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241 Série Direitos Fundamentais Civis: Tomo I O CARNAVAL NÃO PODE PARAR: A INSTITUIÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA EM DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA IMPROJETABILIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA 1 Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Júnior * Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça ** 1 INTRODUÇÃO A funcionalidade do Sistema Tributário brasileiro, costumeiramente condiciona- da à um conjunto de regras que obedecem a uma ordem sagrada e inafastável, pode ser comparada à organização de formas e cores das estampilhas, alegorias, fantasias, ritmos e coreograias do Carnaval, festa popular que tornou-se uma das principais representações do Brasil mundo afora. Foi fazendo uma analogia ao Carnaval brasileiro que, em meados de 1989, com a publicação de sua obra Carnaval Tributário, Alfredo Augusto Becker, com persuasão que lhe era peculiar, submeteu o Sistema Tributário nacional. Na década de 1940, as diretri- zes da Política Fiscal concentravam-se em disciplinar as estampilhas federais, estaduais e municipais no seu ritmo e com a tropicalidade das suas cores. Essas estampilhas deveriam obedecer uma ordem de mutações, segundo a competência constitucional impositiva, a natureza e o valor do tributo, os dotes e a imaginação do artíice gravador da matriz da estampilha, entre outros. E, graças ao colorido e ao formato diferenciado das estampilhas, é que o Sistema Tributário, para Becker, era um Carnaval. Somente havia muita confusão, muito papel co- lorido, mas, mesmo assim, era divertido. A festa, entretanto, não parou por ali. Em 1963, o Supremo Tribunal Federal, em Tribunal Pleno, decidiu a natureza dos empréstimos compul- sórios como tributos, mediante uma votação esdrúxula de dez votos a um, criando a possibi- lidade, para o autor, de que se mascarassem diversos tributos na forma de “empréstimos”. Nesse contexto, explanou Becker, estava formado a alegoria dos “Unidos da Vila Federal”, sendo o Presidente da República e o seu Ministro da Fazenda aqueles que abrirão as alas, lançando confetes e serpentinas dos bolsos vazios e das tripas dos contribuintes, res- pectivamente, em busca do prêmio, por unanimidade, da “Fraude contra o Contribuinte”. Eis que, em 17 de março de 1993, foi aprovada a Emenda Constitucional de n. 3, alterando diversos artigos da Constituição Federal de 1988. Entre eles, encontrava-se o artigo 150, pertencente ao Sistema Tributário Nacional, sendo-lhe adicionado um novo parágrafo, que possibilitou a cobrança de tributos mediante a instituição da substituição * Mestre em Direito Constitucional das Relações Privadas, com bolsa Prosup/Capes pela Universidade de Fortaleza; Pós-graduando em Filosoia e Teoria Geral do Direito pela Pontíicia Universidade Católica de Minas Gerais; Professor da Universidade de Fortaleza e do Centro Universitário Estácio do Ceará em Fortaleza; Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, 60811-905, Fortaleza, Ceará, Brasil; [email protected] ** Pós-doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina; Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará; Professora da Universidade de Fortaleza; Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Católica Rainha do Sertão, de Quixadá; Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, 60811-905, Fortaleza, Ceará, Brasil; [email protected] 1 Trabalho publicado originalmente na Revista Thesis Juris (v. 2, n. 2, em 2013).

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  • 241Srie Direitos Fundamentais Civis: Tomo I

    O CARNAVAL NO PODE PARAR: A INSTITUIO DA SUBSTITUIO TRIBUTRIA PROGRESSIVA EM DESRESPEITO AO PRINCPIO DA

    IMPROJETABILIDADE DA LEI TRIBUTRIA1

    Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Jnior*

    Maria Lrida Calou de Arajo e Mendona**

    1 INTRODUO

    A funcionalidade do Sistema Tributrio brasileiro, costumeiramente condiciona-da um conjunto de regras que obedecem a uma ordem sagrada e inafastvel, pode ser comparada organizao de formas e cores das estampilhas, alegorias, fantasias, ritmos e coreograias do Carnaval, festa popular que tornou-se uma das principais representaes do Brasil mundo afora.

    Foi fazendo uma analogia ao Carnaval brasileiro que, em meados de 1989, com a publicao de sua obra Carnaval Tributrio, Alfredo Augusto Becker, com persuaso que lhe era peculiar, submeteu o Sistema Tributrio nacional. Na dcada de 1940, as diretri-zes da Poltica Fiscal concentravam-se em disciplinar as estampilhas federais, estaduais e municipais no seu ritmo e com a tropicalidade das suas cores. Essas estampilhas deveriam obedecer uma ordem de mutaes, segundo a competncia constitucional impositiva, a natureza e o valor do tributo, os dotes e a imaginao do artice gravador da matriz da estampilha, entre outros.

    E, graas ao colorido e ao formato diferenciado das estampilhas, que o Sistema Tributrio, para Becker, era um Carnaval. Somente havia muita confuso, muito papel co-lorido, mas, mesmo assim, era divertido. A festa, entretanto, no parou por ali. Em 1963, o Supremo Tribunal Federal, em Tribunal Pleno, decidiu a natureza dos emprstimos compul-srios como tributos, mediante uma votao esdrxula de dez votos a um, criando a possibi-lidade, para o autor, de que se mascarassem diversos tributos na forma de emprstimos.

    Nesse contexto, explanou Becker, estava formado a alegoria dos Unidos da Vila Federal, sendo o Presidente da Repblica e o seu Ministro da Fazenda aqueles que abriro as alas, lanando confetes e serpentinas dos bolsos vazios e das tripas dos contribuintes, res-pectivamente, em busca do prmio, por unanimidade, da Fraude contra o Contribuinte.

    Eis que, em 17 de maro de 1993, foi aprovada a Emenda Constitucional de n. 3, alterando diversos artigos da Constituio Federal de 1988. Entre eles, encontrava-se o artigo 150, pertencente ao Sistema Tributrio Nacional, sendo-lhe adicionado um novo pargrafo, que possibilitou a cobrana de tributos mediante a instituio da substituio

    * Mestre em Direito Constitucional das Relaes Privadas, com bolsa Prosup/Capes pela Universidade de Fortaleza; Ps-graduando em Filosoia e Teoria Geral do Direito pela Ponticia Universidade Catlica de Minas Gerais; Professor da Universidade de Fortaleza e do Centro Universitrio Estcio do Cear em Fortaleza; Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, 60811-905, Fortaleza, Cear, Brasil;

    [email protected]

    ** Ps-doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina; Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Mestre em Direito pela Universidade Federal do Cear; Professora da Universidade de Fortaleza; Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Catlica Rainha do Serto, de Quixad; Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, 60811-905, Fortaleza, Cear, Brasil;

    [email protected]

    1 Trabalho publicado originalmente na Revista Thesis Juris (v. 2, n. 2, em 2013).

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    tributria progressiva, tambm denominada pela doutrina e jurisprudncia como substi-tuio tributria para frente.

    Por mais que o julgamento do Supremo Tribunal Federal acerca dos emprstimos compulsrios tenha ocorrido h mais de vinte anos da promulgao da Constituio Federal de 1988, o Carnaval no parou. E no poderia parar. A substituio tributria progressiva trouxe, consigo, uma srie de alteraes no Sistema Tributrio brasileiro, permitindo, por exemplo, a cobrana de tributos com a fundamentao em um fato gerador futuro ou pre-sumido, que ainda no ocorreu e que, porventura de determinadas circunstncias, poderia no ocorrer.

    A festa de Carnaval no parou, e o Carnaval Tributrio de Alfredo Augusto Becker pareceu acompanhar essa tendncia. Atreladas legalidade que envolve do Direito Tribu-trio brasileiro, a tributao mascarada e, tambm, aquela baseada em fatos geradores futuros e presumidos ditam o ritmo que os contribuintes devem danar. Conforme se ve-riicar posteriormente, a prpria jurisprudncia no permite que a comemorao acabe. Entretanto, a comemorao no do contribuinte.

    Partindo do prprio conjunto de regras do Sistema Tributrio Nacional, aliado aos princpios constitucionais prprios, o princpio da improjetabilidade da lei tributria sur-ge como uma barreira ao afago desmotivado juridicamente no bolso do contribuinte pela tributao por um fato gerador que ainda no ocorreu e que pode no ocorrer. Entretan-to, como montada essa barreira? Mesmo montada, respeitada pela jurisprudncia em consonncia com o ordenamento jurdico brasileiro?

    Visando responder a esses questionamentos, entre outros, o presente trabalho procura fazer uma anlise da conceituao, formao e caractersticas do princpio da improjetabilidade da lei tributria. Para tanto, divide-se em trs partes distintas. Primei-ramente, falar-se- acerca da estrutura lgica e dinmica da norma jurdica tributria, quando ser explanada a teoria do fato gerador e, por conseguinte, como se d a sua ve-riicao no ordenamento jurdico brasileiro.

    Dando prosseguimento, discute-se a instituio da substituio tributria progres-siva ou para frente, a partir da Emenda Constitucional n. 3, de 17 de maro de 1993, e como se deram seus efeitos na cobrana ao contribuinte, alm de serem comentadas decises jurisprudenciais acerca do tema.

    Finalmente, analisar-se- o princpio da improjetabilidade da lei tributria a partir de sua conceituao, caractersticas e da relao com os demais princpios e regras do Sis-tema Tributrio Nacional, sem olvidar do que estabelece a Constituio Federal de 1988.

    2 O PRELDIO DA FESTA: A ESTRUTURA LGICA E DINMICA DA NORMA JURDICA TRIBUTRIA

    A compreenso positivista do saber determinava a identiicao do conhecimento vlido com a cincia natural, principalmente a partir da segunda metade do sculo XIX, baseado-se na induo experimental. Dessa maneira, o jurista, apesar de sua vocao eminentemente cientica, utilizava-se do sociologismo e, com isso, aderia sua feio

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    ecltica, submetendo o direito a diversas metodologias empricas, quais sejam: a psico-lgica, a dedutiva silogstica, a histrica, a sociolgica, entre outras (DINIZ, 2003, p. 13).

    Nesse contexto, encontrava-se o cientista ou estudioso do direito encurralado, no podendo adentrar em nenhum outro domnio cientico. Assim, perdeu a jurisprudn-cia o seu prestgio cientico, tendo em vista que inexistia a sua prpria metodologia e tomando por emprstimos diversos outros ramos metodolgicos de outras cincias. Mas, ento, qual seria o verdadeiro sentido da cincia jurdica? Qual deveria ser o seu estudo?

    Para se alcanar o verdadeiro sentido da cincia jurdica e, assim, fazer uma ava-liao acerca da norma que a compe, surgiram a Teoria Pura do Direito, formulada por Hans Kelsen, e a Teoria Egolgica, de Carlos Cossio, como solues.

    Primeiramente, para se alcanar o verdadeiro sentido da cincia jurdica, Kelsen (1962, p. 1) submeteu-a a uma dupla depurao, excluindo qualquer inluncia ideolgica ou sociolgica que poderia alterar o seu sentido. Realizando esse isolamento do direito, concentrou seus esforos no combate ao ilcito e, assim, resumiu a cincia normativa ao positivismo. O direito seria o equivalente norma, devendo o jurista realizar um estudo positivismo para alcanar o objeto da cincia jurdica.

    Partindo do mesmo objetivo, o de encontrar o verdadeiro sentido do conhecimen-to para a cincia jurdica, Cossio (1964, p. 533) considerou que o direito deveria versar no sobre as normas, tal como defendida Kelsen (1962), mas sim na conduta humana vi-vente, a partir de uma esfera intersubjetiva, tendo em vista tratar-se a cincia jurdica de objetos culturais.

    Com isso, o mtodo mais adequado para se encontrar o exato conhecimento seria o emprito-dialtico, completamente diferente do mtodo normolgico de Kelsen (1962), e tendo como principal fundamento a conduta humana. somente atravs da experincia que o jurista conseguir conhecer o direito, porque esse conhecimento a compreenso de seu sentido (COSSIO, 1964, p. 533).

    O grande trabalho da cincia jurdica, durante muito tempo, foi o de examinar e sistematizar o que verdadeiramente se passa entre os homens, quando se dizem credores, titulares ou sujeitos passivos de obrigaes, entre outros. Foi somente com o esforo de dois milnios que a cincia jurdica conseguiu precisar conceitos, dar forma dinmica e sistemtica exposio, por esses conhecimentos disposio dos elaboradores de novas leis e aprimorar o senso crtico de dezenas de geraes. E esse trabalho teve, como um de seus principais fundamentos, a experincia jurdica (MIRANDA, 1954, p. 16).

    Portanto, a experincia jurdica consiste na mesma experincia social do homem, prevendo e impondo determinaes ao seu comportamento, utilizando, para tanto, uma norma de conduta predeterminada. Essa mesma norma de conduta seria a norma jurdica (BOBBIO, 1958, p. 3-34).

    A cincia jurdica, por sua vez, a partir Kelsen (1962) e de Cossio (1964), alm de outras, almejou encontrar o contedo da norma jurdica, investigando sua estrutura lgica, observando o seu modo de funcionamento e compreendendo a sua atuao din-mica. Somente com essa veriicao que encontraram-se os efeitos jurdicos da norma (BECKER, 2010, p. 314). Entretanto, quais so esses efeitos?

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    2.1 A ESTRUTURA LGICA DA NORMA JURDICA TRIBUTRIA E SEUS EFEITOS

    Para construir um instrumento de ao social, que consiste na norma jurdica, a estrutura do pensamento humano utilizou-se da lgica e de sua atuao dinmica. Com isso, todas as regras jurdicas incidem, e somente incidem depois de realizada a sua hi-ptese, uma vez que foram criadas conforme o pensamento humano, gerando um efeito disciplinador condicionando realizao de uma hiptese (MIRANDA, 1954, p. 16).

    Diante desse contexto, conclui Becker (2010, p. 314), que o jurdico consiste numa realidade espiritual, e toda a fenomenologia jurdica existe e desencadeia-se no mundo do pensamento, que faz parte do mundo em sua totalidade. Entretanto, conectam-se com os fa-tos do mundo perceptvel, sendo toda prova de direitos uma prova dos fatos que a antecedeu.

    A partir desse raciocnio, pode-se elencar a estrutura lgica da norma jurdica, em que a mesma sistematizao seguida pela norma jurdica tributria, decompondo-a em duas partes: a hiptese de incidncia (denominada como o fato gerador); e a prpria norma (denominada como regra, ou tambm, regra de conduta, preceito) (BECKER, 2010, p. 315). A partir dessa classiicao, como seria a formao da obrigao tributria?

    Tendo deinido sua estrutura lgica, composta da hiptese de incidncia e a pr-pria norma, Becker passou a analisar a norma jurdica em sua estrutura dinmica, verii-cando que ocorre o seguinte:

    a) Realizao da hiptese de incidncia (fato gerador): a hiptese deixa de ser hiptese e concretiza-se, tendo em vista que se realizou pelo acontecimento dos fatos nela previsto.

    b) Incidncia da norma jurdica sobre a hiptese de incidncia (fato gerador) rea-lizada: a incidncia da norma jurdica tributria somente ocorre depois de re-alizada a hiptese de incidncia, ou seja, com a concretizao de seus efeitos.

    c) A juridicizao da hiptese de incidncia (fato gerador): com a incidncia da norma jurdica, o fato gerador concretizado juridiciza-se.

    d) A Irradiao dos efeitos jurdicos (eiccia jurdica): ocorrem, com a juridici-zao, a consequncia predeterminada pela norma jurdica, ou seja, pela con-duta contida dentro da norma. Forma-se a estrutura lgica da norma jurdica tributria. Os efeitos jurdicos decorrentes da irradiao podem, por sua vez, ser assim explicitados:

    Irradiao da relao jurdica: vincula-se o plo positivo (sujeito ativo) ao plo negativo (sujeito passivo).

    Irradiao do contedo jurdico da relao jurdica: direito prestao com o correlato deve de prest-la.

    Determinao da prestao jurdica: o fazer ou no fazer, no seu devido tempo e lugar.

    Determinao do objeto da prestao jurdica: aquilo que deve ser feito ou no deve ser feito. Para se obter a determinao do objeto da prestao jurdica tributria, a prpria norma deine:

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    o elemento dentre os mltiplos que integram a composio da hiptese de incidncia, que dever servir de base de clculo;

    o mtodo, que consiste no peso ou medida ou valor para converter a base de clculo em cifra;

    a alquota, que, uma vez calculada sobre a base de clculo j convertida em cifr, dar como resultado uma segunda cifra, a qual corresponde grande-za do objeto (tributo) da prestao jurdica tributria.

    a) Finalmente, a extino da irradiao da relao jurdica (d.i) e, tambm, da irradiao do contedo jurdico da relao jurdica, mediante a realizao da prestao jurdica.

    Porm, deve ser ressaltado que os efeitos jurdicos elencados nos itens c, d e e correspondem consequncias prescritas pela norma, que, conjuntamente ao fato gerador, compem a estrutura lgica da regra jurdica (BECKER, 2010, p. 316).

    Em suma, pode-se veriicar que a norma tributria segue a sistemtica geral da nor-ma jurdica, em que a conjugao da hiptese de incidncia com a sua realizao no mundo dos fatos que formar a obrigao tributria. Pode-se, ainda, ser exempliicada a relao jurdico-tributria, com a formao da obrigao de pagar tributos, da seguinte maneira:

    a) Determinado indivduo adquire a propriedade de um veculo automotor. Ao adquirir a propriedade do veculo, realiza-se a hiptese de incidncia (o fato gerador) do Imposto sobre a Propriedade de Veculos Automotores (IPVA).

    b) Prev o artigo 155, inciso III da Constituio Federal de 1988 que os Estados--membros e o Distrito Federal tm competncia para institu-lo. Com a concre-tizao do fato gerador, ocorre a incidncia da norma jurdica sobre a hiptese de incidncia, ou seja, os efeitos jurdicos (o direito de receber e o direito de pagar) ocorrem somente aps a incidncia concretizada.

    c) A incidncia da norma jurdica sobre a hiptese de incidncia promove sua juridicizao, tornando-se, para tanto, a propriedade sobre o veculo (o que concretizou a hiptese de incidncia) relevante juridicamente.

    d) Ocorre a irradiao dos efeitos jurdicos, ou seja, as consequncias prede-terminadas pela regra de conduta (adquirir um veculo automotor) dentro da norma jurdica. Primeiramente, irradia-se a relao jurdia, vinculando o pro-prietrio do veculo com a Administrao Pblica, representada pelos Estados--membros e o Distrito Federal. Em seguida, irradia-se o contedo jurdico da relao jurdica, tendo o proprietrio o dever de prestar com sua obrigao.

    e) Determina-se a prestao jurdica, com o dever de fazer ou no fazer do IPVA, com o seu tempo e lugar especiicados. Em seguida, determina-se o objeto da prestao jurdica, com a base de clculo, o mtodo e a alquota referente ao imposto. Finalmente, extingue-se a relao obrigacional do proprietrio com o pagamento do imposto.

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    Portanto, a norma jurdica tributria contm a determinao dos casos em que se cumprir determinada obrigao (pagar um tributo); as pessoas obrigadas a cumpri-la (sujeitos ativo e passivo); a sua quantia; e os modos e a forma como a obrigao tribu-tria deve ser liquidada e cumprida, sendo matria regulamentada pelo Estado moderno no ordenamento jurdico com disposies imperativas, e cuja observncia vinculam tanto os contribuintes como os rgos estatais (GIANNINI, 1957, p. 67). E o prprio conceito de tributo para o ordenamento jurdico brasileiro demonstra suas caractersticas.

    Conforme estabelecido no artigo 3 do CTN, tributo consiste [...] em toda pres-tao pecuniria compulsria, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que no constitua sano de ato ilcito, instituda em lei e cobrada mediante atividade administra-tiva plenamente vinculada.

    Ou seja, tributo pode ser considerado um dos recursos oferecidos ao Estado para se obter os meios pecunirios necessrios ao desenvolvimento de suas atividades, perten-cente, assim, aos fenmenos das inanas pblicas e sendo objeto de estudo por parte da cincia ou das cincias que se ocupam delas (JARACH, 1989, p. 41).

    Mas, ao mesmo tempo, no pode o tributo ser afastado dos demais recursos esta-tais em razo de suas caractersticas jurdicas, resultando de uma prestao coativa por parte dos particulares ao Estado e resultado da relao jurdica formada entre os sujeitos ativo e passivo da obrigao, ou seja, uma relao obrigacional de direito pblico, estri-tamente vinculada lei (NOGUEIRA, 1974, p. 115).

    Assim, pode-se airmar que o fundamento jurdico da relao jurdico-tributria fundamenta-se exclusivamente na lei (BLUMENSTEIN, 1954, p. 9-10), corroborando o en-tendimento exposto no ordenamento jurdico brasileiro, que defende, no artigo 5, inciso II, da Constituio Federal de 1988 que [...] ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei.

    Nesse contexto, a relao jurdico-tributria corresponde aos anseios do direito p-blico, manifestando-se pelo poder de imprio do Estado (FONROUGE, 1973, p. 87). Entretan-to, o prprio Estado no poder atuar discricionariamente, sendo condicionado o respeito s disposies legais (princpio da legalidade), razo pela qual pode ser atribuda relao jurdico-tributrias as caractersticas de uma obrigao ex lege (BUJANDA, 1966, p. 19-22).

    Para que exista a formao da obrigao tributria, segundo Nogueira (1974, p. 116), utilizando-se uma analogia de Hensel, faz-se necessrio, de maneira semelhante um espelho, que se relita o retrato da relao de fato, ou seja, o espelho (a lei) pode existir, mas somente reletir a imagem do fenmeno tributvel quando este estiver na sua frente. E, assim, se no houver o espelho, tambm no haver o relexo do fenmeno tributvel, inexistindo a formao da obrigao tributria.

    Deve-se ressaltar, entretanto, que o prprio Becker (2010, p. 319) defende no existir uma norma jurdica para a hiptese de incidncia, outra para a prpria norma, outra para a base de clculo, outra para a alquota, e assim sucessivamente. Todos esses elementos compem a mesma estrutura lgica de uma nica norma jurdica, resultado de diversas leis ou artigos de leis.

    Finalmente, a norma jurdica no pode ser confundida com a lei; a norma jur-dica resultante da totalidade do sistema jurdico formado pelas leis. A norma jurdica

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    no lei, conquanto lei seja norma jurdica, ou seja, o gnero norma jurdica envolve as espcies de lei, alm das formas consuetudinria, jurisprudencial e doutrinria (VASCON-CELOS, 2006, p. 50-51).

    Dessa forma, veriica-se que a relao jurdico-tributria consiste na formao da obrigao tributria, em razo da complementao da hiptese de incidncia com o fato gerador do tributo, vinculando o sujeito ativo (o Poder Pblico) e o sujeito passivo, seja ele direto (contribuinte) ou indireto (responsvel) no cumprimento da obrigao. Assim, qual a deinio do fato gerador do tributo?

    2.2 A HIPTESE DE INCIDNCIA DO TRIBUTO: A CONCRETIZAO DO FATO GERADOR

    Conforme explanado anteriormente, toda e qualquer norma jurdica, dentre as quais inclui-se a tributria, tem como estrutura lgica a prpria norma e a hiptese de incidncia (tambm denominada de fato gerador). A incidncia da norma jurdica somen-te ocorre depois de realizado o seu fato gerador, e as consequncias desta incidncia so aquelas predeterminadas pela norma. Discutiu-se como se do os efeitos da incidncia na norma, formando, assim, a obrigao tributria.

    Entretanto, o que viria a ser, essencialmente, o fato gerador? Quando este instituto poder ser considerado como concretizado, ensejando a incidncia da norma jurdica tribu-tria? Para se alcanar a resposta a esses questionamentos, faz-se indispensvel uma anlise da legislao tributria e constitucional vigente, alm de citaes doutrinrias sobre o tema.

    Dispe o Cdigo Tributrio Nacional (CTN) de 1966, em seu artigo 114, que o fato gerador da obrigao principal a situao deinida em lei como necessria e suiciente sua ocorrncia. E, ainda, em seu artigo 115 estabelece que o fato gerador [...] da obri-gao acessria qualquer situao que, na forma da legislao aplicvel, impe a prtica ou a absteno de ato que no conigure obrigao principal.

    Entretanto, a legislao tributria ainda prev o fato gerador em outros dispositi-vos. No artigo 113, pargrafo 1, o CTN defende que a [...] obrigao tributria princi-pal ou acessria, com a principal surgindo com a ocorrncia do fato gerador, e tendo por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniria, e extinguindo-se juntamente com o crdito dela decorrente.

    A conceituao do CTN apresenta-se como ampla e dispersa, no possibilitando que se identiique o verdadeiro sentido do fato gerador. Mas, ao mesmo tempo, concede elemen-tos suicientes para que se possa formular um conceito de fato gerador a partir da doutrina.

    Antes de tudo, deve ser analisado o conceito legal em mincias, a im de que se busque retirar-lhe todas as informaes possveis no auxlio de uma deinio de fato gerador. Quando o artigo dispe a situao deinida em lei, exprime o respeito ao princpio da legalidade, um dos alicerces do Sistema Democrtico de Direito e de singular relevncia para o Direito Tributrio (CABRAL, 2010, p. 21).

    A prpria Constitucional Federal de 1988, em seu artigo 150, incisos I e III, alnea a, tratou de elencar o princpio da legalidade a uma limitao ao poder de tributar, quan-do airma que nenhum ente da federao, seja a Unio, Estados-membros, Distrito Federal

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    ou os Municpios, podem exigir ou aumentar tributo sem lei que os estabelea. Esse mesmo princpio encontra respaldo na legislao ordinria, nos artigos 3 e 97 a 100 do CTN.

    Cumpre ressaltar, ainda, que a frmula geral [...] nenhum tributo ser exigido ou au-mentado sem que a lei o estabelea foi parafraseado a partir dos pensamentos de Feuerbach, elaborando o aforismo nullum tributum sine lege, mediante o qual a teoria da reserva da lei tributria encontra uma simpliicao formal (VASCONCELOS, 2006, p. 35). Dessa maneira, portanto, encontra-se o fenmeno da reduo da juridicidade ao campo da legalidade.

    H de se ressaltar, ainda, que a previso legal do fato gerador a descrio minu-siosa da situao ftica que indicar o correto exerccio de competncia do ente federa-tivo (sujeito ativo) e o tributo ao qual se obriga o indivduo (sujeito passivo), enquadrado nessa situao. E a descrio legal do fato gerador que determina a espcie tributria, sendo um indicativo de exerccio de competncia (BALEEIRO, 2007, p. 64).

    A descrio da situao na lei fundamental para que se concretize (e airme-se ter concretizado) o fato gerador do tributo. , para tanto, que, dando prosseguimento, o conceito do artigo 114 do CTN coloca a expresso como necessria, dando a entender, mais uma vez, a fora do princpio da legalidade no Direito Tributrio.

    Esse o mesmo entendimento de Cabral (2010, p. 22), quando defende que vital a existncia de lei impositora e reguladora no meio tributrio, trazendo essa lei a deinio pormenorizada da situao a que se pretende imputar o dever obrigacional, ou seja, refor-a-se o entendimento de que a lei tributria ir condicionar a concretizao do fato gerador.

    Segue o mesmo posicionamento Colho (2006, p. 43), quando airma que o fato gera-dor deve ser descrito em lei (lex scripta e stricta) em razo do princpio da legalidade, e que deve, mais ainda, ser minuciosamente descrito (seria o princpio da especiicao) para evitar ao intrprete ou ao aplicador da lei entendimentos dilargados ou contraditrios a seu respeito, gerando insegurana (princpio da segurana jurdica) e incerteza para o contribuinte.

    Finalmente, quando o artigo 114 dispe e suiciente sua ocorrncia, estabe-lece que a situao deinida em lei o suiciente para que, na fenomenologia, o fato no seja um mero fato, mas sim um fato capaz de fazer surgir, no momento de sua concreti-zao, uma relao obrigacional, um dever para um (sujeito passivo, o contribuinte) e um direito para outro (sujeito ativo, o Poder Pblico).

    E o disposto do caput do artigo 113, e o artigo 115, transcrito anteriormente? Trata o texto legal da obrigao acessria, que consiste no cumprimento de prestaes, positi-vas ou negativas, relacionadas ao interesse do Estado de arrecadas ou iscalizar tributos, ou seja, consiste numa obrigao de fazer, no fazer ou tolerar, sendo uma imposio ao indivduo (CABRAL, 2010, p. 55-56). O seu fato gerador se concretiza na situao que, prevista em lei, impe ao indivduo a prtica ou absteno de determinados atos que no conigurem o pagamento de tributo ou de pena pecuniria.

    Eis que, conforme previso do CTN, a identiicao do momento em que nasce a obrigao tributria principal; a ixao dos conceitos de incidncia, no incidncia e iseno; a determinao do sujeito passivo da obrigao tributria; a determinao do regime jurdico da obrigao tributria (alquota e base de clculo); a distino dos tribu-tos em gnero e dos impostos em espcie, entre outros, consistem nas virtudes oriundas

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    do conhecimento desprendido do estudo do fato gerador iniciado a partir do seu conceito (FALCO, 2013, p. 67-103).

    Da mesma maneira seguem os ensinamentos de Alfredo Augusto Becker, uma vez que, para ocorrer a relao jurdica tributria necessrio que, anteriormente, tenha ocorrido a incidncia da norma jurdica tributria sobre o fato gerador, e, assim, irradiado a relao jurdica tributria. Critica o autor, porm, a expresso fato gerador, uma vez que esta geraria confuso intelectual (BECKER, 2010, p. 338).

    Tambm propondo a utilizao do termo hiptese de incidncia, ao invs de fato gerador, Ataliba (1991,p. 67) airma que a lei sempre descreve um fato, atribuindo-lhe, se e quando acontecido, a fora jurdica de criar o vnculo obrigacional tributrio, porque, segundo lies de Jarach, Amlcar Falco, dentre outros, a situao posta como hiptese de incidncia sempre um fato. Mas, registre-se, um fato jurdico, fato de que decorrem efeitos jurdicos, por disposio do sistema. Ambos os autores alegam que a improprieda-de de expresses pode levar a falsas concluses acerca de uma teoria ou doutrina, provo-cando prejuzos com base naquele fundamento.

    Portanto, o fato gerador da obrigao tributria pode ser conceituado como sendo o fato, o conjunto de fatos ou estado de fato, a que o legislador vincula o nascimento da obrigao jurdica tributria de pagar um tributo determinado (FALCO, 2013, p. 2-3).

    O mesmo posicionamento pode ser encontrado em Cabral (2010, p. 26), quando defende ser o fato gerador todo aquele fato que, eleito pelo legislador e posto como uma norma tem aptido para ocorrer no mundo, uma vez que sem lei seria um fato irrelevante ao meio jurdico tributrio. Este fato juridicizado na igura do fato gerador que gera para o indivduo nele enquadrado, de modo periciente, uma obrigao a ser cumprida dentro de um dado espao e em certo tempo.

    Assim, pode-se airmar que toda e qualquer norma jurdica, dentre as quais inclui--se a tributria, tem como estrutura lgica a prpria norma e a hiptese de incidncia, e que a incidncia da norma jurdica somente ocorre depois de realizado o seu fato gerador, com as consequncias desta incidncia sendo aquelas predeterminadas pela norma. Com a concretizao do fato gerador, forma-se a obrigao tributria, gerando um dever para o sujeito passivo direto (contribuinte) ou indireto (responsvel) e um direito ao sujeito ativo (o Poder Pblico). E, com o surgimento da obrigao tributria, a Administrao P-blica efetua ou homologa o lanamento do tributo, tornando lquida e certa a obrigao, consubstanciando-se o crdito tributrio.

    3 ABRAM-SE AS ALAS, A FESTA RECOMEOU!: A PREVISO CONSTITUCIONAL DO FATO GERADOR FUTURO OU PRESUMIDO E A INSTITUIO DA SUBSTITUIO TRIBUTRIA PROGRESSIVA

    Seguindo posicionamento contrrio s disposies do Cdigo Tributrio Nacional (CTN) e, tambm, da prpria Constituio Federal de 1988, conforme se veriicar poste-riormente, foi instituda, em 17 de maro de 1993, a Emenda Constitucional de n. 3, que, em seus termos, adiciona ao artigo 150 do texto constitucional o pargrafo 7, podendo a lei atribuir a sujeito passivo de obrigao tributria a condio de responsvel pelo pagamento de imposto ou contribuio, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente,

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    assegurada a imediata e preferencial restituio da quantia paga, caso no se realize o fato gerador presumido.

    A partir do texto previsto no artigo 150, 7 da Constituio Federal, podem-se isolar alguns elementos: a) a lei pode atribuir a sujeito passivo de obrigao tributria a condio de responsvel pelo pagamento de imposto ou contribuio; b) o fato gerador que enseja a formao dessa obrigao tributria ocorrer posteriormente, ou seja, um fato gerador futuro ou presumido; c) no ocorrendo o fato gerador futuro ou presumido, ocorrer a impediata e preferencial restituio da quantia paga.

    Diferentemente do que foi tratado anteriormente, tanto na legislao tributria quanto na doutrina, a Emenda Constitucional de n.3 inseriu no artigo 150 da Constituio Federal de 1988 um tipo diferenciado de fato gerador, que ocorrer em momento comple-tamente distinto daquele fato gerador tradicional, ou seja, ser presumido, podendo ou no ocorrer, e com essa presuno que forma-se a obrigao tributria. E, ainda pior: no ocorrendo o fato gerador (signiicando uma situao de completa insegurana jurdi-ca), ocorrer a imediata e preferencial restituio do tributo. Ao menos o que se prev. Entretanto, a regra est sendo devidamente aplicada?

    Mas como essa Emenda de n. 3 afeta o ordenamento jurdico brasileiro? Como so violados os princpios vigentes do Sistema Tributrio Nacional? Esses questionamentos sero respondidos a seguir.

    3.1 A ATRIBUIO A SUJEITO PASSIVO DE OBRIGAO TRIBUTRIA NA CONDIO DE RES-PONSVEL PELO PAGAMENTO DO IMPOSTO OU CONTRIBUIO

    O termo responsabilidade corresponde-se com a ideia de ter algum de responder pelo descumprimento de um dever jurdico, ou seja, a responsabilidade no se confunde com o dever jurdico, estando aquela sempre ligada ao descumprimento do dever, no prestao. Assim, pode-se airmar que a sujeio de algum a uma sano, geralmente a quem tem o dever jurdico, mas podendo ser atribuda a quem no o tem (MACHADO, 2009, p. 150).

    Portanto, pode-se airmar que o contribuinte seria o sujeito passivo direito, en-quanto que o responsvel consiste no sujeito passivo indireto (SOUSA, 1975, p. 92). Po-rm, no se pode confundir o sujeito passivo indireto com o sujeito passivo de tributo indireto, ou seja, aquele que, onerando o contribuinte (contribuinte de direito), atinge, relexamente, um terceiro (chamado de contribuinte de fato). Com isso, o sujeito passi-vo indireto corresponde a um terceiro (que o contribuinte de direito, e no de fato) eleito como o devedor da obrigao tributria (AMARO, 2009, p. 303).

    Ainda assim, o termo responsabilidade no Direito Tributrio pode ter dois senti-dos: um sentido amplo e outro restrito. Em sentido amplo, consiste na submisso de deter-minada pessoa, seja ela contribuinte ou no, ao direito do Poder Pblico exigir a prestao da obrigao tributria (MACHADO, 2009, p. 150-151). Essa responsabilidade vincula qual-quer dos sujeitos passsivos da relao tributria, e pode ser encontrada em sentido amplo nas disposies dos artigos 123, 128, 136 e 138, entre tantos outros, do CTN.

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    O sentido restrito, por sua vez, a submisso, em virtude de disposio legal ex-pressa (princpio da legalidade), de determinada pessoa que no contribuinte, mas est vinculada ao fato gerador da obrigao tributria, ao direito do Poder Pblico de exigir a prestao respectiva. Pode ser encontrada a responsabilidade em sentido estrito, por exemplo, no artigo 121, inciso II do CTN.

    A igura do responsvel como devedor na obrigao tributria corresponde a uma modiicao subjetiva no plo passivo da obrigao, uma vez que esta, naturalmente, se-ria ocupada pelo contribuinte (AMARO, 2009,p. 303). O contribuinte, nesse sentido, seria algum que, originariamente, cumpriria a obrigao tributria com o Fisco, mas que no o far em razo da lei ter optado por colocar outro indivduo em seu lugar, ou seja, o res-ponsvel, desde o momento da ocorrncia do fato (ou da presuno deste).

    Mas a responsabilidade tem de ser atribuda a quem tenha relao com o fato gerador, ou seja, pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigao. No consiste numa vinculao pessoal e direta, pois quem se encontra nessa situao o contribuinte, mas sim numa vinculao com o fato gerador para que algum seja considerado o respon-svel (MACHADO, 2009, p. 151).

    Dessa maneira, a Emenda Constitucional de n. 3, ao tratar de transferir a obriga-o tributria a um responsvel, retirando-a do contribuinte, no criou problemas, agindo conforme a legislao tributria vigente e os preceitos constitucionais do Estado Demo-crtico de Direito.

    Entretanto, no momento em que condicionou essa representao (tambm cha-mada de substituio) a um fato gerador futuro ou presumido, fez exatamente o contr-rio, indo em sentido oposto ao da legislao do Direito Tributrio e suas fontes. E como funciona essa representao e substituio? o que se veriicar a seguir.

    3.2 O CONDICIONAMENTO DA REPRESENTAO OU SUBSTITUIO A UM FATO GERADOR FUTURO OU PRESUMIDO: A PREVISO DA SUBSTITUIO TRIBUTRIA PROGRESSIVA OU PARA FRENTE

    Conforme lio de Roque Antonio Carrazza, a Emenda Constitucional de n. 3 criou a responsabilidade tributria por fato futuro, tambm denominada de substitui-o tributria progressiva ou para frente, quando a lei autorizada a fazer nascer tributos de fatos que ainda no ocorreram, mas que, ao que tudo indica, ocorrero. Assim, permite que a lei crie presunes de acontecimentos futuros e, com elas, faa nascer obrigaes tributrias (CARRAZZA, 2011, p. 491).

    O prprio texto da Emenda Constitucional de n. 3 gera polmicas na doutrina. Se-gundo Cabral (2010, p. 66), existe uma incoerncia no texto quando permite lei atribuir a responsabilidade. Porm, deve-se ressaltar que o princpio da legalidade limita o Poder de tributar, em que necessita de lei para exigir ou aumentar tributo. Mas como poderia exigir, se h lei e no h um fato no mundo correspondente? Por mais que o fato gerador venha a ocorrer posteriormente, a autora veriica uma irregularidade do previsto na Emen-da Constitucional com os valores estabelecidos na prpria Constituio Federal de 1988.

    Oportuno o posicionamento de Nogueira (1990, p. 98-103), segundo o qual o direi-to, como uma cincia normativa, com a inalidade de realizar a justia e o bem comum,

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    tem como necessria a utilizao no somente de normas adequadas, como tambm pela doutrina e jurisprudncia para impedir a incerteza. E, ainda, que o direito no deve ser escrito somente por meio de texto, mas tambm por contextos, ou textos interligados, componentes de uma estrutura de normas que detm nexo, ou seja, componentes de uma nica sistemtica.

    Para Carrazza (2011, p. 491-492), os problemas do texto da Emenda no param por a, uma vez que a Constituio Federal de 1988 veda a tributao a fatos de provvel ocorrncia, e, segundo o autor, para que a substituio tributria venha a acontecer ade-quadamente, faz-se necessrio que se fundamente em fatos concretos, nunca em fatos futuros ou incertos. E essa uma barreira inafastvel, tendo em vista que integra o con-junto de direitos e garantias fundamentais.

    Em nenhum momento, a Constituio Federal de 1988 trouxe em seu texto dispo-sies acerca da exigncia de tributos tendo por fundamento fatos geradores futuros ou presumidos. Mas, em razo do princpio da segurana jurdica, proporciona uma medida de defesa ao contribuinte, exigindo a instituio de lei para que seja exigido ou aumen-tado um tributo. E quando a prpria lei que prev a exigncia desse tipo de tributo, baseado em fatos futuros?

    Para Carrazza (2011, p. 494), a Emenda, ao adicionar o pargrafo 7 ao artigo 150 da Constituio Federal de 1988, atropelou qualquer indcio do princpio da segurana jurdica, aplicando ao Direito Tributrio a ocorrncia real do fato impunvel.

    O mesmo entendimento pode ser encontrado em Ataliba (1995, p. 175), quando airma que as leis civis, comerciais e administrativas podem, de um modo geral, pruden-temente estabelecer presunes e ices, mas a Constituio Federal veda que isso seja feito em matria penal e tributria, a partir do brocardo nullum crimen, nullum tributum sine lege. Assim, integra o artigo 5 da Constituio Federal de 1988, que trata dos direitos e garantias fundamentais, protegido por clusula ptra, por fora do artigo 60, pargrafo 4 do prprio texto constitucional.

    O prprio artigo 145, em seu pargrafo 1, refere-se capacidade econmica do contribuinte. Com isso, exige-se que para seja cobrado um determinado tributo, seja le-vada em considerao a capacidade econmica do contribuinte, o sujeito passivo direito, mas como poderia faz-lo se o fato gerador ainda no ocorreu? Como poderia faz-lo se consiste num fato presumido? Assim, no pode resultar o tributo de uma ico, tal como no se pode punir algum por um crime que no cometeu (ATALIBA, 1995, p. 175).

    Registre-se, entretanto, que a substituio tributria regressiva ou para trs no encontrou maiores obstculos na doutrina com relao ocorrncia do fato gerador, em razo deste j ter ocorrido, e no tratar-se de uma presuno, ou mera ico. O que ocorre na substituio regressiva o deferimento do pagamento do imposto de fato ge-rador j ocorrido, que dever ser feito por um substituto tributrio que tenha vinculao com o fato ocorrido e com aquele que o praticou, com a inalidade de ser ressarcido inan-ceiramente da incumbncia legal da substituio (MANEIRA, 2003, p. 56).

    Poderia tratar-se o fato gerador futuro ou presumido institudo pela Emenda Cons-titucional de n. 3 como sendo uma norma constitucional inconstitucional (BACHOF, 2001, p. 2-40), mas essa hiptese afastada por Carrazza (2011, p. 495), quando defende

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    que o princpio da segurana jurdica foi estabelecido por uma Assembleia Nacional Cons-tituinte, exercendo-se o poder constituinte originrio. Com isso, estaria conigurada uma hiptese de uma norma inconstitucional.

    O pagamento consiste numa das modalidades extintivas de obrigaes tributrias, conforme o artigo 156, inciso I do CTN. Com isso, torna-se praticamente impossvel, den-tro dos princpios e normas vigentes no Direito Tributrio extinguir um tributo que ainda no foi cobrado (CARRAZZA, 2011, p. 492).

    Nesse contexto, no tendo ocorrido os pressupostos necessrios ao surgimento da prpria obrigao tributria, ou seja, no se podendo falar ainda em cobrana de tribu-to, no h porque se cogitar a representao ou substituio de um sujeito passivo que tambm no existe. Essa medida consistiria numa espcie de conisco de um determinado indivduo, que est respondendo por um fato futuro ou presumido, ou seja, completamen-te incerto, e que representa ou substitui outro indivduo sem estrutura lgica (CARRAZZA, 2011, p. 492).

    A jurisprudncia tambm segue nesse sentido. Em julgamento do Recurso Especial de n 37.361-1, de So Paulo, em 23 de maio de 1994, o Ministro Csar Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justia (STJ) decidiu que, para que seja regular uma substituio, necessrio que j exista o substitudo, uma vez que a vinculao somente pode se dirigir para o futuro, para as operaes subsequentes. No ocorrendo o fato gerador, no h por-que formar-se a obrigao tributria e, assim, no poderia ocorrer a substituio.

    Alguns podem airmar a possibilidade da cincia jurdica efetuar a equiparao, por intermdio de mecanismo das presunes e ices, do fato futuro com o fato presen-te. Entretanto, por mais que o direito possa criar suas prprias realidades, ignorando a fenomenologia, existe um limite, ou seja, o texto da Constituio Federal de 1988. Assim, as presunes e ices devem ser feitas com critrio e mtodo, preservando os direitos e as garantias fundamentais (CARRAZZA, 2011, p. 492-493).

    O Direito Tributrio consiste num corpo de princpios, preocupado com as mincias dos fenmenos da incidncia, fazendo isto exatamente para controlar a atividade imposi-tiva e proteger os direitos e garantias dos cidados (CARVALHO, 1999, p. 285). Assim, como poderia o prprio Direito Tributrio admitir um tipo de percusso tributria que se d margem de tudo isso, em razo da natural imprevisibilidade dos fatos futuros? E ainda, se difcil e problemtico exercitar o controle sobre os fatos ocorridos, como poderia inter-vir e, ao mesmo tempo manter a segurana das relaes jurdicas?

    Pode-se veriicar, assim, que a Emenda Constitucional de n. 3 desrespeitou os limites estabelecidos pela prpria Constituio Federal de 1988, gerando um instituto que provoca insegurana jurdica, ao tributar fatos futuros ou presumidos e sem levar em considerao no somente a prpria segurana jurdica, como tambm a capacidade con-tributiva do contribuinte. Mas, como esse dispositivo agiu na prtica? um problema que foi encontrado em alguns impostos.

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    3.3 A SUBSTITUIO TRIBUTRIA PARA FRENTE E A RESTITUIO QUANDO DA NO OCORRNCIA DO FATO GERADOR FUTURO OU PRESUMIDO: O ENTENDIMENTO JURIS-PRUDENCIAL ACERCA DO ICMS

    Quando transportada para a prtica, a substituio tributria progressiva ou para frente para trazer uma srie de problemas, por mais que, no texto da Emenda Consti-tucional de n. 3 esteja prevista a imediata e preferencial retribuio, quando da no ocorrncia do fato gerador futuro ou previsto.

    A situao pode se complicar extraordinariamente quando se defrontar com a natureza de determinado tributo, como, por exemplo, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS). Esses impostos possuem uma natu-reza mercatria, e sua base de clculo consiste no valor das opraes, repelindo, dessa maneira, quaisquer tabelamentos e pautas iscais que poderiam incidir (COLHO, 2006, p. 359).

    O artigo 150, 7 da Constituio Federal de 1988, acrescentado pela Emenda Constitucional de n. 3, mostra a exigncia de uma lei de atribuio de responsabilidade; o sujeito da responsabilidade, que seria o sujeito passivo; o objeto da responsabilidade, que corresponde ao pagamento de imposto ou contribuio, utilizando-se de um fato ge-rador futuro ou presumido e, tambm, uma restituio, quando da no ocorrncia do fato gerador (SILVA, 2012, p. 672).

    Entretanto, em relao ao ICMS, por exemplo, a legislao j prev a restituio, e o prprio imposto tem uma lei prpria, a Lei Complementar de n 87, de 1996. O artigo 10 deste diploma assegura ao contribuinte substitudo o direito restituio do valor do imposto pago por fora da substituio tributria progressiva, correspondente ao fato gerador futuro ou presumido.

    Dessa maneira, o ICMS, por exemplo, j consta com uma lei que assegura o paga-mento do imposto, que a Lei Complementar de n 87, de 1996; Como condiciona ao pa-gamento de um imposto, tem a formao de uma obrigao tributria principal, podendo, assim, indicar um responsvel ou substituto para cumpri-la; O ICMS cobrado mediante a presuno ou tendo por fundamento um fato gerador futuro. Assim, praticamente todos os elementos previstos no artigo 150, 7 da Constituio Federal de 1988 esto presentes. Mas e a restituio? Esse o problema.

    Por mais que se aceitasse a cobrana de um tributo oriundo de um fato gerador futuro ou presumido, ao menos poder-se-ia esperar a restituio do valor quele que efe-tivamente cumpriu com sua obrigao, que seria o responsvel ou substituto (SILVA, 2012, p. 672-673).

    Mas no isso o que ocorre com a previso do artigo 10 da Lei Complementar de n 87, de 1996. Conforme ressaltado anteriormente, o contribuinte substitudo que tem direito restituio do valor pago pelo substituto, ou seja, o Estado intervm numa rela-o eminentemente privada, mesmo que gerada por ele, e prejudica aquele que cumpriu com a obrigao tributria direta, beneiciando aquele que fora substitudo.

    E ica o questionamento: quem ressarcir o substituto pelo pagamento indevido que se lhe imps? Teria o substituto o direito de pedir ressarcimento judicialmente ao substitu-do? Mas como poderia faz-lo, diante do princpio da legalidade do Direito Tributrio? Est,

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    assim, estabelecido o carnaval. Abriram-se as alas para que a alegoria da Emenda Constitu-cional de n. 3 pudesse passar, trazendo consigo o pargrafo 7 do artigo 150, e, com muita festa, instaurado uma insegurana jurdica decorrente do prprio texto constitucional.

    E se, por exemplo, o fato gerador da obrigao tributria vier a ocorrer, mas, dife-rentemente do que se estabelecia, a alquota ou a base de clculo do tributo for menor do que aquela presumida? A substituio tributria progressiva esbarra em outro problema.

    Levando-se em considerao a natureza mercatria do ICMS, que realiza uma tri-butao indireta sobre o consumo, o contribuinte de direito no deve suportar a carga tributria, que deve ser repassada integralmente ao consumidor. Com isso, na substituio tributria progressiva, como o substitudo deve antecipar o valor do ICMS que lhe ser res-sarcido quando vender o produto para o consumidor ocorre uma reduo ao princpio da capacidade contributiva, ou seja, a Administrao Pblica no poder auferir exatamente as condies contributivas individualmente (MANEIRA, 2003, p. 61).

    Para se realizar a cobrana de um tributo como o ICMS sem que tenha ocorrido o fato gerador, qual seria a base de clculo utilizadas? Da mesma maneira aplicada ao fato gerador do tributo, utiliza-se uma base de clculo presumida, mas que, segundo Maneira (2003, p. 62), deve ser proporcional capacidade contributiva do sujeito passivo, mesmo que essa veriicao seja de difcil constatao.

    Segundo a teoria da substituio tributria progressiva, sendo o fato gerador e sua base de clculo presumidas, uma vez no se realizando o fato gerador, seria devida a res-tituio do valor pago indevidamente, conforme previso expressa do prprio CTN, em seu artigo 165. Quanto base de clculo presumida, uma vez ocorrido o fato gerador, mas com uma base de clculo menor do que a que fora prevista, tambm deveria ocorrer a restitui-o, mas essa estipulao icou ausente do artigo 150, 7 da Constituio Federal de 1988.

    Em razo dessa ausncia, foi irmado o Convnio ICMS de n. 13, publicado no Dirio Oicial da Unio (DOU), de 25 e 27 de maro 1997, em que vinte e trs estados da federao deiniram que, ocorrendo o fato gerador que anteriormente era presumido, mas sendo por um valor inferior ao recolhido quando do pagamento do tributo, no ocorreria a restituio.

    A esperana para o substituto poderia encontrar-se na jurisprudncia, mas no foi bem isso que ocorreu. Em sede da Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) de n. 1.851-4, ajuizada pela Confederao Nacional do Comrcio (CNC), em julho de 1998, e julgada em 22 de novembro de 2002, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que o preo lti-mo e inal, sugerido pelo fabricante, a tratar-se de ICMS, no era inconstitucional.

    A deciso do STF, para Colho (2006, p. 359) causou dois efeitos distintos, e de-vastadores:

    a) o de uma grande decepo entre os substitutos, pois pareceu-lhes que se res-tabelecia a tributao por mera presuno jure et de jure, e, com isso, a dene-gao da justia, ferindo-se vrios princpios constitucionais, como a legalida-de, a verdade material, a razoabilidade, a estrita legalidade e do no conisco, promovendo o enriquecimento sem justa causa dos estados-membros;

    b) o grande jbilo entre os estados-membros que, repletos de regimes de subs-tituio de sujeitos passivos, passaram a ixar, mediante presuno, bases de

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    clculo completamente fora da realidade, com a substituio tributria pro-gressiva ou para frente.

    O mesmo entendimento compartilhado por Carrazza (2011, p. 497), quando airma que o STF, alm de haver chancelado a tese de que o ICMS pode ser cobrado antes da ocorrncia do fato imponvel, com base em um valor presumido de venda futura da mercadoria, decidiu pela inexistncia do dever de devoluo ainda que a operao inal tenha ocorrido por montante inferior ao estimado.

    Entretanto, ressalta, mais uma vez, Colho (2006, p. 359) que o STF julgou a questo em sede de ADIn, onde no se encontram partes, nem lide ou provas (controle abstrato). Defende o autor que o preo sugerido pelo fabricante razovel, no incons-titucional, sem que o sistema no teria sequer operacionalidade, mas, a partir do momen-to em que, mediante controle difuso, onde no h lide, partes ou provas, airma-se que o preo presuntivo prevalece sobre o preo real, faz-se pouco da Constituio e faz me-nosprezar a inteligncia,o sendo de justia dos Ministros da Suprema Corte. Com o caso a caso as medidas poderiam ser diferenciadas, mas no deixa de ter se instaurado uma insegurana jurdica com o dispositivo do artigo 150, 7 da Constituio Federal de 1988.

    Para Maneira (2003, p. 60), a deciso do STF foi acertada, quando estabeleceu que a substituio tributria progressiva ou para frente possvel, em razo da previ-so constitucional, exigindo o pagamento antecipado de fato gerador que ir ocorrer no futuro, no sendo ico, mas sim presuno relativa, que admitida no direito tributrio brasileiro, tendo como principal fundamento o princpio da praticidade. Mas, por outro lado, quando airma que no ocorrer a restituio nos casos em que o valor for inferior ao que fora previsto anteriormente, incide em erro, provocando danos ao responsvel.

    A substituio tributria progressiva ou para frente realizada no ICMS frustra, ainda, o princpio da no cumulatividade, que garante ao contribuinte o direito de cre-ditar-se de todo o montante de tributo cobrado nas operaes ou prestaes anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado-membro ou pelo Distrito Federal, segundo o artigo 155, 2, inciso I da Constituio Federal de 1988. Dessa maneira, o substitudo, uma vez ten-do sido recolhido o tributo pelo substituto, no tem como beneiciar-se com este direito constitucional (CARRAZZA, 2009, p. 327-354).

    Mais uma polmica, porm, levantada por Silva (2012, p. 673): e se o contri-buinte de direito no for o mesmo consumidor inal, caso em que se dar a repercusso econmica do tributo na pessoa de um contribuinte de fato? Como se dar a restituio? Airma o prprio autor que ser aplicada, ento, a Smula de n. 71 do STF, devidamente alterada pela Smula de n. 546, ou seja, embora pago indevidamente, no cabe a res-tituio de tributo indireto, mas a restituio tem cabimento quando reconhecido por deciso que o contribuinte de direito no recuperou do contribuinte de fato o valor respectivo.

    As smulas, ao que parecem, constituem-se em fantasias a serem aplicadas alegoria que consiste a Emenda Constitucional de n. 3, ou seja, simples remendos a um erro que poderia, e ainda pode ser, evitado com a revogao do dispositivo, que institui a cobrana de tributos mediante um fato gerador futuro ou presumido. Mas, ser que o

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    Poder Pblico pode efetuar a cobrana, mediante o princpio da legalidade, e deixar de lado os direitos e garantias do contribuinte, lesado com a obrigao indevida? O prprio texto constitucional responde a esses questionamentos. 4 O CARNAVAL NO SE RESUME A CONFETES E ESTAMPILHOS: O PRINCPIO DA IMPRO-

    JETABILIDADE DA LEI TRIBUTRIA COMO LIMITAO AO PODER DE TRIBUTAR

    Conforme veriicado anteriormente, ocorre a formao da obrigao tributria com a concretizao do fato gerador. Somente depois da concretizao do fato gerador que a norma jurdica tributria ir incidir sobre o fato, promovendo a formao do sujeito ativo e o sujeito passivo, com seus respectivos direitos e obrigaes.

    Entretanto, a Emenda Constitucional de n. 3, de 1993, promoveu uma alterao no instituto da responsabilizao ou substituio tributria, permitindo que uma lei pudes-se autorizar a formao da obrigao tributria, tendo por fundamento um fato gerador futuro ou presumido. Essa medida gerou controvrsias na doutrina e na jurisprudncia, e levantou hipteses acerca dos prejuzos no somente ao substituto, como tambm ao substitudo e todo o Estado Democrtico de Direito, ao gerar inseguranas jurdicas. En-to, como a medida do artigo 150, 7 da Constituio Federal pode encontrar maior re-gulamentao e controle? Eis que surge o princpio da improjetabilidade da lei tributria.

    Segundo Nogueira (2005, p. 89), o princpio da improjetabilidade da lei tributria consiste na limitao ao poder de tributar fatos futuros ou presumidos, ou seja, o princ-pio veda que a lei tributria seja lanada ao futuro, criando a hiptese de um fato ainda inexistente e conferindo-lhe efeitos jurdicos no presente.

    O princpio atua, assim, de maneira similar ao princpio da irretroatividade, mas, ao invs de tratar de fatos anteriores sua vigncia, trata de fatos futuros ou presumi-dos, sendo, assim, incertos. Ambos os princpios, inclusive, possuem estreita relao com o princpio da segurana jurdica, constitucionalmente previsto no ordenamento jurdico brasileiro, conforme se analisar adiante.

    4.1 A ESTREITA RELAO ENTRE O PRINCPIO DA IMPROJETABILIDADE DA LEI TRIBUTRIA E A SEGURANA JURDICA

    Por mais que a lei, concebida como um instrumento jurdico geral e abstrato, direcione-se para o futuro, ela sempre ser aplicada no presente com relao a fatos passados, que foram por ela juridicizados. Assim, a norma jurdica tributria somente in-cidir quando concretizado o fato gerador, para que, dessa maneira, forme-se a obrigao jurdica tributria (COSTA, 2003, p. 28-36).

    A Emenda Constitucional de n. 3, por sua vez, permitindo a utilizao de fato ge-rador futuro ou presumido, faz que possam ocorrer trs hipteses, quando da substituio tributria progressiva ou para frente:

    a) a hiptese de que o fato gerador presumido no se realiza no tempo previsto ou previsvel (presuno temporal), quando a restituio harmoniza-se com a proibio de utilizar tributo com efeito de conisco (artigo 150, inciso IV);

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    b) a hiptese de que o fato gerador presumido no se realiza pelo valor (base de clculo) previsto, quando a restituio harmoniza-se com o princpio da igual-dade (artigo 150, inciso II) e o princpio da legalidade (artigo 155, 2, inciso V e alnea b), e, inalmente;

    c) a hiptese em que o fato gerador presumido no se realiza com o consumidor inal e sim com novo contribuinte, quando a restituio deve ser representada pela transferncia do crdito tributrio, harmonizando-se com o princpio da le-galidade (no cumulatividade) e pelos princpios da capacidade contributiva e da igualdade (artigos 154, inciso I e 155, 2, inciso I) (COMUNELLO, 2002, p. 68-69).

    Nesse contexto, dependendo da situao em que incorra a lei, e, tambm, em razo da natureza do tributo, uma srie de princpios constitucionais podem ser violados. O princ-pio da improjetabilidade da lei tributria, por sua vez, atua de maneira diferenciada, sendo uma espcie de barreira ou limitao ao poder de tributar exercido pelo ente federativo, almejando a proteo ao contribuinte direto e, tambm, ao contribuinte indireto.

    Os princpios em sentido estrito constituem-se em normas imediatamente ina-lsticas, originalmente prospectivas e com objetivos de completentariedade e de parcia-lidade, para cuja aplicao demandam uma avaliao da correlao entre o estados das coisas que deve ser promovido e, tambm, os efeitos decorrentes da conduta havida como necessria sua promoo (VILA, 2004, p. 70).

    Em outras palavras, os princpios correspondem a normas imediatamente inalsti-cas que estabelecem, inicialmente, o estado ideal de coisas a ser buscado pelo intrprete e, por isso, exigem a adoo de determinados comportamentos, cujos efeitos contribuem para a promoo adequada e, tambm, gradual daquele im.

    Cite-se o exemplo do principio da moralidade administrativa, em que um estado de coniabilidade, honestidade, estabilidade e continuidade nas relaes entre o poder pblico e o particular almejado, e para cuja promoo so necessrios determinados comportamentos srios, motivados, leais e contnuos. Atingindo esses comportamentos, o princpio est sendo respeitado (VILA, 2012, p. 92).

    O elemento constitutivo essencial dos princpios consiste na tentativa de estabe-lecer um estado ideal de coisas a ser buscado e, para isso, vinculam-se intensamente com outros princpios constantes no mesmo ordenamento jurdico, mantendo, entre si, uma re-lao de complementaridade, principalmente, porque a Constituio Federal de 1988 esta-belece o dever de buscar e preservar vrios ideais ao mesmo tempo (VILA, 2012, p. 93).

    Nesse sentido, o princpio da improjetabilidade da lei tributria tem, como ele-mento constitutivo essencial, o estado ideal de que nenhum tributo ser condicionado a fato gerador futuro ou presumido. Dessa forma, correlaciona-se intensamente com os ou-tros princpios constantes no ordenamento jurdico brasileiro, mas, entre eles, encontra--se o sobreprincpio da segurana jurdica.

    Para Miranda (1972, p. 193), a ordem social de determinado Estado adquirida mediante o respeito ao contedo da justia e da segurana jurdica. A justia consiste na liberdade, cultura, felicidade relativa, enquanto que a segurana jurdica concede or-dem e paz. Enquanto a justia observa o presente, a segurana jurdica observa o futuro,

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    artiicalizando-o para torn-lo previsvel. E, para que algo perdure, faz-se necessrio que seja regulamentado pela regra jurdica.

    O mesmo entendimento pode ser encontrado em lio de Luis Roberto Barroso, se-gundo o qual a segurana jurdica um dos fundamentos do Estado e do Direito, ao lado da justia e, mais recentemente, do bem-estar social, consagrada no artigo 2. da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, como um direito natural e imprescritvel, e de-vidamente regulamentado e defendido pelo ordenamento jurdico (BARROSO, 2005, p. 139).

    No ordenamento jurdico brasileiro, o princpio da segurana jurdica constru-do a partir de duas formas. Em primeiro lugar, pela interpretao dedutiva do princpio maior do Estado de Direito, constante no artigo 1 da Constituio Federal de 1988 e, em segundo lugar, pela interpretao indutiva de outras regras constitucionais, tais como: a proteo ao direito adquirido, ato jurdico perfeito e da coisa julgada (artigo 5, inciso XXXVI); as regras da legalidade (artigo 5, inciso II e artigo 150, inciso I); da irretroativida-de (artigo 150, inciso III, alnea a) e da anterioridade (artigo 150, inciso III, alnea b) (VILA, 2012, p. 370).

    Em sua perspectiva normativa que a exterioriza, a segurana jurdica encontra-se na dimenso normativa de um princpio, estabelecendo o lugar para encontrar o estado ideal das coisas na medida da estabilidade, coniabilidade, previsibilidade e mensurabili-dade da atuao do Poder Pblico (VILA, 2012, p. 371-372). Mas, ainal, qual o conceito de segurana jurdica?

    A prpria jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal (STF), aplica o primado da segurana jurdica para exigir a manuteno da estabilidade das relaes jurdicas, e assim o fez na medida cautelar da Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) de n. 2.010, em Tribunal Pleno, tendo como relator o Ministro Celso de Mello, julgada em 30 de setembro de 1999 e, tambm, na Questo de Ordem na Petio de n. 2.900, no Rio Grande do Sul, com a 2 Turma, tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes, julgada em 27 de maio e 2003.

    Entretanto, qual a principal relao entre o princpio da improjetabilidade da lei tributria com o sobreprincpio da segurana jurdica? Esse questionamento pode ser res-pondido mediante lio de vila (2012, p. 372), que elenca duas perspectivas em que a segurana jurdica pode ser encontrada.

    Em sua primeira perspectiva, todos os cidados devem saber, antes que aconte-am ou sejam criadas, quais normas so vigentes, o que possvel apenas quando elas esto em vigor e, tambm, quais os fatos por ela concretizados (consagrao da irretro-atividade) e, se os cidados puderem conhec-la antes que entre em vigor (princpio da anterioridade, somada ao vacatio legis).

    o que se pode classiicar, nessa perspectiva, como a dimenso formal-temporal da segurana jurdica. Em razo dessa mesma perspectiva que os contribuintes podem, por exemplo, adaptar-se a uma nova lei que alterar o IPI ou, ainda, acerca da instituio do Imposto de Renda.

    Na sua segunda perspectiva, a segurana jurdica pode ser encontrada na exign-cia de determinao de que certa demanda necessita de compreensabilidade, ou seja, clareza, calculabilidade e controlabilidade do seu contedo para os destinatrios. , dessa

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    forma, que o contribuinte pode se proteger de abusos cometidos na majorao da base de clculo ou das alquotas de alguns impostos. a dimenso material da segurana jurdica.

    Esse o mesmo posicionamento defendido por Carrazza (2011, p. 464), segundo o qual a segurana jurdica tambm exige que a lei tributria seja estritamente interpre-tada, tendo em vista tratar de bens jurdicos relevantes para o indivduos, como a sua liberdade e propriedade, ambos protegidos pelos direitos e garantias fundamentais do artigo 5 da Constituio Federal de 1988. Assim, as leis tributrias no se compadecem com uma interpretao extensiva ou analgica, mas, muito pelo contrrio, demandam uma interpretao restrita, para que resultem melhor defendidos os direitos e garantias dos contribuintes. Essa medida, para o autor, constitui a melhor maneira de proteg-los do arbtrio e do abuso do poder fazendrio.

    Destaca, por sua vez, Klaus Vogel, trazido por Humberto Bergmann, que somente com o exame da hiptese de incidncia que se pode encontrar as verdadeiras condi-es pela a elaborao da comparao sistemtica e ftica ou da assimilao, pela quais so deinidas as normas abstratas e quais fatos no tem nada a ver com o caso, ou seja, a determinao no pode, desde j, fornecer previamente a orientao inal para a deciso jurdica do caso, e por isso que, algumas vezes, a segurana jurdica alcanada quando o prprio contribuinte precisa ceder dados para compor o lanamento de um determinado tributo (VILA, 2012, p. 372).

    Assim, pode-se airmar que o primado da segurana jurdica encontra-se em duas perspectivas distintas, no ordenamento jurdico brasileiro: o de sua dimenso formal-tem-poral da segurana jurdica, evitando que o contribuinte seja surpreendido com determi-nada disposio normativa e, tambm, o de sua dimenso material, quando o contribuinte necessita dos dados necessrios para que possa no sofrer abusos com os efeitos jurdicos de determinada norma.

    O que vem ocorrendo com a Emenda Constitucional de n. 3 e a incluso, no texto constitucional, do fato gerador futuro ou presumido e a substituio tributria progressiva ou para frente exatamente o contrrio do que se estabelece com a segurana jurdica. De um lado, na sua dimenso formal-temporal, o contribuinte surpreendido com um fato gerador inexistente, futuro ou presumido, e que pode vir a ocorrer ou no.

    Por outro lado, o contribuinte atingido na dimenso material, com a formao de uma obrigao tributria inexistente, tendo em vista ter por fundamento um fato im-punvel e, assim, o clculo de um tributo quando no se poderia, inicialmente, calcular-se a base de clculo e suas alquotas, porque o fato gerador ainda no ocorreu, e pode vir a no ocorrer. Mesmo o remendo realizado com as smulas do STF no permitem uma aplicao constitucional do instituto.

    Assim, podem ser delimitas as caractersticas do princpio da improjetabilidade da lei tributria. Constitui-se num princpio que tem por fundamento constitucional o prima-do da segurana jurdica, aliado a outros princpios, tais como os princpios da legalidade (artigo 5, inciso II e artigo 150, inciso I); da irretroatividade (artigo 150, inciso III, alnea a) e da anterioridade (artigo 150, inciso III, alnea b). Ao mesmo tempo, possui ampla relao com o princpio da irretroatividade, tendo em vista que, se no se pode cobrar tri-buto oriundo de fatos do passado, o que permitiria abusos, no se pode faz-lo de tributos

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    que fundamentam seus fatos geradores e em atos que sequer ocorreram, presumveis, e que podem vir a no ocorrer.

    Tendo em vista sua dimenso normativa, o princpio da improjetabilidade da lei tributria defende os valores da estabilidade, coniabilidade, previsibilidade e mensura-bilidade na atuao do Poder Pblico. Dessa maneira, no se permite que a lei tributria seja projetada no futuro, alcanando fatos geradores do futuro ou presumveis.

    Nesse ponto, alcana a lei tributria semelhanas com a lei penal, que, se fosse punir os crimes antes mesmo que acontecessem, estabeleceriam uma situao de comple-ta insegurana jurdica e que possibilitaria abusos por parte das autoridades, mesmo as de carter pessoal. Com isso, por respeito ao princpio da improjetabilidade da lei tributria, esta no poder ser lanada no futuro. E a prpria estrutura da norma jurdica, estudada nas duas primeiras partes deste captulo defendem isso.

    Poderia ser alegado que, como medida de proteo ao contribuinte, bastaria o primado da segurana jurdica para evitar a cobrana indevida realizada pelo artigo 150, 7 da Constituio Federal de 1988, mas, o estado ideal das coisas almejado pelos prin-cpios, mas esse estado ideal pode ser mais ou menos amplo e, em razo disso, abranger uma extenso maior de bens jurdicos que compem o seu mbito (VILA, 2012,p. 93-94).

    Dessa maneira, a segurana jurdica atuaria como um sobreprincpio, mais abran-gente, apesar dos mesmos objetivos que compem o princpio da improjetabilidade da lei tributria, ou seja, tendo o seu ideal mais amplo, a segurana jurdica atuaria como um sobreprincpio, enquanto que a improjetabilidade da lei tributria seria o seu subprinc-pio, mais restrito e prximo do ideal almejado pelos substitudos e substitutos da substi-tuio progressiva ou para frente. 5 CONCLUSO

    Pode-se concluir diante de todo o exposto que, antes de discutir-se a insero do princpio da improjetabilidade da lei tributria no ordenamento jurdico brasileiro, fez-se necessrio analisar-se a estrutura lgica e dinmica da norma.

    Ficou, assim, delimitado que a norma jurdica tributria somente irradiar seus efeitos, formando a obrigao jurdica tributria quando da ocorrncia da sua hiptese de incidncia, ou seja, da ocorrncia do seu fato gerador. Concretizando-se o fato, irradiam--se os efeitos do contedo previsto na norma jurdica tributria, e estabelecem-se os polos passivo e ativo da relao, que consistem, respectivamente, no contribuinte e no Poder Pblico, que pode ser representado por qualquer uma de seus entes federais, de acordo com a devida competncia.

    Restou comprovado que, somente depois de concretizado o fato gerador que en-seja a norma tributria que se formar a relao obrigacional entre o contribuinte e o Poder Pblico. Entretanto, a edio da Emenda Constitucional de n. 3, de 1997, trouxe novas problemticas ao tema, adicionando ao artigo 150 da Constituio Federal de 1988 um stimo pargrafo, que no somente permitia a cobrana de tributos (com o respal-do legislativo) mediante fatos geradores futuros ou previsveis, por mais que estes no

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    viessem a ocorrer, como tambm a substituio tributria nesses casos, denominada de responsabilizao por fato futuro ou substituio tributria progressiva ou para frente.

    Estabelecendo-se na dimenso completamente contrria prpria segurana ju-rdica e legalidade, princpios vigentes no Sistema Tributrio Nacional, a substituio tributria progressiva instaurou um novo regime de cobranas, ferindo, em alguns casos concretos, como o do ICMS, devidamente estudado no trabalho, os direitos tanto do subs-tituto como do substitudo. Com essa medida, o Carnaval Tributrio retornava, e com a aprovao, inclusive, da prpria jurisprudncia, conforme as decises do Supremo Tribu-nal Federal (STF) nesse sentido.

    Eis que o princpio da improjetabilidade da lei tributria tem fundamento, protegen-do a igura do contribuinte dos abusos e arbtrios que podem ser cometidos pelo Poder Pblico em se tratando de cobrana tributria em fatos geradores futuros ou presumveis. Tal como a irretroatividade, um dos princpios fundantes do Sistema Tributrio Nacional, no h porque cobrar tributos de uma situao que j ocorreu e, ao mesmo tempo, tambm daquela situao que ainda no ocorreu, mas que est sendo presumida e pode vir a no ocorrer.

    Essa medida, acima de tudo, faz lembrar o que airmava Jarach (1969, p. 24) sobre o Direito Tributrio, airmando ser este um dos principais motivos pelos quais foi possvel nascer o Estado moderno de direito. Mas, conforme ressaltado anteriormente, seguindo o posicionamento de diversos doutrinadores, h de considerar-se que os princpios fun-dantes do Direito Tributrio brasileiro foram estabelecidos em sede de Poder Constituinte Originrio, e no aquele proveniente das Assembleia Nacional Legislativa.

    Nesse mesmo entendimento, segue Arnaldo Vasconcelos a diferenciao entre a legitimidade poltica e a legitimidade jurdica de uma norma. O poder jurdico de criao normativa jurdica no originrio e nem tampouco exclusivo do Estado, mesmo porque o direito o antecede, tanto que o institui. A criao do Estado ato jurdico, de signiicado eminentemente poltico, e por seu intermdio que a sociedade transfere o mximo de poder ao Estado, no para que ele assuma a criao total do direito, mas para que zele por ele na sua integridade e o garanta nos casos excepcionais do descumprimento de suas normas (VASCONCELOS, 2006, p. 259).

    Se o Poder Constituinte Originrio deiniu os princpios e regras pelos quais se formou o Sistema Tributrio Nacional, no a Assembleia Nacional Legislativa que os retiraro. Assim, mesmo com o posicionamento doutrinrio acerca de uma inconstitucio-nalidade do dispositivo, o princpio da improjetabilidade da lei tributria, tal como a irre-troatividade, vem proteger o contribuinte dos abusos e arbtrios que podem ser cometidos pelo Poder Pblico, sendo pea fundamental para que, mesmo no Carnaval Tributrio, a balbrdia no se estabelea em deinitivo.

    Entretanto, ainda oportuno mencionar o entendimento de Geraldo Ataliba, quando realizado no VII Congresso Brasileiro de Direito Tributrio, devidamente trazido por Carrazza (2011, p. 495): [...] estou disposto a aceitar tributao de fato futuro, como se prev nessa Emenda [...] a aceitar que um fato que ainda no aconteceu possa ser fato gerador de obrigao tributria [...] no instante em que se tambm emende a Constituio para dizer que ns poderemos, cidados, ser punidos por crimes que ainda no cometemos.

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    O posicionamento de Geraldo Ataliba, fazendo a comparao entre as normas tributrias e as normas penais, somente relete o pensamento do contribuinte que sentiu--se violado com a sujeio a uma obrigao tributria proveniente de fato futuro ou pre-sumido, ou seja, que ainda no ocorreu. Somente torna ainda mais certeira a airmativa de Becker (2004, p. 14), quando airmava que todos os brasileiros, ainda naquela poca, com o Carnaval Tributrio, entraram pelo cano, com confetes sendo lanados de bolsos vazios. E esse o sentimento do contribuinte, sem a existncia de limitaes e barreiras.

    nesse sentido que atua no somente o sobreprincpio da segurana jurdica, como tambm o da improjetabilidade da lei tributria que, acima de tudo, somente cum-pre com o que fora estabelecido em sede de Poder Constituinte Originrio, ou seja, que o Carnaval Tributrio no seja apenas uma festa para o Poder Pblico, mas que o contribuin-te tambm participa, e tambm tem vez nessa comemorao.

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