maioridade de flavio goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 personagens: dani, na fronteira...

55
1 MAIORIDADE de Flavio Goldman

Upload: truongnhi

Post on 02-Dec-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

1

MAIORIDADE

de Flavio Goldman

Page 2: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

2

PERSONAGENS:

DANI, na fronteira entre a infância e adolescência

Seu PAI

Sua MÃE

YONI, seu professor de bar-mitzvá

ALESSANDRA, sua colega

PEDRINHO, seu colega

CORONEL IVANIR, seu vizinho

Sua PROFESSORA

BETO, seu treinador de futebol

VADINHO, uma imagem saída de um filme

ÉPOCA: Em algum momento da década de 1980

Page 3: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

3

SEQUÊNCIA 1 - VOCÊ AINDA BRINCA COM ISSO?

Dani brinca com vários bonecos Playmobil. No fundo, uma música solene – a

abertura   de   “Tannhauser”, de Wagner. Dani vai descrevendo as cenas, bastante

tomado e numa locução impostada, artificial. Esforça-se para pronunciar

corretamente os nomes estrangeiros, com resultados irregulares.

DANI: Começam a chegar ao Castelo de Waldemarstadt, em ritmo pausado e

elegante, os convidados para o casamento da Princesa Gertrudes de Nuremberg

com Gumercindo, o herdeiro do Ducado de São Bernardo. Gumercindo aguarda a

noiva com seu traje de gala mais de gala possível, verde escuro cor de rúcula

molhada, com sua famosa capa de pele de cachorro São Bernardo, que, óbvio, é o

animal símbolo de seu Ducado. A Princesa ainda não chegou. Todos aguardam sua

chegada impactante, num vestido amarelo-ouro e vermelho-sangue-A-positivo, as

cores da bandeira do Principado de Nuremberg. Mas a grande expectativa para essa

manhã fria no Castelo de Waldemarstadt é a presença de Concepción, a rainha

viúva do pequeno mas muito estratégico Reino de Todos Los Santos y Mártires. Ela

é avó da Princesa Gertrudes. Todos sabem que a velha rainha reprova essa união e

fez de tudo para que Gertrudes se casasse com Eleutério, o príncipe católico de

Torre de los Caracoles. A maquiavélica soberana chegará ao ponto de...

À medida que vai narrando, aproxima-se por trás Pedrinho.

PEDRINHO: Tu ainda brinca com isso? (A música é interrompida bruscamente.)

DANI (Assustado): Quê? Não, não! Eu... Eu tava separando pra dar pro filho do

porteiro.

Page 4: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

4

PEDRINHO: Filho do porteiro... Tu não dá nada pra ninguém, tu é o maior judeu, que

eu sei!

DANI: Eu não brinco mais, já falei. O que você veio fazer aqui, Pedrinho?

PEDRINHO (Falso): Eu? Não, nada... Eu ia te mostrar um negócio, mas tô vendo

que tu tá ocupado, então...

DANI: Fala logo!

PEDRINHO (Tira uma revista Playboy da mochila): Não, cara, eu ia te mostrar isso,

mas...

DANI (Exaltado): Porra! Playboy com a Luiza Brunet! Como você conseguiu?

PEDRINHO: Roubei do meu pai. Mas tenho que devolver hoje.

DANI: Deixa eu ver!

PEDRINHO (Afastando-se): Nã, nã, nã,   não!   Tá   escrito   aqui,   “proibido   para  

menores”!  Tu escolhe, cara: ou Playmobil ou Playboy. As duas coisas, não dá pra

ter.

DANI: Não fode, Pedrinho!

PEDRINHO (Saindo de cena): De repente no ano que vem, mané! Vê se cresce até

lá!

DANI: Pedrinho!

Dani novamente sozinho em cena. Ele contempla os bonecos pelo chão com ar

desolado. Começa a recolhê-los, cuidadosamente, como se fossem vítimas de um

acidente. Ouve-se ao fundo uma voz masculina que   canta   “Tudo   acabado”,   de  

Page 5: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

5

J.Piedade e Osvaldo Martins. É seu pai. Ele entra em cena, cantando de forma

teatral e expansiva, como uma autêntica estrela da era da rádio.

PAI: Tudo acabado entre nós, já não há mais nada... Tudo acabado entre nós, hoje

de madrugada... Você chorou, eu chorei... Você partiu, eu fiquei... Se você volta

outra vez, eu não sei...

DANI: Pai...

PAI (Vai se despindo, de forma casual, caseira): Boa noite, Dani.

DANI: Tavam no cinema?

PAI: Como toda quinta. Filme  de  guerra…  Chato  pra   burro.  Quando  eu  deixo   sua  

mãe escolher, dá nisso.

DANI: É sempre ela que escolhe.

PAI (Ignora o comentário. Retoma a cantoria e ameaça se afastar): Nosso

apartamento agora, vive à meia luz...

DANI: E tinha mulher pelada no filme?

PAI: Dani, era filme de guerra! Não tinha quase mulher no elenco. Mulher pelada...

DANI: E homem?

PAI (Algo intrigado, mas não chocado): Homem? Não! Quer dizer, agora que você

falou... Tinha uma cena em que os soldados apareciam tomando banho.

DANI: E aparecia tudo?

PAI: O que você quer saber, Dani?

Page 6: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

6

DANI: Aparecia o peru?

(À essa altura, o pai está de cuecas. Termina nesse nível seu desnudamento.)

PAI: Claro que não, né, Dani!

DANI: Por que não?

PAI: Porque o peru, meu filho, não pode aparecer nunca. Nunca.

DANI (Tentando continuar a conversa): Pai...

PAI (Afastando-se de vez,  começa  a  cantar  “Nunca”,  de  Lupicínio  Rodrigues): Nem

que o mundo caia sobre mim, nem se Deus mandar, nem mesmo assim...

O pai sai de cena. Dani pensa na conversa que tiveram. Intrigado, vai abrindo livros,

revistas, numa busca ansiosa. À medida que procura e não encontra, vai dizendo:

DANI: Nada... Nada... Nada... Nada aqui também... Nem aqui... Nada... Nada!

NADA!!!! Como é que...?

Entra a mãe.

MÃE: Falando sozinho de novo? Ficou biruta de vez? O que você estava fazendo?

DANI: Nada, mãe. Não estava fazendo nada.

MÃE (Para si própria, sem olhar para o filho): Oficina do diabo... Sabe com quem eu

cruzei lá fora? Com o Pedrinho.

DANI: Veio aqui encher meu saco, pra variar.

MÃE (Para si própria): Uma beleza de garoto. Se dez por cento... Não, cinco por

cento... Por uma dádiva divina... (Dirigindo-se ao filho, mas sem olhar para ele

Page 7: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

7

diretamente. Observa o ambiente.) Você não devia falar assim, ele é seu amigo

desde o jardim de infância. Uma ótima influência. Saudável, esportivo, valente...

DANI: De onde você tirou essas coisas? Você estuda com ele?

MÃE (Como se falasse para uma plateia, ou um júri, sem se dirigir ao filho): Quando

você nasceu, eu já tinha trinta anos de idade. Trinta, meu filho! Quando você ainda

vai com a farinha... Além disso, você sabe muito bem que eu fiz dois anos de

Psicologia, eu tenho muito traquejo para observar o comportamento humano.

Pedrinho é um menino... Ele não podia ser mais... E eu aproveitei esse nosso

encontro por acaso e perguntei como você estava se saindo na escolinha de futebol.

DANI: Agora você pergunta ao Pedrinho sobre a minha vida! Por que não pergunta

direto pra mim?

MÃE: Mas é de um cinismo... Você age como... Nessa hora você parece adulto!

Você sabe muito bem o que o Pedrinho me contou.

DANI: O Pedrinho é o aluno mais burro da minha turma. Outro dia foi com uma meia

de cada cor pra escola. Deve ter falado uma porção de besteira pra você.

MÃE: Por favor, Dani, eu não vou gastar minha energia com esse tipo de joguinho...

Não sei de quem você herdou essa desfaçatez, essa capacidade quase criminosa

de dissimulação... (Vira-se para o filho, incisiva.) O Pedrinho me disse que faz três

semanas que você não põe os pés na escolinha de futebol! Você vai ter coragem de

negar isso, olhando bem na minha cara?

Dani não responde e abaixo o rosto. A mãe belisca-o com força e irritação.

Page 8: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

8

MÃE: Eu sou a mãe mais liberal do mundo, agora, a mentira! Onde é que você anda

se metendo, hein? Com quem você anda se metendo, pra faltar três sábados

seguidos à escolinha? Com essa idade, você já está se perdendo pelas sarjetas da

cidade, Deus sabe em que submundos...

DANI: Eu não me meto com ninguém em lugar nenhum. Eu não saí de casa.

MÃE: Parece que não tem limite para as suas provocações... Você acha que eu ia

ser desatenta a ponto de nem notar que você não saiu?

DANI: Acho. Você não notou mesmo.

MÃE (Desculpando-se rapidamente, para si própria): Se eu pudesse fazer

diferente... Aquela loucura de sempre, sábado de manhã... Visitar a parentada toda,

minhas irmãs, minhas tias... O esteio da família... (Virando-se para o filho) Não vem

tentar me culpar, não, Dani! Virar o jogo! A questão é que eu confiava em você.

Como é que eu ia imaginar que... Acabou! A partir de agora eu vou deixar você na

porta da escolinha. Que nem uma criança de sete, oito anos. Porque é isso que você

quer. Eu ainda lembro das aulas da faculdade... E vou te buscar na saída!

DANI: Acontece que eu não gosto da escolinha. Eu acho um saco aquilo. E eu não

gosto de futebol. Nunca gostei, e nunca vou gostar.

MÃE: Agora você se acha no direito de gostar ou não gostar das coisas! Eu sei que

você é um garoto que nem... Você quer me fazer acreditar que é especial, mas você

é igual a todo mundo! Qualquer garoto da sua idade gosta de... A originalidade não

corre no sangue da nossa família, Dani, ninguém graças a Deus nunca sofreu desse

mal...

Page 9: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

9

DANI: Aquilo não tem nada a ver comigo. Nada! Todo mundo ali é que nem o

Pedrinho, de uma burrice que... Eu gosto de... Você sabe... Eu gosto de escrever, de

desenhar, de pintar, de inventar histórias. Você sabe... E o papai também... Eu já

disse que eu queria fazer uma escola de artes. Minha turma é outra.

MÃE: Como se fosse um adulto, com livre arbítrio... Sua turma é outra... O que você

quer me dizer é que sua turma é... A turma dos artistas! Ou seja, a turma dos porra

loucas, das bichas e dos maconheiros... É essa a gente que você quer procurar?

Você pode, Dani. Mas só depois de passar por cima do meu cadáver carbonizado e

esquartejado! Você está na idade de viver em ambientes sadios! Se depois, quando

for adulto, você quiser se misturar com a bandalheira, você se mistura, faz o que

bem entender da sua vida. Eu vou sentir um desgosto... (Procura a palavra

adequada e encontra, apontando para sua barriga) Visceral. Mas não vou poder

fazer nada. Adultos fazem essas coisas. Mergulham em poços sem fundo. Só que...

Enquanto estiver sob a minha responsabilidade, você vai continuar indo naquela

escolinha de futebol, todos os sábados! Ainda tem quase um ano de matrícula, e

você vai ficar lá até terminar. Isso não é negociável.

DANI (Quase derrotado): O papai disse que não tinha nada demais, eu fazer uma

escola de artes, de desenho...

MÃE (Começa a se afastar): Sábado que vem, às dez em ponto, a gente sai. O

assunto... (Nem termina a frase.)

A mãe sai de cena. Dani, furioso, atira os bonecos Playmobil em sua direção, ao

som  de  “God  Save  the  Queen” dos Sex Pistols. Blecaute.

Page 10: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

10

SEQUÊNCIA 2- É A ORDEM NATURAL DAS COISAS

Elevador. Dani entra vestido para ir para a escola e lá encontra seu vizinho, o

Coronel Ivanir.

CORONEL: Bom dia, Dani.

DANI (Distante): Bom dia, Coronel.

CORONEL: Por que você me chama de coronel?

DANI: Meus pais chamam o senhor assim.

CORONEL: Mas nós somos amigos. Pode me chamar de Ivanir. Além disso, eu já

passei para a reserva. Faz mais de um ano que eu não ponho os pés num quartel.

Essa história de coronel, de comando... Agora eu sou um homem livre. Sem títulos.

Dani e Ivanir. De igual para igual.

DANI (Constrangido): Tá bom.

O Coronel Ivanir estende a mão para Dani, que aperta relutantemente. Saem do

elevador. Dani começa a se afastar.

CORONEL: Dani! (Dani se volta.) Não precisa ter medo de mim, ouviu? Nós somos

amigos. Mesmo!

O Coronel sai de cena. Dani começa a andar rápido e depois a correr. Mudança de

luz. Ele está na sala de aula. Barulho de algazarra de crianças. Senta-se ao lado de

Pedrinho, que está de pé, atirando bolinhas de papel nos colegas. Entra a

Professora, acompanhada de Alessandra.

Page 11: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

11

PROFESSORA: Meninos, silêncio! Silêncio! SILÊNCIO! (O ruído diminui e faz-se

silêncio.) Eu quero apresentar a vocês a Alessandra, nossa nova colega.

Dani fica de alguma forma impactado por Alessandra. Não consegue tirar os olhos

dela.

PEDRINHO (para Dani): Baranga.

PROFESSORA: Eu quero que vocês recebam muito bem a Alessandra. Que ela seja

acolhida como se estivesse estudando com vocês desde o início do ano. Vocês

precisam aprender a se colocar no lugar dos outros! A Alessandra morava antes em

São Paulo e ainda não conhece ninguém na cidade. Ela tem que se sentir em casa,

aqui. Com vocês.

PEDRINHO:  Na  minha  família  dizem,  “paulista,  nem  a  prazo,  nem  à  vista”.

PROFESSORA: Pedrinho! Que modos são esses? Quer levar outra suspensão?

PEDRINHO: Foi mal, fessora. Brincadeirinha.

PROFESSORA: Brincadeira fora de hora, como sempre! Alessandra, agora vai

sentar ao lado do Daniel, aquele menino ali. Ele é um rapaz muito educado e gentil...

PEDRINHO (Debochado): Ui-ui-uiiiii....

PROFESSORA (Ignorando): ...E vai ser uma boa companhia para você nesses

primeiros dias.

Alessandra senta-se ao lado de Dani. Os dois se olham, entre estranhamento e

interesse. Ouve-se em off a voz do pai de Dani cantando a canção em íidiche “Bai

Mir Bistu Shein”.   A   Professora   e   Pedrinho   saem   de   cena.   Dani   e   Alessandra  

Page 12: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

12

continuam se examinando. O pai entra em cena, mas fica no fundo. À medida que se

aproxima, Alessandra deixa a cena.

PAI: Bai mir bistu shein... Bai mir hos tu hein ... Bai mir bistu einer oif der velt... Bai

mir bistu shein... Bai mir hostu hein... Bai mir bistu taierer fun gelt... Fil sheine

meidlekh hobn gevolt nemen mir...Un fun zei ale oisgeklibn hob ikh nor dikh.

(Tradução aproximada: Para mim, você é linda; Para mim, você é charmosa; Para

mim, você é única no mundo; Para mim, você é linda; Para mim, você é charmosa;

Para mim, você vale mais do que o dinheiro; Muitas belas garotas me queriam como

marido, mas entre todas elas escolhi somente você).

Dani observa a cantoria do pai, entre enlevado pelo conhecimento de Alessandra e

entretido com a performance.

PAI: Dani, a gente precisa conversar sério. Senta aqui.

DANI: Eu já levei um monte de bronca, não precisa vir...

PAI: Sossega e ouve, garoto! Não é nada de bronca... (Atrapalha-se) É um

assunto... Coisa de pai para... Ouve bem, meu filho... Dani, você não é mais

criança...

DANI: Como não sou mais criança, pai? Eu sou o quê, então?

PAI: Você ainda não é adulto, com certeza, nem exatamente um adolescente... Não

sei bem dizer, mas criança você já deixou de ser.

DANI: Ah, é? Quando? Que dia?

PAI: O fato, Dani, o fato incontestável é que, não demora muito, você vai completar

treze anos.

Page 13: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

13

DANI: Demora muito sim! É só no ano que vem!

PAI: Você sabe muito bem que nós somos judeus muito liberais, pouco praticantes...

DANI: Pouco praticantes? Nós somos uns esculhambados! A gente come carne de

porco dia sim, dia não! Pai, a gente come feijoada... No sábado!

PAI: Não é isso que mede o vínculo de uma pessoa com sua religião, sua cultura,

Dani. Nós não somos os judeus mais ortodoxos do mundo, mas tem certas coisas

que é importante respeitar. Meu filho, no ano que vem você completa sua

maioridade religiosa. É uma data muito importante, muito simbólica, e você precisa

se preparar para isso...

DANI: E quem disse que eu quero ter maioridade? Eu tô muito bem do jeito que eu

tô!

PAI: Você sabe muito bem que não é uma questão de escolha, Dani. Com treze

anos, você passa a ser considerado um adulto para a religião judaica, com direitos e

deveres.

DANI: Eu só vou ser maior com 18 anos, que nem todo mundo.

PAI: Escuta, meu filho... É porque você foi criado muito longe da religião, então você

não sabe... O bar-mitzvá é uma cerimônia muito bonita, a gente vai convidar toda a

família, todos os amigos... Vão colocar você numa cadeira e te carregar, como um

príncipe!

DANI (Algo mexido): Como um príncipe?

PAI: Nesse dia, você vai ser mais do que um príncipe, vai ser o centro de todas as

atenções. E vai ganhar muitos presentes, os presentes mais legais que você já

Page 14: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

14

ganhou na vida! Tudo o que você sempre sonhou, você vai ganhar nesse dia. Pelo

menos, quase tudo...

DANI: E eu preciso fazer o quê?

PAI: Nada! Aí é que está, Dani, você não precisa fazer praticamente nada! Você só

precisa aprender a ler uns troços em hebraico, que você vai decorar... Você vai ter

mais de um ano para se preparar, é muito fácil. A gente vai arrumar um professor

bacana pra você. E é só isso, você lê esses troços na sinagoga e depois a gente faz

uma baita festa, você pega os seus presentes e volta para casa. E com isso você

vira um adulto, para a nossa religião.

DANI: Não! Pai, não dá! Como é que eu vou virar adulto com treze anos?

PAI: Qual é o seu problema, Dani? Todo mundo passou por isso! Eu passei, os seus

avôs passaram, os seus tios passaram, os seus priminhos vão passar daqui a

alguns anos... É a ordem natural das coisas!

DANI: Não tem nada de natural em virar adulto com treze anos, pai! Eu não quero!

PAI: Meu filho, você não vê que o tempo está passando, que o seu corpo está se

transformando... (Toca no buço de Dani) Olha aqui, já começam a aparecer os fios

do seu bigode! Isso é coisa de criança, por acaso?

DANI (Afastando a mão do pai): Pai, para! Eu não quero ter que jogar minha infância

toda no lixo, de uma vez!

PAI: Ninguém joga nada fora, meu filho, a gente sempre guarda muita coisa... Você

vai ver. A vida vai passando, a gente vai queimando etapas, algumas coisas ficam,

Page 15: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

15

outras a gente deixa de lado, tem coisas novas que a gente ganha... (Quase

amargo.) Todo dia. A gente morre um pouco, mas também renasce um pouco...

DANI: Não, pai! Eu não quero morrer nada! Nem um pouco!

PAI: E o bar-mitzvá também entra nesse grande fluxo da nossa vida. É um rito de

passagem muito civilizado, que não dói, não arranca pedaço...

DANI: Claro! O que tinha pra arrancar, vocês já arrancaram quando eu tinha oito

dias!

PAI: Todo mundo espera que, nessa idade, você já possa assumir algumas

obrigações... Por exemplo, você sabia que qualquer cerimônia judaica só começa

com um minian, com o quórum de dez homens que já tenham feito bar-mitzvá? Você

passa a contar, Dani! Consegue entender a dimensão disso? É um troço bacana,

bacana pacas!

DANI: Pai, quantas vezes por ano você vai à sinagoga?

PAI: Eu? Olha, depende...

DANI: Depende nada! Você só vai à sinagoga em casamento!

PAI: Em bar-mitzvá também.

DANI: Você e a mamãe são dois judeus de araque! Nunca me ensinaram nada

sobre a religião, nunca seguiram nenhum costume... E agora querem me enfiar

goela abaixo essa história de maioridade!

PAI: Dani, você não gostou da ideia de ser o centro das atenções, de dar uma festa

de arromba...

Page 16: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

16

DANI: Eu quero ser o centro das atenções como um escritor ou um pintor ou um

desenhista, mas não porque eu decorei uns troços em hebraico e porque de uma

hora pra outra todo mundo vai achar que eu virei... (Não completa a frase.)

PAI: Meu filho, você sabe que eu nunca impus nada a você. Por mim, se você não

quiser fazer o seu bar-mitzvá, não é um problema. Você pode até fazer mais tarde,

se quiser... Agora, você fique sabendo que a sua mãe, e o resto da família...

DANI: Pai, eu não quero saber disso agora. Eu tenho outras coisas na cabeça.

Posso contar contigo?

O pai olha longamente para Dani. Levanta-se e sai cantando trechos  de  “O  Mundo  é  

um  Moinho”,  de  Cartola.

PAI: Ainda é cedo, amor... Mal começaste a conhecer a vida... Já anuncias a hora de

partida... Sem saber mesmo o rumo que irá tomar... Ouça-me bem, amor... Preste

atenção, o mundo é um moinho... Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos... Vai

reduzir as ilusões a pó.

Blecaute.

SEQUÊNCIA 3- VOCÊ NÃO TEM ESCOLHA

Alessandra está sentada sozinha, comendo um sanduíche. Dani aproxima-se.

Carrega também um lanche.

DANI: Posso sentar com você?

Alessandra indica com os ombros e a cara que tanto faz.

Page 17: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

17

DANI: Você prefere que te chamem como? Alê ou Sandra?

ALESSANDRA: Meu nome é Alessandra.

DANI: É comprido.

ALESSANDRA: Em São Paulo todo mundo conseguia pronunciar.

Silêncio.

DANI: Minha mãe disse que São Paulo é o lugar mais feio que ela já viu na vida.

Silêncio.

ALESSANDRA: Onde eu morava não era feio. Era uma casa, grande. Tinha verde.

Tinha flor. Ficou tudo lá. Aqui a gente mora num apartamento. Com vista pra outro

apartamento.

DANI: Por que você veio pra cá?

ALESSANDRA: Trabalho do meu pai.

DANI: Você não tá gostando então...

ALESSANDRA: De nada. Da cidade, da escola, dos colegas...

DANI: Caraca! Mas você acabou de chegar...

ALESSANDRA: Já deu pra sacar... E eu ouvi o que aquele garoto que senta do seu

lado falou.

DANI: Não liga pro Pedrinho não. Ele só é um pentelho babaca.

ALESSANDRA: Então, por que você é amigo dele?

DANI: A gente estuda juntos desde o jardim de infância.

Page 18: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

18

Silêncio.

ALESSANDRA: Você veio falar comigo porque tem pena de mim?

DANI: Eu tenho um pouco de pena de você. Mas não foi por isso que eu vim.

Silêncio.

DANI (Oferece um chocolate): Quer?

ALESSANDRA: O que é isso?

DANI: Um chocolate novo. Lollo. Você não viu a propaganda?

ALESSANDRA: Não... Não quero.

Silêncio. Dani levanta-se.

DANI: Eu tô indo então.

ALESSANDRA: Tá bom.

Dani começa a se afastar.

ALESSANDRA: Daniel!

Dani se volta.

ALESSANDRA: O meu chocolate preferido é o Prestígio.

Silêncio.

DANI: Todo mundo me chama de Dani.

Afasta-se. Alessandra sai de cena. À medida que caminha, Dani começa a esboçar

um sorriso. Está nesse estado quando se encontra novamente com o Coronel Ivanir.

Page 19: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

19

CORONEL: Oh! Bom dia, Dani, que boa surpresa te encontrar!

DANI: Bom dia.

CORONEL: Qualquer dia desses, eu não te reconheço mais! Você está crescendo

muito rápido.

Dani não reage.

CORONEL: Já começam a aparecer os pelinhos do bigode... E daqui a pouco vão

aparecer pelos em muitas outras partes do corpo... Se é que já não apareceram!

(Dani cada vez mais contrariado.) É assim mesmo, enquanto o homem não evoluir,

vão continuar aparecendo pelos no nosso corpo. Pra gente não esquecer que

descende dos macacos. Mas, Dani, não precisa ter vergonha de mim, de jeito

nenhum! Eu passei mais de quarenta anos no Exército, a coisa que eu mais vi nessa

vida foi homem pelado. (Mais constrangimento, alguma perturbação com a

referência.) De todos os tipos que você possa imaginar. Olha, essa é uma fase em

que a gente fica muito confuso, às vezes acontecem coisas que a gente não

entende muito bem, com o nosso corpo, com a nossa cabeça... E, claro, a gente tem

vergonha de falar com os outros! Com os pais, então, imagina! Por isso, se você

tiver qualquer questão, qualquer dúvida... Por exemplo, alguma alteração no seu

corpo que você não esperava... Quando eu tinha mais ou menos a sua idade, eu me

lembro que... (Toca os próprios mamilos) Os mamilos. Ficaram duros. Parecia que

tinha um caroço aqui. Eu não entendia nada, porque aquilo acontecia comigo... Só

depois eu descobri que era normal. Nessa idade, mudam muitas coisas mesmo, e

muito rápido! Quando acontecer com você, Dani, pode falar comigo, viu? Pode me

mostrar o que você quiser, sem nenhum constrangimento. Mesmo que seja... Numa

parte muito íntima. Onde nem você mesmo tenha coragem de olhar... Ou de tocar.

Page 20: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

20

Eu conheço muito bem o corpo masculino. E a gente é amigo de verdade! Não

precisa ter vergonha. Estamos combinados?

Dani não responde nada e se afasta.

CORONEL (Rindo): Ele ainda tem vergonha! É natural... Não se preocupa, não, isso

vai ser o nosso segredo. Não é bom ter um segredo, que a gente esconde dos pais?

Só nosso? Hein, Dani?

Dani  corre.  A  trilha  sonora  é  “Primary”,  do  The  Cure.  Está agora em seu quarto. Abre

a caixa com seus Playmobil. Chega a segurar alguns bonecos, mas coloca-os de

lado. Tira a camisa e para diante de um espelho. Examina seus mamilos. Está nisso

quando entra sua mãe.

MÃE: Dani! Quer pegar um resfriado? Coloca sua camiseta, tá fazendo 19 graus

hoje!

DANI: Já te disse pra não entrar no meu quarto assim!

MÃE: Até parece que tem alguma coisa demais aí pra eu ver. Mas você tem razão...

Você tá virando homenzinho, a coisa começa a ficar um pouco diferente... Aliás, é

sobre isso mesmo que eu vim conversar com você.

DANI: Iiiiiiih...

MÃE: Eu vim aqui em missão de paz, Dani. Trouxe até uma bandeira branca (Tira

um lenço branco do bolso).

DANI: Putz...

MÃE: Eu vim te dizer que na próxima segunda-feira você começa suas aulas de

preparação para o bar-mitzvá.

Page 21: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

21

DANI: Eu já falei disso com o papai. O assunto tá encerrado.

MÃE: Ah, claro, se a Suprema Corte diz que o assunto está encerrado, quem sou eu

para... Dani, você quer enganar a si próprio? É isso? Você sabe muito bem que... Na

verdade, o seu pai cometeu um erro grave, dando a entender a você que isso era

uma questão de escolha.

DANI: Não, mãe. Chega! Chega de me obrigar a fazer coisas que eu não quero!

Escolinha de futebol, agora essa bosta de aula de religião...

MÃE: Pode falar palavrão, meu filho, minha geração não se importa mais com isso...

Mas vamos ser precisos. Não é uma aula de religião. Ninguém vai impor nenhuma

educação religiosa a você, até porque você sabe que eu e seu pai... É outra coisa

que está em jogo. É a preparação para um ritual, uma cerimônia, que vai acontecer

uma vez na sua vida e basta. E essa cerimônia é importante para mim, para minha

família... E é importante para você também.

DANI: Não tô interessado.

MÃE: Você não tem nenhuma margem de escolha, Dani. Esse vai ser seu primeiro e

único contato com a religião. Depois disso, você vai ser maior e pode fazer o que

bem entender. Até se converter a outra religião, a uma seita, o que você quiser.

DANI: Vou me converter agora mesmo. Acabar logo com esse pesadelo.

MÃE: Dani, eu passei os últimos dias atrás de um bom professor, aliás, de um

professor sob medida pra você. Eu tenho certeza que você vai gostar dele. Ponho

até minha mão no fogo.

DANI: Pode enfiar a cabeça junto.

Page 22: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

22

A mãe perde a paciência e belisca Dani com toda a força.

MÃE: Era isso que você queria? Me tirar do sério? Pois conseguiu! Eu cheguei aqui

na maior calma, na maior diplomacia, tentando me entender com você, e o que você

faz? Hein?

DANI: Eu odeio você! Odeio!

MÃE: A gente sempre odeia quem quer o nosso bem! Isso é mais velho do que

andar pra frente. Hoje você me odeia, quer que eu enfie a cabeça no forno, mas

daqui a uns vinte anos, você vai me agradecer. E no dia em que eu morrer, ah, Dani,

você vai sentir tanta culpa! Mas tanta culpa! Segunda-feira às quatro o professor

vem aqui. E faz favor de tratar ele direito, é um rapaz muito educado, muito fino.

DANI: Rapaz?

MÃE: É, Dani, eu arrumei um professor jovem, moderno, com uma cabeça arejada

pra você! Eu podia ter me contentado com aqueles sujeitos arcaicos, com a barba

até o joelho, aquela roupa escura, fedendo a azedo, com uma visão de mundo bem

rígida, aqueles métodos de ensino medievais, ah, Dani, um daqueles sujeitos que

iam te tratar com a dureza que você merece! Mas não, eu me dei ao trabalho de

catar um professor prafrentex, porque eu sabia que se não fosse assim você ia

espernear, e resistir, e transformar a vida de todo mundo nessa casa num inferno

ainda maior do que ela já é! E qual é a recompensa? Você diz que quer me ver

morrendo queimada! Queimada! Como na Inquisição!

DANI: Eu não falei isso...

MÃE: Ah, agora tá se sentindo culpado, é? Pelo menos isso... Chega de conversa

mole, já perdi tempo demais com você. (Para si própria.) Pedagogia! Da próxima

Page 23: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

23

vez... (Volta-se para Dani.) E vê se veste logo essa camiseta, que eu não quero

comprometer nosso orçamento apertado desse mês gastando remédio com você.

A mãe sai de cena. Dani pega seus bonecos Playmobil e ameaça jogá-los

novamente na direção da mãe, como na cena anterior. Mas detém-se. Constata que

a mãe deixou cair o lenço branco. Ele coloca os bonecos dentro do lenço e prepara

um embrulho, como se fosse uma grande mortalha. Dirige-se a um canto da cena,

como se fosse jogar fora o embrulho, mas hesita. Ouve-se a voz de seu pai,

cantando o  trecho  final  de  “Segredo”,  de  Herivelto  Martins:

PAI: Quando o infortúnio nos bate à porta... E o amor nos foge pela janela... A

felicidade para nós está morta... E não se pode viver sem ela... Para o nosso mal,

não há remédio, coração... Ninguém tem culpa da nossa desunião... (Já em cena,

percebendo a presença de Dani) Ah, você está aí, Dani? Que embrulho é esse?

DANI: Lixo.

PAI: Me dá que eu coloco na lixeira. Estou de saída.

DANI: Não precisa.

PAI: Que cara é essa, meu filho?

DANI: Você me traiu, pai. Eu confiei em você, e você me traiu. Eu disse que não

queria essa história de bar-mitzvá e você não fez nada pra convencer a mamãe.

PAI: Muito pelo contrário, Dani. Eu fiz tudo o que estava ao meu alcance. E eu não

prometi nada a você. Eu avisei que ia ser difícil.

DANI: Por que você é tão banana, pai? Por que a sua opinião não conta pra nada,

nunca?

Page 24: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

24

PAI: Se eu mesmo soubesse qual é a minha opinião... Meu filho, você está fazendo

uma tempestade num... Olha. Escuta. Eu conheci o seu professor. Eu duvido que

você não vá gostar dele. Não tem como. Vai por mim. Alguma vez eu menti pra

você? No final das contas, você vai achar um troço bacana pacas. E vai nos

agradecer por a gente não ter cedido a esse seu capricho de criança mimada

(Aproxima-se de Dani e beija sua testa.) E põe sua camiseta, que está batendo uma

brisa bem fresca por aqui.

DANI: Aonde você vai?

PAI: Quinta-feira, Dani. Esqueceu? Ela escolheu um filme policial, deve ser uma

chatice  daquelas...  Por  mim  eu  ficava  em  casa,  hoje  vai  passar   “Dona  Flor  e  seus  

Dois  Maridos” na TV!

DANI: Que filme é esse?

PAI: Dani! Você nunca ouviu falar? Aquele filme com a Sônia Braga! A Dona Flor,

ela era casada com um sujeito muito malandro, muito boêmio, aí o sujeito morre de

repente e ela casa de novo com um cara super quadradão, o oposto do primeiro

marido... Só que o fantasma do primeiro reaparece e passa a perturbar a vida dela!

DANI: Pô, história boba pra caramba...

PAI: E o fantasma só aparece pelado. E Só a Dona Flor consegue ver.

DANI: Mas vão mostrar ele pelado na televisão?

PAI: Ah, meu filho, hoje em dia esse negócio de censura não é mais como

antigamente... Deixa eu ir lá, senão me atraso. A mamãe deixou seu jantar na

geladeira, é só esquentar, como eu te ensinei.

Page 25: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

25

DANI: Tá bom...

Dani espera o pai sair, guarda o embrulho com seus Playmobil e liga a TV, bastante

ansioso. Ele assiste ao que passa, com bastante impaciência, muda de posição

várias vezes, vai reagindo às cenas. A   trilha   sonora   é   “One  Way   or   Another”,   de  

Blondie. De repente a música para e Dani arregala os olhos. Atenção máxima. Entra

em cena, passando na frente de Dani, uma representação de Vadinho, um homem

nu,  cobrindo  as  partes  com  as  mãos.  Ele  canta  só  o  verso  “O  que  será,  que  será...  O  

que  será,  que  será...”,  de  “À  Flor  da  Pele”,  de  Chico  Buarque,  repetidamente,  até  sair  

de cena. Dani acompanhará seus movimentos, tentará ver seu sexo coberto pelas

mãos, inutilmente. O homem sai de cena.

DANI (Para o público): Nada...

Blecaute.

SEQUÊNCIA 4- COMEÇA UMA VIAGEM IMPORTANTE

Dani está sentado, comendo seu lanche. Aproxima-se Alessandra e senta-se a seu

lado. Não fala nada.

DANI: Você não come nada?

ALESSANDRA: Já comi. Eu como pouco. Tô controlando meu peso.

DANI: Você não é gorda.

ALESSANDRA: Mas eu era. Eu era baranga mesmo.

DANI: Hoje você não é mais.

Page 26: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

26

ALESSANDRA: Você acha isso de verdade, ou é porque você é um carinha legal?

DANI: De onde você tirou que eu sou um carinha legal?

ALESSANDRA: Dá pra ver.

DANI: E não dá pra ver também que eu não acho você baranga?

ALESSANDRA (Silêncio): Desculpa. Eu não tô acostumada.

DANI: Nem eu.

ALESSANDRA: Também dá pra ver. (Silêncio.) Você já beijou alguém?

DANI: Você quer dizer na boca?

ALESSANDRA: Lógico.

DANI: Claro! Que não...

ALESSANDRA (Sorri contidamente): Eu já imaginava. (Silêncio) Quer me beijar

agora?

DANI: Aqui?

ALESSANDRA: Não, Pedro Bó. A gente vai ser teletransportado pruma ponte em

Paris.

DANI: Aqui não dá. Tem gente olhando.

ALESSANDRA: E daí? Você tem medo? Ou é vergonha?

DANI: Vai dar confusão. Vão falar. No cinema? Começou um filme que dizem que é

legal, do Indiana Jones.

ALESSANDRA: No cinema? Que nem uma piranha?

Page 27: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

27

DANI: Caraca! De onde você tirou essa?

ALESSANDRA: Eu quero beijar de luz acesa, ao ar livre... Não quero esse negócio

de escuro, não preciso me esconder de ninguém. É agora ou nunca, meu filho.

DANI: Você é difícil assim, sempre?

ALESSANDRA: E você é crianção assim mesmo ou só finge, pra eu ficar ainda mais

interessada em você?

Levanta-se.

ALESSANDRA: Bye, bye, baby boy.

DANI: O quê?

ALESSANDRA: Achei que você tivesse pelo menos noções básicas de inglês. Tô

indo.

DANI: Peraí. (Tira um chocolate Prestígio do bolso.) Trouxe pra você.

ALESSANDRA: Hoje, não.

DANI: Putz...

Alessandra parte. Dani algo perplexo. Mudança de luz. Ouve-se a voz de sua mãe

em off.

MÃE (Off, continuando uma conversa): E pra piorar, minha família toda tem histórico

de diabetes e de problemas cardíacos. E esse médico que me indicaram... A

questão é que ele é jovem demais, não inspira confiança, sabe? (Entra em cena,

sozinha.) Dani, você tá vestido? Queria te apresentar ao Yoni, o seu professor de

bar-mitzvá. Entra, Yoni, por favor.

Page 28: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

28

Yoni entra em cena. É um homem jovem e muito bonito, usando um discreto quipá.

Dani fica impressionado e surpreso.

YONI: Olá, Dani. Muito prazer.

DANI: Prazer...

MÃE: O Dani é muito questionador, quer saber o porquê de tudo... Acho que, pelo

seu perfil, vocês vão se dar bem. Se fosse um daqueles professores tradicionais, ia

se irritar com ele logo na primeira aula.

YONI: Você pode perguntar o que quiser, Dani. Questionar faz parte da melhor

tradição judaica. Aliás, é muito comum um judeu responder a uma pergunta com

outra pergunta.

DANI: E por quê?

MÃE: Olha, não falei? Dani, não vai esgotar todas as energias do professor de uma

vez! Eu vou deixar vocês aqui, ainda tenho muito o que fazer.

YONI: Pode ficar tranquila.

(A mãe sai de cena. Os dois ficam frente a frente. Dani entre desconfiado e

impressionado com Yoni.)

DANI: Você se chama Yoni? Pra mim, isso era nome de mulher...

YONI: Yoni é meu apelido. Meu nome é Yonatan.

DANI: Nunca tinha ouvido.

YONI: Em português seria Jônatas. Você já deve ter ouvido pelo menos a versão em

inglês, que é Jonathan.

Page 29: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

29

DANI:  Já.  O  cara  do  “Casal  20”  se  chama  Jonathan  Hart.

YONI: Yonatan, Jônatas ou Jonathan é um personagem da Bíblia, da história

judaica. Pelo que seus pais me contaram, você não sabe muita coisa sobre esses

assuntos...

DANI: Eu tô estudando História na escola, mas ninguém me ensinou nada sobre

isso.

YONI: Nem vão ensinar. Pelo menos não nessa escola onde você está... Yonatan

era filho de Saul, o primeiro rei dos judeus, e foi o grande amigo do Rei David. Um

belo exemplo de lealdade, de companheirismo, de dedicação ao próximo... Segundo

o livro de Samuel, Yonatan amava a David como a si próprio.

DANI: Tanto assim?

YONI: Amar ao próximo como a si próprio é um dos preceitos da nossa religião,

Dani. Está bem claro no Vaicrá, o Levítico. E quando Yonatan morreu, David compôs

uma elegia dizendo que o amor que sentia por ele era mais maravilhoso que o amor

das mulheres.

DANI (Intrigado): Pô... Isso tudo tá na Bíblia?

YONI: Sim, tudo isso está no livro de Samuel. Faz parte de um conjunto chamado

Neviim, os livros dos profetas. E você deve saber, pelo menos, que seu nome

também é de um herói da Bíblia?

DANI: Tão burro assim eu não sou... Sabe que meu pai queria que eu me chamasse

David... Era o nome do avô dele. Mas minha mãe preferia Daniel e aqui em casa

quem manda é ela... Já percebeu, né?

Page 30: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

30

YONI (Sorri): Eu também fui criado por uma mãe judia. Mas às vezes as aparências

enganam, Dani. É possível exercer outras formas de poder, menos visíveis... E às

vezes mais eficientes.

DANI: Quem dera... Foi ela quem me empurrou essa história de bar-mitzvá.

YONI: Eu sei das suas resistências. Mas no final do seu aprendizado, eu tenho

certeza que você vai gostar e vai até agradecer à sua mãe por ter insistido.

DANI: Então, eu vou poder escolher qualquer pedaço da Bíblia para ler no dia? Tipo,

posso escolher a história de David e Yonatan, se eu quiser?

YONI: Não, Dani, para início de conversa, você vai ter de ler um trecho da Torá, um

dos cinco primeiros livros do Velho Testamento. A história de David não faz parte

dela. Depois, você não pode escolher o trecho que você vai ler. Tem que ser a

porção que corresponde ao período do seu aniversário.

DANI: Saco...

YONI: Não reclama, você deu sorte. Na época do seu bar-mitzvá, a parashá, a

porção semanal de leitura da Torá, vai ser uma história muito interessante. Você vai

ler um pedaço do segundo livro, que se chama Shemot. Em português, Êxodo.

DANI: Peraí, pô, é muito nome de uma vez só!

YONI: A gente vai ter tempo, fica calmo. O importante é você saber que vai ler um

pedaço da história de Moisés e da peregrinação do povo judeu do Egito para Canaã,

a Terra Prometida. É a viagem mais importante da nossa História, onde nasceram

nossas principais leis, nossos mandamentos. Você também está começando uma

Page 31: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

31

viagem importante na sua própria vida, Dani, a viagem rumo à sua maioridade, então

vai ser muito inspirador para você poder ler e entender esse texto.

DANI: Você é bom de lábia, né, Yoni? Convenceu minha mãe e agora quer me

convencer também...

YONI: Eu sei que você é um rapaz muito inteligente e sensível. Não vai ser uma

pregação no deserto.

DANI: E você sabe aonde eu vou chegar nessa tal viagem?

YONI: Eu acho que toda viagem tem um componente de imprevisível. A gente vai

descobrindo as coisas pelo caminho. A única coisa que eu posso te garantir é que

vou estar do seu lado nesse percurso. Fechado?

Yoni estende a mão para Dani, que a aperta sem responder nada, intrigado com

essa nova presença em sua vida. Blecaute.

SEQUÊNCIA 5 – UMA ABOMINAÇÃO

Dani e a Mãe entram no elevador. Ali está o Coronel Ivanir.

MÃE (Entusiasmada): Ah, bom dia, Coronel Ivanir!

CORONEL: Bom dia, Dona...(Disfarça que não lembra ou sequer sabe do nome dela

e emenda rápido com o cumprimento a Dani.) Bom dia, Dani.

Dani não responde nada. Está obviamente incomodado com a presença do Coronel.

MÃE: Responde, garoto! Que falta de educação é essa?

DANI: Bom dia.

Page 32: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

32

MÃE: O senhor me desculpe, Coronel, às vezes ele fica tímido... Coisas da idade!

CORONEL: Não precisa se preocupar. O Dani e eu nos entendemos bem. Se eu

tivesse um filho, queria que fosse igualzinho a ele. Mas a providência divina encheu

minha casa de mulheres... Três filhas e agora nasceu minha primeira neta.

MÃE: Ah, que alegria, Coronel! Parabéns! E é muita gentileza sua dizer que gostaria

de ter um filho como o Dani. Quem sabe ele não se inspira no senhor e resolve

seguir carreira militar? Imagina só, que orgulho, ter um coronel, um general na

família...

CORONEL: Quem sabe... Não é, Dani? A senhora sabe que eu estou sempre à

disposição.

MÃE: Ah, Coronel, que bom ouvir isso...

O elevador chega ao destino. Despedem-se com sorrisos, cada um vai para o seu

lado.

MÃE: Que negócio é esse de ficar de cara feia pro Coronel?

DANI: Eu não gosto dele.

MÃE: Ah, agora você se acha no direito de gostar ou não gostar das pessoas? Me

diz uma coisa: quando chegar a hora, você vai querer servir ao Exército?

DANI: Óbvio que não.

MÃE: E quem você acha que vai ser o nosso pistolão pra te tirar de lá? Hein?

Porque eu não conheço ninguém, e seu pai muito menos! A gente tem muita sorte

de ter o Coronel como vizinho, e mais ainda dele simpatizar com você. Mas, claro, o

Page 33: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

33

principezinho tem os seus caprichos, se dá ao luxo de gostar ou não gostar das

pessoas assim, aleatoriamente... Anda, corre pra escola, que você já está atrasado!

Dani corre. A mãe sai de cena. Mudança de luz. Na escola. Alessandra está

sentada, com cara de tédio. Dani aproxima-se.

DANI (Entregando-lhe um papel): Toma. Trouxe pra você.

ALESSANDRA: Que desenho bonito! Foi você que fez?

DANI: Não, Pedro Bó, peguei todo o dinheiro da mesada e fui numa galeria comprar

pra você.

ALESSANDRA: Palhaço. Não sabia que você desenhava tão bem.

DANI: Eu queria fazer uma escola de artes pra desenhar ainda melhor, mas minha

mãe não deixa.

ALESSANDRA: Sua mãe é que nem meu pai. Gosta de mandar. Seu pai faz o quê

da vida?

DANI: Corretor de imóveis.

ALESSANDRA: Só?

DANI: E cantor frustrado. Por quê? Seu pai faz o quê?

ALESSANDRA: Engenheiro, com pós graduação nos Estados Unidos.

DANI: Grandes merdas. Na hora de morrer vai virar pó, que nem meu pai.

ALESSANDRA: Tá cheio de respostinhas hoje.

DANI: Você fica provocando. E eu ainda trouxe um presente pra você.

Page 34: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

34

ALESSANDRA (Olhando o desenho): Ele é lindo. (Pega na mão de Dani.) Obrigada,

Dani. Adorei.

DANI: Você é esquisita.

ALESSANDRA: Eu sei. Você viu como a escola tá vazia hoje?

DANI: Claro, amanhã é feriado. Todo mundo enforcou. Só os manés que nem nós

apareceram.

ALESSANDRA: Agora não tem ninguém aqui. Ninguém tá vendo a gente.

DANI: Eu sei.

ALESSANDRA: Então...

DANI: Então o quê?

ALESSANDRA: Qual é a sua desculpa pra não me beijar?

Dani e Alessandra aproximam os rostos e trocam um beijo de boca fechada, muito

desajeitado.

DANI: E aí?

ALESSANDRA: Mais ou menos. E você?

DANI: Também.

ALESSANDRA: A gente deve ter feito alguma coisa errada.

DANI: Muito ruim também não foi.

ALESSANDRA: Pra mim, não valeu.

DANI: Vamos tentar de novo. Acho que tem que abrir mais a boca. Enfiar a língua.

Page 35: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

35

ALESSANDRA: Eca! Mas você acabou de comer aquele sanduíche horrível que

você traz de casa.

DANI: E daí? Isso não tem nada a ver.

ALESSANDRA: Lógico que tem. Vai passar toda aquela nojeirada pra dentro da

minha boca. Por hoje chega, então. Já foi emoção demais pra mim.

DANI: Pra mim não.

ALESSANDRA: Não adianta. Hoje não dá mais. (Levanta-se.) Trouxe o meu

chocolate?

DANI: Não, da última vez você não quis!

ALESSANDRA: Em francês, isso se chama um faux pas.

Sai,  deixando  Dani  perplexo.  Ao  fundo,  seu  pai  aparece  cantando  “Arranha-Céu”,  de

Sílvio Caldas e Orestes Barbosa:

Cansei de esperar por ela... Toda noite na janela... Vendo a cidade a luzir... Nestes

delírios nervosos... Dos anúncios luminosos... Que são a vida a mentir... E cada vez

que subia...O elevador não trazia... Essa mulher, maldição... E quando lento gemia...

O elevador que descia... Subia o meu coração...

O Pai sai de cena. Mudança de luz. Aula com Yoni.

YONI (Entoa a oração musicada hebraica diante de um gravador): Baruh atá Adonai,

elohenu meleh haolam, asher natan lanu torat emet, vehayei olam natá beitoheinu,

baruh atá Adonai, noten hatorá. (Desliga o gravador.) Pronto, com isso você pode

estudar as rezas antes e depois de ler a Torá. Você vai ouvindo, repetindo, até que

uma hora você vai saber isso até de cor.

Page 36: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

36

DANI: Não preciso nem repetir. Eu já guardei como é.

YONI: Ah, é? Então me mostra.

DANI lê um papel e repete a oração exatamente como Yoni.

YONI: Bravo, Dani! Bravíssimo! Você é impressionante! Tem um ouvido excelente, e

canta muito bem! Você podia fazer carreira cantando na sinagoga.

DANI: Devo ter puxado ao meu pai. Ele passa o dia inteiro cantando, alguma coisa

eu acho que aprendi...

YONI: Para um aluno que nem queria fazer bar-mitzvá, você está se saindo muito

melhor do que a encomenda.

DANI: E você também. (Yoni sorri. Dani observa sua mão.) Ué! Não tinha visto esse

anel na última aula. Você casou agora?

YONI: Não, eu fiquei noivo. Vou me casar daqui a um ano, na mesma época do seu

bar-mitzvá.

DANI: Cada um com a sua cruz.

YONI: Não, Dani. Cada um com a sua mitzvá, com a sua obrigação diante de Deus.

Vai chegar o momento em que você também vai conduzir sua esposa ao altar e

formar uma família, e vai ser tão bonito e especial como foi com o seu bar-mitzvá.

DANI: Sei lá. Uma coisa de cada vez. Nem engoli direito essa história do bar-mitzvá.

(Tempo.) Yoni, você disse que eu posso te perguntar qualquer coisa. Isso é pra valer

mesmo?

Page 37: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

37

YONI: Claro, Dani. Não sei se eu vou ter a resposta, mas você pode perguntar o que

quiser.

DANI: Eu fiquei meio boiando com aquela história que você contou outro dia, do

David e do Yonatan. Era uma parada meio confusa... Afinal, eles eram... O quê?

YONI: O que você quer saber exatamente, Dani?

DANI: Eles eram tipo... Tipo assim... Namorados?

YONI (Grave, abre sua pasta, tira um livro e entrega-o a Yoni): Vaicrá. O Levítico. O

terceiro livro da Torá. Importantíssimo. Muitas normas que orientam a nossa conduta

de todos os dias, que organizam a nossa sociedade, que nos permitem nos sentir

puros diante de Deus. (Procura alguma coisa e aponta-o para Dani.) Aqui, o número

22. Lê em voz alta, por favor.

DANI:   “Não   te   deitarás   com   um   homem   como   se   faz   com   uma   mulher:   é   uma  

abominação”.

YONI: Mais claro impossível. O amor de Yonatan e David não tinha nada de

pecaminoso, não era uma abominação. Era edificante. Uma forma pura de amor,

abençoada por Deus. Porque Yonatan foi capaz de reconhecer que o espírito de

Deus é que animava David, e por isso ele seria o sucessor de seu pai como rei dos

judeus. Estamos falando aqui de um amor sublime, do único tipo de amor que pode

nascer da amizade entre dois homens, que não tem... Que não pode ter qualquer

relação com a carne. Não pode, Dani. É o amor que está nas relações entre dois

irmãos. Ou... Entre professor e mestre. Ficou bem claro pra você?

DANI (Atropelado por um trem): Acho que ficou.

Page 38: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

38

SEQUÊNCIA 6- MOMENTOS DE MAGIA

Na escola. Ruído de aplausos. A Professora de pé e Pedrinho e Alessandra

sentados, assistindo.

PROFESSORA: Mais palmas! Ele merece! (Falando para alguém que estaria

deixando o palco.) Muito obrigado, João Felipe, excelente performance! E dando

continuidade à Feira de Talentos do Colégio Ordem e Progresso, chamamos ao

palco Daniel Segall, da 6ª. Série –B! Uma salva de palmas pra ele!

Dani entra no palco e posiciona-se ao lado da professora. Aplausos.

PROFESSORA: Então, Dani, você vai fazer o quê? Número de mágica, declamar

um poema, representar?

DANI: Eu vou cantar.

PROFESSORA: Muito bem! A gente estava precisando mesmo de um cantor por

aqui. Pode começar!

Dani  começa  a  cantar  “Que  Será”,  de  Marino  Pinto  e  Mario  Rossi,  no  mesmo  estilo  

de interpretação antiquado e passional de seu pai.

DANI: Que será, da minha vida sem o teu amor... Da minha boca, sem os beijos

teus... Da minha alma, sem o teu calor... Que será, da luz difusa do abajur lilás... Se

não voltares a iluminar, outras noites iguais...

Page 39: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

39

Gargalhadas na plateia, incluindo Pedrinho, que debocha ostensivamente do colega.

Alessandra assiste concentrada. A professora fica perturbada com as reações na

plateia.

PROFESSORA (Cutucando Dani, que insiste em cantar): Dani... Para um

pouquinho... Para, meu filho, é melhor você parar!

DANI: Eu ainda não acabei a música!

PROFESSORA: A plateia está agitada demais, Dani, não vai dar para continuar. De

onde você foi tirar essa música, meu filho?

DANI: Aprendi com meu pai.

Pedrinho ri mais ainda.

PROFESSORA: Ah, Dani... Vamos encerrar por aqui, vai ser melhor para todos. Na

próxima feira você tenta de novo... Aí, vê se você canta uma música mais atual, do

Lulu Santos, do Guilherme Arantes... Do Ritchie, que está fazendo um tremendo

sucesso... (Alto, para a plateia) Vamos agradecer a participação do Daniel Segall, da

6ª. Série-B!

Dani afasta-se, acabrunhado. Luz só em Alessandra, que se levanta e aplaude

freneticamente. A Professora e Pedrinho saem de cena.

ALESSANDRA: Cambada de ignorantes! Não sabem reconhecer um verdadeiro

artista quando ele está em cena! Bando de medíocres! Idiotas fracassados! Vocês

não entenderam nada, nada!

Dani aproxima-se dela. Ela pega em sua mão.

Page 40: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

40

ALESSANDRA: Fiquei muito orgulhosa de você.

DANI: Sério?

Ela puxa-o pela mão e o conduz até um canto do palco. Beija-o vigorosamente na

boca, e ele responde à altura. A   trilha   sonora   é   “Like   an   Animal”, do The Glove.

Blecaute.

Dani em seu quarto. Pega o embrulho com os Playmobil e abre-o. A trilha sonora é o

Adagio do Concerto para Violino de Brahms.

DANI (Examinando os bonecos): Princesa Gertrudes de Nuremberg... Gumercindo,

Duque de São Bernardo... Rainha Concepción de Todos los Santos y Mártires...

Eleutério, Príncipe de Torre de los Caracoles... General Strogonoff... Embaixador

Lamborghini della Vespa... Cheguei até aqui com vocês. Agora, a gente se

despede... Eu nunca vou esquecer nenhum de vocês, nem os momentos de sonho e

de magia que a gente viveu juntos. Embaixador, o senhor vai na frente e organiza

por favor o cerimonial da despedida. (Coloca-os de novo no embrulho, no lenço

branco, e aproxima-se de um canto da cena, para jogá-los fora, como na cena

anterior com seu pai. Entra sua mãe, entusiasmada.)

MÃE: Dani! Adivinha quem eu encontrei lá fora?

DANI: O Pedrinho.

MÃE: Como é que você sabe?

DANI: Se você tivesse encontrado o Pelé, o Figueiredo ou até o Papa na rua, não ia

dizer nada. Agora, o Pedrinho...

Page 41: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

41

MÃE: Meu filho, hoje nem as suas provocações podem me privar da minha alegria.

O Pedrinho já me deu a grande notícia! Porque se eu fosse esperar você me

contar...

DANI: O Pedrinho não pode te dar nenhuma notícia, nem grande nem pequena,

porque ele não sabe nada da minha vida!

MÃE (Cantarola  um  trecho  de  “Explode  Coração”,  de  Gonzaguinha): Chega de tentar

dissimular e disfarçar e esconder, o que não dá mais pra ocultar... Dani, eu já sei de

tudo. O Pedrinho me contou que você está namorando!

DANI: Puta que pariu!

MÃE: Sim, é isso mesmo, meu filho: puta que pariu! É a única expressão capaz de

traduzir toda a minha gama de sentimentos nesse momento! Meu filho arrumou a

primeira namorada! Eu... Estou nas nuvens, carregada por um cortejo de querubins,

ou serafins, sei lá, enfim, é...

DANI: Você não tem vergonha, uma mulher da sua idade, dando bola pras fofocas

de um moleque babaca que nem o Pedrinho?

MÃE: O Pedrinho pode até ser um moleque babaca, mas ele tem uma qualidade: é

um informante infalível. Só dá bola dentro! (Abraça o filho, à sua revelia.) Ah, meu

filho, por que você vai ficar bravo com isso? É uma coisa maravilhosa, ter uma

namorada! Imagina que coisa linda, daqui a um ano, você dançando a valsa com a

menina no seu bar-mitzvá! Um homenzinho completo! Alessandra, não é isso? Ou é

Alexandra?

Page 42: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

42

DANI (Desvencilhando-se da mãe): Ela não é minha namorada porra nenhuma! Eu

não tenho namorada, é tudo fofoca daquele escroto! Eu só... (Para.) Não é da sua

conta! Minha vida não é da sua conta!

MÃE (Ignorando e afastando-se): Pode ficar tranquilo, Dani, eu não vou interferir em

nada no seu namoro, viu? Quando você estiver preparado, traz a menina aqui pra

gente conhecer. Depois, se precisar de algum conselho, essas coisas de homem,

você fala com seu pai. (Pensa melhor e se volta.) Aliás, melhor falar com o Tio

Rubem, ou com o Isaac Balofo, eles têm mais jeito pra essas coisas...

DANI: Vai embora daqui e me deixa em paz!

MÃE (Saindo, cantarola   um   trecho   de   “Fascinação”): Os sonhos mais lindos,

sonhei... De quimeras mil, um castelo ergui...

Dani olha para o embrulho com os Playmobil. Desiste de se desvencilhar dele e

coloca-o novamente na mesma gaveta. Ele pega o gravador e ouve, pensativo e

intrigado, a voz de Yoni com as orações em hebraico. Blecaute.

SEQUÊNCIA 7- A LIBERDADE É ASSUSTADORA

Aula com Yoni. Enquanto ele fala, Dani se perde, olha para os olhos, as mãos, os

braços de Yoni, examina-o em detalhe e com atenção e se perde em seus

pensamentos.

YONI: Você é um predestinado, Dani. Todas as partes da Torá são importantes, e

trazem ensinamentos fundamentais para o nosso povo, mas você vai ter a sorte de

Page 43: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

43

ler uma porção muito especial. No seu bar-mitzvá, vai ser o momento da leitura da

parashá Beshalach. É aqui que aparece um dos milagres mais famosos, mais

espetaculares e com maior significado da história do judaísmo: o momento em que

Deus, através de Moisés, fez as águas do Mar Vermelho se abrirem para que os

judeus pudessem atravessar com segurança e escapar da perseguição dos

soldados egípcios. Você vai ver que o caminho até lá foi muito tumultuado, muitos

judeus já começavam a duvidar da liderança de Moisés. Tinha gente até que preferia

voltar para a escravidão no Egito! Porque a liberdade, Dani, pode ser algo muito,

muito assustador... No Egito, eles tinham uma vida muito sofrida, mas a realidade do

cativeiro era, pelo menos, previsível. Você pode imaginar o que é se encontrar de

repente em liberdade, no meio do deserto, rumo ao desconhecido absoluto? A

liberdade sem Deus não deixa de ser um cativeiro. Nós viramos reféns de nossas

pulsões, de nossos instintos, de nossos desejos sem freios, e dessa forma a

convivência humana seria insuportável. Impossível. Só mesmo a presença divina, a

aliança com o sagrado, pode dar sentido a essa peregrinação, à imensa travessia

que foi o êxodo do Egito e que é, no fundo, a travessia diária de nossas vidas. A

certeza de que existe alguma força muito poderosa, que nos alimenta e nos

protege... Nós vamos ver então que... Dani, você está prestando atenção no que eu

estou falando?

DANI: Claro que sim.

YONI: Então me conta, o que foi que eu acabei de dizer?

DANI: Você disse... Que era uma abominação. Não foi isso?

Page 44: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

44

Yoni observa Dani em silêncio. A trilha sonora é o primeiro movimento da sonata

para violino e piano de César Franck. Blecaute.

Dani está vestido com uniforme de futebol. Desce o elevador com seu pai. Entra o

Coronel Ivanir.

CORONEL: Ah, bom dia, Seu... Bom dia, Dani.

PAI: Bom dia, Coronel.

O pai percebe que Dani não respondeu ao cumprimento e que está evidentemente

incomodado com a presença do Coronel. Este, por sua vez, fica constrangido com a

falta de resposta de Dani. O trio segue em silêncio, mas o pai não para de observar

a situação. O elevador chega a seu destino. O Coronel vai para a esquerda, o pai e

Dani para a direita, em silêncio e sem se despedir. O pai decide então parar e se

voltar para o Coronel.

PAI: Coronel!

O Coronel se volta e para. Não fala nada.

PAI: Fique longe do meu filho.

O Coronel não reage. Dani olha para seu pai, surpreso. Blecaute.

Dani continua com seu uniforme de futebol. Agora caminha, ao lado de Pedrinho,

também uniformizado. Voltam da escolinha.

PEDRINHO: Pô, cara, então tu tá namorando firme mesmo a paulistosa?

Dani em silêncio.

Page 45: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

45

PEDRINHO: Tá gamadão mesmo! De onde a gente menos espera... Agora, tu podia

conseguir coisa melhor, né? Pô, todo mundo sabe que a Gisele é a fim de você...

Sabe a Gisele, a irmã do Esquilo Sem Grilo? Aquela lourinha da 6ª. A? Dá o maior

mole! Pô, ela é dez mil vezes melhor do que a paulistosa!

Dani em silêncio.

PEDRINHO: Pelo menos a galera parou de falar de você. Sabe como é que é, né,

ficavam com aquele papo de que tu é meio frutinha... Pegava mal pra mim também,

né, pô, sou teu amigo desde moleque... Ainda mais agora, que tem o câncer gay! Tu

não viu ontem no Fantástico? Os viadinhos tão tudo morrendo...

Dani em silêncio.

PEDRINHO: Tu já fez o que com ela? Já comeu e tudo? Ou é só namorinho de

frescura, pegar na mãozinha, bitoquinha? Já pegou nos peitinhos dela? Porque ela é

baranga, mas pelo menos tem mais peito do que qualquer outra garota da nossa

turma. Ela já tem regra? Tem toda cara de que tem. Já tem pentelho?

Dani em silêncio.

PEDRINHO: Pô, cara, tu não vai falar nada não?

DANI: Eu só tenho uma coisa pra te falar, Pedrinho. Ouve bem, cara, porque acho

que não vou querer repetir tudo isso aqui. Pedrinho, eu só queria te dizer que você é

o cara mais babaca, mais escroto, mais burro e mais pentelho que eu já conheci na

vida. Eu detesto você. Nunca vem nada, mas nada de bom de você. Você só sabe

encher o saco, falar merda e fazer fofoca da minha vida pra minha mãe. Você se

preocupa tanto em não parecer frutinha, mas no fundo você tem alma de manicure,

Page 46: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

46

sabe aquelas manicures que passam o dia inteiro falando da vida das clientes? Eu

te vejo assim, Pedrinho. Juro. Eu te imagino com o cabelo pintado de acaju e

uniforme verde água, sentado no fundo de um salão bem fuleiro, esperando a

próxima cliente. Se eu pudesse, Pedrinho, eu nunca mais via você em toda minha

vida. Mas eu tenho a desgraça de estudar contigo desde o jardim de infância, e de

olhar pra essa sua cara de cu todo santo dia, e a cada ano que passa você só fica

pior, mais babaca, mais escroto, mais pentelho e mais burro. A minha esperança é

que, estúpido do jeito que você é, você não vai passar na mesma escola que eu no

segundo grau, e eu aí vou poder me livrar de você de uma vez por todas. Dá licença,

Pedrinho, meu caminho é esse aqui... (Afasta-se.)

PEDRINHO (Estarrecido e genuinamente triste): Pô, Dani! E eu pensava que a gente

era amigo...

Blecaute. Mudança radical de luz, a sugerir um delírio. Dani está deitado no chão,

ainda vestido com seu uniforme de futebol, de olhos fechados. Parece esgotado. No

canto direito da cena, aparece Alessandra, de calcinha e sutiã. Ela murmura a

melodia de  “À  Flor  da  Pele”,  e  aos  poucos  começa  a  cantar  apenas  o  verso  “O  que  

será, que   será”,   como   a   aparição   de   Vadinho   anteriormente.   Dani   abre   os   olhos.  

Alessandra caminha em sua direção, sempre cantando baixinho esse mesmo verso.

Aproxima-se dele e começa a abraçá-lo. Ele se agarra a ela, num misto de

sensualidade e desamparo. Do canto esquerdo da cena, entra Yoni. Está de cueca e

sem   quipá.   Ele   canta   os   versos   de   “À   Flor   da   Pele”,   e   quando   começa   a   cantar,  

Alessandra volta ao murmúrio, mas seguindo o mesmo ritmo dele.

YONI: O que será que será... Que dá dentro da gente e que não devia... Que

desacata a gente, que é revelia... Que é feito uma aguardente que não sacia... Que

Page 47: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

47

é feito estar doente de uma folia... Que nem dez mandamentos vão conciliar... Nem

todos os unguentos vão aliviar... Nem todos os quebrantos, toda alquimia... E nem

todos os santos, que será que será... O que não tem descanso, nem nunca terá... O

que não tem cansaço, nem nunca terá... O que não tem limite.

A partir do momento em que Yoni entra em cena, Dani voltará seu olhar para ele,

enquanto Alessandra continua agarrando-o. Yoni vai caminhando pela cena, passa

bastante próximo a Alessandra e Dani, que faz menção muito tímida de tocá-lo, mas

recua. Yoni sai de cena. E Dani termina a canção, sozinho, do ponto em que Yoni

parou, sempre com Alessandra a acariciá-lo e a murmurar a melodia, sem cantar.

DANI: O que será que me dá... Que me queima por dentro, será que me dá... Que

me perturba o sono, será que me dá... Que todos os tremores me vêm agitar... Que

todos os ardores me vêm atiçar...Que todos os suores me vêm encharcar...Que

todos os meus nervos estão a rogar...Que todos os meus órgãos estão a clamar...E

uma aflição medonha me faz implorar...O que não tem vergonha, nem nunca terá...O

que não tem governo, nem nunca terá... O que não tem juízo.

Blecaute.

SEQUÊNCIA 8- A MAIORIDADE JÁ CHEGOU

Aula com Yoni.

YONI: Estamos avançando bem, Dani. Você aprende tudo muito rápido, vai fazer

bonito no dia do seu bar-mitzvá. Eu já não me preocupo tanto com o seu

Page 48: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

48

desempenho na cerimônia, mas sim com a nova vida de responsabilidades que

começa a partir daí.

DANI: Yoni, eu não quero saber dessa conversa. Minha mãe disse que isso aqui ia

ser só uma aula de bar-mitzvá. Aprender a dizer aquele monte de coisas, e acabou.

YONI: Você está me interpretando mal, Dani. Não quero doutrinar você, não quero

impor nenhuma obrigação. Mas você precisa entender que... Você começa uma

longa caminhada a partir do seu bar-mitzvá. Um verdadeiro êxodo para um novo

mundo, uma terra nunca antes visitada. Isso não é fácil para ninguém, mas algumas

pessoas podem ter uma trajetória um pouco mais difícil, mais tumultuada do que as

outras. Pode ser que você esteja nesse grupo... Pode ser que não.

DANI: Você não sabe nada da minha vida pra ficar dizendo essas coisas.

YONI: Eu não sei mesmo, e nem quero saber. Não quero me meter na sua vida.

Mas, como uma pessoa que te acompanha numa jornada espiritual importante, é

minha obrigação te dizer que... Para qualquer problema, qualquer dúvida, qualquer

inquietação que você venha a ter, você pode encontrar respostas na religião. Você

faz parte de uma comunidade, que pode te acolher num momento de necessidade.

Quando você sentir que está diante de uma encruzilhada e que os dois caminhos

parecem perigosos e difíceis. Isso acontece com todo mundo. Com todo adulto.

Você não precisa carregar sozinho os pesos que vão inevitavelmente aparecer na

sua vida. Por exemplo, você pode se aconselhar comigo. Ou com outra pessoa que

conheça bem a nossa religião. Ninguém vai jamais impor nada a você. Mas podem

te ajudar a encontrar um caminho, Dani. Um caminho de paz.

Silêncio.

Page 49: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

49

DANI: Caminho de paz... Isso existe mesmo, Yoni?

Blecaute. Mudança de luz. Dani e Alessandra, sentados de mãos dadas.

ALESSANDRA: Eu tenho um negócio pra te contar. Vou voltar pra São Paulo.

DANI: O quê? Pô, mas você acabou de chegar!

ALESSANDRA: A empresa do meu pai resolveu fechar a filial daqui. Negócio nesse

país, só em São Paulo mesmo, meu filho. Não tem o que fazer.

DANI: Putz... E aí? O que vai acontecer com a gente?

ALESSANDRA: Vai acontecer o seguinte: a gente vai ficar triste na hora de se

separar. Depois, eu me vou esquecer de você, e você se vai esquecer de mim.

DANI: Caraca! Como você pode dizer uma coisa dessas? Eu nunca vou esquecer

você!

ALESSANDRA: Dani, eu já mudei quatro vezes de cidade por causa do trabalho do

meu pai. Quatro. Eu sempre achei que nunca ia esquecer as pessoas, só que... A

gente esquece. Precisa esquecer.

DANI: Mas eu sou diferente daquelas pessoas todas... Ou não sou?

ALESSANDRA: Você é um carinha bacana. Um fofo. Um artista. Um gostoso. Só

que você vai ficar aqui, e eu vou morar em São Paulo.

DANI: Você pode vir me visitar.

ALESSANDRA: Imagina se meu pai vai deixar...

Page 50: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

50

DANI: Pelo menos, você tem que vir pro meu bar-mitzvá. É a minha maioridade!

(Murcha.) Putz... Nem acredito que eu falei isso.

Alessandra observa-o atentamente. Pega sua mão e, para sua surpresa, a conduz

para seu peito, por dentro da blusa.

ALESSANDRA: Você consegue sentir?

DANI: Eu... Eu não tinha percebido que ele já tava grande assim!

ALESSANDRA: E vai crescer ainda muito mais. Dani, não adianta você ficar fugindo

da maioridade. Ela já tá aqui. Isso que você tá tocando. A maioridade já chegou e

está por todos os lados. Acabou.

Blecaute.

SEQUÊNCIA 9- A GRANDE HORA, O GRANDE DIA

Dani vestido com uniforme de futebol. Desenha deitado no chão. Entra sua mãe,

carregando uma toalha e uma muda de roupa.

MÃE: Tá pronto?

Dani faz que sim com a cabeça, sem parar de desenhar e sem olhar para a mãe.

MÃE: Então levanta, tá na hora. Você sabe que hoje é seu último dia de escolinha,

né?

DANI (Voltando o olhar para mãe): Hoje? Por quê?

Page 51: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

51

MÃE: Sua matrícula foi por um ano, e acaba hoje. E como você deixou mais do que

claro que não gosta de lá, a gente achou que não era o caso de renovar. Não faz

sentido impor esse tipo de coisa pra um rapaz da sua idade, prestes a fazer bar-

mitzvá. A maioridade também tem suas vantagens, Dani. Eu avisei... Na semana

que vem o seu pai vai te levar pruma escola de artes, como você queria. (Para si.)

Às vezes as coisas precisam mudar para continuarem como estão, isso era o quê

mesmo? Ah, essa memória miserável... (Volta-se para Dani.) Sim, escola de artes. A

gente encontrou um lugar de gente aparentemente séria, com ambiente

aparentemente sadio. Ninguém ali tem jeito de bicha, nem de maconheiro. Vamos

ver no que dá... E aí, não era o que você queria? Você não parece contente.

DANI: É que... Eu não tava esperando. Agora.

MÃE (Entregando a toalha e a muda de roupa): Toma. Coloca isso na sua mochila.

Hoje você vai ter que tomar banho e sair trocado de lá. A gente vai direto almoçar na

casa da Tia Ruth.

DANI: Eu não quero tomar banho ali.

MÃE: E vai chegar todo sujo e fedorento na casa da sua tia? Ainda mais a Tia Ruth,

que é toda chique, tem até empregada com uniforme? Vai tomar banho sim! Olha,

Dani, homem que é homem não pode ter vergonha de ficar pelado na frente dos

outros não, que negócio é esse, agora?

DANI: Não é vergonha, é que ali é um lugar horrível, todo sujo e apertado.

Page 52: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

52

MÃE: Vamos indo, Dani. Não tem o que discutir. E vê se entra no chuveiro de

chinelo, não vai me pegar uma micose no pé! O orçamento desse mês não prevê

tratamento dermatológico.

Dani enfia a toalha e a muda de roupa em sua mochila e também seu desenho,

muito contrariado. Sua mãe sai de cena. Mudança de luz. Dani vai para o fundo do

palco e senta encostado na parede. Seu pai aparece na frente do palco, cantando

“Nature  Boy”,  de  Eden  Ahbez.  Sua   interpretação  aqui  é  bem  mais  suave  e  contida  

do que as anteriores.

PAI: There  was  a  boy…  A  very  strange  enchanted  boy…  They  say  he  wandered  very  

far…Very   far,  over   land  and  sea…  A   little  shy  and  sad  of  eye…  But  very  wise  was  

he… And  then  one  day…  A  magic  day,  he  passed  my  way…  And  while  we  spoke  of  

many   things,   fools  and  kings…  This  he  said   to  me…  The  greatest   thing  you'll  ever  

learn...Is just to love and be loved in return.

À medida que o pai canta, Dani despe-se lentamente, preparando-se para o banho,

até ficar de cueca. Seu pai observa-o de longe ao concluir a canção e sai de cena.

Entra em cena, assoviando, Beto, o treinador da escolinha de futebol.

BETO: Oi, Dani! Resolveu tomar banho hoje aqui?

DANI (Surpreso e alterado): Oi, Beto. É... Eu... Eu vou ter que ir direto prum almoço,

hoje. Em geral, eu tomo em casa mesmo.

BETO (Despindo-se com naturalidade, até ficar também de cueca): Lógico, o

chuveiro daqui é uma merda. (A fala de Beto vai ficando intercalada diante de Dani,

que ouve apenas palavras soltas.) Pressão nenhuma. Esse vestiário... Um chiqueiro,

Page 53: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

53

nunca vi.... Banho aqui nunca... Mas hoje... Sair com minha noiva... Você que é

feliz... Ainda... Esses compromissos... Namorada, noiva... É foda! Gente tem que se

arrumar... Nos conformes... Depois que casa... Ligar o foda-se... Qualquer coisa...

Com mulher é assim... Vai aprendendo.

Beto, de frente para Dani e de costas para a plateia, tira sua cueca. Luz apenas em

Dani, que tenta disfarçar o impacto da imagem. A trilha sonora é o início do Concerto

no 1 para Piano de Prokofiev, em volume alto. Dani fecha os olhos e tira a cueca,

tapando seu sexo com as mãos. Liga o chuveiro e permanece todo o tempo com

olhos fechados e com o sexo coberto, como se estivesse febril. No escuro, Beto faz

os movimentos de um banho e sai de cena. Blecaute.

Dani está de cueca e vai vestindo uma roupa formal. É o dia do seu bar-mitzvá.

Enquanto se veste, ouve-se uma gravação com a voz de Yoni, lendo o início da

parashá em hebraico, e depois sua tradução em português (Êxodo, 13,17).

YONI (off): Vayehi beshalach Par'oh et-ha'am velo-nacham Elohim derech erets

Plishtim ki karov hu ki amar Elohim pen-yinachem ha'am bir'otam milchamah

veshavu Mitsraymah. Vayasev Elohim et-ha'am derech hamidbar yam-Suf.

Quando o Faraó deixou o povo partir, Deus não os conduziu pelo caminho do país

dos filisteus, embora esse fosse o trajeto mais curto. Deus considerava que se o

povo encontrasse resistência armada, poderia se arrepender e retornar ao Egito. Por

isso, Deus os fez contornar o caminho do deserto, em direção ao Mar Vermelho.

Quando termina a gravação, Dani já está vestido, faltando apenas colocar sua

gravata. Ele abre a gaveta onde ficavam seus bonecos Playmobil e olha para dentro.

Não dá para ver se a gaveta está vazia ou se os bonecos ainda estão ali. Ao longo

Page 54: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

54

da cena, manterá postura grave. Entra seu pai. Aproxima-se dele e bate nos seus

ombros.

PAI: Chegou o grande dia, Dani. Já aprendeu a dar nó na gravata ou quer que eu

faça isso pra você?

DANI: Dá você.

PAI (Enquanto dá o nó na gravata no pescoço de Dani): O Yoni me disse que você

vai dar um verdadeiro show hoje. Chegou a dizer que você é o melhor aluno que ele

já teve, que pegou tudo muito rápido. Ah, e disse também que você aprendeu a

cantar bonito comigo! Fiquei danado de orgulhoso... Você viu, meu filho? Tão

preocupado com essa história de maioridade, e no final das contas vai tirar tudo de

letra.

DANI: Eu tenho medo, pai. Do que vem depois.

PAI: Medo? (Se perde em pensamentos.) Quando eu fiz o meu bar-mitzvá, Dani, eu

só tinha um sonho na vida: me tornar um astro da Rádio Nacional. O rádio era a

minha vida, acordava e dormia com ele, conhecia todos os cantores, todas as

músicas, colecionava as revistas. Eu queria ser o novo Sílvio Caldas, o novo

Francisco Alves... (Cantarola  um  trecho  de  “Chão  de  Estrelas”,  de  Orestes  Barbosa)

Eu vivia vestido de dourado, palhaço das perdidas ilusões... Aí eu me olhava no

espelho. E o que eu via era um rapaz... Feio... Desengonçado... Suburbano... Cadê

a coragem para inventar outro destino? Eu nunca cheguei nem perto de concretizar

meu... Minha vida é muito, muito diferente daquilo que eu fantasiava quando tinha

sua idade... Nem tudo é ruim, não, não, longe disso! Eu nunca imaginei, por

exemplo, que eu ia ser pai... Pai de um artista. Porque é isso que você é, meu filho.

Page 55: MAIORIDADE de Flavio Goldman - selecaobrasilemcena.com.br · 2 PERSONAGENS: DANI, na fronteira entre a infância e adolescência Seu PAI Sua MÃE YONI, seu professor de bar-mitzvá

55

Você tem estrela. Você não precisou passar pelos apertos que eu passei. Um ano

depois do meu bar-mitzvá, eu tive que começar a trabalhar, como office-boy... E não

parei mais. Medo? Ninguém vive sem medo. Mas algumas pessoas fazem o que tem

que ser feito, apesar do medo... Conseguem... (Tenta recuperar o controle.) Isso não

é conversa pra hoje. Hoje é dia de festa! Escuta, a Alessandra vem, afinal?

Dani entrega um papel ao pai.

PAI: Mandou um telegrama? Mas essa menina! Então não vai ter jeito, meu filho,

você não escapa de dançar a primeira valsa com sua mãe.

DANI (Sem perder a gravidade, estende as mãos para o pai, como convidando-o a

dançar): Ela não precisa saber que aquela vai ser a segunda valsa do dia.

PAI (Inicialmente surpreso, mas depois compenetrado, preparando-se para a valsa):

Não, ela não precisa saber. (Posiciona-se para dançar a valsa com o filho e começa

a cantar “Eu  Sonhei  Que  Tu  Estavas  Tão  Linda”,  de  Lamartine  Babo) Eu sonhei que

tu estavas tão linda, numa festa de raro esplendor...

DANI: Não, pai. Hoje não...

PAI: Como você quiser. Hoje é o seu dia, Dani.

O pai estala os dedos e começa a tocar uma valsa vienense. Dani inicia a valsa no

mesmo tom de gravidade do resto da cena, mas aos poucos vai esboçando um

discreto sorriso. Pai e filho rodopiam pelo palco, enquanto a luz vai se apagando aos

poucos.

FIM