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“MORTO PELAS MÃOS DO POVO”: RITUAIS DE EXECUÇÃO E JUSTIÇA POPULAR NA ANTIGUIDADE TARDIA Julio Cesar MAGALHÃES DE OLIVEIRA * * Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. RESUMO: O linchamento, enquanto prática da justiça popular, tinha uma longa tradição no mundo romano. Sua constante referência nas fontes textuais da Antiguidade Tar- dia, porém, parece indicar uma preocupação nova das autori- dades e dos autores antigos com suas consequências políticas. O objetivo deste estudo consiste em analisar as características dos linchamentos nas cidades mediterrâneas dos séculos IV e V levando-se em consideração a relação entre justiça popular e justiça oficial, os mecanismos e processos que mais frequente- mente conduziam ao linchamento e os objetivos, alvos e mo- tivações dos participantes. Pretende-se demonstrar, em pri- meiro lugar, como a concepção de “morte justa”, que subjaz a todas as formas de linchamento, ainda revelava a permanência nas cidades do Mediterrâneo das antigas noções de cidadania e de direitos do povo. Ao mesmo tempo, porém, pretende-se sublinhar como o impacto e a ressonância políticas do recurso frequente a esses rituais informais de execução haviam sido modificados (e amplificados) no Império Romano Tardio, tornando-se uma das formas mais características de confronto político no período. PALAVRAS-CHAVE: Linchamentos; violência coletiva; con- fronto político; Antiguidade Tardia “MURDERED BY THE HANDS OF THE PEOPLE”: RITES OF EXECUTION AND POPULAR JUSTICE IN LATE ANTIQUITY ABSTRACT: As a practice of popular justice, executions by lynching had a long tradition in the Roman world. Never- theless, the constant reference in the textual sources of Late Antiquity to this kind of collective violence seems to indicate

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  • MORTO PELAS MOS DO POVO: RITUAIS DE EXECUO E JUSTIA

    POPULAR NA ANTIGUIDADE TARDIA

    Julio Cesar Magalhes de Oliveira* * Universidade de So Paulo, So Paulo, Brasil.

    RESUMO: O linchamento, enquanto prtica da justia popular, tinha uma longa tradio no mundo romano. Sua constante referncia nas fontes textuais da Antiguidade Tar-dia, porm, parece indicar uma preocupao nova das autori-dades e dos autores antigos com suas consequncias polticas. O objetivo deste estudo consiste em analisar as caractersticas dos linchamentos nas cidades mediterrneas dos sculos IV e V levando-se em considerao a relao entre justia popular e justia oficial, os mecanismos e processos que mais frequente-mente conduziam ao linchamento e os objetivos, alvos e mo-tivaes dos participantes. Pretende-se demonstrar, em pri-meiro lugar, como a concepo de morte justa, que subjaz a todas as formas de linchamento, ainda revelava a permanncia nas cidades do Mediterrneo das antigas noes de cidadania e de direitos do povo. Ao mesmo tempo, porm, pretende-se sublinhar como o impacto e a ressonncia polticas do recurso frequente a esses rituais informais de execuo haviam sido modificados (e amplificados) no Imprio Romano Tardio, tornando-se uma das formas mais caractersticas de confronto poltico no perodo.

    PALAVRAS-CHAVE: Linchamentos; violncia coletiva; con-fronto poltico; Antiguidade Tardia

    MURDERED BY THE HANDS OF THE PEOPLE: RITES OF EXECUTION AND POPULAR JUSTICE IN LATE ANTIQUITY

    ABSTRACT: As a practice of popular justice, executions by lynching had a long tradition in the Roman world. Never-theless, the constant reference in the textual sources of Late Antiquity to this kind of collective violence seems to indicate

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    a new concern of authorities and ancient authors with its po-litical consequences. The aim of this study is to analyze the characteristics of lynching in the Mediterranean cities of the fourth and fifth centuries taking into account the relationship between official and popular justice, the mechanisms and pro-cesses that most often led to the lynching and the objectives, targets and motivations of the participants. It is intended to demonstrate, on the one hand, how the conception of fair death which underlies all forms of lynching revealed the per-manence in the Mediterranean cities of the ancient notions of citizenship and rights of the people. On the other hand, it aims to highlight how the impact and political resonance of the frequent use of these informal rituals of execution had been modified (and amplified) in the Late Roman Empire, becoming one of the most characteristic forms of political confrontation in the period.

    KEYWORDS: Lynching; collective violence; contentious po-litics; Late Antiquity

    Em meados do sculo V, um cronista gauls, relatando os eventos mais marcantes do Imprio Romano de 379 a 452, incluiu entre as notcias referentes aos anos de 408 e 409 o destino trgico do comandante dos exrcitos africanos: Ioan-nes comes Africae occisus a populo est; Joo, o comandante da frica, foi morto pelo povo (Chronica Gallica a. 452, n. 59, 15). Pouco sabemos sobre esse episdio e at mesmo a data a ele atribuda nessa fonte tem dado margem a controvrsias.1 Mas significativo que o cronista o tratasse como um fato comum o bastante para dispensar maiores explicaes e digno de nota o suficiente para ser mencionado, entre o assassinato do regente do Imprio do Ocidente, Estilico, e as devastaes provocadas por saxes, vndalos e alanos, como um evento poltico de primeira importncia. Ser morto pelas mos do povo era, com efeito, um risco que qualquer liderana no mundo romano poderia correr, sempre que sua imagem fosse associada de um inimigo pblico. Nesse sentido, o assas-sinato relatado pelo cronista gauls de 452 poderia ser visto como apenas um elo numa longa tradio. Mas de que forma eventos como esse podem iluminar as concepes populares e a prtica poltica na Antiguidade Tardia?

    1. Ver, por exemplo, as diferentes opinies de

    Jones; Martindale; Morris (1980, p. 594); Delmaire; Lepelley (1983, p. 473) e

    Shaw (2011, p. 50).

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    Durante muito tempo, os linchamentos mais espetacu-lares do perodo, como o da filsofa pag Hiptia em Ale-xandria, foram vistos isoladamente e interpretados como um fenmeno novo e representativo da crescente intolerncia re-ligiosa na Antiguidade Tardia (DZIELSKA, 1996). Mais re-centemente, muitos estudiosos tm buscado redimensionar a novidade representada por essas execues especficas, vendo--as como parte de um padro de ao mais geral e aceito no perodo (HAAS, 1997, p. 87-90; HAHN, 2004, p. 110-20; WATTS, 2006; LAVAN, 2011, p. xv-xvi). Reconhecer a exis-tncia desse repertrio comum e sua adaptao por diferentes grupos para resolver conflitos particulares , sem dvida, um passo importante se queremos compreeder esse fenmeno em seu contexto histrico, social e cultural mais amplo. Mas para entendermos as razes do recurso recorrente a esses ritos de violncia e seus significados para seus participantes ainda preciso ir alm.

    Na sequncia de trabalhos sobre a violncia popular em outros perodos histricos, como os de Corbin (1990), Davis (1990), Pfeifer (2004) e outros, o que pretendo fazer nesta ocasio estudar as caractersticas dos linchamentos na Anti-guidade Tardia levando em considerao a relao entre jus-tia popular e justia oficial, os mecanismos e processos que mais frequentemente conduziam ao linchamento e os objeti-vos, alvos e motivaes dos participantes. O argumento que sustento neste texto o de que, embora a concepo de mor-te justa que subjaz a todas as formas de linchamento revele a permanncia durante os sculos IV e V de uma abertura p-blica e das antigas noes de cidadania e de direitos do povo nas cidades do Mediterrneo, o impacto e a ressonncia po-ltica dessa forma letal de justia popular foram modificados (e ampliados) pelas novas circunstncias do Imprio Romano Tardio, tornando-se uma das formas mais caractersticas de confronto poltico no perodo.

    UM REPERTRIO CONHECIDO

    Linchamento um termo genrico para designar toda forma de execuo coletiva, informal e ritualizada, de um ou mais indivduos tidos pelo grupo como culpados bvios e pas-sveis de uma punio imediata. diferena, porm, da expe-

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    rincia histrica da fronteira americana que deu ao fenmeno o seu nome (WALDREP, 2002, p. 13-25), o linchamento em Roma e em outras sociedades do Mediterrneo antigo ocorria apenas em circunstncias que suscitavam a indignao (NI-PPEL, 1995, p. 42). No se tratava, portanto, da imposio corriqueira e sistemtica da supremacia tnica ou de classe e ainda menos da ao permanente de pelotes de vigilncia ou de grupos de extermnio. Outra diferena que, enquanto os linchamentos no sul, oeste e meio-oeste dos Estados Unidos ganharam fora aps 1860 como uma reao s reformas do sistema de justia criminal, com sua racionalidade burguesa, assptica e impessoal (PFEIFER, 2004), os rituais de execuo informais no mundo romano no derivavam de um princpio legal distinto da ordem estabelecida. No se constituram em oposio aos procedimentos legais correntes, mas como forma de antecipar-se lei e de execut-la por conta prpria (NI-PPEL, 1995, p. 42-6).

    A prtica do linchamento em Roma e no mundo roma-no pode ser vista, em primeiro lugar, como uma consequncia direta da inexistncia de um aparato policial e da aceitao na prpria lei romana do princpio da autoproteo (FAGAN, 2011, p. 478). Desde a Lei das Doze Tbuas, por volta de 450 a.C., a responsabilidade por trazer um ru a julgamento competia ao prprio interessado, que podia, para isso, recorrer fora, se preciso fosse (Lei das Doze Tbuas, I, 2; III, 2). O uso da violncia para repelir a violncia (uim ui repellere licet: Dig. 43, 16, 1, 27) e a vingana sumria de uma ofensa pri-vada eram prticas socialmente aceitas e consolidadas no pr-prio pensamento jurdico (FAGAN, 2011, p. 484). Mas nem todas as formas de linchamento se enquadravam no mbito da resoluo privada de conflitos, pois, em muitos casos, a execuo coletiva era apresentada como uma punio pblica e no interesse de todos. Nesse sentido, o linchamento tambm pode ser visto, como Wilfried Nippel j argumentou, como um aspecto do carter pblico dos processos decisrios duran-te a Repblica romana e, mais tarde, do papel da aclamao na legitimao do imperador (NIPPEL, 1995, p. 46).

    O linchamento entre os romanos no pressupunha, de fato, uma concepo de justia diferente daquela que havia fundado o prprio processo pblico legal durante a Rep-blica como um iudicium populi. Uma vez que o crime era

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    definido como aquilo que a comunidade considerava como um atentado ao interesse pblico, a prpria comunidade po-dia se sentir autorizada a tomar a lei em suas prprias mos (HARRIES, 2007, p. 131). Desde o final do perodo repu-blicano, os rituais populares de execuo em Roma tambm foram muitas vezes legitimados como de interesse pblico pelo apoio informal da prpria elite dirigente, como no caso do tribuno Saturnino e de seus companheiros em 100 a.C. (Apiano, BCiv I, 32, 145; Floro II, 4, 5-6), ou mesmo por decises oficiais, como as associadas s proscries da po-ca de Sila (Agostinho, De civ. Dei, III, 28; HINARD, 1984, p. 303-7). Aps o estabelecimento do Principado, quando a condenao morte deixou de ser uma deliberao coletiva para ser uma atribuio exclusiva do imperador na capital e de seus representantes nas provncias, a participao popular nos rituais de execrao dos condenados por traio continuou a ser requisitada como uma forma de confirmar a validade da justia imperial (DAVID, 1984, p. 171-5). Compreendendo essa participao como um direito, tanto os soldados como a plebe reunida nos lugares de espetculo podiam reclamar dos imperadores a cabea de um funcionrio imperial inde-sejado (Tcito, Hist. III, 74, 2), enquanto que os prprios imperadores, ainda que mantendo oficialmente o monoplio da vingana legtima (RIVIRE, 2006), podiam entregar morte pelas mos do povo eventuais ameaas ao seu governo, sob a alegao de apenas cumprir a vontade popular (Suet-nio, Caligula, 28). A mesma dinmica pode ser observada nas provncias na condescendncia com que muitos governadores podiam tratar linchamentos ocasionais, como os de cristos (Tertuliano, Apol. 37, 2).

    Enquanto forma de execuo, o linchamento tambm no diferia, em seu princpio, da aplicao das penas oficiais. No sistema penal romano, o objetivo primeiro de qualquer punio era vingar a ofensa praticada, retribuindo ao conde-nado um sofrimento proporcional ao dano por ele provocado. Isso significa que a pena de morte no deveria apenas privar o culpado de sua vida, mas ser to dolorosa quanto possvel no caso dos piores tipos de culpados (COLEMAN, 1990, p. 46). O sofrimento fsico e a publicidade da pena tambm tinham como objetivo humilhar e degradar o condenado, alienando--o de seu contexto social e tornando-o objeto de ridculo

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    (COLEMAN, 1990, p. 47; WIEDEMANN, 1992, p. 71-2). Para o Estado romano, a justificativa para punir seus cidados de forma pblica e dolorosa era que eles o mereciam e que o espetculo do terror seria salutar como uma forma de exemplo para outros (HARRIS, 1999, p. 144-5). O linchamento, do mesmo modo, tambm envolvia o sofrimento, a humilhao e a desonra de sua vtima e expressava a mesma expectativa de uma justia cruel e exemplar. Apesar disso, as execues coletivas informais entre os romanos jamais se constituram, diferena, mais uma vez, do caso americano (PFEIFER, 2004, p. 44-9), como uma pardia dos tribunais oficiais ou do pat-bulo. No imitavam a ao individual do carrasco ou os supl-cios previstos em lei, mas seguiam sempre uma forma prpria, coletiva e especfica, de punio.

    Entre os gregos, o principal modo de execuo informal por uma multido era o apedrejamento at a morte (GRAS, 1984; ROSIVACH, 1987; FORSDYKE, 2008, p. 37-41). Entre os romanos, o apedrejamento no era desconhecido (especialmente entre os militares: Lvio, IV, 50, 5-6; Plutar-co, Sull. 6, 9), mas sua principal forma de demonstrar que uma execuo coletiva era um ato de justia popular consis-tia em esquartejar a vtima com as mos, manibus discerpere (NIPPEL, 1995, p. 43-4). O esquartejamento, como a lapi-dao, implicava um mesmo desejo de participao coletiva na aplicao da justia e a aceitao da responsabilidade por parte de todos os participantes pela morte que executavam. Mas a mutilao do cadver (ou mesmo da vtima ainda viva), que caracterstica desse tipo de linchamento, revela ainda objetivos mais especficos. Como Franois Hinard ressaltou a respeito das proscries da poca de Sila, a mutilao coletiva e gradativa de um corpo ainda vivo, como o de M. Mrio Gratidiano (Floro, II, 9, 26; Agostinho, De civ. Dei, III, 28), revelava menos a inteno de tortur-lo do que a de torn-lo irreconhecvel at mesmo para a prpria vtima (HINARD, 1984, p. 309). Enquanto ritual de desonra e humilhao, a execuo informal por uma multido, como a destruio de esttuas, que era seu simulacro, expressava sempre um desejo de revanche e a inverso de papis entre o poderoso e os fra-cos, o agressor e suas vtimas (STEWART, 1999, p. 166-7). Esse era especialmente o caso quando o alvo da execuo era um membro da elite dirigente. Nesse sentido, o apagamento

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    da identidade do morto pela mutilao do rosto, o cortejo zombeteiro com o corpo mutilado e o despejo do cadver em um rio, esgoto ou latrina eram todas formas de recusar ao condenado as honras fnebres caractersticas da bela morte aristocrtica e de apagar para sempre a sua memria do mun-do dos vivos (HINARD, 1984, p. 308-310; sobre o conceito de bela morte, ver VERNANT, 1982).

    UM CONTEXTO POLTICO TRANSFORMADO

    Constitudo no mbito da vida cvica e em relao s formas de justia oficiais, o recurso ao linchamento conti-nuaria a fazer parte do repertrio de aes conhecido pelas populaes das cidades mediterrneas nos sculos IV e V. Seu impacto, porm, no poderia deixar de ser transformado pelo novo contexto poltico e cultural da Antiguidade Tardia.

    A principal caracterstica do governo do Imprio Roma-no a partir do sculo IV (e aquela que deveria afetar mais de perto as concepes e a prtica da justia popular nas cidades mediterrneas) seria o reforo duradouro do poder central. No Imprio Romano Tardio, o imperador se tornou o cen-tro de todas as atividades de governo (SILVA, 2003). Era ele quem controlava a poltica externa, a guerra e a paz, nomeava todos os funcionrios, decretava os impostos, fazia as leis e exercia o poder de vida e morte sobre todos os seus sditos (JONES, 1964, p. 321-9). Na imaginao dos contempor-neos, a interveno do imperador, para o bem e para o mal, era uma possibilidade sempre presente. Por conseguinte, era para a corte que os habitantes das provncias procuravam se voltar para resolverem de forma mais efetiva os seus proble-mas (KELLY, 1998, p. 155). Como em outros regimes abso-lutistas, os sditos do Imprio podiam atribuir mais facilmen-te as mazelas que afetavam suas vidas aos representantes do imperador do que ao prprio soberano, que, se fosse alertado (acreditava-se), no deixaria de intervir a seu favor (KELLY, 1998, p. 156).

    O poder do imperador, no entanto, no teria se tornado to pervasivo se no pudesse contar com um nmero muito maior de seus representantes e executores em todo o Imprio (BROWN, 1992, p. 9). Desde Diocleciano, a administra-o do Imprio foi confiada pelos imperadores a um corpo

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    numeroso de funcionrios de carreira livres, constituindo, a partir de seus nveis mais altos, uma nova e poderosa elite (LEPELLEY, 2001). As funes civis e militares dessa admi-nistrao foram estritamente separadas e os efetivos milita-res, aumentados em relao aos sculos anteriores, passaram ao controle de uma cadeia independente de comando (LEE, 1998). Com a diviso das provncias em unidades menores e sua reorganizao em dioceses e prefeituras, o nmero dos funcionrios de carreira regulares associados aos escritrios de prefeitos, vicrios e governadores tambm aumentou (HEA-THER, 1998a, p. 204-5). Os governadores de provncia se tornaram mais presentes na vida das cidades, controlando as finanas e a administrao municipal e julgando em primeira instncia todas as causas civis e criminais (CARRI, 1998, p. 2125; HARRIES, 1999, p. 101). Com a multiplicao das cidades de residncia do imperador e a nova jurisdio dos prefeitos do pretrio, os tribunais de apelao tambm se tornaram muito mais prximos dos habitantes das provncias (BROWN, 1992, p. 11; HARRIES, 1999, p. 111).

    No h dvida, portanto, de que o aumento espeta-cular da burocracia a servio do imperador tornou o poder imperial muito mais presente na vida de seus sditos. Ape-sar disso, havia sempre o risco para os imperadores de que a presena nas provncias mais distantes de seus agentes em atividade e de outros funcionrios aposentados que gozavam ainda da influncia adquirida por sua ascenso na carreira im-perial acabasse, ao contrrio, por enfraquecer o poder central (BROWN, 1992, p. 9-17; KELLY, 1998, p. 138). Foi para tentar conter essas tendncias centrfugas que os imperado-res do sculo IV passaram a recorrer de maneira sistemtica intimidao e violncia contra seus prprios funcionrios (MATTHEWS, 1989, p. 256-262) e nesse contexto que ns devemos compreender o aumento vertiginoso do nmero de crimes punidos com a pena de morte. De 16 sob os Severos e 25 por volta de 200 d.C., o nmero de crimes passveis de uma sentena capital passou a 35 por volta do ano 300 d.C. para chegar a 60 no final do governo de Constantino, enquan-to que os prprios modos de execuo tambm se tornaram muito mais violentos (MACMULLEN, 1986). Esse aumento da brutalidade judicial no foi, porm, indiscriminado. Como Jean-Michel Carri e Aline Rousselle j ressaltaram, dos 25

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    novos crimes passveis da pena de morte institudos por Con-stantino, 12 se referiam a faltas cometidas por funcionrios:

    Os novos crimes capitais so casos de corrupo e de extorso por e para funcionrios: juzes, procuradores das minas e ofi-cinas imperiais, coletores de vectigalia, soldados estacionados que se permitem tomar os instrumentos de agricultura, cole-tores da anona, guardies da priso que maltratam os prisio-neiros esperando julgamentos e no lhes permitem ver o sol a cada dia, monetrios das oficinas imperiais que cunham falsa moeda, actores e procuradores da res privata infligindo maus tratos, juzes no respeitando os prazos de transmisso do po-der central, funcionrios de toda sorte exigindo contribuies dos proprietrios de navios que so delas isentos. (CARRI; ROUSSELLE, 1999, p. 345).

    Como se v, o aumento das penas capitais reflete antes de tudo a tentativa por parte do Estado imperial de controlar mais de perto os seus prprios funcionrios, decretando um arsenal de penas dissuasivo (CARRI; ROUSSELLE, 1999, p. 346). Em todos os casos, trata-se sempre de leis que visam a proteger os provinciais e que os encorajam a levarem suas queixas ao conhecimento do imperador.

    O risco dessas leis, do ponto de vista do centro do poder, era que elas fossem compreendidas pelos habitantes das cida-des do Mediterrneo como um incentivo a agirem por conta prpria, executando os funcionrios que haviam cometido faltas condenadas pelo prprio imperador. Esse temor, como veremos, no era infundado. Independentemente da lealda-de das multides ao imperador, o poder de desestabilizao dessas aes era bastante real. Em muitos casos, a punio aos participantes de um linchamento podia at ser relevada pelas autoridades imperiais, por reconhecerem os custos da represso ou as razes da revolta dos provinciais. Mas a morte de um funcionrio no deixava de ter efeitos devastadores, ao colocar em risco a prpria poltica imperial para uma cida-de, uma provncia ou para toda uma regio (BROWN, 1992, p. 105-110; HENCK, 2007). Linchamentos que representa-vam desafios flagrantes autoridade imperial podiam, por-tanto, resultar em massacres, como os de Tessalnica, em 390 (Sozmeno, HE VII, 25), e Alexandria, em 457 (Zacarias de

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    Mitilene, HE IV, 9), ou, pelo menos, em outras formas no--letais de punio.

    Como no passado, porm, os imperadores dos sculos IV e V ainda esperavam que aes populares como essas pu-dessem ser evitadas pela colaborao dos notveis municipais na manuteno da lei e da ordem em cada cidade (JACQUES, 1984, p. 374-404; BROWN, 1992, p. 78-89). No entanto, as cidades do Imprio Romano Tardio tambm haviam sido transformadas pelos efeitos conjugados da centralizao do poder e da emergncia dos conflitos religiosos, a partir da converso de Constantino ao cristianismo. A abrupta afirma-o do poder central agravou as divises j existentes no seio das elites das cidades do Imprio, pela repartio desigual dos impostos, dos encargos e do acesso s dignidades imperiais (LEPELLEY, 2001). Esse fracionamento das elites citadinas, como j o disse Peter Brown, fez com que suas lutas internas aumentassem a partir do sculo IV, quando diferentes grupos passaram a derivar seu status e seu poder de fontes distintas: alguns ainda fundados apenas no pertencimento cria local; outros, amparados na colaborao estrita com o poder central e no exerccio de cargos na carreira imperial (BROWN, 1992, p. 19). A emergncia dos bispos cristos como figuras de au-toridade (GALVO-SOBRINHO, 2013) e as disputas entre diferentes grupos religiosos pelo controle do espao urbano tambm fizeram com que a prpria definio da comunidade citadina se tornasse, em muitas localidades, objeto de dispu-tas (BROWN, 1992, p. 71158; LIM, 1999). Num contexto em que as autoridades tradicionais se viram, com frequncia, contestadas e em que as novas lideranas no hesitavam em mobilizar o poder das ruas para afirmar sua posio ou a fora de seu grupo, os espaos e momentos para a interveno po-pular foram ampliados. Tambm aqui, a execuo informal por uma multido ganhou uma nova dimenso, ao colocar em evidncia as novas formas, mais ameaadoras e mais efetivas, que havia tomado a interveno popular nas lutas pelo poder no espao urbano.

    ALvOS, MOTIvAES E OPORTUNIDADES

    Os linchamentos que conhecemos para os sculos IV e V so todos indicadores desse contexto poltico mais turbu-

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    lento. A maior parte das execues informais mencionadas em nossas fontes tinham por alvo os representantes do poder central. Esse o caso do mestre da cavalaria Hermgenes, em 342 (Amiano Marcelino, XIV, 10, 2; Scrates, HE II, 13, 1-3); do governador da Sria, Tefilo, em 354 (Amiano Mar-celino, XIV, 7, 5-6; Libnio, Or. 19, 46); do preposto mo-netrio Dracnio e do comes Diodoro, mortos com o bispo Jorge de Alexandria, em 361 (Amiano Marcelino, XXII, 11, 3-11); do mestre da milcia Buterico, em 390 (Sozmeno, HE VII, 25, 3); do prefeito da cidade de Roma, Pompeiano, em 409 (Gerncio, Vita S. Mel. (G) 19); de um funcion-rio associado ao controle das taxas porturias de Hipona, em 412 (Agostinho, S. 302 + Morin Guelf. 25), alm, claro, do comes Africae Joo, que vimos no incio deste texto. O nico imperador morto pelas mos do povo, porm, o im-perador Petrnio Mximo, em 455, mas apenas por ter sido destitudo de toda legitimidade aos olhos do povo por sua fuga durante o cerco de Roma pelos vndalos (Chron. Gall. a. 511, n. 623). O segundo grupo mais citado em nossas fontes como vtimas de linchamentos so os militantes ou lideran-as das faces em disputa pelo poder local. O exemplo mais conhecido o da filsofa Hiptia, executada por partidrios do bispo Cirilo por sua liderana entre a elite de Alexandria (Scrates, HE VII, 15; Joo de Nikiu, 84, 100-102; Filos-trgio, HE VIII, 9, 9a). Pode-se ainda citar o caso de bispos como Marcelo de Apameia, na Sria, morto pelos habitantes pagos de um vilarejo vizinho ao tentar destruir um templo (Sozmeno, HE VII, 15, 11-15), e dos militantes dissiden-tes no Norte da frica, conhecidos em nossas fontes como circuncelies, que o prprio bispo catlico Agostinho de Hipona reconhecia serem muitas vezes capturados por seus fiis e executados de modo sumrio, como bandidos (Agosti-nho, Ep. 88; SHAW, 2011, p. 710). Por fim, os bispos Jorge de Alexandria, em 361 (Amiano Marcelino, XXII, 11, 3-11; Sozmeno, HE V, 7, 1-4; Scrates, HE III, 2-3), e Protrio de Constantinopla, em 457 (Evgrio, HE II, 8; Zacarias de Mi-tilene, HE IV, 1), podem ser vistos como representativos, ao mesmo tempo, dessas duas categorias de alvos de linchamen-tos: eram lderes de faces minoritrias em suas cidades, mas indicados e protegidos pelo imperador como representantes de sua poltica religiosa.

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    Os motivos pelos quais os representantes do poder cen-tral so submetidos por uma multido ao linchamento so exatamente os mesmos que, se provados em um processo le-gal, poderiam lev-los a serem condenados pena capital: a extorso dos provinciais, o abuso de poder e a negligncia no cumprimento de suas funes. O governador Tefilo, em An-tioquia, em 354 (Amiano Marcelino, XIV, 7, 5-6), o prefeito Pompeiano, em Roma, em 409 (Gerncio, Vita S. Mel. (G) 19), como mais tarde o prefeito do Egito Teodsio, em Ale-xandria, em 515 ou 516 (Malalas 401 [XVI, 15]), so todos executados pela multido por serem vistos como responsveis pela escassez de alimentos. O funcionrio morto por uma multido em Hipona, em 412, e que os fiis de Agostinho acusavam de ter a muitos reduzido mendicncia e pobre-za, era um responsvel pelo controle dos movimentos no por-to e da arrecadao de taxas alfandegrias que, em colaborao com os coletores, extorquia mercadores e artesos (Agostinho, S. 302 + Morin Guelf. 25; MAGALHES DE OLIVEIRA, 2012, p. 275-297). O bispo Jorge, do mesmo modo, havia suscitado a clera da multido em Alexandria no apenas por ter feito entrar as tropas do dux do Egito na cidade para des-truir templos e reprimir seus adeptos, mas tambm por ter extorquido e levado denncias contra os habitantes da cidade ao conhecimento do imperador (Amiano Marcelino, XXII, 11, 3-11; Juliano, Ep. 21 = Scrates, HE III, 3, 4-25). O res-sentimento causado pela presena e pelos abusos dos militares entre a populao civil tambm o motivo subjacente aos lin-chamentos de um soldado godo de Constantinopla, nos anos 380 (Libnio, Or. XIX, 22 e Or. XX, 14), e do mestre da mil-cia Buterico em Tessalnica, em 390 (Sozmeno, HE VII, 25, 3), em ambos os casos uma decorrncia da poltica militar do imperador Teodsio de utilizar soldados godos para defender a parte oriental do Imprio (HEATHER, 1998b, p. 509-10). No contexto dos conflitos sectrios, porm, os motivos que conduziam com mais frequncia ao linchamento de funcion-rios imperiais, lideranas locais e militantes eram a resistncia ao uso da fora e a retaliao por agresses passadas praticadas contra pessoas ou objetos de culto. Esse o caso no apenas do bispo ariano Jorge, do preposto monetrio Dracnio e do comes Diodoro, atacados pelos pagos de Alexandria em 361, ou do bispo calcedoniano Protrio, em 457, morto por seus

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    adversrios cristos num acerto de contas pela opresso sofri-da no passado (GREGORY, 1979, p. 181-192), mas tambm do mestre da cavalaria Hermgenes que, enviado em 342 pelo imperador Constncio II para exilar o bispo niceno Paulo, encontra uma inesperada resistncia dos fiis que, ao serem atacados em sua igreja, revidam invadindo e incendiando sua casa e arrastando-o pelas ruas at a morte (Amiano Marcelino, XIV, 10, 2; Scrates, HE, II, 13, 1-3; HENCK, 2007, p. 153; GALVO-SOBRINHO, 2013, p. 142).

    As ocasies especficas que favorecem a ocorrncia de um linchamento so variadas, mas implicam sempre uma avaliao por parte dos participantes no apenas das possi-bilidades de sucesso ou fracasso de sua ao, mas tambm de sua urgncia. Dentre os episdios reportados em nossas fontes, possvel distinguir, em um extremo do espectro, os linchamentos em que os participantes podiam se ver justifi-cados pelo apoio de uma liderana ou do prprio imperador. Em Antioquia, em 354, a morte do governador Tefilo pode, assim, ser atribuda ao prprio Csar Galo, que, ao responsa-bilizar publicamente o governador pela escassez de alimentos, fez com que a multido o atacasse, nas palavras de Amiano Marcelino (XIV, 7, 6), como se ele tivesse sido entregue por um julgamento imperial. O assassinato de Hiptia, em 415, e do bispo Protrio, em 457, no contam com um apoio im-perial, mas seus participantes podem ter sido incentivados por uma liderana local: no primeiro caso, pelo bispo Cirilo ou, pelo menos, por seu leitor Pedro, que tambm era um magis-trado de Alexandria (Damscio, V. Isidori, frag. 105; Scrates, HE VII, 15; Joo de Nikiu 84, 100); no segundo, pelo bispo Timteo, uma vez que o linchamento ocorre no momento em que este recuperava pela fora a baslica e o palcio episcopal ocupados por Protrio (Evgrio, HE II, 8). Em todos esses casos, a condio estrutural para a interveno popular so as profundas divises na elite. Em Antioquia, em 354, essas di-vises favorecem a aliana entre os interesses da plebe e os da corte de Galo (MATTHEWS, 1989, p. 406-8). Em Alexan-dria, em 415, a constante oposio entre o prefeito Orestes e o bispo Cirilo (e a diviso dos membros da cria local entre um lado e outro da disputa) o que mobiliza o apoio ao lincha-mento de Hiptia, alimentado pelos boatos de que ela seria a responsvel por impedir a reconciliao entre os adversrios e

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    liderar a oposio da elite alexandrina ao bispo Cirilo (HAAS, 1997, p. 295-316). A ocasio para um linchamento tambm podia se configurar com a percepo ou a esperana de uma mudana nos alinhamentos polticos. No por acaso que os linchamentos dos bispos Jorge e Protrio ocorrem aps o anncio da morte do imperador que os favorecia (Sozmeno, HE V, 7, 2: anncio da morte de Constncio II; Evgrio, HE II, 8: anncio da morte de Marciano). Com efeito, o momen-to do acerto de contas , muitas vezes, o do abrandamento da represso. Mas esse nem sempre o caso. No extremo oposto desse espectro de possibilidades, o linchamento tambm podia se configurar como um desafio aberto s foras de represso, s autoridades constitudas e ao prprio imperador. O desafio podia resultar da percepo de que a autoridade atacada havia perdido toda legitimidade (como ocorre com o prefeito Pom-peiano e o imperador Petrnio Mximo durante dois cercos de Roma: Gerncio, V. Mel. (G) 19; Chron. Gall. a. 511, n. 623). Em outros casos, porm, era a ameaa sobrevivncia do grupo que se sobrepunha ao risco de sua ao, como vemos no caso do mestre da cavalaria Hermgenes, atacado e morto pelos partidrios do bispo Paulo ao tentar cumprir uma or-dem imperial. Por fim, a urgncia de uma execuo sumria tambm se torna o fator mais importante para a ocorrncia de um linchamento quando o alvo da clera popular parece escapar justia oficial: esse o caso do funcionrio retirado de seu refgio na baslica de Hipona, em 412, pelos habitan-tes que temiam v-lo escapar sua punio (Agostinho, S. Guelf. 25) e tambm do bispo Jorge que, aps ser entregue s autoridades pela prpria multido, , dias depois, retirado da priso para ser morto pelos mesmos amotinados (Sozmeno, HE V, 7, 2-3).

    vARIEDADES DE MULTIDES As multides que executam esses linchamentos so sem-

    pre apresentadas em nossas fontes como o populus, o uulgus, a multitudo, a popularium turbela, a plebs omnis, em latim, ou o , o , o , ou um , em grego, o que implica a percepo dos autores antigos de uma ampla participao popular.2 Gangues mais restritas, como os circun-celies na frica (SHAW, 2011, p. 675-720) e os parabalani

    2. Populus: Agostinho, S. 302, 20; Chron. Gall. a. 452, n. 59, 15. Vulgus:

    Amiano Marcelino, XIV, 7, 6 (uulgus sordidior); Chron. Gall. a. 511, n.

    623 (tumultu uulgi). Multitudo: Agostinho, S. Guelf. 25 (indisciplinata

    multitudo). Plebs: Amiano Marcelino, XIV, 7, 5 (plebs Antiochensis); Id., XXII, 11

    (plebs omnis). Popularium turbela: Amiano Marcelino,

    XIV, 10, 2 (popularium ... turbela discerpit). : Scrates, HE VII, 15, 4.

    : Gerncio, V. Mel. (G) 19; Sozmeno, HE

    VII, 25. : Scrates, HE II, 13. :

    Evgrio, HE II, 8. Sobre o vocabulrio atestando o amplo envolvimento

    popular nesta e em outras formas de ao coletiva no

    perodo, ver MacMullen (2003, p. 487, n. 55), contra McLynn (1992,

    p. 34).

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    em Alexandria (HAAS, 1997, p. 314), so muitas vezes acusa-das de vrios atos de violncia, como espancamentos e atenta-dos, mas nunca de exercer uma execuo sumria segundo os rituais da justia popular. verdade que a natureza de nossa documentao, constituda por cartas, discursos, histrias e crnicas, no nos permite vislumbrar com maior preciso os rostos da multido, para citar a expresso de George Rud (2005, p. 195-213). Mesmo assim, possvel identificar, para alm do vocabulrio, alguns indcios de variaes na compo-sio e organizao dessas multides.

    Fora das cidades, o linchamento podia envolver a maio-ria dos habitantes de um vilarejo num ato de solidariedade defensiva contra um estrangeiro, como o bispo Marcelo de Apameia, na Sria, os trs padres cristos mortos pelos aldees pagos do Val di Non, na Itlia, ou os missionrios catlicos executados pelos habitantes do vilarejo donatista de Fussala, na frica (Sozmeno, HE VII, 15, 11-15; Virglio de Trento, Epp. 1-2; Agostinho, Ep. 209, 2; cf. FRANKFURTER, 1998, p. 70). Nas grandes cidades, mesmo uma participao massi-va envolvia grupos mais especficos e solidariedades prvias. Em Hipona, em 412, como j pude argumentar em outra ocasio, um sermo de Agostinho destinado a repreender os fiis que haviam tomado parte no linchamento de um fun-cionrio imperial associado coleta de taxas alfandegrias nos permite identificar, entre os participantes da revolta, alguns dos mercadores em atividade no porto e seus servidores, alm de artesos e lojistas que dependiam do comrcio martimo para o que compravam ou vendiam e dos jovens de suas fa-mlias (Agostinho, S. 302 + Morin Guelf. 25; MAGALHES DE OLIVEIRA, 2012, p. 275-297). Em Antioquia, em 354, o ataque ao governador Tefilo no hipdromo liderado, se-gundo Libnio (Or. XIX, 47), por cinco jovens trabalhadores metalrgicos, talvez associados s fbricas imperiais, enquan-to que outros participantes condenados morte na represso que se seguiu so identificados por Amiano Marcelino apenas como pauperes (MATTHEWS, 1989, p. 406-8). Em casos como esses, por mais ampla que fosse a coalizao reunida pelo dio a um inimigo comum, as multides que pratica-vam o linchamento no dependiam de nenhuma organizao prvia, mas apenas do conhecimento prtico dos princpios subjacentes a esse tipo de ao e, talvez, de laos de grupo

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    ou comunidade anteriores. O prprio cenrio do ataque , nesses casos, um local habitual de reunio, como o hipdro-mo em que Tefilo, em Antioquia, e Buterico, em Tessalnica, so atacados, ou ainda uma aglomerao espontnea gerada pela chegada de uma notcia inesperada, como o refgio do funcionrio odiado pelos habitantes de Hipona na igreja de Agostinho ou a descoberta do imperador Petrnio Mximo em fuga diante das portas de Roma.

    Em outras circunstncias, porm, um linchamento po-dia apresentar sinais mais claros de organizao e premedita-o. Esse o caso, sobretudo, da morte de Hiptia que, segun-do Scrates (HE VII, 15), havia resultado de uma verdadeira conspirao. A deciso de eliminar Hiptia surge no contexto das lutas entre o prefeito Orestes e o bispo Cirilo, quando um boato comea a circular entre a plebe crist de que a filsofa seria a responsvel por organizar a oposio ao bispo e im-pedir a reconciliao entre as partes. Um grupo organizado de homens de esprito inflamado ( ) recrutados entre o povo da Igreja ( ) , ento, guiado por Pedro, um leitor da igreja e magistrado municipal, para armar uma emboscada e atacar Hiptia em sua carruagem quando essa chegava em sua casa (Scrates, HE VII, 15, 4-5. Cf. Joo de Nikiu, 84, 100). No h dvida, portanto, de que se tratava, nesse caso, de uma ao cuidadosamente orquestrada. Mas significativo que, apesar das suspeitas dos historiadores modernos de um envol-vimento em sua morte dos temveis parabalani (enfermeiros sob o comando do bispo de Alexandria e que serviam de tropa de choque em sua defesa), no haja nenhuma confirmao nas fontes antigas de sua participao. verdade que, nos dias que se seguiram ao assassinato de Hiptia, Cirilo no hesitaria em utilizar sua gangue para aterrorizar os curiais que lhe faziam oposio, invadindo e perturbando as reunies da cria. Mas nenhuma das leis editadas pelo poder imperial entre 416 e 418 para repreender o patriarca de Alexandria e regular as ati-vidades dos parabalani (como CTh XVI, 2, 42, 2) menciona o assassinato como uma de suas atividades condenadas. Alm disso, como Christopher Haas j observou, um envolvimento direto dos parabalani teria resultado numa acusao formal de assassinato contra o patriarca, do qual eles dependiam di-retamente. Ao contrrio, uma multido de laicos liderada por

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    um magistrado podia mais facilmente se apresentar como re-presentante da vontade popular (HAAS, 1997, p. 313-5). O prprio recurso ao linchamento, segundo os ritos da justia popular, demonstra que essa era, de fato, a inteno de seus executores.

    OS RITOS DA MORTE JUSTA

    O linchamento, enquanto forma estritamente ritualiza-da de violncia coletiva, envolve sempre cdigos especficos de conduta e modelos conhecidos de ao (TILLY, 2003, p. 14). Como tal, ele tem sempre uma enorme ressonncia cultural, pois se trata de uma performance pela qual um grupo reivin-dica a legitimidade de sua ao, afirmando concepes parti-culares de autoridade e de justia popular (PFEIFER, 2004, p. 44-9). Apesar da variedade de multides que podiam recor-rer a essa forma de violncia, os rituais de execuo na Anti-guidade Tardia, apresentavam, ainda que com variantes locais, uma notvel regularidade num espao mediterrneo h mui-to unificado pelo Imprio. exceo das aes dos aldees do Val di Non e dos habitantes de um vilarejo dependente de Apameia, que executam suas vtimas queimando-as vivas (Virglio de Trento, Epp. 1-2; Sozmeno, HE VII, 15, 14), os linchamentos reportados em nossas fontes, mesmo nas cida-des do oriente, so sempre executados, segundo a tradio ro-mana, no pelo apedrejamento, mas pelas mos do povo. assim que Hermgenes, em Constantinopla, esquartejado por uma turba do povo (Amiano Marcelino, XIV, 10, 2: po-pularium ... turbela discerpit); o governador Tefilo atacado com socos e pontaps, pisoteado e mutilado ainda meio vivo e esquartejado de modo miservel (Amiano Marcelino, XIV, 7, 6: calcibus incessens et pugnis, conculcans seminecem laniatu miserando discerpsit); o bispo Jorge em Alexandria calcado aos ps e esquartejado (Amiano Marcelino, XXII, 11, 8: conculcans diuaricatis pedibus interfecit; Juliano, Ep. 21, 380a = Scrates, HE III, 3, 17: ); o prefeito Pompeiano, em Roma, coberto de feridas e massa-crado no centro da cidade (Gerncio, V. Mel. (G) 19: ); o funcionrio excutado pelos habitantes de Hipona , segundo Agostinho (S. 302, 10), seviciado at a morte ... e mesmo aps a morte

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    (saeuit usque ad mortem et post mortem), e a prpria Hip-tia, levada at a igreja do Kaisarion em Alexandria, despida e esquartejada at a morte com cacos de cermica (Scrates, HE VII, 15, 5: , , ).

    Nas narrativas mais detalhadas ainda possvel identi-ficar outras constantes nesses rituais de execuo: as zomba-rias e injrias vocais endereadas vtima, o corpo arrasta-do ou transportado em cortejo pelas ruas e os restos mortais cremados ou jogados em um rio ou no mar. Em Alexandria, os corpos mutilados de Jorge, Dracnio e Diodoro, em 361, de Hiptia, em 415, e de Protrio, em 457, so expostos ao ridculo por toda a cidade. No primeiro caso, as vtimas so transportadas no dorso de camelos at a praia, onde seus res-tos so cremados para depois serem jogados ao mar (Amiano Marcelino, XXII, 11, 10; Scrates, HE V, 7, 3 e Sozmeno, III, 2, 10). No caso de Hiptia, seu corpo arrastado pelas ruas e levado at um lugar chamado Kinarion onde incine-rado (Scrates, HE VII, 15). Por fim, o corpo transpassado de Protrio primeiro exposto numa forca, depois arrastado por toda a cidade em meio a zombarias, e, por fim, esquartejado membro por membro antes de ser cremado (Evgrio, HE II, 8). Em Constantinopla, Antioquia ou Hipona, os corpos de Hermgenes, Tefilo e um funcionrio tambm so mutilados e arrastados pelas ruas (Scrates, II, 13; Libnio, Or. XIX, 46; Agostinho, S. 302, 10), enquanto que um soldado godo em Constantinopla e o imperador Petrnio Mximo em Roma tm seus restos mortais jogados respectivamente no mar e no rio Tibre (Libnio, Or. XIX, 22 e XX, 14; Prspero de Aquit-nia, Epit. Chron. a. 455, 1375).

    O carter ritual de todas essas execues expressava sempre, de forma implcita, uma reivindicao, por parte do grupo que o praticava, de agir em nome do povo, afirmando o direito de iniciativa dos cidados e sua obrigao de punir e purgar a comunidade de seus inimigos. Noes como es-sas transparecem, a contraplo, nas admoestaes feitas aos participantes de um linchamento por autores to diferentes como o imperador pago Juliano e o bispo cristo Agostinho. Escrevendo aos alexandrinos aps a morte de Jorge, Juliano, ainda que reconhecendo que o bispo merecia ser castigado, respondia aos argumentos que legitimavam a ao popular:

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    Um povo ousa, como ces, despedaar um homem e, depois, no tem vergonha de aparesentar aos deuses suas mos en-sanguentadas, como se estivessem puras! Mas Jorge merecia sofrer um tal tratamento. E talvez ainda um tratamento pior e mais cruel, eu diria. Por causa de ns, dirieis vs. Eu tam-bm estou de acordo. Mas se dizeis por ns, com isso no posso mais concordar. Temos leis que devem ser honradas e amadas por todos e cada um em particular. Mas quando acontece de indivduos a infringirem, preciso ao menos que a comunidade seja regida pela lei, que obedeamos s leis e que no venhamos a transgredir o que foi legislado com razo desde o princpio (Juliano, Ep. 21, 380a-380b = Scrates, HE III, 3, 17-19).3

    Quanto a Agostinho, era em termos semelhantes que o bispo contestava as alegaes de seus fiis que haviam tomado parte em um linchamento:

    Por que te assanhas com furor contra os maus? Porque so maus, respondes. Tu te juntas a eles, enfurecendo-te contra eles. [] Depois, tu te encarnias com furor at a morte. Mas por que tambm depois da morte, quando aquele mau no sofre mais nenhum castigo e apenas quem o agride exerce sua maldade? Isso praticar a loucura, no a vingana. [] Mas esse malvado fez tantas coisas, a tantos oprimiu, a tantos redu-ziu mendicncia e pobreza. Ele tem os seus juzes, ele tem as autoridades constitudas. [] E tu, por que te enfureces? Que poder recebeste? No sabes que isso no um suplcio pblico, mas um verdadeiro banditismo? [] Ns no dize-mos que o malvado no seja malvado. Mas ele deve prestar contas quele que deve julg-lo. Por que queres assumir a res-ponsabilidade pela morte de outra pessoa, tu que no carregas o fardo da autoridade? Deus te livrou do fardo do juiz: por que usurpas o que no te pertence? (Agostinho, S. 302, 10 e 13).4

    Em ambos os casos, o que o imperador e o bispo vem como uma usurpao da lei e do poder constitudo, apenas, para os participantes do linchamento, o cumprimento devido da justia, uma execuo pblica de um inimigo pblico e, em ltima instncia, um poder do povo. Nas palavras dos

    3. , . . . , . : , . , . , , .

    4. Quid saeuis in malos? Quia mali sunt, inquis. Addis te illis, saeuiendo in illos. [] Postremo saeuit usque ad mortem. Quid et post mortem, ubi ad illum malum iam non peruenit poena, et alterius mali sola exercetur malitia? Hoc insanire est, non uindicare. [] Sed malus ille tanta fecit, tantos oppressit, tantos ad mendicitatem egestatemque perduxit. Habet iudices suos, habet potestates suas. [] Tu quare saeuis? Quam potestatem accepisti, nisi quia sunt ista non publica supplicia, sed aperta latrocinia? [] Non enim malos defendimus, aut dicimus malos non esse malos. Reddent inde rationem qui iudicant. Quare de morte aliena tu uis reddere difficultatem rationis, qui non portas sarcinam potestatis? Liberauit te deus, ut non sis iudex: quid tibi usurpas alienum?

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    habitantes de Hipona, reportadas por Agostinho (S. 302, 20): Quod populus fecerit, fecit! O que o povo fez, feito est!

    As noes de direitos do populus ou do que jus-tificavam afirmaes como essa tinham, como vimos, uma longa tradio. O que havia de novo na Antiguidade Tardia era apenas a audcia da multido identificada por Agostinho e Juliano, a sua capacidade renovada de ultrapassar os espaos e momentos de atuao definidos pelas autoridades. De fato, no contexto politicamente mais turbulento de nosso perodo, as antigas noes de cidadania e de direitos do povo e a ideia mesma de morte justa aplicada a um inimigo pblico no haviam desaparecido, mas ganharam novos (e mais ameaado-res) significados. O linchamento torna-se, nesse sentido, um fenmeno bastante complexo, na confluncia entre as tradi-es de justia popular e a luta poltica.

    AgRADECIMENTOS

    Agradeo a Pedro Paulo Funari e Luciane Omena pelo convite para escrever este artigo, a Carlos Galvo-Sobrinho e Rafael Monpean, pelas indicaes bibliogrficas e pelas dis-cusses de ideias aqui expostas, e por fim, mas no menos importante, a Priscila Nunes, pela leitura de uma verso pre-liminar deste texto e pelo apoio de sempre. Os argumentos defendidos e os erros subsistentes so de inteira responsabili-dade do autor.

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    Recebido em maro de 2014.Aprovado em julho de 2014.