manual de direito das sucessoes por prof oliveira ascencao
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7/29/2019 Manual de Direito Das Sucessoes Por Prof Oliveira Ascencao
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Captulo I
INTRODUO
1. A exigncia de continuidade
I - A morte, como fenmeno definitivo e irreversvel, causa de descontinuidade na vida social.
Nas relaes intrapessoais h um eplogo.
Nas relaes institucionais, nomeadamente familiares, h um hiato, que se procura de diversas maneiras
colmatar.
No plano das relaes patrimoniais h uma interrupo, de que podem sofrer inclusivamente todos os
terceiros que mantinham laos jurdicos com o autor da sucesso.
Mas a vida social exige continuidade. No suporta imobilismos; e mesmo aos abalos peridicos que a
sacodem reage atravs da adopo sub-rogatria de frmulas de continuidade.
0 Direito das Sucesses realiza a finalidade institucional de dar a continuidade possvel ao descontnuo
causado pela morte.
II - A continuidade a que tende o Direito das Sucesses manifesta-se por uma pluralidade de pontos de
vista.
No plano individual, ele procura assegurar finalidades prprias do autor da sucesso, mesmo para alm do
desaparecimento deste. Basta pensar na relevncia do testamento.
A continuidade deixa marca forte na figura do herdeiro. Veremos que este concebido ainda hoje como um
continuador pessoal do autor da sucesso, ou de cuius. Este aspecto tem a sua marifestao mais alta na figura do
herdeiro legitimrio.
Mas to importante como estas a continuidade im vida social falecido participou desta, fez contratos,
contraiu dvidas... No seria razovel que tudo se quebrasse com a morte, frustrando os contraentes. necessrio,
para evitar sobressaltos na vida social, assegurar que os centros de interesses criados volta do autor da Sucesso
prossigam quanto possvel sem fracturas para alm da morte deste, assegurando a continuao justa, embora em
mos diferentes. Reclamam-no os terceiros e com eles toda a vida social. A preocupao de assegurar essa
continuao justa, to visvel por exemplo no processo de inventrio, refora o carcter institucional elo Direito das
Sucesses.
III - Falmos porm na continuidade possvel. Porque nem tudo recupervel perante o fenmeno
irreversvel da morte.
Seguramente que os direitos de personalidade se extinguiro com a morte. E mesmo no que respeita aos
restantes direitos pessoais veremos depois onde foi encontrada essa continuidade possvel.
Tambm h direitos patrimoniais que se extinguem com a morte do de cuius, como resulta logo do art. 2025.
Mas para alm disto, inevitvel uma perturbao resultante da morte nas relaes tecidas com o autor da
sucesso. Basta-nos considerar o art. 322: a prescrio de direitos da herana ou contra ela no se completa antes
de decorridos seis meses depois de haver pessoa por quem ou contra quem os direitos possam ser invocados.
A garantia da continuidade possvel no equivale eliminao de toda a descontinuidade.
2. Caractersticas
I - Da considerao da finalidade institucional do Direito das Sucesses decorre j a particularidade do
fenmeno que constitui o seu objecto.
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J encontrmos ramos do Direito que disciplinam categorias de direitos subjectivos; assim aconteceu com o
Direito das Obrigaes e o Direito das Coisas. Mas aqui, no s no nos surge nenhuma categoria nova de direitos
subjectivos, como um fenmeno dinmico, a sucesso, que ocupa (e para alguns at esgota) este ramo.
E a distino ainda ganha maior significado se considerarmos que a sistematizao germnica no
cientfica, uma vez que o critrio que lhe est inerente no unitrio.
II - Efectivamente, bastam as noes correntes de sucesso para nos mostrarem que esta representa uma
vicissitude das situaes jurdicas. Esse fenmeno para alguns de transmisso, mas convm evitar a qualificao
pois, como veremos, mesmo isso contestvel.
Falaremos antes incolormente em aquisio e vinculao porque, seja qual for a construo doutrinria que
acabemos por preferir, o fenmeno sucessrio acarreta em princpio algum destes efeitos (e nor-
malmente ambos) para o sucessor.
Temos efectivamente uma aquisio (e vinculao) em consequncia da morte de algum; uma vicissitude
operada por virtude da morte, o que faz contrap-la s vicissitudes inter vivos. Como vicissitude a sucesso est
necessariamente ligada a um fenmeno dinmico. Dito por outras palavras, as situaes jurdicas do de cuius, ou ao
menos parte delas, vo ser sujeitas colectivamente a uma vicissitude, a sucesso.
III - Seguidamente, e na progresso da observao que acabmos de fazer, deve-se acentuar o carcter
naturalmente unitrio deste ramo do direito. Enquanto noutros sectores, no Direito das Coisas ou no Direito
Comercial, por exemplo, h uma tendncia dispersiva que faz resistncia unificao, no Direito das Sucesses h
um fenmeno unitrio que ser o objecto quase exclusivo da nossa ateno.
Para este se utiliza a qualificao "fenmeno Jurdico-sucessrio", sem que tal qualificao implique alis
qualquer juzo sobre a sua natureza. Por nossa parte, supomos geralmente prefervel falar em sucesso.
Quer quando fixamos o conceito de sucesso, quer quando indicamos as espcies de sucessores; quer
quando distinguimos a abertura da sucesso (verificada no momento da morte do autor da sucesso) da vocao, da
devoluo e da aquisio, quer ainda quando indicamos as modalidades de Sucesso em todos os casos sempre
a sucesso, ou o fenmeno sucessrio, que objecto principal do nosso estudo, de modo que todos esses captulos
se ocupam de aspectos ou ngulos de uma mesma realidade.
IV - Enfim, h que acentuar a nitidez de fronteiras deste ramo do direito.
No Direito Comercial, no Direito Fiscal, no Direito Administrativo, em tantos outros, tropea-se logo no incio
da exposio com uma penosa demarcao de outros ramos de direito, repartindo-se matrias contestadas.
No Direito das Sucesses quase no existe esse problema. difcil a determinao conceitual do que a
Sucesso por morte; mas raros so os casos em que h que discutir se certa matria ou no de sucesso por
morte, se se situa ou no intra muros do Direito das Sucesses. Reina a paz nas fronteiras, o que nos permite
embrenharmo-nos sem detena nos problemas prprios deste ramo.
3. Sistemtica
I - 0 Direito das Sucesses o ramo que habitualmente colocado em ltimo lugar na chamada
classificao germnica dos ramos do Direito Civil. sabido que esta deu os quadros, quer da sistemtica dos
estudos universitrios, quer do Cdigo Civil vigente.
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II - No Cdigo de 1867 as Sucesses apareciam reguladas na Parte II, como referentes a direitos que se
adquirem por mero facto de outrm, e dos que se adquirem por simples disposio da lei. Os nicos institutos a
compreendidos eram a gesto de negcios e as sucesses.
O sistema actual diverso. O Direito das Sucesses, considerado como um dos ramos do Direito Civil,
ganha autonomia. Ocupa o Livro V do Cdigo de 1966 (arts. 2024 a 2334), sob a epgrafe: "Do Direito das
Sucesses". Seguiu-se a tendncia, hoje quase universal, de o Direito das Sucesses ocupar o ltimo livro dos
cdigos civis.
Nesta matria escassa a incidncia de legislao extravagante. Mesmo no corpo do Cdigo Civil, a quase
totalidade dos preceitos que nos interessam esto efectivamente concentrados neste livro.
O Livro V divide-se em quatro ttulos, de harmonia com o que alguns consideram a distino entre a parte
geral e as partes especiais do Direito das Sucesses:
- Das Sucesses em geral
- Da sucesso legtima
4. Fontes
- Da sucesso legitimria
- Da sucesso testamentria.
I - 0 Anteprojecto das Sucesses para o novo Cdigo Civil da autoria de I. Galvo Telles.
O Direito das Sucesses o nico ramo do Direito Civil cuja apreciao global foi confiada a uma comisso
revisora. A comisso era presidida pelo Ministro da Justia e teve como membros,
alm do autor do Anteprojecto, os Profs. Vaz Serra, Manuel de Andrade, Pires de Lima, Ferrer Correia, Gomes da
Silva e Braga da Cruz e outros juristas.
Infelizmente, a partir de certa altura, a Comisso deliberou limitar-se apreciao de pontos determinados,
seleccionados pela sua maior importncia poltica e social. Por outro lado, numerosas alteraes no justificadas
foram introduzidas nas fases, posteriores de elaborao, at publicao do Cdigo.
Isto reduz os subsdios para a interpretao que os trabalhos preparatrios podem proporcionar. Mas nos
pontos que foram objecto de debate as actas fornecem elementos de grande valor, mesmo quando a posio da
maioria acabou por no ficar consagrada.
A 1 Reviso Ministerial do Direito das sucesses foi publicada em 1963 e a 2 em 1966.
Publicado e submetido a discusso o Projecto de Cdigo Civil, o interesse pblico escassamente recaiu
sobre este livro. 0 texto definitivo do Cdigo Civil apresenta escassas diferenas em relao ao Projecto.
II - 0 livro do Direito das Sucesses, se bem que traduza uma elaborao autnoma que corresponde
situao portuguesa, acusa a influncia dominante do Cdigo Civil italiano de 1942.
III - A Constituio de 1976 s em dois preceitos refere directamente matria de sucesses por morte: os
arts. 62/1 e 107/3.
Para alm disso, determinava o art. 293/3 da Constituio que a adaptao das normas vigentes
concernentes aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituio estaria concluda at ao fim a
primeira sesso legislativa.
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Poucos eram os casos em que se impunha uma alterao em matria de Direito das Sucesses. Mas a
Comisso para o efeito constituda entendeu ir alm e alterar em pontos significativos a lei vigente, sem abrir
qualquer hiptese de debate ou consulta pblicas. Bastaram-lhe as prprias luzes para mudar o direito comum.
Assim, o Dec.-Lei n 496/77, de 25 de Novembro, trouxe mais de quarenta modificaes, entre preceitos
alterados, introduzidos e suprimidos, e de modo a fazer perder coerncia a este ramo do direito.
IV - A Lei n 53/77, de 26 de Julho, que outorgou ao Governo a autorizao legislativa para modificar o
Cdigo Civil, marcou corno prazo-limite 31 de Agosto, devendo o consequente diploma ser aprovado at mesma
data" (art. 2).
Mas o Dec.-Lei n 496/77 de 25 de Novembro, e ostenta como data de prmulgao 6 de Outubro.
Ignora-se qual a data de aprovao em Conselho de Ministros, pois essa omissa, no obstante a
determinao do art. 8 ela Lei ri." 3/76, de 10 de Setembro.
5. mbito do Direito das Sucesses
I - 0 primado do fenmeno sucessnio
0 que dissemos facilita o arrolamento das matrias abrangidas.
Com efeito, se excluirmos o que respeita caracterizao da situao que o legatrio ocupa perante o
fenmeno sucessrio, diremos que este abrange tudo o que se desenrola desde a abertura da sucesso at
aquisio definitiva por parte dos sucessores. S ficam pois de fora duas realidades que, porque complementares
em relao quele aspecto essencial, so tambm abrangidas pelo nosso estudo, sem prejudicarem a unidade do
ncleo fundamental:
- a designao
- a situao da herana adquirida.
II - Designao
A designao consiste na operao intelectual destinada a apurar quem so os sucessveis de alguma
pessoa. No ternos aqui uma fase do fenmeno sucessrio, at porque a designao j se desenrola antes da
abertura da sucesso, criando a necessidade da caracterizao das expectativas sucessrias. Todavia, a
designao indispensvel para a compreenso da prpria sucesso e atrada, dada a sua complementariedade,
para a rbita desta.
III - Herana adquirida
A situao da herana adquirida interessa-nos at definitiva confuso no patrimnio dos sucessores,
Neste caso encerrou-se j o fenmeno jurdico sucessrio, mas suscitam-se importantes problemas, dado que a
herana representa um patrimnio autnomo. Os problemas so ainda agravados se h uma pluralidade de
herdeiros, caso em que a herana se deve qualificar como patrimnio colectivo.
Como estas situaes so consequncia de uma sucesso, compreende-se que o estudo dos problemas
que suscitam seja englobado no Direito das Sucesses.
Veremos neste captulo que as solues a que se chega so frequentemente ainda influenciadas pela
natureza prpria do fenmeno jurdico sucessrio.
Note-se alis que esta problemtica da herana adquirida nem sempre se suscita. A aceitao de herana
que no tenha passivo pelo nico herdeiro, maior e que esteja na posse efectiva dos bens, no levanta quaisquer
problemas complementares que se devam integrar ainda no direito sucessrio.
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6. Histria
I - Poucas disciplinas dependem tanto da histria para a sua compreenso actual como o Direito das
Sucesses. At pela escassa variao legislativa, encontraremos constantemente o lastro de formaes histricas,
por vezes at em conflito, no Direito vigente. Pelo que o estudo de cada instituto deveria ser precedido da colocao
histrica.
No porm possvel faz-lo, dada a limitao temporal e a especializao disciplinar. Pelo que teremos
quase sempre de nos limitar a pressupor conhecimentos porventura obtidos alhures.
II - Alguns estudos recentes facilitaram o conhecimento histrl*co deste ramo.
I. Galvo Telles publicou os seus Apontamentos para a Histria do Direito das Sucesses Portugus, em
que contempla as sucesses legtima e necessria.
Paulo Mera publicou vrios estudos sobre matria sucessria.
Braga da Cruz pesquisou o direito de troncalidade e os pactos sucessrios.
Teresa Luso Soares estudou A Disposio por Morte no Direito Medieval Portugus.
As lies gerais de Histria do Direito Portugus compreendem por vezes estudos institucionais neste
domnio, como acontece nas lies de Ruy e Martim de Albuquerque.
Tambm nas lies de Direito das Sucesses se desenvolve por vezes um captulo histrico.
Isto pelo que respeita ao direito medieval e portugus. Quanto ao Direito Romano, h que contar com a rica
bibliografia geral sobre a matria.
III - No antigo direito europeu certos bens estavam excludos da massa comum da herana, uma vez que a
sua atribuio se regia por regras prprias. Assim acontecia com os vnculos, e a resultados semelhantes se podia
chegar com os fideicomissos.
A ordem liberal reagiu violentamente contra estas situaes, que seriam violadoras da liberdade dos bens e
da liberdade do testador.
Elas foram pois suprimidas ou fortemente cerceadas, e imps-se o princpio da liberdade de testar. Mas
raramente esse princpio foi concretizado de modo absoluto.
Coexistiu com o sistema da legtima ou sistemas anlogos, pelos quais certos familiares mais prximos no
poderiam ser excludos pelo de cuius de sucederem num quinho da herana.
7. Programa
0 que dissemos permite compreender a sistemtica que vamos adoptar.
Nesta primeira parte, seguir-se- IntrodUO 0 estudo, como noo prvia, da designao. Est em si
situada fora do fenmeno sucessrio, mas a ligao com este foi j assinalada. Referir-se-o ento os factos
designativos e considerar-se-o em partiCLI]al"
- o testamento
- os pactos sucessrios.
Outro captulo ser dedicado determinao dos sucessveis e das expectativas que lhes cabem.
Entraremos depois na anlise daquilo a que se chama a teoria geral do fenmeno Jurdico sucessrio. Ser
a Parte II, por ns epigrafada simplesmente "sucesso".
A primeira fase ou momento desta dada pela abertura da sucesso.
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Noutro captulo estudaremos o fenmeno da vocao, que distinguiremos da devoluo. ento que se
atribui a um ou mais sucessveis o direito de suceder. Examinaremos as formas normais da vocao e
consideraremos depois as formas anmalas, como o acrescer e a representao sucessria.
Segue-se um captulo dedicado fixao do objecto da sucesso: interessa saber quais os bens ou
situaes jurdicas que so atingidos por esta vicissitude.
tambm a propsito da vocao que ocorre proceder caracterizao da figura do herdeiro e portanto
tambm contraposio com ela - da do legatrio.
Mas os motivos por que atribuda esta posio - ou seja, aquilo a que a lei chama os ttulos de vocao
sucessria so vrios. Tendo referido a vocao contratual, estudaremos em captulos sucessivos a vocao:
- testamentria
- legtima
- legitimria.
No captulo seguinte versaremos a pendncia da sucesso. Com efeito, desde a abertura da Sucesso, mas
antes de a aquisio sucessria se consumar, h um perodo de indeterminao ou pendncia das situaes
hereditrias e altura de atender aos problemas que provoca.
Vm depois as restantes vicissitudes do fenmeno Sucessrio:
- a devoluo
- a aceitao ou
- o repdio.
Nos casos normais, o fenmeno sucessrio encerra-se com a aceitao. Mas pode haver repdio; ser este
um dos casos em que a vocao j realizada se resolve e pode operar-se nova vocao.
Chegados aqui, poderemos traar uma concluso sobre a aquisio sucessria. E ainda, culminando toda a
Parte II, poderemos tirar concluses sobre o prprio conceito de sucesso.
Enfim, numa ltima parte consideraremos a situao da herana, nomeadamente da herana adquirida,
dada a complementariedade que mantm com o fenmeno sucessrio, nos termos e pelas razes indicadas.
Considerar-se-o primeiro os aspectos comuns e depois os problemas suscitados pela pluralidade de herdeiros. Aqui
cabero institutos como o inventrio e a partilha, embora encarados pela vertente substantiva.
este o esquema, muito sincopado embora, dos passos que necessrio dar para dominar devidamente o
campo das sucesses.
8. Situao europeia
I - 0 Direito das Sucesses , como o Direito das Coisas e ao contrrio do Direito das o Obrigaes, do
Direito Comercial e do Direito Penal, por exemplo - um ramo relativamente abandonado da cincia jurdica.
Mesmo em pases cientificamente dos mais adiantados, como a Alemanha, este desinteresse se verifica.
Em Itlia, uma notvel renovao doutrinaria que produziu os seus efeitos com o novo Cdigo Civil no encontrou
posteriormente continuadores de flego equivalente. E to-pouco brilhante a situao nos restantes pases
juridicamente mais prximos do nosso.
II - Para dar desde ja uma primeira orientao bibliogrfica, podemos indicar as seguintes obras
(recordamos que as indicaes bibliogrficas completas se encontram no ndice Bibliogrfico):
Ccu, Antonio - Suceessioni per causa di morte - Parte generale.
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Kipp/Coing - Erbrecht (h traduo espanhola duma edio anterior).
Ferri, Luigi - Successioni in generale.
9. A doutrina portuguesa
I - Em Portugal, o nome de Paulo Cunha pode situar-se na origem de uma renovao deste ramo do direito.
Este autor no publicou directamente os seus cursos, mas as lies a cargo de alunos oferecem uma elaborao
suficiente para que se encontre com fidedignidade o pensamento do mestre.
H publicaes impressas sobre a parte geral, a sucesso testamentria, a sucesso legtima e a sucesso
legitimria.
Na renovao que assinalmos deve-se realar o nome de Inocncio Galvo Telles, que em dois estudos de
carcter monogrfico tocou os pontos essenciais deste ramo do direito: Direito de Representao, Substituio
Vulgar e Direito de Acrescer e Teoria Geral do Fenmeno Jurdico Sucessrio.
Antunes Varela publicou tambm duas monografias sobre aspectos muito importantes, respectivamente da
sucesso testamentria (Ineficcia do Testamento e Vontade Conjectural do Testador) e da sucesso legal (Da
Sucesso do Estado nos Bens dos Particulares).
No plano histrico, tem especial relevo o estudo de Braga da Cruz sobre o direito de troncalidade, por essa
altura vindo a lume.
Muitos outros trabalhos de valor surgiram, como artigos e anotaes de decises judiciais, que no
podemos especificamente referir.
II - Este movimento, muito significativo dada a limitao do nosso meio, no teve porm continuao
adequada at publicao do Cdigo Civil. S I. Galvo Telles manteve uma produo regular, de que recalamos
dois estudos fundamentais surgidos mais proximamente: Apontamentos para a Histria do Direito da Sucesses
Portugus e Algumas Consideraes sobre o Conceito Jurdico de sucesso.
E o facto tanto mais lastimvel quanto certo elite, quer em Lisboa quer em Coimbra, se produziam
cursos de muito nvel mas que nunca saram do estdio das lies policopiadas, sem responsabilizarem os mestres.
Em Lisboa, Manuel Gomes da Silva, em dilogo com a orientao de Paulo Cunha e I. Galvo Telles,
reelaborou as noes essenciais sobre a sucesso e o fenmeno Jurdico sucessrio e desenvolveu um captulo
sobre o "estatuto da Sucesso". No ano seguinte a disciplina fornos confiada, mas as lies que publicmos foram
logo referentes ao novo Cdigo Civil .
III - Em Coimbra, F. M. Pereira Coelho esteve longamente encarregado da disciplina. A sua actividade
prosseguiu para alm ela publicao do novo Cdigo Civil, tendo sido as suas lies, juntamente com as nossas
prprias, as primeiras reaces ao novo Cdigo. Surgiram depois lies que incorporam as alteraes resultantes do
Dec.-Lei n 496/77. Pereira Coelho distingue uma parte geral e uma parte especial e reelabora de modo pessoal
muitos importantes temas da nossa disciplina.
Tambm Espinosa Gomes da Silva publicou lies universitrias, continuando este movimento e atendeu
igualmente s alteraes do Dec.-Lei n 496/77.
I. Galvo Telles iniciou a publicao de um Direito das Sucesses, com um volume de Noes
Fundamentais, em que igualmente se tm j em conta as alteraes legislativas. Anteriormente, estivera na origem
de um volume contendo os trabalhos preparatrios do Cdigo Civil.
Como obras de vocao generalizadora, embora incompletas ainda, temos:
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- Carlos Pamplona Corte-Real - Direito da Famlia e das Sucesses - abrange a Parte Geral e a Sucesso
Legitimria.
- Rabindranath Capelo de Sousa - Lies de Direito das Sucesses (2 vols.) - compreende a Parte Geral.
Diogo Leite de Campos publicou em 1990 as Lies de Direito da Famlia e das Sucesses, embora
particularmente dirigidas para o Direito da Famlia.
Guilherme de Oliveira tem-se orientado tambm para esta matria, publicando nomeadamente 0
Testamento - Apontamentos.
Mas h sobretudo a anotar a recentssima publicao do vol. VI do Cdigo Anotado de Pires de
Lima/Antunes Varela, dedicado justamente ao Livro das Sucesses.
Outra bibliografia subsequente ser indicada nos lugares respectivos.
10. Fundamento da sucesso em beneficio de pessoas privadas
I - Um ponto que tem suscitado polmicas memorveis o da justificao doutrinria da atribuio
sucessria de direitos a pessoas privadas.
Fica pois desde logo fora desta polmica uma forma ele sucesso - a sucesso do Estado, entre ns
considerado at herdeiro legtimo. Quando especialmente a estudarmos teremos ocasio de referir as razes que
justificam a sua consagrao.
A polmica no se tem estendido sucesso pessoal, no sentido da substituio de uma pessoa pessoa
falecida rios aspectos pessoais.
As dificuldades que suscita sero examinadas nos lugares respectivos. Vamos agora considerar a problemtica
patrimonial.
II - Pensamos que a admisso da sucesso por morte uma consequncia necessria da admisso de uma
"propriedade privada".
Neste sentido acena j a prpria Constituio, ao ligar garantia do direito da propriedade a Sua transmisso em
vida ou por morte" (art. 62/1). E ainda o confirma uma viso de Direito Comparado, uma vez que todas as ordens
jurdicas prevem a sucesso por morte - que vai abranger justamente aquele domnio, lato ou restrito, em que
existe uma propriedade privada.
Com efeito, se se admite o instituto da propriedade privada, se se admite a diversificao de patrimnios
que esta importa, seria ilgico que o Estado absorvesse tudo morte de cada um, eventualmente para redistribuir
depois, criando instabilidade nas relaes patrimoniais.
Simultaneamente se d satisfao a aspiraes pessoais muito intensas, uma vez que o desejo de que uma
obra se prolongue depois da morte, de que haja uma como que persistncia da personalidade, encontra forte apoio
na devoluo de bens (mortis causa). E a possibilidade de marcar ou de dominar o destino desses bens aparece
como um poderoso estmulo da actividade individual.
III - Assim como a justificao da propriedade privada" no implicava que ela fosse absoluta, tambm a
racionalidade da sucesso em benefcio de pessoas privadas no implica a eliminao de
quaisquer restries.
a) Pode haver restries qualitativas, enquanto certas qualidades de bens podem ser subtradas ao regime
das Sucesses e sujeitas a um estatuto prprio.
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Com efeito, semelhana do que observmos na justificao da propriedade privada, no Direito das Coisas
, no idntica, para este efeito, a posio de todos os bens. Se tambm uma sucesso de objectos pessoais
poucas dvidas pode oferecer, sobretudo se tivermos em conta a continuidade de um lar, j uma sucesso nos bens
de produo, por exemplo, parece representar um risco permanente de incompetncia, sobretudo medida que a
evoluo tecnolgica vai
exigindo para o dirigente de - actividade econmica capacidades tcnicas cada vez mais especializadas.
Sabe-se qual tende a ser a resposta da sociedade ocidental a este problema - separam-se cada vez mais
capital e administrao, de inodo que a titularidade do capital no implica o exerccio efectivo de uma gesto que se
reserva a tecnocratas. Isto muito ntido nos pases industrializados. Torneia-se assim o problema, se bem que a
custa de um reforo do anonimato, portanto de uma maior desumanizao da vida econmica.
IV - b) Pode tambm haver restries quantitativas, enquanto o Estado pode participar em cada sucesso
atravs do imposto.
A medida dessas restries extremamente varivel. A matria prevista na outra disposio constitucional
que versa esta matria: o art. 107/3, que traa finalidades do imposto sobre sucesses.
Mas h um limite, como o havia para as restries propriedade.
Assim como estas nunca podero ir at ao ponto de abolir ou inquinar essencialmente o instituto, tambm as
restries a uma sucesso privada" no podem levar a fazer perder interesse ou sentido a
este mecanismo de uma continuidade privada na titularidade dos bens.
isto mesmo o que resulta do art. 62 da Constituio. No obstante o lato domnio de discricionaridade que
se admite, resulta dele uma injuno ao legislador de prever a sucesso em benefcio de particulares. Encerra pois
uma garantia institucional desta sucesso: a sucesso, como instituto jurdico, imposta ao legislador ordinrio,
11. Sucesso familiar ou voluntria
I - At agora afirmmos que devia haver sucesso privada, mas no dissemos quem deviam ser os
beneficirios. Nomeadamente, no ligmos sucesso e famlia.
porm multo estreita a ligao dos institutos familiares e sucessrios. primariamente uma proteco da
famlia que visada. D-se posio especial tos familiares mais prximos (e no s na linha recta) no mecanismo da
sucesso. Se bem que se no imponha em concreto uma sucesso para estes familiares, resulta daqui que, ao
menos quando o de cuius nada dispuser em contrrio, para eles, ou para alguns deles, que a sucesso deve ser
deferida.
Nos tempos modernos, manteve-se a polmica entre a legtima e a liberdade de testar, ao menos para
delimitar o campo de cada uma.
Os que defendem o principio da legtima insurgem-se contra o arbtrio que podia representar a excluso dos
familiares e querem portanto proteger a famlia; os que defendem o princpio da liberdade de testar preferem ao
arbtrio de uma escolha feita por lei, a escolha feita por um actor qualificado, que o testador. Parece que neste
campo as tradies tm uma importncia fundamental e que o sistema bom ou mau, atinge ou no os seus
objectivos, consoante a situao de cada pas.
Na hiptese normal, de coexistncia dos dois sistemas, o campo reservado a cada um pode variar em
limites amplssimos.
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Se se puser todo o realce na realizao de finalidades prprias do autor da sucesso, a proteco dos
membros do agregado familiar pode descer at um direito a alimentos custa da herana ou do herdeiro.
Se pelo contrrio se acentuarem os fins familiares, a realizao de outros fins pode ficar muito restringida.
Pode nomeadamente, num ponto de vista tcnico, tornar-se obrigatria a forma do legado para a prossecuo
destes objectivos, s podendo ser herdeiros aqueles que estejam ligados ao autor da sucesso por vnculos
familiares.
luz da ordem constitucional portuguesa praticamente todas as opes so possveis. No difcil retirar
do art. 62/1 uma garantia institucional da sucesso voluntria. Mas ressalvados estes limites, ficam abertas ao
legislador ordinrio as vias mais dspares de soluo.
II - De todo o modo, realiza-se atravs do mecanismo sucessrio a proteco da famlia. Havendo legtima,
corno entre ns se verifica, ela destinada a essa finalidade.
Mesmo no havendo legtima, ou na parte que pela legtima no abrangida, no se deve pensar que as
consideraes familiares se tornam indiferentes. A garantia de uma continuidade familiar continua a ser uma das
motivaes mais fortes que se pe ao legislador. Pensou-se, porm, ser mais conveniente atribuir ao de cuius a
escolha definitiva; aditando-se o esquema dispositivo da sucesso legtima, como que a lembrar a ordem que ao
legislador pareceu a mais adequada.
0 Dec.-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, marcado pela hostilidade famlia de sangue. Multas das
alteraes traduzem-se portanto tio agravamento da situao desta. Deixa de relevar, tambm para efeitos
sucessrios, a famlia legtima, deixando de corresponder a esta vantagem sucessria. E leva-se para alm de toda
a razoabilidade a tutela sucessria do cnjuge sobrevivo.
12. Sucesso de leis
I - A alterao legislativa sempre uma causa de grande instabilidade das situaes jurdicas.
Esses problemas fazem-se sentir multo particularmente rio Direito das Sucesses.
Antes de mais, necessrio determinar qual a lei reguladora da sucesso. Na falta de regra especial, h
que recorrer ao critrio geral do art. 12/2.
Mas a aplicao deste no fcil. A lei sobre a sucesso no uma lei que regule as "condies de
validade substancial ou formal de quaisquer factos" ou os seus efeitos. A sucesso no um acto jurdico, uma
vicissitude, que no pode ser apreciada pelo ponto de vista da validade, prprio daquele preceito.
Todavia, todos concordam que a vicissitude sucesso" regida pela lei vigente ao tempo da sua abertura.
Nesta posio ter de estar subjacente a ideia de que a primeira parte do art. 12/2 no se dirige afinal apenas a
actos jurdicos mas abranger ainda, provavelmente por interpretao extensiva, meras vicissitudes, como a
sucesso, provocadas por toda e qualquer categoria de factos jurdicos.
II - Outras dificuldades resultam de a sucesso ser na realidade protrada por vrios momentos de tempo,
que podem ser regidos por leis diversas.
Essas dificuldades atenuam-se pelo facto de, como veremos, a lei fazer retroagir todo o fenmeno
sucessrio ao momento ela abertura da sucesso. Ficciosamente embora, tudo se passa como se todas as fases
fossem concomitantes e referidas quele momento, e portanto tudo regido pela mesma lei.
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Isto bastar no que respeita ao enquadramento de factos posteriores abertura da sucesso, como a
aceitao. Mas h tambm os factos anteriores. A designao dos sucessveis, por lei ou negcio jurdico, processa-
se j desde antes da abertura da sucesso, como dissemos.
Tecnicamente, h o que se chama um facto complexo de produo sucessiva. Este facto ento regido pela lei
vigente na data em que se produziu o ltimo dos seus elementos - que de novo a data da abertura da sucesso.
Mas, para alm dos efeitos sucessrios que produzam, os factos relevantes podem carecer de ser
examinados por si, luz da lei vigente data da sua ocorrncia. Por exemplo, a validade do testamento pareceria
dever ser apreciada luz da lei do tempo da sua feitura, por aplicao directa do critrio do art. 12/2.
Mas isto contraria a concluso geralmente aceite de que a validade do testamento, no ponto de vista do
contedo, deve ser apreciada luz da lei vigente ao tempo da abertura da sucesso.
Que soluo adoptar?
III - Se o testamento era invlido luz da lei do tempo da sua feitura, mas a causa de invalidade foi abolida
pela nova lei, esta que prevalece. assim por fora de uma disposio especial de direito transitrio, constante do
art. 22 do Dec.-Lei n 47 344, segundo a qual os testamentos anteriores a 31 de Maio de 1967 e as disposies
testamentrias neles contidas s podem ser declarados nulos ou anulados, por vcio substancial ou de forma, se o
novo
fundamento for tambm reconhecido pelo Cdigo Civil, salvo se a aco j estiver pendente naquela data.
Note-se que este art. 22 mais radical ainda, pois se aplica mesmo a sucesses j abertas. S no so
aproveitados os testamentos sobre que recaia aco de invalidade j pendente em 31
de Maio de 1967. A soluo extremamente violenta.
E na hiptese inversa, se o testamento era vlido luz da lei do tempo da sua feitura mas a lei nova traz
uma causa de invalidade?
0 referido art. 22 j se no aplica directamente a este caso, porque pressupe a invalidade luz do tempo
da sua feitura ("se o respectivo fundamento for tambm reconhecido...").
Mas tende-se a considerar ento o testamento invalido, quando esto em causa vcios substanciais.
Com base nestes princpios se tem aceite como orientao geral que a inoficiosidade (ou contrariedade
legtima) de doaes ou disposies testamentrias deve ser medida luz do direito vigente ao tempo de abertura
da sucesso.
Continuam a suscitar-se todavia problemas graves. Se bem que alguns dos casos no se ponham j
exactamente nos mesmos termos, por efeito de alterao legislativa, a polmica mantm interesse no que respeita
aos princpios que regem o direito intertemporal.
IV - Mas tambm releva em Direito das Sucesses a previso do art. 12/2, 2 parte, que manda aplicar a lei
nova quando dispuser directamente sobre o contedo de certas situaes jurdicas, abstraindo dos factos que lhes
deram origem.
Estaro nomeadamente em causa estatutos de intervenientes na sucesso, como o herdeiro, o cabea-de-
casal ... Estes esto sujeitos variao da lei.
Como excepo, o art. 23 do Dec.-Lei n 47 344 manda reger as atribuies do testamenteiro pela lei da
data da feitura do testamento.
13. Conflitos de leis: remisso
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Os conflitos de leis em matria de sucesses esto previstos nos arts. 62 a 65. A regra principal a de que
a Sucesso regulada pela lei pessoal do autor da sucesso ao tempo do falecimento deste.
Como matria de Direito Internacional Privado e cabe em disciplina autnoma, abstemo-nos de a
examinar.
4. Autonomia. Carcter institucional
- Passamos ao problema da autonomia do Direito das Sucesses
de estranhar o silncio da doutrina sobre este problema, pois se limita a aceitar as posies das leis
modernas neste domnio, sem indicar um critrio suficiente de autonomizao. E o problema ainda se agrava
considerando a crtica que M. Gomes da Silva dirigiu sistematizao germnica demonstrando que o critrio que
lhe est inerente no unitrio. Nomeadamente, o Direito das Obrigaes e o Direito das Coisas regulam categorias
prprias de direitos subjectivos, enquanto os Direitos da Famlia e das Sucesses se podem referir a toda e qualquer
categoria de direitos.
Na verdade, se as vicissitudes comuns das situaes jurdicas so pacificamente estudadas na Parte Geral,
porque se h-de separar o que respeita a aquisies mortis causa?
II - No ponto de vista prtico, compreende-se porque se chega autonomizao: a aquisio por morte
implica a especificao de uma grande massa de preceitos, com um carcter fortemente unitrio que justificam uma
indagao prpria. Mas que dizer do ponto de vista cientfico?
No ncleo desta disciplina deveramos colocar o fenmeno sucessrio, pois se estende a todas as formas
de aquisio por morte que aqui so estudadas. 0 carcter unitrio desse fenmeno pode levar elaborao de
princpios prprios, o que tem sido exigido como condio da autonomizao dum ramo do Direito. Com isto
podemos chegar aceitao da autonomia cientfica do Direito das Sucesses; mas no afastamos as crticas
centradas no carcter no cientfico da prpria classificao germnica que o autonomizou.
III - Pode ainda perguntar-se se se no verifica neste domnio o fenmeno da institucionalizao.
Isso verdadeiro, pois vemos que o ncleo, a sucesso, atrai para este ramo de direito certas matrias que
lhe seriam em princpio exteriores, mas que so influenciadas pela sua ndole particular. J referimos atrs o
interesse que existe em estudar neste ramo de direito, por exemplo, a situao da herana adquirida; e quando
estudarmos esta verificaremos que no Direito das Sucesses se devero
acessoriamente englobar situaes em que a existncia de uma sucesso no se pode sequer, sustentar, porque
no estavam na titularidade do de cuius.
Mas a afirmao de um carcter institucional no se pode fazer sem importantes prevenes, respeitantes
fsionomia muito particular que a figura reveste neste sector.
Temos ouvido referir a institucionalizao a Situaes jurdicas e isso que nos surge, ao menos
primacialmente, no Direito Constitucional, no Direito de Famlia, etc. Mas aqui, mais propriamente, o que se
institucionaliza uma vicissitude de situaes jurdicas, uma fase da vida destas, sem que as situaes sofram em si
alterao. Teria de se acrescentar uma faceta mais, portanto, ao fenmeno multiforme da institucionalizao.
De facto, a institucionalizao, nas modalidades que temos encontrado at agora (no Direito da Famlia, por
exemplo), supe um fundo de institutos comuns que so adaptados s finalidades particulares de dada instituio.
Ora, no custa admitir que a aquisio por morte seja uma instituio, pois entrar na categoria minto latadas
instituies-coisa; e tambm encontramos a adaptao de institutos de direito comum. Adaptao que se verifica
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quer em relao a situaes jurdicas quer em relao vicissitude comum sucesso, como veremos, que encontra
neste domnio a elaborao mais profunda.
15. A sucesso por morte
I - Se o conceito de sucesso ocupa assim lugar central na nossa disciplina, haver que o caracterizar
precisamente.
Como essa caracterizao tem porm de resultar do regime legal, ela surgir logicamente culminando a
Parte II, que justamente dedicada sucesso.
Antecipando noes, diremos simplesmente que, quanto a ns, se devem distinguir profundamente os
conceitos de sucesso e transmisso.
Aderimos a uma concepo autonomista da sucesso, segundo a qual esta caracterizada pelo ingresso
de um sujeito na posio que outro ocupara, e no pela passagem de situaes jurdicas de um para outro. Veremos
qual o importante significado desta distino.
II - A sucesso que nos ocupa exclusivamente a sucesso por morte.
Outras hipteses de sucesso, que repousem em pressupostos diversos, esto claramente afastados do
ramo do Direito das Sucesses. Nunca haveria que estudar aqui, por exemplo, o destino do patrimnio das pessoas
colectivas, em caso de extino destas.
III - A sucesso normalmente objecto de uma classificao:
- a ttulo singular
- a ttulo universal.
Da mesma forma se contrape uma transmisso a ttulo singular e a ttulo universal.
Veremos depois o que pensar destas categorias. Agora diremos que na primeira modalidade estaro em
causa uma ou mais situaes determinadas, enquanto que na segunda se atinge a universalidade das situaes de
algum, ou pelo menos um sector ou fraco dentro da esfera jurdica respectiva. Na sucesso por morte, estas
duas modalidades concretizar-se-iam respectivamente no legado e na herana.
Quanto s figuras de sucesso universal ou a ttulo universal, entre vivos, discute-se desde logo se elas so
admissveis. Apontam-se figuras como a doao universal, ou aquisies dos bens cios cnjuges para a comunho
conjugal de bens. Parece seguro que ela se verifica em certas aquisies globais, no todo ou em parte, do
patrimnio duma sociedade.
16. Objecto da sucesso
I - O que e o que no atingido pela sucesso por morte?
Poderamos dizer que o objecto da sucesso a herana; mas no nos podemos contentar com isto, pois
h que averiguar se no h situaes exteriores herana que sejam tambm atingidas pela sucesso.
matria que vamos deixar para um momento mais adiantado, quando j estiver suficientemente
caracterizado o fenmeno sucesso. Convm porm, com mero carcter introdutrio, deixar desde j algumas
indicaes.
II - So objecto da sucesso as situaes jurdicas do de cuius que no devam extinguir-se com a morte
deste. E so verdadeiramente as situaes jurdicas, e no os bens, que so objecto desta vicissitude.
A sucesso tanto atinge situaes jurdicas activas como passivas, embora haja depois que especificar a
relao entre elas.
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As situaes pessoais no so objecto de sucesso. Mas o herdeiro goza de atributos pessoais, dado o
carcter pessoal da sua posio.
Com a sucesso podem constituir-se situaes jurdicas que no estavam na titularidade do de cuius.
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CAPTULO II
FACTOS DESIGNATIVOS
17. A designao
I - Nesta parte do nosso curso, que dedicmos s noes prvias h ainda que considerar um fenmeno
que, no se integrando na sucesso nem se confundindo de qualquer modo com ela, a acompanha sempre, de tal
maneira que se torna imprescindvel para a compreenso das fases subsequentes desta. Referimo-nos
designao
Designao a operao intelectual pela qual se deternimam os sucessveis de algum. Dela resulta para
algumas pessoas a qualificao como sucessvel.
Abstractamente, todos ou quase todos podemos vir a suceder uns aos outros. Mas em direito s tem
interesse falar de Sucessvel quando em relao a algum se produziu um facto designativo.
Opera ento, em favor de uma pessoa, uma das circunstncias de que a lei faz depender a aquisio por morte de
outrm, o que lhe d uma posio especial em relao aos demais.
No fica ainda Sucessor - a qualificao s adequada se efectivamente for chamado e aceitar - mas fica
sucessvel, porque beneficia de uma expectativa sucessria.
II - Quais so os factos designativos? Responde o art. 2026 que tem a epgrafe: "Ttulos de vocao
sucessria". A se diz que a sucesso deferida por:
- lei
- testamento
- contrato.
H neste preceito uma distoro, alis frequente, que consiste em pr a lei em paralelo com certos factos
jurdicos, como se no primeiro caso o efeito visado se pudesse produzir sem a interveno de um facto jurdico e no
segundo no resultasse tambm da lei. Mas sabemos j que com a referncia lei se quer dizer que o efeito jurdico
se produz independentemente de uma manifestao de vontade das partes nesse sentido, portanto em virtude de
um facto no negocial.
Esse facto designativo legal" pode ser:
- uma situao familiar
- uma relao com o Estado.
o que acontece nas chamadas sucesso legtima e legitimria (esta ltima restrita a situaes familiares).
Mais concretamente, a relao familiar pode consistir no vnculo conjugal, no parentesco ou na relao de adopo.
Estas relaes so as que j conhecemos; no sofrem qualquer modelao prpria em matria de Direito
das Sucesses. Por isso no as consideraremos individualizadamente, s referindo a sua incidncia a propsito das
vocaes legtima e legitimria.
III - Por outro lado, a designao pode resultar de negcios jurdicos. Estes so:
- o testamento
- o pacto sucessrio.
So negcios especficos deste sector do direito, que como tal tm neste lugar a sua sede natural.
18. Negcios jurdicos mortis causa
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I - Negcio mortis causa aquele cujos efeitos tm a sua causa na morte do autor. Mas a noo tem de ser
esclarecida.
H muitos actos inter ivos que vo produzir efeitos aps a morte. Assim, se algum contrai uma dvida e
morre, os herdeiros ficam vinculados por ela.
H mesmo actos entre vivos que se destinam a produzir efeitos por morte. o caso da partilha em vida,
regulada no art. 1719. Mas no so actos mortis causa, porque estes so actos que s ganham eficcia com a morte
e disciplinam ento as relaes pelo autor da sucesso que se no devam extinguir.
II - So actos mortis causa:
- o testamento
- os pactos sucessrios.
So actos designativos: designam beneficirios da sucesso
A figura prevalente a do testamento (art. 2179). Este o negcio jurdico unilateral pelo qual algum
procede a disposies de ltima vontade.
A eficcia do testamento s surge com a morte do testador. Mesmo assim, juridicamente relevante o
momento da elaborao do testamento, pois por ele se apreciam aspectos tambm importantes, como o da
capacidade do testador.
19. Factos designativos negociais e negcios mortis causa
I - Previamente, ocorre ter conscincia da distino entre negcios mortis causa e negcios inter vivos que
iro produzir efeitos por morte.
J no referimos aqui os actos de vinculao, praticados pelo autor da sucesso, que s iro atingir os
herdeiros porque alteram o objecto da herana.
H casos em que se vai mais alm. Actos inter vivos comandam efeitos por morte.
II - Assim, pode haver substituies fideicomissrias nas doaes (art. 962). Isso significa que o objecto
atribudo a um sujeito e morte deste reverte para outro. H aqui necessariamente um efeito por morte, que
obrigaria difcil determinao: haver que distinguir entre efeitos por morte e efeitos mortis causa?
No contrato de renda perpetua (arts. 1231 e seguintes) h um direito que vai sendo sucessivamente
adquirido pelos sucessores. Mais impressivamente, no contrato de renda vitalcia convencionado por duas vidas (art.
1240) h uma aquisio pelo segundo beneficirio morte do primeiro beneficirio.
0 art. 1719 permite aos esposados convencionar que a partilha dos bens, havendo descendentes comuns,
se far segundo o regime da comunho geral, seja qual for o regime de bens que tiver sido adoptado para a vigncia
da comunidade conjugal. um efeito produzido necessariamente por morte e resultante de um acto inter vivos.
Tm o mesmo sentido a partilha em vida, prevista no art. 2029, ou a estipulao de doaes que esgotem
as foras da legtima, pois estas incidem sobre a posio sucessria dos legitimrios.
Mais amplamente, diramos que todo o acto jurdico condicionado ao efeito morte se inscreve nesta
categoria de actos, sem por isso ser um acto mortis causa. A distino muito clara se o acto
condicionado morte de um terceiro: uma doao produzir efeitos se um terceiro morrer antes do doador, por
exemplo. Aqui no lia seguramente uma doao mortis causa.
III - Em vida s se produz o facto designativo e no os efeitos sucessrios. Isso significa que nenhuns
efeitos so de referir ao momento do negcio, que no sejam os que concernem ao facto
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designativo em si. Mesmo a capacidade do beneficirio s seria de exigir no momento da morte. Isto basta para
afastar do mbito sucessrio a venda com reserva de domnio (art. 409) em que tenha
sido estipulado que a transferncia da propriedade se daria no momento da morte do vendedor. 0 significado da
morte ento o de facto extintivo da reserva de domnio.
Mas por outro lado, as liberalidades em vida podem ser atradas para a vida institucional da herana: podem
ser chamadas colao, por exemplo. Passam assim a integrar a herana", num sentido amplo e imprprio desta.
Por esta circunstncia, podem-se-lhes aplicar trechos do regime das sucesses mortis causa.
Feita esta preveno geral, passemos agora a examinar os verdadeiros actos mortis causa.
20. Primeira noo de testamento
I - Comeamos pelo testamento. A nossa sistemtica assenta nesta distino:
- o testamento como negcio
- as disposies testamentrias.
O testamento em si um facto designativo, necessariamente anterior abertura da sucesso. Tem pois o
seu assento prprio neste captulo.
Quanto s disposies testamentrias, que do o contedo do testamento, s tero eficcia aps a abertura
da sucesso. A sua incidncia d-se antes no captulo da vocao testamentria. A sero estudadas.
Daqui resulta que tudo o que respeita ao autor do testamento ser em princpio versado neste lugar; tudo o
que respeita aos beneficirios do testamento s ser considerado a propsito da vocao testamentria.
II - 0 art. 2179, abrindo o ttulo dedicado sucesso testamentria, d-nos no n 1 uma noo de testamento
que representa o ponto de partida. Este seria o acto unilateral e revogvel pelo qual uma pessoa dispe, para depois
da morte, de todos os seus bens ou de parte deles.
Daqui resulta que o testamento um acto mortis causa, pois tem a sua causa na morte do testador; e os
seus efeitos destinam-se a produzir-se depois da morte. Isso no impede que haja uma constante dialctica entre o
momento da elaborao do testamento e o momento da abertura da sucesso, pois a considerao de ambos
necessria, embora para fins diversos, para apurar o verdadeiro significado das disposies testamentrias. Veja-se
o que respeita capacidade do testador, disponibilidade dos bens... Pode tambm haver variaes da apreciao:
cfr. o art. 2196, por exemplo.
III - pena que o legislador no tenha enriquecido a noo legal com a qualificao do testamento, dentro
dos actos jurdicos, como um negcio jurdico. 0 testamento reveste as caractersticas, nesta altura j bem nossas
conhecidas, do negcio jurdico.
Chegados a este ponto, resta-nos antecipar uma noo de testamento. Ela s poder ser comprovada mais
tarde, quando examinarmos o contedo do negcio testamentrio.
Testamento o negcio jurdico unilateral pelo qual algum procede a disposies de tima vontade.
21. Implicaes do carcter negocial
I - A qualificao do testamento como um negcio jurdico eleve ser devidamente fundada, porque tem
importantes implicaes.
O facto de a Sucesso se produzir fatalmente com a morte e de haver inmeros aspectos subtrados
disponibilidade do autor da sucesso no tira ao testamento o carcter negocial. Para haver negcio, basta que o
autor possa influenciar de qualquer modo a sucesso, no que respeita aos sujeitos, ao objecto ou at a aspectos
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complementares, como a testamentria. H muito campo para o exerccio da autonomia, que encontra o seu mnimo
na liberdade de escolha, ainda que em negcios impostos.
A qualificao como negcio jurdico importante para o Cdigo Civil, que a toma como nuclear ao regular
os factos jurdicos. Sendo assim, todo o regime geral em princpio aplicvel ao testamento.
II - Em sentido contrrio, h quem afirme que o preceituado na Parte Geral s , de sua natureza, aplicvel
aos negcios inter vivos. Todo o regime do testamento teria de ser especfico.
No assim. 0 legislador portugus, que to de perto acompanhou o Cdigo italiano, no inclui nenhum
preceito anlogo ao do art. 1324 deste, que limita as disposies sobre contratos aos actos entre vivos. Na verdade,
o que se pretendeu foi fazer da Parte Geral um repositrio comum, de tal modo que nos outros ramos s fosse
necessrio estabelecer os desvios. Por isso to sumaria, por exemplo, a disciplina da vontade no negcio
testamentrio.
A esta observao est ligada uma consequncia importantssima: a de que a aplicao das disposies da
Parte Geral que se fizer uma aplicao directa e no uma aplicao analgica. E por isso,
as regras excepcionais contidas na Parte Geral so tambm aplicveis ao negcio testamentrio.
III - Mas to importante como a afirmao da tendencial generalidade da disciplina do negcio jurdico a
observao que, realmente, o legislador teve em vista predominantemente o contrato.
Do facto de as disposies da Parte Geral serem directamente aplicveis no se segue que toda a
disposio da Parte Geral seja de acolher neste sector. No o evidentemente quando uma regra especial a afastar;
mas no o tambm quando, mesmo na ausncia de regra especial, a natureza e o regime geral do negcio
testamentrio a repelirem. Isto obriga a uma valorao caso por caso, na qual reside um dos aspectos mais
delicados do estudo desta matria.
22. Carcter unilateral
I - Os elementos atrs apontados so decisivos para uma definio de testamento, pois bastam para o
distinguir de qualquer outro acto.
certo que a doutrina elaborou um elenco longo de caractersticas do testamento: e facilmente se verifica
que quase todas elas so reconhecidamente admitidas pelo Cdigo. Muitas no representam todavia elementos
essenciais, pelo que bem fez o legislador em afast-las da definio. Quanto revogabilidade, que mereceu a honra
de figurar no texto do art. 2179, est implicitamente contida na nossa definio: o testamento tambm acto de
ltima vontade Porque est at ao fim na dependncia da vontade do testador.
Isto no quer dizer que a exposio dessas outras caractersticas seja intil. pelo contrrio muito til,
chamando a ateno para diversos aspectos do negcio testamentrio. Vamos examin-las,
seguindo uma ordem lgica - abstraindo portanto do facto de elas constarem da prpria noo legal, ou virem
expressas nos artigos subsequentes, ou estarem simplesmente implcitas no regime positivo.
II - Quer na definio legal, quer na noo que adiantmos, est expressa a qualificao do testamento
como um acto unilateral.
H uma nica parte no testamento, um s centro de interesses. O testamento no tem estrutura contratual e
por isso se distingue facilmente dos pactos sucessrios.
Temos pois que o testamento, dentro da massa dos negcios mortis causa, se especifica como um negcio
unilateral.
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III - A clareza desta afirmao empanada todavia por uma disposio que necessita de ser atentamente
examinada.
No art. 946/2 estabelece-se a converso legal em disposies testamentrias das doaes que houverem
de produzir os seus efeitos por morte do doador.
Pode-se perguntar ento se por esta via no se integraro no campo do testamento actos plurilaterais, pelos
quais ditas ou mais pessoas ajustaram as suas disposies de ltima vontade.
Como o problema est porm intrinsecamente ligado caracterizao do pacto sucessrio, reservamos o
seu exame para o momento em que examinarmos este em conjunto. Como veremos ento, a lei toma o acto como
unilateral; fica porm em crise a singularidade do testamento, de que falaremos a seguir.
23. Carcter singular
I - Sendo um negcio unilateral, o testamento ainda necessariamente singular - ou seja, seu autor uma
s pessoa. Estabelece o art. 2181 que "no podem testar no mesmo acto duas ou mais
pessoas, quer em proveito recproco, quer em favor de terceiro".
Aqui se probem os chamados testamentos de mo comum, que tiveram verificao histrica. Quis-se levar
to longe a defesa da liberdade do testador que se proibiu esta actuao conjunta, ainda que no revestisse as
caractersticas do pacto sucessrio. Se bem que cada interveniente pudesse em seguida revogar a disposio feita
em comum, pois o princpio da revogabilidade no seria prejudicado com esta actuao, em todo o caso o legislador
achou prefervel vedar em absoluto disposies em conjunto.
II - Note-se que neste texto o legislador, fora de querer ser categrico, acaba por ser ambguo. Em vez de
dizer simplesmente: - No podem testar no mesmo acto duas ou mais pessoas", acrescenta ainda: - quer em
proveito recproco, quer em favor de terceiro". Pode por isso perguntar-se se no ser vlido o testamento de mo
comum em que os testadores dispem a favor de pessoas diferentes: A e B dispem simultaneamente, devendo os
bens de A reverter para C e os de B para D.
A considerao histrica dissipa as dvidas. Este artigo a reproduo do corpo do art. 1753 do Cdigo
anterior, sombra do qual sempre se entendera que no eram admissveis os testamentos
de mo comum. 0 legislador fez s uma pequena alterao: fala-se agora em proveito recproco, e no em proveito
comum, o que sem dvida de louvar. Mas a manuteno do texto indicia a manuteno da doutrina.
Suscitou-se j o problema da qualificao como testamento de mo comum de certos tipos de disposio
sobre o mesmo pedao de papel. Disse-se que o que a lei exigia era que se no testasse no mesmo acto e que essa
exigncia se satisfazia desde que as disposies fossem distintas umas das outras, mesmo que sucessivas. A
discusso ociosa entre ns visto que tais formas, se no forem atingidas pela proibio do testamento de mo
comum, no so de todo o modo compatveis com o formalismo legal do acto testamentrio.
- J parece haver uma verdadeira excepo singularidade do testamento nos casos dos pactos
sucessrios a que a lei manda atribuir valor meramente testamentrio.
Sejam as hipteses do art. 1704. A, a lei desvaloriza a interveno do outro esposado, considerando a
disposio de cada um deles como negcio unilateral, que em nada sofre a incidncia da vontade alheia.
Todavia, o certo que o outro esteve presente na emisso daquelas declaraes. Parece-nos que o art.
1704 subtrai esta matria ao pactos sucessrios, revelando-nos verdadeiros negcios testamentrios; mas negcios
testamentrios em que o principio da singularidade no foi observado.
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Cria tambm perplexidade o art. 1685/3 b, que admite a disposio de coisa certa do patrimnio comum por
um dos cnjuges, "se a disposio tiver sido previamente autorizada pelo outro cnjuge por forma autntica ou no
prprio testamento". No parece porm sustentar uma interveno de um cnjuge no testamento do outro, pois o
testamento que se refere o testamento prprio, do outro cnjuge. Assim, Abel autoriza Ana, em testamento (de
Abel) a dispor de coisa certa do patrimnio comum, o que Ana, suprstite, vem a fazer no seu testamento. A
interpretao do preceito e pois matria do Direito da Famlia e no do Direito das Sucesses.
24. 0 testamento como negcio pessoal
I - 0 testamento, negcio unilateral singular, ainda um acto pessoal. 0 princpio consta expressamente do
art. 2182/1.
0 mesmo preceito especifica a seguir as intervenes que no podem ser cometidas a outrm. Daqui resulta
que o princpio da pessoalidade do testamento abrange dois aspectos. Por ele se exclui:
- a actuao de representante, ou sequer de um nncio, na feitura do testamento;
- a remessa ao arbtrio de outrm, quer da fixao do seu contedo, quer da sua execuo.
0 primeiro princpio s encontra a excepo representada pelas substituies pupilar e quase-pupilar: estas
sero examinadas no nmero seguinte.
Podemos relacion-lo com uma proibio constante da primeira parte do art. 2184: nula a disposio que dependa
de instrues ou recomendaes feitas a outrm secretamente.
II - J no que toca ao segundo princpio a lei admite alguns abrandamentos, que no inquiriam o ncleo
fundamental.
assim que o mesmo art. 2182/2 permite que o testador cometa a terceiro:
a) a repartio da herana ou do legado, quando institua ou nomeie uma generalidade de pessoas;
b) a nomeao do legatrio de entre pessoas por aquele determinadas.
Acrescenta o n 3 algumas regras, destinadas a evitar que o terceiro, embora designado apenas para
completar a vontade do testador, possa vir a ter domnio sobre o que este exprimiu.
Tambm o art. 2183, ainda com as mesmas cautelas, permite que o testador deixe a escolha da coisa
legada justa apreciao do onerado, do legatrio ou de terceiro, desde que indique o fim do
legado e o gnero ou espcie em que ele se contm. E uma disposio expressamente restrita ao legado. Nos seus
termos, pode o testador atribuir a Felcio a obra de arte que ele escolher, entre as
que se compreenderem na herana".
- A pessoalidade do testamento, tal como a unilateral idade, no impedem certas intervenes alheias,
materiais ou no, na elaborao do testamento. Isso resulta do art. 2206/1, que admite at
que o testamento seja escrito e assinado por outrm a rogo do testador.
Os intervenientes no testamento ficam sujeitos s ilegitimidades do art. 2197.
25. Substituies pupilar e quase-pupilar
I - Uma verdadeira excepo ao princpio da pessoalidade o testamento -nos trazida pelas chamadas
substituio pupilar (art. 2297) e quase-pupilar (art. 2298).
Pela substituio pupilar, o progenitor institui herdeiros ou legatrios ao filho menor de 18 anos.
Pela substituio quase-pupilar, o progenitor institui-os ao filho interdito por anomalia psquica, sem
distino de idade.
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Mas o progenitor s o poder fazer se no estiver inibido total ou parcialmente do poder paternal.
A designao caducar se se verificar:
a) a maioridade do filho (substituio pupilar) ou o levantamento da interdio (substituio quase-pupilar).
Isto significa pois que a designao fica sem efeito se o substitudo adquirir capacidade
testamentria;
b) a existncia de descendentes ou ascendentes do menor (siibstituio pupilar) ou do interdito (substituio
quase-pupilar) no momento da morte deste. No se menciona a existncia de cnjuge.
Para a hiptese de o filho casar e ser posteriormente interdito por anomalia psquica, Pamplona Corte-Real
defende a soluo da caducidade da disposio, se subsistir o vnculo conjugal data da morte. Temos por muito
duvidosa esta soluo, pois a substituio pode coexistir com o respeito da legtima do cnjuge.
II - Esta ltima regra ensina-nos quem deve morrer primeiro para que a substituio seja eficaz, se o
progenitor se o filho. o progenitor; se o filho falecer antes caduca a substituio e os bens revertem para os
ascendentes (no tendo o filho outros sucessores).
To-pouco poder um progenitor utilizar a substituio pupilar para beneficiar, ou prejudicar, o outro
progenitor: tambm esse ter de ser pr-falecido para que a substituio pupilar tenha xito. Esta
substituio no ir pois nunca beneficiar os ascendentes.
III - Compreende-se porque se coloca a fronteira nos dezoito anos: a partir de ento que o filho pode testar
por si. Quer dizer a substituio pupilar aparece-nos logo desde o incio como um processo de suprir a incapacidade
testamentria activa do filho.
A substituio quase-pupilar distingue-se desta porque representa a maneira de suprir a incapacidade
testamentria activa em consequncia de interdio por anomalia psquica. Consequentemente, a desaparece toda
a limitao de idade (art. 2298/1).
Salta aos olhos que ambas as figuras revestem a mesma natureza. Por isso, pode uma transformar-se
noutra: a substituio pupilar havida para todos os efeitos como substituio quase-pupilar se o menor for
declarado interdito por anomalia psquica (art. 2299).
IV - 0 objecto destas substituies s podem ser os bens que o filho haja adquirido por via do testador, e
no outros; mas podem ser todos estes bens, e nomeadamente podem s-lo aqueles que o filho adquiriu a ttulo de
legtima (art. 2300), ou que daquele adquiriu por via no sucessria. Quaisquer outros bens do incapaz revertem
necessariamente para os sucessveis legtimos.
26. Natureza jurdica
I - questo complexa e controversa a da determinao da natureza jurdica destas substituies.
A prpria designao utilizada, substituio, pode levar a pensar que o terceiro designado um sucessor do
progenitor e no do filho. Os bens passariam do progenitor ao filho e deste a terceiro, mas seria sempre a sucesso
do progenitor que se disciplinaria. Haveria ento uma "vocao anmala", categoria que consideraremos depois
desenvolvidamente, mas que neste caso se consubstanciaria no chamamento do substituto para ocupar o lugar
deixado vago pelo filho.
Seja qual for a explicao histrica da figura, no porm esta a fisionomia que o instituto reveste
actualmente. 0 substitudo adquire verdadeira e definitivamente o que lhe foi deixado pelo testador, como resulta do
art. 2300. 0 facto de, segundo o mesmo artigo, a substituio poder abranger os bens que o substituda haja
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adquirido por via do testador a ttulo de legtima demonstra tambm que o testador no dispe da sua prpria
sucesso, caso contrrio esses bens seriam indisponveis.
II - A considerao das finalidades do instituto, mais do que de construes histricas que perderam j
justificao, permite-nos chegar a uma viso mais exacta. 0 que se pretende no excluir o substitudo da sucesso,
determinar-lhe um herdeiro ou legatrio. Para isso, a lei permite excepcionalmente que a designao testamentria
seja realizada, no pelo prprio filho, mas pelo seu progenitor. Mas o problema o de designar sucessores do filho.
Por isso os substitutos sucedem ao filho e no ao pai; so herdeiros ou legatrios (leste e no do pai.
Esta concluso tem consequncias prticas. Se o substituto e sucessor do filho e no do progenitor, deve
ter legitimidade para suceder, no em relao ao testador, mas em relao ao substitudo.
27. 0 autor do testamento
No estudo do testamento como facto designativo no cabe a anlise da posio do beneficirio da atribuio
patrimonial. 0 testamento um negcio jurdico unilateral - tem apenas urna parte, o autor. Por isso seria deslocado
analisar aqui a chamada capacidade testamentria passiva. Alis, no h especialidades a anotar neste sector, pelo
que o estudo da chamada capacidade sucessria passiva pode ser realizado em conjunto, seja a sucesso
testamentria ou legal.
II - Alm de unilateral, o testamento negcio singular e pessoal - a parte nica constituda por uma
pessoa s. A caracterizao j feita permite-nos, atendendo a esse indivduo, autor do testamento, examinar aqui a
capacidade testamentria activa e as ilegitimidades testamentrias.
A capacidade testamentria activa vai-nos levar a tocar um aspecto da capacidade de gozo ou um aspecto
da capacidade de exerccio?
uma capacidade de exerccio. O interdito por anomalia psquica, por exemplo, pode ter testamento, se o
lavrou antes da interdio; o que no pode faz-lo. E tambm qualquer incapaz pode ter testamento, se for feito
pelo progenitor nos termos das substituies piupilar ou quase-pupilar.
Mas no h um nexo directo entre as chamadas incapacidades gerais, como as resultantes da menoridade
e da interdio, e a falta de capacidade testamentria activa. Basta pensar que um interdito por causa diversa da
anomalia psquica, que um incapaz, pode ser admitido a testar. Tambm aqui deparamos com uma delimitao
prpria do Direito das sucesses.
O princpio geral nesta matria o da capacidade, como resulta do art. 2188, que permite testar a todos os
indivduos que a lei no declara incapazes de o fazer.
Sendo assim, teremos a seguir de verificar quais as incapacidades especificadas na lei.
O momento em que se deve verificar a capacidade o da data do testamento (art. 219 1). Pode portanto o
testador ser posteriormente interdito por anomalia psquica e morrer nesse estado, que isso no inquina a validade
do testamento. E o facto tem tambm importncia para outros efeitos, nomeadamente:
- refora a convico de que em princpio no interessa a ltima vontade histrica do testador;
- contribui para formar o sistema do significado das vicissitudes posteriores feitura do testamento.
28. Incapacidades testamentrias
I - No prprio art. 2188, que proclama o princpio da capacidade, est implcita uma restrio grande a esse
princpio: a lei no diz que podem fazer testamento todas as pessoas, mas sim todos os indivduos.
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A escolha da palavra intencional. E que s as pessoas singulares podem fazer testamento. As pessoas
colectivas esto inibidas de o fazer. Alis, h aqui apenas uma manifestao do princpio geral de que as pessoas
colectivas no tm capacidade sucessria activa.
Em matria de incapacidade, o Direito das Sucesses afasta-se muito dos princpios comuns.
II - As incapacidades das pessoas singulares so referidas art. 2189, que declara incapazes de testar:
a) os menores no emancipados;
b) os interditos por anomalia psquica.
Nesta matria, o actual Cdigo alterou profundamente o sistema anterior; e o Dec.-Lei n 496/77 de novo o
alterou.
Portanto, em princpio, a idade mnima para testar colocada nos dezoito anos. No se considerou que
houvesse antes o discernimento necessrio, at porque o testamento, como acto pessoal, no compatvel com a
assistncia. Isso permite, na disciplina posterior suprimir algumas cautelas, que seriam todavia indispensveis par
compensar o estado de imaturidade com que se bastava a lei anterior.
Mas se a idade mnima elevada para dezoito anos, o Cdigo teve de considerar a hiptese de algum,
antes dessa idade, ser emancipado. Hoje, s se pode ser emancipado pelo casamento (art. 132). Em consequncia,
a alnea a) s exclui "os menores no emancipados".
III - Maior diferena ainda se verifica no tocante segunda categoria.
S so incapazes de testar os interditos por anomalia psquica. Mesmo quem estiver interdito, mas por outra
causa, no sofre de incapacidade de testar.
To-pouco a sofre quem no estiver interdito, seja qual for a gravidade do seu estado.
Simplesmente, pode haver nessa altura uma deficincia da vontade, que permite a destruio do acto, nos
termos do art. 2199, por "incapacidade acidental". matria que estudaremos adiante. Mas v-se que o regime
muito diverso, nomeadamente porque ser necessrio provar que no momento em que o testamento foi realizado o
sujeito se encontrava sem as faculdades necessrias.
Pelo contrrio, se houver interdio por anomalia psquica de nada valer a prova de que o sujeito estava
em condies de entender. A incapacidade tabelada, a capacidade testamentria falta automaticamente.
No se admite a possibilidade de a sentena de interdio ressalvar a faculdade de testar.
IV - J as inabilitaes, previstas nos arts. 152 e seguintes, no so referidas como causa de incapacidade
testamentria activa. Deve-se entender que o art. 2189 se refere interdio em sentido tcnico, e no abrange, por
interpretao extensiva, a inabilitao.
A inabilitao no pode efectivamente restringir a capacidade testamentria activa, pois o efeito normal da
inabilitao sujeitar a prtica de certos actos jurdicos a assistncia de um curador. Este regime seria inadmissvel
para o testamento, que um acto por natureza pessoal, como vimos. Se o inabilitado no estiver em condies de
entender e querer o sentido do seu acto deve recorrer-se a incapacidade acidental, prevista no art. 2199, nos
mesmos termos em que haver que recorrer se estiver inquinada a vontade de quem for interdito por causa diversa
da anomalia psquica.
V - Temos assim em concluso que o princpio o da capacidade, e que as incapacidades so excepes.
A incapacidade testamentria activa uma incapacidade de agir ou de exerccio. Mas no passvel de
suprimento. A tanto conduz o princpio da pessoalidade do testamento.
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O testamento feito por incapaz nulo: assim o estabelece o art. 2190. Tambm aqui, o direito Sucessrio se
afasta das regras gerais da incapacidade.
Mas isso no impede que nos casos em que se verifique a incapacidade acidental, por fora dos princpios
gerais, a consequncia seja tambm a geral - a anulabilidade.
29. As ilegitimidades testamentrias
I - O Cdigo anterior inclua nas incapacidades certas situaes em que uma pessoa estava inibida de
dispor em benefcio de outra: assim, haveria incapacidade de testar em favor de mdicos e confessores que
assistiram o testador na doena de que este veio a falecer. Discutia-se alis se havia aqui uma incapacidade
testamentria activa (era o de cuius quem no podia dispor) ou passiva (era o institudo quem no podia receber por
testamento) (55). A doutrina fixou-se no sentido de considerar existente uma incapacidade testamentria activa (56).
III - O Cdigo de 1966 considera estes casos como de indisponibilidade relativa (arts. 2192 e seguintes) e
marca assim um progresso em relao situao anterior (57). Aqui o sujeito tem capacidade para testar; s no
pode testar em benefcio de certas pessoas.
Se o fizer a sano a nulidade, como na incapacidade; mas a nulidade da disposio somente, no se
comunicando essa nulidade a todo o testamento. Todos os preceitos que estabelecem estas indisponibilidades
comeam efectivamente com a expresso: " nula a disposio...".
Mas a qualificao como indisponibilidade tambm no correcta, Falando-se em indisponibilidade
acentua-se uma particular situao dos bens, ao passo que aqui o vcio reside primacialmente nas relaes entre as
pessoas. 0 que verdadeiramente se estabelece so mais concretamente casos de ilegitimidade testamentria: o
testador ilegtimo para dispor em benefcio daquelas pessoas.
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Notas:
(55) A afirmao tinha importncia prtica, uma vez que se fosse incapacidade testamentria passiva seria
aplicvel tambm sucesso legal (dado que se estendiam a esta sucesso as incapacidades de adquirir por
testamento), com a consequncia de que essas pessoas (mdicos e confessores, por exemplo) no poderiam
tambm receber por sucesso legtima.
(56) No seguimento de Jos Tavares, Sucesses, n. 36 e segs. Subdivide este as incapacidades relativas"
em trs grupos: relativas s pessoas, aos bens e forma do testamento.
(57) Tanto mais notvel quanto certo que, como veremos, as indignidades continuam a ser consideradas
formas de incapacidade. No obstante, o art. 2221, que estende a disposio do art. 2197 aos testamentos que
contempla, usa ainda na sua epgrafe incapacidade para qualificar a situao.
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30. Regime
I - As hipteses previstas pelo Cdigo no podem ser aqui objecto de exame casustico. Temos a proibio
de dispor a favor de tutor, curador, administrador legal de bens e protutor (art. 2192); a favor de mdicos, enfermeiros
e sacerdotes, nos termos referido atrs (arts. 2194 e 2195); a favor do cmplice do testador adltero (art. 2196); a
favor de intervenientes no acto jurdico testamento (arts. 2197 e 2221/2).
Estas disposies, salvo a do art. 2196, so justificadas pelo propsito de pr o testador a salvo da
influncia que sobre ele essas pessoas podem exercer, abusando da sua posio: vejam-se os arts. 2192/2 e 2194,
por exemplo.
Por ser esse o fundamento, o art. 2195 exonera da nulidade os legados remuneratrios, e tambm as
disposies a favor de familiares prximos, neste caso porque se presume que o afecto familiar prevalece sobre
qualquer forma de presso.
So ainda ilegtimas as interpostas pessoas (art. 2198). A lei desde logo declara interpostas pessoas o
cnjuge e as pessoas de quem este seja "herdeiro presumido" (arts. 2198 e 579/2), alm do terceiro com quem
tenha sido pactuada a ultratransmisso do benefcio.
Fora do Livro das Sucesses, encontramos uma ilegitimidade testamentria activa no art. 1650/2: no
podem receber do seu consorte qualquer benefcio por doao ou testamento, se houver infraco dos
impedimentos de parentesco no 3.grau da linha colateral, de tutela, curatela ou administrao legal de bens e de
adopo restrita, aqueles que se receia que tenham usado de sua influncia para chegar ao casamento e aos seus
efeitos patrimoniais, bem como os familiares destes a indicados. Se bem que o legislador qualifique a situao como
de incapacidade dos beneficirios, o que h uma ilegitimidade.
ii - Mas ser ilegitimidade testamentria activa ou passiva? Pode na verdade suscitar-se aqui um problema
anlogo ao que, sob o ponto de vista da capacidade, se suscitou perante o Cdigo anterior).
Pensamos que o aspecto activo tem prevalncia sobre o passivo. Tambm aqui a ilegitimidade atinge antes
de mais a clusula testamentria em que essas pessoas so contempladas - a ilegitimidade activa, portanto.
desde logo a disposio em si que nula, por falta de legitimidade do testador; no est directamente em causa a
situao do beneficirio. Muito ao contrrio do que se passa na indignidade, por exemplo, em que a disposio em si
nada tem de atacvel, mas o beneficirio quem se coloca em posio de no poder receber, qui por um facto
posterior abertura da sucesso. Acena neste sentido a qualificao legal como indisponibilidade.
Por isso a invalidade funciona no prprio momento da instituio, e no apenas na data da abertura da
sucesso, como aconteceria se estivesse em causa a posio do beneficirio. a prpria
disposio que considerada nula em todas as previses dos arts. 2192 e seguintes. Podemos falar por isso numa
ilegitimidade testamentria activa.
Esta ilegitimidade deve, no seu regime, ser aproximada das incapacidades testamentrias activas, em tudo
o que no estiver especificamente regulado.
III - Assim, pode perguntar-se qual o momento decisivo para actuao desta indisponibilidade.
Suponhamos que um interdito por causa diversa da anomalia psquica (caso contrrio no teria capacidade
testamentria activa) beneficia por testamento uma pessoa a quem posteriormente vem a ser deferida a tutela. Nos
termos do art. 2192/1, a disposio vlida?
Perante uma hiptese anloga, Cunha Gonalves pronunciou-se pela negativa por duas razes:
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ti) porque a tutela implica a incapacidade passiva do tutor e a capacidade deve existir na data da morte do
testador;
b) porque, se no pode suspeitar-se ter havido sugesto na data em que o beneficirio no era tutor, pode
ter havido para que testamento no fosse revogado.
Nenhuma destas razes convence. A primeira, porque dissemos j que o vcio se encontra no lado activo e
no no lado passivo. A segunda, porque suporia que a relao de tutela se no deveria verificar, nem na data da
celebrao do testamento nem na data da abertura da sucesso. Mas nada na lei sustenta esta segunda exigncia.
Antes parece aplicvel o art. 2191, respeitante capacidade testamentria activa, que dispe que a capacidade do
testador se determina pela data do testamento.
31. Forma
I - 0 testamento deve obedecer a uma forma solene: a lei regula com preciso esta matria, de molde a
corresponder importncia do acto.
Esto assim banidas da ordem jurdica portuguesa formas histricas de testamento, que por vezes ainda surgem em
ordens jurdicas estrangeiras. o caso do testamento nuncupativo ou seja, de
testamento verbal, baseado no mero consentimento do autor da sucesso. ainda, e sobretudo, o caso do
testamento holgrafo, ou seja, do testamento escrito (e porventura datado e assinado) pelo testador, sem
observncia de qualquer outra formalidade. Veremos depois os termos em que as instrues verbais, ou constantes
de meros escritos, podem completar as disposies testamentrias
(art. 2 184).
Fica assim excludo tambm o codicilo, que se mantm ainda, embora em posio marginal, na ordem
jurdica brasileira.
II - 0 princpio da solenidade s poder ceder quando uma norma de conflitos remeta para uma ordem
jurdica em que se no exija forma solene, nos termos do art. 65. Essa regra ento acolhida na ordem jurdica
portuguesa. Trata-se porm de matria de Direito Internacional Privado, que temos mantido afastada das nossas
preocupaes e que portanto no vamos analisar.
Mesmo o testamento feito por portugus em pas estrangeiro no escapa ao princpio da solenidade. Ele
podia t-lo feito perante a repartio consular portuguesa competente, ficando sujeito portanto s regras do direito
portugus e, mais particularmente, s regras que disciplinam a actividade consular. Permite-se-lhe porm que
recorra lei competente no lugar da celebrao: mas o testamento "s produz efeitos em Portugal se tiver sido
observada uma forma solene na sua feitura ou aprovao" (art. 2223).
natural que este preceito suscite na sua interpretao problemas anlogos aos que suscitava a exigncia
de forma autntica da lei anterior. No nos parece por exemplo que a regra se baste com a
existncia de mero escrito. No vamos porm demorar-nos neles, at porque a nossa preocupao era acentuar a
vigncia de um princpio da solenidade do testamento.
32. Formas especiais
I - A lei distingue formas comuns e formas especiais do testamento.
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As formas especiais so reguladas numa seco que ocupa o arts. 2210 a 2223. A se prev o testamento
militar (pblico ou cerrado), o testamento martimo, o testamento areo e o testamento feito em caso de calamidade
pblica.
A se encontra tambm o art. 2223, que j conhecemos, e que respeita ao testamento feito por portugus
em pas estrangeiro. Porm, no se trata j propriamente de uma forma especial de testamento mas de uma
restrio ao funcionamento normal da regra de Direito Internacional Privado.
II - S os arts. 2221 e 2222 so de ndole genrica.
0 primeiro estabelece restries quanto aos intervenientes nestes testamentos. As ilegitimidades
testamentrias estabelecidas no art. 2197 so tambm aplicveis a estes testamentos.
0 segundo, mais importante, determina a efemeridade destes actos. Eles ficam sem efeito decorridos dois
meses sobre a cessao da causa que impediu o testador de testar segundo as formas comuns, se ela no conduziu
ao decesso do testador. Isto confirma que para a lei estas formas so excepcionais, s admissveis quando no se
pode, mesmo posteriormente, recorrer s formas comuns.
No nos alongaremos sobre estas formas especiais, que so de rara verificao. Nelas a lei procura adaptar
o formalismo geral a circunstncias excepcionais.
33. Testamento pblico
I - Limitando-nos s formas comuns, encontramos no art. 2204 a distino fundamental do testamento em
pblico e cerrado.
Do testamento pblico diz-nos simplesmente o art. 2205: " pblico o testamento escrito por notrio no seulivro de notas". Trata-se pois de um documento autntico que fica lavrado em livros
de notas; mas do seu formalismo especfico fala-nos j, no o Cdigo Civil, mas o Cdigo do Notariado.
II - Tambm no nos adiantaremos por estes caminhos. Vejam-se todavia as vrias referncias a esta
matria no Cdigo do Notariado, aprovado pelo Dec.-Lei n 207/95, de 14 de Agosto. Desde logo diz-nos o art. 4/2 a
que compete em especial aos notrios lavrar testamentos pblicos, instrumentos de aprovao, depsito e abertura
de testamentos cerrados e de testamentos internacionais".
Note-se que a qualificao como pblico de um testamento no significa que ele esteja aberto desde logo
ao conhecimento de todos: a publicidade, aqui, refere-se antes oficialidade na sua autoria material. Enquanto o
testador vive o testamento mantido secreto e s aps a morte dele se poder dar conhecimento a outras pessoas.
34. Testamento cerrado
I - No que respeita ao testamento cerrado o Cdigo um tanto mais loquaz. 0 art. 2206/1 diz-nos que o
testamento cerrado - quando escrito e assinado pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, ou escrito por
outra pessoa a rogo do testador e por este assinado.
At aqui teramos porm, quando muito, um testamento holgrafo. 0 testamento cerrado deve ainda,
necessariamente, ser aprovado por notrio. O Cdigo remete simplesmente para os termos da lei do notariado (art.
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2206/4). Observemos que esta aprovao no significa que o notrio passe a ser o autor do testamento, pois ele
limita-se, verificada a regularidade formal do documento, a aprov-lo e a lanar termo de aprovao.
II - 0 testador pode deixar de assinar o testamento cerrado quando no saiba ou no possa faz-lo (art.
2206/2), devendo a razo ficar consignada no instrumento de aprovao. frequente que o no possa fazer, por
hiptese, por estar num estado j muito adiantado de doena.
J porm mais difcil de compreender como pode fazer testamento cerrado algum que no saiba assinar. E isto
porque o art. 2208 considera inbeis para dispor em testamento cerrado os que no sabem ou no podem ler. A
conciliao destes preceitos tem de passar pela subtil distino entre o no saber ler e o no saber assinar: seriam
hbeis para dispor todos os que sabem ler, muito embora no saibam assinar.
Mas assim contraria-se a experincia corrente, pois se todos conhecemos quem assine sem saber ler, j se
no conhece quem leia sem saber assinar. Talvez a soluo deva consistir mesmo na
interpretao ab-rogante, que leve ao sacrifcio da referncia ao no saiba" assinar do art. 2206/2.
Os que padecerem de cegueira que os impea de ler, mesmo que seja transitria, e embora no estejam
interditos nem inabilitados, no podem fazer testamento cerrado. A lei fala ento em inabilidade (art. 2208). No h
incapacidade testamentria, pois eles podero fazer testamento pblico. Mas aplica-se a sano geral de nulidade,
se porventura fizerem testamento cerrado.
III - Ao contrrio do que se passa com o