machado, carlos augusto ribeiro. “a antiguidade tardia, a queda do império romano e o debate...

Upload: pedro-carvalho

Post on 23-Feb-2018

253 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    1/34

    81

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    A ANTIGUIDADE

    TARDIA, A QUEDA DOIMPRIO ROMANOE O DEBATE SOBREO FIM DO MUNDO

    ANTIGO*

    Carlos Augusto Ribeiro Machado*University of Saint AndrewsFife - Esccia - Reino Unido

    Resumo

    A Antiguidade tardia est hoje consolidada seja como campo de estudos ou comoum perodo histrico. No entanto, desde sua concepo at a sua exploso, parausarmos uma expresso de Andrea Giardina, esta periodizao colocou questeshistoriogrficas de imensa importncia que permanecem pouco exploradas. Aochamar a ateno de estudiosos e leitores em geral para as continuidades entre omundo antigo e o perodo que o seguiu, a Antiguidade tardia deixa de lado im-portantes questes que eram fundamentais para uma historiografia mais tradi-cional e que continuam relevantes como o problema da assim chamada queda doImprio romano. Neste artigo, pretendemos discutir estas questes, levando emconsideraes os importantes desenvolvimentos observados nas ltimas dcadas.

    Palavras-chave

    Antiguidade tardia Imprio romano historiografia.

    ContatoUniversity of Saint Andrews - School of Classics

    Swallowgate - Butts WyndFife KY16 9AL - Saint Andrews - Esccia

    [email protected]

    * Este artigo foi redigido enquanto fui professor de Histria Antiga da Universidade de So Pauloe um produto das discusses e das trocas de ideias que travei com diversos amigos e colegas.Gostaria de agradecer, assim, as sugestes e crticas de Fbio Morales, Uiran Gebara da Silva,Norberto Guarinello e Miguel Palmeira. Gostaria de agradecer especialmente Fundao deAmparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp) pelo apoio imprescindvel para a redaodeste trabalho atravs de um auxlio regular pesquisa recebido durante este perodo.

    ** Formado em Histria pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Histria Econmica pelaUniversidade de So Paulo e doutor em Histria Antiga pela Universidade de Oxford, Inglaterra.Professor (lecturer) de Histria Antiga na School of Classics da Universidade de Saint Andrews, Es-ccia. Diretor do Centro de Estudos sobre a Antiguidade Tardia da Universidade de Saint Andrews.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    2/34

    82

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    LATE ANTIQUITY, THE

    FALL OF ROME ANDTHE DEBATE OVERTHE END OF THE

    ANCIENT WORLD

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoUniversity of Saint AndrewsFife - Scotland - United Kingdom

    Abstract

    Late Antiquity is now consolidated both as a field of studies and as a historical pe-riod. However, from the time of its inception to its explosion, to use an expressionof Andrea Giardina, this periodization has posed important historiographic ques-tions that remain unexplored. By focusing the attention of scholars and students ingeneral on the continuities between the ancient world and the period that followit, late Antiquity leaves aside issues that were of crucial importance to traditionalhistorians; some of these issues remain relevant, however, as in the case of the so-called fall of the Roman Empire. In this article, we intend to consider these issues,

    taking into account the important developments observed in recent decades.Keywords

    Late Antiquity Roman Empire historiography.

    ContactUniversity of Saint Andrews - School of Classics

    Swallowgate - Butts WyndFife KY16 9AL - Saint Andrews - Esccia

    [email protected]

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    3/34

    83

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    Um espectro ronda a histria da Antiguidade tardia: a queda do Imp-rio romano. O fato de que o evento poltico por definio, que por sculosatraiu a ateno de historiadores (alm de filsofos e telogos), tenha se tor-nado, nos ltimos anos, um grande incmodo, algo surpreendente e quemerece nossa ateno. Quando Arnaldo Momigliano escreveu, em 1959, aintroduo para a srie de conferncias que ele havia organizado no Insti-tuto Warburg de Londres um ano antes, ele ainda podia abrir sua exposioobservando: ainda possvel considerar uma verdade histricao fato de queo Imprio romano declinou e caiu (grifos meus).1Em pouco mais de umadcada, no entanto, Momigliano assistiria imploso desse consenso, ne-

    gao dessa verdade histrica e reduo desse fato, at ento de proporespicas, a uma mera data nas cronologias que normalmente fecham os livrossobre esse perodo isso quando o prprio fato no era negado.

    A segunda metade do sculo XX foi marcada por uma profunda reava-liao desse perodo histrico que chamamos de Antiguidade tardia, nor-malmente identificado como se estendendo do final do sculo III ao finaldo sculo VII. Essa reavaliao pode ser caracterizada como uma verdadeirarevoluo historiogrfica, no apenas em termos das novas fontes, dos novosmtodos e das novas abordagens adotados, mas at mesmo em termos de como

    o perodo entendido por seus estudiosos. Como observou Andrea Giardina,nenhum perodo histrico na Antiguidade visto atualmente de forma topositiva e otimista quanto os seus ltimos sculos.2A despeito disso, o inciodo sculo XXI foi marcado pelo aparecimento de livros com ttulos bom-bsticos como A queda do Imprio romano, de Peter Heather, e A quedade Roma e o fim da civilizao, de Bryan Ward-Perkins, respectivamente, e ecloso de um debate que em momentos extrapola a academia, assumindoconotaes polticas e um tom de troca de crticas pessoais entre estudiosos.3

    Excessos retricos parte, o problema da queda do Imprio romano e

    do fim do mundo antigo retornou ao centro do debate sobre como podemos

    1 MOMIGLIANO, A. El cristianismo y la decadencia del Imperio romano. In: MOMIGLIANO, A.(org.).El conflicto entre el paganismo y el cristianismo en el siglo IV. Madri: Alianza Editorial, 1989, p. 15.

    2 GIARDINA, Andrea. Esplosione di tardoantico.Studi Storici. Roma, n. 40, 1999, p. 162.3 HEATHER, P. The fall of the Roman Empire. Londres: MacMillan, 2005; e WARD-PERKINS, B. The fall

    of Rome and the end of civilization. Oxford: Oxford University Press, 2005. Os livros foram resenha-dos por James ODonnell, por exemplo, que chamou os autores de neo-cons. Disponvel em:http://bmcr.brynmawr.edu/2005/2005-07-69.html. Para um exemplo da repercusso polticadeste debate ver Illegal immigration led to the fall of the Roman Empire. The Conservative Papers, 22janeiro 2012. Disponvel em: http://conservativepapers.com/news/2012/01/22/illegal-immigra-tion-led-to-the-fall-of-the-roman-empire/#.UeRFw41BXHQ. Acesso a ambos em: 15/07/2013.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    4/34

    84

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    definir e caracterizar a Antiguidade tardia, e faz-se necessrio discuti-loaqui. preciso considerar este debate em sua historicidade, buscando iden-tificar os termos nos quais ele foi colocado. Como chegamos a ele, e por queele to central para nossa definio do que so a histria antiga e a histriamedieval? De que forma as novas abordagens desenvolvidas nas ltimasdcadas levaram a ele? Qual o papel de nossas fontes em seu desenvolvi-mento e na definio de seus contornos? possvel incorporar a problem-tica da queda do Imprio s novas abordagens sobre o perodo?

    O objetivo deste artigo discutir essas questes como forma de explo-rar os limites e as contribuies dessa periodizao. Inicialmente, preten-

    do explorar alguns aspectos da gnese da ideia de Antiguidade tardia.4

    Apartir da, discutirei as implicaes deste conceito para nossa periodizaoda histria antiga, assim como seu impacto na prpria maneira como de-finimos geograficamente esse espao-tempo. Isso ter implicaes diretasna forma como dois conceitos-chave, transio e crise, so utilizados ou(mais frequentemente) negados pelos historiadores, e eu pretendo discutiressa questo colocando nfase especialmente na problemtica das invasesbrbaras. Essa a base para minha discusso final, na qual pretendo tomar ocaso da historiografia sobre as cidades e a vida cvica como fio condutor para

    discutir o problema de como continuidades e rupturas se combinam parafazer desse perodo algo especfico, mas ao mesmo tempo parte de uma uni-dade cronolgica mais ampla, a Antiguidade. Obviamente, nenhuma destasquestes poder ser respondida de forma definitiva, mas pretendo ao menosapresentar alguns dos debates historiogrficos mais importantes, explicitan-do as bases sobre as quais os historiadores tm trabalhado nos ltimos anos.

    Um conceito e suas origens

    O conceito moderno de Antiguidade tardia tem suas origens na obrado historiador da arte Alois Riegl, especialmente em Die Sptantike Kunstin-dustrie, de 1901. Nesta obra, Riegl observou que, longe de ser decadente, aarte do perodo era produto de um gosto artstico diferente que, na ver-dade, poderia ser comparado aos movimentos artsticos de finais do scu-lo XIX e incio do XX, livres do peso do classicismo. A arte do final da

    4 A melhor discusso da gnese do conceito a de BROWN, P. et alii. The world of late Antiquity revi-sited.Symbolae Osloenses. Oslo, n. 72, 1997, p. 5-90. Para uma pr-histria do conceito, ver ELSNER, J.The birth of late Antiquity: Riegl and Strzygowski in 1901.Art History. Londres, n. 25, 2002, p. 358-379.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    5/34

    85

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    Antiguidade podia, assim, ser associada arte moderna, por seu potencialde inovao e liberdade estilstica.5A identificao da Antiguidade tardiacomo uma poca autnoma na histria da Antiguidade ganhou peso naprimeira metade do sculo XX, como se pode observar na obra de San-to Mazzarino.6 Para Mazzarino, o perodo deveria ser entendido em suaespecificidade com um ordenamento poltico e social prprios, retirandoa centralidade da ideia de decadncia. A importncia dessa nova atitudetambm foi percebida por Henri-Irene Marrou, cujo livro sobre santoAgostinho e a cultura de seu tempo foi revisto aps sua primeira ediocom uma Retractatio(empregando o vocabulrio de sua fonte) na qual Mar-

    rou reconhecia o valor e a originalidade da poca do bispo de Hipona.7

    Pode-se dizer, no entanto, que foi The world of late Antiquity: from MarcusAurelius to Muhammad (estranhamente traduzido para o portugus como Ofim do mundo clssico o que contradiz a essncia do livro), de Peter Brown,que definiu os contornos e a perspectiva como a historiografia posterior veioa enxergar a Antiguidade tardia.8O livro parte de uma coleo dedicada histria ilustrada da Europa, dirigida por Geoffrey Barraclough que esco-lheu o ttulo e a designao do perodo a ser tratado. Anos mais tarde, Brownobservou que no havia lido a obra de Riegl, mas que o ttulo proposto se

    adequava ao que ele pensava.9

    O livro trata do perodo que se estende doreinado de Marco Aurlio (161-180) ao sculo posterior ascenso do Isl (altima data citada 800 d. C.). Ao mesmo tempo em que reconhece impor-

    5 Para uma discusso da anlise de Riegl e seu impacto entre historiadores da arte, ver ELSNER,J., 2002, op. cit., p. 361-370. Para a importncia historiogrfica de Riegl e seu conceito, ver, deforma mais ampla, GIARDINA, Andrea. Esplosione di tardoantico.Studi Storici. Roma, n. 40, 1999,

    p. 157-160. Foi R. Bianchi Bandinelli o primeiro a observar que o termo Sptantike/Antigui-dade tardia derivava da obra de Riegl: BIANCHI BANDINELLI, R. Spaetantike. In: EnciclopediadellArte Antica, vol. 7. Roma: Treccani, 1966, p. 426-427. Disponvel em: http://www.treccani.it/enciclopedia/spaetantike_(Enciclopedia-dell-Arte-Antica)/. Acesso em: 15/07/2013.

    6 MAZZARINO, S. Stilicone: La crise imperiale dopo Teodosio. Milo: Rizzoli, 1942 e MAZZARINO, S.Aspetti sociali del quarto secolo: ricerche di storia tardo-romana. Roma: LErma di Bretschneider, 1951.O autor deu continuidade a estes estudos em duas obras fundamentais: MAZZARINO, S. O

    fim do mundo antigo. So Paulo: Martins Fontes, 1988 (originalmente publicado em 1959) e nosartigos reunidos emAntico, tardoantico ed ra costantiniana, 2 vol. Bari: Edizioni Dedalo, 1974.

    7 MARROU, H.-I.Saint Augustine et la fin de la culture antique. Paris: E. De Boccard, 1949.8 BROWN, P. The world of late Antiquity: from Marcus Aurelius to Muhammad. Londres: Thames and

    Hudson, 1971. A edio portuguesa foi publicada pela editora Verbo, em 1972. Para o contextode produo intelectual e o impacto da obra, ver BROWN, P. et alii. The world of late Antiquityrevisited.Symbolae Osloenses. Oslo, n. 72, 1997, p. 5-90.

    9 BROWN, P. et alii. The world of late Antiquity revisited.Symbolae Osloenses. Oslo, n. 72, 1997, p. 17.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    6/34

    86

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    tantes mudanas sociais e polticas, Brown enfatiza o notvel grau de con-tinuidade e vitalidade culturais. De certa forma, as teses de Henri PirenneemMaom e Carlos Magnoforam retomadas, ainda que de forma modificada.10

    importante ressaltar que esta concepo de Antiguidade tardia, posi-tiva e baseada na nfase nas continuidades, no implicou no abandono devises tradicionais sobre o perodo, preocupadas com o problema do decl-nio de Roma. Podemos dizer mais: a revoluo historiogrfica promovidapor Brown no teria sido possvel sem a publicao, em 1964, do monumen-tal The later Roman Empire, de A. H. M. Jones, uma obra que como o subttulonos informa oferecia um survey das instituies polticas, econmicas e

    sociais do Imprio, e que ainda hoje permanece referncia obrigatria paratodos os estudiosos do perodo.11Jones sistematizou toda a informao dis-ponvel poca (especialmente atravs de fontes literrias e epigrficas dediversas naturezas) em captulos temticos que servem como verdadeirosguias e pontos de partida para estudiosos de temas to diversos como ogoverno, o exrcito e as finanas, entre outros. A publicao do LRE, como comumente chamado, colocou o estudo do perodo em novas bases, no spela quantidade de informaes e fontes que reuniu, mas tambm pela suaanlise judiciosa e por suas interpretaes inovadoras. Foi, como observou

    o prprio Brown em uma resenha famosa, como a chegada de uma usinasiderrgica em uma regio que havia sido, at h pouco, entregue a inds-trias leves.12Para o que nos interessa, a obra de Jones foi importante por terliberado os historiadores para explorar novos temas, tomando como panode fundo um baixo imprio mais diverso, dinmico e fluido do que aquelecom o qual seus predecessores haviam lidado. Partindo de novas bases, einfluenciados por desenvolvimentos no estudo de outros perodos histri-cos e em disciplinas como a antropologia, tornou-se ento possvel estudarquestes ligadas histria da cultura e das religies de uma nova forma.

    10Como o prprio Brown notou: BROWN, P. et alii. The world of late Antiquity revisited.SymbolaeOsloenses. Oslo, n. 72, 1997, p. 16-17. Brown discutiu a importncia da obra de Pirenne e seusproblemas em um nmero especial da revistaDaedalus, de 1974: BROWN, P. Mohammed andCharlemagne by Henri Pirenne. In: Idem.Society and the holy in late Antiquity. Berkeley: Universityof California Press, 1982, p. 63-79.

    11JONES, A. H. M. The later Roman Empire 284-602. A social, economic and administrative survey, 3 vol.Oxford: Basil Blackwell, 1964. Para uma reavaliao da obra e seu impacto, veja os artigosreunidos em GWYNN, D. (org.). A. H. M. Jones and the later Roman Empire. Leiden: Brill, 2008.

    12BROWN, P. The later Roman Empire. In: Idem.Religion and society in the age of Augustine of Hippo.Nova York: Harper & Row, 1972, p. 49.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    7/34

    87

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    Um espao-tempo? Problemas de periodizao e localizao

    A Antiguidade tardia descrita por Brown em livros influentes teve enormeimpacto entre os historiadores, levando consolidao de um campo intelec-tual especfico, com pesquisadores prprios, posies em departamentos deprestgio, colees de livros e jornais especializados. O problema, como obser-varam diversos crticos, que os diversos textos programticos publicados peloprprio Brown e seus colegas colocam mais dificuldades do que as resolvem.13

    Uma primeira questo que se coloca : seria a Antiguidade tardia umperodo histrico especfico? Desde Gibbon, historiadores sempre tiveram

    dificuldades em definir cronologicamente o que seria o fim da Antiguidade.A primeira edio da Cambridge Ancient history, publicada entre 1924 e 1939,conclua com Constantino, mas deixava a fundao de Constantinopla paraa Cambridge Medieval history. Nem mesmo o mais empedernido historiador dapoltica insistiria hoje na deposio do ltimo imperador do Ocidente, o jo-vem Rmulo, em 476, como um limite cronolgico adequado foi uma que-da sem rudo, como observou Momigliano.14O j citado Pirenne enfatizaraas continuidades entre a poca de Constantino e o perodo merovngio, noque foi seguido por dois arquelogos, Richard Hodges e David Whitehouse,

    em um livro de 1983.15

    Alguns anos depois, Andrea Carandini sugeriu queo mundo antigo acabara no sculo II d. C. e que a Europa medieval nonascera da raiz viva do Imprio, mas do seu parque arqueolgico.16Mais

    13Para um texto de forte carter de manifesto, ver BOWERSOCK, Glen; BROWN, Peter; GRABAR,Andr. Introduction. In: BOWERSOCK, Glen; BROWN, Peter; GRABAR, Andr (org.).Late Anti-quity. A guide to the postclassical world. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999, p. vii-xiii.Ver tambm CAMERON, Averil. The Mediterranean world in late Antiquity. Londres: Routledge, 1995,

    e, de forma mais explcita, CAMERON, Averil. Ideologies and agendas in late antique studies.In: LAVAN, Luke & BOWDEN, Will (org.). Theory and practice in late antique archaeology(Late antiquearchaeology 1). Leiden: Brill, 2003, p. 3-21. MARROU, Henri-Irene.Dcadence romaine or Antiquittardive? IIIe VIe sicle. Paris: ditions du Seuil, 1977, cita Brown apenas uma vez (p. 111) e deveser considerado o produto de um desenvolvimento independente, apesar de muito prximo.

    14MOMIGLIANO, Arnaldo. La caduta senza rumore di un Impero nel 476. In: Idem.Sesto contri-buto alla storia degli studi classici e del mondo antico . Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 1980, p.159-165. JONES, A. H. M. The later Roman Empire 284-602. A social, economic and administrative survey,3 vols. Oxford: Basil Blackwell, 1964, p. V,justifica sua escolha do final do reino de Mauricio(602) como marco cronolgico baseado no que ele identificou como declnio irreversvel doOriente e o quase desaparecimento de fontes contemporneas.

    15Em WHITEHOUSE, David & HODGES, Richard.Mohammed, Charlemagne and the origins of Europe.Ithaca: Cornell University Press, 1983.

    16CARANDINI, Andrea. Lultima civilt sepolta o del massimo oggetto desueto, secondo unarcheologo. In: CARANDINI, Andrea; CRACCO RUGGINI, Lellia; GIARDINA, Andrea (org.).

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    8/34

    88

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    ou menos na mesma poca, outro arquelogo, Klavs Randsborg, sugeriu ooposto: apesar de reconhecer que mudanas importantes ocorreram, como osurgimento de novos centros manufatureiros e o desenvolvimento de novasperiferias, Randsborg argumentou que a cultura material mudou pouco atcerca do ano 1000, defendendo a necessidade de se adotar uma cronologiamuito mais ampla.17Se estou citando prioritariamente as obras de arque-logos porque mesmo historiadores concordam que as antigas periodiza-es baseadas em grandes datas no so satisfatrias, e a arqueologia temdesempenhado um papel crucial em nossa compreenso da histria social ecultural do perodo.

    Historiadores como Peter Brown e Averil Cameron advogam a ideia deuma longa Antiguidade tardia que se estenderia do sculo II ao VIII. No coincidncia que os dois autores trabalhem principalmente com o Mediter-rneo oriental, onde as continuidades so efetivamente mais representativas.Seja porque menos afetadas por invases e guerras civis ou graas a suamaior pujana econmica, as provncias orientais do Imprio demonstramgrande vitalidade tanto na vida rural (como no caso das aldeias camponesasda Sria) quanto urbana, at pelo menos o final do sculo VI e o incio do VII,quando a peste e as guerras bizantino-persas e, mais tarde, a expanso do

    Isl representaram uma ruptura mais sria.18

    Esse um argumento frequen-temente utilizado por autores que rejeitam a ideia de crise como prova deque ela no existiu.19Todavia, nem mesmo a continuidade institucional doImprio bizantino deve obscurecer o fato de que o Imprio sob Justiniano(527-565) era muito diferente do Imprio sob o primeiro imperador icono-clasta, Leo III, o Isurio. O problema, no entanto, no reside na existnciaou no de uma crise do Mediterrneo oriental (isto incontroverso), mas,

    Storia di Roma, vol. 3: Let tardoantica, tomo 2: I luoghi e le culture. Turim: Einaudi, 1993, p. 16.17RANDSBORG, Klavs. The first millenium A. D. in Europe and the Mediterranean: An archaeological essay.

    Cambridge: Cambridge University Press, 1991. Ver tambm RANDSBORG, Klavs. Barbarians,classical Antiquity, and the rise of Western Europe: An archaeological essay. Past and Present.Oxford, n. 137, 1991, p. 8-24.

    18Como argumenta WHITTOW, Mark. Decline and fall? Studying long term change in the East.In: LAVAN, Luke & BOWDEN, Will (org.). Theory and practice in late antique archaeology(Late anti-que archaeology 1). Leiden: Brill, 2003, p. 404-423. Ver tambm WHITTOW, Mark.The makingof orthodox byzantium, 600-1025. Basingstoke: Palgrave, 1996, p. 69-95. Para uma viso maisnuanada, ver HALDON, John. Social transformation in the 6th-9th c. East. In: BOWDEN,Will; GUTTERIDGE, Adam; MACHADO, Carlos (org.). Social and political life in late Antiquity (Lateantique archaeology 3.1). Leiden: Brill, 2006, p. 603-647.

    19Ver a resenha de ODonnell, sobre os livros de Ward-Perkins e Heather, citada acima.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    9/34

    89

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    sim, de seus tempos e ritmos. Podemos assim perguntar: at que ponto umacrise, caracterizada por diversos processos e elementos comuns, precisa serobservvel ao mesmo tempo e do mesmo modo em todos os lugares para serreconhecida como geral?

    A redefinio geogrfica da rea a ser estudada , de fato, outro aspec-to crucial no modo como o perodo definido: o foco dos historiadores seconcentra na sia menor e na Sria (atualmente cada vez mais no Egito), masa lente se amplia para incorporar regies como o Ir e a Irlanda. NorbertoGuarinello discutiu, alguns anos atrs, aquilo que ele caracterizou como aforma da histria antiga (ou as formas, no plural), o modo como enqua-

    dramos nossas narrativas e objetos de estudo de modo a dar-lhes coernciae sentido no caso, tomando o mundo mediterrneo, grosso modo,entre ossculos VIII a. C. e V d. C., como uma unidade concreta, um pano de fundoe ponto de referncia.20Nesse sentido, importante enfatizar a ruptura naqual a ideia de Antiguidade tardia implica: trata-se de uma forma que nocorresponde forma histria antiga, quanto mais ao Imprio romano. Pe-ter Brown percebera isso, ao afirmar que se poderia falar de um budismotardo-antigo, mas no tardo-romano.21Mais recentemente, ele voltou a esseproblema ao discutir um grupo de livros dedicados a regies decididamente

    no romanas, mas que mantiveram contatos com o antigo Imprio: o Imen,a Etipia e a sia central. Incorporar as transformaes polticas e religiosasdestas reas crucial para uma compreenso mais sofisticada e adequadada histria do perodo.22 inegvel que processos como a descolonizaoda sia e da frica, a crtica ao orientalismo e a uma viso eurocntrica domundo exerceram um papel importante nessa abertura. Por outro lado, o de-senvolvimento da arqueologia, da epigrafia e do conhecimento de lnguas noclssicas me parece ter exercido um papel ainda mais preponderante nesteprocesso. Afinal, tiveram rabes, etopes e irlandeses uma Antiguidade clssi-

    ca? Essa no uma pergunta ociosa, e voltaremos a ela mais abaixo, quandoestivermos tratando das controvrsias que marcam o estudo desse perodo.

    20GUARINELLO, Norberto. Uma morfologia da histria: As formas da histria antiga. Politeia:Histria e Sociedade. Vitria da Conquista, 2003, v. 3, p. 41-61.

    21BROWN, P. et alii. The world of late Antiquity revisited.Symbolae Osloenses. Oslo, 1997, n. 72, p. 17-18.22Em Recovering submerged worlds. The New York Review of Books, 11 julho 2013. Disponvel em:

    http://www.nybooks.com/articles/archives/2013/jul/11/recovering-submerged-worlds/.Acesso em: 16/07/2013.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    10/34

    90

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    Transio, crise e o problema das invases brbaras

    No momento, o que precisamos considerar o fato de que a defini-o cronolgica e geogrfica do mundo da Antiguidade tardia coloca umproblema mais complicado, o de como podemos definir este perodo. Comoobservou Giardina, defini-lo como uma poca de transio e, ao mesmotempo, um perodo autnomo que deve ser tomado em seus prprios termos, antes de mais nada, uma contradio.23Ele sugere e aqui sua proximi-dade com as ideias de Carandini e do grupo de estudiosos marxistas ligadosao Instituto Gramsci nos anos 1980 clara que a transio ocorreu entre o

    reinado de Marco Aurlio e o de Diocleciano, ou seja, durante um perodode aproximadamente 120 anos.24Segundo essa escola interpretativa, a crise do modo de produo escra-

    vista e a formao de latifundia na Itlia (que j existiam em algumas pro-vncias), paralelamente fragilizao do campesinato, levaram progressivaadoo de uma mo-de-obra agrcola que era juridicamente livre, pormpresa ao solo o colonato. Essa nova instituio foi consolidada atravs deuma srie de leis promulgadas por Constantino e preservadas no CdigoTeodosiano.25A introduo do solidus por Constantino levou a um enorme

    abismo social entre aqueles que podiam utilizar a nova moeda e aquelesque foram relegados s denominaes menores, marcando o futuro das po-pulaes camponesas.26Paralelamente a essas transformaes sociais, a criseda economia italiana (e a interpretao desta escola essencialmente centra-da no caso da Itlia) decorrente da competio provincial foi associada crise geral do mundo romano no sculo III, um perodo caracterizadopor problemas polticos (especialmente relativos sucesso imperial), masprincipalmente por guerras (civis e contra invasores) e a peste. Estes no so

    23GIARDINA, A. Esplosione di tardoantico.Studi Storici. Roma, 1999, n. 40,p. 162.24GIARDINA, Andrea. The transition to late Antiquity. In: SCHEIDEL, Walter; MORRIS, Ian; SAL-

    LER, Richard (org.). The Cambridge economic history of the Greco-Roman world. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 2007, p. 743-768.

    25GIARDINA, Andrea, op. cit., 2007, p. 748-752.26GIARDINA, Andrea, op. cit., 2007, p. 760. Ver, sobre osolidus,tambm as observaes de BANAJI,

    Jairus.Agrarian change in late Antiquity. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 36-37. Para olugar da moeda constantiniana no sistema monetrio tardo-antigo, ver agora CARL, Filippo.Il sistema monetario in et tardoantica: spunti per una revisione. Annali dellIstituto Italiano di

    Numismatica. Roma, n. 53, 2007, p. 155-218.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    11/34

    91

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    processos idnticos, mas que foram combinados e que levaram formaode uma nova sociedade e ordenamento polticos.

    Note-se que a caracterizao de Giardina no tem nada de esquemticoe, em nenhum momento, ele sugere que qualquer um desses processos fosseinevitvel. O que fica claro, aqui, que a sociedade que emergiu das transfor-maes ocorridas entre o final do sculo II e o final do III era profundamentediferente daquela da poca dos Antoninos. Crise, aqui, entendida como umprocesso de transformao das estruturas sociais fundamentais, e o prprioGiardina observa que, na terminologia marxista, tanto crise quanto transiopodem levar a uma fase de expanso econmica, ao invs de caos e declnio.27

    Deve-se salientar que existem aspectos controversos na argumenta-o de Giardina, especialmente na sua interpretao da legislao sobre ocolonato como um elemento central na nova formao social.28Ao invs decriticarem a interpretao de Giardina, no entanto, a imensa maioria doshistoriadores contemporneos simplesmente renuncia noo de crise, ob-servando em primeiro lugar que seus indcios no podem ser generalizados,e, em segundo lugar, denunciando-a como um juzo de valor negativo.29Emltima anlise, no entanto, o que permitiu aos tardo-antiquistas ignorar anoo de crise e o uso de estruturas englobantes, como estado e sociedade,

    foi o desenvolvimento de novas perspectivas histricas e, especialmente, oimpacto de correntes filosficas ps-modernas. Isso pode ser visto no casode estudos sobre temas novos como a memria, por Michael Maas,30e mes-

    27GIARDINA, Andrea. Marxism and historiography: Perspectives on Roman history. In: WI-CKHAM, Chris (org.)Marxist history-writing for the twenty-first century(British Academy OccasionalPaper 9). Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 27.

    28CARRI, Jean-Michel. Le colonat du bas-Empire: un mythe historiographique? Opus. Roma,1982, n. 1, p. 351-371. GREY, Cam. Contextualizing colonatus: the Origoof the late Roman Empire.

    Journal of Roman Studies. Londres, 2007, n. 97, p. 155-175. Para uma crtica recente teoria docolonato e suas implicaes, ver SILVA, Uiran G. Bagaudas e circuncelies: revoltas rurais e a escritada histria das classes subalternas na Antiguidade tardia . Tese de doutoramento, USP, 2013, p. 24-27.

    29Como defende WITSCHEL, Christian. Re-evaluating the Roman West in the 3rdcentury.Journalof Roman Archaeology. Portsmouth, n. 17, 2004, p. 273. Witschel realiza um extenso levantamentoda evidncia disponvel para o sculo III em todo o Ocidente romano, argumentando queno se pode falar de um processo unificado de transformao. Para uma crtica do conceito decrise que o reduz a um juzo de valor, ver CARRI, Jean-Michel & ROUSSELLE, Aline.LEmpireromain en mutation. Paris: Seuil, 1999, p. 90-91.

    30MAAS, Michael.John Lydus and the Roman past. Londres: Routledge, 1992.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    12/34

    92

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    mo na anlise de temas tradicionais como as relaes entre igreja e estadono sculo IV, por Neil McLynn.31

    No caso da obra de Maas sobre Joo, o Ldio, um burocrata e antiqurioque no sculo VI escreveu uma obra crucial sobre as magistraturas romanas(especialmente a prefeitura do pretrio), o texto tomado como um produtocultural de seu tempo e no como uma descrio histrica das realidades dogoverno romano e do declnio de um de seus departamentos mais impor-tantes. Assim, o que se privilegia o modo como o passado construdo eapropriado, deixando de lado o contedo factual da obra: segundo Maas, oautor bizantino criou uma teoria do poder imperial romano a partir da qual

    ele julgava o governo de Justiniano.32

    Apesar de fazer uma sutil anlise sobreas relaes entre igreja e estado (e religio e poltica) na Milo de finais dosculo IV, o estudo de McLynn sobre Ambrsio, bispo de Milo, muito maisinteressado nas formas como estas relaes so culturalmente construdas emanipuladas, e especialmente nas estratgias de autorrepresentao adota-das pelo bispo milans.

    importante salientar que tanto o livro de Maas quanto o de McLynnso reconhecidamente inovadores e fundamentais para os temas que elesestudam, e se eu os cito aqui precisamente porque eles mostram o quanto

    estas novas perspectivas tm a nos ensinar sobre o perodo e sociedades emquesto. Lidando com temas prximos destes autores, Gilvan Ventura da Silvase beneficiou do avano destas novas correntes interpretativas em seu estudosobre o reinado de Constncio II (337-361). Concentrando-se em um reinadoespecfico, o autor faz uso da antropologia social e, especialmente, dos estu-dos sobre a magia, para analisar no s os termos em que o poder imperialse legitimava, mas tambm os seus limites e modos de atuao, contribuindoenormemente para uma viso mais sofisticada da poltica nesse perodo.33

    O risco est em se adotar perspectivas a-histricas, algo que aparece

    de forma clara no livro de Christopher Kelly,Ruling the later Roman Empire, de2004; apesar de tratar do tema mais tradicional possvel, o governo, o autoro faz de maneira inovadora, incorporando elementos da antropologia cultu-ral e poltica e desfazendo as fronteiras entre estado e sociedade. Longe do

    31MCLYNN, Neil. Ambrose of Milan: Church and court in a Christian capital. Berkeley: University ofCalifornia Press, 1994.

    32MAAS, Michael.John Lydus and the Roman past. Londres: Routledge, 1992, p. 72.33SILVA, Gilvan Ventura da. Reis, santos e feiticeiros. Constncio II e os fundamentos msticos da Basileia,

    337-361. Vitria: Edufes, 2003.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    13/34

    93

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    formalismo e do institucionalismo tradicionais, que encontramos na obra deJones, por exemplo, o que encontramos no livro de Kelly uma estimulantediscusso de como o acesso ao poder imperial e aos seus departamentos erauma forma de exercer e adquirir poder na sociedade tardo-imperial.34Issolhe permite no s criticar a noo de que a corrupo do governo levou queda do Imprio romano,35mas mostrar que o pagamento por servios ea troca de favores eram um elemento estruturante na forma como o poderera exercido naquela sociedade. Por outro lado, a anlise de Kelly apresentao Estado imperial como algo praticamente imutvel de Diocleciano a Justi-niano isso em uma poca para a qual a mudana parece ter sido a maior

    constante, especialmente em termos da abrangncia geogrfica e da capaci-dade de se financiar deste Estado.O problema pode ser colocado da seguinte forma: por um lado, as no-

    vas abordagens tardo-antiquistas trouxeram grandes avanos para nossacompreenso das sociedades que estudamos, mostrando que, se houve umacrise, esta no abarcou todos os aspectos da vida dos contemporneos e semanifestou em tempos e lugares diferentes. Por outro lado, se decidirmosconsiderar a Antiguidade tardia como um perodo a ser entendido em seusprprios termos, precisamos tambm esclarecer quais foram os processos

    histricos que permitiram que esse perodo fosse diferente do que o prece-deu e nesse caso simplesmente apontar continuidades como um meio denegar a crise no basta. Ou seja, estamos falando de uma poca em si, deuma poca de transio, ou de uma fase especfica da histria antiga, dife-rente, mas marcada pela continuidade?

    O impacto do linguistic turne da histria e antropologia culturais nose faz sentir apenas no modo como definimos a Antiguidade tardia quape-rodo histrico, mas tambm na maneira como avaliamos os elementos quea caracterizam. Isso pode ser apreciado tanto em seus aspectos positivos

    quanto negativos na discusso contempornea sobre as outrora chamadasinvases brbaras.36Enquanto para um historiador como Andr Piganiolrestavam poucas dvidas de que Roma fora assassinada pelos invasores ger-mnicos,37o debate atual muito mais sofisticado e frequentemente coloca-

    34KELLY, Christopher.Ruling the later Roman Empire. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2004.35Uma tese explicitamente afirmada na obra de MacMULLEN, Ramsay. Corruption and the decline

    of Rome. New Haven: Yale University Press, 1988.36Para uma avaliao equilibrada das questes que seguem, ver GASPARRI, Stefano & LA ROCCA,

    Cristina.Tempi barbarici. LEuropa occidentale tra Antichit e Medioevo (300-800). Roma: Carocci, 2012, p. 63-92.37Parafraseando PIGANIOL, Andr.Lempire chrtien. Paris: Presses Universitaires de France, 1947, p. 466.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    14/34

    94

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    do em termos que teriam feito um historiador francs da primeira metadedo sculo XX se assustar (o que no necessariamente ruim!). At a metadedo sculo XX, as invases eram descritas como ondas, representadas grafi-camente por flechas coloridas identificando os diversos grupos germnicosque penetraram o Imprio. Gustaf Kossinna havia demonstrado como a ar-queologia podia identificar as culturas materiais dos grupos tnicos descritospelos autores romanos, e os historiadores podiam se utilizar de textos como ascartas e os comentrios de Jernimo a Daniel, Isaas e Ezequiel, compostos entre407 e 410, para enriquecer sua narrativa como Pierre Courcelle o havia feito. 38

    Essa viso foi vigorosamente criticada nos ltimos anos por estudiosos

    como Walter Pohl, Florin Curta e Patrick Geary. Curta faz uso do conceitode etnognese para demonstrar que impossvel identificar grupos tnicosa partir da cultura material. Romanos, francos, vndalos e alanos socategorias construdas e constantemente redefinidas, em parte por autores(e autoridades imperiais) romanos e em parte pelos grupos que eles des-crevem. Etnias so construes socioculturais, estratgias de identificao edistino que permanecem abertas e cambiantes.39Pohl, por sua vez, obser-vou de maneira contundente a inaplicabilidade das etnografias produzidaspor autores romanos no estudo dos povos brbaros, indo mais alm e

    enfatizando a profunda integrao entre romanos e outros povos.40

    PatrickGeary incorporou outra varivel, poltica, a essa problemtica, observandoque os lderes dos grupos que se estabeleceram em reas imperiais logoeram cooptados pelo jogo poltico das autoridades e da corte, s vezes comconsequncias catastrficas como no caso dos godos nos Blcs, em 375. A, aincompreenso das elites romanas lidando com um grupo assentado, pormainda armado, levou derrota imperial em Adrianopolis em 378. Mais tarde,esse mesmo grupo formou os visigodos que, liderados por Alarico um lderfrequentemente envolvido em polticas imperiais , tomaram Roma em 410

    38COURCELLE, Pierre. Histoire littraire des grandes invasions germaniques. Paris: Hachette, 1948, p. 29.Para Kossinna, ver CURTA, Florin. Some remarks on ethnicity in medieval archaeology.Early

    Medieval Europe. Londres, n. 15, 2007, p. 160-161.39CURTA, Florin, op. cit., 2007, p. 160-161; ver tambm GASPARRI, Stefano & LA ROCCA, Cristina.

    Tempi barbarici. LEuropa occidentale tra Antichit e Medioevo (300-800) . Roma: Carocci, 2012, p. 83-88.40POHL, Walter. Romans and the Barbarians in the fifth century. Antiquit Tardive. Turnhout, n.

    16, 2008, p. 93-100. O uso de etnografias antigas como chave para o estudo de grupos noromanos foi objeto de crticas de JONES, Sian. The archaeology of ethnicity. Londres: Routledge,1997, e, mais recentemente, de WOOLF, Greg. Tales of the Barbarians. Oxford: Blackwell, 2011.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    15/34

    95

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    e saquearam o sul da Itlia at se assentarem na Glia na dcada seguinte.41 interessante observar que, no caso desses trs autores, os brbaros queantes eram vistos como elementos externos e destruidores do mundo an-tigo se tornaram um objeto de estudo central para nossa compreenso daAntiguidade tardia, o que pode ser visto como uma consequncia indiretadaquela ampliao do foco dos historiadores de que falamos acima.

    Arquelogos como Philipp von Rummel e Paul Van Ossel tm chamadoa ateno para o quanto problemtico associar invases brbaras a as-sentamentos pobres e sinais de destruio. Von Rummel mostrou que noexistem traos arqueolgicos de destruio causada pelos vndalos no norte

    da frica, apesar dos relatos catastrficos que encontramos em um sermode Quodvultdeus (De tempore barbaricoII, 5.5), por exemplo.42Van Ossel temdemonstrado que os assentamentos muito pobres do norte da Glia, tradi-cionalmente identificados como brbaros, so mais provavelmente aldeiascamponesas, confirmando o carter invisvel das populaes invasoras aomenos no registro arqueolgico.43

    O maior debate, no entanto, se d em torno da prpria noo de inva-so. Walter Goffart procurou caracterizar o processo de instalao de po-pulaes brbaras como uma acomodao. Quando grupos no-romanos

    adentraram o Imprio, na segunda metade do sculo IV, logo foram coopta-dos como elementos da poltica imperial, causando um impacto mnimo nasregies onde se instalaram. Honrio, por exemplo, estaria mais preocupadocom usurpaes do que com invasores, e usou os visigodos como forma deinfluir nos acontecimentos na Glia, na dcada aps o saque de Roma.44GuyHalsall, em diversas publicaes, chamou a ateno para o fato de que as zo-

    41GEARY, Patrick. Barbarians and ethnicity. In: BOWERSOCK, Glen; BROWN, Peter; GRABAR,Andr (org.). Late Antiquity. A guide to the postclassical world. Cambridge, MA: Harvard UniversityPress, 1999, p. 114-115 e 119-120 (para godos e visigodos).

    42VON RUMMEL, Philippe. The archaeology of 5th century Barbarians in north Africa. In: DE-LOGU, Paolo & GASPARRI, Stefano (org.).Le trasformazioni del V secolo. LItalia, i barbari e lOccidenteromano. Turnhout: Brepols, 2010, p. 159.

    43VAN OSSEL, Paul. Rural impoverishment in northern Gaul at the end of Antiquity: the con-tribution of archaeology. In BOWDEN, Will; GUTTERIDGE, Adam; MACHADO, Carlos (org.).

    Social and political life in late Antiquity (Late antique archaeology 3.1). Leiden: Brill, 2006, p. 533-565. Von Rummel tambm observou a dificuldade de identificar assentamentos de vndalosno norte da frica: VON RUMMEL, Philippe. The archaeology of 5th century Barbarians innorth Africa. In DELOGU, Paolo & GASPARRI, Stefano (org.).Le trasformazioni del V secolo. LItalia,i barbari e lOccidente romano. Turnhout: Brepols, 2010, p. 159-160.

    44GOFFART, Walter.Barbarians and Romans A. D. 418-584: The techniques of accommodation. Princeton:Princeton University Press, 1980.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    16/34

    96

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    nas onde os povos brbaros se instalaram eram reas onde o poder imperialhavia colapsado e que isso era uma forma de manter a ordem.45

    Halsall est coberto de razo quando afirma que muitas das lideran-as germnicas eram bastante integradas a corte e sociedade romanas. Maisainda quando recusa a ideia de que os grupos que conhecemos atravs dasfontes escritas, como os visigodos de Alarico, possam ser identificados comogrupos tnicos ou mesmo tribos: eram grupos de guerreiros no-romanos,cuja identidade estava em constante reconstruo.46As diferenas entre Ala-rico (o saqueador de Roma) e Estilico (general que por duas dcadas gover-nara o Ocidente), e entre os brbaros que os seguiam, eram mais de grau do

    que de natureza, e a campanha de difamao movida contra Estilico apssua queda em 408 mostra isso; o fato de que seus soldados passaram para olado de Alarico em seguida o confirma.47

    Mesmo nossas fontes literrias mais ricas para os eventos de 406 naGlia, os comentrios e cartas de Jernimo mencionados acima, colocamproblemas de interpretao. Stefan Rebenich observou que, ao tratar desseseventos dos quais ouviu falar durante sua estada na Palestina, Jernimo pro-curou apresent-los como parte de uma reflexo histrica e teolgica maisampla, e no simplesmente em descrev-los. Alm de seus relatos serem

    confusos, misturando povos, personagens e datas, seus modelos literriosso Tito Lvio e o saque gauls de Roma, Virglio e o Antigo Testamento.48Ouseja, no mais possvel ler nossas fontes de maneira ingnua, sem prestarateno no s s suas inconsistncias internas e s intenes de seus auto-res, mas tambm aos seus modelos literrios.

    Isso no quer dizer que devamos abandonar a ideia de que as invasesaconteceram e que tiveram consequncias, por vezes dramticas. Contra osargumentos de Halsall, Peter Heather observou que, em 408, Radagaiso in-vadiu a Itlia em um momento em que a corte no estava distrada por Ala-

    rico ou pelo Oriente (ao contrrio de 406), e o brbaro que tanto aterrorizara

    45HALSALL, Guy. The Barbarian invasions. In: FOURACRE, Paul (org.). The new Cambridge medievalhistory, vol. 1, c. 500-c. 700. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 49.

    46Suas ideias so apresentadas de maneira mais extensa em HALSALL, Guy.Barbarian migrationsand the Roman West, 376-568. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

    47Ver a narrativa de Zsimo, 5.35.1-6.48REBENICH, Stephen. Christian asceticism and Barbarian incursion: The making of a Christian

    catastrophe.Journal of Late Antiquity. Baltimore, n. 2, 2009, p. 49-59.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    17/34

    97

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    Orsio foi devidamente derrotado.49Ou seja, quando o Imprio se encontra-va em condies de se defender, ele o fazia. A perda de territrios teve umimpacto poderoso na base fiscal do Imprio, como observou Chris Wickhamem 1984.50A retirada das tropas e a retrao do governo imperial tambmtiveram um impacto significativo para as populaes do Imprio na parteocidental. Como observou Ward-Perkins, no final do sculo V, a cultura ma-terial das ilhas britnicas havia involudo para nveis de complexidade e so-fisticao inferiores aos dos sculos anteriores conquista romana, abando-nando o uso de moedas, do torno mecnico para a produo de cermica edas cidades como forma de assentamento.51Se, por um lado, no havia uma

    oposio clara e rigidamente definida entre romanos e brbaros (mesmo aideologia era flexvel), por outro lado, as invases tiveram um efeito realna estrutura social e poltica da poca. Pode-se argumentar que, segundo aperspectiva geogrfica mais ampla advogada por Brown e seus seguidores,a histria do Imprio precisa ser reavaliada em conjunto com a histria dospovos vizinhos que tambm fizeram parte da Antiguidade tardia. Por outrolado, essa nova histria, mais ampla, ainda precisa lidar com a ideia de que oImprio caiu, ao menos no Ocidente, e que as invases brbaras exerceramum papel importante nesse processo.

    Entre rupturas e continuidades:a cidade na Antiguidade tardia

    O problema, assim, no decidir se estamos lidando com um perodode rupturas ou continuidades: todos os perodos histricos so marcadospor rupturas epor continuidades. O problema reside em entender como que estes elementos foram combinados, levando em conta o fato de que estacombinao variou de acordo com a regio que estudamos e com o passar do

    tempo. Isso pode ser melhor considerado quando pensamos no caso da evo-luo das cidades entendidas como forma de organizao social e poltica

    49HEATHER, Peter. Why did the Barbarians cross the Rhine?.Journal of Late Antiquity. Baltimore,n. 2, 2009, p. 20.

    50WICKHAM, Chris. The other transition: From the ancient world to feudalism.Past and Present.Londres, n. 103, 1984, p. 16. Wickham retoma esta mesma ideia em The inheritance of Rome. Ahistory of Europe from 400 to 1000. Londres: Penguin, 2010, p. 83.

    51WARD-PERKINS, Bryan. Specialized production and exchange. In: CAMERON, Averil; WARD--PERKINS, Bryan; WHITBY, Michael (org.). The Cambridge ancient history, v. 14: Late Antiquity andits successors, A. D. 420-600. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 350-352.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    18/34

    98

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    no espao durante a Antiguidade tardia. Seria impossvel discutir esse temade forma extensa e detalhada aqui, mas podemos ao menos observar o modocomo o problema colocado por diversos estudiosos, e procurar apreenderas linhas de fora mais gerais que caracterizam esta discusso.

    Durante toda a Antiguidade, as cidades permaneceram sendo a formamais caracterstica pode-se dizer definidora de assentamento, de ocupa-o do espao e de organizao social. Este aspecto se torna ainda mais rele-vante quando se considera que, nos sculos seguintes, cidades continuarama ser importantes, mas em uma escala diversa e exercendo funes diferen-tes.52O fim da cidade antiga, ou seja, o declnio de um tipo de organizao

    baseado na relativa autonomia poltica e financeira, governada por assem-bleias populares e conselhos formados por membros da elite, e que se ma-terializava fisicamente em espaos pblicos financiados ao menos em partepelas elites locais, um tema que atraiu enorme ateno nos ltimos anos.53Jones, no Later Roman Empire, utilizou-se de textos legislativos e inscriespara argumentar que esse declnio foi causado pelo crescimento do pesoadministrativo e fiscal do Estado imperial sobre as cidades, ocasionando oque a historiografia costumava chamar de fuga dos decuries.54Grosso modo,as elites tradicionais que haviam financiado e liderado a vida cvica antiga

    se recusaram cada vez mais a assumir o peso da administrao e governocitadinos, levando ao declnio das instituies polticas e de formas de rela-o social que eram fundamentais para o funcionamento da cidade antiga.

    O processo no foi assim to simples e Jones estava ciente disso. Seualuno J. H. W. G. Liebeschuetz (que preparou o indexanaltico do LRE) pu-blicou em 1972 sua tese sobre Antioquia no sculo IV, mostrando que, ao

    52Um bom ponto de partida para o lugar das cidades no alto Medievo WICKHAM, Chris.Fra-ming the early Middle Ages. Europe and the Mediterranean, 400-800. Oxford: Oxford University Press,2005, p. 591-692. As discusses recentes sobre o lugar das cidades na sociedade e especialmenteeconomia do alto Medieval, muito influenciadas pela arqueologia, se concentram no seu papelcomercial: ver os artigos reunidos em GELICHI, Sauro & HODGES, Richard (org.).From one seato another: Trading places in the European and Mediterranean early Middle Ages. Turnhout: Brepols, 2012.

    53Para uma excelente discusso do papel das cidades no Imprio, ver CRACCO RUGGINI, Lellia.

    La citt imperiale. In:Storia di Roma, v. 4: Caratteri e morfologie. Turim: Einaudi, 1989, p. 201-266.54JONES, A. H. M.The later Roman Empire 284-602. A social, economic, and administrative survey, 3 vol. Oxford:

    Basil Blackwell, 1964,p. 712-766. Para uma avaliao crtica (especialmente do ponto de vista daarqueologia) do que Jones escreveu, ver LAVAN, Luke.A. H. M. Jones and The cities, 1964-2004.In: GWYNN, David (org.).A. H. M. Jones and the later Roman Empire. Leiden: Brill, 2008, p. 167-192.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    19/34

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    20/34

    100

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    sa e sistematicamente publicadas.61Alm de bem preservadas, as estruturaspublicas da cidade revelaram-se ricas em inscries e decorao escultrea, oque permitiu a R. R. R. Smith reconstruir diversos conjuntos estaturios comsuas bases inscritas.62Isso no significa que no tenham ocorrido mudanasimportantes: o estdio, apesar de bem preservado e provavelmente ainda emuso, fora incorporado muralha da cidade, construda no sculo IV, e o fa-moso templo de Afrodite, que dera o nome cidade, foi convertido em umaigreja dedicada Virgem Maria.63Enquanto em 1967 Dietrich Claude publi-cou seu monumental Die Byzantinische Stadt im 6. Jahrhundert, descrevendo asdecadentes instituies cvicas da cidade clssica, 30 anos mais tarde, Franz

    Alto Bauer dedicou seu Stadt, Platz und Denkmal in der Sptantike anlise dasobras pblicas realizadas em Roma, Constantinopla e feso, argumentandoque o restauro de estruturas pblicas podia ser lido como sinal de orgulhocvico e autopromoo de imperadores e membros das elites locais.64 Nocaso das cidades, como em outros campos da Antiguidade tardia, a nfasena continuidade e a adoo de uma perspectiva mais otimista se tornarama tnica. A queda do Imprio romano tornou-se, assim, um elemento des-necessrio, e a interpretao de Jones sobre a fuga dos decuries, obsoleta.

    Esse quadro comeou a ser revisto a partir de finais dos anos 1990. War-

    d-Perkins chamou a ateno para o fato de que apesar de toda a evidnciapara a manuteno e restauro que vinha sendo publicada por arquelogose epigrafistas diversas cidades do Ocidente apresentam indcios de aban-

    61O primeiro relatrio, que tambm apresenta a histria das escavaes at sua fase moderna, ERIM, Kenan. De Aphrodisiade.American Journal of Archaeology. Boston, n. 71, 1967, p. 233-243. Erimpublicou uma sntese antes de falecer prematuramente: ERIM, Kenan.Aphrodisias, city of Venus

    Aphrodite. Londres: Muller, Blond and White, 1986. Relatrios peridicos so publicados pelosatuais diretores das escavaes, R. R. R. Smith e C. Ratt, noAmerican Journal of Archaeology; e oJournalof Roman Archaeologypublicou uma srie de volumes suplementares com o ttuloAphrodisias papers.

    62SMITH, Roland. R. R. Late Antique portraits in a public context: Honorific statuary at Aphro-disias in Caria, A. D. 300-600. Journal of Roman Studies. Londres, n. 89, 1999, p. 155-189. Maisrecentemente: Idem. Statue life in the Hadrianic baths at Aphrodisias, A. D. 100-600: Localcontext and historical meaning. In: BAUER, Franz Alto & WITSCHEL, Christian (orgs.).Statuenin der Sptantike. Wiesbaden: Reichert Verlag, 2007, p. 203-235.

    63Ver SMITH, Roland. R. R. & RATT, Christopher. Archaeological research at Aphrodisias inCaria, 1994. American Journal of Archaeology. Boston, n. 100, 1996, p. 20-21. Para o templo deAfrodite, ver CORMACK, Robin. Byzantine Aphrodisias: changing the symbolic map of a city.

    Proceedings of the Cambridge Philological Society. Cambridge, n. 216, 1990, p. 26-41.64CLAUDE, Dietrich. Die Byzantinische Stadt im 6. Jahrhundert. Munique: Beck, 1967. BAUER, Franz

    Alto. Stadt, Platz und Denkmal in der Sptantike: Untersuchungen zur Ausstatung des ffentlichen Raumsin den sptantiken Stdten Rom, Konstantinopel und Ephesos. Mainz: von Zabern, 1996.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    21/34

    101

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    dono de reas pblicas e de estruturas pblicas e converso de estruturascvicas para novos usos.65Nem mesmo Roma, a antiga capital imperial e ain-da maior cidade do Mediterrneo, escapou dessa evoluo: partes da cidadeforam abandonadas ou perderam sua funo monumental (como o caso daCrypta Balbi, por exemplo), enquanto alguns poucos centros permaneceramfoco de investimento por parte das autoridades, como o Frum romano.66Esse processo j era visto no caso das cidades ocidentais no sculo IV, e seintensificou no sculo V. No caso do Oriente, ele se torna mais visvel nossculos VI e VII.67Esse processo de valorizao seletiva (e, em um segundomomento, de declnio controlado) de suma importncia para que possa-

    mos compreender a evoluo das cidades durante esse perodo. Autores quetomam indcios de restauraes como sinal de continuidade correm o riscode ignorar o quadro mais geral de mutaes importantes.

    Em seu famoso (e j citado) artigo de 1993, Carandini observou (ourelembrou) que continuidade de stio no implica necessariamente em con-tinuidade social: uma sociedade pode mudar, mesmo habitando as mesmasestruturas.68Essa a mesma perspectiva de Liebeschuetz em seu Decline andfall of the Roman city (uma clara aluso obra de Gibbon) de 2001.69ComoWard-Perkins, Liebeschuetz argumenta que os restauros seletivos e as no-

    vas construes, especialmente igrejas, esto ligados ao desenvolvimento deuma nova sociedade, na qual a comunidade cvica clssica deu lugar co-munidade crist. As cidades se transformavam fisicamente, ao mesmo tempoem que as sociedades que nelas viviam tambm se transformavam.

    65O problema foi identificado em WARD-PERKINS, Bryan. Continuists, catastrophists, and the

    towns of post-Roman northern Italy.Papers of the British School at Rome. Londres, n. 65, 1997, p.157-176; foi retomado em WARD-PERKINS, Bryan. The cities. In: GARNSEY, Peter & CAMERON,Averil (org.). The Cambridge ancient history, vol. XIII: The late Empire, A. D. 337-425.Cambridge:Cambridge University Press, 1998, p. 382.

    66Para a refuncionalizao e abandono progressivo da Crypta Balbi, ver MANACORDA, Daniele.Crypta Balbi. Archeologia e storia di un paesaggio urbano. Milo: Electa, 2001, p. 44-45. Para o Forumromano, ver MACHADO, Carlos. Building the past: Monuments and memory in the Forum

    Romanum. In: BOWDEN, Will; GUTTERIDGE, Adam; MACHADO, Carlos (org.).Social and politicallife in late Antiquity (Late antique archaeology 3.1). Leiden: Brill, 2006, p. 157-192.

    67Como observa LIEBESCHUETZ, Johann. H. W. G. The decline and fall of the Roman city. Oxford:Oxford University Press, 2001, p. 43, para a Anatlia.

    68CARANDINI, Andrea. Lultima civilt sepolta o del massimo oggetto desueto, secondo unarcheologo. In: CARANDINI, Andrea; CRACCO RUGGINI, Lellia; GIARDINA, Andrea (org.).

    Storia di Roma, vol. 3: Let tardoantica, tomo 2: I luoghi e le culture. Turim: Einaudi, 1993, p. 15.69LIEBESCHUETZ, Johann. H. W. G.The decline and fall of the Roman city. Oxford: Oxford University Press, 2001.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    22/34

    102

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    Este processo tambm foi discutido por Peter Brown que analisou asubstituio das elites tradicionais pelas lideranas crists.70No entanto, aoinvs de enfatizar a fuga dos decuries, como Jones, ou o declnio dacidade romana, como Liebeschuetz, Brown enfatiza a continuidade, argu-mentando que as novas elites eclesisticas comungaram dos mesmos ideaise formao cultural das elites seculares do sculo IV (em grande medidaj cristianizadas, ao menos no Oriente) a paideia, um conjunto de valorestransmitidos atravs da educao formal, no qual a retrica e os ideais cul-turais clssicos exerciam um papel central.71

    O problema com a perspectiva de Brown que ela enfatiza uma (efeti-

    va) continuidade das formas culturais em detrimento de uma imensa trans-formao social. Os trabalhos de Liebeschuetz e Avshalom Laniado mostra-ram que o governo das cidades no passou imediatamente para os bispos,mas, sim, para os principales, uma elite extremamente rica com contatos nacorte imperial e cuja posio poltica e econmica prescindia das tradicio-nais estruturas cvicas os maiores beneficirios das consequncias das po-lticas econmicas de Constantino, discutidas acima.72Recentemente, LukeLavan criticou essa perspectiva, observando que s possvel descreverestes processos como declnio se tomarmos como ponto de partida uma

    concepo liberal do que seria a cidade-antiga clssica, baseada em insti-tuies polticas de tipo deliberativo e na participao poltica.73Essa umacrtica importante, da qual devemos estar conscientes, mas que no resolveo problema central para nossa discusso: uma sociedade governada por unspoucospotentes, em colaborao com as autoridades eclesisticas, mesmo queeducados segundo os preceitos da paideiaclssica, uma sociedade muitodiferente de outra na qual setores mais amplos da sociedade (ainda que notodos) tm acesso s instituies de governo e administrao local.

    Governo com participao popular, mesmo que limitada, no implica

    necessariamente em uma sociedade mais justa do que uma governada por

    70Em BROWN, Peter.Powerand persuasion in late Antiquity. Madison: University of Wisconsin Press, 1992.71Para a importncia dapaideiacomo um elemento unificador das elites, ver CARVALHO, Marga-

    rida de.Paideia e retrica no sculo IV d. C.: A construo da imagem do imperador Juliano segundo GregrioNazianzeno. So Paulo: Annablume, 2010, p. 25-26.

    72LIEBESCHUETZ, Johann. H. W. G. The decline and fall of the Roman city. Oxford: Oxford UniversityPress, 2001, p. 110-120. LANIADO, Avshalon. Recherches sur les notables municipaux dans lempire

    protobyzantin. Paris: Centre dHistoire et Civilisation de Byzance, 2002.73LAVAN, Luke. Christianity, the city and the end of Antiquity.Journal of Roman Archaeology. Port-

    smouth, n. 16, 2003, p. 709.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    23/34

    103

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    notveis. Essa uma discusso mais ideolgica do que propriamente hist-rica, e a discusso est mal colocada nestes termos. O que nos interessa aqui discutir o modo como iremos caracterizar as sociedades tardo-antigas.A relao entre continuidade e declnio foi retomada por Lepelley recen-temente, com relao s cidades da frica.74 Segundo este autor, as fortescontinuidades observveis entre os sculos II e IV sugerem que devemosreconsiderar a ideia de que a Antiguidade tardia seja um perodo autno-mo. Para ele, a regio j passava por um perodo de decadncia econmicano incio do sculo V, e a invaso vndala no chegou a representar umaruptura. Esta s observvel aps a reconquista bizantina, quando sinais

    de abandono e espoliao de cidades ficam mais claros (basta pensarmos noFrum de Dougga, por exemplo). Mesmo assim, esse foi um perodo de in-tensa monumentalizao crist, o que indicaria uma relativa continuidade,em meio a importantes mudanas.

    Lepelley cita uma inscrio, datvel de 540-543, recordando a constru-o de uma fortaleza bizantina na Tunsia central, que de especial interessepara ns:

    Essa obra e estas fortificaes so devidas afortunada autoridade imperial, e s ordensdo magnnimo Salomo, que o tribuno Nonnus, que realizou estes trabalhos, obedeceu.

    Cidade, regozije por ter este senhor pio e veja de quantos males foste subtrada e comquantos ornamentos foste embelezada. Enfim livre do medo dos Mouros, reencontrasa capacidade de organizar o censo, um estatuto, os cidados, o direito, as construespblicas e osfasti; e a esposa do rei lhe concedeu seu nome, a mo de Justiniano tendocolocado o povo dos Mouros em fuga.75Tudo tem seu tempo: e os povos (brbaros)lamentavam suas circunstncias.76

    74LEPELLEY, Claude. La cit africaine tardive, de lapoge du IVe sicle leffondrement du VIIsicle. In: KRAUSE, Jens-Uwe & WITSCHEL, Christian. (org.).Die Stadt in der Sptantike Niedergangoder Wandel?. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2006, p. 13-31.

    75A cidade, identificada como Cululis, recebeu o nome de Teodoriana, da esposa de Justiniano.76LAnne pigraphique 2002, 1666=1996, 1704: Hoc opus imperium felix has prestitit arces, / Magnanimi-

    que etiam Solomonis iussa dedere, / Cui paruit Nonnus, qui condidit ista tribunus. / Urbs domino laetare pio,iamque aspice quantis / Es subducta malis, quantoque or[n]ata decore. / Maurorum tandem recipis subductatimore / Censuram, statum, cives, ius, moenia, fastus; / Atque suum nomen posuit ibi regia coniunx, /

    Iu(s)tiniani manu Maurorum gente fugata. / Omnia tempus (h)abent: flebant et (t)em[por]a gentes. Para aedio mais recente, adotada aqui, ver PRINGLE, Denys. Two fortified sites in Byzantine Africa:An Djelloula and Henchir Sguidan. Antiquit Tardive. Turnhout, n. 10, 2002, p. 274. LEPELLEY,Claude. La cit africaine tardive, de lapoge du IVe sicle leffondrement du VII sicle. In:

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    24/34

    104

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    Yves Modran publicou um importante estudo dessa inscrio, no qualargumentou que as referncias ao censo, estatuto, cidados, construes p-blicas (moenia) e aos fasti, as tradicionais listas de oficiais encarregados dogoverno da cidade, so prova da continuidade da cidade antiga em plenosculo VI.77O problema que, apesar de afirmar exatamente isso textual-mente, a inscrio precisa ser tomada em seu contexto: uma inscrio mtri-ca (em verso), celebrando a piedade, a vitria e a generosidade do imperadore de seus oficiais aps a conquista sobre os vndalos e em um momentode conflito contra os mouros, certamente um texto com altssima cargaideolgica. Mais importante ainda o contexto de descoberta deste texto,

    no em uma das tradicionais reas pblicas de uma cidade, mas entre asrunas do porto de entrada de uma fortificao prxima antiga cidade deCululis.78Apesar de toda a referncia ao esplendor da vida cvica, o contex-to de exposio da inscrio (assim como a referncia fortaleza, no texto)sugere uma situao muito diferente daquela do sculo IV. Trata-se, de fato,do nico texto de que dispomos que faz referncia s instituies e prticasque marcaram a vida cvica clssica, e somos obrigados a nos perguntar seisso no se trataria, na verdade, de uma veleidade manifestando nostalgia,como bem observou Lepelley.79

    Uma maneira de se lidar com a questo de como rupturas e continui-dades foram combinadas considerar uma prtica especfica, intimamenteligada aos ritmos e cultura cvica da poca clssica, o assim chamado h-bito estaturio. Durante todo o perodo imperial romano, em quase todo oImprio (mas especialmente na Itlia, frica, Grcia e sia Menor), comu-nidades e grupos citadinos votaram esttuas honorficas para imperadores,governadores, membros da elite local, atletas, poetas e divindades. Esttuaseram colocadas em espaos pblicos como uma forma de expressar a grati-do da comunidade por algum benefcio ou como demonstrao de lealdade

    poltica a imperadores e oficiais imperiais. A prtica servia, assim, como uma

    KRAUSE, Jens-Uwe & WITSCHEL, Christian (org.). Die Stadt in der Sptantike Niedergang oderWandel?. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2006, p. 20.

    77MODRAN, Yves. La renaissance des cits dans lAfrique du VIe sicle daprs une inscriptionrcemment publie. In: LEPELLEY, Claude (org.).La fin de la cit antique et le dbut de la cit mdivale.Bari: Edipuglia, 1996, p. 85-114.

    78PRINGLE, Denys. Two fortified sites in Byzantine Africa: An Djelloula and Henchir Sguidan.Antiquit Tardive. Turnhout, n. 10, 2002, p. 274.

    79LEPELLEY, Claude. La cit africaine tardive, de lapoge du IVe sicle leffondrement du VIIsicle. In: KRAUSE, Jens-Uwe & WITSCHEL, Christian. (org.).Die Stadt in der Sptantike Niedergangoder Wandel?. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2006, p. 21.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    25/34

    105

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    forma de azeitar as engrenagens do governo imperial e local, e o fato de re-querer ou uma deciso da autoridade competente ou uma votao por partede uma das assembleias citadinas faz com que essa seja uma forma muitorica de se analisar a evoluo da vida cvica durante a Antiguidade tardia.Esta prtica foi objeto de estudo do projeto The last statues of Antiquity,dirigido por Bryan Ward-Perkins e R. R. R. Smith, de Oxford, que produziuum banco de dados onlinecoletando todas as evidncias escultrea, epigrfi-ca e literria relativas produo e dedicao de esttuas de todo o Imprioentre o final do sculo III e o incio do sculo VII.80

    O que o projeto demonstrou foi que a prtica de dedicar esttuas con-

    tinuou importante no sculo IV, especialmente em Grcia, sia Menor, Itliae frica.81De fato, mesmo esttuas de imperadores cristos tinham um es-tatuto sagrado e ataques a estas imagens eram passveis de punies duras,como o povo de Antioquia aprendeu em 387.82Esttuas continuavam a serdedicadas pelos mesmos motivos que nos sculos anteriores, apesar de dife-rentes regies seguirem padres diversos. O nmero de esttuas dedicadasa membros das elites locais caiu em todo o Imprio, quando comparado aossculos anteriores. Ao mesmo tempo, esttuas de imperadores e altos funcio-nrios (estas, porm, em nmero muito menor) passaram a dominar a pai-

    sagem urbana de um modo ainda mais enftico do que no alto Imprio. Ohbito estaturio ficou, de modo mais evidente do que nunca, associado aopoder imperial e a seus oficiais, em detrimento das antigas magistraturas elideranas citadinas. As nicas excees a este padro imperial so encontra-das no sul da Itlia e em Roma, onde se percebe uma forte predominncia deesttuas de governadores de provncias, normalmente senadores romanosque possuam terras e vnculos de patronagem com as comunidades locais.No coincidncia que estas sejam as regies mais ricas em termos de ma-terial disponvel, o que sugere que, apesar de a prtica ter continuado, havia

    um grau de coero muito maior sobre as comunidades por parte de seuspatronos poderosos. O nmero de esttuas dedicadas declinou em todo oImprio, tendo desaparecido em quase todas as provncias aps a metade do

    80O banco de dados pode ser pesquisado em: http://laststatues.classics.ox.ac.uk/. Acesso em:19/07/2013.

    81Sintetizo, aqui, os resultados do projeto, que aparecero em SMITH, Roland. R. R. & WARD--PERKINS, Bryan (org.). The last statues of Antiquity. Oxford: Oxford University Press (no prelo).

    82Como discute SILVA, Erica.Conflito politico-cultural na Antiguidade tardia: O levante das esttuasemAntioquia de Orontes (387 d. C.). Tese de doutoramento, Unesp, Franca, 2012.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    26/34

    106

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    sculo IV, no sul da Itlia por volta de 400, e em Roma, continuando muitopequeno at o final do sculo V.

    As fontes epigrficas revelam que, ao mesmo tempo em que o n-mero de esttuas declinava, as esttuas ainda dedicadas o eram por umgrupo cada vez mais restrito de agentes. Enquanto, no incio do sculo IV,pequenos e altos funcionrios imperiais, senadores, corporaes, cidades,provncias e pessoas poderosas participavam desse hbito, por volta de 400,apenas altos funcionrios o faziam.83Isso pode ser explicado ao menos deduas maneiras: a) as instituies e formas clssicas de vida cvica e a polticaparticipativa que haviam animado o hbito estaturio dos sculos anterio-

    res perderam importncia na vida urbana; b) novas formas de celebrao dacomunidade, de seus valores e de seus lderes, como mosaicos em igrejas eaclamaes no circo, ganharam importncia. Isso no quer dizer que o povono encontrasse formas de participao poltica, formais ou informais.84Es-tas, no entanto, independiam das e em em larga medida sobreviveram s formas e instituies que haviam caracterizado a cidade clssica.

    Esttuas continuaram sendo dedicadas como, por exemplo, o grupo demonumentos comemorando Porfrio, o corredor do circo, em Constantinoplado incio do sculo VI;85ou a esttua colocada pelo exarca bizantino Smaragdo,

    honrando o imperador Focas, no Frum romano.86

    Estas foram iniciativas iso-ladas, no entanto, e, mais do que continuidade, parecem indicar um interesserenovado pelo passado e suas prticas, buscando uma forma de legitimaofundamentada no tradicionalismo. Uma mesma atitude que encontramosnas Variaede Cassiodoro, assim como nas Parastaseis syntomoi chronikaiePatria,de Constantinopla.87Quando Zacarias de Mitilene, no sculo VI, elencou as

    83Para uma anlise detalhada do caso italiano, para o qual dispomos de melhor documentao,ver MACHADO, Carlos. Public monuments and civic life: The end of the statue habit in Italy.In: DELOGU, Paolo & GASPARRI, Stefano (org.). Le trasformazioni del V secolo. LItalia, i barbari elOccidente romano. Turnhout: Brepols, 2010, p. 237-257.

    84 Como bem demonstrado por OLIVEIRA, Julio Cesar. Le pouvoir du people: une meute Hippone au dbut du Ve. sicle connue par le sermon 302 de saint Augustin pour la fte desaint Laurent.Antiquit Tardive. Turnhout, n. 12, 2004, p. 309-324.

    85Estudados por CAMERON, Alan.Porphyrius the Charioteer.Oxford: Oxford University Press, 1973.86Corpus Inscriptionum LatinarumVI, 1200.87Sobre Cassiodoro e suas atitudes perante o passado e seus monumentos, ver FAUVINET-RAN-

    SON, Violaine.Decor Civitatis, Decor Italiae. Monuments, travaux publics et spectacles au VIe sicle daprsles Variae de Cassiodore. Bari: Edipuglia, 2006. CAMERON, Averil & HERRIN, Judith. Constantinoplein the early eighth century: The Parastaseis Syntomoi Chronikai. Leiden: Brill, 1984. DAGRON, Gilbert.Constantinople imaginaire. tudes sur le recueil des Patria. Paris: Presses Universitaires de France, 1984.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    27/34

    107

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    esttuas que existiam na cidade de Roma (uma passagem de pouca credibi-lidade factual, mas imensamente importante pelo que ela revela sobre suacultura), ele mencionou milhares de monumentos, inclusive 25 esttuas debronze da famlia de Abrao e da linha de Davi.88O hbito estaturio conti-nuava presente como elemento fsico na paisagem urbana, mas no era umainstituio organicamente integrada maneira clssica vida da cidade.

    Concluso

    impossvel, nesse momento, oferecer uma explicao satisfatria parao declnio do hbito estaturio.89O que me parece claro, no entanto, queeste processo esteve ligado a pelo menos trs desenvolvimentos que nos in-teressam diretamente e que envolveram o declnio da cidade antiga:

    1) A maior presena e o maior peso da autoridade imperial e do aparato go-vernamental, verificvel a partir das reformas promovidas por Dioclecianoe Constantino no final do sculo III e no incio do sculo IV. Isso esteve di-retamente ligado crise dos conselhos citadinos (as curiae) e fica aparente noprogressivo desaparecimento de esttuas de magistrados locais.

    2) A consolidao de um abismo socioeconmico separando as camadas maisfrgeis das mais poderosas da sociedade tardo-antiga, um abismo consolida-do pela introduo dosolidusainda no incio do sculo IV, que teve sua corres-pondncia no declnio das formas clssicas de associao poltica observvelno desaparecimento de esttuas dedicadas pelas associaes cvicas locais.

    3) A incapacidade do aparato estatal de se financiar e garantir a defesa das reassob seu domnio, o que levou, em termos mais gerais, perda de territrios,mas, em termos locais, ao desaparecimento de estruturas polticas e de go-verno imperiais. Como resultado, as autoridades eclesisticas vieram a ocupar

    88Publicado em VALENTINI, Roberto & ZUCCHETTI, Giuseppe (org.). Codice Topografico della Cittdi Roma, vol. 1. Roma: Tipografia del Senato, 1940, p. 332.

    89LIVERANI, Paolo. The Sunset of 3D. In: KRISTENSEN, Troels & STIRLING, Lea (org.). The afterlifeof Roman sculpture: Late antique response and reception. Ann Arbor: The University of Michigan Press(no prelo), enfatiza a importncia de se considerar tambm os desenvolvimentos artsticos edas formas de representao, especialmente a opo por formas de arte bidimensionais, emdetrimento das tridimensionais.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    28/34

    108

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    um papel de liderana cada vez mais marcado, desempenhando funes an-teriormente associadas aos conselhos municipais e ao governo central.90

    O Imprio romano nunca foi uma unidade social e cultural, e expres-ses como mundo antigo ou mundo romano, apesar de ainda teis (e, porisso mesmo, repetidamente empregadas neste artigo), colocam-nos em riscode ignorar a enorme diversidade que caracterizava as sociedades conquista-das durante a expanso dos sculos precedentes. Estudiosos tm criticado demaneira cada vez mais vigorosa conceitos como romanizao, ressaltandoa vitalidade e especificidade da vida local e a diversidade de formas de in-tegrao dessas comunidades ordem imperial.91Por outro lado, inegvel

    que o Imprio teve um impacto real na vida dessas comunidades, agindocomo uma estrutura poltica, administrativa e fiscal unificadora sobre umvasto territrio. Esse impacto s fez crescer durante o sculo IV, o que teveresultados importantssimos para essas diversas comunidades. O desapare-cimento dessa estrutura, inicialmente atravs da perda de territrios paragrupos que optaram por se identificar explicitamente como no romanos, eem 476 (no Ocidente), atravs da remoo do ltimo imperador legtimo edo envio das insignias imperiais para Constantinopla, pode, com certeza, seridentificado como uma dinmica marcante na histria deste perodo, mais

    do que um simples epifenmeno poltico.Os estudiosos certamente ainda tm muito a discutir e a descobrir sobre

    o mundo da Antiguidade tardia, seus limites cronolgicos e geogrficos, ecomo melhor caracteriz-lo. No entanto, fundamental que continuemos arefletir e estudar tambm o velho tema de Montesquieu e Gibbon (e, a seumodo, Agostinho, sculos antes), a queda do Imprio. Ao mesmo tempo,como espero ter deixado claro, a histria da Antiguidade tardia no se resu-me queda silenciosa do Imprio romano (para usar a j citada expressode Momigliano). Se h uma lio clara que pode ser depreendida dos traba-

    lhos discutidos aqui que a histria das sociedades tardo-antigas no podeser restrita, e nem confundida, com a histria do Imprio romano apesarde esta ainda merecer um destaque nesse processo. Ela ao mesmo tempomuito mais ampla e mais especfica do que isso. Ela requer novas aborda-

    90Como bem observado, entre outros, pelo prprio BROWN, Peter.Poverty and leadership in the laterRoman Empire. Hanover: Brandeis University Press, 2002.

    91Para uma discusso desses problemas, ver WOOLF, Greg.Becoming Roman. The origins of provincialcivilization in Gaul. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    29/34

    109

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    gens e novos horizontes tericos, cronolgicos e geogrficos. Em suma, umnovo modo de se pensar a histria antiga.

    Referncias bibliogrficas

    BANAJI, Jairus.Agrarian change in late Antiquity. Oxford: Oxford University Press, 2001.BAUER, Franz Alto.Stadt, Platz und Denkmal in der Sptantike: Untersuchungen zur Aussta-

    tung des ffentlichen Raums in den sptantiken Stdten Rom, Konstantinopel und Ephesos.Mainz: von Zabern, 1996.

    BIANCHI BANDINELLI, R. Spaetantike. In:Enciclopedia dellArte Antica, vol. 7. Roma:

    Treccani, 1966, p. 426-427. Disponvel em: http://www.treccani.it/enciclopedia/spaetantike_(Enciclopedia-dell-Arte-Antica)/. Acesso em: 15/07/2013.BOWERSOCK, Glen; BROWN, Peter; GRABAR, Andr. Introduction. In: BOWER-

    SOCK, Glen; BROWN, Peter; GRABAR, Andr (org.).Late Antiquity. A guide to thepostclassical world. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999, p. vii-xiii.

    BROWN, Peter. The world of late Antiquity: from Marcus Aurelius to Muhammad. Londres:Thames and Hudson, 1971.

    __________. The later Roman Empire. In: Idem. Religion and society in the age of Au-gustine of Hippo. Nova York: Harper & Row, 1972, p. 46-73.

    __________. Mohammed and Charlemagne by Henri Pirenne. In: Idem.Society and

    the holy in late Antiquity. Berkeley: University of California Press, 1982, p. 63-79.__________.Powerand persuasion in late Antiquity. Madison: University of Wisconsin

    Press, 1992.__________. Poverty and leadership in the later Roman Empire. Hanover: Brandeis Uni-

    versity Press, 2002.__________. Recovering submerged worlds. The New York Review of Books, 11 julho

    2013. Disponvel em: http://www.nybooks.com/articles/archives/2013/jul/11/recovering-submerged-worlds/. Acesso em: 16/07/2013.

    BROWN, P. et alii. The world of late Antiquity revisited. Symbolae Osloenses. Oslo,n. 72, 1997, p. 5-90.

    CAMERON, Alan.Porphyrius the Charioteer.Oxford: Oxford University Press, 1973.CAMERON, Averil. The Mediterranean world in late Antiquity. Londres: Routledge, 1995.

    __________. Ideologies and agendas in late antique studies. In: LAVAN, Luke &BOWDEN, Will (org.). Theory and practice in late antique archaeology(Late antiquearchaeology 1). Leiden: Brill, 2003, p. 3-21.

    CAMERON, Averil & HERRIN, Judith. Constantinople in the early eighth century: TheParastaseis Syntomoi Chronikai. Leiden: Brill, 1984.

    CARANDINI, Andrea. Lultima civilt sepolta o del massimo oggetto desueto,secondo un archeologo. In: CARANDINI, Andrea; CRACCO RUGGINI, Lellia;

    GIARDINA, Andrea (org.). Storia di Roma, vol. 3: Let tardoantica, tomo 2: Iluoghi e le culture. Turim: Einaudi, 1993, p. 11-38.

  • 7/24/2019 MACHADO, Carlos Augusto Ribeiro. a Antiguidade Tardia, A Queda Do Imprio Romano e o Debate Sobre o Fim

    30/34

    110

    rev. hist. (So Paulo), n. 173, p. 81-114, jul.-dez., 2015http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.105844

    Carlos Augusto Ribeiro MachadoA Antiguidade tardia, a queda do Imprio romano e o debate sobre o fimdo mundo antigo

    CARL, Filippo. Il sistema monetario in et tardoantica: spunti per una revisione.Annali dellIstituto Italiano di Numismatica. Roma, n. 53, 2007, p. 155-218.

    CARRI, Jean-Michel. Le colonat du bas-Empire: un mythe historiographique?,Opus. Roma, n. 1, 1982, p. 351-371.

    CARRI, Jean-Michel & ROUSSELLE, Aline.LEmpire romain en mutation. Paris: Seuil, 1999.CARVALHO, Margarida de. Paideia e retrica no sculo IV d. C.: A construo da imagem

    do imperador Juliano segundo Gregrio Nazianzeno. So Paulo: Annablume, 2010.CLAUDE, Dietrich.Die Byzantinische Stadt im 6. Jahrhundert. Munique: Beck, 1967.CORMACK, Robin. Byzantine Aphrodisias: changing the symbolic map of a city.

    Proceedings of the Cambridge Philological Society. Cambridge, n. 216, 1990, p. 26-41.COURCELLE, Pierre.Histoire littraire des grandes invasions germaniques. Paris: Hachette, 1948.

    CRACCO RUGGINI, Lellia. La citt imperiale. In: Storia di Roma, v. 4: Caratteri eMorfologie. Turim: Einaudi, 1989, p. 201-266.

    CURTA, Florin. Some remarks on ethnicity in medieval archaeology.Early MedievalEurope. Londres, n. 15, 2007, p. 160-161.

    DAGRON, Gilbert. Constantinople imaginaire. tudes sur le recueil des Patria. Paris: PressesUniversitaires de France, 1984.

    ELSNER, J. The birth of late Antiquity: Riegl and Strzygowski in 1901.Art History.Londres, n. 25, 2002, p. 358-379.

    ERIM, Kenan. De Aphrodisiade.American Journal of Archaeology. Boston, n. 71, 1967,p. 233-243.

    __________.Aphrodisias, city of Venus Aphrodite. Londres: Muller, Blond and White, 1986.FAUVINET-RANSON, Violaine.Decor Civitatis, Decor Italiae. Monuments, travaux publics

    et spectacles au VIe sicle daprs les Variae de Cassiodore, Bari: Edipuglia, 2006.FOSS, Clive.Byzantine and Turkish Sardis. Cambridge, MA: Harvard University Press, 197