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1 1 INTRODUÇÃO De acordo com documentos da ONU (2011), o Brasil apresenta altos índices de violência letal e ocupa as primeiras posições em listagens internacionais de homicídios por habitantes e o primeiro lugar mundial em números absolutos. Os dados do Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil, apresentados pelo autor da pesquisa, Júlio Jacobo Waiselfisz (2012), confirmam que a violência letal no país tem prioritariamente a cor negra. No período de 2002 a 2010 houve uma redução de 25,5% de homicídios de pessoas brancas, já entre os negros houve aumento de 29,8%. No ano de 2009, a taxa de homicídios da população negra excedia o dobro da taxa em relação à população branca. Estes dados ganham ainda outra dimensão quando considerado o recorte etário e/ou geracional. Em 2002, a taxa de homicídios de negros correspondia a 1,65 vez a taxa da população branca (1,71 para os jovens de 15 a 29 anos); em 2009, esta relação passa para 2,13 (2,38 para os jovens). Houve uma baixa para a população branca e um aumento para a população negra. Em 2010, 14.047 brancos foram assassinados. Essa soma aumenta para 34.983 quando se trata da população negra. Se considerada a idade, a diferença é ainda maior: nesse mesmo ano, enquanto a taxa de homicídio do total da população negra foi de 36,0, a dos jovens negros foi o dobro, 72,0. Comparando todo o período que compreende a pesquisa, percebe-se que, proporcionalmente, morrem duas vezes e meia mais jovens negros que brancos. Em oito anos, a taxa de homicídios de jovens negros, que era de 71,7%, passou para 153,9%. Oito unidades da federação - Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso, Distrito Federal, Bahia e Pará - extrapolam 100 homicídios para cada 100 mil jovens negros, o que faz do Brasil um dos lugares mais perigosos do mundo para a juventude negra. Em suplemento especial da PNAD 2009, identificou-se que 1,6 dos entrevistados já haviam sofrido algum tipo de agressão física. Entre os jovens agredidos, 4,8% dos brancos e 7,5% dos negros tiveram como agressor um policial ou um agente de segurança privada. Por sua vez, a PCERP revelou que a relação com a Justiça e a polícia foi considerada por 68,3% dos entrevistados como um dos campos em que a cor ou a raça

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INTRODUÇÃO

De acordo com documentos da ONU (2011), o Brasil apresenta altos índices

de violência letal e ocupa as primeiras posições em listagens internacionais de

homicídios por habitantes e o primeiro lugar mundial em números absolutos.

Os dados do Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil,

apresentados pelo autor da pesquisa, Júlio Jacobo Waiselfisz (2012), confirmam que

a violência letal no país tem prioritariamente a cor negra. No período de 2002 a 2010

houve uma redução de 25,5% de homicídios de pessoas brancas, já entre os negros

houve aumento de 29,8%. No ano de 2009, a taxa de homicídios da população

negra excedia o dobro da taxa em relação à população branca. Estes dados ganham

ainda outra dimensão quando considerado o recorte etário e/ou geracional.

Em 2002, a taxa de homicídios de negros correspondia a 1,65 vez a taxa da

população branca (1,71 para os jovens de 15 a 29 anos); em 2009, esta relação

passa para 2,13 (2,38 para os jovens). Houve uma baixa para a população branca e

um aumento para a população negra.

Em 2010, 14.047 brancos foram assassinados. Essa soma aumenta para

34.983 quando se trata da população negra. Se considerada a idade, a diferença é

ainda maior: nesse mesmo ano, enquanto a taxa de homicídio do total da população

negra foi de 36,0, a dos jovens negros foi o dobro, 72,0.

Comparando todo o período que compreende a pesquisa, percebe-se que,

proporcionalmente, morrem duas vezes e meia mais jovens negros que brancos. Em

oito anos, a taxa de homicídios de jovens negros, que era de 71,7%, passou para

153,9%. Oito unidades da federação - Alagoas, Espírito Santo, Paraíba,

Pernambuco, Mato Grosso, Distrito Federal, Bahia e Pará - extrapolam 100

homicídios para cada 100 mil jovens negros, o que faz do Brasil um dos lugares

mais perigosos do mundo para a juventude negra.

Em suplemento especial da PNAD 2009, identificou-se que 1,6 dos entrevistados já haviam sofrido algum tipo de agressão física. Entre os jovens agredidos, 4,8% dos brancos e 7,5% dos negros tiveram como agressor um policial ou um agente de segurança privada. Por sua vez, a PCERP revelou que a relação com a Justiça e a polícia foi considerada por 68,3% dos entrevistados como um dos campos em que a cor ou a raça

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influencia a vida das pessoas (IBGE, 2011). Esta avaliação se mostrou mais intensa entre os jovens e entre os negros. (IPEA, 2012).

O fator raça/cor como preponderante para vitimização questiona a ideia de

que com maior escolarização e maior nível socioeconômico os indivíduos estariam

menos vulneráveis a situações de perigo, em especial ao homicídio. Dados do IPEA

(2012) confirmam que, mesmo quando se comparam grupos com o mesmo nível de

escolaridade, o que costuma informar, aproximadamente, o nível socioeconômico do

indivíduo, permanece a distinção racial na frequência das ocorrências de homicídio.

No mesmo documento do IPEA (2012) atesta-se que

:

A interseção das variáveis cor e escolaridade confere ao quadro de homicídios no país dois extremos – negros com baixa escolaridade e brancos com alta escolaridade – separados por mais de 23 pontos na taxa de homicídios. Mesmo nos grupos com mais de 12 anos de escolaridade, a probabilidade de ser vítima de homicídio é mais que duplicada para os negros. Comparam-se apenas 68% dos homicídios, uma vez que, para esta informação, ainda há nível alto de subnotificação (32%). (IPEA, 2012).

Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo apresentar algumas das

iniciativas do Movimento Negro em denunciar tais condições, especificamente as

que destacam a denúncia do processo de genocídios e extermínio de jovens

negros(as) provocados por situações nas quais o que se considera é a cor da pele,

justificando inclusive a ação violenta da polícia, que se constitui como um fator

principal na criminalização e extermínio destes jovens. São realidades decorrentes

de um racismo impregnado na sociedade e mascarado por um longo período de

democracia racial, mas evidenciado nos dados em torno (d)as desigualdades raciais

no país (HANSELBAG, 1988a, 1988b).

O percurso deste trabalho inicia-se com um breve relato da inserção pessoal

e histórica no tema da violência racial em jovens negros, para em seguida continuar

definindo o racismo, sua historicidade e repercussões que culminam na cruenta

realidade dos jovens negros. A continuação se expõe e discute alguns dados que

evidenciam a situação e realidade dos jovens negros, constituída em base a um

racismo que perpassa a sociedade como um todo. Dando continuidade se exibe a

condição dos jovens negros em relação com a ação policial, trazendo reflexões

sobre as práticas desses agentes e suas repercussões. Por último uma breve

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exposição da realidade na cidade de Curitiba, cidade considerada uma capital

europeia para culminar nosso trabalho com o tema desta monografia à ação do

movimento negro na denuncia e da violência racial em jovens negros.

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1. TRAJETÓRIA POLÍTICA, ESCOLHA DO OBJETO E EXPERIENCIA

PESSOAL

Em agosto de 2000, eu era estudante do ensino médio, 2º ano, no Colégio Estadual

Protásio de Carvalho, o qual promoveu, em parceria com o Grupo de Estudos da

Violência da Universidade Federal do Paraná – GEV/UFPR, uma pesquisa sobre a

violência no colégio. Identificava-se uma realidade preocupante no seu interior e nas

redondezas, o que culminou no curso “Combate à Violência”, com a mesma

parceria, ministrado em três sábados pelos(a) professores (a) Prof. Dr. Pedro

Rodolfo Bodê de Moraes, Prof. Dra. Ana Luiza Sallas e pelo Prof. Dr. Rafael Villa

(nesta sequência). Nesse espaço, que tinha como intuito a promoção de reflexões e

debates, o recorte racial surgiu já nas primeiras falas, em especial no primeiro

módulo. A oportunidade de participar deste curso despertou meu interesse em

acompanhar os encontros preparatórios para a I Conferencia Mundial Contra o

Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, acorrida em

Durban, África Sul no final de 2001. Em seguida, final de 2002, fui convidada para

trabalhar numa entidade do movimento negro, possibilitando-me a oportunidade de

contribuir nos processos de combate à desigualdade racial. Permaneci nessa

entidade até meados de 2005 – ano em que aconteceu a I Conferência de

Promoção da Igualdade Racial – I CONAPIR, chamada pela Secretaria Especial de

Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR (criada em 2003) e que atendeu as

demandas pós-Conferência Mundial de Durban. Tive a possibilidade de participar

das etapas municipal e estadual da I CONAPIR com inscrição no Grupo de

Segurança Pública.

Na continuidade fui eleita delegada para a Nacional, o que me possibilitou conhecer

um pouco do cenário em relação à temática da violência e racismo enunciada e

denunciada na fala de alguns militantes e intelectuais negros(as). Recordo-me, em

especial, da participação e contribuição para minhas reflexões da socióloga Vilma

Reis, que coordenava o grupo na ocasião. No ano de 2006, participei do Seminário

Mulheres Negras, que finalizou com a criação de uma organização de Mulheres

Negras no estado do Paraná, nascendo assim a Rede de Mulheres Negras – PR,

entidade de cuja construção ajudei e na qual permaneço filiada.

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No final de 2006 tomei conhecimento da movimentação para a realização do I

Encontro Nacional de Juventude Negra – I ENJUNE, encontro que tinha como tema

central o Extermínio da Juventude Negra. Em 2007, ajudei a impulsionar a

realização da etapa estadual, que aconteceu em julho. Meu engajamento com as

questões pautadas me levou a participar da etapa Nacional com as propostas do

Paraná. A plenária final do I ENJUNE aprovou a criação de Fóruns Estaduais de

Juventude Negra – FOJUNEs, em todos os estados participantes do Encontro. Em

dezembro de 2008, lançamos o FOJUNE-PR e em 2009 passei a integrar a

coordenação Nacional do Fórum Nacional de Juventude Negra – FONAJUNE,

composta por dois coordenadores(as) de cada estado com Fórum constituído. Em

2009 participei da II CONAPIR como delegada para o grupo de Segurança Pública.

Todos esses espaços de militância negra me deram formação acerca do tema da

violência, da segurança pública e muito especialmente do racismo brasileiro. No

entanto, foi na atividade promovida no colégio em que eu estudava que recebi a

primeira chamada de atenção para a associação de violência policial e racismo no

cotidiano de jovens negros(as).

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2. UMA BREVE DISCUSSÃO DE RAÇA E RACISMO NO BRASIL

No Brasil, o estudo sobre raça teve inicio no final do século XIX, momento em

que se dava o processo de abolição da escravatura e que promoveu uma

preocupação crescente com o efeito da raça no desenvolvimento futuro do Brasil.

Telles (2004), em sua obra sobre o racismo no Brasil, coloca que o estudo da

raça em seu inicio se deu nas ciências biológica e criminal, especialmente no

emergente campo da eugenia. Segundo o autor, naquele tempo predominava a

eugenia, que incluía ideias científicas sobre raça, conforme as quais os negros eram

inferiores e os mulatos, degenerados. Também se colocava que climas tropicais

como o do Brasil enfraqueciam a integridade biológica e mental dos seres humanos,

afirmando-se a ideia dos eugenistas do século XIX de que a população brasileira

exemplificava a degeneração biológica.

Importante para as primeiras argumentações racistas no Brasil foi Raimundo

Nina Rodrigues, um professor da importante Escola de Medicina da Bahia, seguidor

do criminologista italiano Cesare Lombroso (1835 – 1909) – médico que ficou

famoso por medir a capacidade cranial para determinar a inteligência e que

considerava que a miscigenação levava à degeneração.

De acordo a Telles (2004), Nina Rodrigues previu que o futuro do Brasil,

especialmente no norte do país, seria etnicamente negro ou mestiço e foi o primeiro

cientista brasileiro a conduzir um estudo etnográfico da origem africana da

população, declarando que os africanos eram inequivocamente inferiores. Nina

Rodrigues acreditava que os negros tinham suas capacidades reduzidas. No

entanto, não manifestava a mesma afirmação para os mulatos, o que se atribui a

sua própria condição, já que ele mesmo podia ser definido como mulato.

Nessa vertente de interpretações, os mulatos eram distintos dos índios e

negros de sangue puro e muitas vezes havia uma opinião “otimista” de que eles se

assemelhavam aos brancos. (RODRIGUES, 1935).

As teorias difundidas na década de 1930 e 1940, como o evolucionismo,

influenciaram o pensamento social brasileiro presente na obra de Nina Rodrigues. A

ideia de controle social se faz possível na promoção que o autor faz a partir de uma

classificação das raças, o que implica a diferenciação de penas para criminosos,

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segundo suas tendências biologicamente determinadas. Neste sentido, o importante

seria o criminoso e não o crime (RODRIGUES, 1935, P.182).

O evolucionismo foi para Nina Rodrigues uma verdade inquestionável, todo o

seu pensamento foi delimitado nessa teoria. Nessa interpretação, as raças, ainda

que misturadas, preservam suas tendências instintivas e inatas. Reafirma-se a ideia

de que, para esse autor, os negros são inferiores e assim permanecerão. Foram

ideias que tiveram influência no Brasil e algumas ainda permanecem, ainda que

cientificamente superadas, mas que definem formas de se relacionar no racismo,

discriminação e preconceito.

Um dos fundadores da antropologia moderna, Franz Boas, em seu texto

"Raça e Progresso" (1931), aborda a temática da eugenia e da mistura dos "tipos

raciais", devido ao contexto histórico da ascensão do Nazismo. O autor critica o

"método comparativo" evolucionista e aponta para a riqueza da diversidade cultural

existente e para a limitação de se enxergar a história dos povos como um programa

fixo, linear e unidirecional.

Cada cultura deve ser vista como única e no seu particular. A crítica ao

determinismo biológico e às idéias de eugenia mostra quão falhos eram os aspectos

"científicos" que legitimavam para os intelectuais as diferenças raciais.

Boas (1931) via que as relações fisiológicas do corpo estavam estreitamente

ligadas às condições de qualidade. Além de que grupos diferentes na aparência,

quando submetidos às mesmas condições sociais e ambientes, tinham a mesma

reação fisiológica.

Embora os indivíduos difiram em alguns aspectos, as diferenças entre as

raças são pequenas. Portanto, não há razões para se acreditar que uma raça seja

naturalmente mais inteligente, dotada de grande força de vontade, ou

emocionalmente mais estável do que outra, e que essa diferença iria influenciar

significativamente sua cultura (BOAS, 1931).

No percurso das interpretações de raça, acontece uma mudança

metodológica fundamental que alterou o discurso racialista. A ideia de raça é

substituída pela ideia de cultura; passa-se a defender as diversidades culturais e as

múltiplas maneiras que cada grupo encontra para resolver os obstáculos de

natureza.

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Boas irá influenciar diretamente o autor brasileiro Gilberto Freyre, que

aprendeu a considerar a diferença entre raça e cultura, discriminar entre os efeitos

de relações puramente genéticas e os de influência social, de herança cultural e do

meio. Freyre considera que foi a miscigenação praticada no Brasil que garantiu a

correção da distância social que, de outro modo, teria adquirido grandes distâncias

entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a senzala. (FREYRE,

1998).

A existência de uma ideologia da miscigenação democrática é um produto

recente na história do Brasil. Não é possível falar de raça e racismo no Brasil sem

tocar também na discussão de democracia racial. Todo o pensamento social

brasileiro está permeado pela construção de um país harmônico, bom para todos,

sem distinções, em especial de raça.

O mito da democracia racial considera a ideia da igualdade de oportunidades

para brancos, pretos e mestiços. Estas ideias se fortalecem em duas ordens de

argumentos: primeiro, a forte determinação dos critérios de classe no processo de

atribuições de status e de relacionamento individual; segundo, a ausência de

hostilidade manifesta e de violência entre brancos e pessoas de cor (AZEVEDO,

1975).

O Brasil sempre se apresentou, de maneira muito intensa, como uma nação

sem conflitos de cunho racial, cultural e religioso, um motivo de orgulho nacional. A

ausência de preconceito e tensões é uma imagem difundida do país, definindo as

relações raciais como amistosas e não discriminativas. Essa ideologia que perpassa

quase todo o século XX promove que os brasileiros não se identifiquem como

racistas embora reconheçam o racismo no outro.

Essa interpretação das relações raciais possibilitou que a ONU

encomendasse um trabalho de pesquisa a Florestan Fernandes com o intuito de

destacar a positividade das relações raciais no Brasil. No entanto, os resultados das

pesquisas deste autor se encaminharam para uma interpretação oposta e acabaram

por desmascarar as condições de racismo existentes no Brasil.

Num período posterior, Hasenlbag (1988, 1990) e Silva (1988) confirmaram

as conclusões de Fernandes por meio de consolidadas pesquisas, que observaram

as desigualdades contundentes reveladoras de profundos processos históricos de

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discriminação. Estudos ainda mais estabilizados por dados revelados por autores

como Osorio e Soares (2005) também sustentam o quadro de discriminação já

intuído por Florestan Fernandes.

Estes estudos foram deslegitimando a teoria da democracia racial, que

contribuiu por longo tempo para a despolitização das relações raciais, por encobrir

mecanismos de dominação e subordinação imbuídas no cotidiano das pessoas, e

reproduzidas pelas políticas sociais e econômicas, assim como também pelos

processos de socialização (HANCHARD, 2001).

Os caminhos interpretativos das relações raciais assumiram no Brasil a

miscigenação e a democracia racial como fórmula para o branqueamento que

possibilitaria a diluição da cor. Em outros lugares, como na África do Sul e nos

Estados Unidos, primou a segregação, que consiste na separação dos diversos

setores pela sua origem étnica ou “raça”.

A segregação como uma política de estado ficou conhecida pelo apartheid na

África do Sul e pelas leis de Jim Crow nos Estados Unidos. Também a segregação

pode se constituir em base a atitudes de algum setor que produz a discriminação

fundamentada na distinção racial. No Brasil, a segregação é diagnosticada. Grupos

sociais encontram-se afastados, literalmente segregados em territórios planejados

sob o recorte de cor e classe. A diferença é a não formalidade da política.

Um dado curioso e muito enunciativo é o acontecido com o então presidente

dos Estados Unidos, John Kennedy, em sua visita ao Brasil para proferir uma

palestra na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1967. Nessa

Kennedy foi agredido por um grupo de estudantes que alegavam estar contra o ódio

racial norte-americano, situação na qual ele reage fazendo a seguinte pergunta: “e

os negros brasileiros, por que não estou vendo nenhum aqui entre vocês?”, pergunta

que fica sem resposta. Na sequência o mandatário estadunidense se refere a uma

alegoria para explicar a diferença da questão racial nos Estados Unidos e Brasil:

Nos Estados Unidos o negro tem uma pistola apontada para sua cabeça; no Brasil, ela está apontada para suas costas. Para quem segura a pistola, a segunda situação, é, sem dúvida, mais cômoda. (RUFINO, 1984, p.46).

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Essa alegoria, sem dúvida, retrata as relações raciais brasileiras no que diz

respeito à necessidade de colocar o país como um lugar de não conflito de cunho

racial. A ideia de uma democracia racial possibilitou que qualquer problema que

traga como base o racial seja considerado individual e não coletivo. Contudo, o caso

dos homicídios no Brasil, dentro de toda a problemática da população negra,

desconstrói tal cenário.

Neste trabalho considera-se o conceito de raça como socialmente construído,

que tem como intuito a hierarquização dos seres humanos para sua dominação,

submissão e muitas vezes exploração. A noção de raça, que ainda permeia o

imaginário social brasileiro, tem sido utilizada para excluir ou alocar indivíduos em

determinadas posições na estrutura social e também para deixá-los viver ou morrer.

(SILVA e CARNEIRO, 2009, p. 14). Deixar viver ou morrer, no Brasil, só pode ser

lido pelo viés racial.

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3. JUVENTUDES: SER JOVEM E NEGRO FAZ DIFERENÇA

A observação sociológica nos ensina que pertencer a uma geração é

apreender um conjunto de ideias, influências, saberes, filiações indenitárias e

valores. E, para compreender de uma forma mais ampla o que seria modos de vida

na perspectiva sociológica, tem-se como referência que: “a sociedade é a ideia que

ela forma de si mesma”, ou seja, as representações sociais, normas, valores,

atitudes e ideologias são noções socialmente construídas e auto-reflexivas que

origina as identidades sociais (DURKHEIM, 1978). Assim, os modos de vida são

diferentes entre si porque diferentes são os valores que orientam esses estilos.

Compreende-se a juventude e a velhice não como “dados”, mas como

construções sociais, nas quais a idade é um dado biológico socialmente

manipulável. De forma relativista acredita-se que “sempre seremos o jovem ou o

velho de alguém” (BOURDIEU, 1983, p. 112 a 121). Dessa maneira, a juventude

seria uma categoria socialmente construída e estruturada segundo algumas

condições, como a de classe, gênero e raça. O que “acabam sempre por impor

limites e produzir uma ordem onde cada um deve se manter em seu lugar”

(BOURDIEU, 1983, p. 112).

De acordo com a tabela Pirâmide Etária, Censo de 2010 – IBGE, a população

jovem no Brasil, de 15 a 29 anos, soma 256.093,83 de brasileiros. E, de acordo com

a Fundação Perseu Abramo, os (as) jovens negros (as) chegam a 16 milhões de

pessoas, considerando-se um percentual de 47% negros (as) na juventude

brasileira1.

Se analisarmos os dados sobre desigualdade social, poderemos constatar

que realidades diferentes se apresentam à juventude brasileira, ainda que tenhamos

vivenciado na última década algumas mudanças em acesso a direitos, tentativas de

promoção de igualdade racial, como por exemplo, a implementação de política de

ação afirmativa voltada ao ensino superior. Dados recentes indicam o sucesso da

política, comprovado pelo bom desempenho dos alunos cotistas raciais.

1 Dados que embasam o material de divulgação e relatório final do I Encontro Nacional de Juventude Negra - ENJUNE.

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No entanto, os dados apresentados pelo IBGE – 2010 apontam que ainda

existe grande diferença no acesso a níveis de ensino pela população negra. No

grupo de pessoas de 15 a 24 anos que frequentavam o nível superior, 31,1% dos

estudantes eram brancos, enquanto apenas 12,8% eram pretos e 13,4% pardos.

Isso obviamente só comprova a necessidade e importância da implementação de

política de ação afirmativa voltada a esse campo, bem como a necessidade de se

pensar propostas de inclusão e permanência nos outros níveis de ensino e nos

espaços do trabalho.

Quando tratamos de índices de violência constata-se que não existem boas

noticiais para os(as) jovens negros(as). O mapa da violência construído por

Waiselfisz (2012) comprova que homicídios de jovens negros seguem crescendo no

Brasil, embora a criminalidade de jovens brancos tenha diminuído. O mesmo

documento aponta que em 2011 os jovens negros passaram a sofrer 76,9% das

mortes violentas.

Os registros do Mapa da Violência – 2012 apontam que entre 2002 e 2010

morreram assassinados no país 272.422 cidadãos negros(as), o que dá uma média

de 30.269 assassinatos por ano.

Júlio Jacob (2012) informa que, em 2010, 34.983 pessoas foram mortas na

cruenta Guerra do Iraque; as estimativas mais elevadas indicam que de 2003 até

fins de 2009 morreram 110 mil pessoas, incluindo civis, o que significa 15,7 mil por

ano. No Brasil, país que não aparenta ter conflitos raciais ou políticos, morre

assassinado o dobro de cidadãos negros(as) todos os anos e mais do triplo – 52.260

em 2010 – de seus habitantes de todas as raças e cores.

Sendo a violência um fator preponderante na vida dos jovens negros(as),

compreende-se, como postula Chaui (1999), como:

(...) um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror. A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, mudos e inertes ou passivos. (CHAUÍ, 1999, p. 3-5).

Análises sobre homicídios no Brasil têm apontado alguns fenômenos

relevantes, como interiorização e desconcentração espacial da violência, redução da

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violência em grandes centros e elevadas taxas de homicídio juvenil. Um alto nível de

homicídios está, em geral, relacionado com uma estrutura social que enfrenta alta

presença de outros tipos de violência. (IPEA, 2012).

Em análise das taxas de homicídios desagregadas por cor ou raça, de 2002

até 2009, verifica-se:

(...) redução do índice para a população total e para a população branca (respectivamente, queda de 6,4% e 21,4%), ao passo que a população negra experimentou aumento de 1,7% no mesmo indicador. Há que se ponderar que o ano de referência (2002) é considerado momento de alta dos eventos de homicídios, oferecendo, assim, um parâmetro mais elevado para a análise. Ainda assim, a taxa de homicídios da população negra em 2009 conseguiu superar os números desse período crítico. (IPEA, 2012).

A população negra carrega alguns estigmas, nesse caso, em especial, o(a)

jovem negro(a). O termo “estigma”, entre os antigos gregos, designava "sinais

corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou

de mau acerca do estatuto moral de quem os apresentava"; tratava-se de marcas

corporais, feitas com cortes ou com fogo, que identificavam de imediato um escravo

ou um criminoso. (GOFFMAN, 1963, p.11-13).

O conceito atual é mais amplo; considera-se estigmatizante qualquer

característica, não necessariamente física ou visível, que não se coaduna com o

quadro de expectativas sociais acerca de determinado indivíduo. Todas as

sociedades definem categorias acerca dos atributos considerados naturais, normais

e comuns do ser humano - identidade social virtual. O indivíduo estigmatizado é

aquele cuja identidade social real inclui qualquer atributo que frustra as expectativas

de normalidade (GOFFMAN, 1963, p.52-53).

Como já citado anteriormente, políticas de ações afirmativas foram

implementadas no Brasil com o intuito de promover a igualdade racial, tão urgente e

necessária. No entanto, estamos diante de uma realidade que comprova, sem

exagero, que a política implementada no período colonial é ainda fortemente

praticada no país. O que podemos chamar de “medo branco” continua a promover

um “massacre negro” com novas estratégias ou talvez não tão novas assim, só mais

modernas.

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Um problema social se apresenta em especial à juventude negra. Novas

políticas públicas, na educação, mercado de trabalho, entre outras, podem ser

comprometidas pela falta de mudanças em estrutura e instituições que não seguiram

os passos da tão sonhada democracia brasileira.

Se considerarmos a vida como o principal bem a ser preservado pelo Estado

e a juventude como sendo o futuro de uma nação, iremos constatar que o Brasil tem

negado um bem precioso a grande parte da sua população e, em decorrência, o que

podemos esperar não é um futuro promissor.

O Estado não tem conseguido garantir o direito de grande parte da sua

população, o de crescer e se desenvolver social, cultural, econômica e

politicamente. Dentre as diversas deficiências que se apresentam, existe um

problema central que o movimento negro tem abordado nas suas Campanhas em

torno do problema da violência e do racismo: o modelo de segurança pública, em

especial o modelo de polícia brasileira.

O movimento negro brasileiro tem denunciado que, dentro da estrutura social,

o Estado brasileiro tem-se preocupado muito mais, em relação aos jovens negros,

com o deixar morrer, tendo participação direta em suas mortes. A preservação da

vida dos(as) jovens negros(as) não tem sido tarefa desempenhada pelo Estado

brasileiro, que tem destinado e garantido à população negra as políticas de polícia.

Dessa maneira, o que define em especial a esse grupo, pelas suas práticas, é a

política de controle social perverso.

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4. EGURANÇA PÚBLICA E INSEGURANÇA PÚBLICA

O Estado deve garantir a segurança dos indivíduos, em especial a

preservação de suas vidas. No entanto, existem sérias incoerências em referencia à

segurança e preservação da vida da população negra, em especial dos jovens

negros.

Thomas Hobbes, no seu livro O Leviatã, argumenta que o Estado nasce para

garantir a segurança do indivíduo. Com a criação do Estado, as pessoas trocaram

sua liberdade pela segurança, renunciando ao direito a todas as coisas, para

garantir a paz e poupar a própria vida. (HOBBES, 1997).

Michel Foucault (1999), no livro “Em Defesa da Sociedade”, postula que o

direito do soberano de fazer morrer ou deixar viver se completa no século XIX com

um direito novo, que não apaga o primeiro, mas vai penetrá-lo, modificá-lo,

tornando-se justamente o inverso: poder de “fazer” viver e de “deixar” morrer. O

direito que se instala é de fazer viver e de deixar morrer. (FOUCAULT, 1999, p. 287).

No plano do contrato social, os indivíduos o fazem porque estão premidos pelo perigo e pela necessidade. Eles o fazem, por conseguinte, para proteger a vida. É para poderem viver que constituem um soberano. (FOUCAULT, 1999, p. 287).

De acordo com Foucault, nas sociedades normatizadas a segurança da vida

passa pelo velho direito de matar e esta ideia perversa e é assumida a partir de um

racismo. A raça é que viria a definir quem deve viver e quem deve morrer; à medida

que a raça considerada ruim é aniquilada, a vida vai se tornando mais sadia e mais

pura.

O modelo weberiano de Estado reclama para si um elemento fundamental

para sua conservação: o monopólio legítimo do uso da coerção física, da violência

em prol da manutenção da ordem. O Estado moderno toma para si o monopólio

legítimo da coação física, pois algo específico da atualidade é que a todas as

demais associações ou pessoas individuais se atribuem o direito de exercer coação

física na medida em que o Estado o permita. (WEBER, 2004).

O Estado pretende estabelecer a ordem a partir do controle social. De acordo

com Belatto (2008), diferentes linhas de argumentação conceituam as formas de

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controle social. A forma mais ideal, positiva, seria aquela que exerce seus

mecanismos de controle por intermédio da integração social, ou seja, pelo acesso de

bens e serviços materiais ou simbólicos que podem produzir certo equilíbrio

estrutural espontâneo.

A autora postula que o termo controle social e os problemas que ele envolve

têm distintos significados e não há um acordo quanto a sua definição e campo de

ação, mesmo no âmbito das ciências sociais.

A ideia utilizada de controle social do ponto de vista sociológico, em uma

visão mais clássica, encontra-se bem resumida no pensamento de Durkheim:

(...) é um conjunto de modelos culturais, símbolos sociais, significados espirituais coletivos, valores, idéias e ideais, assim como também as ações e os processos diretamente relacionados com eles, mediante os quais toda a sociedade, todo grupo particular e todo membro individual componente vencem as tensões e os conflitos interiores próprios e restabelecem um equilíbrio interno temporário, o que os dá a possibilidade de seguir adiante com novos esforços de criação coletiva (GURVITCH, 1965, p. 265).

Já o controle social perverso constitui-se através dos mecanismos que o

Estado adota no enfrentamento da criminalidade, bem como nas dinâmicas da

estigmatização que estas práticas de controle perverso impõem a uma categoria

social específica: a dos pobres (Moraes, 2006).

A segurança pública seria um efeito de controle social. Portanto resultado de

um processo de integração e interação entre os membros de uma determinada

sociedade, capaz de gerar a sensação de segurança ou de ausência de medo, em

espaços públicos e privados. (MORAES, BERLATTO, 2011).

Em regimes democráticos, o conceito de segurança pública tende a fazer

referência principalmente à garantia dos direitos dos cidadãos, particularmente o

direito à vida, à liberdade e à igualdade de todos perante a lei, elementos

fundamentais do “Estado de direito” (MESQUITA, 2011, p. 33). Portanto, cabendo

ao Estado à garantia de direitos, de acesso aos seus serviços sem qualquer

distinção, de classe, raça, gênero e idade.

No Brasil, assim como em outros países da América Latina, onde se

estabeleceram regimes autoritários, dos anos 1960 a 1980, o conceito de segurança

pública ganhou uma conotação negativa, sendo associado ao conceito de segurança

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interna e segurança nacional, indicando a segurança do Estado ou do governo mais

do que a segurança dos cidadãos (MESQUITA, 2011). Em 1988, segurança pública

passou a ser tratada como instrumentos de “defesa do Estado e das instituições

democráticas”, juntamente com as polícias federais, as polícias estaduais e as

guardas municipais. As policiais militares e os corpos de bombeiros militares são

considerados na Constituição de 1988, como na de 1967, “forças auxiliares, reserva

do Exército” (MESQUITA, 2011, p. 34).

A Constituição Federal de 1988 adotou o conceito de “segurança pública” de

forma ambígua e imprecisa. Na Constituição de 1988, a segurança pública é uma

função de organizações estatais especializadas, mais especificamente das policiais

e corpos de bombeiros, voltadas para a proteção da ordem pública, das pessoas e

do patrimônio (MESQUITA, 2011, p. 35). O autor apresenta a transição para a

democracia como um processo incompleto, e as organizações estatais responsáveis

pela segurança pública passam a se dedicar à proteção dos cidadãos, mas sem

abrir mão da sua função principal de proteção do Estado ou do governo

(MESQUITA, 2011, p. 35).

No Brasil, o termo tem sido reduzido à manutenção da ordem. Isso ocorre por

ser a segurança pública de responsabilidade de duas instituições, sistema de justiça

criminal - as policiais, e as políticas das Secretarias Estaduais de Segurança

Pública. O modelo de Segurança Pública como sinônimo de manutenção da ordem

reúne problemas sérios, como a escalada ou estabilização em patamares altos da

taxa de homicídios (MORAES, BELOTTO, 2011).

Pode-se perceber que a transição democrática não passou pela segurança

pública. Em especial ao focarmos nas regras internas da Polícia Militar.

Thomas Holloway (1997), no livro A Polícia no Rio de Janeiro, apresenta a

criação da polícia no Brasil e o seu papel, definida nas seguintes palavras:

As instituições policiais de tipo moderno surgiram no Brasil durante a multifacetada transição do século XVIII para o XIX. As instituições estatais assumiram a autoridade que antes era exercida principalmente pelas hierarquias personalistas. As mudanças conexas incluíram a transição da vontade arbitrária do soberano para procedimentos judiciais baseados amplamente nos direitos do homem e do cidadão, bem como a tortura pública para o encarceramento disciplinar como meio de punição, além da criação de instituições burocráticas como a polícia, para preencher o espaço público. Usando a polícia o Estado assumiu a tarefa de proteger a

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sociedade – controle do comportamento público. (HOLLOWAY, 1997, p. 21).

O modelo de polícia que nasce do Rio de Janeiro é o modelo que se adota no

Brasil. A polícia assumiu o papel de proteger uma parte da sua população da outra

parte, aquela que ocupava as ruas.

Desde o inicio a polícia se organizou como instituição militar, de modo que sua força coercitiva podia ser controlada pela disciplina, canalizada pela hierarquia e dirigida a alvos específicos. A justificativa fundamental das organizações militares é concentrar, regular e dirigir forças contra o inimigo. O inimigo do Rio de Janeiro era a própria sociedade – não a sociedade como um todo, mas os que violavam as regras de comportamento estabelecidas pela elite política que criou a polícia e dirigiu a sua ação. (HOLLOWAY, 1997, p. 50).

A polícia no Brasil nasce para o controle das classes perigosas. Na Colônia,

tais classes eram compostas de escravos, pretos libertos, capoeiristas e alguns

imigrantes, e os métodos da polícia, na relação com esta população, “espelhavam a

violência e brutalidade da vida nas ruas e da sociedade escravocrata em geral”

(HOLLOWAY, 1997, p. 50). Ainda hoje, tais classes são representadas basicamente

pelos mesmos indivíduos, jovens, pobres, territorialmente localizados e negros(as).

A democracia não influenciou as regras internas da polícia militar, e os

problemas de tal estrutura se apresentam cotidianamente nas ruas dos grandes

centros urbanos. Podemos constar que o inimigo interno do Estado também não

mudou, segue sendo a população negra, em especial a juventude negra, que

continua carregando o perfil de perturbador da ordem, o inimigo a ser combatido e

eliminado.

O sistema de justiça criminal, seus entes e dinâmicas, incidem seletivamente sobre a população pobre que, por sua vez, possui o maior contingente de negros e moradores de periferia, numa dinâmica que Coelho (1978) chamou de criminalização da marginalidade. O sistema de justiça criminal também não protege adequadamente as categorias sociais expostas à violência de gênero, como a população LGBT e mulheres. Há ainda o fenômeno da participação dos agentes estatais na reprodução ou ampliação dos índices de violência, por exemplo, no alto índice de assassinatos executados por policiais sob a alegação de “auto de resistência”, ou nos casos de corrupção e envolvimento direto com o trafico de drogas e, de forma cada vez mais incisiva e ampliada, pela ação das milícias em territórios pauperizados. (MORAES, BELATTO, 2011).

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Essa ação policial revela um modelo de segurança pública centrado na ideia

de guerra contra um inimigo, ou seja, na articulação entre a militarização da polícia e

a policialização da sociedade, elementos que funcionam como formas de controle

social perverso na medida em que criminalizam a pobreza e produzem medo por

intermédio da estigmatização dos pobres, mais especialmente, como aqui tratado,

jovens negros (MORAES, 2006).

A segurança pública brasileira até poderá ser entendida para parte da sua

população, como um serviço do Estado para proteção da vida e garantia da

liberdade. No entanto, esse não é um sentimento vivenciado por todos (as) os(as)

cidadãos(as).

Grande parte da população composta por negros (as), pobres e moradores de

se caracteriza como o grupo que o braço armado do Estado age em proteção a

outra parte populacional. As polícias no Brasil continuam a serviço de uma elite

econômica e política, eliminando constantemente o perigo, a ameaça.

No entanto, a polícia não pode ser separada da sociedade que lhe deu tal

forma. Cada um tem a polícia que merece. Se os policiais correspondem às

expectativas é somente porque há expectadores (SANTIAGO, 2006).

As altas taxas de homicídios no Brasil só podem ser lidas pelo viés racial.

Portanto, as relações raciais e sociais e o tipo de racismo brasileiro ainda constituem

importante base de análise da sociedade brasileira e sua constituição.

Vilma Reis, socióloga, professora da UFBA, militante negra - Conselho de

Desenvolvimento da Comunidade Negra – BA, em depoimento dado à CPI da

Violência Urbana (2009), faz a seguinte colocação no final de sua fala:

“(...) Não estamos falando de um Estado paralelo. Mas de um Estado organizado para matar negros. Um Estado secularmente organizado para matar negros (...). A existência de policias no Brasil, data do inicio do século XIX, nasceram e foram organizadas para caçar e matar negros. E por isso que o modelo policial ele é incompatível com a nossa existência. (...). Porque estamos falando de instituições erguidas para caçar, torturar, humilhar e matar negros. Eu termino dizendo que nós não vamos morrer em

silêncio.” (CPI Violência Urbana, BAHIA, 2009)2.

2 Vídeo da CPI, dividido em partes. Aqui citada, 2ª parte:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=ne6ou89YXWk#at=17.

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A criação das polícias no Brasil e os dados aqui apresentados demonstram

que estamos diante de um problema social importante a ser investigado, o processo

de genocídio e extermínio de jovens negros(as), com participação direta do Estado,

em especial, por meio da ação violenta da polícia.

A sociedade civil organizada, as instituições públicas e privadas e o poder

público precisam olhar com mais atenção para tal cenário brasileiro. São vitimas de

homicídios no país um número alarmante de sujeitos do mesmo sexo, idade e cor de

pele.

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5. A CIDADE DE CURITIBA E O TEMA DO RACISMO, VIOLÊNCIA E POLÍCIA

Um histórico da constituição da cidade de Curitiba é importante ao falarmos

de racismo, juventude e violência. Curitiba é a capital do estado mais negro da

região Sul do país. No Paraná, um pouco mais de 28% da sua população que se

declara preta e parda; em Curitiba, um pouco mais de 25%, de acordo com os dados

do IBGE 2012.

Esses dados são significativos na tradução da representatividade

populacional negra e significativos ao discutirmos a construção dada ao Paraná

enquanto um estado branco, de descendência europeia por excelência.

A cidade de Curitiba se constrói como uma “capital europeia”. Essa

construção irá se traduzir na invisibilidade da população negra na construção do

estado e consequentemente da sua capital, bem como no estranhamento de alguns

sujeitos negros (as) no trânsito por alguns espaços da cidade.

Garantiu-se ao longo da história o discurso de que o Paraná e sua capital,

Curitiba, seriam, como afirmou WILSON (1955), “Um Brasil Diferente”, ou seja,

diferente do resto do Brasil, ignorando a participação dos(as) negros(as) na sua

construção econômica, política e cultural, inclusive as contribuições para a cidade do

trabalho escravo e principalmente do trabalho dos negros libertos que participaram

da construção e erguimento da capital.

O investimento do poder público privilegiou na arquitetura e na urbanidade da

cidade as etnias mais valorizadas política, econômica e culturalmente. Dessa

maneira, se garante a participação de alguns grupos étnicos/raciais privilegiados e

nega-se outros, em especial as contribuições da população negra.

Estes grupos étnico/raciais privilegiados são homenageados com

monumentos e praças: Bosque do Papa (homenagem aos poloneses), Portal Italiano

de Santa Felicidade, Parque Tingui (população ucraniana), Praça do Japão, entre

outros. No entanto, os referenciais que podemos citar em lembrança à população

negra não existem ou são escondidos ou negados.

Algumas das poucas referências construídas pelo poder público em

homenagem à população negra são uma placa de granito feito pela Câmara de

Vereadores, localizada na Praça Santos Andrade, oculta em meio às flores da Praça

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e outra referência é a Praça Zumbi, localizada no bairro Pinheirinho, região pobre,

completamente esquecida pelos investimentos do estado, em todos os sentidos.

Em Curitiba foi reforçado muito intensamente pela gestão municipal de Rafael

Greca de Macedo o mito local de que o Paraná e Curitiba seriam, como escreveu

Wilson Martins, “Um Brasil Diferente”. O que o autor vai considerar “diferente” é,

segundo suas próprias palavras, que “Não houve escravidão no Paraná”.

A invisibilidade da população negra também é cultivada pelos historiadores

nativos, a exemplo de Romário Martins e Wilson Martins, que negaram ou

minimizaram a presença negra no estado. Dessa maneira, temos uma história e uma

arquitetura que sistematicamente negam o direito à existência negra pela produção

de sua invisibilidade. Mesmo com os dados do IBGE, que demonstram a declaração

de parte significativa da população como pretas ou pardas, essa inexiste no discurso

oficial. “Invisibilizar tamanho grupo social só é possível por intermédio de um longo

processo de negação, exclusão e violência” (MORAES, 1998).

O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC, no

caderno população – análise de censo - 2010, trás o número de população branca e

o percentual de pretos e pardos. No entanto, essa divisão da população por

raça/cor, desaparece dos demais cadernos temáticos: segurança, moradia, pobreza,

entre outros. Não sendo possível saber onde está a população negra de Curitiba,

qual é o seu perfil, onde moram.

Sendo essas informações possíveis de serem apresentadas, considerando

que o Instituto informa detalhadamente a população total por bairro, seu perfil, idade,

sexo, quantos nasceram e quantos morreram, entre outras. Não identificar a

população negra na cidade e as suas condições, traduz esse processo de

invisibilidade.

Nesse sentido, algumas perguntas sociológicas se fazem necessárias. A

principal seria sobre os desdobramentos sociais para o grupo negado. Podemos

dizer, sem dúvida, que os problemas da invisibilidade são vários: a falta de

oportunidades, a dificuldade de transitar pelos espaços sociais, a dificuldade da

mobilidade social, fatores que são mediados pelo preconceito racial.

Estamos considerando que o racismo e preconceito racial são um problema

social brasileiro; no entanto, esse problema pode se potencializar diante da sua total

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negação de existência. Esse preconceito racial se manifesta no cotidiano, e

pesquisas indicam que ele se mostra em diversos campos, inclusive na relação da

polícia com os jovens negros da cidade.

Antes de exibir o envolvimento dos temas, racismo, violência, segurança

pública e juventude, é necessária uma breve apresentação da Polícia Militar do

estado do Paraná, especialmente sua característica de policiamento ostensivo e

relação com casos de homicídios relacionados.

Todo o material para essa abordagem foi retirado de dois trabalhos

monográficos de autoria de Marcelo Bordin: “A Falência do Modelo Brasileiro de

Policiamento Ostensivo e sua Relação com o Aumento da Criminalidade em Curitiba

1992 – 2002” (2004) e “A Política de Segurança Pública no Governo Jaime Lerner

1995-2003” (2005).

A Polícia Militar do estado do Paraná tema seguinte configuração:

É um órgão da administração direta do estado está dividido em três comandos, o CPC (Comando do Policiamento da Capital), CPI (Comando do Policiamento do Interior) e CCB (Comando do Corpo de Bombeiros). A estrutura da polícia militar ainda conta com o Comando Geral e suas seções (PM1 (Pessoal), PM2 (Informações), PM3 (Planejamento e Estatística), PM4 (Logística), PM5 (Relações Públicas) e PM6 (Planejamento orçamentário), tendo ainda uma Diretoria de Ensino, uma de Apoio Logístico e uma de Pessoal, sendo essas três diretorias órgãos de apoio. Nas unidades restantes (Batalhões e Companhias) a divisão administrativa segue o mesmo modelo, exceto pela Sexta Seção, que é exclusiva do Comando Geral. (BORDIN, 2004, p. 24).

3

Em Curitiba o policiamento ainda é reforçado pela Companhia de Polícia de

Choque através de sua subunidade RONE (Rondas Ostensivas de Natureza

Especial). A Companhia de Choque possui um Canil e uma unidade de operações

especiais, COE (Comando e Operações Especiais), que atua em situações com

reféns e explosivos (BORDIN, 2004, p. 25). A Companhia de Choque atualmente

(2013)é denominada Batalhão de Operações Especiais – BOPE, e está subdividida

em companhias de Operações com Cães, RONE, Comandos e Operações Especiais

– COE e Companhias de Choque para controle de distúrbios civis.

3 Atualmente foram extintos o CPC e o CPI, e foram criados Comandos Regionais de Polícia

Militar (CRPM´s), que congregam alguns batalhões em determinadas regiões, conforme informado:

http://www.policiamilitar.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=10

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As forças policiais brasileiras mantiveram o mesmo formato do começo do

século XX, sofrendo transformações após o golpe militar de 1964. Até esse período

a Polícia Civil era responsável pelo policiamento ostensivo em muitas cidades, em

especial nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Após essa data, as polícias

militares passaram a ter a função de combate ao comunismo, tornando-se o

policiamento ostensivo no Brasil.

O Estado do Paraná na década de 1990 teve um acréscimo no número de

ocorrências criminais e consequentemente um aumento na repressão policial. O

estado faz um intercâmbio da sua polícia militar com polícias estaduais de outros

países, em especial Estados Unidos e Israel.

Esse intercâmbio, em especial com a PM paulista, especificamente no 1º Batalhão de Choque, onde estão situadas às tristemente famosas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), alimentou ainda mais um modelo de guerra contra um inimigo que deve ser totalmente aniquilado, e também o treinamento em outros países, aonde a lógica de policiamento ostensivo é totalmente diferente e treinamento em situações de confronto é equivalente ao combate em uma guerra. (BORDIN, 2005,30).

O Paraná tem um aumento nos casos de homicídios, que subiram de 1.329

casos em 1996 para 2.266 em 2002.

A utilização de técnicas antiquadas e amparadas por mecanismos legais criados em um período ditatorial e mantidos em um período “democrático”, fez com que a repressão por parte das instituições policiais continuasse nos mesmos moldes gerando com isso um aumento no número de homicídios cometidos por policiais militares paranaenses em serviço durante o período de 1989 (18 casos) até 2004 (80 casos), atingindo um pico de 110 casos em 2001. (BORDIN, 2005, p, 30).

O Estado de São Paulo tem a maior força policial militar do país,

aproximadamente 85 mil homens e mulheres, e tem uma média anual de civis

mortos em confrontos com policiais militares em serviço de aproximadamente de 300

casos. O Estado do Paraná possui aproximadamente 17 mil policiais militares e uma

média anual (de 1990 até 2004) de aproximadamente 89 casos de homicídios

cometidos por policiais militares em serviço. Se comparados, os policiais militares do

Paraná matam mais em serviço que os paulistas (BORDIN, 2005, p. 31).

A cidade de Curitiba presencia a triplicação dos números a partir de 1995,

saltando de cinco para quinze. Na Região Metropolitana, o número de civis mortos

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em confronto com policiais militares salta de um para quatro, chegando ao fim de

oito anos de governo Jaime Lerner com quarenta óbitos na capital e treze na região

metropolitana (BORDIN, 2005, 36).

Ao verificarmos os números de civis mortos em confrontos com policiais militares paranaenses em serviço a partir de 1990, notamos uma forte tendência no aumento desses números, independente de qualquer orientação política dos integrantes do governo estadual, ou seja, podemos observar que no período estudado a polícia militar não foi influenciada por políticas públicas formuladas pelo governo estadual, ou seja, apesar de uma influência governamental na política de Segurança Pública, verificamos que as tradições autoritárias ainda em voga nas instituições policiais militares são elemento norteador no que diz respeito à violência letal estatal e as violações dos direitos humanos (BORDIN, 2005, 36).

As mesmas técnicas de combate à criminalidade herdadas do regime militar

continuam a imperar. A violência policial e a perseguição às chamadas classes

perigosas não diminuem os registros criminais no país, como no Paraná e em

Curitiba. Ao contrário, cresce o número de registros de mortes nas ações policiais,

aumentando as taxas de homicídios com responsabilidade das ações policiais.

Pesquisas da UNESCO (1999) desenvolvidas em três grandes cidades

brasileiras, Rio de Janeiro, Fortaleza e Curitiba, abordam as múltiplas faces dos

jovens, seus dilemas e desafios, suas dúvidas e incertezas, suas alegrias e

sofrimentos, sonhos e desejos de futuro. São realizadas pesquisas em Curitiba

dentro do Projeto da UNESCO, que buscam compreender as relações entre

juventude, violência e cidadania. Tal estudo é publicado na obra produzida pela

pesquisa da UNESCO - Os Jovens de Curitiba: esperança e desencantos,

UNESCO, 1999.

O importante de observar nessa pesquisa é um elemento que se impõe como

tema fundamental – segurança pública, particularmente a violência policial. O tema

da segurança pública e a participação da polícia como temas de pesquisa não

tinham sido considerados inicialmente. Foram incorporados posteriormente devido à

recorrência na fala dos jovens sobre a violência policial como um problema

enfrentado por eles.

Em decorrência, foi acrescentado o 9º Capítulo, referente à Segurança

Pública. A pesquisa mostra que, entre os serviços públicos abordados para

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avaliação dos(as) jovens, a segurança obteve a pior avaliação. Ao abordar o que

os(as) jovens menos gostam na cidade, a violência aparece em primeiro lugar.

Os jovens pretos, pardos (negros) consideram a ação violenta da polícia

como o que mais detestam na cidade. Os abusos policiais estão presentes nas falas

e debates dos grupos focais considerados na pesquisa. Chama atenção a descrição

de momentos de extrema violência, que se caracterizam em tortura de meninos em

situação de rua, e as humilhações sofridas pelos jovens de grupos de

homossexuais.

O estudo confirma um indicativo da literatura, consolidados em outras

pesquisas - a violência policial tem um forte viés de discriminação social e racial. A

fala de um jovem negro ouvido reafirma que a chance de um jovem negro ser

abordado como suspeito é sempre maior. Tal como assevera o relato de um jovem

participante da pesquisa:

Eu acho que para os policiais o maior problema que acontece [é] contra negro, ainda mais se for pobre (...) Digamos, sou cidadão, ele é negro e pobre, sofreu uma discriminação no meio da rua, qual que é o primeiro passo: ele tem que ter testemunha, mas para ele chegar na delegacia e dar queixa contra um policial já tem um problema. Escola Pública/Meninos Negros/Noite. (UNESCO, 1999, p. 292).

Os(as) jovens negros(as), bem como outros grupos de jovens com maior

negação social, queixam-se de um tratamento diferenciado, em relação a outros

jovens, e que se constitui como maior violência do aparato policial.

O tema do racismo, juventude e violência policial é uma demanda identificada

na cidade de Curitiba pelos jovens, num determinado momento, quando são

indagados sobre os problemas enfrentados no seu cotidiano na cidade.

O Movimento Negro Unificado – MNU ganha um grupo na cidade de Curitiba

no dia 13 de maio de 1996. Sua fundação na cidade, assim como em São Paulo em

1978, é marcada por manifestação em praça pública, denunciando a morte de um

trabalhador negro - Carlos Adilson de Siqueira foi morto por skinheads no Largo da

Ordem. As manifestações em denúncia da morte de Carlos receberam lideranças

nacionais do MNU. Em conjunto com lideranças locais e devido a algumas iniciativas

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que objetivavam fundar uma seção no PR, criou-se o Núcleo Carlos Adilson de

Siqueira, em homenagem ao jovem negro assassinado. 4

No ano de 2004, o Fórum de Entidades Negras do Estado do Paraná

promoveu o I Seminário “Em defesa da vida, contra o racismo e a violência policial”.

O Seminário durou três dias e aconteceu no auditório do Quartel da Polícia Militar do

Paraná, com participação de oficiais nas falas e funcionários (as) do sistema judicial.

O seminário teve como programação: 1ª dia (11/05): Conferência – Segurança

Pública e relações raciais: proposições para uma nova práxis no seio das

instituições da Justiça e da Segurança Pública. No 2ª dia (12/05): Palestra 1:

Pressupostos do humanismo negro-africano: o ser humano como constitutivo de

uma Existência biomitica e/ou de uma sacralidade antológica (antropotheogônica);

palestra 2: Os órgãos de Segurança Pública e sua herança escravagista. Palestra 3:

Racismo e Violência Policial. 3ª dia (13/05): Palestra 1: Experiências de Polícia

Comunitária e do Policiamento Comunitário Brasileiro no enfrentamento da Violência

e das questões raciais. Palestra 2: Propostas de erradicação do racismo nos órgãos

da justiça, segurança pública e Defesa Social. Atividade final: Confecção e

Aprovação da Carta Proposta do Seminário.

O Fórum de Entidades Negras do Paraná, composto por um conjunto de

entidades do Movimento Negro do estado, neste momento está se propondo a

discutir a instituição militar, a ação da polícia e o sistema de justiça, identificando

como problema central desta ação, a violência e o racismo.

O “Mapa da Violência” (2008) colocava a cidade de Curitiba entre as mais

violenta da região Sul. Curitiba é um dos 556 municípios que concentram mais de

70% dos homicídios do país. As cidades que integram a lista representam apenas

10% do total de municípios, mas concentram 44,1% da população do Brasil. É o que

mostra o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008, elaborado pela Rede

de informação Tecnológica Latino-america (RITLA). O estudo divulgou, ainda, que

Curitiba é a capital mais violenta da região Sul e a sétima do país, com 44,6

assassinatos por cada grupo de 100 mil habitantes.

4 Informações colhidas por escrito com Almira Maciel, militante do MNU em Curitiba.

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Com base nesse cenário, é importante pensar Curitiba associada às ideias de

violência e racismo. Nesse sentido, uma discussão que é pertinente e merece

sempre uma análise é aquela relativa à invisibilidade da população negra curitibana

e à construção da cidade enquanto uma capital europeia.

O estado do Paraná implementou recentemente as Unidade Paraná Seguro –

UPS, um Programa de Segurança Pública, uma versão paranaense das Unidades

de Polícia Pacificadora – UPPs, do Rio de Janeiro. O bairro Uberaba, em Curitiba,

recebeu a primeira unidade, no dia 01 de março de 2012. O então secretário de

Segurança Pública apresentou os objetivos do Programa em matéria veiculada pelo

Jornal Gazeta do Povo:

Reinaldo de Almeida César afirma que os objetivos são de “melhorar a condição da segurança pública no local, diminuindo a taxa de homicídios, problemas com tráfico de drogas, entre outros”. Ainda segundo o secretário, em entrevista para a TV local, a idéia da ação é que “em um momento subsequente, que nós iniciamos hoje, em um trabalho muito forte de policiamento comunitário por parte da Polícia Militar, na capacidade de polícia de proximidade, uma Polícia Militar amiga da população, com ações de políticas públicas que podem mudar a realidade de uma região”

5 (Gazeta

do Povo, 06/03/2012).

No entanto, essa amizade não foi estabelecida já na primeira invasão da

polícia, ao menos com o Ismael, jovem negro, portador de uma deficiência física em

uma das pernas e servente de pedreiro. Ele foi torturado e preso. Ismael teve o azar

de passar de bicicleta por uma viatura, às 17h, após um dia de trabalho, conforme

matéria da Gazeta do Povo:

Após pedalar por algumas quadras, foi avistado por uma viatura da PM que participa da Unidade do Paraná Seguro (UPS). Segundo ele, o veículo fez a volta e bloqueou a passagem. “Passou por nós, azar o seu. Cadê a arma?”, perguntou um dos policiais saindo da viatura. Ismael disse que não tinha qualquer arma. Outro policial o derrubou da bicicleta e, com o servente no chão, apertou-lhe a garganta. Outro deu um chute nas costelas e perguntou mais uma vez sobre uma arma. Ismael respondeu pedindo para que os policiais o acompanhassem até em casa, onde poderia apresentar documentos. Foi então colocado no camburão. Segundo ele, xingamentos racistas começaram a pipocar, e se tornaram a

5 Matéria completa no site:

http://www.gazetadopovo.com.br/pazsemvozemedo/conteudo.phtml?tl=1&id=1230463&tit=OAB-

denuncia-PMs-por-tortura

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forma-padrão de tratamento até o fim do cativeiro. (...) os policiais entraram na casa e começaram a vasculhar os cômodos, abrindo armários e jogando objetos no chão. Disseram que estavam procurando armas. “Temos um flagrante. Ele confessou que fez um assalto e a vítima já o reconheceu”, disse um PM. Enquanto isso, Ismael permanecia trancado na viatura estacionada do outro lado da rua. Ninguém podia vê-lo. (...). Após a busca no imóvel, que se revelou infrutífera, a patrulha foi embora levando Ismael. (...). Os policiais informaram que ele estava preso, mas não revelaram para qual delegacia seria levado. (Gazeta do Povo, 2012).

É importante ter em mente que tanto a UPS quanto as UPPs, implementadas

em quase todas as favelas do Rio de Janeiro, são um projeto de Segurança Pública,

destinado a uma parcela da população, concentrada territorialmente. O projeto se

traduz como uma política de controle social perverso destinado às tais classes

perigosas, pobres, negros e moradores de periferias. Dessa maneira, contradiz a

ideia de uma polícia comunitária, amiga e pacificadora. Bellato (2008) afirma:

A construção que se fez em Curitiba das suas etnias garantem a sujeição mais eficaz que o poder de polícia. O poder de polícia só vem a reforçar o controle social que se torna, graças à intermediação da violência extrema, perverso. (BELLATO, 2008, 65).

Tal cenário aqui exposto desmonta a propaganda de Curitiba como uma

capital europeia e ao mesmo tempo desmonta outra ideia preponderante que se

refere à Curitiba como cidade de primeiro mundo, na suposição de que apresenta

condições para assim ser nomeada. Curitiba mostra os mesmos problemas de

qualquer grande cidade: territorialização de determinados grupos, pobreza,

preconceito, entre outros. Automaticamente, as instituições reproduzem e

respondem a uma política estabelecida, que visa limpar a cidade dos indesejáveis.

Nesse sentido, ao falarmos de violência, racismo, juventude e segurança

pública, o que se conclui é que, embora a quantidade populacional negra se

modifique de estado para estado, de cidade para cidade, ao se abordar o tema da

violência a vítima não muda: regularmente são os jovens negros.

Entidades negras do Paraná e outras entidades nacionais percebem a

importância de discutir, junto com a comunidade, a polícia e o Estado a ação que

vitimiza uma parcela significativa da sociedade, os jovens negros.

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6. “RESOLVEMOS POLITIZAR A NOSSA MORTE”: MILITÂNCIA NEGRA E O ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA RACIAL

A resistência e formação de grupos negros são datadas desde a chegada dos

povos africanos ao Brasil. Isso se evidencia nos atentados aos senhores e feitores,

em decorrência das condições do regime servil e contra o linchamento de escravos.

As fugas em massa e a formação de redutos denominados quilombos ou mocambos

são, desde 1600, a manifestação mais ostensiva de resistência. Alguns desses

quilombos requereram muitos anos para ser exterminados. (AZEVEDO, 1975). Nos

quilombos se organizavam rebeliões e estratégias de resistência, provocando um

constante atrito com as forças repressivas.

A resistência da população negra foi se constituindo como o Movimento

Negro Brasileiro e foi passando por momentos de transformações. Foram processos

de transição que caminharam com as modificações políticas do Estado brasileiro.

Sua trajetória pode ser dividida em quatro fases, conforme DOMINGUES (2007).

A primeira fase é do movimento organizado na República (1889-1937),

Estado Novo. Nesse momento os libertos da escravidão e seus descendentes

instituíram os movimentos de mobilização racial negra no Brasil, criando inicialmente

dezenas de grupos (grêmios, clubes ou associações) em alguns estados da nação.

A segunda fase se organiza na República (1945-1964) e abrange desde a

Segunda República e perdura até o Golpe militar de 1964. Nesse momento houve

uma ampliação das ações, decorrente de uma ampliação da discriminação racial em

vários setores da sociedade; no entanto, esse momento não teria o mesmo poder de

aglutinação do anterior.

A terceira fase do Movimento Negro organizado constitui-se na República

(1978-2000), do inicio do processo de redemocratização da República Nova. A

ênfase dada nesse momento é para a criação do Movimento Negro Unificado –

MNU. Posteriormente outras entidades negras levantaram-se em protestos e

campanhas erguidas muito fortemente, contra condições, como, por exemplo, a

mestiçagem, considerando que esta sempre teria cumprido um papel negativo de

diluição da identidade do negro no Brasil.

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Na quarta fase, Domingues (2007) considera a entrada e contribuições do

Movimento Hip-Hop na discussão racial. Esse movimento intensifica a denúncia do

racismo, sinalizando assim uma nova fase para o Movimento Negro.

Entende-se por Movimento Negro contemporâneo o conjunto dos movimentos

sociais antirracismo que se organizam no Brasil nos anos de 1970. Seu objetivo,

conforme D’Adesky (2001), é subverter, de alto a baixo, a ideologia do

branqueamento, desmascarando o mito da democracia racial e seu uso em proveito

da classe dominante.

Para os organizadores do I Encontro Nacional de Entidades Negras, realizado

de 14 a 17 de novembro de 1991 na cidade de São Paulo, o Movimento Negro se

define como o conjunto de entidades e grupos, de maioria negra, que têm o objetivo

especifico de combater o racismo e/ou expressar valores culturais de matrizes

africanas e não vinculados a estruturas governamentais ou partidárias (D’ADESKY

(2001, p. 151).

O ressurgimento do Movimento Negro Brasileiro nos anos de 1970 cruza com

a criação do MNU. É com inspiração dessa organização que se traz de volta à cena

política do país o movimento negro organizado. Considera-se, nesse sentido, que o

MNU é um dos mais importantes movimento de negros(as) da história de militância

brasileira – o nascimento do MNU significou um marco na história do protesto negro

do país, porque, entre outros motivos, desenvolveu-se a proposta de unificar a luta

de todos os grupos e organizações anti-racistas em escala nacional. (DOMINGUES,

2007, p. 100).

A primeira atividade desenvolvida pelo MNU foi um ato público em repúdio à

discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em

protesto à morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro,

torturado até a morte no 44º Distrito de Guainases. O ato público foi realizado no dia

07 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, reunindo

cerca de 2 mil pessoas6.

As denúncias e reivindicações do Movimento Negro ao longo da sua história

são extensas, decorrentes do racismo brasileiro que intensifica os problemas e

6 Pesquisando o Movimento Negro no Brasil-Fonte: http://maniadehistoria.wordpress.com/pesquisando-o-movimento-negro-no-brasil

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barreiras enfrentadas pela população negra, no acesso a direitos humanos básicos,

como acesso à educação, saúde, cultura, mercado de trabalho, justiça, espaços

políticos, entre outros.

Contudo, os avanços e conquistas na ação política são inúmeras. Podemos

citar, como exemplos de grandes conquistas para a sociedade brasileira, as políticas

de ações afirmativas voltadas ao ensino superior – sistema de cotas raciais nas

universidades públicas e a aprovação da Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o

Ensino de História da África e Cultura Africana em todos os anos da vida escolar,

nas instituições públicas e privadas.

O movimento negro se organiza em diferentes momentos ao longo dos anos,

por meio de eventos, encontros, palestras, seminários, simpósios e campanhas

estaduais e nacionais, discutindo e denunciando a morte sistemática de negros(as),

principalmente jovens. O objetivo é chamar a atenção da população brasileira para o

processo de genocídio e extermínio da população negra ao longo dos anos,

principalmente destacando a agressão sofrida pelas vítimas feitas pela ação do

Estado, em especial pela ação violenta da polícia para com jovens negros do sexo

masculino.

Dois importantes conceitos foram citados anteriormente e merecem sua

apresentação para melhor entendimento do grau da denúncia que se faz da

realidade brasileira, em especial para a população negra: genocídio e extermínio.

A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio

(1948), artigo II, define Genocídio como:

(...) qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como: assassinato de membros do grupo; dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo, transparência forçada de menores do grupo para outro. (Convenção 1948 Apud SILVA,CARNEIRO, 2009).

Esta definição expressa com bastante fidelidade a condição a que está

exposta a população negra no país, e é isso que o Movimento Negro denuncia.

Três importantes campanhas nacionais foram criadas contra a morte

sistemática de jovens negros no Brasil (destacando/priorizando a morte de jovens do

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sexo masculino), lançadas por organizações do movimento negro: Campanha “Não

matem nossas crianças”, Rio de Janeiro, 1989; Campanha “Reaja ou Será Morto,

Reaja ou Será morta”, Salvador – BA, 2005 e Campanha Nacional Contra o

Extermínio da Juventude Negra, 2009.

Nas Campanhas, e uma em especial, considera-se o termo “extermínio” para

expressar a condição dos jovens negros no Brasil, Segundo o dicionário de

português, ”extermínio” significa – Ação ou efeito de exterminar; exterminação.

Exterminar significa destruir, com mortandade; aniquilar, acabar com; eliminar;

extirpar.

Outras atividades nacionais como o I Encontro Nacional de Juventude Negra

– I ENJUNE, 2007, e o I Encontro Pela Vida e Por Outro Modelo de Segurança

Pública – I ENPOSP, nos ajudaram a traçar essa militância acerca do problema da

violência e da chamada de atenção para os problemas que se apresentam com o

modelo de segurança pública brasileira.

As campanhas e atividades aqui consideradas estão ligadas a casos de

violência de grande impacto nos seus estados de origem, alguns com repercussão

nacional. Também é propósito das campanhas a divulgação e publicização das altas

taxas de homicídios que têm como característica relevante o recorte de raça/cor.

A denúncia do movimento negro em relação às taxas de homicídios que

vitimizam a juventude negra não se inicia com as atividades aqui identificadas. A

primeira atividade do Movimento Negro Unificado – MNU, como já citado acima,

denunciava o racismo e violência como uma prática da ação policial em 1978.

Muito provavelmente, não sendo também essa atividade a primeira, outras

articulações negras, como por exemplo, as de 1930, em algum momento falaram da

ação violenta da polícia, seja na atuação ao desenvolvimento de suas atividades, ou

em discussão da criação da polícia no Brasil. Este trabalho apresentará as

organizações e manifestações datadas da década de 1970 até os dias de hoje.

Dentre as demandas assumidas pelo MNU, estava posto o enfrentamento à

violência policial. Uma Carta Aberta, distribuída à população, concitava os(as)

negros(as) a formarem “Centros de Luta” nos bairros, nas vilas, nas prisões, nos

terreiros de candomblé e umbanda, nos locais de trabalho e nas escolas, a fim de

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organizar a peleja contra algumas barreiras, entre essas a violência policial e a

opressão racial. (DOMINGUES, 2007, p. 114).

As Campanhas, propriamente identificadas, a serem consideradas neste

texto, se iniciam no final dos anos de 1980. Em 1989 nasce na cidade do Rio de

Janeiro Centro de Articulação de Populações Marginalizadas – CEAP, fundado por

ex.- internos da antiga Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), com

a ajuda de representantes da comunidade negra e do movimento de mulheres. A

recorrente violação dos direitos fundamentais das classes menos favorecidas foi a

grande inspiração para a criação da organização.

Um dos fundadores do CEAP é um importante militante negro, Ivanir dos

Santos. Sua trajetória, como a de outros militantes, confunde-se com a história do

movimento negro brasileiro. Como tantos outros negros, sua infância e adolescência

também carregam experiências com a atuação violenta da polícia do Rio de Janeiro.

Ao sair da Funabem é estigmatizado como ex-aluno. Reúne-se com antigos internos e funda a Associação de Ex-alunos da Funabem – Asseaf, em 1980. À frente da entidade, foi o primeiro a levantar a voz contra a marcante diferença entre a Criança (filhos de abastados) e o Menor (filhos de pobres) e a denunciar a ação crescente dos grupos de policiais subsidiados por comerciantes com o objetivo de matar crianças negras que cometiam pequenos furtos. Em 1982, como representante da Asseaf, é convidado a participar do Congresso do Movimento Negro Unificado que ocorreu em Belo Horizonte, Minas Gerais. A pedido da Defense for Childrem International – DCI, entidade com sede em Genebra, Suíça, coordenou, em 1988, o primeiro levantamento sobre o extermínio de crianças brasileiras. O documento, inédito, transformou-se numa referência nacional e internacional na luta pelos direitos humanos, provocando no Congresso Nacional a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o extermínio de crianças e adolescentes no Brasil

7.

Nesse mesmo ano a entidade lança a Campanha “Não Matem Nossas

Crianças” -1989. Afirmava que a Campanha surgia:

Diante do extermínio de crianças e adolescentes no Brasil, e de um modo particular no Rio de Janeiro, na década de 1980, o CEAP concentrou seus esforços na articulação de setores sociais na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Era constatado que as vítimas do extermínio, em sua maioria, eram crianças e adolescentes negros, o que demandou da

7 Matéria disponível em: http://ceaprj.org.br/a-instituicao/ivanir-dos-santos/

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instituição a implementação de ações na luta contra o racismo. (CEAP, Trajetórias e Lutas, 1989).

O CEAP- Centro de Articulação de Populações Marginalizadas também

coloca entre suas ações bem-sucedidas o enfrentamento da violência e do

genocídio da população negra, através da Campanha contra a Esterilização em

massa de mulheres negras e pobres – 1990. A organização conduziu a proposição

de uma ação efetiva para o enfrentamento da questão da esterilização em massa de

mulheres negras e pobres. A campanha funcionou como instrumento de denúncia da

esterilização de mulheres negras como forma de genocídio do povo negro.

O cenário que a entidade oferece para justificar a criação da Campanha “Não

Matem Nossas Crianças” apresenta a cidade do Rio de Janeiro com diversas ações

de violência e racismo ao longo da década de 80.

O relatório Mortes matadas por arma de fogo no Brasil, realizado em 2005

pela UNESCO, que utilizou dados do Subsistema de Informações sobre Mortalidade

– SIM – do Ministério da Saúde do período de 1979-2003, informa que, dos 550 mil

mortos, 205.722 (44,1%) foram jovens na faixa de 15 a 24 anos, e que o

crescimento do uso de armas de fogo entre os jovens foi ainda mais violento do que

a população total. No período analisado, em 1979, 2.208 jovens morreram por armas

de fogo, que representavam 31,6% do total de vítimas de armas de fogo. Porém, no

ano de 2003, os dados passam para 16.345 jovens, que representam 41,6% do total

de vítimas de armas de fogo (WAISELFISZ, 2005. P. 13).

No ano de 2005, nasce no Estado da Bahia a Campanha “Reaja ou Será

Morto, Reaja ou Será Morta”:

A “Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta” é uma articulação de movimentos e comunidades de negros e negras da capital e interior do estado da Bahia, articulada nacionalmente e com organizações que lutam contra a brutalidade policial, pela causa antiprisional e pela reparação aos familiares de vítimas do Estado (execuções sumárias e extrajudiciais) e dos esquadrões da morte, milícias e grupos de extermínio. A campanha surge no ano de 2005, em um contexto de governo ligado a um grupo político que há décadas dominava os recursos financeiros, o sistema de justiça, e os meios de produção e comunicação na Bahia. Este mesmo governo tinha no estado penal e no racismo, fundamento para uma política de genocídio caracterizada pelas mortes de milhares de jovens negros desovados como animais às margens de Salvador e Região Metropolitana. A Campanha Reaja ou Será Mort@ não é uma ONG, não tem nenhuma vinculação partidária, nosso único compromisso é com a vida.” (Campanha Reaja ou será morta, reaja ou será morto, 2005).

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Tal campanha afirma sua existência dizendo:

Dentro desta conjuntura, resolvemos fazer uma articulação entres nossas comunidades e os movimentos sociais negros para politizar nossas mortes, colocar em evidência a brutalidade policial, a seletividade do sistema de justiça criminal que nos tinha - e ainda tem - como bandidos padrão. Este mesmo Estado genocida vê na cor de nossa pele, nossa condição econômica e de moradia, nossa herança ancestral e pertencimento racial, as etiquetas de “inimigos a serem combatidos. (Campanha Reaja ou será morta, reaja ou será morto, 2005).

A Campanha Reaja não tem tempo determinado para acabar. Está em

atividade e se constituindo como um grupo que nasce para fazer frente ao problema

da violência que acomete a população negra.

Com manifestações nacionais, inclusive ações promovidas por grupos criados

em outros estados, como por exemplo, São Paulo, a Campanha Reaja se coloca

incisivamente na discussão da violência. Promove desde passeatas, ocupações de

espaços - como a Secretaria de Segurança Pública do estado da Bahia, trabalhos

em penitenciárias do estado, construção de dossiê mostrando a realidade da

violência na Bahia e participação em espaços de discussões acadêmicas e políticas.

Consegue promover ações e discussões diretas e abrangentes, que tratam do

problema que se apresenta à população negra do Estado da Bahia.

A Campanha Reaja chama a atenção para o genocídio do povo negro, tendo

como frase característica em seus materiais “Frente ao Genocídio do Povo Negro,

nenhum passo atrás”. Coloca em pauta os instrumentos de um controle social

perverso, utilizado pelo Estado, quando se trata da população negra, em especial a

juventude negra.

A Campanha Reaja também promoveu em 2009, nos dia 14, 15 e 16 de

agosto, o I Encontro Nacional Pela Vida e Por Outro Modelo de Segurança Pública –

I ENPOSP, como um contraponto à I Conferência de Segurança Pública, por

entender que esse era um espaço que negava a participação autônoma e paritária

dos movimentos sociais e visava formular políticas criminais e de “prevenção ao

crime” sem o necessário debate com a sociedade.

O I ENPOSP discutiu temas como segurança pública, violência policial e

execuções sumárias; violência para-militar e grupos de extermínio; violência penal,

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política carcerária nacional e defesa de direitos de presas e presos e seus familiares;

saúde e segurança; representação criminal nas mídias e nas artes; sistema de

Justiça Criminal e os limites da política nacional de segurança – SUSP (Sistema

Único de Segurança Pública), PRONASCI8 - Plano Nacional de Segurança com

Cidadania e o processo de construção da CONSEG9.

O PRONASCI acumula críticas por se tratar de um plano de ações com

demandas importantes para estarem dentro da Secretária de Segurança Pública, em

mãos da polícia. Entende-se que as ações a serem desenvolvidas não cabem a

essa estrutura e nem a esses agentes, pois ambos formam parte dos problemas a

serem enfrentados pelo estado.

O I ENPOSP se coloca com o objetivo de pautar o modelo de segurança

pública brasileiro. A maioria dos atores sociais reunidos na discussão de um outro

modelo se segurança pública são aqueles e aquelas a quem o Estado tem negado a

preservação da vida e o acesso aos direitos básicos, como o acesso à justiça. 10

Antes de apresentar a “Campanha Nacional Contra o Extermínio da

Juventude Negra”, é necessário falar do I ENJUNE - I Encontro Nacional da

Juventude Negra. O I ENJUNE ocorreu na cidade de Lauro de Freitas – BA, de 27 a

29 de julho de 2007. O evento reuniu cerca de 700 pessoas, entre delegados(as),

observadores(as), palestrantes, coordenadores(as) estaduais e nacionais, apoios,

convidados(as) nacionais e internacionais da sociedade civil organizada e governos.

O ENJUNE se coloca:

Como uma proposição, feita por jovens militantes do movimento negro, como um momento de convergência entre os grupos e indivíduos, uma oportunidade de análise das ações do movimento negro brasileiro e de

8 O PRONASCI - Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania destina-se à

prevenção, controle e repressão da criminalidade, atuando em suas raízes sócio-culturais, além de articular ações de segurança pública com políticas sociais por meio da integração entre União, estados e municípios. As ações levarão em conta as diretrizes do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) - http://www.observatoriodeseguranca.org/seguranca/pronasci

9 1º. CONSEG – 1º Conferência Nacional de Segurança Pública, aconteceu de 27 a 30 de

agosto de 2009, Brasília – DF.

10 O FOJUNE-PR – Fórum Paranaense de Juventude Negra em parceria com a Rede Mulheres

Negras – PR (entidade do Movimento Negro de Curitiba) e o CESPDH/UFPR – Centro de Estudo em Segurança Pública e Direitos Humanos, promoveram a etapa estadual do Paraná. A atividade aconteceu na Universidade Federal do Paraná, Reitoria, no dia 08/08/2009.

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construção de novas perspectivas no panorama étnico/racial. O Encontro se consolidou como um espaço nacional que se mostra como ferramenta reivindicatória e de intervenção efetiva rumo à construção de novas perspectivas de atuação social por jovens militantes do movimento negro. (ENJUNE, 2010, p. 5).

A plenária final do ENJUNE deliberou por criação de Fóruns Estaduais de

Juventude Negra e um Fórum Nacional. Em 2008 foi lançado o Fórum Nacional de

Juventude Negra – FONAJUNE.

O FONAJUNE lançou em janeiro de 2009, durante o Fórum Social Mundial, a

Campanha Nacional Contra o Extermínio da Juventude Negra, objetivando uma

mobilização e sensibilização nacional frente à violência. Previa uma série de ações

de amplitude nacional, além de disseminação nos estados através de agendas dos

Fóruns Estaduais.

A “Campanha Nacional Contra o Extermínio da Juventude Negra” tinha um

conjunto de ações nacionais com tempo determinado, sendo os Dias de

Mobilizações, de maio de 2009 a maio de 2010, para acontecer nas cinco regiões do

país, tendo que considerar os financiamentos específicos para realização destas

atividades pontuais.

No entanto, atividades que promovem a denúncia, o debate e propõem ações

contra o extermínio da juventude negra não se esgotaram, se estendendo para os

Fóruns estaduais e especialmente para o Fórum Nacional. O FONAJUNE conquistou

um cenário importante na discussão da violência, do modelo de segurança pública,

em especial a ação da polícia.

A avaliação que os integrantes fazem dessa articulação é muito positiva,

considerando conquistas importantes, a exemplo da colocação na cena política do

tema do extermínio da juventude negra.

Em relação às conquistas, a primeira expressiva é a aprovação do relatório

final do ENJUNE na 1ª Conferencia Nacional de Políticas Públicas de Juventude, em

2008, que contém 22 prioridades eleitas, sendo a proposta mais votada a referente

os homicídios de jovens negros. Outras importantes conquistas foram uma cadeira

no CONJUVE - Conselho Nacional de Juventude e também no CONASP- Conselho

Nacional de Segurança Pública, promovendo nesses espaços um diálogo importante

com o governo federal e sociedade civil organizada.

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O debate acerca do tema com o governo federal, em especial, por meio da

SEPPIR – Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial,

impulsionou a criação do Plano Juventude Viva, lançando a primeira fase, em

setembro de 2012, no estado de Alagoas, estado que ocupa o primeiro lugar em

homicídio de jovens negros (Mapa da Violência, 2012).

No mapa da violência 2012, a cor dos homicídios no Brasil, o autor Julio

Jacob Waiselfisz coloca que:

O tema da raça/cor aparece tardiamente nos mapas e como item ou capítulo dentro de um relatório. Mas isso não aconteceu por desconhecer a gravidade do problema. Foram outros os motivos: O Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS), é a única fonte que verifica o quesito raça/cor dos homicídios em nível nacional até os dias de hoje. Mas só incorpora o tema em 1996, quando muda sua sistemática passando da Classificação Internacional de Doenças 9 para a 10 (CID9/CID10) por orientação da Organização Mundial da Saúde. Nos primeiros anos, a subnotificação nesse quesito foi muito elevada, mas foi melhorando rapidamente. Em 2002, quando a identificação de raça/cor já era de 92,6% das vítimas de homicídio, consideramos o nível suficientemente confiável para iniciar as análises sobre o tema. Com essa informação de raça/cor das vítimas dos homicídios conseguimos construir capítulos nos mapas da violência, a partir de 2005, que sinalizavam, por um lado, a magnitude do problema e, por outro, que este estava se agravando progressivamente com o passar dos anos. (WAISELFISZ, 2012, p. 5 e 6).

O movimento negro, no decorrer das décadas, denunciou a violência no

Brasil, que acomete em especial os jovens negros. As novas organizações e

articulações de jovens negros (as) percebem essa trajetória e têm somado na luta.

Existe uma chamada de atenção para o processo de genocídio que se

apresenta em decorrência da negligência do Estado brasileiro em relação à maior

parte da sua população. O cenário denunciado pode ser também constatado nos

dados acerca do desemprego, do analfabetismo, evasão escolar, encarceramento,

acesso limitado/precário à saúde, entre outros.

A condição social que se apresenta para a juventude Negra nos possibilita

falar de juventudes brasileiras e não em juventude, como grupo homogêneo. A

juventude brasileira vivencia realidades diferentes e sua real condição só pode ser

lida com o recorte de raça.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade brasileira foi e continua sendo construída sobre base

escravocrata. O período colonial não desapareceu por completo na constituição de

uma sociedade democrática. A realidade que se apresenta, em especial, à

população negra, possibilita questionar a existência de uma democracia

consolidada.

A polícia no Brasil nasceu para cumprir uma função, no Brasil Colônia, e

permanece atendendo as mesmas demandas até os dias atuais, quais sejam, o

controle das classes perigosas, a eliminação dos indesejáveis.

No entanto, a polícia não pode ser separada da sociedade que lhe deu tal

forma. Cada um tem a polícia que merece. Os policiais correspondem às

expectativas somente porque havia expectadores (SANTIAGO, 2006).

O Movimento Negro compreende que o Brasil tem permitido a morte de parte

dos seus jovens e compromete as ações de promoção de igualdade racial e

eliminação do racismo, considerando o público que se pretende atingir, em especial

adolescentes e jovens.

As relações raciais constituídas no Brasil nos ajudam a compreender o

problema da violência aqui apresentada e a importância das ações que os(as)

militantes negros(as) desenvolvem na cena pública. Esses atores sociais têm se

colocado nas discussões sobre relações raciais no Brasil de maneira a demandar

políticas públicas que promovam a igualdade racial e elimine o racismo, em todos os

setores.

As conquistas são inúmeras em áreas importantes, como saúde e educação.

No entanto, o racismo institucional continua a ser um problema estrutural no avanço

das políticas públicas especificas. Exemplo disso é a violência, tema aqui discutido e

que se define nas altas taxas de homicídios de jovens negros.

O movimento negro está chamando a atenção da sociedade como um todo

(instituições públicas e privadas, do poder público, das autoridades em geral, e dos

diversos organismos nacionais e internacionais) para um problema emergencial.

Denuncia que o Estado brasileiro escolheu entre a sua população aquela a quem

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pode “deixar morrer”, evidenciando que existe um aparato de repressão destinado a

eliminar os jovens negros.

Esse aparato organizado pelo estado brasileiro, em especial, pela ação

policial, atende a uma demanda social. O perfil criminoso é constantemente

reforçado pelos mais diversos setores, promovendo a caça e captura de jovens

negros.

O Mapa da Violência – 2012 coloca que entre 2002 e 2010 morreram

assassinados no país 272.422 cidadãos negros (as), o que dá uma média de 30.269

assassinatos por ano. Júlio Jacob (2012) informa que “só em 2010 foram 34.983, Na

cruenta Guerra do Iraque, as estimativas mais elevadas indicam que de 2003 até

fins de 2009 morreram 110 mil pessoas, incluindo civis, o que significa 15,7 mil por

ano”. No Brasil, país que não aparenta ter conflitos raciais ou políticos, morre

assassinado o dobro de cidadãos negros (as) todos os anos e mais do triplo –

52.260 em 2010 – de seus habitantes de todas as raças e cores.

As organizações negras, presentes nos mais diversos estados, ao denunciar

a ação violenta da polícia e responsabilizar o estado pela morte sistemática de

jovens negros, pedem pela extinção da polícia no Brasil.

A desmilitarização e extinção da polícia no Brasil é um debate que ora

aparece, ora desaparece. Aparece em momentos de crise com a instituições

policiais. Essa crise parece estar associada à mudança das regras - quando os que

devem ser protegidos pela instituição, brancos de classe média, se tornam vitimas.

Lideranças negras têm se colocado na cena política, acadêmica e social

questionando a existência ainda de um modelo de polícia de bases arcaicas, de

origens coloniais e permanentes em momentos ditatórios. As atividades aqui

apresentadas comprovam, me parece, a fala da militante negra Vilma Reis, colocada

acima – “Nós não vamos morrer em silêncio”.

O conjunto de ações promovidas pelo do Movimento Negro sobre o tema da

violência aqui apresentadas é uma pequena amostra, considerando o trabalho de

dezenas de grupos de negros(as) espalhados nos mais diversos estados brasileiro.

Tal cenário nos possibilita concluir que o Brasil, desde o período colonial até

os dias de hoje, no que diz respeito ao aparato repressivo do Estado, continua

olhando e agindo em relação à população negra da mesma maneira, como o alvo.

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Tamanho grupo social ainda hoje se constitui como algo a ser eliminado. O estado

brasileiro precisa garantir a esse grupo o acesso aos bens e serviços: educação,

saúde, emprego, moradia, entre outros.

O Brasil muito pouco ou nada fez na garantia e distribuição de igualdade de

direitos ao acesso à justiça e aos serviços de proteção. A população negra é tratada

como menos cidadã, como raça inferior.

No Blog da Campanha Reaja, na página inicial “Quem Somos”, um texto

informa:

“Em 2012, o atual governo do Estado continua exercendo as mesmas práticas genocidas. Ainda estamos assistindo os corpos de nossos familiares tombando nas ruas. A eleição de um governo democrático popular, que muitos de nós depositamos nossas esperanças, demonstra que o projeto da esquerda branca tem para a população negra, em nada se difere do projeto da direita convencional. Entendemos que o racismo é estrutural da sociedade baiana e brasileira, está para além das conjunturas políticas. Diante disso, avaliamos que o que nos resta é tomar as ruas, e tomamos.” (Campanha Reaja ou será morto, reaja ou será morta, 2012).

A sociedade brasileira precisa refletir sobre a realidade vivenciada pela

população negra, bem como as propostas de mudanças que se apresentam em

relação à polícia no Brasil. Ao se discutir mudanças na estrutura militar, o que se

oferece é mais do mesmo. Uma reestruturação não parece ser a solução,

considerando que o problema é de origem.

A juventude negra, conforme denúncia do movimento negro e dados aqui

apresentados, está sendo exterminada e o estado brasileiro precisa dar uma

resposta a tal realidade

Um desejo especial: que este texto possa ser acessado por muitas pessoas,

na academia, mas principalmente fora dessa. Fica a esperança de que o conteúdo

aqui tratado esteja legível para além desses muros.

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8. ANEXOS

CAMPANHA NACIONAL CONTRA O GENOCÍDIO/EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE NEGRA

CAMPANHA NÃO MATEM AS NOSSAS CRIANÇAS – 1989 (logo da instituição).

CAMPANHA REAJÁ ou SERÁ MORTA! REAJÁ ou SERÁ MORTO! – 2005 (uma das logos da

Campanha).

CAMPANHA NACIONAL CONTRA O EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE NEGRA – 2009