidimos pelo método do contato direto

de fazê-la. Apesar de estarmos na cidade do Rio de Janeiro na época da aplicação, dezembro

de 2002, uma cidade geograficamente distante do lócus da coleta, a escola de Ensino Médio

Flodoardo Cabral em Cruzeiro do Sul, foi possível fazer a aplicação pelo contato direto,

graças à valiosa e fundamental colaboração de duas colegas professoras, Mariliza Trelha e

Alexandrina Félix.

Mandamos, via Internet, um exemplar dos questionários para a Mariliza e esta,

com a ajuda de seu esposo, Júlio César, fez a reprodução das cópias. Em seguida, as cópias

dos questionários foram entregues a Alexandrina. Esta última fez o contato direto com os

sujeitos de pesquisa, alunos e professores de Língua Portuguesa. O contato foi facilitado pelo

fato da Alexandrina ser professora de Literatura da própria escola. Assim, ela teve trânsito

livre para poder conversar e articular a aplicação dos questionários com professores e alunos.

Este método do contato direto de aplicação dos questionários, utilizando outras pessoas no

processo, é defendido por autores como Richardson (1999):

O próprio pesquisador, ou pessoas especialmente treinadas

por ele, aplicam o questionário diretamente. Dessa maneira, há menos

possibilidade de os entrevistados não responderem o questionário ou de

deixarem algumas perguntas em branco. No contato direto, o pesquisador

pode explicar e discutir os objetivos da pesquisa e do questionário,

Page 73: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

72

responder dúvidas que os entrevistados tenham em certas perguntas

(p.149).

Realmente, podemos perceber que o método do contado direto, mesmo

utilizando outras pessoas no processo de aplicação dos questionários, é um método muito

proveitoso. Pois, dos 55 questionários entregues para os alunos, foram devolvidos,

devidamente respondidas todas as questões, os 55. E dos 03 entregues para os professores,

foram devolvidos todos. E tudo aconteceu dentro do espaço mínimo de tempo estabelecido,

dezembro de 2002.

Enfim, a pesquisa de campo que foi realizada com base na metodologia aqui

apresentada, tentou ficar no contexto do trabalho de campo que Neto (1999) defende:

O trabalho de campo, em síntese, é o fruto de um momento

relacional e prático: as inquietações que nos levam ao desenvolvimento de

uma pesquisa nascem no universo do cotidiano. O que atrai na produção

do conhecimento é a existência do desconhecido, é o sentido da novidade

e o confronto com o que nos é estranho. Essa produção, por sua vez,

requer sucessivas aproximações em direção ao que se quer conhecer. E o

pesquisador, ao se empenhar em gerar conhecimentos, não pode reduzir a

pesquisa à denúncia, nem substituir os grupos estudados em suas tarefas

político-sociais (p. 64).

3.2.3. Terceira Etapa:

Esta etapa é a etapa da análise da pesquisa de campo. Quando chegamos à fase

de análise de dados, podemos pensar que estamos no final da pesquisa. No entanto, podemos

estar enganados porque essa fase depende de outras que a precedem. Neto (1999) aponta para

a necessidade de uma comunhão intrínseca entre coleta e análise dos dados para que tudo

tenha coerência com os procedimentos anteriores da investigação e, conseqüentemente, a

etapa da interpretação dos dados tenha êxito, contemplando, assim, o objetivo de pesquisa:

Page 74: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

73

(...) uma pesquisa não se restringe à utilização de instrumentos apurados

de coleta de informações para dar conta de seus objetivos. Para além dos

dados acumulados, o processo de campo nos leva à reformulação dos

caminhos da pesquisa, através das descobertas de novas pistas. Nessa

dinâmica investigativa, podemos nos tornar agentes de mediação entre a

análise e a reprodução de informações, entendidas como elos

fundamentais (p.62).

Minayo (1992) chama a atenção para três obstáculos numa análise de dados

eficiente. O primeiro diz respeito à ilusão do pesquisador em ver as conclusões, à primeira

vista, como “transparentes”, ou seja, pensar que a realidade dos dados, logo de início, se

apresenta de forma nítida a seus olhos. Essa ilusão pode nos levar a uma simplificação dos

dados, nos conduzindo a conclusões superficiais ou equivocadas.

O segundo obstáculo se refere ao fato do pesquisador se envolver tanto como os

métodos e as técnicas a ponto de esquecer os significados presentes em seus dados. Nesse

caso, os dados coletados que compõem a análise podem não ser devidamente considerados,

uma vez que a dimensão central da pesquisa se restringe a questionamentos dos

procedimentos metodológicos. Por último, o terceiro obstáculo para uma análise mais rica da

pesquisa relaciona-se à dificuldade que o pesquisador pode ter em articular as conclusões que

surgem dos dados concretos com conhecimentos mais amplos ou mais abstratos.

No decorrer do trabalho de análise dos dados, procuramos ficar em estado de

alerta para que esses obstáculos, colocados por Minayo, fossem superados e ultrapassados por

nós. E, ainda com base em Minayo (1992), podemos apontar três finalidades para essa etapa:

Estabelecer uma compreensão dos dados coletados.

Confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões formuladas.

Ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando-o ao contexto cultural

do qual faz parte.

Page 75: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

74

Em outra obra (1999), Minayo apresenta uma proposta de interpretação de

dados que consideramos bastante adequada e, por isso, queremos executar a análise da

investigação desta dissertação fundamentada nela. Eis os passos que a própria autora coloca-

nos para a operacionalização de sua proposta:

Ordenação dos dados: Neste momento, faz-se um mapeamento de todos os dados obtidos

no trabalho de campo.

Classificação dos dados: Nesta fase, é importante sermos conscientes de que os dados não

existem por si. Eles são constituídos a partir de um questionamento que fazemos sobre

eles, com base numa fundamentação teórica. Aqui, nós determinamos os conjuntos das

informações, as categorias.

Análise final: Nesta etapa, procuramos estabelecer articulações entre os dados e os

referenciais teóricos da pesquisa, respondendo as questões da pesquisa com base em seu

objetivo geral. Assim, promovemos relações entre o concreto e o abstrato, o geral e o

particular, a teoria e a prática.

Para finalizar esta terceira etapa, queremos citar Gomes (1999):

(...) reforçamos, a título de conclusão, que o produto final

da análise de uma pesquisa, por mais brilhante que seja, deve ser sempre

encarado de forma provisória e aproximativa. Esse posicionamento por

nós partilhado se baseia no fato de que, em se tratando de ciência, as

afirmações podem superar conclusões prévias a elas e podem ser

superadas por outras afirmações futuras (p.79).

Enfim, chegamos à conclusão de é missão nossa, enquanto pesquisadores,

observamos os pressupostos teóricos defendidos por inúmeros autores que oferecem valiosas

contribuições para que nosso trabalho de investigação, na prática, torne-se menos complicado

e mais possível de ser uma realidade concreta e convincente, uma vez que pesquisar é sempre

uma tarefa de conquistas e descobertas.

Page 76: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

75

3.3. O Contexto da Pesquisa e seus Sujeitos

No relato de uma pesquisa interpretativa, a descrição do contexto e dos sujeitos

nela envolvidos é importante para que os leitores possam reconstituir situações ou quaisquer

outros fenômenos que venham a interferir na análise de dados e na posterior compreensão

daquilo que o pesquisador observou em campo. Desta forma, o pesquisador tem a

responsabilidades de detalhar o contexto dos seus sujeitos de pesquisa, estando atento para o

fato de que do sucesso desta tarefa depende a compreensão, a análise e as conclusões

apresentadas no trabalho final.

A pesquisa de campo desta investigação foi realizada em uma escola pública,

Flodoardo Cabral, do município de Cruzeiro do Sul, Estado do Acre, situada no centro da

cidade, uma cidade com mais ou menos 70 mil habitantes. É uma escola de 03 turnos

destinados a estudos do Ensino Médio. Esta escola é o Recanto Amazônico desta dissertação

de mestrado.

A escola Flodoardo Cabral foi inaugurada em 04 de fevereiro de 1971. É

mantida pelo Governo do Estado do Acre através da Secretaria de Estado de Educação.

Atende a uma clientela ampla, oriunda de diversos segmentos sociais da Região do vale do

Juruá. Para ela acorrem alunos de pelo menos três municípios acreanos vizinhos: Mâncio

Lima, Thaumaturgo, Porto Walter, Rodrigues Alves e dois municípios amazonenses: Guajará

e Ipixuna, municípios esses que buscam suas independências educacionais aproveitando o

ensino que Cruzeiro do Sul proporciona a seus filhos.

A escola constitui-se em 06 prédios de um andar cada. Em 04 desses prédios,

contém as salas de aulas em funcionamento da escola. Outro prédio é um auditório com duas

salas, uma serve para funcionar o laboratório de ciência e a outra para ser a sala de vídeo.

Ainda está contido neste prédio um lindo palco que serve para a realização de múltiplas

atividades escolares. E o último prédio é um anexo onde funciona o laboratório de informática

Page 77: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

76

da escola com mais de vinte computadores. Enfim, a estrutura física da escola Flodoardo é o

suficiente para o funcionamento total de suas funções.

As salas de aula desta escola são amplas, iluminadas e possuem janelas

adequadas à sua estrutura. As cadeiras estão arrumadas uma atrás da outra, na forma da

tradicional fila, voltadas todas para o quadro-de-giz. A sua pintura é em cores claras que dão

um tom de beleza e bem-estar. Todas as paredes das salas de aula são pintadas em amarelo

claro, marfim, e o fundo em azul claro, o que torna a iluminação das mesmas mais expressa e

mais brilhante. E, ainda completando a luminosidade do ambiente, em cada sala há 12

lâmpadas florescentes que servem para acabar com quaisquer sombras que possam aparecer.

A construção da escola é em alvenaria, com piso de cerâmica, cobertura em

telha brasilit e forro em madeira, tabique. A mesma possui funcionais instalações elétricas,

hidráulicas e sanitárias. Finalizando esta descrição física, podemos dizer que o que tira um

pouco da beleza da escola Flodoardo Cabral é um grande portão que está sempre fechado,

fazendo com que o acesso ao seu interior dependa de um funcionário que a vigia internamente

e abre o portão sempre que é solicitado.

O Ensino Médio funciona atualmente nos turnos manhã, tarde e noite, com 39

turmas, 13 turmas em cada turno. O quadro de professores da escola é de 84, sendo sua

grande maioria formada em Letras e Pedagogia pelo Campus Universitário da UFAC

(Universidade Federal do Acre). E o número dos professores de Língua Portuguesa é 07,

todos formados em Letras Vernáculo. Todos os dados fornecidos aqui são equivalentes ao ano

corrente de 2002.

Muitos professores da escola têm Especializações ao nível de lato senso.

Porém, não tem nenhum professor com Mestrado ou Doutorado. E, completando o quadro dos

profissionais que trabalham com os alunos, a escola ainda conta com uma equipe de apoio

com 09 membros, entre supervisores e coordenadores, todos formados em Pedagogia.

Page 78: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

77

É importante ressaltar que a maior incidência de professores formados em

Letras deve ser entendida como resultado do trabalho do Campus da UFAC em Cruzeiro do

Sul, que conta, desde 1989, com os cursos de Letras/Vernáculo e Letras/Inglês, tendo já

formado inúmeros profissionais na área das Letras. Vejamos um depoimento de uma

professora, Alexandrina Félix, envolvida diretamente com o mesmo:

“O Curso de Letras em Cruzeiro do Sul pode ser

considerado como um marco histórico e cultural em nossa cidade. São 13

anos de efetivo trabalho na área de ensino de língua e de literaturas da

língua portuguesa. Trabalho esse muitas vezes pontuado pela extensão e

também pela pesquisa no campo lingüístico. Em todo esse tempo, temos

entre os alunos de Letras do Campus de Cruzeiro do Sul um relevante

projeto - Amazônia: os vários olhares - da UFAC que pesquisa e investiga

as mais diversas produções da região, trabalho esse que é conhecido

nacionalmente. É claro que nem tudo são flores, mas as nossas maiores

dificuldades são promovidas pela distância que estamos dos grandes

centros urbanos, pelo descaso de governantes com as parcerias as quais

estamos envolvidos e mais diretamente com a conjuntura nacional pela

qual passa a Universidade Brasileira. Mesmo assim, há uma contribuição

palpável do Curso de Letras no tocante à formação de professores de

Língua Portuguesa em nosso município e região.”

Realmente, o Curso de Letras, para Cruzeiro do Sul e região, foi um

marco histórico. Ainda lembramos, com saudades, daquele final de 1988 quando houve, pela

primeira vez, vestibular para um Curso que seria cursado na própria cidade. As conversas, em

todos os recantos, não giravam em torno de outra coisa. O vestibular para Letras era o assunto

do momento. E por que Letras? Simplesmente porque a população assim o escolheu através

de abaixo-assinados liderados pela saudosa professora Chirley Trelha, a pessoa que muito

contribuiu pela efetivação de tal Curso em Cruzeiro do Sul. Os nossos agradecimentos a ela!

Os anos se passaram e o Curso de Letras trouxe e está trazendo seus benefícios

culturais e educacionais para a população do vale do Juruá, formando todos os anos, desde

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1992, mais do que 20 letrados que se distribuíram e se distribuem pelas escolas do município

de Cruzeiro do Sul e região, fato esse que mudou para melhor a cara educacional desses

lugares, numa demonstração de que a educação transforma.

Somos testemunha ocular e participante ativa neste processo, como aluna da 1ª

turma, em 1989, e como professora de Língua Portuguesa no Curso desde 1995. E é triste hoje

termos que conviver com a ameaça do fechamento deste Curso pelo MEC, por inúmeros

fatores. Mas talvez, como fala a Alexandrina Félix, “(...) as nossas maiores dificuldades são

promovidas pela distância que estamos dos grandes centros urbanos, pelo descaso de

governantes com as parcerias as quais estamos envolvidos e mais diretamente com a

conjuntura nacional pela qual passa a Universidade Brasileira”.

Os alunos do Ensino Médio também pensam sobre a situação passada e atual do

Curso de Letras em Cruzeiro do Sul. Observemos:

É visível e marcante a atuação desses 13 anos do Campus

da UFAC em Cruzeiro do Sul. Todos os nossos cursos trouxeram grandes

contribuições para educação cruzeirense. Porém, como jovem, acredito

que se deve implantar novos cursos, nossa cidade não necessita somente

de educadores, necessita de médicos, enfermeiros, analistas de sistemas e

etc, é claro mantendo e preservando a sua qualidade, não praticando a

arbitrária decisão que foi tomada de descredenciar o Curso de Letras

Vernáculo. (Moisés Oliveira, 3º ano Ensino Médio).

O nosso Recanto Amazônico, a escola Flodoardo Cabral, como já vimos, situa-

se na pequena cidade de Cruzeiro do Sul. Por isso, nada mais justo do que dedicarmos um

espaço, neste momento, para uma leve descrição da fisionomia física e cultural desta cidade,

já que escrever um texto descritivo é uma maneira de fotografar um determinado ser por meio

das palavras, eternizando, assim, tal ser.

A História de Cruzeiro do Sul foi construída graças a inúmeros povos que aqui

habitavam: os índios e os nativos; e a outros que aqui chegaram: os alemães, os italianos, os

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nordestinos (em especial), os sulistas, os cariocas, dentre outros. Em muitos aspectos essa

miscigenação contribuiu para um desenvolvimento econômico, social e cultural da pacata

Cruzeiro do Sul. No tocante ao ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, tal miscigenação

foi de valor inestimável. Vejamos o que nos diz uma professora local de Língua Portuguesa

do Ensino Médio, na Escola Flodoardo Cabral:

O que é o homem cruzeirense, senão uma síntese das

culturas de diferentes nacionalidades e regiões brasileiras. Essa mistura

trouxe uma contribuição positiva na fixação da linguagem cruzeirense.

Claro, com as marcas de sua história. A meu ver, as pessoas vindas de

fora tinham um domínio melhor da língua culta que os nativos. Portanto, a

contribuição foi no aspecto de fixação de uma linguagem mais próxima

da gramática da Língua Portuguesa e também na escola lexical, incluindo

alguns estrangeiros e regionalismos, enriquecendo, assim, nossa

linguagem (Antonieta Silva).

Neste contexto de miscigenação, como foi então construída a pequena Cruzeiro

do Sul? Do seu passado, não sabemos quase nada. O que sabemos é que ela foi construída às

custas de muito sofrimento e de muito suor de um povo pobre e guerreiro. Assim, o que temos

hoje é uma cidade situada em plena selva amazônica, com um aspecto físico coberto pelo

verde de uma floresta intensa.

Quanto a sua localização, Cruzeiro do Sul fica ao Sul do Estado do Amazonas,

fazendo fronteira com o Peru e com a Bolívia. Conta a sua história que ela foi campo de

batalha da cruel guerra entre o Brasil e a Bolívia na tomada do Acre como um Estado

totalmente brasileiro. E a sua gente, como será? Apesar das dificuldades pelas quais passa, a

população cruzeirense é simples e acolhedora como, de um modo geral, o é o homem

amazônico.

Entre todos os aspectos culturais que marcaram a história cruzeirense,

queremos destacar a religiosidade, porque suas marcas estão presentes em todos os lugares da

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cidade. E iremos nos deter apenas na religiosidade tocante à Igreja Católica, pois ela é a que

mais se destaca, principalmente no setor educacional, mantendo, ao longo dos anos, Obras

Educacionais em Cruzeiro do Sul: o antigo Seminário Espiritano e hoje Escola São José, o

Instituto Santa Terezinha e o Seminário Maior de Filosofia e Teologia são algumas dessas

Obras. A professora Alexandrina Félix, como nativa da cidade, mais uma vez aparece

enriquecendo nosso estudo:

A Igreja Católica com as suas instituições escolares em

Cruzeiro do Sul é ao longo dos anos um referencial bastante positivo.

Aqui as escolas ligadas à igreja foram e serão ainda por muito tempo tidas

como modelo. Modelo educacional que tem dado certo, pelo menos na

preparação de indivíduos para prosseguirem os estudos lá fora. A maioria

dos profissionais nas áreas de saúde, educação, economia etc. que temos

aqui e que são filhos da terra foram alunos oriundos dessas escolas. Não

posso me posicionar sobre o português falado ou ensinado hoje em

Cruzeiro do Sul se tem ou não influência da igreja, mas devo dizer que a

Diocese continua a implementar e a colaborar com o ensino em nossa

cidade.

Cruzeiro do Sul é, enfim, a cidade onde construímos, até aqui, nossa história

educacional e profissional, pois, como muitos de seus moradores, nós também a escolhemos

como nossa cidade, com nosso lócus de convivência e trabalho. Concluímos, assim, este

capítulo de metodologia. Passaremos, então, a apresentar e a discutir os resultados de nossa

investigação, tarefa essa nada fácil, pois a análise de dados de uma investigação constitui

sempre um trabalho tão importante quanto difícil.

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CAPÍTULO IV

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

Agora é o momento de expormos os resultados do nosso estudo e interpretá-los

à luz da fundamentação teórica. Este é o capítulo da apresentação e análise de dados que será

estruturado em duas seções. A primeira diz respeito à apresentação e interpretação dos dados

e, a segunda, diz respeito às conclusões, em forma de gráfico, a que chegamos com a coleta

dos mesmos dados. E, para obtermos os resultados aqui analisados, foram aplicados

questionários consoantes com os seguintes grupos de perguntas:

Perfil dos sujeitos de pesquisa.

O relacionamento professor/aluno e os conteúdos trabalhados em sala.

As competências a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa / PCNEM.

O ensino de Língua Portuguesa que os alunos desejam.

Como já esclarecemos no capítulo anterior, os questionários deste estudo foram

elaborados com perguntas fechadas e abertas ao mesmo tempo. E, na aplicação dos mesmos,

houve espaço para uma longa explicação de cada uma das perguntas aos alunos e aos

professores que as responderam, inclusive foi oferecida a estes sujeitos a alternativa para

responderem somente as questões que lhes fossem convenientes. Porém, para nossa surpresa,

100% das perguntas foram respondidas.

Este capítulo trata, enfim, de um texto com base nas respostas obtidas na coleta

de dados e voltado ao objetivo geral desta investigação, respeitando às opiniões dos sujeitos

de pesquisa e obedecendo à ordem de apresentação dos grupos de perguntas acima

mencionados.

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82

4.1. Apresentação e Interpretação dos Dados

4.1.1. Perfil dos sujeitos de pesquisa.

4.1.1.1. O seu sexo é:

Entre os alunos entrevistados podemos ver que a sua grande maioria é do sexo

feminino 34 (62%) e somente 21 deles (38%) são do sexo masculino. Tal realidade demonstra

que a maior parte dos alunos do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral é formada por

mulheres, uma vez que os questionários foram aplicados em turmas dos três turnos: manhã,

tarde e noite, o que dá uma visão global da situação da presença feminina e masculina na

escola lócus desta pesquisa, o nosso Recanto Amazônico. As respostas dos três professores

para a mesma pergunta feita aqui, indicam igualmente que a presença feminina (02) é

superior à masculina (01).

Os dados aqui presentes constroem uma fotografia que segue o padrão da

própria população local: a mulher existe em maior número que homem. Além disso, há

também a influência dos nossos ancestrais que colocavam o filho menino para ajudá-los nos

trabalhos com a seringa e/ou com a roça e a menina, quando podia, freqüentava a escola.

Deste modo, o menino ia virando homem tendo pouca chance de freqüentar uma comunidade

escolar. E mulher ia crescendo tendo oportunidades de estar hoje mais envolvida com a

educação escolar, que vai do Ensino Fundamental ao Superior, do que o homem.

Outro fato que, neste contexto, merece nossa atenção é que Cruzeiro do Sul

oferece poucas oportunidades de ascensão social e o homem migra muito em busca da

sobrevivência em outras cidades maiores ou às margens dos rios caçando ou pescando;

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83

enquanto a mulher permanece mais fixa em determinado lugar tendo, assim, oportunidades de

estudar mais e de ser arrimo de família pelo estudo que tem.

4.1.1.2. A sua idade está entre:

Quanto à idade dos alunos entrevistados, os dados coletados demonstram que a

grande maioria deles, 42 (76%), está na faixa etária até 20 anos, seguida dos que têm de 21 a

25 anos: 11 alunos (20%). Por último, vem a faixa etária entre 26 a 30 anos: 02 alunos (04%).

Estes dados revelam que nossa investigação foi realizada em um grupo homogêneo e que a

escola Flodoardo tem uma porcentagem uniforme no que diz respeito à faixa etária dos seus

estudantes, apesar desse fato não significar necessariamente que os alunos estejam na idade

correspondente com a série que estudam.

Enfim, o fato de a idade dos alunos estar sendo mais para menos (15 a 20 =

76%) do que para mais (26 a 30 = 04%), indica que as crianças estão chegando mais cedo à

escola, coisa que até pouco tempo atrás acontecia exatamente ao contrário: muitas crianças,

no Estado do Acre como um todo, sobretudo as mais pobres, só iniciavam o Ensino

Fundamental depois de certa idade, com bem mais que 07 anos, como prevê Constituição

Federal. Um exemplo disso é o da atual Ministra do Meio Ambiente, a acreana Marina Silva,

que só começou sua vida escolar aos 13 anos de idade. Ao nosso ver, estes são indícios de que

a situação educacional, em Cruzeiro do Sul, de modo particular, começa apresentar sinais de

mudança.

Os sinais de mudança dos quais estamos falando aqui são aqueles em

comparação com o passado: os alunos que chegam mais cedo à escola, suas chances de

aprendizagem são maiores do que os que chegam atrasados. Isso é mudança! Porém, no que

diz respeito ao ensino de língua materna, há muito ainda o que fazer para que as mudanças

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comecem aparecer igualmente. Uma professora local de língua e literatura, ao ser questionado

o modo de ela ver o ensino de língua em Cruzeiro do Sul, respondeu:

O Ensino de Língua Portuguesa em Cruzeiro do Sul ainda

está muito voltado para os velhos modelos didáticos pedagógicos da

escola tradicional que precisa ser aos poucos equiparada com as

novidades do ensino. As mudanças estão acontecendo no interior das

salas de aulas, mesmo que lentamente. Sabe-se que o novo causa espanto,

mas é sempre um desafio e professores e alunos já estão buscando

soluções viáveis para que a Língua Portuguesa deixe de ser uma

disciplina com regrinhas para decorar e se torne uma área de ensino mais

aberta, voltada para atividades lúdicas (Alexandrina Félix).

Este texto da professora Alexandrina sobre o ensino de língua em Cruzeiro do

Sul resume exatamente tudo aquilo que os resultados da coleta de dados, a seguir,

expressaram a respeito do ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa na escola lócus desta

investigação, o nosso Recanto Amazônico. Passemos, então, à análise das perguntas que se

relacionam diretamente com o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa em sala de aula,

num contexto peculiar.

4.1.2. O relacionamento professor/aluno e os conteúdos trabalhados em sala.

4.1.2.1. Como é o seu relacionamento com seu (sua) professor (a) de Língua Portuguesa?

Os resultados obtidos com a questão relacionamento professor/aluno mostram

que 30 alunos dos entrevistados (55%) consideram regular; 16 alunos (29%) consideram bom,

e o restante, 09 alunos (16%), consideram ruim o relacionamento que mantêm com o (a)

professor (a) de Língua Portuguesa da escola onde estudam. Já a mesma questão respondida

pelos professores, obteve 100% de respostas no item bom. Assim, para a maioria dos alunos, o

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85

contato que têm com os professores de Língua Portuguesa não está bom, mas regular; já com

os professores, acontece exatamente o contrário: para estes, o relacionamento está bom e não

regular.

No entanto, todos os professores fizeram observações dando a entender que

seus alunos são desinteressados e preguiçosos. A fala de um deles chamou a nossa atenção:

“Encontramos muitas dificuldades. Uma delas que eu acho a principal é a falta de interesse

por parte dos alunos (...). Eles têm uma preguiça sem tamanho de ler, de reler para chegar a

uma conclusão”. Ao nosso ver, este fato é uma contradição com o conceito bom dado pelos

mesmos professores na questão relacionamento, pois considerar determinadas pessoas

desinteressadas e preguiçosas, para nós, já é uma forma de não manter com as mesmas um

bom relacionamento.

Logo, entendemos que quem se relaciona bem com alguém consegue julgá-lo

de forma positiva, e não negativa. Ou seja, precisamos ver os nossos alunos como seres

criativos e capazes de serem sujeitos do aprendizado que lhes for proporcionado. Porque, para

os tempos atuais, não há outra forma de educação a não ser aquela em que todos os

envolvidos sejam considerados criativos e necessários ao processo ensino-aprendizagem da

mesma. Entretanto, como cada pessoa olha o mundo com os próprios olhos, vamos sempre

ver as pessoas da maneira que nos for conveniente.

Concluindo, o conceito regular que os alunos dão ao relacionamento que

mantêm com seus professores de língua materna, certamente influencia nos resultados do

processo ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa na escola Flodoardo. O Relatório Delors

(1998, p. 89) apresenta como um dos pilares educacionais: “(...) aprender a viver juntos, a fim

de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas”. Assim, relacionar-se

bem é uma forma de aprender mais.

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86

4.1.2.2. Interpretar os conteúdos estudados é uma prática comum em suas aulas de

Língua Portuguesa?

Para esta pergunta, 28 alunos (51%) responderam não; 21 alunos (38%)

responderam às vezes; e apenas alunos 06 (11%) responderam sim. Dos três professores

entrevistados, 02 responderam não e 01 respondeu às vezes à mesma pergunta. A partir dos

dados aqui apresentados, podemos perceber que interpretar os conteúdos estudados nas aulas

de língua materna não é uma prática comum na escola Flodoardo.

Dois professores afirmam que os alunos não estão acostumados ao exercício da

reflexão. Para estes, isso acontece por causa das deficiências do Ensino Fundamental que, em

geral, não promove reflexões maduras sobre assuntos relevantes para a vida dos estudantes. E

esse quadro se justifica a partir das inúmeras deficiências constatadas nas escolas de Ensino

Fundamental da região: professores sem a devida qualificação; falta de recursos didático-

pedagógicos; apego à pedagogia tradicional, entre outras. Uma professora aponta outro

ângulo:

Apesar da insistência de se mudar a metodologia de ensino

da Língua Portuguesa para um entender e um interpretar os códigos

lingüísticos, a maioria dos professores de Língua Portuguesa ainda não

criaram coragem de se libertar dos vícios de dar mais ênfase ao ensino

puro normativo da língua. No meu entender, essa prática é um mal que

perdurará por algumas décadas. Estamos num momento de transição que

torna a situação do aluno ainda mais complicada no tocante a perdas na

sua aprendizagem.

De acordo com a colocação dessa professora, o problema da falta de

capacidade de interpretação dos alunos não está somente no Ensino Fundamental com suas

escolas sem equipamentos e seus professores sem qualificação; mas, e principalmente, na

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87

falta de coragem dos professores de Língua Portuguesa, de todos os níveis de ensino, de

iniciarem uma libertação dos vícios do ensino puramente normativo da língua.

Para os alunos entrevistados, a existência de aulas expositivas sobre temas

descontextualizados dos tempos atuais funciona como elemento inibidor de seus interesses e

isso se soma à seleção de conteúdos, que, muitas vezes, é desvinculada da realidade deles e

soa desinteressante à maioria dos mesmos. Vejamos o que disseram duas alunas das

entrevistadas, uma do 1º e outra da 2º ano: “O ensino de Língua Portuguesa deve ser bem

criativo para não ficarem tão cansativo e repetitivo todos os conteúdos”. / “As aulas todas

deverão ser com conteúdos interessantes para despertar no aluno mais interesse”. Estes são

depoimentos de alunas que desejam e sonham com um ensino de língua mãe de qualidade.

E os pedidos para que o ensino do idioma pátrio tenha conteúdos interessantes

e seja criativo vem de 53% dos alunos (dados da pergunta aberta 4.1.4.1.). Para nós, esse dado

demonstra que os alunos sabem muito bem o que querem e, ao mesmo tempo, reconhecem

que não têm o que querem: um ensino de língua mãe criativo e com conteúdos interessantes.

Isso é ter capacidade de interpretação, de reflexão, o que significa que os alunos são capazes

de refletirem quando são estimulados. Para Saviani (1987), a reflexão é

(...) um pensamento consciente em si mesmo, capaz de avaliar, de

verificar o grau de adequação que mantém com os dados

objetivos de medir-se com o real (...) é o ato de retomar,

reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca

constante de significado. É examinar detidamente, prestar

atenção, analisar com cuidado (p.23).

Por esta ótica, se os alunos tivessem um ensino de língua materna criativo e

com conteúdos interessantes, como eles pedem (53%), certamente a capacidade de

interpretação dos mesmos seria bem diferente. Pois, partindo do princípio de que o homem é

um ser pensante, todos, professores e alunos, somos capazes de todos os dias construirmos

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88

competências, se assim formos incentivados ou motivados por pessoas e por ambientes

apropriados.

É claro que somos conscientes dos problemas que envolvem o processo ensino-

aprendizagem de Língua Portuguesa em nosso Recanto Amazônico e em todo Brasil de um

modo geral. Reconhecemos que há problemas de todos os níveis: cultural, social, econômico

que dificultam o bom desenvolvimento de tal processo. Um dos alunos entrevistados sobre a

questão de interpretação dos conteúdos estudados, expressou-se assim:

O Ensino de Língua Portuguesa em nossa escola, precisa de

muitos melhoramentos para atingir um ensino de qualidade. Muitos

alunos não conseguem interpretar de maneira correta a língua que

falamos, em grande parte por não terem tido e ainda não terem um ensino

de qualidade que desenvolva suas capacidades e qualidades e que atenda

às exigências dos PCNEM de Língua Portuguesa.

Os aprendizes estão cobertos de razão à proporção que aspiram por um ensino

de Língua Portuguesa mais diversificado e, conseqüentemente, de mais qualidade. Porém,

Olhando a situação do professor brasileiro, percebemos que a grande maioria da classe

necessita assumir até dois contratos de trabalho para sobreviver. No caso específico do Acre,

os contratos assumidos são de 25 horas semanais cada um. E as turmas, nas quais o professor

desenvolve seu magistério, são muito grandes, com mais de 50 alunos em cada. Assim, está

evidente que falta ao professor de língua materna, como aos demais, tempo e incentivo para

preparar aulas mais elaboradas, com conteúdos mais atraentes.

4.1.3. As competências a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa estabelecidas pelos

PCNEM.

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89

4.1.3.1. As tecnologias da comunicação e da informação são aplicadas nas aulas de

Língua Portuguesa de sua escola?

Para esta pergunta, 09 alunos (16%) responderam muitas vezes; 30 (55%)

alunos responderam nunca; 16 alunos (29%) responderam que poucas vezes as tecnologias da

comunicação e da informação são aplicadas nas aulas de Língua Portuguesa da escola onde

estudam. E dos três professores entrevistados com a mesma pergunta, 100% respondeu que

poucas vezes tais tecnologias são aplicadas por eles em suas aulas de língua materna.

Para os PCNEM (1997, p.11-12), “As novas tecnologias da comunicação e da

informação permeiam o cotidiano, independente do espaço físico, e criam necessidades de

vida e convivência que precisam ser analisadas no espaço escolar”. De acordo com esta visão,

é preciso que a competência da aplicação das tecnologias da comunicação e da informação

seja uma realidade urgente no ensino de Língua Portuguesa do Ensino Médio em nossas

escolas.

Os alunos da escola Flodoardo expressaram, na coleta de dados, o desejo que

têm que as tecnologias sejam aplicadas em suas aulas de Língua Portuguesa. Vejamos o que

dois deles do 1º ano disseram: “As aulas de Português deveriam ser mais criativas, ou seja, a

professora deveria usar + a tecnologia que temos hoje para auxiliar o ensino, que hoje não

está muito bom”. / “A professora de Português deveria utilizar os recursos tecnológicos para

proporcionar uma aula menos cansativa e nós possamos aprender mais”.

Nesta análise, os alunos estão revelando que sabem o que torna suas aulas de

Língua Portuguesa mais criativas e menos cansativas: o uso de tecnologias. E isso faz com

que eles saiam ganhando: “... e nós possamos aprender mais”. Porém, na realidade específica

do nosso recanto Amazônico, o uso das tecnologias da comunicação e da informação não é

tão simples quanto possa parecer, pois há razões profundas que impossibilitam os professores

de fazerem uso das mesmas.

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90

E, ao focalizar esses motivos, descobrimos que os recursos tecnológicos

começaram fazer parte da vida dos cruzeirenses há bem pouco tempo atrás e ainda hoje é

muito comum encontrarmos professores que não possuem um computador em casa, por

exemplo. Com os alunos, a realidade ainda é um pouco pior: muitos alunos nunca tiveram

contado com um computador e nem com outro tipo de recurso tecnológico. Deste modo,

muitas vezes, falta interesse por parte de professores e alunos para nos dedicarmos às questões

tecnológicas, pois são questões fora do nosso mundo de convivência.

Por outro lado, não há empenho por parte das autoridades educacionais e

governamentais no sentido de investimentos suficientes para equipar e monitorar as escolas

com recursos tecnológicos necessários ao desenvolvimento das disciplinas. Como vimos na

apresentação do local e dos sujeitos desta pesquisa, no capítulo anterior, a escola Flodoardo

possui um laboratório de informática com mais ou menos 20 computadores. No entanto,

conforme os professores, o referido laboratório não é bem utilizado por eles próprios e pelos

alunos. E se os professores se dispusessem a utilizá-los, o que representaria 20 computadores

para uma escola com 1750 alunos e 84 professores?

O resultado seria, igualmente, a não aplicação desta tecnologia tão

essencial para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem de qualquer

disciplina. Razões como estas é que, na maioria das vezes, impedem que alunos e

professores sejamos preparados para qualquer tipo de enfrentamento com as novas

tecnologias da comunicação e da informação de um modo geral.

Consoante com estas colocações, todos os professores entrevistados, nesta

pesquisa, responderam que somente poucas vezes as tecnologias da comunicação e da

informação são aplicadas por eles em suas aulas de Língua Portuguesa. Para estes professores,

as razões deste quadro são as mais variadas: vão desde a falta de apoio técnico da escola, até a

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91

falta de contextualização das competências estabelecidas pelos PCNEM. Uma professora,

num tom de desabafo, disse:

As competências estabelecidas pelos PCNEM para o ensino

da Língua Portuguesa do Ensino Médio são textos bem elaborados, mas

por demais distanciadas da prática com a disciplina. A sua real efetivação

dependeria da aquisição de recursos didáticos e de uma ostensiva

supervisão no sentido de acompanhar e colaborar para que as atividades

diversificadas fossem realizadas. As competências para Língua

Portuguesa só poderiam ser desenvolvidas com eficácia se a escola (a

nossa, em Cruzeiro do Sul, por exemplo) tivesse condição de oferecer aos

alunos oportunidade de pesquisa, leitura, debates, acesso à internet etc. Os

PCNEM são, sem dúvida nenhuma, uma proposta de grande valor, falta

somente efetivá-los, considerando as particularidades, que infelizmente

foram desconsideradas pelo MEC.

Em relação à questão de considerar as particularidades locais de cada lugar, há

mais professores e vários alunos que pensam de acordo com a colocação acima mencionada.

Porém, há professores e alunos que discordam da mesma. Uma professora, por exemplo,

referindo-se ao documento que estabeleceu as competências a serem desenvolvidas em

Língua Portuguesa no Ensino Médio, assim se expressa:

O MEC foi muito feliz em identificar esse documento como

“PARÂMETROS”. Se compreendermos o significado desta palavra,

veremos que são apenas parâmetros de orientação, norteadores de

procedimentos pedagógicos. Se entendermos por esse ângulo, veremos

que são coerentes, pois deixam abertura suficiente para que cada região

selecione aquilo que deve ser incluído, de acordo com as necessidades

específicas de cada local.

Assim, voltando aos PCNEM, os mesmos trazem toda uma discussão sobre a

questão da aplicação da competência aqui analisada a partir dos resultados oferecidos pelos

sujeitos desta investigação. E defendem que, ao final do Ensino Médio, os alunos devem ter o

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92

domínio das tecnologias, ou melhor, sejam capazes de construírem a competência

estabelecida por eles próprios sobre esta questão essencial a uma educação de qualidade em

tempos de modernidade. Observemos uma de suas falas:

Descobertas humanas foram pensadas para o homem e

assim devem ser entendidas. Os sistemas tecnológicos, na sociedade

contemporânea, fazem parte do mundo produtivo e da prática social de

todos os cidadãos, exercendo um poder de onipresença, uma vez que

criam formas de organização e transformação de processos e

procedimentos. (...) Elas fazem parte da vida das pessoas, não invadem a

vida das pessoas. A organização de seus gêneros, formatos e recursos

procura reproduzir as dimensões da vida no mundo moderno (p.12).

Muitos autores, como os PCNEM, vêem a revolução tecnológica como uma

das soluções para os problemas existenciais do mundo moderno. Navia (1989, p.27), por

exemplo, assim se expressa: “(...) la repercusión de la revolución científico-tecnológica, a

difusión de ciertos resultados de las ciencias sociales, el poder revulsivo de los problemas e

inquietudes sociales o los cuestionamientos derivados de las problemáticas existenciales o de

convivencia”. Deste modo, o que seria do mundo hoje sem o computador, sem a Internet, por

exemplo? Seria um mundo, mais ou menos, bem antigo; porém, com problemas atuais que

reclamam por recursos também atuais, como os tecnológicos.

O mais importante, nesta discussão, é o fato de as competências, as analisadas

aqui em particular, e todas as outras estabelecidas e as a estabelecer de acordo com as

necessidades particulares, estarem a nossa disposição para proporcionarmos, por meio delas,

um ensino-aprendizagem de qualidade às escolas de Ensino Médio. Os alunos de nossa

pesquisa conseguem claramente perceber a importância de tais competências e as deficiências

da escola onde estudam, coisa que é muito visível a quaisquer olhos. Ouçamos o que um deles

falou quando questionado a respeito das competências:

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93

Teoricamente as competências são ótimas e o ideal a ser

alcançado, mas estão longe de corresponder a realidade ensinada nas

escolas públicas brasileiras e principalmente em Cruzeiro do Sul, onde

vários (as) professores (as) não têm a qualificação exigida, e as escolas

não têm estruturas para realização de atividades extra-classe e não têm

recursos didáticos, além das inúmeras dificuldades que os alunos trazem

de casa.

4.1.3.2. Você está sendo preparado (a), em suas aulas de Língua Portuguesa, para lidar

com as diferenças e com as semelhanças entre a língua oral e a escrita?

A análise dos dados abaixo oferece-nos a oportunidade de vermos que 34

alunos (61%) responderam não; 13 alunos (24%) deram outras respostas; 08 alunos (15%)

responderam sim para a pergunta a respeito da preparação para lidar com as diferenças e

com as semelhanças entre a língua oral e a escrita nas suas aulas de Língua Portuguesa. Dos

três professores entrevistados, 02 responderam sim e 01 respondeu não para a mesma

pergunta.

É fácil identificarmos, a partir destes resultados, que a escola de Flodoardo

Cabral não está preparando seus alunos para construírem a competência “Articular as redes de

diferenças e semelhanças entre a língua oral e escrita e seus códigos sociais, contextuais e

lingüísticos” (PCNEM, p.24). O fato de 34 alunos (61%) dizerem que não estão sendo

preparados para tal, é prova do que estamos afirmando: esta competência não está sendo

construída pelos mesmos alunos.

No entanto, dos três professores entrevistados, dois responderam que os alunos

estão sendo sim preparados para lidarem com as diferenças e com as semelhanças da língua

oral e escrita. Estamos assim diante daquilo que podemos considerar como ângulos diferentes:

os alunos pensam de uma maneira e os professores de outra a respeito da mesma situação, ou

seja, os alunos não conseguem perceber a preparação oferecida pelos professores nesta

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94

questão de oralidade e escrita. E isso nos leva a crer que não existe feedback no processo

ensino-aprendizagem desta competência, ou melhor, os professores estão desenvolvendo-a e

os alunos não estão construindo-a e consideram o fato como se não estivesse sendo

trabalhado, uma vez que a ação de aprender não está conseguindo alcançá-los.

Como já tratamos no capítulo da fundamentação teórica desta dissertação, a

linguagem escrita e a oral são duas modalidades de expressão da linguagem. Partindo dessa

perspectiva, é conveniente que coloquemos em pé de igualdade as modalidades de expressão

oral e escrita, manifestadas nas mais variadas formas, conforme fala Bagno (2001):

(...) Sou a favor de um ensino crítico da norma-padrão. E

para empreender essa crítica, é necessário despejar sobre o pano de fundo

homogêneo da norma-padrão clássica a heterogeneidade da língua

realmente usada. Para isso, a escola deve dar espaço ao maior número

possível de manifestações lingüísticas, concretizadas no maior número

possível de gêneros textuais e de variedades de língua: rurais, urbanas,

orais, escritas, formais, informais, cultas, não-cultas etc. Assim como

Mattos e Silva (1995, p.37), também proponho “uma pedagogia voltada

para o todo da língua e não para algumas de suas formas” (p. 59).

Levando em conta o princípio de que toda língua, qualquer língua, em

qualquer momento histórico e em qualquer lugar do mundo, nunca é uma coisa compacta,

uniforme e que a principal característica das línguas humanas é a sua heterogeneidade, é que

devemos entender Bagno: ”a escola deve dar espaço ao maior número possível de

manifestações lingüísticas” e, conseqüentemente, Mattos e Silva: “uma pedagogia voltada

para o todo da língua”. Estes dois autores, neste contexto, estão propondo uma nova maneira

de trabalharmos a Língua Portuguesa, respeitando as suas várias e diferentes manifestações.

Assim, analisando os resultados (61%) que mostram que os alunos da escola

lócus de nossa pesquisa não estão sendo preparados para lidarem com as diferenças e

semelhanças da língua oral e escrita, chegamos a pensar que as deficiências que envolvem o

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processo ensino-aprendizagem de língua materna, em nosso Recanto Amazônico, poderiam

ser amenizadas se nós professores começássemos trabalhar a língua escrita, dos livros

didáticos e das gramáticas, concomitantemente com a língua falada e vivida pelos nossos

alunos.

Uma professora da escola Flodoardo não contada como uma das pessoas

entrevistadas em nossa coleta de dados, mas como uma colaboradora, coloca-nos:

Considerando a miscigenação que constitui a nossa

sociedade pode-se concluir que a fala do cruzeirense é sem dúvida uma

síntese dos mais variados falares que aqui se fixaram. No tocante ao

ensino da Língua Portuguesa, vale salientar que a escola – instituição –

em Cruzeiro do Sul, seguiu sempre uma linha por demais tradicional, o

ensino da língua esteve sempre baseado no estudo da gramática; não

conheço nenhuma escola ou nenhum projeto que tenha tido a preocupação

em estudar ou aproveitar como recurso a mais em sala de aula os aspectos

lingüísticos locais, o que poderia gerar um enriquecimento lexical mais

próximo das nossas raízes (Alexandrina Félix).

Esta fala da professora Alexandrina expressa o desejo que a Língua Portuguesa

seja trabalhada de forma menos tradicional. Ela coloca: “o ensino de língua esteve sempre

baseado no estudo da gramática”, e isso pode significar que tal ensino está fundamentado

apenas no domínio da língua escrita. A professora continua sua fala e afirma: “não conheço

nenhuma escola (...) que tenha tido a preocupação em estudar (...) os aspectos lingüísticos

locais”. Aqui temos uma evidência de que a língua oral, a particular, não é trabalhada por nós

professores em nossas aulas de Língua Portuguesa.

De acordo com o IBGE, mais de 20 milhões de brasileiros não sabem ler nem

escrever. Sabemos que esse número não faz referência aos analfabetos funcionais, àqueles que

somente sabem desenhar o próprio nome, que são frutos de programas de alfabetização que

contemplam tão somente a interesses políticos e eleitoreiros, não respeitando a pessoa como

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96

um ser humano que é portador do direito de ter, no seu sistema lingüístico pátrio, um

instrumento de libertação pessoal e, sobretudo, social.

Deste modo, estamos percebendo que a língua escrita é a ensinada nas escolas,

mas como seu ensino não considera a fala particular do estudante, este, na maioria das vezes,

apresenta dificuldade em aprender ler e escrever e, muitas vezes, nunca aprende, preferindo

abandonar a escola. Somente durante o ano letivo de 2002, na escola Flodoardo, 254 alunos

desistiram. E este índice aumenta tratando-se de escola de Ensino Fundamental em Cruzeiro

do Sul. Um outro lado da questão é a realidade de muitas pessoas não terem nunca sentado

num banco escolar. Este é o caso dos analfabetos que desconhecem totalmente o mundo da

escrita em suas vidas.

O fato de muitos brasileiros não terem o domínio da língua escrita ensinada na

escola indica que o ensino de língua materna precisa urgentemente mudar sua cara. Claro que

nem tudo depende da escola, pois o analfabetismo no Brasil, no Acre e em Cruzeiro do Sul é

sintoma de muitas doenças sócio-econômico-políticas. É um problema que exige que todos

nós nos empenhemos no sentido de resolvê-lo, pois, como diz Bagno (2001):

Tudo isso cria o que eu chamo de baixa auto-estima

lingüística: os brasileiros em geral têm vergonha ou medo de falar e de

escrever em situações um pouquinho mais formais porque acreditam que

a língua que eles realmente conhecem não “serve” para essas situações...

E não estou falando somente dos brasileiros analfabetos ou semi-

analfabetos (que, infelizmente, constituem uma parte substancial da nossa

população). Estou me referindo também aos falantes cultos, com

escolaridade superior completa (p.40).

Assim, observa-se que o uso efetivo da língua não se apresenta como uma

prática fundamental para que sejam experimentadas as diversas interlocuções possíveis em

uma sociedade dinâmica, e tal atitude gera a idéia de que o Português da escola é uma outra

língua. E, pelo fato de não admitirmos como válidas as diversas variantes socialmente

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97

desprestigiadas, o conhecimento lingüístico do aprendiz, a começar pela fala, é sempre posto

em xeque e quase sempre é considerado errado ou insuficiente, como se a única forma correta

do nosso idioma pátrio fosse a língua da gramática e a dos livros didáticos, a única ensinada,

ainda hoje, nas aulas de Língua Portuguesa, infelizmente.

Uma coisa que fazemos questão de deixar muito claro é que não queremos, em

momento algum, responsabilizar somente nós professores pelo estado em que se encontra o

ensino de nossa língua mãe. Pois observamos, nesta investigação, que não há má-fé por nossa

parte no sentido de desenvolvermos nossas aulas da maneira que o fazemos. Tudo o que

acontece ou quase tudo é resultado, entre outros fatores, da nossa formação como

profissionais e do projeto político da escola da qual fazemos parte, numa sociedade desigual,

onde o professor é visto como um instrumento de reprodução de idéias e de bons costumes.

Vejamos o que nos diz uma das professoras entrevistadas:

O professor de Língua Portuguesa deve utilizar-se de uma

metodologia que propicie ao aluno oportunidades múltiplas de linguagem

verbal e não-verbal. A leitura e produção de textos de diferentes temas

dão oportunidade dos alunos de discutir e analisar as diferenças,

semelhanças, convivências (...). Esta compreensão permitirá que o aluno

participe e usufrua os bens da sociedade. Tal proposta incluiria os vários

falares, tanto da língua culta como de outro dialeto, e assim, se evitaria a

exclusão da linguagem popular que é uma grande perda cultural para nós

das barrancas do Rio Juruá.

4.1.3.3. Você está aprendendo a relacionar o conhecimento da Língua Portuguesa com as

questões sociais?

Ao responder esta pergunta, 27 alunos (49%) responderam que não estão

aprendendo nada; 19 alunos (35 %) responderam que estão aprendendo pouco; 09 alunos

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(16%) responderam que estão aprendendo muito. Para a mesma pergunta, 100% dos

professores respondeu que os alunos estão aprendendo pouco.

Analisando estes dados que nos foram proporcionados generosamente pelos

sujeitos de nossa pesquisa, percebemos que a Língua Portuguesa na escola Flodoardo vem

sendo trabalhada sem a preocupação de relacioná-la com as questões sociais vigentes na

sociedade local. Assim, o que os PCNEM defendem, a seguir, fica cada vez mais distante da

realidade escolar do nosso Recanto Amazônico.

Na escola, a exigência de se dar espaço para a verbalização

do não-dito será uma possibilidade para a construção de múltiplas

identidades. Dar espaço para a verbalização da representação social e

cultural é um grande passo para a sistematização da identidade de grupos

que sofrem processos de deslegitimação social (p.20).

A escola é vista, pelos PCNEM, como um ambiente importante capaz de “Dar

espaço para a verbalização da representação social e cultural (...)”. E isso significa, para nós,

que vivemos em uma sociedade onde todas as disciplinas escolares precisam ser voltadas para

o aspecto social da comunidade da qual fazem parte. Assim, o ensino-aprendizagem de

Língua Portuguesa, para alcançar êxito, não pode ser desenvolvido sem também ser mesclado

por seu aspecto social particular.

Por esta ótica, os PCNEM, ao estabelecerem a competência, “considerar a

Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e como

representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e

agir na vida social” (PCNEM, p.20), tiveram uma visão bem ampla das sociedades modernas

como um todo. Pois, em tempos de modernidade, não é mais possível pensarmos na dimensão

da vida humana sem a percepção do fator social. E, neste contexto, nossa língua materna é

colocada “(...) como representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas

de sentir, pensar e agir na vida social”.

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99

Mattoso Câmara (1981), ao considerar que as funções primordiais da

linguagem são a organização do pensamento e a comunicação ampla do pensamento assim

organizado, está imbuído de um espírito sociológico extremado, que justifica a correção

lingüística em termos de consenso, sinal de status social e de grau de instrução:

A conseqüência inevitável é que cada um de nós tem de

saber usar uma boa linguagem para desempenhar o seu papel de indivíduo

e de membro de uma sociedade humana. Não se pode admitir que um

instrumento tão essencial seja mal conhecido e mal manejado; mal utilizá-

lo é colocarmo-nos na categoria dos operários que são canhestros e

incipientes no exercício de sua profissão (p. 12).

Esta argumentação de Mattoso Câmara conduz-nos a uma necessidade de

empreendermos uma grande viagem pelo Brasil, de Norte a Sul e de Leste a Oeste,

recolhendo as várias linguagens utilizadas e os vários modos de falar das pessoas de todas as

regiões, de todos os estados, de todas as cidades etc. Nessa viagem, certamente, vamos

perceber que existem diferenças nas linguagens e nos modos de falar, diferenças que podem

ser fonéticas, sintáticas, morfológicas, lexicais, semânticas, pragmáticas... Há muita

semelhança, também, é verdade, mas são as diferenças que chamam mais a atenção e que

permitem classificar os variados modos de usar a Língua Portuguesa como conseqüência das

relações sociais que as pessoas estabelecem entre si, além de outros fatores, obviamente.

O estudo das relações que existem entre todos aqueles fatores usados para

classificar um falante (idade, sexo, escolaridade, origem geográfica etc) e o modo como ele

fala (a variedade lingüística dele) pertence ao campo científico da Sociolingüística. A

Sociolingüística, com este nome e com sua configuração teórica e metodológica atual, surgiu

na década de 60 nos Estados Unidos graças, sobretudo, aos trabalhos de William Labov. A

Sociolingüística veio mostrar que toda língua muda e varia, isto é, muda com o tempo e varia

no espaço, além de variar também de acordo com a classe social do falante.

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Assim, depois da chegada da Sociolingüística, ficou difícil aceitar declarações

genéricas do tipo: “Em português tal coisa se diz assim”. O sociolingüista na mesma hora vai

querer saber: mas que português é esse? Falado no Brasil, em Portugal ou em Angola? Falado

em que região, por quais falantes, de qual classe social, de qual nível de escolaridade (...)? A

partir dessas concepções trazidas pela a Sociolingüística, fica evidente que cada vez mais o

ensino de língua materna precisa preparar os estudantes para a sociedade da qual são

membros e necessitam tornarem-se sujeitos para terem as condições necessárias de lutarem

para a transformação da mesma sociedade. Os PCNEM acrescentam:

A linguagem verbal representa a experiência do ser humano

na vida social, sendo que essa não é uniforme. A linguagem é constructo e

construtora do social e gera a sociabilidade. Os sentidos e significados

gerados na interação social produzem uma linguagem que, apesar de

utilizar uma mesma língua, varia na produção e na interpretação (p.20).

A pesquisa de campo desta dissertação detectou que os alunos do nosso

Recanto Amazônico não estão sendo preparados para construírem a competência “considerar

a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e como

representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e

agir na vida social”. E o ensino de língua mãe continua sendo um ensino baseado na língua

dos gramáticos e dos dicionaristas, sem muita preocupação com o engajamento no contexto

social dos estudantes, o que torna o ensino-aprendizagem de nosso idioma pátrio lento e

desinteressante. Quais causas explicariam este quadro?

Não nos envolvemos, nesta investigação, a desvendar os motivos que fazem

com que o ensino de Língua Portuguesa seja apenas fundamentado nos livros e não também

na vida social dos alunos. Porém, através da coleta de dados, deu para termos a idéia de que

nós professores somos frutos de uma formação que conduz à reprodução e não à criação. E

nada mais coerente, assim, que seguirmos unicamente o que outros já disseram antes de nós.

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É mais seguro e menos perigoso... Além do mais, a maioria das escolas não estão preparadas

com recursos modernos, como laboratórios de experimentação e de computação, que

propiciem um ensino de língua diversificado e atraente.

E os PCNEM destacam a necessidade da escola instrumentalizar o aluno,

através do “poder dizer/escrever”, para o seu desempenho social:

A competência do aluno depende, principalmente, do poder

dizer/escrever, de ser alguém que merece ser ouvido/lido. A escola não

pode garantir o uso da linguagem fora do seu espaço, mas deve garantir

tal exercício de uso amplo no seu espaço, como forma de instrumentalizar

o aluno para o seu desempenho social. Armá-lo para poder competir em

situação de igualdade com aqueles que julgam ter o domínio social da

língua. (p.22)

4.1.4.1. Como você gostaria que fosse o ensino de Língua Portuguesa em sua escola?

Os dados aqui presentes mostram como os alunos querem que seja o ensino

de Língua Portuguesa na escola onde eles estudam. Observemos: 18 alunos (33%) optaram

por um ensino bem criativo; 14 alunos (25%) querem um ensino que utilize os recursos

tecnológicos modernos; 12 alunos (22%) aspiram por um ensino onde materiais concretos

sejam utilizados; 11 alunos (20%) desejam um ensino com conteúdos interessantes. E,

observando estes dados, chegamos a dedução de que eles esperam por um ensino de língua

baseado numa educação voltada para a liberdade, conforme as idéias de Luft (2002):

O ensino ideal, a educação ideal, que todos desejamos, há

de ser uma educação para a liberdade, como a têm preconizado figuras do

porte de um Paulo Freire em nosso país. Muito particularmente se aplica

isto ao ensino de língua materna, já que é através dela que pensamos,

analisamos o mundo, nos integramos e nos relacionamos com os nossos

irmãos (p. 98).

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No contexto desta colocação de Luft e na tentativa de revelarmos mais

resultados obtidos na coleta de dados, selecionamos cuidadosamente algumas falas dos alunos

para melhor nos situarmos no que realmente eles estão pensando e falando, no intuito de

conhecermos melhor àqueles que foram os sujeitos desta investigação:

“O ensino de língua portuguesa deve ser bem criativo para não ficar tão cansativo e

repetitivo todos os conteúdos”.

“O ensino de Língua Portuguesa deve ser criativo e com bastante utilização de

recursos didáticos, para que estimule o aluno a aprender e participar das aulas com

dedicação”.

“As aulas de português deveriam ser mais criativas, ou seja, a professora deveria usar

+ a tecnologia que temos hoje para auxiliar o ensino, que hoje não está muito bom”.

“(...) Utilizar os recursos tecnológicos para proporcionar uma aula menos cansativa e

possamos aprender mais”.

“A língua portuguesa deve ser trabalhada de muitas formas, com dinâmicas, aulas

recreativas e principalmente utilizando materiais concretos”.

“A nossa língua deverá ter um ensino mais estimulante, usando outros métodos, para

facilitar a aprendizagem dos alunos”.

“As aulas de português todas deverão ser com conteúdos interessantes para despertar

no aluno mais interesse”.

Analisando estes textos dos alunos sujeitos de nossa pesquisa, a impressão

que temos é de que eles falam por si somente e dispensam quaisquer comentários. Pois,

através dos mesmos, os alunos revelam toda a ansiedade que trazem consigo no sentido de

terem um ensino de língua criativo, tecnológico, didático e com conteúdos interessantes. Esse,

sim, seria o ensino ideal, consoante com os dados coletados. Vejamos mais um aluno

expressando seus desejos a respeito do ensino de sua língua mãe:

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103

Ensino de Língua Portuguesa dever ser trabalhada de

maneira a propiciar novos desafios aos alunos. Escola e professores em

geral devem ser mais dinâmicos. Incentivar, por exemplo, os alunos a

escreverem peças teatrais, músicas, poesias, jornal escolar, criar

dicionários locais de palavras etc. São atividades interessantes que

desenvolvem ao mesmo tempo a ortografia correta e a linguagem oral.

Estes resultados demonstram a ausência total de muitos indicadores

considerados necessários ao desenvolvimento das competências básicas para um ensino-

aprendizagem de língua materna de qualidade. E, em vista destes resultados, não fica difícil

concluir-se que os alunos e até mesmo os professores não estão satisfeitos com a situação

atual do ensino de Língua Portuguesa que têm em sua escola e, conseqüentemente, em sua

cidade. Em contrapartida, os mesmos resultados apontam para um novo ensino.

Enfim, se os sujeitos desta investigação querem tanto um ensino de língua

criativo, tecnológico, didático e com conteúdos interessantes é porque ainda não o têm. Aqui

podemos dizer que o Ensino-Baseado-em-Competência poderia ser uma das soluções para

este problema. Pois a construção de competências básicas será mais ou menos significativa à

proporção direta em que assumirmos um trabalho voltado para o desenvolvimento concreto

das mesmas. E vale lembrar que tal trabalho não poderá ser isolado. É em conjunto que temos

as condições reais para caminharmos na direção de mudanças.

4.2. Conclusões da Análise de Dados

Finalizando este capítulo de análise dos dados, utilizamo-nos da representação

gráfica para oferecemos uma síntese das respostas dos alunos às perguntas dos questionários

aplicados. Primeiramente, traçamos um perfil sobre a questão sexo e idade desses sujeitos de

nossa investigação.

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1 2

1. Masculino: 21 (38%) 2. Feminino: 34 (62%)

4.1.1.1. SexoFigura 1

0

10

20

30

40

50

1 2 3

1. 15 a 20: 42 (76%) 2. 21 a 25: 11 (20%) 3. 26 a 30: 02 (04%)

4.1.1.2. IdadeFigura 2

Para responder a primeira questão de estudo desta dissertação (Quais as

percepções de alunos e professores do Ensino Médio sobre o ensino de Língua Portuguesa, na

escola Flodoardo Cabral, em Cruzeiro do Sul, tendo em vista o relacionamento

professor/aluno e os conteúdos trabalhados em sala de aula?), elaboramos duas perguntas:

Como é o seu relacionamento com seu (sua) professor (a) de Língua Portuguesa?

0

5

10

15

20

25

30

1 2 3

1. É bom: 16 (29%) 2. É regular: 30 (55%) 3. É ruim: 09 (16%)

4.1.2.1. RelacionamentoFigura 3

Page 106: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

105

Interpretar os conteúdos estudados é uma prática comum em suas aulas de Língua

Portuguesa?

0

10

20

30

1 2 3

1. Não: 28 (51%) 2. Às vezes: 21 (38%) 3. Sim: 06 (11%)

4.1.2.2. Interpretar conteúdosFigura 4

Encerrando as conclusões sobre a primeira questão de estudo que trata do

relacionamento professor/aluno e da interpretação dos conteúdos estudados, de certa forma,

podemos dizer que nos deparamos, ao longo da análise dos resultados sobre este assunto, com

tipos especiais de competências que precisam ser construídas pelos alunos e professores de

Língua Portuguesa do Ensino Médio, em contexto de um Recanto Amazônico. Pois ser capaz

de manter bom relacionamento e ser capaz de exercitar interpretação dos conteúdos estudados

são faculdades que exigem de nós competências básicas.

No intuito de contemplarmos a segunda questão de estudo desta investigação

(As competências: aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola; articular

as redes de diferenças e semelhanças entre a língua oral e a escrita; considerar a Língua

Portuguesa como fonte de legitimação de condutas sociais, estão sendo construídas pelos

alunos do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral?), trabalhamos com três perguntas nos

questionários de coleta de dados. Vejamos as perguntas e os resultados.

As tecnologias da comunicação e da informação são aplicadas nas aulas de Língua

Portuguesa de sua escola?

Page 107: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

106

0

10

20

30

1 2 3

1. Muitas vezes: 09 (16%) 2. Nunca: 30 (55%) 3. Poucas vezes: 16 (29%)

4.1.3.1. TecnologiasFigura 5

Você está sendo preparado (a), em suas aulas de Língua Portuguesa, para lidar com

as diferenças e com as semelhanças entre a língua oral e a escrita?

05101520253035

1 2 3

1. Sim: 08 (15%) 2. Não: 34 (61%) 3. Outros: 13 (24%)

4.1.3.2. Oral e Figura 6

Você está aprendendo a relacionar o conhecimento da Língua Portuguesa com as

questões sociais?

0

5

10

15

20

25

30

1 2 3

1. Muito: 09 (16%) 2. Pouco: 19 (35%) 3. Nada: 27 (49%)

4.1.3.3. Condutas sociaisFigura 7

Page 108: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

107

Consoante com os dados apresentados nas figuras 5, 6 e 7, fica claro que as

competências estabelecidas pelos PCNEM ainda não são praticamente trabalhadas pelos

professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da escola Flodoardo e, conseqüentemente,

não estão sendo construídas pelos alunos da mesma escola. Não consideramos, nesta pesquisa,

os motivos que levam os professores não trabalharem as competências, apenas queríamos

concretizar o objetivo geral desta dissertação: identificar em que medida as competências em

Língua Portuguesa, estabelecidas pelos PCNEM, estão sendo construídas pelos alunos do

Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral, o nosso Recanto Amazônico, em Cruzeiro do Sul /

Estado do Acre.

Neste contexto das competências em Língua Portuguesa ainda não serem

construídas pelos alunos pela razão das mesmas não serem trabalhadas pelos professores,

vale recordar o que Perrenoud (2000) diz sobre competências:

Prática reflexiva, profissionalizante, trabalho em equipe e

por projetos, autonomia e responsabilidade crescentes, pedagogias

diferenciadas, centralização sobre os dispositivos e sobre as situações de

aprendizagem, sensibilidade à relação com o saber e com a lei delineiam

um roteiro para um novo ofício (p.11).

Perrenoud, com estas palavras, oferece uma definição para competências e nos

leva a crer que para assumirmos uma prática docente baseada em competências precisamos

querer e termos a coragem de mudarmos certos hábitos. Precisamos trabalhar numa ótica de

“pedagogias diferenciadas” e, assim, construirmos “um novo ofício” para ensinar. Olhando

esta questão das competências na sua teoria, parece que estamos diante de uma situação

simples; na prática, porém, parece que tudo se complica e os dias passam-se e as

competências não são construídas. Um dos alunos sujeitos de nossa pesquisa, refletindo sobre

as competências em Língua Portuguesa estabelecidas pelos PCNEM, afirma:

Page 109: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

108

A divulgação dos conteúdos dos PCNEM deve ser feita da

melhor forma possível, para que todos tenham acesso compreensivo aos

mesmos e assim possam aplicá-los no dia-a-dia das salas de aula. Os

supervisores de ensino precisam estar por dentro de todas as propostas

dos PCNEM para poderem acompanhar e dar boas sugestões ao corpo

docente de sua escola; todos os recursos necessários sejam oferecidos aos

professores para que possam concretizar na sua docência a filosofia de

ensino dos PCNEM que é o desenvolvimento de competências.

O raciocínio expressado por este aluno responsabiliza o aspecto fora da sala de

aula pelo não trabalho das competências: “A divulgação dos conteúdos dos PCNEM deve ser

feita da melhor forma possível, (...) Os supervisores de ensino precisam estar por dentro de

todas as propostas dos PCNEM para poderem acompanhar e dar boas sugestões ao corpo

docente de sua escola”. Com isso, podemos ver que até os próprios alunos conseguem

diagnosticar que para construirmos, como professores, “um novo ofício” é preciso que mais

gente também esteja envolvida no processo de mudança. Perrenoud (1999) completa este

raciocínio ao dizer:

Enfrentar situações diversas requer competências também

diversas, e estas não serão construídas pela simples transferência de

esquemas gerais de raciocínio, análise, argumentação e cisão. A escola só

pode preparar para a diversidade do mundo trabalhando-a explicitamente,

aliando conhecimento e savoir-faire a propósito de múltiplas situações da

vida de todos os dias (p. 75).

Para termos ciência de como os alunos sujeitos desta pesquisa querem que seja

o ensino de Língua Portuguesa, na escola onde estudam, foi que elaboramos a terceira

questão de estudo de nossa investigação (Como os alunos do Ensino Médio da escola

Flodoardo Cabral querem que seja o ensino de Língua Portuguesa, tendo em vista a

construção de competências estabelecidas pelos PCNEM?). E, para respondermos

convincentemente tal questão, fizemos apenas uma pergunta no questionário de coleta de

Page 110: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

109

dados, a que foi suficiente para conhecermos os desejos que os alunos trazem em suas mentes

para o ensino de língua materna.

Como você gostaria que fosse o ensino de Língua Portuguesa em sua escola?

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

1 2 3 4

1. Bem criativo: 18 (33%)2. Tecnológico: 14 (25%) 3. Concreto: 12 (22%) 4. Interessante: 11: (20%)

4.1.4.1. Ensino desejado Figura 8

Avaliando estas respostas, podemos ver claramente que os alunos aspiram

por um ensino de Língua Portuguesa baseado no desenvolvimento das competências, apesar

de eles não usarem a palavra competência. Basta observarmos o conteúdo das respostas e

compararmos com o que entendemos por competência “Prática reflexiva, profissionalizante,

trabalho em equipe e por projetos, autonomia e responsabilidade crescentes, pedagogias

diferenciadas (...)“ que veremos o que os alunos esperam: um ensino de qualidade baseado em

competências. E um ensino assim, vem ao encontro do que os PCNEM dizem sobre as

competências:

As competências que aqui serão objetivadas correspondem

a uma visão da disciplina dentro da área e deverão ser desenvolvidas no

processo de ensino-aprendizagem, ao longo do Ensino Médio. A proposta

não pretende reduzir os conhecimentos a serem aprendidos, mas sim

indicar os limites sem os quais o aluno desse nível teria dificuldades para

prosseguir nos estudos, bem como participar ativamente na vida social.

(p.20)

Page 111: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

110

CAPÍTULO V

REFLEXÕES CONCLUSIVAS

Este é o último capítulo desta dissertação de mestrado. Ao chegarmos nesta

fase da investigação, a sensação que sentimos é de que alguma coisa ficou para trás e tudo o

que vamos dizer aqui necessita de um olhar retroativo ao interior dos demais capítulos. É

como se tudo necessitasse de algo passado para dar sentido ao agora presente. E, para um bom

desenvolvimento deste capítulo, dividiremos o mesmo em duas seções. A primeira seção

apresenta as considerações finais. A segunda, as recomendações do estudo.

5.1. Considerações Finais

Esta pesquisa baseou-se no princípio de que toda interação, principalmente a

pedagógica, envolve atores e discursos em tensão, numa luta pela supremacia na construção

de significados educacionais. Isso implica assumir que enunciados não são neutros; ao

contrário, revelam uma visão particular de mundo e encerram valores com os quais os

indivíduos lutam na arena de suas vidas. Assim, entendendo a escola como um ambiente

dialógico em necessário conflito, este trabalho se guiou pela noção de que há vozes

divergentes interferindo diretamente no processo de ensinar/aprender.

Ao inserirmo-nos no campo da pesquisa, com o olhar preparado para buscar

tais conflitos no tocante ao ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa na escola de Ensino

Médio Flodoardo Cabral em Cruzeiro do Sul, deparamo-nos com uma situação de muitas

Page 112: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

111

questões sociais, culturais, políticas, conceituais e didáticas envolvidas na problemática do

processo ensino-aprendizagem de língua materna no lócus de nossa investigação e, para nós,

tais questões, vão além desta pesquisa, tomando proporções nacionais. Basta olharmos ao

nosso redor para identificarmos a dimensão dos problemas que envolvem o ensinar/aprender

de nosso idioma pátrio.

Neste contexto, foi que definimos o problema de estudo desta dissertação: em

que medida as competências em Língua Portuguesa, estabelecidas pelos PCNEM, estão sendo

construídas pelos alunos do Ensino Médio da escola Flodoardo Cabral, o nosso Recanto

Amazônico, em Cruzeiro do Sul / Estado do Acre? Ao longo deste texto, procuramos

encontrar resposta para tal problema; porém, não foi fácil vermos as coisas com clareza. Mas,

ao final, deu para termos a certeza, a partir dos resultados obtidos com a análise de dados, que

as competências aqui mencionadas ainda não estão sendo construídas pelos alunos também

mencionados.

Entretanto, apesar destas competências ainda não estarem sendo construídas,

desenvolvidas, elas foram consideradas, tanto pelos professores quanto pelos alunos, como de

fundamental importância para um Ensino-Baseado-em-Competência, dado que ofereceu, na

fundamentação teórica desta dissertação, instrumental teórico para se exercer uma reflexão

crítica a respeito do contexto econômico, político, social e cultural do processo ensino-

aprendizagem de Língua Portuguesa no Ensino Médio, permitindo assim uma leitura mais

elaborada do mesmo processo na escola Flodoardo, o nosso Recanto Amazônico, e garantindo

uma atuação mais consciente e crítica ao trabalho docente nesta área.

E, segundo os resultados obtidos, conclui-se que há necessidade de assumir um

Ensino-Baseado-em-Competência no sentido de o ensino de Língua Portuguesa ser mais

eficaz para que os alunos, ao concluírem o Ensino Médio, sejam capazes de construírem as

competências estabelecidas pelos PCNEM na área de Linguagens, Códigos e suas

Page 113: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

112

Tecnologias e sejam capazes de ocuparem profissão de nível médio que exige conhecimento

de Língua Portuguesa e sejam considerados aptos a prestarem a prova de Português do

vestibular ao Ensino Superior.

Saindo do contexto das competências estabelecidas pelos PCNEM e pensando

nas competências e conhecimentos hoje exigidos para que um jovem possa ter desempenho

nas suas necessidades de convívio social (leitura crítica do mundo, aprender a aprender,

tomar decisões, assumir posições políticas, construir competências pessoais etc.),

descobrimos igualmente que os alunos da escola Flodoardo não estão sendo trabalhados, na

sua grande maioria, para tal. É como se os conflitos se apresentassem de forma inevitável e

professores e alunos fossem vítimas de algo que os impedem de desenvolverem um ensino de

língua mãe de qualidade. Por quê? Não investigamos o aspecto causas. Talvez por isso, não

conhecemos as respostas para esta pergunta que insiste em não calar.

E, no decorrer desta investigação, deparamo-nos com certos paradoxos entre as

percepções dos professores e as dos alunos sobre as aulas de Língua Portuguesa. Por exemplo,

100% dos professores, na questão relacionamento professor/aluno, responderam que

consideram o relacionamento de ambos bom. Já 55% dos alunos entrevistados consideram

regular o mesmo relacionamento.

Fui possível também perceber, a partir de dados coletados (52% dos alunos

respondeu não e, apenas 13%, respondeu sim à pergunta “Interpretar os conteúdos estudados é

uma prática comum em suas aulas de Língua Portuguesa?”), que interpretar os conteúdos

estudados nas aulas de língua materna não é uma prática comum na escola Flodoardo, em

Cruzeiro do Sul. Do ponto de vista especificamente pedagógico, a não prática de interpretação

detectada aqui pode ser devida à forma pela qual as aulas são desenvolvidas: centradas em

um método expositivo não-dialogado e à seleção de conteúdos, que não contempla as

expectativas dos jovens.

Page 114: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

113

O ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio, então, não atende às

expectativas dos alunos, até a dos próprios professores, e nem redime os mesmos da

submissão às mazelas do sistema de ensino, que continuam emperrando ações mais eficazes

para elevação da qualidade deste ensino. Destaca-se entre essas mazelas: o apego a

metodologias tradicionais de ensino; a falta de recursos didático-pedagógicos adequados; a

falta de apoio das equipes governamentais e técnicas para um ensino mais eficaz; a falta de

oportunidade de qualificação dos professores nas áreas específicas de atuação.

Entendemos que para trabalhar com aulas de Língua Portuguesa para jovens do

Ensino Médio e para que esse trabalho seja significativo para tais jovens, uma clareza por

parte dos educadores da íntima solidariedade que existe entre conteúdo e forma, entre postura

teórica, científica e técnico-pedagógica só poderá render bons frutos. Pois ser crítico interessa

a qualquer ser humano e não apenas a quem tem aulas de língua materna. Tais aulas

constituem um momento privilegiado, como diz Allessandrini (2000, p. 167), “a atuação do

professor deve acontecer no sentido da construção de uma nova consciência, consolidando

uma cidadania ética e solidária”.

Deste modo, esta pesquisa reforça a noção de que não existe um único fator

responsável pelos problemas que envolvem o ensino de Língua Portuguesa hoje no lócus

desta investigação e em contexto nacional. O contexto estudado indica que ele, o ensino,

ainda colabora no processo de exclusão social e na construção de um significado de língua

que resulta em uma barreira cada vez maior para as possibilidades de inclusão. É preciso

encontrar o lugar das diferenças dentro das atuais condições de nossas escolas, questionando

os currículos e os papéis que o senso comum nos destina.

Precisamos pensar, por exemplo, no significado de língua construído quando

uma variante lingüística é eleita e estudada como padrão, em detrimento de outras igualmente

válidas e usadas cotidianamente nas suas comunidades. A visão mais tradicional de ensino de

Page 115: MARIA LUIZA RODRIGUES VITOR O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

114

Língua Portuguesa postula a substituição de uma variante popular pela de prestígio, negando

voz a visões de mundo diferentes das hegemônicas, como vimos anteriormente. Tal postura

gera a noção de que há linguagens melhores que outras e, por conseguinte, classes de pessoas

mais merecedoras de sucessos do que outras.

É óbvio que não negamos a necessidade do ensino da norma culta de uma

norma padrão. Mas é preciso diferenciar o ensino da norma culta de um ensino descritivo de

Língua Portuguesa. Acreditando erroneamente que descrever é essencial ao desempenho do

usuário de uma língua, e que os aprendizes sejam capazes de transferir o conhecimento

estrutural para o saber pragmático. Analogicamente, segundo esta visão do ensino de

gramática, é como se estivéssemos impedidos de sermos bons motoristas caso não

conheçamos as peças e o funcionamento do motor do automóvel.

Concluindo, evocamos o pensamento de Paulo Freire para argumentar pela

urgência de que se mantenha ou se reavive a noção de que educar é essencialmente um ato

político, mais do que um conjunto de técnicas e de processamentos técnico-pedagógicos. As

falas dos sujeitos desta pesquisa, capítulo anterior, vêm confirmar a idéia de que há alunos e

professores dispostos a romper a barreira da burocracia, do desânimo, do descompromisso

com certo segmento social construído ao longo dos anos de uma política educacional que vem

desmantelando a escola pública. E, apesar de a insatisfação com velhos modelos ser explícita,

a busca de novas formas de ensinar/aprender nem sempre encontra meios de se desenvolver,

dadas às condições objetivas de trabalho.

Por outro lado, mais do que rebater na tecla da crítica profissional muitas vezes

tido como acomodado e resistente a mudanças, ou ao aprendiz que “não quer nada com

estudo”, este trabalho indica que também somos frutos de forças sociais, políticas, culturais...

em tensão que precisam ser explicitadas e compreendidas como um primeiro passo em

direção ao avanço na melhoria das relações sociais e pedagógicas na escola e na vida. Sem

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115

dimensionamento das tensões que cercam a tarefa docente de língua materna, o conteúdo

veiculado em nossas aulas e as identidades com as quais agimos socialmente, cairemos apenas

na crítica vazia ou sustentaremos valores preconceituosos e excludentes contra os quais

lutamos e os quais, sem querer, nos flagramos reproduzindo.

Finalmente, a mudança prática de sala de aula é um caminho lento e começa

por refletirmos sobre nossa postura como professores: O que queremos? Para que ensinamos?

Para quem ensinamos? Por que ensinar aquilo que ensinamos? O final do caminho não existe,

porque ele é construído no próprio ato de ensinar. Cada professor, assim como cada aluno, na

construção e uso da língua mãe, terá uma postura e prática diferenciada. A diferenciação, no

entanto, não significa abuso ou estereotipia do espontaneísmo. O importante é identificar-se

na diferenciação.

“Estudar seriamente um texto é estudar o estudo de quem,

estudando, o escreveu. É perceber o condicionamento histórico-

sociológico do conhecimento. (...) Estudar não é um ato de consumir

idéias, mas de criá-las e recriá-las”.

Paulo Freire

5.2. Recomendações

À vista dos resultados e das conclusões deste estudo, recomendamos que:

1. A preocupação no aprimoramento cada vez maior do uso da Língua Portuguesa no

processo do ensino e da aprendizagem não seja exclusiva dos professores desta disciplina,

mas de todos os docentes convictos de que ao declínio do vernáculo corresponderá

inevitavelmente o declínio das demais áreas de conhecimento.

2. Se enriqueçam os currículos com metodologias alternativas, tais como palestras, debates,

seminários, cursos paralelos, evitando sua limitação e simples aulas e computando-se tais

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116

atividades como créditos, ou seja, como notas para efeito de avaliação bimestral ou

semestral.

3. O ensino de Língua Portuguesa seja desenvolvido de maneira a propiciar novos desafios

aos alunos. Escola e professores em geral devem ser mais dinâmicos, incentivando, por

exemplo, os alunos a escreverem peças teatrais, músicas, poesias, jornal escolar, criar

dicionários de palavras desconhecidas.

4. O (a) professor (a) de Língua Portuguesa utilize-se de metodologias e tecnologias que

propiciem aos alunos oportunidades múltiplas de linguagem verbal e não-verbal. Esta

compreensão permitirá que os aprendizes participem e usufruam os bens da sociedade,

incluindo os vários falares, tanto da língua culta como de qualquer outra variante da

mesma.

5. A Língua Portuguesa, em Cruzeiro do Sul, seja ensinada a partir de uma visão bem ampla,

que seria a de reconhecer o direito que tem o homem deste Recanto Amazônico de

apropriar-se, ele também, da norma culta da língua e possa participar, em condição de

igualdade, da vida social do país, sem precisar abandonar a linguagem regional, ou seja, o

seu modo particular de usar a língua.

6. Cursos de relações humanas sejam realizados com professores e alunos no sentido de

aperfeiçoar sempre mais o relacionamento professo/aluno que nesta investigação foi

considerado regular por 55% dos alunos entrevistados.

7. Os conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas de Língua Portuguesa sejam revistos e

planejados de forma tal que os alunos possam construir as competências básicas

necessárias tanto para o ingresso no Ensino Superior quanto no mercado de trabalho.

8. Antes que qualquer decisão seja tomada quanto à implantação do Ensino-Baseado-em-

Competência, reúna-se o corpo docente de Língua Portuguesa, para tomar decisões sobre

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117

que competências desenvolver nos alunos e que programas e metodologias facilitariam o

alcance das mesmas.

9. A Secretaria de Estado de Educação continue oferecendo os cursos sobre os PCNEM e os

professores de língua materna, assim como os demais, tenham mais condições de realizar

um trabalho eficiente com as competências em Língua Portuguesa estabelecidas pelos

próprios PCNEM, e os alunos sejam capazes de construírem tais competências no decorrer

do Ensino Médio e em suas vidas.

10. Sejam feitas algumas adaptações das propostas estipuladas pelos PCNEM às nossas

peculiaridades regionais, econômicas e sociais para maior sucesso e desempenho dos

mesmos nas escolas de Ensino Médio em Cruzeiro do Sul, uma região com

particularidades tão singulares e tão diferentes dos grandes centros urbanos do país.

11. Os procedimentos de avaliação, incluindo a seleção ou construção dos instrumentos de

medida, sejam cuidadosamente replanejados de acordo com os objetivos propostos pelo

Ensino-Baseado-em-Competência e pelos PCNEM de 1997, a fim de propiciar aos alunos

uma avaliação consoante com a realidade dos mesmos.

12. O ensino de língua materna alcance uma nova era onde seja ensinada a norma padrão sim;

mas que sejam igualmente respeitados os vários valares dos alunos. Assim, entendamos de

uma vez que “O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social

e efetiva (...) Ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade de garantir aos seus alunos o

acesso aos sabores lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito

inalienável a todos” (PCNs v.2, p. 15).

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