margens de sentido(s) nas Águas textuais e discursivas

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Denize Elena Garcia da Silva1

1 Doutora em Linguiacutestica Hispacircnica pela Uni-

versidade Nacional Autocircnoma do Meacutexico(UNAM) com Poacutes-Doutorado em Anaacutelise deDiscurso Criacutetica (ADC) e Linguiacutestica Sistecircmi-co-Funcional (LSF) pela Faculdade de Letras daUniversidade de Lisboa (FLUL) Portugal emGraduaccedilatildeo em Letras Portuguecircs-Inglecircs peloCentro de Ensino Uni1047297cado de Brasiacutelia (Uni-CEUB) e Mestrado em Linguiacutestica pela Uni- versidade de Brasiacutelia (UnB) onde atua comodocente desde 1987 Atualmente eacute professorapesquisadora colaboradora plena junto ao Pro-grama de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguiacutestica daUniversidade de Brasiacutelia (PPGLUnB) liacuteder doGrupo Brasileiro de Estudos de Discurso Po-

breza e Identidades (CNPq) e vice-presidenteda Associaccedilatildeo Latinoamericana de Estudos doDiscurso (ALED)

doi 105102univhumv9i12094 Margens de sentido(s) nas aacuteguas textuais e

discursivas

Borders of meaning(s) in textual and

discursive waters

Carteiros do texto viajamos de uma margem agrave outra do espaccedilo do sen-tido valendo-nos de um sistema de endereccedilamento e de indicaccedilotildees que oautor o editor e o tipoacutegrafo balizaram

(Pierre Levy 1996)

Resumo

O presente artigo traz uma re1047298exatildeo sobre margens de sentido textuais

e discursivas com o objetivo de desvelar caminhos que existem entre signi1047297-

cados textuais e discursivos bem como entre textualidade e niacuteveis de leituraPara tanto busca-se apoio teoacuterico nos estudos de natureza 1047297losoacute1047297ca na es-

teira do pensamento de Paul Ricouer (1984) passando pela Linguiacutestica ex-

tual (Koch 1997 Beaugrande e Dressler 1981 Guimaratildees 2009 e Marcus-

chi 2008 entre outros) ateacute chegar aos niacuteveis de leitura propostos por Adler

e Doren (1974) enfocados em termos de signi1047297cados e signi1047297caccedilotildees (Freire

1981 Eco 1986 Carraher 1987 e Silva 1997 2012) Os primeiros resultados

podem signi1047297car uma pequena contribuiccedilatildeo para todos aquelesas que traba-

lham com textos niacuteveis de leitura signi1047297cados linguiacutestico-discursivos en1047297m

com a linguagem como praacutetica social

Palavras-chave exto extualidade Niacuteveis de leitura Sentido(s) Palavra

Discurso

Abstract

Tis paper is about discursive and textual meanings as well as textu-

ality and reading levels Terefore it seeks to support theoretical studies of a

philosophical nature thought of Paul Ricoeur (1984) through extual Lin-

guistics (Koch 1997 Beaugrande and Dressler 1981 Guimaratildees 2009 and

Marcuschi 2008 among others) until reaching the reading levels proposedby Adler and Doren (1974) focused in terms of meanings and signi1047297can-

ces (Freire 1981 Eco 1986 Carraher 1987 and Silva 1997 2012) Te 1047297rst

results can mean a contribution for all those who work with texts reading

levels linguistic-discursive meanings and language as a social practice

Key words ext extuality Reading levels Meaning(s) Word Discourse

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1 Introduccedilatildeo

O objetivo deste artigo eacute traccedilar uma espeacutecie de

cartogra1047297a ampliada da noccedilatildeo de texto com vistas a con-

tribuir para o alcance de sentido(s) disposto(s) agraves mar-

gens das aacuteguas textuais e discursivas balizadas pela pa-

lavra falada escrita eou ouvida rata-se aqui de umaproposta de viagem que prevecirc uma trilogia de accedilotildees o

que permite vislumbrar um apoio pertinente agrave eacutegide da

leitura uma vez que esta envolve trecircs lados de um signo

linguiacutestico a palavra Pode-se postular que uma accedilatildeo pe-

dagoacutegica de leitura costuma envolver trecircs movimentos de

um uacutenico elemento a palavra falada (discurso) a palavra

escrita (literatura) e a palavra ouvida (educaccedilatildeo) confor-

me jaacute sugeri em Silva (2008)1 Em termos etimoloacutegicos

enquanto educaccedilatildeo envolve a accedilatildeo de criar ou nutrir

pode-se associar literatura com a arte de trabalhar bemas palavras na arquitetura de um dado texto enquanto

produto que envolve um processo discursivo

A propoacutesito etimologicamente discurso abarca

a ideia de movimento para diversos lados (dis+cursu)

Pode-se considerar que todo texto na condiccedilatildeo de uni-

dade do discurso pressupotildee uma relaccedilatildeo dialoacutegica que se

constitui pelo 1047298uxo da (re)accedilatildeo de interlocutores o que

envolve autores e leitores passando eacute claro por editores

e tipoacutegrafos conforme bem observa Pierre Levy na epiacute-

grafe acima

O artigo encontra-se dividido em seis seccedilotildees in-

cluindo esta introduccedilatildeo Na segunda apresento o concei-

to de texto e proponho consideraacute-lo tambeacutem como um

objeto virtual Na terceira mediante a apresentaccedilatildeo dos

requisitos da textualidade reforccedilo o passaporte teoacuterico

que ancora a revisatildeo alcanccedilada A quarta seccedilatildeo eacute dedi-

cada a procedimentos metodoloacutegicos concernentes a trecircs

niacuteveis de leitura balizados pelas margens de sentido(s) do

discurso materializado em texto A quinta seccedilatildeo sugereum momento empiacuterico de leitura ativa Nas considera-

ccedilotildees 1047297nais arremato com o leitor resultados da viagem

sugerida

1

Em palestra proferida no VI Simpoacutesio de Liacutengua e Literaturado UniCEUB - Leitura discurso literatura e educaccedilatildeo em 26de maio 2008

2 Ampliaccedilatildeo das margens da noccedilatildeo de texto

Desde uma margem de sentido corrente na lin-

guiacutestica textual pode-se reconhecer que um texto equi-

vale a uma trama de frases formadas por palavras ou por

expressotildees que costumam aparecer enlaccediladas por uma

conectividade sequencial (coesatildeo) ou cingidas pelo me-nos por uma conectividade semacircntica (coerecircncia) rata-

-se de um conceito pertinente agrave associaccedilatildeo metafoacuterica de

texto a ldquotecidordquo Daiacute a etimologia do vocaacutebulo lsquotextorsquo Jaacute

desde uma margem de natureza 1047297losoacute1047297ca na esteira do

pensamento de Paul Ricoeur (1984) pode-se conceber o

texto como a semantizaccedilatildeo da linguagem pela palavra ou

melhor pelo discurso Em ambas as acepccedilotildees a ideia de

texto como manifestaccedilatildeo verbal de conteuacutedo semacircntico

estaacute impliacutecita

Observa Ingedore Koch (1997) que dependendo

da orientaccedilatildeo teoacuterica que se adote um mesmo objeto

pode ser compreendido de diferentes maneiras e que o

conceito de texto natildeo foge agrave regra Depois de revisar a li-

teratura linguiacutestica pertinente agrave trajetoacuteria de diversas con-

cepccedilotildees de texto desde suas origens na linguiacutestica textual

passando por orientaccedilotildees de natureza pragmaacutetica ateacute as

que consideram o texto como processo ressalta a referida

autora que a propriedade de1047297nidora do texto tem a ver

com uma complexa rede de fatores de ordem situacional

cognitiva sociocultural e interacional De acordo com

Koch (2002 p 154) um texto eacute um evento comunicativo

no qual se cruzam accedilotildees linguiacutesticas cognitivas e sociais

Neste estudo procuro tambeacutem apontar o texto

como um objeto virtual passiacutevel de ser navegado e a

leitura como um processo de atualizaccedilatildeo do mesmo A

propoacutesito desde suas origens mesopotacircmicas o texto jaacute

podia ser considerado como objeto virtual abstrato in-

dependente de um suporte especiacute1047297co Sugere Pierre Levy

(1996) que um texto virtual pode-se atualizar em muacutel-tiplas versotildees traduccedilotildees ediccedilotildees exemplares e coacutepias

Vale a pena associar as ideias de Levy com a proposta de

Umberto Eco (1986 p 35) para quem um texto ldquorepre-

senta uma cadeia de artifiacutecios de expressatildeo que devem ser

atualizados pelo destinataacuteriordquo Quanto agrave ideia de atualiza-

ccedilatildeo Eco argumenta que um texto eacute incompleto por duas

razotildees Por um lado porque qualquer texto escrito frases

ou termos isolados exige habilidades do leitor Por outro

lado porque um texto eacute sempre entremeado de ldquonatildeo-

ditosrdquo ou seja cheio de espaccedilos em branco para serempreenchidos por interlocutores

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Mas resulta que a linguagem verbal eacute linear no es-

paccedilo (modalidade escrita) e linear no tempo (modalidade

oral) Nessa perspectiva enquanto nas entrelinhas de um

texto escrito encontram-se os espaccedilos em branco pode-

mos sugerir que nas fronteiras de um texto falado encon-

tramos espaccedilos de silecircncio demarcados nas pausas Nasentrelinhas ou nas fronteiras de um texto encontram-se

pois inuacutemeros espaccedilos prontos para serem preenchidos

por aquele leitorouvinte que na condiccedilatildeo de ldquocarteiro-via-

janterdquo estiver disposto a assumir o seu verdadeiro papel de

interlocutor ao navegar rio abaixo (ou rio acima) nas aacuteguas

de sentido(s) de um discurso materializado em texto

Natildeo se trata de uma viagem relaxada jaacute que se haacute

de levar em conta todas as conexotildees possiacuteveis na super-

fiacutecie das aacuteguas textuais que funcionam como pistas refe-

renciais ou como uma espeacutecie de acircncoras inclusive de

natureza semacircntica e pragmaacutetica dispostas nas margens

de sentido(s) de um textodiscurso rata-se de uma bus-

ca de modos de processamento que conduzem a pistas

de um processo (discurso) balizadas agraves margens de um

produto (texto) o que seraacute tratado a seguir

3 Os requisitos da textualidade

Cabe aqui mencionar que essa viagem requer co-nhecimento de uma seacuterie de requisitos que uma manifes-

taccedilatildeo linguiacutestica humana deve possuir para se con1047297gurar

como texto rata-se da denominada lsquotextualidadersquo cate-

goria que na proposta de Halliday amp Hasan (1976) bem

como na de Beaugrande e Dressler (1981) equivale a um

conjunto de propriedades que datildeo lsquotessiturarsquo a qualquer

texto Ao discutir a textualidade a linguista brasileira Eli-

sa Guimaratildees (2009) comenta o seguinte

Obras claacutessicas no campo da Linguiacutestica extu-

al focalizam natildeo o texto (produto) mas a formade enunciaccedilatildeo textual (processo) concebendopois a textualidade como modo de processa-mento e natildeo conjunto de propriedades ineren-tes ao texto reduzido a sua dimensatildeo de produ-

to (GUIMARAtildeES 2009 p 12)

Eacute justamente com enfoque no processamento

que a exemplo de Guimaratildees (2009) inscrevemo-nos na

perspectiva mencionada acima Um texto eacute um evento

comunicativo e ao mesmo tempo um instrumento de

interaccedilatildeo que costuma envolver sete dimensotildees constitu-

tivas coesatildeo coerecircncia intencionalidade aceitabilidade

situacionalidade informatividade e intertextualidade

rata-se de um elenco de princiacutepios ou uma espeacutecie de

normas de boa formaccedilatildeo que um texto deve possuir para

ser considerado como tal (BEAUGRANDE DRESSLER

1981 KOCH RAVAGLIA 1989) Consideremos ainda

que de maneira sucinta os modos de processamento as-

sociados a cada um dos princiacutepios mencionados

coesatildeo ndash dimensatildeo que caracteriza a maneira pela

qual os elementos da superfiacutecie textual (segmentos lin-

guiacutesticos) se conectam mutuamente em uma sequecircncia

coerecircncia ndash dimensatildeo que concerne agrave maneira pela

qual os componentes do mundo textual (palavras e ora-

ccedilotildees conceitos e relaccedilotildees subjacentes agrave estrutura textual)

compotildeem um todo signi1047297cativo com uma situaccedilatildeo de in-

terlocuccedilatildeo mantida pela constacircncia de sentido(s)

intencionalidade ndash designa a propriedade que con-cerne agraves atitudes do locutor qual seja a intenccedilatildeo de que

a mensagem tenha comunicabilidade possa impressionar

e em condiccedilotildees contextuais propiacutecias ateacute mesmo con-

vencer (pela razatildeo) ou persuadir (pela emoccedilatildeo) o inter-

locutor

aceitabilidade ndash concerne agrave atitude de reconheci-

mento do interlocutor mediante a qual uma determinada

con1047297guraccedilatildeo de segmentos linguiacutestico-discursivos pode

ser considerada coesa e coerente

situacionalidade ndash tem a ver com fatores ou nor-

mas sociais que fazem com que um texto seja relevante

para uma determinada situaccedilatildeo o que o torna apropriado

ou adequado

informatividade ndash trata-se do princiacutepio que trans-

parece em que medida as informaccedilotildees veiculadas num

texto satildeo esperadas ou natildeo previsiacuteveis ou imprevisiacuteveis

o que envolve o seguinte paracircmetro quanto maior a pre-

visibilidade de um texto menor seraacute o seu grau de infor-

matividade e vice-versa

intertextualidade ndash caracteriacutestica que pode ser vis-

ta a partir de dois prismas enquanto por um lado tem-

-se a relaccedilatildeo de um texto com outros textos nos quais ele

nasce e para os quais ele aponta por outro lado existe

sempre a possibilidade de o relacionar com suas paraacutefra-

ses jaacute que eacute possiacutevel encontrar num texto um conjunto de

textos possiacuteveis

Ao atuarem juntos esses princiacutepios (ou normas)

favorecem a textualidade De acordo com Guimaratildees

(2009 p 24) ldquoas normas de textualidade mais oacutebvias satildeo a

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coesatildeo que se manifesta na superfiacutecie textual e a coerecircn-

cia que subjaz no interior do textordquo2 Mas cabe aqui regis-

trar o pensamento de Marcuschi (2008 p 122) para quem

ldquoa coerecircncia eacute um aspecto fundante da tex-tualidade e natildeo resultante dela Eacute assim que acoerecircncia estaacute muito mais na mente do leitor e

no ponto de vista do receptor do texto que nointerior das formas textuaisrdquo

Dois aspectos merecem ser destacados ainda

para a compreensatildeo de texto e textualidade Por um lado

as propriedades elencadas anteriormente con1047297rmam que

o texto eacute lugar e representaccedilatildeo fiacutesica da linguagem espa-

ccedilo de interaccedilatildeo horizonte de signi1047297caccedilatildeo e sobretudo de

ldquojogos de sentidosrdquo conforme sugere Eni Orlandi (1996)

Por outro lado um texto em si natildeo passa de uma

virtualidade de uma peccedila com um mecanismo incom-

pleto cuja ativaccedilatildeo depende de um sujeito leitorouvinte

pronto para interagir com o sujeito autorlocutor perfa-

zendo e construindo os diversos caminhos semacircnticos da

linguagem no processo de interpretaccedilatildeo Eacute pois nesse

sentido que se pode reconhecer o texto como um objeto

virtual e a leitura como um caminho semacircntico de atua-

lizaccedilatildeo trilhado por um sujeito-leitor consciente de seu

papel de co-autor de um discurso niacutevel que faz da liacutengua

um contrato social (SILVA 2005)

Em termos de potencialidade pode haver em umtexto diversos niacuteveis de signi1047297cados ou seja aleacutem de um

sentido expliacutecito eacute possiacutevel encontrar-se toda uma gama

de sentidos impliacutecitos ligados agrave intencionalidade de

quem o escreveu Nas palavras de Umberto Eco (1986 p

36) ldquoum texto distingue-se de outros tipos de expressatildeo

por sua maior complexidaderdquo E o motivo dessa comple-

xidade sempre segundo o referido autor eacute justamente o

fato de um texto ser entremeado do ldquonatildeo-ditordquo

4 Niacuteveis de leitura

Assim como existem niacuteveis de signi1047297cados em

um texto existem vaacuterios niacuteveis de leitura ativa dentre os

quais se destacam trecircs a leitura exploratoacuteria a analiacutetica e

a criacutetica (ADLER DOREN 1974) A leitura exploratoacuteria

eacute aquela que se faz de maneira obliacutequa quando se busca

um maacuteximo de informaccedilatildeo num miacutenimo de tempo com

vistas agrave apreensatildeo do teor global de um texto Sua realiza-

2 Grifos da autora citada

ccedilatildeo permite levantar informaccedilotildees que conduzem agrave ideia

central por meio dos seguintes procedimentos raacutepida

leitura do tiacutetulo introduccedilatildeo e conclusatildeo sem perder de

vista a distribuiccedilatildeo graacute1047297ca do texto o nome do autor data

e fonte de publicaccedilatildeo bem como outros segmentos em

destaque Concomitante a esses procedimentos de leitura

inspecional deve-se formular expectativas acerca do con-

teuacutedo mediante a busca de pistas textuais que permitem

aproximar respostas agrave pergunta do que trata o texto como

um todo

Cabe aqui esclarecer que a leitura exploratoacuteria vai

mais aleacutem de um simples mecanismo pertinente agraves deno-

minadas lsquoleituras dinacircmicasrsquo Isto por duas razotildees De um

lado porque se trata de um niacutevel de leitura cujas estrateacute-

gias demandam a interaccedilatildeo deliberada do leitor com as

ideias do autor Nesse sentido o leitor tem oportunidadede comparar as ideias contidas no texto com suas expec-

tativas iniciais De outro lado porque a obtenccedilatildeo de um

maacuteximo de informaccedilotildees em tempo miacutenimo natildeo constitui

um 1047297m em si mesmo mas antes a continuidade de um

processo metacognitivo3 Essa continuidade encontra-se

em consonacircncia com as demais atividades mentais asso-

ciadas aos niacuteveis de leitura subsequentes quais sejam a

leitura analiacutetica e a leitura criacutetica

A leitura analiacutetica envolve um processo de decom-

por um todo em suas partes e sobretudo uma habilidade

mental para identi1047297car a ideia principal de cada unidade

paragraacute1047297ca e suas relaccedilotildees dentro do texto O processo

de anaacutelise de um texto exige a conjugaccedilatildeo das atividades

cognitivas de estruturaccedilatildeo e de loacutegica Enquanto a leitura

exploratoacuteria favorece a compreensatildeo do texto em sua glo-

balidade a leitura analiacutetica permite de modo particular

a apreensatildeo do plano seguido pelo autor Para tanto haacute

que se levar em conta aleacutem das etapas observadas duran-

te a leitura inspecional o seguinte um autor geralmenteinforma explica interpreta discute e prediz Mas pode

tambeacutem impressionar emocionar e ateacute mesmo seduzir

durante o processo de leitura como se poderaacute constatar

mais adiante A operaccedilatildeo de decompor um todo em suas

partes num movimento de descontextualizaccedilatildeo e recon-

textualizaccedilatildeo de ideias perpassa todo o processo de leitu-

3 O termo metacognitivo eacute aqui utilizado no sentido de

controle consciente do conhecimento em oposiccedilatildeo aconhecimento automaacutetico ou inconsciente conforme sugereMary Kato (1987 p 101-102)

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ra analiacutetica como se fosse um mecanismo de radiogra1047297a

Na realidade a identi1047297caccedilatildeo de qualquer estrutura impli-

ca encontrar os elementos concretos que a integram bem

como suas redes de conexatildeo No caso de uma estrutura

textual cuja rede enlaccedila elementos linguiacutesticos e discur-

sivos dispostos respectivamente em termos de conecti-

vidade sequencial e conectividade conceptual detectaacute-la

equivale a abstrair sobretudo os elementos conceptuais

que permitem radiografar semanticamente o texto

A leitura criacutetica eacute um dos niacuteveis de leitura em que

o ato de ler pressupotildee um senso acurado de julgamento

uma capacidade de analisar situaccedilotildees ou aspectos de uma

realidade sem se deixar levar pelas primeiras impressotildees

Um leitor dotado de senso criacutetico eacute aquele que examina

e em condiccedilotildees propiacutecias avalia atentamente o teor de

veracidade de um dado texto antes de aceitar as ideias ali veiculadas rata-se do leitor que eacute capaz de estabelecer

conclusotildees acerca de ideologias subjacentes agrave intenciona-

lidade do autor bem como de se projetar sobre o texto

completando-o a partir de suas experiecircncias de vida e de

sua bagagem cultural

A cada nova leitura criacutetica de um texto estaacute ligada

a perspectiva da descoberta de novos signi1047297cados natildeo de-

tectados nas leituras anteriores principalmente as signi1047297-

caccedilotildees dos subtendidos e pressupostos impliacutecitos ou sejanatildeo manifestados na superfiacutecie linguiacutestica Novas leituras

implicam atitudes conscientes de busca alimentadas pela

curiosidade intelectual do leitor

Sabe-se que um leitor se distingue de outro na me-

dida de sua capacidade de se monitorar e ao mesmo tem-

po de se entregar durante o ato de leitura o que poderaacute

ser experimentado a seguir

5 Um convite para exerciacutecios de leitura(s)Iniciemos a leitura do texto Rio acima que foi

produzido por um conhecido escritor jornalista humo-

rista e cronista brasileiro

Rio acima

odos os rios levam ao misteacuterio Do Aar ao Zwet-

ti Do Orinoco ao Deseado passando pelo Oiapoque e

pelo Chuiacute Do Negro ao Branco Do Madeira ao Pra-

ta Do Grande ao Chico O das Antas o das Velhas o

dos Macacos o das Mortes O rio da Vida senhoras e

senhores Segurem-se ateacute passarmos as pororocas Aqui

o Amazonas recebe as aacuteguas do seu maior a1047298uente o

Atlacircntico Aqui o Nilo muda de Nome e vira Mediter-

racircneo Por essa boca o Mississipi expeliu Cuba Porto

Rico e todas as ilhas das Caraiacutebas Aqui termina o ejo

e comeccedila o mundo uma obra de Camotildees Aqui comeccedila

o nosso tour

Rio acima Observem como de onde estamos vemos passar as margens de ambos os lados

Engano somos noacutes que passamos Protejam a ca-

beccedila do Sol e meditem sobre a 1047297nitude humana Seraacute ser-

vido um lanche antes de passarmos a faacutebrica de celulose

porque depois ningueacutem conseguiraacute comer Agrave esquerda

uma usina nuclear Vejam os peixes fosforescentes Ve-

jam os banhistas fosforescentes Natildeo ponham a matildeo na

aacutegua se natildeo quiserem perdecirc-la Agrave direita boiando al-

guns mendigos Prisioneiros de matildeos amarradas Vaacuteriosfetos Sapatos Urinoacuteis Pneus Sinais de civilizaccedilatildeo

Uma nota pessoal senhoras e senhores Aquela

casa na margem direita eacute minha inha um coqueiro do

lado que coitado de saudade jaacute morreu e o videoshop

do outro lado claro eacute novo Aquela eacute a minha famiacutelia eaquele menino com aacutegua na cintura abanando para noacutes

sou eu Mas isto tambeacutem jaacute passou Rio acima

O garoto abandonado naquele barco eacute Huckel-

bery Finn Abanem abanem Aquela 1047297gura que acaba

de mergulhar no rio do galho de uma aacutervore eacute arzan

Vejam como um jacareacute se aproxima Os dois se engal1047297-

nham Natildeo se preocupem arzan venceraacute

Na margem direita um lobo e um cordeiro con-

versando Da margem esquerda Joatildeo Guimaratildees Rosacontempla a terceira margem O bebecirc 1047298utuando dentro

da cesta eacute Moiseacutes

Estamos no Rubicatildeo Porcaria pois natildeo Vo-

cecircs notaratildeo que muitos rios histoacutericos natildeo merecem

o nome que tecircm O Danuacutebio veremos mais adiante

natildeo eacute azul O Vermelho eacute marrom O Amarelo eacute cin-

zento O Mekong eacute vermelho de tanto sangue Rio aci-

ma Estamos no acircmisa Agora no Avon Aquele ali na

margem pensativo eacute Shakespeare Vejam no meio dorio rodeada de 1047298ores mantida agrave tona pelas suas vestes

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O texto acima jaacute de iniacutecio permite-nos chamar a

atenccedilatildeo do leitor natildeo soacute pelo complexo e ao mesmo tem-

po sugestivo tour histoacuterico anunciado no primeiro paraacute-

grafo mas tambeacutem pela posiccedilatildeo de Luis Fernando Veriacutes-

simo em seu papel de escritor jornalista (ou jornalista es-

critor) em termos de sua contribuiccedilatildeo a um suporte midi-

aacutetico no caso a Revista VEJA ediccedilatildeo 1073 ano 22 nordm 13

publicada em 29 de marccedilo de 1989 Cabe aqui esclarecer

que as duas setas tipograacute1047297cas foram acrescentadas agrave mar-gem do texto somente para sinalizar os rumos baacutesicos da

leitura que demanda por sua vez uma seacuterie complexa de

atos separados ais atos podem ser associados conforme

Silva (1997) aos seguintes tipos de atividades cognitivas

atividade perceptiva relacionada a uma capacidade

raacutepida e precisa de busca de informaccedilotildees para a identi1047297-

caccedilatildeo do todo

atividade visual-espacial ligada simultaneamente agrave

visatildeo e ao espaccedilo sendo este uacuteltimo associado agrave ideia delugar superfiacutecie e distacircncia

atividade de estruturaccedilatildeo vinculada agrave identi1047297caccedilatildeo

de estruturas de ideias e argumentos a partir da obser-

vaccedilatildeo de segmentos individuais tais como palavras e ex-

pressotildees

atividade loacutegica mediante a identi1047297caccedilatildeo de cone-

xotildees loacutegicas de ideias ou de fatos histoacutericos associados a

seus respectivos contextos

atividade verbal pertinente agrave captaccedilatildeo de uma palavra

precisa capaz de de1047297nir um objeto uma ideia ou uma accedilatildeo

As duas primeiras atividades elencadas acima satildeo

tiacutepicas da leitura exploratoacuteria enquanto as seguintes con-

cernem agrave leitura analiacutetica Voltemos em par leitora uma

mirada empiacuterica pela superfiacutecie do texto de Veriacutessimo

Em termos de estruturaccedilatildeo textual podemos iden-

ti1047297car o 1047298uxo das ideias do autor assim como sua apre-

sentaccedilatildeo de fatos histoacutericos relativamente conhecidos ndash

seja em contextos situacionais proacuteximos ou em contextos

culturais distantes ndash materializado em unidades frasais e

oracionais em sua maioria justapostas com predomiacutenio

de uma coordenaccedilatildeo simples parataacutetica Observa-se o

saber gramatical atrelado agrave criatividade no uso da lingua-

gem cuja magnitude se evidencia na dimensatildeo dialoacutegica

Ressalte-se a intertextualidade marcada pela presenccedila

constante de vozes de outros textos a guiarem pela voz

do autor atitudes de reconhecimento dos interlocutores

ou melhor participantes do ldquotourrdquo tecido com engenho e

arte ainda que bem longe do estilo camonianoPode-se a1047297rmar que antes mesmo de seduzir

o texto impressiona pela tessitura simples e ao mesmo

tempo tatildeo carregada de motivos para a aceitabilidade do

leitor mais criacutetico que existe Observe-se ainda que natildeo

haacute conectores loacutegicos de subordinaccedilatildeo ao longo dos pe-

riacuteodos enxutos que compotildeem cada paraacutegrafo Mas a co-

nectividade conceptual (semacircntica) predomina e garante

a tessitura do texto o que con1047297rma ser a coerecircncia a pro-

priedade mais relevante em um texto Em poucas pala-

vras existem textos sem coesatildeo mas natildeo existem textos

sem coerecircncia propriedade que depende da (re)accedilatildeo do

in1047298adas a doce Ofeacutelia Abanem abanem Eu natildeo dis-

se que este tour tinha de tudo Agora preparem suas

cacircmeras Ai vem na sua barcaccedila imperial Cleoacutepatra

descendo o Nilo Rio acima Estamos no Reno no Poacute

no Yang-tze no Satildeo Francisco no igre no Eufrates

no Volga no Jordatildeo Aquela cena vocecircs certamente vatildeo querer fotografar Joatildeo Batista batizando Jesus

Estamos no Ganges onde os vivos despejam os seus

mortos e depois se lavam O rio eacute sempre o mesmo A

aacutegua que puri1047297ca eacute a mesma que recebe o esgoto aacutecido

A aacutegua que mata a sede eacute a mesma que afoga a que

passa e a que natildeo passa

O rio eacute a Portela Agrave direita Paulinho da Viola

Aquela cabecinha de nadador ali eacute a do Mao

Galhos troncos casas gado canoas viradas

quatro com timatildeo e sem timatildeo ndash e uma faacutebrica inteira

rebocada do Japatildeo

As aacuteguas comeccedilam a 1047297car lodosas As grandes

aacutervores se tocam sobre o rio Estamos no Congo a ca-

minho do coraccedilatildeo das trevas Da fonte obscura de tudo

Mistash Kurtz he dead O cheiro azedo de limo e foacutes-

seis O horror o horror O mar estaacute longe chegamos a

nossa vertente E a origem de tudo natildeo eacute misteacuterio eacute um

buraco no chatildeo Haacute outros rios debaixo destes e eacute para

laacute que vamos um dia Rio abaixo A gorjeta eacute voluntaacuteria

obrigado

VERIacuteSSIMO Luis Fernando

Revista VEJA 29 de marccedilo de 1989

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interlocutor para atribuir sentido(s) a textos como este

A propoacutesito falta-nos mergulhar ainda em algumas das

principais perguntas de quem se debruccedila em uma anaacutelise

criacutetica

Conforme sugere David Carraher (1987 p 127)

a) O que estaacute sendo a1047297rmado

b) Quais as principais questotildees envolvidas

c) O que eacute usado para apoiar as ideias

d) Que informaccedilotildees poderiam ajudar a esclarecer

as questotildees principais

Agraves perguntas destacadas acima pode-se acres-

centar a seguinte qual eacute a ideologia presente no texto em

anaacutelise Em estudo recente (Silva 2012 p 17) pondero

que ldquouma estrutura eacute ideoloacutegica na medida em que podeou natildeo corresponder agrave perspectiva doa produtora ou

doa leitorardquo Considero pertinente evocar aqui as pala-

vras de Guimaratildees (2009 p 108) para quem ldquoa ideologia

de1047297ne-se portanto como expressatildeo de uma tomada de

posiccedilatildeo determinada con1047297gurando-se por isso como

condiccedilatildeo essencial na relaccedilatildeo mundolinguagemrdquo Nessa

perspectiva vale chamar a atenccedilatildeo para o modo com que

as informaccedilotildees satildeo apresentadas ao longo do texto em

questatildeo Ainda que despidas de um estilo argumentativo

as ideias satildeo apresentadas revestidas de uma espeacutecie de

valor ou estatuto de verdade Aleacutem disso satildeo ideias ma-

tizadas por um pendor atitudinal do autor que envolve o

leitor a partir de sua visatildeo criacutetica do mundo

Por outro lado os temas tangenciados ainda que

de maneira literaacuteria ao longo do texto - tais como pro-

blemas de poluiccedilatildeo e agressatildeo respectivamente ao meio

ambiente e ao ser humano - continuam ao lado de toda a

beleza que ainda existe na histoacuteria das aacuteguas quando na-

vegamos rio acima ou abaixo atraveacutes dos tempos Aleacutemdo mais as questotildees enfocadas evocam o que sugere Frei-

re (1981 p 11-12) ldquolinguagem e realidade se prendem de

maneira dinacircmicardquo

Em poucas palavras acabamos de assistir agora

em 2012 o encontro do ldquoRio + Vinterdquo evento que soacute vai

acontecer outra vez daqui a vinte anos Cabe aqui tra-

ccedilar um paralelo do texto examinado com a conferecircncia

das Naccedilotildees Unidas proferida recentemente em prol do

desenvolvimento sustentaacutevel em meio agrave presenccedila de lide-

ranccedilas de inuacutemeras naccedilotildees Resulta que o meio ambien-

te o ecossistema a biodiversidade a chuva aacutecida o uso

de energia suja - bem como a aacutegua que corre por todos

os rios do planeta antes de desembocar nos sete mares -

continuam a ser enfocados como toacutepicos que sinalizam

ora uma bandeira para ativistas ora uma promessa de

agenda de compromissos poliacutetico-econocircmicos diante

dos apelos direcionados aos paiacuteses ricos que natildeo queremrepartir recursos que lhes sobram ainda que tatildeo cientes

de questotildees complexas tais como a pobreza do presente

ou a escassez de aacutegua e de alimento no futuro proacuteximo

6 Consideraccedilotildees 1047297nais

Ao enfatizar a importacircncia do ato de ler Paulo

Freire (1981 p 20) a1047297rma que ldquoa leitura do mundo pre-

cede a leitura da palavra e a leitura desta implica a con-

tinuidade da leitura daquelerdquo E vai mais longe Aleacutem de

esclarecer que a compreensatildeo de um texto eacute alcanccedilada

mediante sua leitura criacutetica atraveacutes da qual se percebem

as relaccedilotildees dentre o texto e o contexto o educador bra-

sileiro reitera sua proposta ao declarar que ldquoa leitura da

palavra natildeo eacute apenas precedida pela leitura do mundo

mas por uma determinada forma de escrevecirc-lo ou de

reescrevecirc-lordquo quer dizer desdobraacute-lo atraveacutes de uma praacute-

tica engajada de leitura

Por outro lado na esteira dos estudos criacuteticos do

discurso comenta Fairclough (2001 p 265) o seguinte

eacute previsiacutevel que cada vez mais haja expectativade que os analistas de discurso e os linguistasfuncionem como tecnoacutelogos do discurso outornem os resultados de suas pesquisas dispo-niacuteveis a eles

Que as re1047298exotildees aqui apresentadas possam signi-

1047297car uma pequena contribuiccedilatildeo em termos de incentivo

para todos aquelesas que trabalham com textos niacuteveis

de leitura signi1047297cados linguiacutestico-discursivos en1047297mcom a linguagem como praacutetica social

Referecircncias

ADLER M DOREN C van A arte de ler raduccedilatildeo JoseacuteL de Melo Rio de Janeiro Agir 1974

BEAUGRANDE R DRESSLER W Introduction to text

linguistics London Longman 1981

CARRAHER D Senso criacutetico do dia-a dia agraves ciecircnciashumanas Satildeo Paulo Pioneira 1983

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ECO H Lector in fabula Satildeo Paulo Perspectiva 1986

FAIRCLOUGH N Discurso e mudanccedila social BrasiacuteliaEditora da UnB 2001

FREIRE P A importacircncia do ato de ler Satildeo Paulo Cortez1989

GUIMARAtildeES E Texto discurso e ensino Satildeo PauloContexto 2009

HALLIDAY M A K HASAN R Cohesion in Englishenglish language London Longman 1976

KAO M No mundo da escrita uma perspectivapsicolinguiacutestica Satildeo Paulo Aacutetica 1987

KOCH IV RAVAGLIA LC Texto e coerecircncia SatildeoPaulo Cortez 1989

KOCH IV Desvendando os segredos do texto Satildeo PauloCortez 2002

KOCH IV O texto e a construccedilatildeo de sentidos Satildeo PauloContexto 1997

LEVY P O que eacute virtual raduccedilatildeo P Neves Satildeo PauloEditora 34 1996

MARCUSCHI LA Produccedilatildeo textual anaacutelise de gecircneros ecompreensatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

ORLANDI E Interpretaccedilatildeo autoria leitura e efeitos dotrabalho simboacutelico Petroacutepolis Vozes 1996

RICOEUR P Preface In REAGAN C (Ed) Studiesin the Philosofy of Paul Ricoeur Athens Ohio OhioUniversity Press 1984

SILVA DEG Da leitura do mundo agrave leitura da palavra In VI Simpoacutesio de Liacutengua e Literatura do UniCEUB - leituradiscurso literatura e educaccedilatildeo Brasiacutelia UniCEUB 2008

SILVA DEG Discurso e gramaacutetica motivaccedilotildeescognitivas e interacionais In SILVA DEG (Org) Nasinstacircncias do discurso uma permeabilidade de fronteirasBrasiacutelia Editora da UnB 2005

SILVA DEG Estudos criacuteticos do discurso no contextobrasileiro por uma rede de transdisciplinaridade Revistaonline de Literatura e Linguiacutestica Recife ano 5 n 9 p 224-

243 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaeutomiacombrgt Acesso em 11 dez 2012

SILVA DEG Produccedilatildeo de leitura texto e textualidadecurso de extensatildeo In IV Foacuterum Permanente de Professores Brasiacutelia Universidade de BrasiacuteliaCESPE 1997

VERIacuteSSIMO Luiacutes Fernando Rio acima Revista Veja SatildeoPaulo ano 22 n 13 p 53 29 mar 1989

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1 Introduccedilatildeo

O objetivo deste artigo eacute traccedilar uma espeacutecie de

cartogra1047297a ampliada da noccedilatildeo de texto com vistas a con-

tribuir para o alcance de sentido(s) disposto(s) agraves mar-

gens das aacuteguas textuais e discursivas balizadas pela pa-

lavra falada escrita eou ouvida rata-se aqui de umaproposta de viagem que prevecirc uma trilogia de accedilotildees o

que permite vislumbrar um apoio pertinente agrave eacutegide da

leitura uma vez que esta envolve trecircs lados de um signo

linguiacutestico a palavra Pode-se postular que uma accedilatildeo pe-

dagoacutegica de leitura costuma envolver trecircs movimentos de

um uacutenico elemento a palavra falada (discurso) a palavra

escrita (literatura) e a palavra ouvida (educaccedilatildeo) confor-

me jaacute sugeri em Silva (2008)1 Em termos etimoloacutegicos

enquanto educaccedilatildeo envolve a accedilatildeo de criar ou nutrir

pode-se associar literatura com a arte de trabalhar bemas palavras na arquitetura de um dado texto enquanto

produto que envolve um processo discursivo

A propoacutesito etimologicamente discurso abarca

a ideia de movimento para diversos lados (dis+cursu)

Pode-se considerar que todo texto na condiccedilatildeo de uni-

dade do discurso pressupotildee uma relaccedilatildeo dialoacutegica que se

constitui pelo 1047298uxo da (re)accedilatildeo de interlocutores o que

envolve autores e leitores passando eacute claro por editores

e tipoacutegrafos conforme bem observa Pierre Levy na epiacute-

grafe acima

O artigo encontra-se dividido em seis seccedilotildees in-

cluindo esta introduccedilatildeo Na segunda apresento o concei-

to de texto e proponho consideraacute-lo tambeacutem como um

objeto virtual Na terceira mediante a apresentaccedilatildeo dos

requisitos da textualidade reforccedilo o passaporte teoacuterico

que ancora a revisatildeo alcanccedilada A quarta seccedilatildeo eacute dedi-

cada a procedimentos metodoloacutegicos concernentes a trecircs

niacuteveis de leitura balizados pelas margens de sentido(s) do

discurso materializado em texto A quinta seccedilatildeo sugereum momento empiacuterico de leitura ativa Nas considera-

ccedilotildees 1047297nais arremato com o leitor resultados da viagem

sugerida

1

Em palestra proferida no VI Simpoacutesio de Liacutengua e Literaturado UniCEUB - Leitura discurso literatura e educaccedilatildeo em 26de maio 2008

2 Ampliaccedilatildeo das margens da noccedilatildeo de texto

Desde uma margem de sentido corrente na lin-

guiacutestica textual pode-se reconhecer que um texto equi-

vale a uma trama de frases formadas por palavras ou por

expressotildees que costumam aparecer enlaccediladas por uma

conectividade sequencial (coesatildeo) ou cingidas pelo me-nos por uma conectividade semacircntica (coerecircncia) rata-

-se de um conceito pertinente agrave associaccedilatildeo metafoacuterica de

texto a ldquotecidordquo Daiacute a etimologia do vocaacutebulo lsquotextorsquo Jaacute

desde uma margem de natureza 1047297losoacute1047297ca na esteira do

pensamento de Paul Ricoeur (1984) pode-se conceber o

texto como a semantizaccedilatildeo da linguagem pela palavra ou

melhor pelo discurso Em ambas as acepccedilotildees a ideia de

texto como manifestaccedilatildeo verbal de conteuacutedo semacircntico

estaacute impliacutecita

Observa Ingedore Koch (1997) que dependendo

da orientaccedilatildeo teoacuterica que se adote um mesmo objeto

pode ser compreendido de diferentes maneiras e que o

conceito de texto natildeo foge agrave regra Depois de revisar a li-

teratura linguiacutestica pertinente agrave trajetoacuteria de diversas con-

cepccedilotildees de texto desde suas origens na linguiacutestica textual

passando por orientaccedilotildees de natureza pragmaacutetica ateacute as

que consideram o texto como processo ressalta a referida

autora que a propriedade de1047297nidora do texto tem a ver

com uma complexa rede de fatores de ordem situacional

cognitiva sociocultural e interacional De acordo com

Koch (2002 p 154) um texto eacute um evento comunicativo

no qual se cruzam accedilotildees linguiacutesticas cognitivas e sociais

Neste estudo procuro tambeacutem apontar o texto

como um objeto virtual passiacutevel de ser navegado e a

leitura como um processo de atualizaccedilatildeo do mesmo A

propoacutesito desde suas origens mesopotacircmicas o texto jaacute

podia ser considerado como objeto virtual abstrato in-

dependente de um suporte especiacute1047297co Sugere Pierre Levy

(1996) que um texto virtual pode-se atualizar em muacutel-tiplas versotildees traduccedilotildees ediccedilotildees exemplares e coacutepias

Vale a pena associar as ideias de Levy com a proposta de

Umberto Eco (1986 p 35) para quem um texto ldquorepre-

senta uma cadeia de artifiacutecios de expressatildeo que devem ser

atualizados pelo destinataacuteriordquo Quanto agrave ideia de atualiza-

ccedilatildeo Eco argumenta que um texto eacute incompleto por duas

razotildees Por um lado porque qualquer texto escrito frases

ou termos isolados exige habilidades do leitor Por outro

lado porque um texto eacute sempre entremeado de ldquonatildeo-

ditosrdquo ou seja cheio de espaccedilos em branco para serempreenchidos por interlocutores

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Mas resulta que a linguagem verbal eacute linear no es-

paccedilo (modalidade escrita) e linear no tempo (modalidade

oral) Nessa perspectiva enquanto nas entrelinhas de um

texto escrito encontram-se os espaccedilos em branco pode-

mos sugerir que nas fronteiras de um texto falado encon-

tramos espaccedilos de silecircncio demarcados nas pausas Nasentrelinhas ou nas fronteiras de um texto encontram-se

pois inuacutemeros espaccedilos prontos para serem preenchidos

por aquele leitorouvinte que na condiccedilatildeo de ldquocarteiro-via-

janterdquo estiver disposto a assumir o seu verdadeiro papel de

interlocutor ao navegar rio abaixo (ou rio acima) nas aacuteguas

de sentido(s) de um discurso materializado em texto

Natildeo se trata de uma viagem relaxada jaacute que se haacute

de levar em conta todas as conexotildees possiacuteveis na super-

fiacutecie das aacuteguas textuais que funcionam como pistas refe-

renciais ou como uma espeacutecie de acircncoras inclusive de

natureza semacircntica e pragmaacutetica dispostas nas margens

de sentido(s) de um textodiscurso rata-se de uma bus-

ca de modos de processamento que conduzem a pistas

de um processo (discurso) balizadas agraves margens de um

produto (texto) o que seraacute tratado a seguir

3 Os requisitos da textualidade

Cabe aqui mencionar que essa viagem requer co-nhecimento de uma seacuterie de requisitos que uma manifes-

taccedilatildeo linguiacutestica humana deve possuir para se con1047297gurar

como texto rata-se da denominada lsquotextualidadersquo cate-

goria que na proposta de Halliday amp Hasan (1976) bem

como na de Beaugrande e Dressler (1981) equivale a um

conjunto de propriedades que datildeo lsquotessiturarsquo a qualquer

texto Ao discutir a textualidade a linguista brasileira Eli-

sa Guimaratildees (2009) comenta o seguinte

Obras claacutessicas no campo da Linguiacutestica extu-

al focalizam natildeo o texto (produto) mas a formade enunciaccedilatildeo textual (processo) concebendopois a textualidade como modo de processa-mento e natildeo conjunto de propriedades ineren-tes ao texto reduzido a sua dimensatildeo de produ-

to (GUIMARAtildeES 2009 p 12)

Eacute justamente com enfoque no processamento

que a exemplo de Guimaratildees (2009) inscrevemo-nos na

perspectiva mencionada acima Um texto eacute um evento

comunicativo e ao mesmo tempo um instrumento de

interaccedilatildeo que costuma envolver sete dimensotildees constitu-

tivas coesatildeo coerecircncia intencionalidade aceitabilidade

situacionalidade informatividade e intertextualidade

rata-se de um elenco de princiacutepios ou uma espeacutecie de

normas de boa formaccedilatildeo que um texto deve possuir para

ser considerado como tal (BEAUGRANDE DRESSLER

1981 KOCH RAVAGLIA 1989) Consideremos ainda

que de maneira sucinta os modos de processamento as-

sociados a cada um dos princiacutepios mencionados

coesatildeo ndash dimensatildeo que caracteriza a maneira pela

qual os elementos da superfiacutecie textual (segmentos lin-

guiacutesticos) se conectam mutuamente em uma sequecircncia

coerecircncia ndash dimensatildeo que concerne agrave maneira pela

qual os componentes do mundo textual (palavras e ora-

ccedilotildees conceitos e relaccedilotildees subjacentes agrave estrutura textual)

compotildeem um todo signi1047297cativo com uma situaccedilatildeo de in-

terlocuccedilatildeo mantida pela constacircncia de sentido(s)

intencionalidade ndash designa a propriedade que con-cerne agraves atitudes do locutor qual seja a intenccedilatildeo de que

a mensagem tenha comunicabilidade possa impressionar

e em condiccedilotildees contextuais propiacutecias ateacute mesmo con-

vencer (pela razatildeo) ou persuadir (pela emoccedilatildeo) o inter-

locutor

aceitabilidade ndash concerne agrave atitude de reconheci-

mento do interlocutor mediante a qual uma determinada

con1047297guraccedilatildeo de segmentos linguiacutestico-discursivos pode

ser considerada coesa e coerente

situacionalidade ndash tem a ver com fatores ou nor-

mas sociais que fazem com que um texto seja relevante

para uma determinada situaccedilatildeo o que o torna apropriado

ou adequado

informatividade ndash trata-se do princiacutepio que trans-

parece em que medida as informaccedilotildees veiculadas num

texto satildeo esperadas ou natildeo previsiacuteveis ou imprevisiacuteveis

o que envolve o seguinte paracircmetro quanto maior a pre-

visibilidade de um texto menor seraacute o seu grau de infor-

matividade e vice-versa

intertextualidade ndash caracteriacutestica que pode ser vis-

ta a partir de dois prismas enquanto por um lado tem-

-se a relaccedilatildeo de um texto com outros textos nos quais ele

nasce e para os quais ele aponta por outro lado existe

sempre a possibilidade de o relacionar com suas paraacutefra-

ses jaacute que eacute possiacutevel encontrar num texto um conjunto de

textos possiacuteveis

Ao atuarem juntos esses princiacutepios (ou normas)

favorecem a textualidade De acordo com Guimaratildees

(2009 p 24) ldquoas normas de textualidade mais oacutebvias satildeo a

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coesatildeo que se manifesta na superfiacutecie textual e a coerecircn-

cia que subjaz no interior do textordquo2 Mas cabe aqui regis-

trar o pensamento de Marcuschi (2008 p 122) para quem

ldquoa coerecircncia eacute um aspecto fundante da tex-tualidade e natildeo resultante dela Eacute assim que acoerecircncia estaacute muito mais na mente do leitor e

no ponto de vista do receptor do texto que nointerior das formas textuaisrdquo

Dois aspectos merecem ser destacados ainda

para a compreensatildeo de texto e textualidade Por um lado

as propriedades elencadas anteriormente con1047297rmam que

o texto eacute lugar e representaccedilatildeo fiacutesica da linguagem espa-

ccedilo de interaccedilatildeo horizonte de signi1047297caccedilatildeo e sobretudo de

ldquojogos de sentidosrdquo conforme sugere Eni Orlandi (1996)

Por outro lado um texto em si natildeo passa de uma

virtualidade de uma peccedila com um mecanismo incom-

pleto cuja ativaccedilatildeo depende de um sujeito leitorouvinte

pronto para interagir com o sujeito autorlocutor perfa-

zendo e construindo os diversos caminhos semacircnticos da

linguagem no processo de interpretaccedilatildeo Eacute pois nesse

sentido que se pode reconhecer o texto como um objeto

virtual e a leitura como um caminho semacircntico de atua-

lizaccedilatildeo trilhado por um sujeito-leitor consciente de seu

papel de co-autor de um discurso niacutevel que faz da liacutengua

um contrato social (SILVA 2005)

Em termos de potencialidade pode haver em umtexto diversos niacuteveis de signi1047297cados ou seja aleacutem de um

sentido expliacutecito eacute possiacutevel encontrar-se toda uma gama

de sentidos impliacutecitos ligados agrave intencionalidade de

quem o escreveu Nas palavras de Umberto Eco (1986 p

36) ldquoum texto distingue-se de outros tipos de expressatildeo

por sua maior complexidaderdquo E o motivo dessa comple-

xidade sempre segundo o referido autor eacute justamente o

fato de um texto ser entremeado do ldquonatildeo-ditordquo

4 Niacuteveis de leitura

Assim como existem niacuteveis de signi1047297cados em

um texto existem vaacuterios niacuteveis de leitura ativa dentre os

quais se destacam trecircs a leitura exploratoacuteria a analiacutetica e

a criacutetica (ADLER DOREN 1974) A leitura exploratoacuteria

eacute aquela que se faz de maneira obliacutequa quando se busca

um maacuteximo de informaccedilatildeo num miacutenimo de tempo com

vistas agrave apreensatildeo do teor global de um texto Sua realiza-

2 Grifos da autora citada

ccedilatildeo permite levantar informaccedilotildees que conduzem agrave ideia

central por meio dos seguintes procedimentos raacutepida

leitura do tiacutetulo introduccedilatildeo e conclusatildeo sem perder de

vista a distribuiccedilatildeo graacute1047297ca do texto o nome do autor data

e fonte de publicaccedilatildeo bem como outros segmentos em

destaque Concomitante a esses procedimentos de leitura

inspecional deve-se formular expectativas acerca do con-

teuacutedo mediante a busca de pistas textuais que permitem

aproximar respostas agrave pergunta do que trata o texto como

um todo

Cabe aqui esclarecer que a leitura exploratoacuteria vai

mais aleacutem de um simples mecanismo pertinente agraves deno-

minadas lsquoleituras dinacircmicasrsquo Isto por duas razotildees De um

lado porque se trata de um niacutevel de leitura cujas estrateacute-

gias demandam a interaccedilatildeo deliberada do leitor com as

ideias do autor Nesse sentido o leitor tem oportunidadede comparar as ideias contidas no texto com suas expec-

tativas iniciais De outro lado porque a obtenccedilatildeo de um

maacuteximo de informaccedilotildees em tempo miacutenimo natildeo constitui

um 1047297m em si mesmo mas antes a continuidade de um

processo metacognitivo3 Essa continuidade encontra-se

em consonacircncia com as demais atividades mentais asso-

ciadas aos niacuteveis de leitura subsequentes quais sejam a

leitura analiacutetica e a leitura criacutetica

A leitura analiacutetica envolve um processo de decom-

por um todo em suas partes e sobretudo uma habilidade

mental para identi1047297car a ideia principal de cada unidade

paragraacute1047297ca e suas relaccedilotildees dentro do texto O processo

de anaacutelise de um texto exige a conjugaccedilatildeo das atividades

cognitivas de estruturaccedilatildeo e de loacutegica Enquanto a leitura

exploratoacuteria favorece a compreensatildeo do texto em sua glo-

balidade a leitura analiacutetica permite de modo particular

a apreensatildeo do plano seguido pelo autor Para tanto haacute

que se levar em conta aleacutem das etapas observadas duran-

te a leitura inspecional o seguinte um autor geralmenteinforma explica interpreta discute e prediz Mas pode

tambeacutem impressionar emocionar e ateacute mesmo seduzir

durante o processo de leitura como se poderaacute constatar

mais adiante A operaccedilatildeo de decompor um todo em suas

partes num movimento de descontextualizaccedilatildeo e recon-

textualizaccedilatildeo de ideias perpassa todo o processo de leitu-

3 O termo metacognitivo eacute aqui utilizado no sentido de

controle consciente do conhecimento em oposiccedilatildeo aconhecimento automaacutetico ou inconsciente conforme sugereMary Kato (1987 p 101-102)

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Margens de sentido(s) nas aacuteguas textuais e discursivas

ra analiacutetica como se fosse um mecanismo de radiogra1047297a

Na realidade a identi1047297caccedilatildeo de qualquer estrutura impli-

ca encontrar os elementos concretos que a integram bem

como suas redes de conexatildeo No caso de uma estrutura

textual cuja rede enlaccedila elementos linguiacutesticos e discur-

sivos dispostos respectivamente em termos de conecti-

vidade sequencial e conectividade conceptual detectaacute-la

equivale a abstrair sobretudo os elementos conceptuais

que permitem radiografar semanticamente o texto

A leitura criacutetica eacute um dos niacuteveis de leitura em que

o ato de ler pressupotildee um senso acurado de julgamento

uma capacidade de analisar situaccedilotildees ou aspectos de uma

realidade sem se deixar levar pelas primeiras impressotildees

Um leitor dotado de senso criacutetico eacute aquele que examina

e em condiccedilotildees propiacutecias avalia atentamente o teor de

veracidade de um dado texto antes de aceitar as ideias ali veiculadas rata-se do leitor que eacute capaz de estabelecer

conclusotildees acerca de ideologias subjacentes agrave intenciona-

lidade do autor bem como de se projetar sobre o texto

completando-o a partir de suas experiecircncias de vida e de

sua bagagem cultural

A cada nova leitura criacutetica de um texto estaacute ligada

a perspectiva da descoberta de novos signi1047297cados natildeo de-

tectados nas leituras anteriores principalmente as signi1047297-

caccedilotildees dos subtendidos e pressupostos impliacutecitos ou sejanatildeo manifestados na superfiacutecie linguiacutestica Novas leituras

implicam atitudes conscientes de busca alimentadas pela

curiosidade intelectual do leitor

Sabe-se que um leitor se distingue de outro na me-

dida de sua capacidade de se monitorar e ao mesmo tem-

po de se entregar durante o ato de leitura o que poderaacute

ser experimentado a seguir

5 Um convite para exerciacutecios de leitura(s)Iniciemos a leitura do texto Rio acima que foi

produzido por um conhecido escritor jornalista humo-

rista e cronista brasileiro

Rio acima

odos os rios levam ao misteacuterio Do Aar ao Zwet-

ti Do Orinoco ao Deseado passando pelo Oiapoque e

pelo Chuiacute Do Negro ao Branco Do Madeira ao Pra-

ta Do Grande ao Chico O das Antas o das Velhas o

dos Macacos o das Mortes O rio da Vida senhoras e

senhores Segurem-se ateacute passarmos as pororocas Aqui

o Amazonas recebe as aacuteguas do seu maior a1047298uente o

Atlacircntico Aqui o Nilo muda de Nome e vira Mediter-

racircneo Por essa boca o Mississipi expeliu Cuba Porto

Rico e todas as ilhas das Caraiacutebas Aqui termina o ejo

e comeccedila o mundo uma obra de Camotildees Aqui comeccedila

o nosso tour

Rio acima Observem como de onde estamos vemos passar as margens de ambos os lados

Engano somos noacutes que passamos Protejam a ca-

beccedila do Sol e meditem sobre a 1047297nitude humana Seraacute ser-

vido um lanche antes de passarmos a faacutebrica de celulose

porque depois ningueacutem conseguiraacute comer Agrave esquerda

uma usina nuclear Vejam os peixes fosforescentes Ve-

jam os banhistas fosforescentes Natildeo ponham a matildeo na

aacutegua se natildeo quiserem perdecirc-la Agrave direita boiando al-

guns mendigos Prisioneiros de matildeos amarradas Vaacuteriosfetos Sapatos Urinoacuteis Pneus Sinais de civilizaccedilatildeo

Uma nota pessoal senhoras e senhores Aquela

casa na margem direita eacute minha inha um coqueiro do

lado que coitado de saudade jaacute morreu e o videoshop

do outro lado claro eacute novo Aquela eacute a minha famiacutelia eaquele menino com aacutegua na cintura abanando para noacutes

sou eu Mas isto tambeacutem jaacute passou Rio acima

O garoto abandonado naquele barco eacute Huckel-

bery Finn Abanem abanem Aquela 1047297gura que acaba

de mergulhar no rio do galho de uma aacutervore eacute arzan

Vejam como um jacareacute se aproxima Os dois se engal1047297-

nham Natildeo se preocupem arzan venceraacute

Na margem direita um lobo e um cordeiro con-

versando Da margem esquerda Joatildeo Guimaratildees Rosacontempla a terceira margem O bebecirc 1047298utuando dentro

da cesta eacute Moiseacutes

Estamos no Rubicatildeo Porcaria pois natildeo Vo-

cecircs notaratildeo que muitos rios histoacutericos natildeo merecem

o nome que tecircm O Danuacutebio veremos mais adiante

natildeo eacute azul O Vermelho eacute marrom O Amarelo eacute cin-

zento O Mekong eacute vermelho de tanto sangue Rio aci-

ma Estamos no acircmisa Agora no Avon Aquele ali na

margem pensativo eacute Shakespeare Vejam no meio dorio rodeada de 1047298ores mantida agrave tona pelas suas vestes

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O texto acima jaacute de iniacutecio permite-nos chamar a

atenccedilatildeo do leitor natildeo soacute pelo complexo e ao mesmo tem-

po sugestivo tour histoacuterico anunciado no primeiro paraacute-

grafo mas tambeacutem pela posiccedilatildeo de Luis Fernando Veriacutes-

simo em seu papel de escritor jornalista (ou jornalista es-

critor) em termos de sua contribuiccedilatildeo a um suporte midi-

aacutetico no caso a Revista VEJA ediccedilatildeo 1073 ano 22 nordm 13

publicada em 29 de marccedilo de 1989 Cabe aqui esclarecer

que as duas setas tipograacute1047297cas foram acrescentadas agrave mar-gem do texto somente para sinalizar os rumos baacutesicos da

leitura que demanda por sua vez uma seacuterie complexa de

atos separados ais atos podem ser associados conforme

Silva (1997) aos seguintes tipos de atividades cognitivas

atividade perceptiva relacionada a uma capacidade

raacutepida e precisa de busca de informaccedilotildees para a identi1047297-

caccedilatildeo do todo

atividade visual-espacial ligada simultaneamente agrave

visatildeo e ao espaccedilo sendo este uacuteltimo associado agrave ideia delugar superfiacutecie e distacircncia

atividade de estruturaccedilatildeo vinculada agrave identi1047297caccedilatildeo

de estruturas de ideias e argumentos a partir da obser-

vaccedilatildeo de segmentos individuais tais como palavras e ex-

pressotildees

atividade loacutegica mediante a identi1047297caccedilatildeo de cone-

xotildees loacutegicas de ideias ou de fatos histoacutericos associados a

seus respectivos contextos

atividade verbal pertinente agrave captaccedilatildeo de uma palavra

precisa capaz de de1047297nir um objeto uma ideia ou uma accedilatildeo

As duas primeiras atividades elencadas acima satildeo

tiacutepicas da leitura exploratoacuteria enquanto as seguintes con-

cernem agrave leitura analiacutetica Voltemos em par leitora uma

mirada empiacuterica pela superfiacutecie do texto de Veriacutessimo

Em termos de estruturaccedilatildeo textual podemos iden-

ti1047297car o 1047298uxo das ideias do autor assim como sua apre-

sentaccedilatildeo de fatos histoacutericos relativamente conhecidos ndash

seja em contextos situacionais proacuteximos ou em contextos

culturais distantes ndash materializado em unidades frasais e

oracionais em sua maioria justapostas com predomiacutenio

de uma coordenaccedilatildeo simples parataacutetica Observa-se o

saber gramatical atrelado agrave criatividade no uso da lingua-

gem cuja magnitude se evidencia na dimensatildeo dialoacutegica

Ressalte-se a intertextualidade marcada pela presenccedila

constante de vozes de outros textos a guiarem pela voz

do autor atitudes de reconhecimento dos interlocutores

ou melhor participantes do ldquotourrdquo tecido com engenho e

arte ainda que bem longe do estilo camonianoPode-se a1047297rmar que antes mesmo de seduzir

o texto impressiona pela tessitura simples e ao mesmo

tempo tatildeo carregada de motivos para a aceitabilidade do

leitor mais criacutetico que existe Observe-se ainda que natildeo

haacute conectores loacutegicos de subordinaccedilatildeo ao longo dos pe-

riacuteodos enxutos que compotildeem cada paraacutegrafo Mas a co-

nectividade conceptual (semacircntica) predomina e garante

a tessitura do texto o que con1047297rma ser a coerecircncia a pro-

priedade mais relevante em um texto Em poucas pala-

vras existem textos sem coesatildeo mas natildeo existem textos

sem coerecircncia propriedade que depende da (re)accedilatildeo do

in1047298adas a doce Ofeacutelia Abanem abanem Eu natildeo dis-

se que este tour tinha de tudo Agora preparem suas

cacircmeras Ai vem na sua barcaccedila imperial Cleoacutepatra

descendo o Nilo Rio acima Estamos no Reno no Poacute

no Yang-tze no Satildeo Francisco no igre no Eufrates

no Volga no Jordatildeo Aquela cena vocecircs certamente vatildeo querer fotografar Joatildeo Batista batizando Jesus

Estamos no Ganges onde os vivos despejam os seus

mortos e depois se lavam O rio eacute sempre o mesmo A

aacutegua que puri1047297ca eacute a mesma que recebe o esgoto aacutecido

A aacutegua que mata a sede eacute a mesma que afoga a que

passa e a que natildeo passa

O rio eacute a Portela Agrave direita Paulinho da Viola

Aquela cabecinha de nadador ali eacute a do Mao

Galhos troncos casas gado canoas viradas

quatro com timatildeo e sem timatildeo ndash e uma faacutebrica inteira

rebocada do Japatildeo

As aacuteguas comeccedilam a 1047297car lodosas As grandes

aacutervores se tocam sobre o rio Estamos no Congo a ca-

minho do coraccedilatildeo das trevas Da fonte obscura de tudo

Mistash Kurtz he dead O cheiro azedo de limo e foacutes-

seis O horror o horror O mar estaacute longe chegamos a

nossa vertente E a origem de tudo natildeo eacute misteacuterio eacute um

buraco no chatildeo Haacute outros rios debaixo destes e eacute para

laacute que vamos um dia Rio abaixo A gorjeta eacute voluntaacuteria

obrigado

VERIacuteSSIMO Luis Fernando

Revista VEJA 29 de marccedilo de 1989

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interlocutor para atribuir sentido(s) a textos como este

A propoacutesito falta-nos mergulhar ainda em algumas das

principais perguntas de quem se debruccedila em uma anaacutelise

criacutetica

Conforme sugere David Carraher (1987 p 127)

a) O que estaacute sendo a1047297rmado

b) Quais as principais questotildees envolvidas

c) O que eacute usado para apoiar as ideias

d) Que informaccedilotildees poderiam ajudar a esclarecer

as questotildees principais

Agraves perguntas destacadas acima pode-se acres-

centar a seguinte qual eacute a ideologia presente no texto em

anaacutelise Em estudo recente (Silva 2012 p 17) pondero

que ldquouma estrutura eacute ideoloacutegica na medida em que podeou natildeo corresponder agrave perspectiva doa produtora ou

doa leitorardquo Considero pertinente evocar aqui as pala-

vras de Guimaratildees (2009 p 108) para quem ldquoa ideologia

de1047297ne-se portanto como expressatildeo de uma tomada de

posiccedilatildeo determinada con1047297gurando-se por isso como

condiccedilatildeo essencial na relaccedilatildeo mundolinguagemrdquo Nessa

perspectiva vale chamar a atenccedilatildeo para o modo com que

as informaccedilotildees satildeo apresentadas ao longo do texto em

questatildeo Ainda que despidas de um estilo argumentativo

as ideias satildeo apresentadas revestidas de uma espeacutecie de

valor ou estatuto de verdade Aleacutem disso satildeo ideias ma-

tizadas por um pendor atitudinal do autor que envolve o

leitor a partir de sua visatildeo criacutetica do mundo

Por outro lado os temas tangenciados ainda que

de maneira literaacuteria ao longo do texto - tais como pro-

blemas de poluiccedilatildeo e agressatildeo respectivamente ao meio

ambiente e ao ser humano - continuam ao lado de toda a

beleza que ainda existe na histoacuteria das aacuteguas quando na-

vegamos rio acima ou abaixo atraveacutes dos tempos Aleacutemdo mais as questotildees enfocadas evocam o que sugere Frei-

re (1981 p 11-12) ldquolinguagem e realidade se prendem de

maneira dinacircmicardquo

Em poucas palavras acabamos de assistir agora

em 2012 o encontro do ldquoRio + Vinterdquo evento que soacute vai

acontecer outra vez daqui a vinte anos Cabe aqui tra-

ccedilar um paralelo do texto examinado com a conferecircncia

das Naccedilotildees Unidas proferida recentemente em prol do

desenvolvimento sustentaacutevel em meio agrave presenccedila de lide-

ranccedilas de inuacutemeras naccedilotildees Resulta que o meio ambien-

te o ecossistema a biodiversidade a chuva aacutecida o uso

de energia suja - bem como a aacutegua que corre por todos

os rios do planeta antes de desembocar nos sete mares -

continuam a ser enfocados como toacutepicos que sinalizam

ora uma bandeira para ativistas ora uma promessa de

agenda de compromissos poliacutetico-econocircmicos diante

dos apelos direcionados aos paiacuteses ricos que natildeo queremrepartir recursos que lhes sobram ainda que tatildeo cientes

de questotildees complexas tais como a pobreza do presente

ou a escassez de aacutegua e de alimento no futuro proacuteximo

6 Consideraccedilotildees 1047297nais

Ao enfatizar a importacircncia do ato de ler Paulo

Freire (1981 p 20) a1047297rma que ldquoa leitura do mundo pre-

cede a leitura da palavra e a leitura desta implica a con-

tinuidade da leitura daquelerdquo E vai mais longe Aleacutem de

esclarecer que a compreensatildeo de um texto eacute alcanccedilada

mediante sua leitura criacutetica atraveacutes da qual se percebem

as relaccedilotildees dentre o texto e o contexto o educador bra-

sileiro reitera sua proposta ao declarar que ldquoa leitura da

palavra natildeo eacute apenas precedida pela leitura do mundo

mas por uma determinada forma de escrevecirc-lo ou de

reescrevecirc-lordquo quer dizer desdobraacute-lo atraveacutes de uma praacute-

tica engajada de leitura

Por outro lado na esteira dos estudos criacuteticos do

discurso comenta Fairclough (2001 p 265) o seguinte

eacute previsiacutevel que cada vez mais haja expectativade que os analistas de discurso e os linguistasfuncionem como tecnoacutelogos do discurso outornem os resultados de suas pesquisas dispo-niacuteveis a eles

Que as re1047298exotildees aqui apresentadas possam signi-

1047297car uma pequena contribuiccedilatildeo em termos de incentivo

para todos aquelesas que trabalham com textos niacuteveis

de leitura signi1047297cados linguiacutestico-discursivos en1047297mcom a linguagem como praacutetica social

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Mas resulta que a linguagem verbal eacute linear no es-

paccedilo (modalidade escrita) e linear no tempo (modalidade

oral) Nessa perspectiva enquanto nas entrelinhas de um

texto escrito encontram-se os espaccedilos em branco pode-

mos sugerir que nas fronteiras de um texto falado encon-

tramos espaccedilos de silecircncio demarcados nas pausas Nasentrelinhas ou nas fronteiras de um texto encontram-se

pois inuacutemeros espaccedilos prontos para serem preenchidos

por aquele leitorouvinte que na condiccedilatildeo de ldquocarteiro-via-

janterdquo estiver disposto a assumir o seu verdadeiro papel de

interlocutor ao navegar rio abaixo (ou rio acima) nas aacuteguas

de sentido(s) de um discurso materializado em texto

Natildeo se trata de uma viagem relaxada jaacute que se haacute

de levar em conta todas as conexotildees possiacuteveis na super-

fiacutecie das aacuteguas textuais que funcionam como pistas refe-

renciais ou como uma espeacutecie de acircncoras inclusive de

natureza semacircntica e pragmaacutetica dispostas nas margens

de sentido(s) de um textodiscurso rata-se de uma bus-

ca de modos de processamento que conduzem a pistas

de um processo (discurso) balizadas agraves margens de um

produto (texto) o que seraacute tratado a seguir

3 Os requisitos da textualidade

Cabe aqui mencionar que essa viagem requer co-nhecimento de uma seacuterie de requisitos que uma manifes-

taccedilatildeo linguiacutestica humana deve possuir para se con1047297gurar

como texto rata-se da denominada lsquotextualidadersquo cate-

goria que na proposta de Halliday amp Hasan (1976) bem

como na de Beaugrande e Dressler (1981) equivale a um

conjunto de propriedades que datildeo lsquotessiturarsquo a qualquer

texto Ao discutir a textualidade a linguista brasileira Eli-

sa Guimaratildees (2009) comenta o seguinte

Obras claacutessicas no campo da Linguiacutestica extu-

al focalizam natildeo o texto (produto) mas a formade enunciaccedilatildeo textual (processo) concebendopois a textualidade como modo de processa-mento e natildeo conjunto de propriedades ineren-tes ao texto reduzido a sua dimensatildeo de produ-

to (GUIMARAtildeES 2009 p 12)

Eacute justamente com enfoque no processamento

que a exemplo de Guimaratildees (2009) inscrevemo-nos na

perspectiva mencionada acima Um texto eacute um evento

comunicativo e ao mesmo tempo um instrumento de

interaccedilatildeo que costuma envolver sete dimensotildees constitu-

tivas coesatildeo coerecircncia intencionalidade aceitabilidade

situacionalidade informatividade e intertextualidade

rata-se de um elenco de princiacutepios ou uma espeacutecie de

normas de boa formaccedilatildeo que um texto deve possuir para

ser considerado como tal (BEAUGRANDE DRESSLER

1981 KOCH RAVAGLIA 1989) Consideremos ainda

que de maneira sucinta os modos de processamento as-

sociados a cada um dos princiacutepios mencionados

coesatildeo ndash dimensatildeo que caracteriza a maneira pela

qual os elementos da superfiacutecie textual (segmentos lin-

guiacutesticos) se conectam mutuamente em uma sequecircncia

coerecircncia ndash dimensatildeo que concerne agrave maneira pela

qual os componentes do mundo textual (palavras e ora-

ccedilotildees conceitos e relaccedilotildees subjacentes agrave estrutura textual)

compotildeem um todo signi1047297cativo com uma situaccedilatildeo de in-

terlocuccedilatildeo mantida pela constacircncia de sentido(s)

intencionalidade ndash designa a propriedade que con-cerne agraves atitudes do locutor qual seja a intenccedilatildeo de que

a mensagem tenha comunicabilidade possa impressionar

e em condiccedilotildees contextuais propiacutecias ateacute mesmo con-

vencer (pela razatildeo) ou persuadir (pela emoccedilatildeo) o inter-

locutor

aceitabilidade ndash concerne agrave atitude de reconheci-

mento do interlocutor mediante a qual uma determinada

con1047297guraccedilatildeo de segmentos linguiacutestico-discursivos pode

ser considerada coesa e coerente

situacionalidade ndash tem a ver com fatores ou nor-

mas sociais que fazem com que um texto seja relevante

para uma determinada situaccedilatildeo o que o torna apropriado

ou adequado

informatividade ndash trata-se do princiacutepio que trans-

parece em que medida as informaccedilotildees veiculadas num

texto satildeo esperadas ou natildeo previsiacuteveis ou imprevisiacuteveis

o que envolve o seguinte paracircmetro quanto maior a pre-

visibilidade de um texto menor seraacute o seu grau de infor-

matividade e vice-versa

intertextualidade ndash caracteriacutestica que pode ser vis-

ta a partir de dois prismas enquanto por um lado tem-

-se a relaccedilatildeo de um texto com outros textos nos quais ele

nasce e para os quais ele aponta por outro lado existe

sempre a possibilidade de o relacionar com suas paraacutefra-

ses jaacute que eacute possiacutevel encontrar num texto um conjunto de

textos possiacuteveis

Ao atuarem juntos esses princiacutepios (ou normas)

favorecem a textualidade De acordo com Guimaratildees

(2009 p 24) ldquoas normas de textualidade mais oacutebvias satildeo a

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coesatildeo que se manifesta na superfiacutecie textual e a coerecircn-

cia que subjaz no interior do textordquo2 Mas cabe aqui regis-

trar o pensamento de Marcuschi (2008 p 122) para quem

ldquoa coerecircncia eacute um aspecto fundante da tex-tualidade e natildeo resultante dela Eacute assim que acoerecircncia estaacute muito mais na mente do leitor e

no ponto de vista do receptor do texto que nointerior das formas textuaisrdquo

Dois aspectos merecem ser destacados ainda

para a compreensatildeo de texto e textualidade Por um lado

as propriedades elencadas anteriormente con1047297rmam que

o texto eacute lugar e representaccedilatildeo fiacutesica da linguagem espa-

ccedilo de interaccedilatildeo horizonte de signi1047297caccedilatildeo e sobretudo de

ldquojogos de sentidosrdquo conforme sugere Eni Orlandi (1996)

Por outro lado um texto em si natildeo passa de uma

virtualidade de uma peccedila com um mecanismo incom-

pleto cuja ativaccedilatildeo depende de um sujeito leitorouvinte

pronto para interagir com o sujeito autorlocutor perfa-

zendo e construindo os diversos caminhos semacircnticos da

linguagem no processo de interpretaccedilatildeo Eacute pois nesse

sentido que se pode reconhecer o texto como um objeto

virtual e a leitura como um caminho semacircntico de atua-

lizaccedilatildeo trilhado por um sujeito-leitor consciente de seu

papel de co-autor de um discurso niacutevel que faz da liacutengua

um contrato social (SILVA 2005)

Em termos de potencialidade pode haver em umtexto diversos niacuteveis de signi1047297cados ou seja aleacutem de um

sentido expliacutecito eacute possiacutevel encontrar-se toda uma gama

de sentidos impliacutecitos ligados agrave intencionalidade de

quem o escreveu Nas palavras de Umberto Eco (1986 p

36) ldquoum texto distingue-se de outros tipos de expressatildeo

por sua maior complexidaderdquo E o motivo dessa comple-

xidade sempre segundo o referido autor eacute justamente o

fato de um texto ser entremeado do ldquonatildeo-ditordquo

4 Niacuteveis de leitura

Assim como existem niacuteveis de signi1047297cados em

um texto existem vaacuterios niacuteveis de leitura ativa dentre os

quais se destacam trecircs a leitura exploratoacuteria a analiacutetica e

a criacutetica (ADLER DOREN 1974) A leitura exploratoacuteria

eacute aquela que se faz de maneira obliacutequa quando se busca

um maacuteximo de informaccedilatildeo num miacutenimo de tempo com

vistas agrave apreensatildeo do teor global de um texto Sua realiza-

2 Grifos da autora citada

ccedilatildeo permite levantar informaccedilotildees que conduzem agrave ideia

central por meio dos seguintes procedimentos raacutepida

leitura do tiacutetulo introduccedilatildeo e conclusatildeo sem perder de

vista a distribuiccedilatildeo graacute1047297ca do texto o nome do autor data

e fonte de publicaccedilatildeo bem como outros segmentos em

destaque Concomitante a esses procedimentos de leitura

inspecional deve-se formular expectativas acerca do con-

teuacutedo mediante a busca de pistas textuais que permitem

aproximar respostas agrave pergunta do que trata o texto como

um todo

Cabe aqui esclarecer que a leitura exploratoacuteria vai

mais aleacutem de um simples mecanismo pertinente agraves deno-

minadas lsquoleituras dinacircmicasrsquo Isto por duas razotildees De um

lado porque se trata de um niacutevel de leitura cujas estrateacute-

gias demandam a interaccedilatildeo deliberada do leitor com as

ideias do autor Nesse sentido o leitor tem oportunidadede comparar as ideias contidas no texto com suas expec-

tativas iniciais De outro lado porque a obtenccedilatildeo de um

maacuteximo de informaccedilotildees em tempo miacutenimo natildeo constitui

um 1047297m em si mesmo mas antes a continuidade de um

processo metacognitivo3 Essa continuidade encontra-se

em consonacircncia com as demais atividades mentais asso-

ciadas aos niacuteveis de leitura subsequentes quais sejam a

leitura analiacutetica e a leitura criacutetica

A leitura analiacutetica envolve um processo de decom-

por um todo em suas partes e sobretudo uma habilidade

mental para identi1047297car a ideia principal de cada unidade

paragraacute1047297ca e suas relaccedilotildees dentro do texto O processo

de anaacutelise de um texto exige a conjugaccedilatildeo das atividades

cognitivas de estruturaccedilatildeo e de loacutegica Enquanto a leitura

exploratoacuteria favorece a compreensatildeo do texto em sua glo-

balidade a leitura analiacutetica permite de modo particular

a apreensatildeo do plano seguido pelo autor Para tanto haacute

que se levar em conta aleacutem das etapas observadas duran-

te a leitura inspecional o seguinte um autor geralmenteinforma explica interpreta discute e prediz Mas pode

tambeacutem impressionar emocionar e ateacute mesmo seduzir

durante o processo de leitura como se poderaacute constatar

mais adiante A operaccedilatildeo de decompor um todo em suas

partes num movimento de descontextualizaccedilatildeo e recon-

textualizaccedilatildeo de ideias perpassa todo o processo de leitu-

3 O termo metacognitivo eacute aqui utilizado no sentido de

controle consciente do conhecimento em oposiccedilatildeo aconhecimento automaacutetico ou inconsciente conforme sugereMary Kato (1987 p 101-102)

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ra analiacutetica como se fosse um mecanismo de radiogra1047297a

Na realidade a identi1047297caccedilatildeo de qualquer estrutura impli-

ca encontrar os elementos concretos que a integram bem

como suas redes de conexatildeo No caso de uma estrutura

textual cuja rede enlaccedila elementos linguiacutesticos e discur-

sivos dispostos respectivamente em termos de conecti-

vidade sequencial e conectividade conceptual detectaacute-la

equivale a abstrair sobretudo os elementos conceptuais

que permitem radiografar semanticamente o texto

A leitura criacutetica eacute um dos niacuteveis de leitura em que

o ato de ler pressupotildee um senso acurado de julgamento

uma capacidade de analisar situaccedilotildees ou aspectos de uma

realidade sem se deixar levar pelas primeiras impressotildees

Um leitor dotado de senso criacutetico eacute aquele que examina

e em condiccedilotildees propiacutecias avalia atentamente o teor de

veracidade de um dado texto antes de aceitar as ideias ali veiculadas rata-se do leitor que eacute capaz de estabelecer

conclusotildees acerca de ideologias subjacentes agrave intenciona-

lidade do autor bem como de se projetar sobre o texto

completando-o a partir de suas experiecircncias de vida e de

sua bagagem cultural

A cada nova leitura criacutetica de um texto estaacute ligada

a perspectiva da descoberta de novos signi1047297cados natildeo de-

tectados nas leituras anteriores principalmente as signi1047297-

caccedilotildees dos subtendidos e pressupostos impliacutecitos ou sejanatildeo manifestados na superfiacutecie linguiacutestica Novas leituras

implicam atitudes conscientes de busca alimentadas pela

curiosidade intelectual do leitor

Sabe-se que um leitor se distingue de outro na me-

dida de sua capacidade de se monitorar e ao mesmo tem-

po de se entregar durante o ato de leitura o que poderaacute

ser experimentado a seguir

5 Um convite para exerciacutecios de leitura(s)Iniciemos a leitura do texto Rio acima que foi

produzido por um conhecido escritor jornalista humo-

rista e cronista brasileiro

Rio acima

odos os rios levam ao misteacuterio Do Aar ao Zwet-

ti Do Orinoco ao Deseado passando pelo Oiapoque e

pelo Chuiacute Do Negro ao Branco Do Madeira ao Pra-

ta Do Grande ao Chico O das Antas o das Velhas o

dos Macacos o das Mortes O rio da Vida senhoras e

senhores Segurem-se ateacute passarmos as pororocas Aqui

o Amazonas recebe as aacuteguas do seu maior a1047298uente o

Atlacircntico Aqui o Nilo muda de Nome e vira Mediter-

racircneo Por essa boca o Mississipi expeliu Cuba Porto

Rico e todas as ilhas das Caraiacutebas Aqui termina o ejo

e comeccedila o mundo uma obra de Camotildees Aqui comeccedila

o nosso tour

Rio acima Observem como de onde estamos vemos passar as margens de ambos os lados

Engano somos noacutes que passamos Protejam a ca-

beccedila do Sol e meditem sobre a 1047297nitude humana Seraacute ser-

vido um lanche antes de passarmos a faacutebrica de celulose

porque depois ningueacutem conseguiraacute comer Agrave esquerda

uma usina nuclear Vejam os peixes fosforescentes Ve-

jam os banhistas fosforescentes Natildeo ponham a matildeo na

aacutegua se natildeo quiserem perdecirc-la Agrave direita boiando al-

guns mendigos Prisioneiros de matildeos amarradas Vaacuteriosfetos Sapatos Urinoacuteis Pneus Sinais de civilizaccedilatildeo

Uma nota pessoal senhoras e senhores Aquela

casa na margem direita eacute minha inha um coqueiro do

lado que coitado de saudade jaacute morreu e o videoshop

do outro lado claro eacute novo Aquela eacute a minha famiacutelia eaquele menino com aacutegua na cintura abanando para noacutes

sou eu Mas isto tambeacutem jaacute passou Rio acima

O garoto abandonado naquele barco eacute Huckel-

bery Finn Abanem abanem Aquela 1047297gura que acaba

de mergulhar no rio do galho de uma aacutervore eacute arzan

Vejam como um jacareacute se aproxima Os dois se engal1047297-

nham Natildeo se preocupem arzan venceraacute

Na margem direita um lobo e um cordeiro con-

versando Da margem esquerda Joatildeo Guimaratildees Rosacontempla a terceira margem O bebecirc 1047298utuando dentro

da cesta eacute Moiseacutes

Estamos no Rubicatildeo Porcaria pois natildeo Vo-

cecircs notaratildeo que muitos rios histoacutericos natildeo merecem

o nome que tecircm O Danuacutebio veremos mais adiante

natildeo eacute azul O Vermelho eacute marrom O Amarelo eacute cin-

zento O Mekong eacute vermelho de tanto sangue Rio aci-

ma Estamos no acircmisa Agora no Avon Aquele ali na

margem pensativo eacute Shakespeare Vejam no meio dorio rodeada de 1047298ores mantida agrave tona pelas suas vestes

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O texto acima jaacute de iniacutecio permite-nos chamar a

atenccedilatildeo do leitor natildeo soacute pelo complexo e ao mesmo tem-

po sugestivo tour histoacuterico anunciado no primeiro paraacute-

grafo mas tambeacutem pela posiccedilatildeo de Luis Fernando Veriacutes-

simo em seu papel de escritor jornalista (ou jornalista es-

critor) em termos de sua contribuiccedilatildeo a um suporte midi-

aacutetico no caso a Revista VEJA ediccedilatildeo 1073 ano 22 nordm 13

publicada em 29 de marccedilo de 1989 Cabe aqui esclarecer

que as duas setas tipograacute1047297cas foram acrescentadas agrave mar-gem do texto somente para sinalizar os rumos baacutesicos da

leitura que demanda por sua vez uma seacuterie complexa de

atos separados ais atos podem ser associados conforme

Silva (1997) aos seguintes tipos de atividades cognitivas

atividade perceptiva relacionada a uma capacidade

raacutepida e precisa de busca de informaccedilotildees para a identi1047297-

caccedilatildeo do todo

atividade visual-espacial ligada simultaneamente agrave

visatildeo e ao espaccedilo sendo este uacuteltimo associado agrave ideia delugar superfiacutecie e distacircncia

atividade de estruturaccedilatildeo vinculada agrave identi1047297caccedilatildeo

de estruturas de ideias e argumentos a partir da obser-

vaccedilatildeo de segmentos individuais tais como palavras e ex-

pressotildees

atividade loacutegica mediante a identi1047297caccedilatildeo de cone-

xotildees loacutegicas de ideias ou de fatos histoacutericos associados a

seus respectivos contextos

atividade verbal pertinente agrave captaccedilatildeo de uma palavra

precisa capaz de de1047297nir um objeto uma ideia ou uma accedilatildeo

As duas primeiras atividades elencadas acima satildeo

tiacutepicas da leitura exploratoacuteria enquanto as seguintes con-

cernem agrave leitura analiacutetica Voltemos em par leitora uma

mirada empiacuterica pela superfiacutecie do texto de Veriacutessimo

Em termos de estruturaccedilatildeo textual podemos iden-

ti1047297car o 1047298uxo das ideias do autor assim como sua apre-

sentaccedilatildeo de fatos histoacutericos relativamente conhecidos ndash

seja em contextos situacionais proacuteximos ou em contextos

culturais distantes ndash materializado em unidades frasais e

oracionais em sua maioria justapostas com predomiacutenio

de uma coordenaccedilatildeo simples parataacutetica Observa-se o

saber gramatical atrelado agrave criatividade no uso da lingua-

gem cuja magnitude se evidencia na dimensatildeo dialoacutegica

Ressalte-se a intertextualidade marcada pela presenccedila

constante de vozes de outros textos a guiarem pela voz

do autor atitudes de reconhecimento dos interlocutores

ou melhor participantes do ldquotourrdquo tecido com engenho e

arte ainda que bem longe do estilo camonianoPode-se a1047297rmar que antes mesmo de seduzir

o texto impressiona pela tessitura simples e ao mesmo

tempo tatildeo carregada de motivos para a aceitabilidade do

leitor mais criacutetico que existe Observe-se ainda que natildeo

haacute conectores loacutegicos de subordinaccedilatildeo ao longo dos pe-

riacuteodos enxutos que compotildeem cada paraacutegrafo Mas a co-

nectividade conceptual (semacircntica) predomina e garante

a tessitura do texto o que con1047297rma ser a coerecircncia a pro-

priedade mais relevante em um texto Em poucas pala-

vras existem textos sem coesatildeo mas natildeo existem textos

sem coerecircncia propriedade que depende da (re)accedilatildeo do

in1047298adas a doce Ofeacutelia Abanem abanem Eu natildeo dis-

se que este tour tinha de tudo Agora preparem suas

cacircmeras Ai vem na sua barcaccedila imperial Cleoacutepatra

descendo o Nilo Rio acima Estamos no Reno no Poacute

no Yang-tze no Satildeo Francisco no igre no Eufrates

no Volga no Jordatildeo Aquela cena vocecircs certamente vatildeo querer fotografar Joatildeo Batista batizando Jesus

Estamos no Ganges onde os vivos despejam os seus

mortos e depois se lavam O rio eacute sempre o mesmo A

aacutegua que puri1047297ca eacute a mesma que recebe o esgoto aacutecido

A aacutegua que mata a sede eacute a mesma que afoga a que

passa e a que natildeo passa

O rio eacute a Portela Agrave direita Paulinho da Viola

Aquela cabecinha de nadador ali eacute a do Mao

Galhos troncos casas gado canoas viradas

quatro com timatildeo e sem timatildeo ndash e uma faacutebrica inteira

rebocada do Japatildeo

As aacuteguas comeccedilam a 1047297car lodosas As grandes

aacutervores se tocam sobre o rio Estamos no Congo a ca-

minho do coraccedilatildeo das trevas Da fonte obscura de tudo

Mistash Kurtz he dead O cheiro azedo de limo e foacutes-

seis O horror o horror O mar estaacute longe chegamos a

nossa vertente E a origem de tudo natildeo eacute misteacuterio eacute um

buraco no chatildeo Haacute outros rios debaixo destes e eacute para

laacute que vamos um dia Rio abaixo A gorjeta eacute voluntaacuteria

obrigado

VERIacuteSSIMO Luis Fernando

Revista VEJA 29 de marccedilo de 1989

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interlocutor para atribuir sentido(s) a textos como este

A propoacutesito falta-nos mergulhar ainda em algumas das

principais perguntas de quem se debruccedila em uma anaacutelise

criacutetica

Conforme sugere David Carraher (1987 p 127)

a) O que estaacute sendo a1047297rmado

b) Quais as principais questotildees envolvidas

c) O que eacute usado para apoiar as ideias

d) Que informaccedilotildees poderiam ajudar a esclarecer

as questotildees principais

Agraves perguntas destacadas acima pode-se acres-

centar a seguinte qual eacute a ideologia presente no texto em

anaacutelise Em estudo recente (Silva 2012 p 17) pondero

que ldquouma estrutura eacute ideoloacutegica na medida em que podeou natildeo corresponder agrave perspectiva doa produtora ou

doa leitorardquo Considero pertinente evocar aqui as pala-

vras de Guimaratildees (2009 p 108) para quem ldquoa ideologia

de1047297ne-se portanto como expressatildeo de uma tomada de

posiccedilatildeo determinada con1047297gurando-se por isso como

condiccedilatildeo essencial na relaccedilatildeo mundolinguagemrdquo Nessa

perspectiva vale chamar a atenccedilatildeo para o modo com que

as informaccedilotildees satildeo apresentadas ao longo do texto em

questatildeo Ainda que despidas de um estilo argumentativo

as ideias satildeo apresentadas revestidas de uma espeacutecie de

valor ou estatuto de verdade Aleacutem disso satildeo ideias ma-

tizadas por um pendor atitudinal do autor que envolve o

leitor a partir de sua visatildeo criacutetica do mundo

Por outro lado os temas tangenciados ainda que

de maneira literaacuteria ao longo do texto - tais como pro-

blemas de poluiccedilatildeo e agressatildeo respectivamente ao meio

ambiente e ao ser humano - continuam ao lado de toda a

beleza que ainda existe na histoacuteria das aacuteguas quando na-

vegamos rio acima ou abaixo atraveacutes dos tempos Aleacutemdo mais as questotildees enfocadas evocam o que sugere Frei-

re (1981 p 11-12) ldquolinguagem e realidade se prendem de

maneira dinacircmicardquo

Em poucas palavras acabamos de assistir agora

em 2012 o encontro do ldquoRio + Vinterdquo evento que soacute vai

acontecer outra vez daqui a vinte anos Cabe aqui tra-

ccedilar um paralelo do texto examinado com a conferecircncia

das Naccedilotildees Unidas proferida recentemente em prol do

desenvolvimento sustentaacutevel em meio agrave presenccedila de lide-

ranccedilas de inuacutemeras naccedilotildees Resulta que o meio ambien-

te o ecossistema a biodiversidade a chuva aacutecida o uso

de energia suja - bem como a aacutegua que corre por todos

os rios do planeta antes de desembocar nos sete mares -

continuam a ser enfocados como toacutepicos que sinalizam

ora uma bandeira para ativistas ora uma promessa de

agenda de compromissos poliacutetico-econocircmicos diante

dos apelos direcionados aos paiacuteses ricos que natildeo queremrepartir recursos que lhes sobram ainda que tatildeo cientes

de questotildees complexas tais como a pobreza do presente

ou a escassez de aacutegua e de alimento no futuro proacuteximo

6 Consideraccedilotildees 1047297nais

Ao enfatizar a importacircncia do ato de ler Paulo

Freire (1981 p 20) a1047297rma que ldquoa leitura do mundo pre-

cede a leitura da palavra e a leitura desta implica a con-

tinuidade da leitura daquelerdquo E vai mais longe Aleacutem de

esclarecer que a compreensatildeo de um texto eacute alcanccedilada

mediante sua leitura criacutetica atraveacutes da qual se percebem

as relaccedilotildees dentre o texto e o contexto o educador bra-

sileiro reitera sua proposta ao declarar que ldquoa leitura da

palavra natildeo eacute apenas precedida pela leitura do mundo

mas por uma determinada forma de escrevecirc-lo ou de

reescrevecirc-lordquo quer dizer desdobraacute-lo atraveacutes de uma praacute-

tica engajada de leitura

Por outro lado na esteira dos estudos criacuteticos do

discurso comenta Fairclough (2001 p 265) o seguinte

eacute previsiacutevel que cada vez mais haja expectativade que os analistas de discurso e os linguistasfuncionem como tecnoacutelogos do discurso outornem os resultados de suas pesquisas dispo-niacuteveis a eles

Que as re1047298exotildees aqui apresentadas possam signi-

1047297car uma pequena contribuiccedilatildeo em termos de incentivo

para todos aquelesas que trabalham com textos niacuteveis

de leitura signi1047297cados linguiacutestico-discursivos en1047297mcom a linguagem como praacutetica social

Referecircncias

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BEAUGRANDE R DRESSLER W Introduction to text

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FAIRCLOUGH N Discurso e mudanccedila social BrasiacuteliaEditora da UnB 2001

FREIRE P A importacircncia do ato de ler Satildeo Paulo Cortez1989

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KOCH IV RAVAGLIA LC Texto e coerecircncia SatildeoPaulo Cortez 1989

KOCH IV Desvendando os segredos do texto Satildeo PauloCortez 2002

KOCH IV O texto e a construccedilatildeo de sentidos Satildeo PauloContexto 1997

LEVY P O que eacute virtual raduccedilatildeo P Neves Satildeo PauloEditora 34 1996

MARCUSCHI LA Produccedilatildeo textual anaacutelise de gecircneros ecompreensatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

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RICOEUR P Preface In REAGAN C (Ed) Studiesin the Philosofy of Paul Ricoeur Athens Ohio OhioUniversity Press 1984

SILVA DEG Da leitura do mundo agrave leitura da palavra In VI Simpoacutesio de Liacutengua e Literatura do UniCEUB - leituradiscurso literatura e educaccedilatildeo Brasiacutelia UniCEUB 2008

SILVA DEG Discurso e gramaacutetica motivaccedilotildeescognitivas e interacionais In SILVA DEG (Org) Nasinstacircncias do discurso uma permeabilidade de fronteirasBrasiacutelia Editora da UnB 2005

SILVA DEG Estudos criacuteticos do discurso no contextobrasileiro por uma rede de transdisciplinaridade Revistaonline de Literatura e Linguiacutestica Recife ano 5 n 9 p 224-

243 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaeutomiacombrgt Acesso em 11 dez 2012

SILVA DEG Produccedilatildeo de leitura texto e textualidadecurso de extensatildeo In IV Foacuterum Permanente de Professores Brasiacutelia Universidade de BrasiacuteliaCESPE 1997

VERIacuteSSIMO Luiacutes Fernando Rio acima Revista Veja SatildeoPaulo ano 22 n 13 p 53 29 mar 1989

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coesatildeo que se manifesta na superfiacutecie textual e a coerecircn-

cia que subjaz no interior do textordquo2 Mas cabe aqui regis-

trar o pensamento de Marcuschi (2008 p 122) para quem

ldquoa coerecircncia eacute um aspecto fundante da tex-tualidade e natildeo resultante dela Eacute assim que acoerecircncia estaacute muito mais na mente do leitor e

no ponto de vista do receptor do texto que nointerior das formas textuaisrdquo

Dois aspectos merecem ser destacados ainda

para a compreensatildeo de texto e textualidade Por um lado

as propriedades elencadas anteriormente con1047297rmam que

o texto eacute lugar e representaccedilatildeo fiacutesica da linguagem espa-

ccedilo de interaccedilatildeo horizonte de signi1047297caccedilatildeo e sobretudo de

ldquojogos de sentidosrdquo conforme sugere Eni Orlandi (1996)

Por outro lado um texto em si natildeo passa de uma

virtualidade de uma peccedila com um mecanismo incom-

pleto cuja ativaccedilatildeo depende de um sujeito leitorouvinte

pronto para interagir com o sujeito autorlocutor perfa-

zendo e construindo os diversos caminhos semacircnticos da

linguagem no processo de interpretaccedilatildeo Eacute pois nesse

sentido que se pode reconhecer o texto como um objeto

virtual e a leitura como um caminho semacircntico de atua-

lizaccedilatildeo trilhado por um sujeito-leitor consciente de seu

papel de co-autor de um discurso niacutevel que faz da liacutengua

um contrato social (SILVA 2005)

Em termos de potencialidade pode haver em umtexto diversos niacuteveis de signi1047297cados ou seja aleacutem de um

sentido expliacutecito eacute possiacutevel encontrar-se toda uma gama

de sentidos impliacutecitos ligados agrave intencionalidade de

quem o escreveu Nas palavras de Umberto Eco (1986 p

36) ldquoum texto distingue-se de outros tipos de expressatildeo

por sua maior complexidaderdquo E o motivo dessa comple-

xidade sempre segundo o referido autor eacute justamente o

fato de um texto ser entremeado do ldquonatildeo-ditordquo

4 Niacuteveis de leitura

Assim como existem niacuteveis de signi1047297cados em

um texto existem vaacuterios niacuteveis de leitura ativa dentre os

quais se destacam trecircs a leitura exploratoacuteria a analiacutetica e

a criacutetica (ADLER DOREN 1974) A leitura exploratoacuteria

eacute aquela que se faz de maneira obliacutequa quando se busca

um maacuteximo de informaccedilatildeo num miacutenimo de tempo com

vistas agrave apreensatildeo do teor global de um texto Sua realiza-

2 Grifos da autora citada

ccedilatildeo permite levantar informaccedilotildees que conduzem agrave ideia

central por meio dos seguintes procedimentos raacutepida

leitura do tiacutetulo introduccedilatildeo e conclusatildeo sem perder de

vista a distribuiccedilatildeo graacute1047297ca do texto o nome do autor data

e fonte de publicaccedilatildeo bem como outros segmentos em

destaque Concomitante a esses procedimentos de leitura

inspecional deve-se formular expectativas acerca do con-

teuacutedo mediante a busca de pistas textuais que permitem

aproximar respostas agrave pergunta do que trata o texto como

um todo

Cabe aqui esclarecer que a leitura exploratoacuteria vai

mais aleacutem de um simples mecanismo pertinente agraves deno-

minadas lsquoleituras dinacircmicasrsquo Isto por duas razotildees De um

lado porque se trata de um niacutevel de leitura cujas estrateacute-

gias demandam a interaccedilatildeo deliberada do leitor com as

ideias do autor Nesse sentido o leitor tem oportunidadede comparar as ideias contidas no texto com suas expec-

tativas iniciais De outro lado porque a obtenccedilatildeo de um

maacuteximo de informaccedilotildees em tempo miacutenimo natildeo constitui

um 1047297m em si mesmo mas antes a continuidade de um

processo metacognitivo3 Essa continuidade encontra-se

em consonacircncia com as demais atividades mentais asso-

ciadas aos niacuteveis de leitura subsequentes quais sejam a

leitura analiacutetica e a leitura criacutetica

A leitura analiacutetica envolve um processo de decom-

por um todo em suas partes e sobretudo uma habilidade

mental para identi1047297car a ideia principal de cada unidade

paragraacute1047297ca e suas relaccedilotildees dentro do texto O processo

de anaacutelise de um texto exige a conjugaccedilatildeo das atividades

cognitivas de estruturaccedilatildeo e de loacutegica Enquanto a leitura

exploratoacuteria favorece a compreensatildeo do texto em sua glo-

balidade a leitura analiacutetica permite de modo particular

a apreensatildeo do plano seguido pelo autor Para tanto haacute

que se levar em conta aleacutem das etapas observadas duran-

te a leitura inspecional o seguinte um autor geralmenteinforma explica interpreta discute e prediz Mas pode

tambeacutem impressionar emocionar e ateacute mesmo seduzir

durante o processo de leitura como se poderaacute constatar

mais adiante A operaccedilatildeo de decompor um todo em suas

partes num movimento de descontextualizaccedilatildeo e recon-

textualizaccedilatildeo de ideias perpassa todo o processo de leitu-

3 O termo metacognitivo eacute aqui utilizado no sentido de

controle consciente do conhecimento em oposiccedilatildeo aconhecimento automaacutetico ou inconsciente conforme sugereMary Kato (1987 p 101-102)

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ra analiacutetica como se fosse um mecanismo de radiogra1047297a

Na realidade a identi1047297caccedilatildeo de qualquer estrutura impli-

ca encontrar os elementos concretos que a integram bem

como suas redes de conexatildeo No caso de uma estrutura

textual cuja rede enlaccedila elementos linguiacutesticos e discur-

sivos dispostos respectivamente em termos de conecti-

vidade sequencial e conectividade conceptual detectaacute-la

equivale a abstrair sobretudo os elementos conceptuais

que permitem radiografar semanticamente o texto

A leitura criacutetica eacute um dos niacuteveis de leitura em que

o ato de ler pressupotildee um senso acurado de julgamento

uma capacidade de analisar situaccedilotildees ou aspectos de uma

realidade sem se deixar levar pelas primeiras impressotildees

Um leitor dotado de senso criacutetico eacute aquele que examina

e em condiccedilotildees propiacutecias avalia atentamente o teor de

veracidade de um dado texto antes de aceitar as ideias ali veiculadas rata-se do leitor que eacute capaz de estabelecer

conclusotildees acerca de ideologias subjacentes agrave intenciona-

lidade do autor bem como de se projetar sobre o texto

completando-o a partir de suas experiecircncias de vida e de

sua bagagem cultural

A cada nova leitura criacutetica de um texto estaacute ligada

a perspectiva da descoberta de novos signi1047297cados natildeo de-

tectados nas leituras anteriores principalmente as signi1047297-

caccedilotildees dos subtendidos e pressupostos impliacutecitos ou sejanatildeo manifestados na superfiacutecie linguiacutestica Novas leituras

implicam atitudes conscientes de busca alimentadas pela

curiosidade intelectual do leitor

Sabe-se que um leitor se distingue de outro na me-

dida de sua capacidade de se monitorar e ao mesmo tem-

po de se entregar durante o ato de leitura o que poderaacute

ser experimentado a seguir

5 Um convite para exerciacutecios de leitura(s)Iniciemos a leitura do texto Rio acima que foi

produzido por um conhecido escritor jornalista humo-

rista e cronista brasileiro

Rio acima

odos os rios levam ao misteacuterio Do Aar ao Zwet-

ti Do Orinoco ao Deseado passando pelo Oiapoque e

pelo Chuiacute Do Negro ao Branco Do Madeira ao Pra-

ta Do Grande ao Chico O das Antas o das Velhas o

dos Macacos o das Mortes O rio da Vida senhoras e

senhores Segurem-se ateacute passarmos as pororocas Aqui

o Amazonas recebe as aacuteguas do seu maior a1047298uente o

Atlacircntico Aqui o Nilo muda de Nome e vira Mediter-

racircneo Por essa boca o Mississipi expeliu Cuba Porto

Rico e todas as ilhas das Caraiacutebas Aqui termina o ejo

e comeccedila o mundo uma obra de Camotildees Aqui comeccedila

o nosso tour

Rio acima Observem como de onde estamos vemos passar as margens de ambos os lados

Engano somos noacutes que passamos Protejam a ca-

beccedila do Sol e meditem sobre a 1047297nitude humana Seraacute ser-

vido um lanche antes de passarmos a faacutebrica de celulose

porque depois ningueacutem conseguiraacute comer Agrave esquerda

uma usina nuclear Vejam os peixes fosforescentes Ve-

jam os banhistas fosforescentes Natildeo ponham a matildeo na

aacutegua se natildeo quiserem perdecirc-la Agrave direita boiando al-

guns mendigos Prisioneiros de matildeos amarradas Vaacuteriosfetos Sapatos Urinoacuteis Pneus Sinais de civilizaccedilatildeo

Uma nota pessoal senhoras e senhores Aquela

casa na margem direita eacute minha inha um coqueiro do

lado que coitado de saudade jaacute morreu e o videoshop

do outro lado claro eacute novo Aquela eacute a minha famiacutelia eaquele menino com aacutegua na cintura abanando para noacutes

sou eu Mas isto tambeacutem jaacute passou Rio acima

O garoto abandonado naquele barco eacute Huckel-

bery Finn Abanem abanem Aquela 1047297gura que acaba

de mergulhar no rio do galho de uma aacutervore eacute arzan

Vejam como um jacareacute se aproxima Os dois se engal1047297-

nham Natildeo se preocupem arzan venceraacute

Na margem direita um lobo e um cordeiro con-

versando Da margem esquerda Joatildeo Guimaratildees Rosacontempla a terceira margem O bebecirc 1047298utuando dentro

da cesta eacute Moiseacutes

Estamos no Rubicatildeo Porcaria pois natildeo Vo-

cecircs notaratildeo que muitos rios histoacutericos natildeo merecem

o nome que tecircm O Danuacutebio veremos mais adiante

natildeo eacute azul O Vermelho eacute marrom O Amarelo eacute cin-

zento O Mekong eacute vermelho de tanto sangue Rio aci-

ma Estamos no acircmisa Agora no Avon Aquele ali na

margem pensativo eacute Shakespeare Vejam no meio dorio rodeada de 1047298ores mantida agrave tona pelas suas vestes

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O texto acima jaacute de iniacutecio permite-nos chamar a

atenccedilatildeo do leitor natildeo soacute pelo complexo e ao mesmo tem-

po sugestivo tour histoacuterico anunciado no primeiro paraacute-

grafo mas tambeacutem pela posiccedilatildeo de Luis Fernando Veriacutes-

simo em seu papel de escritor jornalista (ou jornalista es-

critor) em termos de sua contribuiccedilatildeo a um suporte midi-

aacutetico no caso a Revista VEJA ediccedilatildeo 1073 ano 22 nordm 13

publicada em 29 de marccedilo de 1989 Cabe aqui esclarecer

que as duas setas tipograacute1047297cas foram acrescentadas agrave mar-gem do texto somente para sinalizar os rumos baacutesicos da

leitura que demanda por sua vez uma seacuterie complexa de

atos separados ais atos podem ser associados conforme

Silva (1997) aos seguintes tipos de atividades cognitivas

atividade perceptiva relacionada a uma capacidade

raacutepida e precisa de busca de informaccedilotildees para a identi1047297-

caccedilatildeo do todo

atividade visual-espacial ligada simultaneamente agrave

visatildeo e ao espaccedilo sendo este uacuteltimo associado agrave ideia delugar superfiacutecie e distacircncia

atividade de estruturaccedilatildeo vinculada agrave identi1047297caccedilatildeo

de estruturas de ideias e argumentos a partir da obser-

vaccedilatildeo de segmentos individuais tais como palavras e ex-

pressotildees

atividade loacutegica mediante a identi1047297caccedilatildeo de cone-

xotildees loacutegicas de ideias ou de fatos histoacutericos associados a

seus respectivos contextos

atividade verbal pertinente agrave captaccedilatildeo de uma palavra

precisa capaz de de1047297nir um objeto uma ideia ou uma accedilatildeo

As duas primeiras atividades elencadas acima satildeo

tiacutepicas da leitura exploratoacuteria enquanto as seguintes con-

cernem agrave leitura analiacutetica Voltemos em par leitora uma

mirada empiacuterica pela superfiacutecie do texto de Veriacutessimo

Em termos de estruturaccedilatildeo textual podemos iden-

ti1047297car o 1047298uxo das ideias do autor assim como sua apre-

sentaccedilatildeo de fatos histoacutericos relativamente conhecidos ndash

seja em contextos situacionais proacuteximos ou em contextos

culturais distantes ndash materializado em unidades frasais e

oracionais em sua maioria justapostas com predomiacutenio

de uma coordenaccedilatildeo simples parataacutetica Observa-se o

saber gramatical atrelado agrave criatividade no uso da lingua-

gem cuja magnitude se evidencia na dimensatildeo dialoacutegica

Ressalte-se a intertextualidade marcada pela presenccedila

constante de vozes de outros textos a guiarem pela voz

do autor atitudes de reconhecimento dos interlocutores

ou melhor participantes do ldquotourrdquo tecido com engenho e

arte ainda que bem longe do estilo camonianoPode-se a1047297rmar que antes mesmo de seduzir

o texto impressiona pela tessitura simples e ao mesmo

tempo tatildeo carregada de motivos para a aceitabilidade do

leitor mais criacutetico que existe Observe-se ainda que natildeo

haacute conectores loacutegicos de subordinaccedilatildeo ao longo dos pe-

riacuteodos enxutos que compotildeem cada paraacutegrafo Mas a co-

nectividade conceptual (semacircntica) predomina e garante

a tessitura do texto o que con1047297rma ser a coerecircncia a pro-

priedade mais relevante em um texto Em poucas pala-

vras existem textos sem coesatildeo mas natildeo existem textos

sem coerecircncia propriedade que depende da (re)accedilatildeo do

in1047298adas a doce Ofeacutelia Abanem abanem Eu natildeo dis-

se que este tour tinha de tudo Agora preparem suas

cacircmeras Ai vem na sua barcaccedila imperial Cleoacutepatra

descendo o Nilo Rio acima Estamos no Reno no Poacute

no Yang-tze no Satildeo Francisco no igre no Eufrates

no Volga no Jordatildeo Aquela cena vocecircs certamente vatildeo querer fotografar Joatildeo Batista batizando Jesus

Estamos no Ganges onde os vivos despejam os seus

mortos e depois se lavam O rio eacute sempre o mesmo A

aacutegua que puri1047297ca eacute a mesma que recebe o esgoto aacutecido

A aacutegua que mata a sede eacute a mesma que afoga a que

passa e a que natildeo passa

O rio eacute a Portela Agrave direita Paulinho da Viola

Aquela cabecinha de nadador ali eacute a do Mao

Galhos troncos casas gado canoas viradas

quatro com timatildeo e sem timatildeo ndash e uma faacutebrica inteira

rebocada do Japatildeo

As aacuteguas comeccedilam a 1047297car lodosas As grandes

aacutervores se tocam sobre o rio Estamos no Congo a ca-

minho do coraccedilatildeo das trevas Da fonte obscura de tudo

Mistash Kurtz he dead O cheiro azedo de limo e foacutes-

seis O horror o horror O mar estaacute longe chegamos a

nossa vertente E a origem de tudo natildeo eacute misteacuterio eacute um

buraco no chatildeo Haacute outros rios debaixo destes e eacute para

laacute que vamos um dia Rio abaixo A gorjeta eacute voluntaacuteria

obrigado

VERIacuteSSIMO Luis Fernando

Revista VEJA 29 de marccedilo de 1989

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Margens de sentido(s) nas aacuteguas textuais e discursivas

interlocutor para atribuir sentido(s) a textos como este

A propoacutesito falta-nos mergulhar ainda em algumas das

principais perguntas de quem se debruccedila em uma anaacutelise

criacutetica

Conforme sugere David Carraher (1987 p 127)

a) O que estaacute sendo a1047297rmado

b) Quais as principais questotildees envolvidas

c) O que eacute usado para apoiar as ideias

d) Que informaccedilotildees poderiam ajudar a esclarecer

as questotildees principais

Agraves perguntas destacadas acima pode-se acres-

centar a seguinte qual eacute a ideologia presente no texto em

anaacutelise Em estudo recente (Silva 2012 p 17) pondero

que ldquouma estrutura eacute ideoloacutegica na medida em que podeou natildeo corresponder agrave perspectiva doa produtora ou

doa leitorardquo Considero pertinente evocar aqui as pala-

vras de Guimaratildees (2009 p 108) para quem ldquoa ideologia

de1047297ne-se portanto como expressatildeo de uma tomada de

posiccedilatildeo determinada con1047297gurando-se por isso como

condiccedilatildeo essencial na relaccedilatildeo mundolinguagemrdquo Nessa

perspectiva vale chamar a atenccedilatildeo para o modo com que

as informaccedilotildees satildeo apresentadas ao longo do texto em

questatildeo Ainda que despidas de um estilo argumentativo

as ideias satildeo apresentadas revestidas de uma espeacutecie de

valor ou estatuto de verdade Aleacutem disso satildeo ideias ma-

tizadas por um pendor atitudinal do autor que envolve o

leitor a partir de sua visatildeo criacutetica do mundo

Por outro lado os temas tangenciados ainda que

de maneira literaacuteria ao longo do texto - tais como pro-

blemas de poluiccedilatildeo e agressatildeo respectivamente ao meio

ambiente e ao ser humano - continuam ao lado de toda a

beleza que ainda existe na histoacuteria das aacuteguas quando na-

vegamos rio acima ou abaixo atraveacutes dos tempos Aleacutemdo mais as questotildees enfocadas evocam o que sugere Frei-

re (1981 p 11-12) ldquolinguagem e realidade se prendem de

maneira dinacircmicardquo

Em poucas palavras acabamos de assistir agora

em 2012 o encontro do ldquoRio + Vinterdquo evento que soacute vai

acontecer outra vez daqui a vinte anos Cabe aqui tra-

ccedilar um paralelo do texto examinado com a conferecircncia

das Naccedilotildees Unidas proferida recentemente em prol do

desenvolvimento sustentaacutevel em meio agrave presenccedila de lide-

ranccedilas de inuacutemeras naccedilotildees Resulta que o meio ambien-

te o ecossistema a biodiversidade a chuva aacutecida o uso

de energia suja - bem como a aacutegua que corre por todos

os rios do planeta antes de desembocar nos sete mares -

continuam a ser enfocados como toacutepicos que sinalizam

ora uma bandeira para ativistas ora uma promessa de

agenda de compromissos poliacutetico-econocircmicos diante

dos apelos direcionados aos paiacuteses ricos que natildeo queremrepartir recursos que lhes sobram ainda que tatildeo cientes

de questotildees complexas tais como a pobreza do presente

ou a escassez de aacutegua e de alimento no futuro proacuteximo

6 Consideraccedilotildees 1047297nais

Ao enfatizar a importacircncia do ato de ler Paulo

Freire (1981 p 20) a1047297rma que ldquoa leitura do mundo pre-

cede a leitura da palavra e a leitura desta implica a con-

tinuidade da leitura daquelerdquo E vai mais longe Aleacutem de

esclarecer que a compreensatildeo de um texto eacute alcanccedilada

mediante sua leitura criacutetica atraveacutes da qual se percebem

as relaccedilotildees dentre o texto e o contexto o educador bra-

sileiro reitera sua proposta ao declarar que ldquoa leitura da

palavra natildeo eacute apenas precedida pela leitura do mundo

mas por uma determinada forma de escrevecirc-lo ou de

reescrevecirc-lordquo quer dizer desdobraacute-lo atraveacutes de uma praacute-

tica engajada de leitura

Por outro lado na esteira dos estudos criacuteticos do

discurso comenta Fairclough (2001 p 265) o seguinte

eacute previsiacutevel que cada vez mais haja expectativade que os analistas de discurso e os linguistasfuncionem como tecnoacutelogos do discurso outornem os resultados de suas pesquisas dispo-niacuteveis a eles

Que as re1047298exotildees aqui apresentadas possam signi-

1047297car uma pequena contribuiccedilatildeo em termos de incentivo

para todos aquelesas que trabalham com textos niacuteveis

de leitura signi1047297cados linguiacutestico-discursivos en1047297mcom a linguagem como praacutetica social

Referecircncias

ADLER M DOREN C van A arte de ler raduccedilatildeo JoseacuteL de Melo Rio de Janeiro Agir 1974

BEAUGRANDE R DRESSLER W Introduction to text

linguistics London Longman 1981

CARRAHER D Senso criacutetico do dia-a dia agraves ciecircnciashumanas Satildeo Paulo Pioneira 1983

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ECO H Lector in fabula Satildeo Paulo Perspectiva 1986

FAIRCLOUGH N Discurso e mudanccedila social BrasiacuteliaEditora da UnB 2001

FREIRE P A importacircncia do ato de ler Satildeo Paulo Cortez1989

GUIMARAtildeES E Texto discurso e ensino Satildeo PauloContexto 2009

HALLIDAY M A K HASAN R Cohesion in Englishenglish language London Longman 1976

KAO M No mundo da escrita uma perspectivapsicolinguiacutestica Satildeo Paulo Aacutetica 1987

KOCH IV RAVAGLIA LC Texto e coerecircncia SatildeoPaulo Cortez 1989

KOCH IV Desvendando os segredos do texto Satildeo PauloCortez 2002

KOCH IV O texto e a construccedilatildeo de sentidos Satildeo PauloContexto 1997

LEVY P O que eacute virtual raduccedilatildeo P Neves Satildeo PauloEditora 34 1996

MARCUSCHI LA Produccedilatildeo textual anaacutelise de gecircneros ecompreensatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

ORLANDI E Interpretaccedilatildeo autoria leitura e efeitos dotrabalho simboacutelico Petroacutepolis Vozes 1996

RICOEUR P Preface In REAGAN C (Ed) Studiesin the Philosofy of Paul Ricoeur Athens Ohio OhioUniversity Press 1984

SILVA DEG Da leitura do mundo agrave leitura da palavra In VI Simpoacutesio de Liacutengua e Literatura do UniCEUB - leituradiscurso literatura e educaccedilatildeo Brasiacutelia UniCEUB 2008

SILVA DEG Discurso e gramaacutetica motivaccedilotildeescognitivas e interacionais In SILVA DEG (Org) Nasinstacircncias do discurso uma permeabilidade de fronteirasBrasiacutelia Editora da UnB 2005

SILVA DEG Estudos criacuteticos do discurso no contextobrasileiro por uma rede de transdisciplinaridade Revistaonline de Literatura e Linguiacutestica Recife ano 5 n 9 p 224-

243 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaeutomiacombrgt Acesso em 11 dez 2012

SILVA DEG Produccedilatildeo de leitura texto e textualidadecurso de extensatildeo In IV Foacuterum Permanente de Professores Brasiacutelia Universidade de BrasiacuteliaCESPE 1997

VERIacuteSSIMO Luiacutes Fernando Rio acima Revista Veja SatildeoPaulo ano 22 n 13 p 53 29 mar 1989

Page 5: Margens de Sentido(s) Nas Águas Textuais e Discursivas

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Margens de sentido(s) nas aacuteguas textuais e discursivas

ra analiacutetica como se fosse um mecanismo de radiogra1047297a

Na realidade a identi1047297caccedilatildeo de qualquer estrutura impli-

ca encontrar os elementos concretos que a integram bem

como suas redes de conexatildeo No caso de uma estrutura

textual cuja rede enlaccedila elementos linguiacutesticos e discur-

sivos dispostos respectivamente em termos de conecti-

vidade sequencial e conectividade conceptual detectaacute-la

equivale a abstrair sobretudo os elementos conceptuais

que permitem radiografar semanticamente o texto

A leitura criacutetica eacute um dos niacuteveis de leitura em que

o ato de ler pressupotildee um senso acurado de julgamento

uma capacidade de analisar situaccedilotildees ou aspectos de uma

realidade sem se deixar levar pelas primeiras impressotildees

Um leitor dotado de senso criacutetico eacute aquele que examina

e em condiccedilotildees propiacutecias avalia atentamente o teor de

veracidade de um dado texto antes de aceitar as ideias ali veiculadas rata-se do leitor que eacute capaz de estabelecer

conclusotildees acerca de ideologias subjacentes agrave intenciona-

lidade do autor bem como de se projetar sobre o texto

completando-o a partir de suas experiecircncias de vida e de

sua bagagem cultural

A cada nova leitura criacutetica de um texto estaacute ligada

a perspectiva da descoberta de novos signi1047297cados natildeo de-

tectados nas leituras anteriores principalmente as signi1047297-

caccedilotildees dos subtendidos e pressupostos impliacutecitos ou sejanatildeo manifestados na superfiacutecie linguiacutestica Novas leituras

implicam atitudes conscientes de busca alimentadas pela

curiosidade intelectual do leitor

Sabe-se que um leitor se distingue de outro na me-

dida de sua capacidade de se monitorar e ao mesmo tem-

po de se entregar durante o ato de leitura o que poderaacute

ser experimentado a seguir

5 Um convite para exerciacutecios de leitura(s)Iniciemos a leitura do texto Rio acima que foi

produzido por um conhecido escritor jornalista humo-

rista e cronista brasileiro

Rio acima

odos os rios levam ao misteacuterio Do Aar ao Zwet-

ti Do Orinoco ao Deseado passando pelo Oiapoque e

pelo Chuiacute Do Negro ao Branco Do Madeira ao Pra-

ta Do Grande ao Chico O das Antas o das Velhas o

dos Macacos o das Mortes O rio da Vida senhoras e

senhores Segurem-se ateacute passarmos as pororocas Aqui

o Amazonas recebe as aacuteguas do seu maior a1047298uente o

Atlacircntico Aqui o Nilo muda de Nome e vira Mediter-

racircneo Por essa boca o Mississipi expeliu Cuba Porto

Rico e todas as ilhas das Caraiacutebas Aqui termina o ejo

e comeccedila o mundo uma obra de Camotildees Aqui comeccedila

o nosso tour

Rio acima Observem como de onde estamos vemos passar as margens de ambos os lados

Engano somos noacutes que passamos Protejam a ca-

beccedila do Sol e meditem sobre a 1047297nitude humana Seraacute ser-

vido um lanche antes de passarmos a faacutebrica de celulose

porque depois ningueacutem conseguiraacute comer Agrave esquerda

uma usina nuclear Vejam os peixes fosforescentes Ve-

jam os banhistas fosforescentes Natildeo ponham a matildeo na

aacutegua se natildeo quiserem perdecirc-la Agrave direita boiando al-

guns mendigos Prisioneiros de matildeos amarradas Vaacuteriosfetos Sapatos Urinoacuteis Pneus Sinais de civilizaccedilatildeo

Uma nota pessoal senhoras e senhores Aquela

casa na margem direita eacute minha inha um coqueiro do

lado que coitado de saudade jaacute morreu e o videoshop

do outro lado claro eacute novo Aquela eacute a minha famiacutelia eaquele menino com aacutegua na cintura abanando para noacutes

sou eu Mas isto tambeacutem jaacute passou Rio acima

O garoto abandonado naquele barco eacute Huckel-

bery Finn Abanem abanem Aquela 1047297gura que acaba

de mergulhar no rio do galho de uma aacutervore eacute arzan

Vejam como um jacareacute se aproxima Os dois se engal1047297-

nham Natildeo se preocupem arzan venceraacute

Na margem direita um lobo e um cordeiro con-

versando Da margem esquerda Joatildeo Guimaratildees Rosacontempla a terceira margem O bebecirc 1047298utuando dentro

da cesta eacute Moiseacutes

Estamos no Rubicatildeo Porcaria pois natildeo Vo-

cecircs notaratildeo que muitos rios histoacutericos natildeo merecem

o nome que tecircm O Danuacutebio veremos mais adiante

natildeo eacute azul O Vermelho eacute marrom O Amarelo eacute cin-

zento O Mekong eacute vermelho de tanto sangue Rio aci-

ma Estamos no acircmisa Agora no Avon Aquele ali na

margem pensativo eacute Shakespeare Vejam no meio dorio rodeada de 1047298ores mantida agrave tona pelas suas vestes

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Denize Elena Garcia da Silva

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O texto acima jaacute de iniacutecio permite-nos chamar a

atenccedilatildeo do leitor natildeo soacute pelo complexo e ao mesmo tem-

po sugestivo tour histoacuterico anunciado no primeiro paraacute-

grafo mas tambeacutem pela posiccedilatildeo de Luis Fernando Veriacutes-

simo em seu papel de escritor jornalista (ou jornalista es-

critor) em termos de sua contribuiccedilatildeo a um suporte midi-

aacutetico no caso a Revista VEJA ediccedilatildeo 1073 ano 22 nordm 13

publicada em 29 de marccedilo de 1989 Cabe aqui esclarecer

que as duas setas tipograacute1047297cas foram acrescentadas agrave mar-gem do texto somente para sinalizar os rumos baacutesicos da

leitura que demanda por sua vez uma seacuterie complexa de

atos separados ais atos podem ser associados conforme

Silva (1997) aos seguintes tipos de atividades cognitivas

atividade perceptiva relacionada a uma capacidade

raacutepida e precisa de busca de informaccedilotildees para a identi1047297-

caccedilatildeo do todo

atividade visual-espacial ligada simultaneamente agrave

visatildeo e ao espaccedilo sendo este uacuteltimo associado agrave ideia delugar superfiacutecie e distacircncia

atividade de estruturaccedilatildeo vinculada agrave identi1047297caccedilatildeo

de estruturas de ideias e argumentos a partir da obser-

vaccedilatildeo de segmentos individuais tais como palavras e ex-

pressotildees

atividade loacutegica mediante a identi1047297caccedilatildeo de cone-

xotildees loacutegicas de ideias ou de fatos histoacutericos associados a

seus respectivos contextos

atividade verbal pertinente agrave captaccedilatildeo de uma palavra

precisa capaz de de1047297nir um objeto uma ideia ou uma accedilatildeo

As duas primeiras atividades elencadas acima satildeo

tiacutepicas da leitura exploratoacuteria enquanto as seguintes con-

cernem agrave leitura analiacutetica Voltemos em par leitora uma

mirada empiacuterica pela superfiacutecie do texto de Veriacutessimo

Em termos de estruturaccedilatildeo textual podemos iden-

ti1047297car o 1047298uxo das ideias do autor assim como sua apre-

sentaccedilatildeo de fatos histoacutericos relativamente conhecidos ndash

seja em contextos situacionais proacuteximos ou em contextos

culturais distantes ndash materializado em unidades frasais e

oracionais em sua maioria justapostas com predomiacutenio

de uma coordenaccedilatildeo simples parataacutetica Observa-se o

saber gramatical atrelado agrave criatividade no uso da lingua-

gem cuja magnitude se evidencia na dimensatildeo dialoacutegica

Ressalte-se a intertextualidade marcada pela presenccedila

constante de vozes de outros textos a guiarem pela voz

do autor atitudes de reconhecimento dos interlocutores

ou melhor participantes do ldquotourrdquo tecido com engenho e

arte ainda que bem longe do estilo camonianoPode-se a1047297rmar que antes mesmo de seduzir

o texto impressiona pela tessitura simples e ao mesmo

tempo tatildeo carregada de motivos para a aceitabilidade do

leitor mais criacutetico que existe Observe-se ainda que natildeo

haacute conectores loacutegicos de subordinaccedilatildeo ao longo dos pe-

riacuteodos enxutos que compotildeem cada paraacutegrafo Mas a co-

nectividade conceptual (semacircntica) predomina e garante

a tessitura do texto o que con1047297rma ser a coerecircncia a pro-

priedade mais relevante em um texto Em poucas pala-

vras existem textos sem coesatildeo mas natildeo existem textos

sem coerecircncia propriedade que depende da (re)accedilatildeo do

in1047298adas a doce Ofeacutelia Abanem abanem Eu natildeo dis-

se que este tour tinha de tudo Agora preparem suas

cacircmeras Ai vem na sua barcaccedila imperial Cleoacutepatra

descendo o Nilo Rio acima Estamos no Reno no Poacute

no Yang-tze no Satildeo Francisco no igre no Eufrates

no Volga no Jordatildeo Aquela cena vocecircs certamente vatildeo querer fotografar Joatildeo Batista batizando Jesus

Estamos no Ganges onde os vivos despejam os seus

mortos e depois se lavam O rio eacute sempre o mesmo A

aacutegua que puri1047297ca eacute a mesma que recebe o esgoto aacutecido

A aacutegua que mata a sede eacute a mesma que afoga a que

passa e a que natildeo passa

O rio eacute a Portela Agrave direita Paulinho da Viola

Aquela cabecinha de nadador ali eacute a do Mao

Galhos troncos casas gado canoas viradas

quatro com timatildeo e sem timatildeo ndash e uma faacutebrica inteira

rebocada do Japatildeo

As aacuteguas comeccedilam a 1047297car lodosas As grandes

aacutervores se tocam sobre o rio Estamos no Congo a ca-

minho do coraccedilatildeo das trevas Da fonte obscura de tudo

Mistash Kurtz he dead O cheiro azedo de limo e foacutes-

seis O horror o horror O mar estaacute longe chegamos a

nossa vertente E a origem de tudo natildeo eacute misteacuterio eacute um

buraco no chatildeo Haacute outros rios debaixo destes e eacute para

laacute que vamos um dia Rio abaixo A gorjeta eacute voluntaacuteria

obrigado

VERIacuteSSIMO Luis Fernando

Revista VEJA 29 de marccedilo de 1989

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Margens de sentido(s) nas aacuteguas textuais e discursivas

interlocutor para atribuir sentido(s) a textos como este

A propoacutesito falta-nos mergulhar ainda em algumas das

principais perguntas de quem se debruccedila em uma anaacutelise

criacutetica

Conforme sugere David Carraher (1987 p 127)

a) O que estaacute sendo a1047297rmado

b) Quais as principais questotildees envolvidas

c) O que eacute usado para apoiar as ideias

d) Que informaccedilotildees poderiam ajudar a esclarecer

as questotildees principais

Agraves perguntas destacadas acima pode-se acres-

centar a seguinte qual eacute a ideologia presente no texto em

anaacutelise Em estudo recente (Silva 2012 p 17) pondero

que ldquouma estrutura eacute ideoloacutegica na medida em que podeou natildeo corresponder agrave perspectiva doa produtora ou

doa leitorardquo Considero pertinente evocar aqui as pala-

vras de Guimaratildees (2009 p 108) para quem ldquoa ideologia

de1047297ne-se portanto como expressatildeo de uma tomada de

posiccedilatildeo determinada con1047297gurando-se por isso como

condiccedilatildeo essencial na relaccedilatildeo mundolinguagemrdquo Nessa

perspectiva vale chamar a atenccedilatildeo para o modo com que

as informaccedilotildees satildeo apresentadas ao longo do texto em

questatildeo Ainda que despidas de um estilo argumentativo

as ideias satildeo apresentadas revestidas de uma espeacutecie de

valor ou estatuto de verdade Aleacutem disso satildeo ideias ma-

tizadas por um pendor atitudinal do autor que envolve o

leitor a partir de sua visatildeo criacutetica do mundo

Por outro lado os temas tangenciados ainda que

de maneira literaacuteria ao longo do texto - tais como pro-

blemas de poluiccedilatildeo e agressatildeo respectivamente ao meio

ambiente e ao ser humano - continuam ao lado de toda a

beleza que ainda existe na histoacuteria das aacuteguas quando na-

vegamos rio acima ou abaixo atraveacutes dos tempos Aleacutemdo mais as questotildees enfocadas evocam o que sugere Frei-

re (1981 p 11-12) ldquolinguagem e realidade se prendem de

maneira dinacircmicardquo

Em poucas palavras acabamos de assistir agora

em 2012 o encontro do ldquoRio + Vinterdquo evento que soacute vai

acontecer outra vez daqui a vinte anos Cabe aqui tra-

ccedilar um paralelo do texto examinado com a conferecircncia

das Naccedilotildees Unidas proferida recentemente em prol do

desenvolvimento sustentaacutevel em meio agrave presenccedila de lide-

ranccedilas de inuacutemeras naccedilotildees Resulta que o meio ambien-

te o ecossistema a biodiversidade a chuva aacutecida o uso

de energia suja - bem como a aacutegua que corre por todos

os rios do planeta antes de desembocar nos sete mares -

continuam a ser enfocados como toacutepicos que sinalizam

ora uma bandeira para ativistas ora uma promessa de

agenda de compromissos poliacutetico-econocircmicos diante

dos apelos direcionados aos paiacuteses ricos que natildeo queremrepartir recursos que lhes sobram ainda que tatildeo cientes

de questotildees complexas tais como a pobreza do presente

ou a escassez de aacutegua e de alimento no futuro proacuteximo

6 Consideraccedilotildees 1047297nais

Ao enfatizar a importacircncia do ato de ler Paulo

Freire (1981 p 20) a1047297rma que ldquoa leitura do mundo pre-

cede a leitura da palavra e a leitura desta implica a con-

tinuidade da leitura daquelerdquo E vai mais longe Aleacutem de

esclarecer que a compreensatildeo de um texto eacute alcanccedilada

mediante sua leitura criacutetica atraveacutes da qual se percebem

as relaccedilotildees dentre o texto e o contexto o educador bra-

sileiro reitera sua proposta ao declarar que ldquoa leitura da

palavra natildeo eacute apenas precedida pela leitura do mundo

mas por uma determinada forma de escrevecirc-lo ou de

reescrevecirc-lordquo quer dizer desdobraacute-lo atraveacutes de uma praacute-

tica engajada de leitura

Por outro lado na esteira dos estudos criacuteticos do

discurso comenta Fairclough (2001 p 265) o seguinte

eacute previsiacutevel que cada vez mais haja expectativade que os analistas de discurso e os linguistasfuncionem como tecnoacutelogos do discurso outornem os resultados de suas pesquisas dispo-niacuteveis a eles

Que as re1047298exotildees aqui apresentadas possam signi-

1047297car uma pequena contribuiccedilatildeo em termos de incentivo

para todos aquelesas que trabalham com textos niacuteveis

de leitura signi1047297cados linguiacutestico-discursivos en1047297mcom a linguagem como praacutetica social

Referecircncias

ADLER M DOREN C van A arte de ler raduccedilatildeo JoseacuteL de Melo Rio de Janeiro Agir 1974

BEAUGRANDE R DRESSLER W Introduction to text

linguistics London Longman 1981

CARRAHER D Senso criacutetico do dia-a dia agraves ciecircnciashumanas Satildeo Paulo Pioneira 1983

7252019 Margens de Sentido(s) Nas Aacuteguas Textuais e Discursivas

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ECO H Lector in fabula Satildeo Paulo Perspectiva 1986

FAIRCLOUGH N Discurso e mudanccedila social BrasiacuteliaEditora da UnB 2001

FREIRE P A importacircncia do ato de ler Satildeo Paulo Cortez1989

GUIMARAtildeES E Texto discurso e ensino Satildeo PauloContexto 2009

HALLIDAY M A K HASAN R Cohesion in Englishenglish language London Longman 1976

KAO M No mundo da escrita uma perspectivapsicolinguiacutestica Satildeo Paulo Aacutetica 1987

KOCH IV RAVAGLIA LC Texto e coerecircncia SatildeoPaulo Cortez 1989

KOCH IV Desvendando os segredos do texto Satildeo PauloCortez 2002

KOCH IV O texto e a construccedilatildeo de sentidos Satildeo PauloContexto 1997

LEVY P O que eacute virtual raduccedilatildeo P Neves Satildeo PauloEditora 34 1996

MARCUSCHI LA Produccedilatildeo textual anaacutelise de gecircneros ecompreensatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

ORLANDI E Interpretaccedilatildeo autoria leitura e efeitos dotrabalho simboacutelico Petroacutepolis Vozes 1996

RICOEUR P Preface In REAGAN C (Ed) Studiesin the Philosofy of Paul Ricoeur Athens Ohio OhioUniversity Press 1984

SILVA DEG Da leitura do mundo agrave leitura da palavra In VI Simpoacutesio de Liacutengua e Literatura do UniCEUB - leituradiscurso literatura e educaccedilatildeo Brasiacutelia UniCEUB 2008

SILVA DEG Discurso e gramaacutetica motivaccedilotildeescognitivas e interacionais In SILVA DEG (Org) Nasinstacircncias do discurso uma permeabilidade de fronteirasBrasiacutelia Editora da UnB 2005

SILVA DEG Estudos criacuteticos do discurso no contextobrasileiro por uma rede de transdisciplinaridade Revistaonline de Literatura e Linguiacutestica Recife ano 5 n 9 p 224-

243 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaeutomiacombrgt Acesso em 11 dez 2012

SILVA DEG Produccedilatildeo de leitura texto e textualidadecurso de extensatildeo In IV Foacuterum Permanente de Professores Brasiacutelia Universidade de BrasiacuteliaCESPE 1997

VERIacuteSSIMO Luiacutes Fernando Rio acima Revista Veja SatildeoPaulo ano 22 n 13 p 53 29 mar 1989

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O texto acima jaacute de iniacutecio permite-nos chamar a

atenccedilatildeo do leitor natildeo soacute pelo complexo e ao mesmo tem-

po sugestivo tour histoacuterico anunciado no primeiro paraacute-

grafo mas tambeacutem pela posiccedilatildeo de Luis Fernando Veriacutes-

simo em seu papel de escritor jornalista (ou jornalista es-

critor) em termos de sua contribuiccedilatildeo a um suporte midi-

aacutetico no caso a Revista VEJA ediccedilatildeo 1073 ano 22 nordm 13

publicada em 29 de marccedilo de 1989 Cabe aqui esclarecer

que as duas setas tipograacute1047297cas foram acrescentadas agrave mar-gem do texto somente para sinalizar os rumos baacutesicos da

leitura que demanda por sua vez uma seacuterie complexa de

atos separados ais atos podem ser associados conforme

Silva (1997) aos seguintes tipos de atividades cognitivas

atividade perceptiva relacionada a uma capacidade

raacutepida e precisa de busca de informaccedilotildees para a identi1047297-

caccedilatildeo do todo

atividade visual-espacial ligada simultaneamente agrave

visatildeo e ao espaccedilo sendo este uacuteltimo associado agrave ideia delugar superfiacutecie e distacircncia

atividade de estruturaccedilatildeo vinculada agrave identi1047297caccedilatildeo

de estruturas de ideias e argumentos a partir da obser-

vaccedilatildeo de segmentos individuais tais como palavras e ex-

pressotildees

atividade loacutegica mediante a identi1047297caccedilatildeo de cone-

xotildees loacutegicas de ideias ou de fatos histoacutericos associados a

seus respectivos contextos

atividade verbal pertinente agrave captaccedilatildeo de uma palavra

precisa capaz de de1047297nir um objeto uma ideia ou uma accedilatildeo

As duas primeiras atividades elencadas acima satildeo

tiacutepicas da leitura exploratoacuteria enquanto as seguintes con-

cernem agrave leitura analiacutetica Voltemos em par leitora uma

mirada empiacuterica pela superfiacutecie do texto de Veriacutessimo

Em termos de estruturaccedilatildeo textual podemos iden-

ti1047297car o 1047298uxo das ideias do autor assim como sua apre-

sentaccedilatildeo de fatos histoacutericos relativamente conhecidos ndash

seja em contextos situacionais proacuteximos ou em contextos

culturais distantes ndash materializado em unidades frasais e

oracionais em sua maioria justapostas com predomiacutenio

de uma coordenaccedilatildeo simples parataacutetica Observa-se o

saber gramatical atrelado agrave criatividade no uso da lingua-

gem cuja magnitude se evidencia na dimensatildeo dialoacutegica

Ressalte-se a intertextualidade marcada pela presenccedila

constante de vozes de outros textos a guiarem pela voz

do autor atitudes de reconhecimento dos interlocutores

ou melhor participantes do ldquotourrdquo tecido com engenho e

arte ainda que bem longe do estilo camonianoPode-se a1047297rmar que antes mesmo de seduzir

o texto impressiona pela tessitura simples e ao mesmo

tempo tatildeo carregada de motivos para a aceitabilidade do

leitor mais criacutetico que existe Observe-se ainda que natildeo

haacute conectores loacutegicos de subordinaccedilatildeo ao longo dos pe-

riacuteodos enxutos que compotildeem cada paraacutegrafo Mas a co-

nectividade conceptual (semacircntica) predomina e garante

a tessitura do texto o que con1047297rma ser a coerecircncia a pro-

priedade mais relevante em um texto Em poucas pala-

vras existem textos sem coesatildeo mas natildeo existem textos

sem coerecircncia propriedade que depende da (re)accedilatildeo do

in1047298adas a doce Ofeacutelia Abanem abanem Eu natildeo dis-

se que este tour tinha de tudo Agora preparem suas

cacircmeras Ai vem na sua barcaccedila imperial Cleoacutepatra

descendo o Nilo Rio acima Estamos no Reno no Poacute

no Yang-tze no Satildeo Francisco no igre no Eufrates

no Volga no Jordatildeo Aquela cena vocecircs certamente vatildeo querer fotografar Joatildeo Batista batizando Jesus

Estamos no Ganges onde os vivos despejam os seus

mortos e depois se lavam O rio eacute sempre o mesmo A

aacutegua que puri1047297ca eacute a mesma que recebe o esgoto aacutecido

A aacutegua que mata a sede eacute a mesma que afoga a que

passa e a que natildeo passa

O rio eacute a Portela Agrave direita Paulinho da Viola

Aquela cabecinha de nadador ali eacute a do Mao

Galhos troncos casas gado canoas viradas

quatro com timatildeo e sem timatildeo ndash e uma faacutebrica inteira

rebocada do Japatildeo

As aacuteguas comeccedilam a 1047297car lodosas As grandes

aacutervores se tocam sobre o rio Estamos no Congo a ca-

minho do coraccedilatildeo das trevas Da fonte obscura de tudo

Mistash Kurtz he dead O cheiro azedo de limo e foacutes-

seis O horror o horror O mar estaacute longe chegamos a

nossa vertente E a origem de tudo natildeo eacute misteacuterio eacute um

buraco no chatildeo Haacute outros rios debaixo destes e eacute para

laacute que vamos um dia Rio abaixo A gorjeta eacute voluntaacuteria

obrigado

VERIacuteSSIMO Luis Fernando

Revista VEJA 29 de marccedilo de 1989

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Margens de sentido(s) nas aacuteguas textuais e discursivas

interlocutor para atribuir sentido(s) a textos como este

A propoacutesito falta-nos mergulhar ainda em algumas das

principais perguntas de quem se debruccedila em uma anaacutelise

criacutetica

Conforme sugere David Carraher (1987 p 127)

a) O que estaacute sendo a1047297rmado

b) Quais as principais questotildees envolvidas

c) O que eacute usado para apoiar as ideias

d) Que informaccedilotildees poderiam ajudar a esclarecer

as questotildees principais

Agraves perguntas destacadas acima pode-se acres-

centar a seguinte qual eacute a ideologia presente no texto em

anaacutelise Em estudo recente (Silva 2012 p 17) pondero

que ldquouma estrutura eacute ideoloacutegica na medida em que podeou natildeo corresponder agrave perspectiva doa produtora ou

doa leitorardquo Considero pertinente evocar aqui as pala-

vras de Guimaratildees (2009 p 108) para quem ldquoa ideologia

de1047297ne-se portanto como expressatildeo de uma tomada de

posiccedilatildeo determinada con1047297gurando-se por isso como

condiccedilatildeo essencial na relaccedilatildeo mundolinguagemrdquo Nessa

perspectiva vale chamar a atenccedilatildeo para o modo com que

as informaccedilotildees satildeo apresentadas ao longo do texto em

questatildeo Ainda que despidas de um estilo argumentativo

as ideias satildeo apresentadas revestidas de uma espeacutecie de

valor ou estatuto de verdade Aleacutem disso satildeo ideias ma-

tizadas por um pendor atitudinal do autor que envolve o

leitor a partir de sua visatildeo criacutetica do mundo

Por outro lado os temas tangenciados ainda que

de maneira literaacuteria ao longo do texto - tais como pro-

blemas de poluiccedilatildeo e agressatildeo respectivamente ao meio

ambiente e ao ser humano - continuam ao lado de toda a

beleza que ainda existe na histoacuteria das aacuteguas quando na-

vegamos rio acima ou abaixo atraveacutes dos tempos Aleacutemdo mais as questotildees enfocadas evocam o que sugere Frei-

re (1981 p 11-12) ldquolinguagem e realidade se prendem de

maneira dinacircmicardquo

Em poucas palavras acabamos de assistir agora

em 2012 o encontro do ldquoRio + Vinterdquo evento que soacute vai

acontecer outra vez daqui a vinte anos Cabe aqui tra-

ccedilar um paralelo do texto examinado com a conferecircncia

das Naccedilotildees Unidas proferida recentemente em prol do

desenvolvimento sustentaacutevel em meio agrave presenccedila de lide-

ranccedilas de inuacutemeras naccedilotildees Resulta que o meio ambien-

te o ecossistema a biodiversidade a chuva aacutecida o uso

de energia suja - bem como a aacutegua que corre por todos

os rios do planeta antes de desembocar nos sete mares -

continuam a ser enfocados como toacutepicos que sinalizam

ora uma bandeira para ativistas ora uma promessa de

agenda de compromissos poliacutetico-econocircmicos diante

dos apelos direcionados aos paiacuteses ricos que natildeo queremrepartir recursos que lhes sobram ainda que tatildeo cientes

de questotildees complexas tais como a pobreza do presente

ou a escassez de aacutegua e de alimento no futuro proacuteximo

6 Consideraccedilotildees 1047297nais

Ao enfatizar a importacircncia do ato de ler Paulo

Freire (1981 p 20) a1047297rma que ldquoa leitura do mundo pre-

cede a leitura da palavra e a leitura desta implica a con-

tinuidade da leitura daquelerdquo E vai mais longe Aleacutem de

esclarecer que a compreensatildeo de um texto eacute alcanccedilada

mediante sua leitura criacutetica atraveacutes da qual se percebem

as relaccedilotildees dentre o texto e o contexto o educador bra-

sileiro reitera sua proposta ao declarar que ldquoa leitura da

palavra natildeo eacute apenas precedida pela leitura do mundo

mas por uma determinada forma de escrevecirc-lo ou de

reescrevecirc-lordquo quer dizer desdobraacute-lo atraveacutes de uma praacute-

tica engajada de leitura

Por outro lado na esteira dos estudos criacuteticos do

discurso comenta Fairclough (2001 p 265) o seguinte

eacute previsiacutevel que cada vez mais haja expectativade que os analistas de discurso e os linguistasfuncionem como tecnoacutelogos do discurso outornem os resultados de suas pesquisas dispo-niacuteveis a eles

Que as re1047298exotildees aqui apresentadas possam signi-

1047297car uma pequena contribuiccedilatildeo em termos de incentivo

para todos aquelesas que trabalham com textos niacuteveis

de leitura signi1047297cados linguiacutestico-discursivos en1047297mcom a linguagem como praacutetica social

Referecircncias

ADLER M DOREN C van A arte de ler raduccedilatildeo JoseacuteL de Melo Rio de Janeiro Agir 1974

BEAUGRANDE R DRESSLER W Introduction to text

linguistics London Longman 1981

CARRAHER D Senso criacutetico do dia-a dia agraves ciecircnciashumanas Satildeo Paulo Pioneira 1983

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ECO H Lector in fabula Satildeo Paulo Perspectiva 1986

FAIRCLOUGH N Discurso e mudanccedila social BrasiacuteliaEditora da UnB 2001

FREIRE P A importacircncia do ato de ler Satildeo Paulo Cortez1989

GUIMARAtildeES E Texto discurso e ensino Satildeo PauloContexto 2009

HALLIDAY M A K HASAN R Cohesion in Englishenglish language London Longman 1976

KAO M No mundo da escrita uma perspectivapsicolinguiacutestica Satildeo Paulo Aacutetica 1987

KOCH IV RAVAGLIA LC Texto e coerecircncia SatildeoPaulo Cortez 1989

KOCH IV Desvendando os segredos do texto Satildeo PauloCortez 2002

KOCH IV O texto e a construccedilatildeo de sentidos Satildeo PauloContexto 1997

LEVY P O que eacute virtual raduccedilatildeo P Neves Satildeo PauloEditora 34 1996

MARCUSCHI LA Produccedilatildeo textual anaacutelise de gecircneros ecompreensatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

ORLANDI E Interpretaccedilatildeo autoria leitura e efeitos dotrabalho simboacutelico Petroacutepolis Vozes 1996

RICOEUR P Preface In REAGAN C (Ed) Studiesin the Philosofy of Paul Ricoeur Athens Ohio OhioUniversity Press 1984

SILVA DEG Da leitura do mundo agrave leitura da palavra In VI Simpoacutesio de Liacutengua e Literatura do UniCEUB - leituradiscurso literatura e educaccedilatildeo Brasiacutelia UniCEUB 2008

SILVA DEG Discurso e gramaacutetica motivaccedilotildeescognitivas e interacionais In SILVA DEG (Org) Nasinstacircncias do discurso uma permeabilidade de fronteirasBrasiacutelia Editora da UnB 2005

SILVA DEG Estudos criacuteticos do discurso no contextobrasileiro por uma rede de transdisciplinaridade Revistaonline de Literatura e Linguiacutestica Recife ano 5 n 9 p 224-

243 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaeutomiacombrgt Acesso em 11 dez 2012

SILVA DEG Produccedilatildeo de leitura texto e textualidadecurso de extensatildeo In IV Foacuterum Permanente de Professores Brasiacutelia Universidade de BrasiacuteliaCESPE 1997

VERIacuteSSIMO Luiacutes Fernando Rio acima Revista Veja SatildeoPaulo ano 22 n 13 p 53 29 mar 1989

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Margens de sentido(s) nas aacuteguas textuais e discursivas

interlocutor para atribuir sentido(s) a textos como este

A propoacutesito falta-nos mergulhar ainda em algumas das

principais perguntas de quem se debruccedila em uma anaacutelise

criacutetica

Conforme sugere David Carraher (1987 p 127)

a) O que estaacute sendo a1047297rmado

b) Quais as principais questotildees envolvidas

c) O que eacute usado para apoiar as ideias

d) Que informaccedilotildees poderiam ajudar a esclarecer

as questotildees principais

Agraves perguntas destacadas acima pode-se acres-

centar a seguinte qual eacute a ideologia presente no texto em

anaacutelise Em estudo recente (Silva 2012 p 17) pondero

que ldquouma estrutura eacute ideoloacutegica na medida em que podeou natildeo corresponder agrave perspectiva doa produtora ou

doa leitorardquo Considero pertinente evocar aqui as pala-

vras de Guimaratildees (2009 p 108) para quem ldquoa ideologia

de1047297ne-se portanto como expressatildeo de uma tomada de

posiccedilatildeo determinada con1047297gurando-se por isso como

condiccedilatildeo essencial na relaccedilatildeo mundolinguagemrdquo Nessa

perspectiva vale chamar a atenccedilatildeo para o modo com que

as informaccedilotildees satildeo apresentadas ao longo do texto em

questatildeo Ainda que despidas de um estilo argumentativo

as ideias satildeo apresentadas revestidas de uma espeacutecie de

valor ou estatuto de verdade Aleacutem disso satildeo ideias ma-

tizadas por um pendor atitudinal do autor que envolve o

leitor a partir de sua visatildeo criacutetica do mundo

Por outro lado os temas tangenciados ainda que

de maneira literaacuteria ao longo do texto - tais como pro-

blemas de poluiccedilatildeo e agressatildeo respectivamente ao meio

ambiente e ao ser humano - continuam ao lado de toda a

beleza que ainda existe na histoacuteria das aacuteguas quando na-

vegamos rio acima ou abaixo atraveacutes dos tempos Aleacutemdo mais as questotildees enfocadas evocam o que sugere Frei-

re (1981 p 11-12) ldquolinguagem e realidade se prendem de

maneira dinacircmicardquo

Em poucas palavras acabamos de assistir agora

em 2012 o encontro do ldquoRio + Vinterdquo evento que soacute vai

acontecer outra vez daqui a vinte anos Cabe aqui tra-

ccedilar um paralelo do texto examinado com a conferecircncia

das Naccedilotildees Unidas proferida recentemente em prol do

desenvolvimento sustentaacutevel em meio agrave presenccedila de lide-

ranccedilas de inuacutemeras naccedilotildees Resulta que o meio ambien-

te o ecossistema a biodiversidade a chuva aacutecida o uso

de energia suja - bem como a aacutegua que corre por todos

os rios do planeta antes de desembocar nos sete mares -

continuam a ser enfocados como toacutepicos que sinalizam

ora uma bandeira para ativistas ora uma promessa de

agenda de compromissos poliacutetico-econocircmicos diante

dos apelos direcionados aos paiacuteses ricos que natildeo queremrepartir recursos que lhes sobram ainda que tatildeo cientes

de questotildees complexas tais como a pobreza do presente

ou a escassez de aacutegua e de alimento no futuro proacuteximo

6 Consideraccedilotildees 1047297nais

Ao enfatizar a importacircncia do ato de ler Paulo

Freire (1981 p 20) a1047297rma que ldquoa leitura do mundo pre-

cede a leitura da palavra e a leitura desta implica a con-

tinuidade da leitura daquelerdquo E vai mais longe Aleacutem de

esclarecer que a compreensatildeo de um texto eacute alcanccedilada

mediante sua leitura criacutetica atraveacutes da qual se percebem

as relaccedilotildees dentre o texto e o contexto o educador bra-

sileiro reitera sua proposta ao declarar que ldquoa leitura da

palavra natildeo eacute apenas precedida pela leitura do mundo

mas por uma determinada forma de escrevecirc-lo ou de

reescrevecirc-lordquo quer dizer desdobraacute-lo atraveacutes de uma praacute-

tica engajada de leitura

Por outro lado na esteira dos estudos criacuteticos do

discurso comenta Fairclough (2001 p 265) o seguinte

eacute previsiacutevel que cada vez mais haja expectativade que os analistas de discurso e os linguistasfuncionem como tecnoacutelogos do discurso outornem os resultados de suas pesquisas dispo-niacuteveis a eles

Que as re1047298exotildees aqui apresentadas possam signi-

1047297car uma pequena contribuiccedilatildeo em termos de incentivo

para todos aquelesas que trabalham com textos niacuteveis

de leitura signi1047297cados linguiacutestico-discursivos en1047297mcom a linguagem como praacutetica social

Referecircncias

ADLER M DOREN C van A arte de ler raduccedilatildeo JoseacuteL de Melo Rio de Janeiro Agir 1974

BEAUGRANDE R DRESSLER W Introduction to text

linguistics London Longman 1981

CARRAHER D Senso criacutetico do dia-a dia agraves ciecircnciashumanas Satildeo Paulo Pioneira 1983

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ECO H Lector in fabula Satildeo Paulo Perspectiva 1986

FAIRCLOUGH N Discurso e mudanccedila social BrasiacuteliaEditora da UnB 2001

FREIRE P A importacircncia do ato de ler Satildeo Paulo Cortez1989

GUIMARAtildeES E Texto discurso e ensino Satildeo PauloContexto 2009

HALLIDAY M A K HASAN R Cohesion in Englishenglish language London Longman 1976

KAO M No mundo da escrita uma perspectivapsicolinguiacutestica Satildeo Paulo Aacutetica 1987

KOCH IV RAVAGLIA LC Texto e coerecircncia SatildeoPaulo Cortez 1989

KOCH IV Desvendando os segredos do texto Satildeo PauloCortez 2002

KOCH IV O texto e a construccedilatildeo de sentidos Satildeo PauloContexto 1997

LEVY P O que eacute virtual raduccedilatildeo P Neves Satildeo PauloEditora 34 1996

MARCUSCHI LA Produccedilatildeo textual anaacutelise de gecircneros ecompreensatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

ORLANDI E Interpretaccedilatildeo autoria leitura e efeitos dotrabalho simboacutelico Petroacutepolis Vozes 1996

RICOEUR P Preface In REAGAN C (Ed) Studiesin the Philosofy of Paul Ricoeur Athens Ohio OhioUniversity Press 1984

SILVA DEG Da leitura do mundo agrave leitura da palavra In VI Simpoacutesio de Liacutengua e Literatura do UniCEUB - leituradiscurso literatura e educaccedilatildeo Brasiacutelia UniCEUB 2008

SILVA DEG Discurso e gramaacutetica motivaccedilotildeescognitivas e interacionais In SILVA DEG (Org) Nasinstacircncias do discurso uma permeabilidade de fronteirasBrasiacutelia Editora da UnB 2005

SILVA DEG Estudos criacuteticos do discurso no contextobrasileiro por uma rede de transdisciplinaridade Revistaonline de Literatura e Linguiacutestica Recife ano 5 n 9 p 224-

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Page 8: Margens de Sentido(s) Nas Águas Textuais e Discursivas

7252019 Margens de Sentido(s) Nas Aacuteguas Textuais e Discursivas

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Denize Elena Garcia da Silva

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