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MARGENS SILENCIOSAS: A ESCRITURA DA MULHER NA LITERATURA INDIANA CONTEMPORÂNEA por ANNA BEATRIZ DA SILVEIRA PAULA Departamento de Ciência da Literatura Tese de Doutorado em Ciência da Literatura - Semiologia apresentada ao Conselho dos Cursos de Pós- Graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Professora Doutora Helena Parente Cunha U F R J 1º semestre de 2006

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MARGENS SILENCIOSAS: A ESCRITURA DA MULHER NA LITERATURA INDIANA CONTEMPORÂNEA

por

ANNA BEATRIZ DA SILVEIRA PAULA Departamento de Ciência da Literatura

Tese de Doutorado em Ciência da Literatura - Semiologia apresentada ao Conselho dos Cursos de Pós- Graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Professora Doutora Helena Parente Cunha

U F R J

1º semestre de 2006

DEFESA DE TESE

PAULA, Anna Beatriz da Silveira. Margens silenciosas: a escritura da mulher na literatura indiana contemporânea. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. 185 fls. mimeo. Tese de Doutorado em Ciência da Literatura - Semiologia.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Professora Doutora Helena Parente Cunha

Orientadora

________________________________________________________ Professora Doutora Angela Maria Fabiana Mendes

________________________________________________________ Professora Doutora Beatriz Resende

________________________________________________________ Professor Doutor Eduardo de Mattos Portella

________________________________________________________ Professora Doutora Rosa Gens

________________________________________________________ Professora Doutora Angélica Soares

________________________________________________________ Professora Doutora Elódia Xavier

Defendida a Tese:

Conceito:

Em / /2006

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................... 8

2. PÓS-MODERNIDADE E PÓS-COLONIALISMO: CHOQUE DE IMPÉRIOS .................................................................. 29

2.1- Modernidade: identidade e crises ................................................ 29

2.1.1- Modernidades e soberania ..................................................... 29 2.1.2- Soberania, nação, povo, identidade ..................................... 34 2.1.3- Colonialismo e soberania ..................................................... 38

2.2- Pós-modernidade e pós-colonialismo: anti-cânone, outras crises ............................................................... 41

2.3- A Índia pós-colonial ........................................................................ 48

3. O CORPO BIOPOLÍTICO DA SOCIEDADE INDIANA ................... 55

3.1- Corpo público ................................................................................... 59

3.1.1- Línguas e dialetos ................................................................. 62 3.1.2- Corpo religioso ....................................................................... 75

3.2- As Escrituras dos corpos: produtividade e valor dos afetos .......... 92

4. ARUNDATHI ROY – CÂNONES E RUPTURAS ................................ 109

4.1- Problematizações do cânone .......................................................... 111

4.2- O deus das pequenas coisas – ícone da transgressão ................... 121

5. O DEUS QUE CORRE PELAS ÁGUAS ............................................... 131

5.1- Limites e margens ......................................................................... 136

5.1.1- Cronologia e memória .......................................................... 139 5.1.2- Disciplina e controle ............................................................. 143

5.2- As leis do amor e a desordem amorosa ......................................... 147

5.3- Silêncio e silenciamento .................................................................. 154

6. CONCLUSÃO ......................................................................................... 165

7. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 178

S INO PS E

Reflexões sobre a condição da escritura e inscritura da mulher na literatura indiana contemporânea. Caracterização da historiografia literária da Índia. Identificação dos resultados da descolonização nos discursos pós-modernistas e pós-coloniais da literatura indiana de língua inglesa.

1. INTRODUÇÃO

Certamente que, em termos puramente práticos, tudo pode começar com a

chegada de uma criança estrangeira. Outra maneira possível seria começar pela

chegada de uma cultura estrangeira. Ou de uma religião, quem sabe, de uma

ideologia...

Acontecimentos suscitam relatos, comentários, interpretações discursos.

Alguns, cercados de solenidade, como letra de lei. Outros, de atenção e silêncio,

traduzindo inquietações, lutas, feridas, dominações transgressões. Todos,

tratando de identidades e seus jogos de diferenças, suas dobras e marcas.

Eis um lugar Kerala, Índia apresentando-se por meio de dupla

referência: em primeiro lugar, a história, a realidade, a teia social; depois, a

ficção que, ao se apropriar delas, conduz a uma experiência interpretativa de

diferenças.

Agosto de 2004. Um grupo de mulheres indianas resolve, por conta

própria, dar fim a sucessivos casos de estupros aos quais a polícia da região não

dava atenção. Mataram os suspeitos. Cinco foram identificadas e presas pela

polícia local. Ao invés de se aquietarem e aceitarem o ocorrido, cerca de 400

mulheres cercaram a delegacia e obrigaram os policiais a liberarem as cinco

detidas o que foi feito imediatamente (Veja em anexo). Aquilo que seria um

caso de absurda barbárie assume um caráter bastante específico diante do

contexto sócio-cultural no qual ocorreu, a ponto de receber apoio de diversas

autoridades e até de intelectuais da Índia. Outro absurdo? Nem tanto. Pode-se

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pensar que, na Índia, o estupro seria causado pela mulher, não encarada como

vítima, mas como provocadora da violência, especialmente se estivesse

desacompanhada de um homem da família ou marido e em espaço público no

momento do crime. Assim sendo, a força policial pouco interfere nesse tipo de

acontecimento, marginalizando a própria queixosa caso esta se apresente a uma

delegacia solicitando providências. Até mesmo a família dessas jovens, crianças

ou senhoras, age com preconceito nesses casos.

O que moveu, então, tais mulheres? É evidente que algo mudou tanto que

elas não tiveram receio suficiente que as fizesse aceitar aquela situação

insustentável como mais uma forma de carma. Transgrediram as leis, a religião

e os costumes de forma a garantirem respeito e justiça até então destinados quase

que exclusivamente aos homens.

Enfim, assiste-se às transformações culturais mais profundas já ocorridas

na Índia desde a sua Idade Média, período em que o hinduísmo tornou-se a

religião dominante no país. Trata-se de um questionamento das tradições que

compõem até mesmo a estrutura econômica da Índia já que atinge a própria

concepção das castas, visto que esse movimento feminista tem açambarcado a

luta por igualdade social, principalmente no que se refere à casta dos intocáveis.

Portanto, a mulher indiana não se insurge sozinha; ela acompanha uma série de

insurreições em todo o território indiano, desde os grandes centros como Mumbai

(Bombaim) e Nova Déli até as distantes planícies desérticas do Rajastão.

No entanto, tal movimento não é isolado já que se insere num conjunto de

transformações relativas às sociedades modernas no final do século XX, e ao

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processo de fragmentação das concepções culturais de classe, gênero,

sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, as quais, no passado, forneceram a base

para que os indivíduos se localizassem socialmente.

Até mesmo a idéia, que temos de nós próprios enquanto sujeitos

integrados, está sendo atingida por essas transformações. É aquilo para o qual

Stuart Hall aponta como “crise de identidade”, resultante de uma sensação de

deslocamento ou de descentração que o indivíduo tem em relação ao social, mas

também em relação a si próprio. O crítico cultural Kobena Mercer acrescenta

que, “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando

algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da

dúvida e da incerteza” (1)

Analisados em conjunto, esses processos de mudança significam uma

transformação bastante ampla e intensa daquilo que se tinha como uma

concepção essencialista ou fixa de identidade. Resvala, inclusive, naquilo que,

desde o Iluminismo, é tido como essencial do ser humano e fundamental a nossa

existência.

Stuart Hall (Hall, 1987), ao discutir essa questão, distingue três

concepções de identidade, a saber: a) sujeito do Iluminismo; b) sujeito

sociológico, e c) sujeito pós-moderno.

O sujeito do Iluminismo estava baseado na visão do homem como um

indivíduo totalmente centrado, unificado, racional, consciente e capaz de agir.

Esse núcleo interior do ser era a sua identidade, pois surgia quando indivíduo

nascia, mas acompanhava seu desenvolvimento, mantendo-se o mesmo em

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essência: o eu exterior correspondia, então, ao eu interior.

Como a denominação de sujeito sociológico sugere, a concepção de que

havia um eu autônomo e auto-suficiente não atendia mais ao que o mundo

moderno e complexo demandava. A identidade passou a ser compreendida como

um processo resultante da interação do sujeito com outras pessoas, importantes

para ele já que lhe serviam de mediadoras entre ele e a cultura da sociedade em

que estavam inseridos. G. H. Mead, C. H. Cooley e os interacionistas simbólicos

foram os expoentes da sociologia que elaboraram tal concepção “interativa” da

identidade e do eu. Para eles, o indivíduo teria sim um eu interior, chamado de

“real”, só que em permanente diálogo com os ambientes culturais e as

identidades por eles fornecidas.

A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de projetar a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que são internalizados seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar os sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que são ocupados no mundo social e cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. (2)

Porém, o que se observa agora é que o sujeito, os mundos culturais e o

processo de identidade em si não são mais os mesmos. O sujeito tornou-se

fragmentado, e composto de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou

não-resolvidas. Proporcionalmente, as identidades fornecidas pelos mundos

culturais entraram em crise por conta das mudanças estruturais e institucionais.

E o próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas

identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. Disso

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resulta o sujeito pós-moderno, desprovido de uma identidade fixa, essencial ou

permanente.

A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro dos indivíduos há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que suas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se existe a idéia de uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque se constrói uma cômoda estória sobre o indivíduo ou uma confortadora “narrativa do eu”. (veja Hall, 1990) (3)

Vive-se, por conseguinte, numa época em que uma ampla gama de

representações culturais significativas são dispostas aos indivíduos, os quais,

ainda que temporariamente, estabelecem, com elas, alguma identificação. O

resultado é um angustiante processo de múltiplas identidades possíveis que toma

o lugar de uma identidade plenamente identificada, completa, segura e coerente.

Não se pode descartar, também, o papel que a globalização como uma

fase da Pós-Modernidade exerce na questão da identidade. Como Marx disse

sobre a Modernidade:

[...] é o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos... Todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém- formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se desmancha no ar... (4)

Fica, então, estabelecida a principal diferença entre as sociedades

“tradicionais” e as “modernas: estas têm como característica a mudança

2. PÓS-MODERNIDADE E PÓS-COLONIALISMO:

CHOQUE DE IMPÉRIOS

2.1- Modernidade: identidade e crises

2.1.1- Modernidades e soberania

Estudar a Pós-Modernidade, seus caminhos e impasses, suas produções

culturais – entre elas, o trabalho de Arundathi Roy, feminino, ex-cêntrico,

multimidiático requer a recuperação de alguns aspectos fundamentais da

modernidade, notadamente a maneira como ela se configura nas sociedades

européias, destacando que, se o horizonte pós-moderno se constrói por crises e

rupturas, essas também já estão presentes no período que o antecedeu.

Existem diferentes concepções temporais quanto ao que se consideraria o

início do moderno. O Humanismo, o Renascimento e o Iluminismo, enquanto

marcações historiográficas da do percurso da Razão desde o início até seu

apogeu, constituem ciclos evolutivos da modernidade e contribuíram, cada um a

seu modo, para a formação do Estado-Nação.

Foi o Estado-Nação que traduziu o projeto político da Modernidade, ao

instituir a igualdade como um dos seus principios básicos. Igualdade esta

explicada pela razão, pela lógica da superioridade racial e pelo poder de que a

tecnologia e a ciência como um todo dotou o homem. Definitivamente, a

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humanidade encontrava-se liberta da ignorância e da submissão ao transcendente

vividos na Idade Média.

Porém, o que interessa ao estudo que começo a desenvolver, é que essa

Modernidade não se restringiu ao território europeu. Lá ela exerce uma

revolução coerente com o que se viveu, na quase totalidade do continente, no

período histórico anterior. Mas o que ocorreu quando através do Colonialismo a

concepção do moderno chegou a outras partes do mundo?

Tal conflito, inicialmente interno, atinge escala global após a descoberta

da América e o início do domínio europeu sobre o resto do mundo: ao descobrir

seu “lado de fora”, a Europa constrói sua imagem de centro da civilização – o

eurocentrismo nascente. Se, por um lado, o humanismo do primeiro momento

configura uma noção revolucionária de igualdade humana, singularidade,

cooperação e abundância que, com a descoberta de outras populações e territórios

deveria se alastrar, por outro, o europeu percebe a possibilidade e a necessidade

de sujeitar outros povos à sua dominação. Assim, o eurocentrismo surge como

reação à noção de uma natural igualdade entre os homens – visão essa que

deveria/poderia ser ampliada pela descoberta de outras terras.

No século XVII, a modernidade em crise se instalara: fogueiras da

Inquisição, guerras civis na França, na Inglaterra, na Alemanha, massacre e

escravização das populações nativas das Américas. Na segunda metade do

século, o absolutismo monárquico parece ter conseguido impedir o curso da

liberdade, ao mesmo tempo que o colonialismo, depois da fase de pilhagem da

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riqueza das colônias, toma a forma de exclusividades comerciais, modos estáveis

de produção e tráfico de escravos africanos.

Mas a solução parcial da crise vai aparecer no terceiro momento da

modernidade, através da formação do Estado moderno e da construção do

conceito de soberania. Hegel fornece as bases filosófico-políticas para esse novo

momento: ao transformar a imanência humana em imanência e poder do Estado

e o ser analógico da tradição medieval no ser dialético; ao justificar,

filosoficamente, a idéia da existência de povos menores – numa negação do

desejo não-europeu – e, finalmente, ao relacionar o Estado com o todo ético, por

ser essencial para a marcha de Deus pelo mundo.

Para que a caminhada divina tome forma através do Estado, é necessário

um aparelho político transcendente. A proposta de Thomas Hobbes quanto à

existência de um governante soberano definitivo, um Deus na terra, fornece o

aparato teórico de que se carecia.

A lógica hobbesiana propõe, inicialmente, a hipótese da guerra civil como

estado original da sociedade humana. Então, para sobreviver aos perigos da

guerra, e ultrapassá-los, os homens precisam fazer um acordo, um pacto,

atribuindo a um líder o direito absoluto de agir, o poder absoluto para fazer tudo:

eis a justificativa para que a autonomia humana seja transferida a um soberano

acima de todos, que os governa, e para o qual convergem todos os desejos

isolados.

Dessa forma, a soberania é definida por transcendência e representação:

de um lado, o soberano recebe todo o poder, não por um vínculo teológico

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externo, mas pelo pacto resultante das relações humanas; de outro, o pacto em si,

transformando o soberano em representante de todos, legitima seu poder, a ponto

de sustentá-lo como absoluto. O soberano institui a lei sem o consentimento dos

súditos – e pode fazê-lo porque deles recebeu autorização, através do acordo

anterior. Aí está a noção de soberania em seu estado puro: o subjugar é

conseqüência natural do que foi consentido em troca de proteção, da

sobrevivência, da paz. Esta, a primeira solução política da modernidade: o

Estado reflete a imagem de seu “tutor” designado por escolha e adoção pactual.

A teoria hobbesiana da soberania serviu ao absolutismo monárquico, mas

pôde ser aplicada a diversas formas de governo: monarquia, oligarquia,

democracia. No “Contrato Social” de Rousseau, por exemplo, tem-se que as

vontades individuais precisam ser sublimadas para dar lugar a uma vontade geral,

comunitária.

Outro elemento essencial sustenta a autoridade soberana: o

desenvolvimento capitalista e a noção de mercado como fundamento da

estratificação e da reprodução social. De um modo geral, os pesquisadores pós-

colonialistas apontam que a grande diferença do eurocentrismo – em relação a

outros etnocentrismos residiu no fato de sua evolução caminhar ao lado do

Capitalismo. O transcendental político do Estado Moderno é calcado no

transcendental econômico, na proporção em que, ao promover o bem-estar dos

indivíduos e torná-lo coincidente com o interesse público, o Estado reduz as

funções sociais a uma medida de valor.

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Um Estado, mais forte economicamente, é, também, superior aos outros e

pode se impor/sobrepor a eles – a soberania é um poder de polícia: subordina

singularidades, vontades individuais à vontade geral pelo estatuto da burocracia.

Mais ainda: na longa transição da sociedade medieval para a moderna, o

esquema hierárquico de graus de poder é substituído pelo aparato da disciplina e

da especialização de funções, próprio da dinâmica burocrática.

Mas reafirmo que essa longa transição não se deu de maneira uniforme.

Em se tratando do Oriente, a chegada desse novo pensamento tomou rumos

diferentes – correspondentes aos diferentes modelos colonizatórios e aos

diferentes países colonizados. Denunciado por Edward Said, o Oriente, através

do orientalismo, foi uma construção elaborada pelo colonizador e importada ao

mundo colonizado já sob o estigma da exclusão. Na verdade, o projeto colonial

se baseou, justamente, na premissa de que tais povos seriam inferiores pelo fato

de não se equipararem aos europeus dentro do que estes consideravam padrão de

civilização.

Retomando a questão da Modernidade, destaco uma questão fundamental,

também apontada por Canclini em relação à América Latina, mas que se adequa,

perfeitamente, às discussões concernentes à Índia: a diferença entre modernidade

e modernização. A modernização realmente vem ocorrendo, a passos lentos é

bem verdade, naquele país. Porém, a Modernidade se instaurou numa parte

muito pequena do território, já que o país apresenta tamanha fragmentação

cultural, política e econômica que alguns espaços ainda estão imersos numa

3. O CORPO BIOPOLÍTICO DA SOCIEDADE INDIANA

O grande e fascinante Oriente marcou a história do imaginário humano de

diferentes formas, todas, porém, sedutoras e enigmáticas, resultantes da

compreensão das diferenças culturais, religiosas e filosóficas em relação aos

povos do Ocidente. Enquanto o Oriente Médio e a tradição islâmica marcaram a

Europa com o sangue das Cruzadas, fixando no discurso eurocêntrico uma

concepção violenta e agressiva dessa cultura, a Índia foi construída de maneira

bastante diversa: a idéia de receptividade, os sabores das especiarias, os trajes

femininos que tanto ocultam e que por isso seduzem e a passividade do povo

diante de uma Lei que tudo justifica e a tudo dá sentido (as Leis do carma e do

darma) determinaram uma concepção receptiva dessa nação.

Desde a chegada à Calicute, em Kerala quando da descoberta do

Caminho Marítimo para as Índias até meados do século XX, quando da luta

pela Independência do país, a Índia não foi descrita pelos seus, mas pelos outros.

Foi, notadamente, a partir de Gandhi, que a “outra” Índia começou a ser

conhecida mundialmente: a terra do abandono, das doenças, da miséria, da seca,

da fome. A Índia tribal e nômade A Índia da vilas de povo gentil, absolutamente

religioso, analfabeto e sem dentes, de uma ingenuidade assustadoramente

manipulável. Foi a Índia excluída da Modernidade que o Mahatma adotou,

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denunciou e pela qual lutou, utilizando suas características como uma alternativa

política para toda a Nação.

Enquanto isso, a Índia de Nehru também existia: moderna, letrada,

presente nas grandes capitais e negociando com o Ocidente de igual para igual,

até mesmo no idioma falado e na incorporação de costumes e tradições do

colonizador britânico.

Tal ambigüidade é o legado do Colonialismo. Essas duas esferas,

somadas às intensas variantes culturais forjadas através de uma História que

começou com as invasões arianas ao vale do rio Hindo, séculos antes de Cristo,

formam a Índia contemporânea. É esta Índia que se pode encontrar nas atuais

produções artísticas indianas. Assim, para entender as narrativas, e em especial o

romance de Roy, é imprescindível que se desconstrua a Índia imaginária –

imaginária enquanto correspondente a uma criação (Imaginary homelands,

Salman Rushdie) e se conheça um subcontinente plural e polifônico, para o

qual autores e autoras têm projetado alternativas em seus textos. É o que Vinay

Dharvadker aponta em suas reflexões acerca da Índia contemporânea presentes

em Cosmopolitan Geographies new locations in literature and culture, (sem

tradução para o português) de onde extraio o seguinte:

Embora a vila rural seja o último alvo de expropriação, tanto do colonialismo quanto do neocolonialismo, a cidade continua a ser o local onde o poder está concentrado e o capital é acumulado e desenvolvido. (...) O “trabalho sujo”da globalização, de fato, é feito não tanto em largas escalas nacionais como nos pequenos sítios de cidades selecionadas e nos interiores, os setores urbanos e rurais onde a matéria bruta, o trabalho, a produção econômica, a distribuição em redes, a infra-estrutura e os consumidores podem ser quantificados, localizados e explorados. Não foi, portanto, por acidente que tanto da literatura indiana do século vinte, especialmente a ficção, projetou-se em dois eixos de transformação: o eixo temporal, da subserviência da

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colonização até a libertação, que conduz para a mortandade da Divisão e para as falhas da independência; e o eixo espacial, da vila para a cidade, dentro do qual tantas narrativas do antes, do durante e do depois da descolonização estão atualmente desenvolvidas. (1)

A questão posta nesse caso é a convivência entre a modernidade, em

evolução nos grandes centros urbanos, e o que se vive na maior parte da Índia,

uma economia próxima da implementada na época medieval. Para que essa

situação fique mais evidente, cito a jornalista indiana Gita Mehta, quando esta

descreve com precisão a realidade daquele país, tanto que é válida a extensão do

excerto:

É um escândalo! exclamou a intelectual francesa com uma paixão disponível somente para ocidentais dinâmicos. (...)

Você sabe o que essa gente do vídeo está fazendo? insistiu ela, irada, e senti que algo de ruim estava para acontecer. Fizeram filmes com rituais religiosos! Imagine ligar um aparelho para ver seu sacerdote entoar as preces enquanto você se prosterna diante da televisão!

Fiquei olhando para ela, incrédula mas aliviada. Ela agitou a manga de musselina bordada na minha direção, ofendida com minha estupidez obstinada. Pense só! As pessoas estão adorando os vídeos!

Qual é o problema?, pensei comigo. Adorando vídeos? Faça o favor. Estamos na Índia. Aqui adoramos aparelhos de ar-condicionado, computadores, caixas registradoras e carros de boi, num ritual anual denominado Adoração das Armas.

Há milênios os indianos acreditam que o homem se distingue dos outros animais devido a sua capacidade de fabricar ferramentas. Honrando nossos implementos, estamos honrando o engenho humano, e a Adoração das Armas se iniciou com os guerreiros que homenageavam suas armas, os instrumentos de seu ofício. Na Índia moderna as pessoas ainda penduram guirlandas nas máquinas de suas diferentes atividades, esperando uma reação auspiciosa. Na verdade, qualquer reação serve; por isso, no dia de Adoração as Armas, oferecem-se às máquinas cocos pintados com corante vermelho, acompanhados de tantos bastões de incenso que os cocos desaparecem em meio a nuvens de fumaça perfumada. (2)

Pode-se imaginar essa cena num país com a seguinte estatística: em cinco

anos, de 5 mil indianos trabalhando com computação passou-se a 250 mil,

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exportando 1 bilhão de dólares em material eletrônico por ano. Não é à toa que a

autora afirma que o verdadeiro escândalo era que 400 milhões de indianos ainda

não tivessem máquinas para adorar. (3)

São, por conseguinte, as diferenças, econômicas, sociais, culturais e

lingüísticas os obstáculos com que qualquer estudioso de literatura indiana se

defronta; obstáculos esses que têm se tornado cada vez mais transponíveis em

função de grandes centros acadêmicos pelo mundo se abrirem a pesquisas de

literaturas ex-cêntricas (Linda Hutcheon).

É evidente que, pela dimensão continental de sua geografia e pela

dimensão milenar de sua história, tratar da cultura indiana exige uma atitude

humilde de reconhecimento de limitações. Afinal, aprofundar o estudo em tais

direções comporia, por si, uma extensa pesquisa. Contudo, para compreender a

importância de O deus das pequenas coisas é preciso contextualizar a obra no

corpus literário em que ela se encontra, ou seja: um romance de literatura

indiana de língua inglesa contemporânea. Portanto, é preciso ser breve, não

omisso, diante do que é fundamental para entender as problematizações

propostas por Arundhati Roy em seu texto, que são, verdadeiramente, dilemas do

cotidiano dos indianos e indianas, cujos corpos são definidos pelas diferenças

relativas ao corpo físico da Índia Histórias, religiões, línguas e fronteiras.

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3.1- Corpo público

A Índia é uma enorme península de quase dois milhões de milhas

quadradas, vinte vezes maior que a Grã-Bretanha; com mais habitantes que as

Américas do Norte e Sul juntas. Tem seu início definido por historiadores,

dentre eles Will Durant, como algo em torno de 2900 a.C. (Mohenjo-daro).

Quando os arianos invadiram a região do Hindo, já encontraram a civilização

dravídica, bastante avançada para a época, na região sul, e os nagas, ao norte.

Desse contato, surgiu o protótipo da divisão das castas, criado pelos arianos com

o objetivo de manter suas características raciais, separar esses três grupos

conforme a cor da pele (a primitiva palavra indiana para casta era varna, cor),

assegurando a manutenção dos traços raciais: de um lado, os de nariz aquilinos,

e, de outro, os de nariz chato. Então, o sistema de castas não existia nos tempos

védicos.

Somente quando as ocupações se tornam bastante especializadas e

hereditárias, algo entre 1000 e 500 a.C., é que se acentuam as castas enquanto um

sistema de estratificação social. No alto ficaram os xátiras (correspondentes aos

militares que, como os césares, ministravam até mesmo os rituais religiosos),

pois se tratava de um período de intensas disputas e guerras, a ponto de ser

chamado de Idade “Heróica”.

Conforme a paz começa a predominar, o poder dos xátiras é contestado.

Will Durant descreve bem o período no trecho de Nossa herança oriental:

Mas a guerra cedeu lugar à paz, e como a religião crescesse em importância e complexidade de ritual, e requeresse hábeis

4. ARUNDATHI ROY CÂNONES E RUPTURAS

A partir dos anos 80, um número significativo de mulheres indianas começou a

receber reconhecimento nacional e internacional quando sua poética começou a

envolver a temática e a prática de ação social, dentre elas Arundathi Roy, Anita Desai e

Chitra Divakaruni. O comum entre elas está na opção pela revisão da história de seu

país e de seus movimentos, através da literatura. Assim, a autoria feminina indiana de

língua inglesa nos permite vislumbrar como a mulher indiana constrói – ou tenta

construir – uma nova representação de si mesma. Gayatri Spivak reitera o fato de o

discurso do feminino ter relativizado as representações cêntricas, porém ela aponta, em

seu texto Quem reivindica alteridade?, para o seguinte:

A diaspórica pós-colonial pode levar vantagem (o mais das vezes sem saber, devo acrescentar) da tendência em combinar as duas narrativas na metrópole. Assim, essa informante freqüentemente inocente, identificada e bem-vinda como agente de uma história alternativa, pode ser o lugar de um quiasma, ou seja, do cruzamento de uma dupla contradição: em casa, a representação do sistema de produção da burguesia nacional; fora dela, a tendência a representar o neocolonialismo pela semiótica da “colonização interna”. (1)

Fawzia Afzal-Khan, em Cultural imperialism and the indo-english novel,

aponta para uma situação bastante interessante em que se encontram os escritores

e escritoras indianos: a opção pela abordagem mítica ou realista. Isso remete à

experiência do Colonialismo, que trouxe um conflito para o ato de representar a

Índia, o qual se estende até o momento presente. Contudo, não fosse a presença

110

britânica, o país não teria dado seu salto na modernidade, ainda que

relutantemente, já em pleno século XIX.

Em 1853, Marx, numa série de artigos para o New York Daily Tribune,

embora reconheça a brutalidade da introdução da civilização britânica na Índia,

afirma:

Por mais repulsivo que seja para o sentimento humano testemunhar a destruição e o sofrimento causados pelos ingleses, não devemos esquecer que essas idílicas comunidades aldeãs, por inofensivas que pareçam, tinham sólidos alicerces no despotismo oriental, e restringiam a mente humana, norteando-a da forma mais estreita, fazendo dela um instrumento dócil de superstição, escravizando-a debaixo da autoridade tradicional e privando-a de toda grandeza e das energias históricas. (...) A sociedade indiana não tem História, pelo menos nenhuma história conhecida. O que chamamos de sua História é apenas a narração de sucessivos intrusos que fundaram seus impérios na base passiva dessa sociedade dócil e imutável. (...) A Inglaterra tem de cumprir dupla missão na Índia, uma destrutiva, a outra regenerativa – a eliminação da antiga sociedade asiática e o lançamento dos alicerces materiais da sociedade ocidental na Ásia. (2)

Pode-se, realmente, comprovar a existência de duas estratégias distintas:

uma, baseada no resgate de uma era de “bem-aventurança” pré-colonial através

da valorização do mítico – como o que é feito por Divakaruni – ; e outra, na

exploração daquilo que o país oferece em seu cotidiano mais real e, por isso,

mais doloroso. Esta é a opção adotada por Arundhati Roy, especialmente em sua

obra O deus das pequenas coisas (de agora em diante citado como DPC).

111

4.1- Problematizações do cânone

Eu, daqui em diante, me declaro uma república móvel e independente. Sou uma cidadã da Terra. Não possuo qualquer território. Não tenho qualquer bandeira. Sou do sexo feminino, mas não tenho nada contra eunucos. Minhas políticas são simples. Eu quero assinar qualquer tratado de não proliferação nuclear, ou aliança de boicote a testes nucleares, que esteja por aí. Imigrantes são bem vindos. Você pode me ajudar a desenhar nossa bandeira. Meu mundo morreu. E eu escrevo para chorar seu passamento. (3)

Essa é Arundhati Roy. Não há como dissociar a pessoa, a escritora e a

ativista política. Uma mulher apaixonada pela transgressão, por romper

quaisquer barreiras. A começar por aquilo que a identificaria enquanto um

rótulo. Na fala citada acima, a autora se define por instâncias enunciativas, quais

sejam: a desterritorialização que conduz à planetarização; a marca de gênero,

que é eliminada pela neutralização do falocentrismo contida na palavra “eunuco”;

a prática política, que convoca o poder contra-revolucionário da multidão; e uma

escrita, que presume uma memória discursiva e uma história de transgressão.

Como fazer a Índia ter sentido? Como viver na Índia pode ter sentido? A

noção de memória discursiva pode ser definida como um “interdiscurso”, ou seja,

algo que fala antes, que tem relação com o já passado ou dito, mas que continua

afetando o presente em sua qualidade de “esquecimento”. Não há como esquecer

os invasores muçulmanos, ou a colonização britânica. Mas também não há como

não ver a Índia que surge, altamente tecnológica. Bhabha chama esse conflito de

“esquecer para lembrar”. Trata-se de uma outra relação com o passado, que,

embora guarde experiências trágicas, é traduzido como válido diante da

superação, graças à sustentação numa essência de ser: a resiliência se dá a partir

112

da lembrança do que efetivamente somos enquanto pessoas, povos e culturas. Se

os escritos de Roy apontam, inicialmente, para uma ambigüidade relativa à Índia,

ao mesmo tempo independente e com fortes traços colonialistas, num nível mais

profundo de análise, expandem a questão, situando a Índia como um microcosmo

planetário. É significativo o fato de Roy, depois de seu primeiro e único

romance, ter-se dedicado à escrita de artigos sobre problemáticas mundiais.

Assim é que tudo o que acontece em seu país é analisado sob a ótica da

exploração, do mau uso do poder e da necessidade de luta contra o Império.

Basta observar os títulos de suas obras: The Greater Common Good, An

Ordinary Person’s guide to empire, The cost of living, The Chequebook:

Conversations with Arundhati Roy, Public Power in the Age of Empire, Power

Politics, Algebra of Infinite Justice e War Talk.

Em todos esses textos, vê-se, claramente, o uso de um discurso contra-

hegemônico, explorado de forma mais ou menos agressiva, conforme o quadro

sócio-histórico analisado. Esses marcadores de linguagem que apontei como

traços de agressividade são acentos apreciativos (Bakhtin) indicadores da

urgência em fazer sentido e em atribuir sentido, não só à Índia, mas também ao

mundo e às subjetividades que nele se inserem. É como a própria autora afirma

Eu penso que ficção, para mim, tem sido sempre uma forma de dar sentido ao

mundo como o conheço. (4)

E a principal forma de fazer sentido adotada por Roy é a prática política.

Esta transcorre em três níveis de ruptura: com o passado colonial; com as

representações centristas relativas ao Imperialismo (baseado na já superada

113

divisão econômica do globo em três mundos), e com as diferentes estratégias de

controle do neo-colonialismo. Cito, mais uma vez, o artigo “The end of

imagination”, em que essa atitude de ruptura está clara:

Índia e Paquistão têm bombas nucleares agora e se sentem totalmente no direito de tê-las. Logo outros terão também. Israel, Irã, Iraque, Arábia Saudita, Noruega, Nepal (Eu estou tentando ser eclética aqui), Dinamarca, Alemanha, Butão, México, Líbano, Sri Lanka, Burma, Bósnia, Cingapura, Coréa do Norte, Suécia, Coréa do Sul, Vietnã, Cuba, Afeganistão, Urzbequistão… e porque não? Todo país no mundo tem um motivo especial. Todos têm fronteiras e crenças.

E quando todos os nossos cilos forem estilhaçados por bombas brilhantes e nossas barrigas estiverem vazias nós poderemos negociar bombas por comida. E quando a tecnologia nuclear chegar ao mercado, quando ficar verdadeiramente competitiva e os preços caírem, não apenas governos, mas qualquer um que puder pagar por ela poderá ter seu próprio arsenal particular homens de negócios, terroristas, talvez até uma rica escritora de ocasião (como eu). Nosso planeta se cobrirá de lindos mísseis. Haverá uma nova ordem mundial. A ditadura da elite “pró-nuc”.

Mas vamos parar para dar crédito a quem o merece. A quem temos que agradecer por tudo isso? Ao homem que fez isso acontecer? O Mestre do Universo. Senhoras e senhores, os Estados Unidos da América! Subam aqui, amigos, fiquem de pé e recebam os aplausos. Obrigada por estarem fazendo isso com o mundo. Obrigada por fazerem a diferença. Obrigada por nos mostrarem o caminho. Obrigada por mudarem o real sentido da vida. Tudo o que posso dizer para todo homem, mulher e criança sensível na Índia, e além, um pouco adiante no Paquistão, é: tomem como pessoal. (5)

Essas manifestações políticas implicam o agir da multidão, conforme

concebem Hardt e Negri,

As forças criadoras da multidão (…) são capazes também de construir, independentemente, um Contra-império, uma organização política alternativa de fluxos e intercâmbios globais.

(…) Mediante tais esforços (…) a multidão terá de inventar novas formas democráticas e novos poderes constituintes. (6)

Um outro aspecto do investimento político da autora é a forma como a

questão do gênero é tratada. Os Estudos Culturais têm trazido grandes

5. O DEUS QUE CORRE PELAS ÁGUAS

Apesar de o enredo de DPC centrar-se nos gêmeos Rahel e Estaphen, a

história é, na verdade, a história de Ammu. O foco narrativo toma os olhos de

Rahel e, a partir dela, narra a tragédia que destrói a família e os separa. Mas, o

processo narrativo se dá igualmente de forma cindida, conquanto recortes

temporais sejam mesclados: a história da família de Ammu; Ammu ainda

solteira em Ayemenem; Ammu divorciada, tendo retornado a Ayemenem,

quando ocorre a tragédia; Ammu morta e os gêmeos separados; o retorno de

Rahel a Ayemenem para encontrar Estaphen des-devolvido.

Eis o começo que a obra fornece: “Que tudo começou quando as Leis do

Amor foram promulgadas. As leis que determinam quem deve ser amado, e

como. E quanto” (DPC, p. 43) Um casamento para fugir da família e do tédio de

uma cidade pequena levou Ammu a uma vida conjugal marcada pelo alcoolismo

do marido. Tentando garantir as aparências e o status que o casamento lhe

proporcionava, Ammu sustentou a relação e suportou até mesmo a sugestão do

marido para que ela se tornasse amante do gerente da plantação de chá em que

ele trabalhava isso somente para lhe garantir o emprego ameaçado pelo

alcoolismo. A separação aconteceu quando as agressões físicas chegaram aos

gêmeos. O retorno à casa paterna só trouxe a Ammu mais consciência do quão

132

sozinha estava no mundo, e mais, o quanto ela e os dois filhos estavam à mercê

de uma estrutura social e familiar que reforçava a exclusão pelo desamor.

Baby Koshama é a personificação desse desamor que se reveste de inveja,

dissimulação, vingança e maldade. Ela é a personagem que mais se aproxima de

um antagonismo clássico já que, segundo suas próprias palavras, teria cabido a

ela o papel de mostrar a Ammu, Rahel e Estha os “seus devidos lugares” na

família. Dessa forma, Baby Koshama desmerece as crianças, enquanto frutos de

um casamento desfeito, e agride Ammu através dos gêmeos ou incitando o

personagem Chako (irmão de Ammu) contra ela.

A vinda de Sophie Mol e de sua mãe Margareth a Ayemenem é mais uma

oportunidade para achacar Ammu e seus filhos diante da “perfeição”

representada pela ex-mulher e filha ocidentais de Chako. Destaco a sutileza e a

perspicácia com que a autora explora esse conflito ocorrido no terreno feminino.

Chako não é discriminado pelo divórcio – e muito menos Sophie e Margareth –

por se tratar de um ramo masculino que, embora mal sucedido como seu pai e

outros homens de sua família, tem a primazia legitimada pelo social.

É neste momento tão delicado para toda família que o romance entre

Ammu e Velutha vem à tona. A reação é explosiva: trancam Ammu em seu

quarto para averiguarem a situação e tomarem providências em relação a

Velutha. É neste ponto que a personagem Baby Koshama assume um papel

fundamental na trama, como podemos verificar no trecho a seguir:

Por cima do alarido, Kochu Maria gritou a história de Vellya Paapen para Baby Koshamma. Baby Koshamma percebeu de imediato o imenso potencial da situação, mas imediatamente ungiu seus pensamentos com óleos untuosos. Ela desabrochou. Percebeu que era o Caminho de Deus para punir Ammu por seus pecados e ao mesmo

133

tempo vingar-se da humilhação que ela (Baby Koshamma) tinha sofrido nas mãos de Velutha e dos homens da manifestação, os insultos de Modalali Mariakutty, o sacudir da bandeira à força. Ela desfraldou as velas imediatamente. Um navio de bondade singrando um mar de pecado. (...)

“Deve ser verdade”, disse baixo. “Ela é bem capaz disso. E ele também. Vellya Paapen não ia mentir sobre uma coisa dessas.”

Depois de uma repreensão de Ammu, os gêmeos resolvem fugir da casa –

uma atitude comum à infância – para uma ilha onde, numa casa abandonada,

Estaphen e Rahel construíram uma espécie de refúgio. Sophie Mol resolve

acompanhá-los. O que ninguém sabia é que esta não era capaz de nadar e,

quando o barco em que estão as três crianças vira, por conta da turbulência

gerada por uma tempestade, os gêmeos chegam até a outra margem, mas Sophie

desaparece. Tendo uma relativa consciência do que aconteceu, os sobreviventes

buscam abrigo na casa abandonada – “Coração das trevas” – enquanto a família

entra em desespero, acreditando estarem os três primos desaparecidos. Baby

Koshama vai até a polícia e insinua que Velutha havia tentado estuprar Ammu e,

por não conseguir, ele, talvez, tivesse raptado as crianças. A polícia, então,

amplia o incidente e, quando Velutha é encontrado com os gêmeos, dormindo no

“Coração das Trevas”, é espancado diante das crianças e já segue, praticamente

morto, para a delegacia. As crianças são levadas também, mas em vez de Ammu,

são recebidos por Baby Koshama

Baby Koshamma terá todo o processo na mão, uma vez que, trancada no

quarto, Ammu nada pode fazer para proteger seus filhos e defender a si e

Velutha. A relação dos dois é explorada por Baby Koshamma, que consegue,

assim, separar de uma vez Ammu de toda a sua família. Manipulando as

134

crianças, especialmente Estaphen – que é o escolhido por ela para reconhecer

Velutha, totalmente desfigurado e jogado ao chão da delegacia , ela se vinga da

beleza de Ammu, do fato de ela ter tido os homens que quis, fazendo o menino

mentir para a polícia, garantindo a definitiva condenação de Velutha, que morre

na mesma noite em que Estha prestara o depoimento.

A morte de Velutha é impactante, sobretudo se analisarmos a busca das

crianças por uma figura paterna que os amasse. Senão, revejamos a reflexão

diante do Capitão Von Trapp quando os gêmeos assistiam ao filme A noviça

rebelde no cinema de Cochim:

E então, nas cabeças de certos gêmeos bivitelinos presentes na platéia do Cine Abhilash, surgiram algumas perguntas, que exigiam respostas, i.e.:

(a) Será que o Capitão Von Papo de Trapo sacudia a perna? Não sacudia.

(b)Será que o Capitão Von Papo de Trapo soprava bolhas de saliva? Será? Com toda a certeza não soprava.

Será que ele gorgolejava? Não.

Oh, capitão Von Trapp, capitão Von Trapp, será que poderia amar aquele menino com a laranja na platéia cheia de cheiros?

Ele tinha acabado de segurar na mão o sôo-soo do Homem do Refrescodelaranja Refrescodelimão, mas será que você ainda podia amá-lo?

E a irmã gêmea dele? Dobrada para cima com o chafariz preso por um Amor-em-Tóquio? Podia amá-la também?

O capitão Von Trapp também tinha algumas perguntas.

(a)São crianças brancas e limpas?

Não. (Mas Sophie Mol é.)

(b) Fazem bolhas de saliva?

Fazem. (Mas Sophie Mol não faz.)

135

(c)Sacodem as pernas? Como funcionários?

Sim. (Mas Sophie Mol não.)

Algum deles, ou ambos, já seguraram o sôo-soo de estranhos?

N... Nsim. (Mas Sophie Mol não.)

“Então desculpe”, disse o capitão Von Papo de Trapo. “Está fora de cogitação. Não posso amar esses dois. Não posso ser o Baba deles. Ah, não.”

O capitão Papo de Trapo não podia. (DPC, p. 114)

São cindidos, então, os gêmeos e todos os membros da família: Estha é

mandado para o pai e visto por todos – principalmente por Margareth – como o

“culpado” da morte de Sophie. Ammu é expulsa de casa e jamais consegue

reaver os filhos, pois mal conseguia sobreviver. E Rahel, sustentada por Chako,

cresce sem carinho e atenção. Depois da morte da mãe (aos 31 anos), Rahel

ainda adolescente, assume mais fortemente uma postura transgressora que a

levará a expulsões dos colégios em que estudou.

Os gêmeos se transformam em seres esvaziados no sentido do vazio que

um faz em relação ao outro. Como o narrador aponta no início da obra, eles

haviam nascido com uma única alma siamesa; e o vazio da alma estava no olhar

de um e no silêncio do outro. Ambos arrastaram pela vida as marcas da trágica

separação. Suas trajetórias são narradas de maneira breve e sucinta, como que

para justificar uma não-vida; um hiato entre a infância e o que estavam por

viver, 23 anos depois.

6. CONCLUSÃO

Como finalizar a análise de uma obra como O deus das pequenas coisas?

Definitivamente, essa parece ser uma tarefa quase impossível. Cada página, cada

parágrafo ou linha guarda em si uma inesgotável fonte de significados, onde

emoções e informações se intercambiam numa multiplicidade surpreendente. No

entanto, é preciso retomar os objetivos que o próprio livro forneceu como

guiança para as investigações a que me propus realizar quanto à literatura indiana

contemporânea.

A começar pelo título deste estudo, o silenciamento das margens foi e é

resultado de um conjunto de fatores de relevância histórica. Margens silenciosas,

porque silenciadas. Silenciamento este, característico das relações de poder

estipuladas pela civilização em si: domínio do mais forte, predomínio do social,

poder do macho. O princípio apolíneo civilizador (Marcuse), que subjulgou os

primeiros modelos de sociedade matriarcal, foi o mal necessário à configuração

do mundo como nos é hoje. A mesma virilidade, que libertou o homem da

ignorância, tornou-o escravo das aparências: cor, sexo, raça, altura, largura,

diâmetro, comprimento... Critérios de exclusão, definidores de fronteiras

interpessoais e territoriais.

Foi a crença nesses critérios que fortaleceu e sustentou os cânones

enquanto estruturas ideológicas de poder, além de reduzir a identidade, fosse ela

166

individual ou nacional, a modelos e convenções. Coube às diferentes fases da

Modernidade, aqui interpretada como um projeto burguês, a tarefa de disseminar

pelo globo esses ideais canônicos. Mas a Modernidade entrou em crise.

Deus está morto, Nietzche também, e eu não estou me sentindo muito

bem.(1) Essa fala de Jair Ferreira dos Santos traduz ironicamente o sentimento

atual de grande parte da humanidade: o mal-estar. Percepção de muitos

pensadores de nosso tempo – de Freud a Zygmunt Bauman – tal sensação parece

ser crônica na medida em que se trata do sintoma dos reais distúrbios que nos

vêm afligindo desde o momento em que a Modernidade entrou em crise. Estes

chamados “tempos de metamorfose” (Manuel Antonio de Castro), marcados

pela fragmentação e a relativização de paradigmas em todos os sistemas da

sociedade ocidental e de parte da oriental, denunciam a grave crise de

representação que se manifesta na esfera social, assim como no campo das artes.

Literariamente, podemos verificar tal processo nas contundentes vozes

que buscam reconhecimento. Mulheres, homossexuais, comunidades diaspóricas

e pensadores periféricos, entre outros, reivindicam identidade e reconhecimento

através da autoria. Acontece, assim, um movimento de revisão de posições

sociais através das obras literárias, especialmente no que diz respeito àqueles

contextos pós-coloniais.

A construção do eixo centro-periferia, é sabido, foi enfatizada nas

movimentações colonialistas, empreendidas por diferentes países a partir do

século XVII e ganhou força no século XIX, sendo ainda sustentada no período de

descolonização. Como sustenta Edward Said, entre outros, a relação entre centro

167

e periferia, dominador e dominado, nunca foi pacífica; houve constantes

movimentos de resistência, desde a Irlanda até a Índia. Isso, não impediu,

porém, que toda uma rede de signos fosse construída ao longo do período

colonial, garantindo um sistema de exclusão pela diferenciação que marcou tanto

Ocidente quanto Oriente. Nesse sentido, Edward Said afirma que durante o

Imperialismo – mais especificamente o britânico –

[...] todo o contato entre os europeus e seus “outros”, iniciado, sistematicamente, quinhentos anos atrás, a única idéia que quase não variou foi a de que existe um “nós” e um “eles”, cada qual muito bem definido, claro, intocavelmente auto-evidente. Como discuto em Orientalism, a divisão remonta à concepção grega sobre os bárbaros, mas, independentemente de quem tenha criado esse tipo de pensamento “identitário”, no século XIX ele havia se tornado a marca registrada das culturas imperialistas, e também daquelas que tentavam resistir à penetração européia. (2)

E foi justamente com o intuito de questionar tal pensamento identitário

que Said revisou o termo “orientalismo”. Para o autor, o orientalismo seria uma

representação baseada no olhar eurocêntrico que, por sua vez, estaria calcado na

compreensão monolítica do oriental e de sua cultura, além de criar toda uma

caracterização exótica. No entanto, as idéias de Said não se caracterizaram

apenas por uma correção terminológica; mais que isso, sua escrita representou a

transformação dos conceitos norteadores das pesquisas do Oriente Médio, da

Índia e do Paquistão, por exemplo. Como ele mesmo reitera em outra obra,

Cultura e Imperialismo, tal mudança não provocou, infelizmente, o fim das

representações imperialistas. Neste livro, aliás, ele mostrará como essas

representações continuam povoando o imaginário ocidental já que ainda

168

seríamos seres divididos em nações. E na medida em que há nações centrais e

periféricas, o eixo se sustenta, as representações são mantidas.

Compartilhando dessa visão, Linda Hutcheon, ao analisar a Pós-

Modernidade, aponta exatamente para o fato de este movimento não trazer a

periferia para o centro. O que existe é uma constante relativização do centro em

termos de cultura, economia, etc. O centro,como afirma a autora,

[...] pode não permanecer, mas ainda é uma atraente ficção de ordem e unidade que a arte e as teorias pós-modernas continuam a explorar e subverter. (...) O ex-cêntrico. O off-centro: inevitavelmente identificado com o centro ao qual aspira, mas que lhe é negado. Esse é o paradoxo do pós-moderno, e muitas vezes suas imagens são tão divergentes quanto o pode sugerir essa linguagem de descentralização.(3)

O que fica claro, portanto, é que a Pós-Modernidade propõe uma

oscilação de posições que reflete o grau em que a subjetividade deverá ser

considerada em relação à representação. Afinal, como nos apontam diversos

teóricos, o que se vive é uma grande crise de representação.

As discussões pós-coloniais enriqueceram ainda mais o questionamento

da relação centro e periferia. E um dos autores que propõe interessantes análises

da semiose do discurso colonial e pós-colonial é Homi Bhabha. Em Nation and

narration, ele, assim como Said, revê a questão da grandes narrativas que

serviram como discursos imperialistas. O ponto central abordado por Bhabha

nesta obra diz respeito à ambivalência presente no próprio conceito de nação,

algo que interferirá sobremaneira no momento de representar essa nação

historicamente e narrativamente. Aliás, Bhaba compreende nação e narrativa

como a mesma coisa já que as nações se manteriam como tal a partir de sua

169

representação narrativa. Nessa perspectiva, a nação teria como característica

representacional básica o fator tempo, dividido em duas esferas: o tempo da

tradição e o tempo presente. Assim, há uma grande problemática quando se

pensa numa literatura nacional, pois existiria uma dificuldade natural em

representar ambos os tempos. É o que o autor chama de “esquecendo para

lembrar”, conceito que ele assim explica:

As pessoas não são simplesmente eventos históricos ou partes de um corpo político patriótico. Elas são também uma complexa estratégia retórica de referencialidade social em que a reivindicação por representação provoca uma crise no processo de significação e endereçamento discursivo. Nós, então, temos um território cultural contestado onde as pessoas devem ser pensadas num duplo tempo; as pessoas são os “objetos” históricos de uma pedagogia nacionalista, dando ao discurso uma autoridade que é baseada no pré-dito ou na história (ou fato) original constituída. As pessoas são também os “sujeitos” de um processo de significação que deve apagar qualquer original ou primeira presença de nação-pessoa para demonstrar os prodígios, princípios vivos das pessoas como aquele processo contínuo pelo qual a vida nacional é redimida e significativa como um processo repetitivo e reprodutivo. (4)

Vemos, assim, que Homi Bhabha não nutre sentimentos especificamente

nacionalistas. Muito ao contrário, sua visão é a de que se deve ter uma

compreensão sociológica de tudo aquilo que envolve a representação da nação,

da cultura local e dos indivíduos, tudo calcado na ambivalência do conceito de

nação. É esta ambivalência central em sua postura que servirá para a

denominação de “dissemiNation”, título do principal texto do livro em questão,

vista por Bhabha como uma leitura das margens da nação moderna.

Muito próximo a este pensamento é o de Gayatri C. Spivak. Ela também

tem a percepção de que há inúmeros fatores sociológicos a serem considerados

quando analisamos a autoria da representação e a representação em si. Por este

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RESUMO

A proposta deste trabalho é analisar a representação literária e social da mulher indiana na contemporariedade de seu país, considerando a luta que essas mulheres desempenham contra cânones milenares na busca pelo reconhecimento de sua cidadania. Um recorte foi feito a partir da autoria de Arundhati Roy, na obra O deus das pequenas coisas que a evidencia como uma autêntica autora híbrida. O pós-colonialismo indiano é tratado por ela numa dimensão humana, o que contribui para uma visão ampla dos processos de transculturação ocorridos bem como para a compreensão da Índia contemporânea.