livro - mec - surdez / libras

Upload: jandarluz

Post on 08-Jul-2015

27.750 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Presidente da Repblica Luiz Incio Lula da Silva Ministro da Educao Fernando Haddad Secretrio Executivo Jos Henrique Paim Fernandes Secretria de Educao Especial Claudia Pereira Dutra

MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO ESPECIAL

Educao Infantil

Saberes e prticas da incluso

Dificuldades de comunicao e sinalizao

SurdezBraslia 2006

FICHA TCNICACoordenao Geral Prof Francisca Roseneide Furtado do Monte MEC/SEESP Prof Id Borges dos Santos MEC/SEESP Elaborao Prof Daisy Maria Collet de Araujo Lima Secretaria de Estado da Educao do Distrito Federal Prof Pe. Gabriele Crisciotti Centro Educacional da Audio e Linguagem Ludovico PavoniCEAL/LP - Braslia/DF Prof Vanda Rossi Chedid de Oliveira Lima CEAL/LP - Braslia/DF Prof Silvana Patrcia de Vasconcelos SE / Braslia/DF Prof Sandra Patrcia de Faria SE / Braslia/DF Prof Rogria Gomes de A. Vasconcelos SE / Braslia/DF Organizao e reviso tcnica Prof Marlene de Oliveira Gotti MEC/SEESP Prof Sueli Fernandes SEDUC/PR Prof Shirley Vilhalva SEDUC/MS Reviso de Texto Prof Id Borges dos Santos MEC/SEESP Prof Ms. Aura Cid Lopes Flrido Ferreira de Britto MEC/SEESP Consultores e Instituies que emitiram parecer Instituto Nacional de Educao de Surdos INES - Rio de Janeiro/RJ Centro de Apoio Pedaggico Especializado da Secretaria de Educao do Estado de So Paulo CAPE Secretaria de Estado da Educao e Qualidade do Ensino Centro de Triagem e Diagnstico da Educao Especial do Estado do Amazonas - SEDUC Prof Dr Rosimar Bortolini Poker UNESP - Marlia/SP Prof Ms. Maria da Piedade Resende da Costa Universidade Federal de So Carlos - UFSCar Centro Tecnolgico da ULBRA Unidade de Ensino Especial Concrdia - Porto Alegre/RS Secretaria de Estado da Educao Diretoria da Educao Especial do Estado de Minas Gerais Secretaria de Estado da Educao do Paran Departamento de Educao Especial Prof Ms. Fatma Ali Abdalah Abdel Cader Nascimento Universidade Federal de So Carlos/SP Isabel Amaral - PhD Universidade do Porto e Escola Superior de Educao de Lisboa - Portugal Prof Shirley Rodrigues Maia, Prof Dalva Rosa, Prof Mrcia Akiko N. Rosa, Prof Slvia Maria Estrela Loureno e Llia Giacomini, da Associao Educacional para a Mltipla Deficincia AHIMSA - So Paulo/SP

4 edio / 2006 Tiragem: 10.000 exemplares (08 volumes)Educao infantil : saberes e prticas da incluso : dificuldades de comunicao e sinalizao : surdez. [4. ed.] / elaborao prof Daisy Maria Collet de Araujo Lima Secretaria de Estado da Educao do Distrito Federal... [et. al.]. Braslia : MEC, Secretaria de Educao Especial, 2006. 89 p. : il. 1. Educao infantil. 2. Educao dos surdos. 3. Atendimento especializado. 4. Educao inclusiva. I. Lima, Daisy Maria Collet de Araujo. II. Brasil. Secretaria de Educao Especial. CDU 376.014.53 CDU 376.33

Carta de ApresentaoA educao e os cuidados na infncia so amplamente reconhecidos como fatores fundamentais do desenvolvimento global da criana, o que coloca para os sistemas de ensino o desafio de organizar projetos pedaggicos que promovam a incluso de todas as crianas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional impulsionou o desenvolvimento da educao e o compromisso com uma educao de qualidade, introduzindo um captulo especfico que orienta para o atendimento s necessidades educacionais especiais dos alunos, que deve ter incio na educao infantil. O Ministrio da Educao, dissemina nacionalmente a poltica de educao inclusiva e tem implementado aes que colocam como prioridade a ampliao do acesso e do atendimento educacional especializado, criando as condies necessrias para a incluso nas escolas de ensino regular, propiciando participao e aprendizagem de todos os alunos e possibilitando avano as demais etapas e nveis de ensino. Nesse contexto, o MEC apia a realizao de programas de formao continuada de professores e disponibiliza aos sistemas de ensino a Coleo Saberes e Prticas da Incluso Educao Infantil que traz temas especficos sobre o atendimento educacional de crianas com necessidades educacionais especiais, do nascimento aos seis anos de idade. So oito volumes organizados para o desenvolvimento da prtica pedaggica com enfoque nas Dificuldades Acentuadas de Aprendizagem ou Limitaes no Processo de Desenvolvimento; Dificuldades Acentuadas de Aprendizagem Deficincia Mltipla; Dificuldades de Comunicao e Sinalizao Deficincia Fsica; Dificuldades de Comunicao e Sinalizao Surdocegueira/ Mltipla Deficincia Sensorial; Dificuldades de Comunicao e Sinalizao Surdez; Dificuldades de Comunicao e Sinalizao - Deficincia Visual e Altas Habilidades/ Superdotao. Esperamos que este material contribua no desenvolvimento da formao docente a partir dos conhecimentos e temas abordados e desta forma, sejam elaborados projetos pedaggicos que contemplem conceitos, princpios e estratgias educacionais inclusivas que respondam s necessidades educacionais especiais dos alunos e propiciem seu desenvolvimento social, afetivo e cognitivo.

Claudia Pereira Dutra Secretria de Educao Especial - MEC

SumrioINTRODUO................................................................................................................................ 07 PARTE I PRINCPIOS E FUNDAMENTOS O paradigma da educao inclusiva ..................................................................................... 11 PARTE II CONHECENDO A SURDEZ E SUAS IMPLICAES 2.1 A Linguagem e a surdez ................................................................................................. 15 2.2 A surdez ............................................................................................................................. 19 2.3 Identificao de crianas com surdez........................................................................... 20 2.4 Educao bilnge e sua operacionalizao ................................................................ 22 2.4.1 Consideraes sobre a lngua brasileira de sinais LIBRAS .......................... 25 2.4.2 Consideraes sobre a lngua portuguesa escrita ........................................... 27 2.4.3 Aprendizado da lngua portuguesa oral ............................................................ 31 . Aparelhos auditivos ........................................................................................... 36 . Estimulao auditiva .......................................................................................... 38 PARTE III ORIENTAES SOBRE A EDUCAO DE CRIANAS COM SURDEZ 3.1 Importncia do atendimento a crianas com surdez ................................................. 43 3.2 Locus e finalidades do atendimento a crianas com surdez ..................................... 44 3.3 Capacitao/qualificao de professores ..................................................................... 50 3.4 Programa de atendimento aos pais e famlia ............................................................ 51 3.5 O currculo e as adaptaes curriculares na educao infantil de crianas com surdez ........................................................................................................................ 52 3.6 Sugestes de atividades que podero ser desenvolvidas na educao infantil ..... 59 3.6.1 Desenvolvimento da linguagem interior na etapa pr-lingstica ................. 60 3.6.2 Desenvolvimento da linguagem receptiva na fase pr-lingstica ................ 61 3.6.3 Desenvolvimento da linguagem expressiva na fase lingstica ..................... 75 PARTE IV CONCLUSO .................................................................................................................................. 83 GLOSSRIO ..................................................................................................................................... 84 PARTE V BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................... 87

IntroduoA histria da educao do surdo marcada por correntes filosficas distintas, que devem ser bem compreendidas em seu momento histrico de forma a contribuirem para a construo de uma proposta bilnge. A partir dessas contribuies, pode-se chegar a um consenso acerca da importncia de uma proposta educacional que permita s crianas surdas a aquisio/aprendizado de duas lnguas: a lngua brasileira de sinais (LIBRAS) e a lngua portuguesa, em suas modalidades oral e escrita. A proposta bilnge traz uma grande contribuio para o desenvolvimento da criana surda ao reconhecer a LIBRAS como uma lngua, com todo o potencial expressivo de uma lngua oral e como instrumento de fortalecimento de estruturas lingsticas. O bilingismo favorece o desenvolvimento cognitivo, alarga horizontes e amplia o pensamento criativo da criana surda. Ao abordar a questo da cultura surda, a proposta bilnge chama a ateno para o aspecto da identificao da criana com seus pares, que lhe possibilita e permite construir a compreenso da sua diferena, e, assim, de sua prpria identidade. Tendo em vista a riqueza da contribuio de todas as correntes filosficas, permanecer em radicalismos permitir que a educao do surdo dificulte o desenvolvimento das inteligncias mltiplas que cada indivduo tem em potencial. O atendimento educacional a crianas surdas um grande desafio, uma vez que necessita de contribuies de diferentes profissionais cuja qualificao depende de parcerias entre as organizaes governamentais e no-governamentais envolvidas nessa tarefa. Este documento constitudo de trs partes: I - princpios e fundamentos; II - conhecendo a surdez e suas implicaes; III - orientaes sobre a educao de crianas com surdez. Com essa formatao, espera-se esclarecer as modificaes estruturais e pedaggicas necessrias educao de alunos com surdez.

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

7

PARTE I

Princpios e fundamentos

O paradigma da educao inclusivaO Brasil fez opo pela construo de um sistema educacional inclusivo ao concordar com a Declarao Mundial de Educao para Todos e ao mostrar consonncia com os postulados produzidos em Salamanca (Espanha). A Declarao de Salamanca (Brasil, 1994a), em seus pressupostos, afirma que: - A tendncia da poltica social durante as duas ltimas dcadas foi de fomentar a integrao e a participao e de lutar contra a excluso. A integrao e a participao fazem parte essencial da dignidade humana e do gozo e exerccio dos direitos humanos. No campo da educao, essa situao se reflete no desenvolvimento de estratgias que possibilitem uma autntica igualdade de oportunidades. A experincia de muitos pases demonstra que a integrao de crianas e jovens com necessidades educativas especiais alcanada de forma mais eficaz em escolas integradoras para todas as crianas de uma comunidade. nesse ambiente que crianas com necessidades educativas especiais podem progredir no terreno educativo e no da integrao social. As escolas integradoras constituem um meio favorvel construo da igualdade de oportunidades e da completa participao; mas, para ter xito, requerem um esforo comum, no somente dos professores e do pessoal restante da escola, mas tambm dos colegas, pais, famlias e voluntrios. - As necessidades educativas especiais incorporam os princpios j comprovados de uma pedagogia equilibrada que beneficia todas as crianas. Parte do princpio de que todas as diferenas humanas so normais e de que a aprendizagem deve, portanto, ajustar-se s necessidades de cada criana, ao invs de cada criana se adaptar aos supostos princpios quanto ao ritmo e a natureza do processo educativo. Uma pedagogia centralizada na criana positiva para todos os alunos e, conseqentemente, para toda a sociedade. - As polticas educativas devero levar em conta as diferenas individuais e as diversas situaes. Deve ser levada em considerao, por exemplo, a importncia da lngua dos sinais como meio de comunicao para os surdos, e ser assegurado a todos os surdos acesso ao ensino da lngua de sinais de seu pas. Face s necessidades especficas de comunicao de surdos e de surdo-cegos, seria mais conveniente que a educao lhes fosse ministrada em escolas especiais ou em classes ou unidades especiais nas escolas comuns. Com base nesses dispositivos poltico-filosficos e nos dispositivos da legislao brasileira, o Conselho Nacional de Educao aprovou a Resoluo N 02/2001 que institui as Diretrizes nacionais para educao especial na educao bsica. Essas Diretrizes incluem os alunos surdos no grupo daqueles com dificuldades de comunicao e sinalizao diferenciadas dos demais alunos, e que demanda a utilizao de linguagens e cdigos aplicveis. O pargrafo 2 do art. 12 dessa Resoluo diz: Deve ser assegurada, no processo educativo de alunos que apresentam dificuldades de sinalizao diferenciadas dos demais educandos, a acessibilidade aos contedos curriculares mediante a utilizao de linguagens e cdigos aplicveis, como o sistema braile e a lngua de sinais, sem prejuzo do aprendizado da lngua portuguesa, facultando-lhes e s suas famlias a opo pela abordagem pedaggica que julgarem adequada, ouvidos os profissionais especializados em cada caso.

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

11

O inciso IV do art. 8 dessa mesma Resoluo aponta os diferentes servios de apoio pedaggico especializado que devero ser previstos e providos pelas escolas: a) atuao colaborativa de professor especializado em educao especial; b) atuao de professores-intrpretes das linguagens e cdigos aplicveis; c) atuao de professores e outros profissionais itinerantes intra e interinstitucionalmente; d) disponibilizao de outros apoios necessrios aprendizagem, locomoo e comunicao. Alm desses servios, essa legislao prev ainda a utilizao de salas de recursos e, extraordinariamente, classes e escolas especiais como forma de cooperar para a incluso de alunos no sistema educacional brasileiro. Incluso significa responsabilidade governamental (secretrios de educao, diretores de escola, professores), bem como significa reestruturao da escola que hoje existe, de forma que ela se torne apta a dar respostas s necessidades educacionais especiais de todos seus alunos, inclusive dos surdos. Nenhuma escola pode excluir um aluno alegando no saber com ele atuar ou no ter professores capacitados. Toda escola (regular ou especial) deve organizar-se para oferecer educao de qualidade para todos. Assim, ao matricular crianas com surdez, a primeira providncia que a direo da creche ou da pr-escola dever tomar ser comunicar-se com a secretaria de educao e solicitar a capacitao de seus professores e demais elementos da comunidade escolar. A forma como a escola vai desenvolver o currculo com as crianas surdas vai depender de sua proposta pedaggica e do nmero de crianas surdas matriculadas. importante ter a clareza de que o que faz a diferena na educao do surdo no se a escola especial ou se escola comum, mas sim a excelncia de seu trabalho. Portanto, o mais importante que a escola tenha um programa pedaggico que atenda s necessidades do aluno com surdez, que oferea capacitao para a comunidade escolar, que busque parcerias e que tenha em seu quadro de profissionais todos os elementos necessrios para o desenvolvimento do trabalho, de forma a educar um indivduo socialmente ajustado, pessoalmente completo, autnomo e competente, ou seja, um cidado. A construo de uma educao inclusiva requer uma mudana de paradigma na percepo do que educao. O papel fundamental da educao das pessoas e das sociedades amplia-se ainda no despertar do novo milnio e aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a formao de cidados. (Brasil, 1999) Howard Gardner, na sua teoria de inteligncias mltiplas, traz uma grande contribuio para a mudana de paradigma quando aponta a escola com funo social que objetiva transmitir um saber para transformar o homem, educando-o para exercer sua cidadania e para formar valores. A formao de novos valores deve partir do respeito s diferenas e do aprender a conviver com o diferente. A igualdade no o normal: todos somos diferentes. H necessidade de se ver a pessoa como um todo, respeitar as suas diferenas e utilizlas para a construo de uma sociedade, na qual o somatrio das diferenas resulte na construo de um todo mais harmonioso e feliz. Assim sendo, todos tm a contribuir uns com os outros para construo de um novo homem.

12

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

PARTE II

Conhecendo a surdez e suas implicaes

2.1 A linguagem e a surdezA linguagem permite ao homem estruturar seu pensamento, traduzir o que sente, registrar o que conhece e comunicar-se com outros homens. Ela marca o ingresso do homem na cultura, construindo-o como sujeito capaz de produzir transformaes nunca antes imaginadas. Apesar da evidente importncia do raciocnio lgico-matemtico e dos sistemas de smbolos, a linguagem, tanto na forma verbal como em outras maneiras de comunicao, permanece como meio ideal para transmitir conceitos e sentimentos, alm de fornecer elementos para expandir o conhecimento. A linguagem, prova clara da inteligncia do homem, tem sido objeto de pesquisa e discusses. Ela tem sido um campo frtil para estudos referentes aptido lingstica, tendo em vista a discusso sobre falhas decorrentes de danos cerebrais ou de distrbios sensoriais, como a surdez. Com os estudos do lingista Chomsky (1994), obteve-se um melhor entendimento acerca das lnguas e do seu funcionamento. Suas consideraes partem do fato de que muito difcil explicar como a lngua materna pode ser adquirida de forma to rpida e to precisa, apesar das impurezas nas amostras de fala que a criana ouve. Chomsky, junto com outros estudiosos, admite, ainda, que as crianas no seriam capazes de aprender a lngua materna caso no fizessem determinadas suposies iniciais sobre como o cdigo deve ou no operar. A palavra tem uma importncia excepcional, no sentido de dar forma atividade mental, e fator fundamental de formao da conscincia. Ela capaz de assegurar o processo de abstrao e generalizao, alm de ser veculo de transmisso do saber. Os indivduos que ouvem parecem utilizar, em sua linguagem, os dois processos: o verbal e o no-verbal. A surdez congnita e pr-verbal pode bloquear o desenvolvimento da linguagem verbal, mas no impede o desenvolvimento dos processos no-verbais. A fase de zero a cinco anos de idade decisiva para a formao psquica do ser humano, uma vez que nesse perodo ocorre o ativamento das estruturas inatas genticoconstitucionais da personalidade. A teoria sobre a base biolgica da linguagem admite a existncia de um substrato neuroanatmico no crebro para o sistema da linguagem. Portanto, todos os indivduos nascem com predisposio para a aquisio da fala. Nesse caso, o que se deduz a existncia de uma estrutura lingstica latente responsvel pelos traos gerais da gramtica universal (universais lingsticos). A exposio a um ambiente lingstico necessria para ativar a estrutura latente e para que a pessoa possa sintetizar e recriar os mecanismos lingsticos. As crianas so capazes de deduzir as regras gerais e regularizar os mecanismos de uma conjugao verbal, por exemplo. Dessa forma, utilizam as formas eu fazi, eu di, enquadrando-as nas desinncias dos verbos regulares eu corri, eu comi. As crianas que ouvem aprendem a lngua portuguesa oral de uma forma semelhante e num espao de tempo. No entanto, no se pode esquecer as diferenas individuais. Essas so encontradas nos tipos de palavras que as crianas pronunciam primeiro. Algumas crianas emitem nomes de coisas, enquanto outras, evitando substantivos, preferem exclamaes, outras, ainda, expressam automaticamente os elementos emitidos pelos mais velhos. H crianas, no entanto, que apresentam dificuldades na aquisio da linguagem oral.

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

15

s vezes, a dificuldade aparece, principalmente, no que se refere percepo e discriminao auditiva, o que traz transtornos compreenso da lngua oral. Outras vezes, a dificuldade relativa articulao e emisso da voz, o que produz transtornos na emisso da lngua oral. Tudo isso pode ou no ter relao com a surdez, visto que muitas crianas que apresentam dificuldades lingsticas no tm audio prejudicada. Por exemplo, a capacidade de processar rapidamente mensagens lingsticas um pr-requisito para o entendimento da fala parece depender do lobo temporal esquerdo do crebro. Danos a essa zona neural ou seu desenvolvimento anormal geralmente so suficientes para produzir problemas de linguagem. Segundo Luria (1986), os processos de desenvolvimento do pensamento e da linguagem incluem o conjunto de interaes entre a criana e o ambiente, podendo os fatores externos afetar esses processos, positiva ou negativamente. Torna-se, pois, necessrio desenvolver alternativas que possibilitem s crianas com necessidades especiais meios de comunicao que as habilitem a desenvolver seu potencial lingstico. Pessoas surdas podem adquirir linguagem, comprovando assim seu potencial lingstico. J est comprovado cientificamente que o ser humano possui dois sistemas para a produo e reconhecimento da linguagem: o sistema sensorial, que faz uso da anatomia visual/auditiva e vocal (lnguas orais) e o sistema motor, que faz uso da anatomia visual e da anatomia da mo e do brao (lnguas de sinais). Estas so consideradas as lnguas naturais dos surdos, emitidas por meio de gestos e com estrutura sinttica prpria. Na aquisio da lngua, as pessoas surdas utilizam o segundo sistema. Vrias pesquisas j comprovaram que crianas surdas procuram criar e desenvolver alguma forma de linguagem, mesmo no sendo expostas a nenhuma lngua de sinais. Essas crianas desenvolvem espontaneamente um sistema de gesticulao manual que tem semelhana com outros sistemas desenvolvidos por outros surdos que nunca tiveram contato entre si e com as lnguas de sinais j conhecidas. Existem estudos que demonstram as caractersticas morfolgicas e lexicais desses sistemas. A capacidade de comunicao lingstica apresenta-se como um dos principais responsveis pelo processo de desenvolvimento da criana surda em toda a sua potencialidade, para que possa desempenhar seu papel social e integrar-se verdadeiramente na sociedade. Entre os grandes desafios para pesquisadores e professores de surdos situa-se o de explicar e superar as muitas dificuldades que esses alunos apresentam no aprendizado e uso de lnguas orais, como o caso da lngua portuguesa. Sabe-se que quanto mais cedo tenha sido privado de audio e quanto mais profundo for o comprometimento maiores sero as dificuldades educacionais, caso no receba atendimento adequado. No que se refere lngua portuguesa, segundo Fernandes (1990), a grande maioria das pessoas surdas j escolarizadas continua demonstrando dificuldades, tanto nos nveis fonolgico e morfossinttico quanto nos nveis semntico e pragmtico. de fundamental importncia que a influncia da lngua portuguesa oral sobre a cognio no seja supervalorizada em relao ao desempenho do aluno com surdez, dificultando sua aprendizagem e diminuindo suas chances de integrao plena. Faz-se necessria, por conseguinte, a utilizao de alternativas de comunicao que possam propiciar um melhor intercmbio, em todas as reas, entre surdos e ouvintes. Essas alternativas devem basear-se na substituio da audio por outros canais, destacando-se a viso, o tato e movimento, alm do aproveitamento dos restos auditivos existentes.

16

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

Face ao exposto, observa-se que a pessoa com surdez tem as mesmas possibilidades de desenvolvimento que a pessoa ouvinte, precisando somente que tenha suas necessidades especiais supridas, visto que o natural do homem a linguagem. A influncia da surdez sobre o indivduo mostra caractersticas bastante particulares desde seu desenvolvimento fsico e mental at seu comportamento como ser social. Neste aspecto, destaca-se a linguagem como fator de vital importncia para o desenvolvimento de processos mentais, personalidade e integrao social do surdo. A comunicao , sem dvida, o eixo da vida do indivduo, em todas as suas manifestaes como ser social. oportuno, pois, reconhecer a necessidade de novos estudos que sirvam de suporte a mtodos educacionais e ofeream comunidade surda melhores condies de exercerem seus direitos e deveres de cidadania. Alm disso, preciso dar aos especialistas da rea melhores subsdios para o estudo do desenvolvimento lingstico e cognitivo das crianas que esto sob a sua responsabilidade profissional. Desenvolver-se cognitivamente no depende exclusivamente do domnio de uma lngua, mas dominar uma lngua garante os melhores recursos para as cadeias neuronais envolvidas no desenvolvimento dos processos cognitivos. (Fernandes, 2000, p.49) Segundo Goldfeld (1997), no decorrer do desenvolvimento infantil, a criana passa por diversas mudanas, e a lngua um dos principais instrumentos utilizados nesse processo. Para a criana surda, esse processo de desenvolvimento pode ficar fragmentado, pois sabido que ela no poder aprender a lngua oral de forma totalmente espontnea, como a criana ouvinte. Nesse sentido, a aquisio da lngua de sinais vai permitir criana surda, mediante suas relaes sociais, o acesso aos conceitos de sua comunidade, que passar a utilizar como seus, formando assim uma maneira de pensar, agir e ver o mundo caracterstico da cultura de sua comunidade. A lngua um fator fundamental na formao da conscincia. Ela permite pelo menos trs mudanas essenciais atividade consciente do homem: ser capaz de duplicar o mundo perceptvel, de assegurar o processo de abstrao e generalizao, e de ser veculo fundamental de transmisso de informao (Luria, 1986). Vygotsky apresentado como um dos primeiros pesquisadores soviticos a julgar ter a linguagem um papel decisivo na formao dos processos mentais e, para prov-lo, empreendeu uma srie de experimentos que visaram a testar a formao da ateno ativa e dos processos de desenvolvimento da memria por meio da aquisio da lngua (a memorizao passa a ser ativa e voluntria) e de outros processos mentais superiores. Todos os experimentos levaramno a dar, efetivamente, lngua o papel de destaque na formao dos processos mentais, como previra. Para o autor, relevante perceber a lngua no apenas como uma forma de comunicao, mas tambm como uma funo reguladora do pensamento. importante perceber que as crianas adquirem a lngua por meio da exposio informal e do uso ativo, e no por lhes ser ensinada. A experincia em casa fundamental. Os pais funcionam no como professores do idioma, mas como facilitadores que permitem aos filhos absorver a cultura e fazer uso ativo da sua curiosidade. As crianas usam a lngua para expressar sentimentos, para fazer os pais rirem ou adiar acontecimentos indesejveis Posso ficar acordada mais cinco minutos?; para no dizer a verdade: Talvez eu tenha comido os biscoitos. No consigo me lembrar... e assim por diante. Quando as crianas chegam aos cinco anos, podem expressar-se sobre o passado e o futuro, conseguem usar a fantasia e so capazes de perguntar quando, como e por que as

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

17

coisas acontecem. A lngua tambm importante para estruturar o pensamento, embora nem todo pensamento seja expresso por meio de lnguas. Tanto a criana ouvinte como a criana surda passa por estgios de desenvolvimento da linguagem, mas, caso no recebam dados lingsticos satisfatrios, ambas apresentaro defasagem nesses estgios. Para evitar defasagem, a criana ouvinte brasileira dever estar imersa em meio onde se fale a lngua portuguesa oral, e a criana surda brasileira precisar estar em meio rico em estmulos visuais, com pessoas que utilizam a LIBRAS e com pessoas que utilizam a lngua portuguesa, para que desenvolvam satisfatoriamente sua linguagem. Se a criana surda tem pais surdos que utilizam a lngua de sinais desde o nascimento dela, o desenvolvimento dessa lngua ir seguir, essencialmente, o mesmo curso que o desenvolvimento da fala em crianas ouvintes. As crianas surdas de famlias ouvintes passam pelo risco de sria privao de linguagem no incio da vida e de uma incapacidade para apreender o que est acontecendo ao redor delas e o porqu (aprendizagem incidental), uma vez que seus pais no sabem comunicar-se com elas. O vnculo emocional com os pais pode ser tambm mais difcil de se estabelecer e de se manter. Isso ocorrer, entretanto, apenas se a famlia no for devidamente orientada e a se criana no for encaminhada a um atendimento adequado. Alm da questo da linguagem, importante proporcionar pessoa com surdez condies que lhe permitam se estruturar emocionalmente. No a fala ou a lngua de sinais; a pessoa surda que se deu bem aquela que pde preservar a sua autenticidade, aceitou a surdez como uma parte diferente e no doente de si; que pde fazer uma escolha que lhe permita ser natural em sua comunicao, independentemente de ser oralizada ou sinalizada. (Bergmann, 2001) Importante ento oferecer uma educao que permita o desenvolvimento integral do indivduo, de forma que desenvolva toda sua potencialidade. A linguagem de uma criana surda brasileira deve efetivar-se mediante o aprendizado da lngua portuguesa e da aquisio da LIBRAS. Antes da Lei N 9.394/96 no havia atendimento educacional em escolas pblicas para crianas na faixa etria de 0 a 3 anos de idade, perodo de maior desenvolvimento da linguagem. Para crianas com surdez, havia, em alguns Estados, programas de estimulao precoce em escolas especiais, voltados exclusivamente para o desenvolvimento da linguagem oral, por meio da estimulao auditiva e de exerccios fonoarticulatrios para emisso da fala. Com as mudanas propostas pela Lei N 9.394/96, a educao infantil, embora no obrigatria, passa a constituir a primeira etapa da educao bsica, a ser ofertada pela rede de ensino municipal, deixando, portanto, de ser competncia da assistncia social. Como parte integrante da primeira etapa da educao bsica, o aprendizado de lnguas configura-se como componente curricular a ser desenvolvido com crianas surdas. Assim, a lngua portuguesa (oral e escrita) e a lngua brasileira de sinais LIBRAS devem ser ofertadas pelo sistema educacional. O aprendizado da lngua portuguesa oral em creches e pr-escolas diferencia-se do aspecto clnico e da reabilitao quando implica interao entre vrias crianas com atividades didtico-pedaggicas que incluem dramatizao, vivncias e temas curriculares. Construir uma proposta pragmtica, vivencial e interativa constitui uma experincia incipiente na educao infantil, principalmente para crianas do nascimento aos trs anos. Da mesma forma, o aprendizado da lngua portuguesa escrita deve ser incidental e contextualizada.

18

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

A aquisio da LIBRAS em creches e pr-escolas tambm um desafio. Envolve quebra de preconceitos, destruio de mitos e o reconhecimento de outro profissional: o professorinstrutor surdo. por meio desse profissional que o uso da LIBRAS deve efetivar-se.

2.2 A surdezA surdez consiste na perda maior ou menor da percepo normal dos sons. Verifica-se a existncia de vrios tipos de pessoas com surdez, de acordo com os diferentes graus de perda da audio. Sob o aspecto da interferncia na aquisio da linguagem e da fala, o dficit auditivo pode ser definido como perda mdia em decibis, na zona conversacional (freqncia de 500 1000 2000 hertz) para o melhor ouvido. Pela rea da sade e, tradicionalmente, pela rea educacional, o indivduo com surdez pode ser considerado: Parcialmente surdo (com deficincia auditiva DA) a) Pessoa com surdez leve indivduo que apresenta perda auditiva de at quarenta decibis. Essa perda impede que o indivduo perceba igualmente todos os fonemas das palavras. Alm disso, a voz fraca ou distante no ouvida. Em geral, esse indivduo considerado desatento, solicitando, freqentemente, a repetio daquilo que lhe falam. Essa perda auditiva no impede a aquisio normal da lngua oral, mas poder ser a causa de algum problema articulatrio na leitura e/ou na escrita. b) Pessoa com surdez moderada indivduo que apresenta perda auditiva entre quarenta e setenta decibis. Esses limites se encontram no nvel da percepo da palavra, sendo necessria uma voz de certa intensidade para que seja convenientemente percebida. freqente o atraso de linguagem e as alteraes articulatrias, havendo, em alguns casos, maiores problemas lingsticos. Esse indivduo tem maior dificuldade de discriminao auditiva em ambientes ruidosos. Em geral, ele identifica as palavras mais significativas, tendo dificuldade em compreender certos termos de relao e/ou formas gramaticais complexas. Sua compreenso verbal est intimamente ligada a sua aptido para a percepo visual. Surdo a) Pessoa com surdez severa indivduo que apresenta perda auditiva entre setenta e noventa decibis. Este tipo de perda vai permitir que ele identifique alguns rudos familiares e poder perceber apenas a voz forte, podendo chegar at aos quatro ou cinco anos sem aprender a falar. Se a famlia estiver bem orientada pela rea da sade e da educao, a criana poder chegar a adquirir linguagem oral. A compreenso verbal vai depender, em grande parte, de sua aptido para utilizar a percepo visual e para observar o contexto das situaes. b) Pessoa com surdez profunda indivduo que apresenta perda auditiva superior a noventa decibis. A gravidade dessa perda tal que o priva das informaes auditivas necessrias para perceber e identificar a voz humana, impedindo-o de adquirir a lngua oral. As perturbaes da funo auditiva esto ligadas tanto

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

19

estrutura acstica quanto identificao simblica da linguagem. Um beb que nasce surdo balbucia como um de audio normal, mas suas emisses comeam a desaparecer medida que no tem acesso estimulao auditiva externa, fator de mxima importncia para a aquisio da linguagem oral. Assim, tampouco adquire a fala como instrumento de comunicao, uma vez que, no a percebendo, no se interessa por ela e, no tendo retorno auditivo, no possui modelo para dirigir suas emisses. Esse indivduo geralmente utiliza uma linguagem gestual, e poder ter pleno desenvolvimento lingstico por meio da lngua de sinais. Atualmente, muitos surdos e pesquisadores consideram que o termo surdo referese ao indivduo que percebe o mundo por meio de experincias visuais e opta por utilizar a lngua de sinais, valorizando a cultura e a comunidade surda. A princpio, a lngua materna uma lngua adquirida naturalmente pelos indivduos em seu contexto familiar. Imersa no ambiente lingstico, qualquer criana ouvinte chega escola falando sua lngua materna, cabendo escola apenas a sistematizao do conhecimento. Como a maioria das crianas surdas no tm imerso lingstica idntica dos ouvintes em suas famlias, a escola passa a assumir a funo tambm de oferecer-lhe condies para aquisio da lngua de sinais e para o aprendizado da lngua portuguesa. As alternativas de atendimento para os alunos com surdez esto intimamente relacionadas s condies individuais do educando e s escolhas da famlia. O grau e o tipo da perda auditiva, a poca em que ocorreu a surdez e a idade em que comeou a sua educao so fatores que iro determinar importantes diferenas em relao ao tipo de atendimento a ser desenvolvido com o aluno, e em relao aos resultados. Quanto maior for a perda auditiva, maior ser o tempo em que o aluno precisar receber atendimento especializado para o aprendizado da lngua portuguesa oral. Tal perda, no entanto, no traz nenhum problema lingstico para o desenvolvimento e aquisio da lngua brasileira de sinais LIBRAS.

2.3 Identificao de crianas com surdezDO NASCIMENTO AOS TRS ANOS DE IDADE: - o recm-nascido no reage a um forte bater de palmas, numa distncia de 30 cm; - o recm-nascido desenvolve-se normalmente nas reas que no envolvem a audio, quando propriamente estimulado. DOS TRS AOS SEIS MESES DE IDADE: - a criana no procura, com os olhos, de onde vem um determinado som; - a criana no responde fala dos pais; - a criana pode interagir com os pais, se a abordagem for visual. DOS SEIS AOS DEZ MESES DE IDADE: - a criana no atende quando chamada pelo nome, no atende a campainha da porta ou voz de algum;

20

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

- a criana no entende frases simples como no, no, ou at logo; - a criana pode entender o que as pessoas esto falando com ela, se for utilizada a lngua de sinais. DOS DEZ AOS QUINZE MESES DE IDADE: - a criana no aponta objetos familiares ou pessoas quando interrogada em lngua portuguesa oral; - a criana no imita sons e palavras simples; - a criana no reage ao no, no, ou ao nome, a menos que veja quem est falando; - a criana no mostra interesse por rdio; - a criana aponta objetos familiares ou pessoas quando interrogada em lngua de sinais. DOS QUINZE AOS DEZOITO MESES DE IDADE: - a criana no obedece a instrues faladas, por mais simples que sejam; - as primeiras palavras da criana, como at logo, no, no, no se desenvolvem; - a criana obedece a instrues dadas em lngua de sinais; - a criana inicia sua linguagem gestual, sinalizada. DOS DEZOITO MESES AOS TRS ANOS E MEIO DE IDADE: - no h enriquecimento vocabular (via oral); - em vez de usar a fala, a criana gesticula para manifestar necessidades e vontades; - a criana observa intensamente o rosto dos pais, enquanto eles falam; - a criana no gosta de ouvir histrias; - a criana tem histrico de dores de cabea e infeces de ouvido; - a criana parece desobediente a ordens dadas em lngua portuguesa oral; - a criana desenvolve a lngua de sinais, comunica seus desejos e necessidades, gosta de histrias narradas em lngua de sinais e gosta de desenhos. DOS TRS ANOS E MEIO AOS CINCO ANOS DE IDADE: - a criana no consegue localizar a origem de um som; - a criana no consegue entender nem usar palavras simples em lngua portuguesa oral, como: ir, mim (eu), em, grande, etc; - a criana no consegue contar oralmente, com seqncia, alguma experincia recente; - a criana no consegue executar duas instrues simples e consecutivas, emitidas oralmente; - a criana no consegue levar adiante uma conversa simples em lngua portuguesa oral; - a fala da criana difcil de se entender; - a criana utiliza a lngua de sinais para as funes sociais. A CRIANA COM MAIS DE CINCO ANOS DE IDADE: - tem dificuldade em prestar ateno a conversas em lngua portuguesa oral; - no responde quando chamada oralmente; - confunde direes ou no as entende, quando expressas em lngua portuguesa; - freqentemente d respostas erradas s perguntas formuladas oralmente;

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

21

- no se desenvolve bem na escola, onde os conhecimentos so repassados somente em lngua portuguesa oral; morosa; - expressa-se confusamente quando recebe ordem ou quando lhe perguntam alguma coisa em lngua portuguesa oral; - possui vocabulrio pobre em lngua portuguesa; - substitui sons, omite sons e apresenta qualidade vocal pobre; - evita pessoas, brinca sozinha, parece ressentida ou irritada se no tem colegas que com ela interajam; - amanhece cansada; parece inquieta ou tensa quando o ambiente lingstico no lhe conhecido; - movimenta a cabea sempre para um mesmo lado, quando deseja ouvir algo, mostrando perda de audio em um dos ouvidos; - tem freqentes resfriados e dores de ouvido; - a criana conhece, entende e utiliza a LIBRAS.

2.4 Educao bilnge e sua operacionalizaoConforme o estabelecido na Resoluo do CNE N 02/2001, a educao dos alunos com surdez pode ser bilnge, facultando-lhes e s suas famlias a opo pela abordagem pedaggica que julgarem adequada, ouvindo os profissionais especializados em cada caso. Os pais devem estar cientes de que existem duas formas de realizar a educao bilnge: uma envolve o ensino das duas lnguas, em momentos distintos, e a outra caracteriza-se pelo ensino da segunda lngua somente aps a aquisio da primeira lngua. No presente trabalho, optou-se pela primeira forma: o ensino das duas lnguas, em momentos distintos. A educao bilnge para crianas brasileiras com surdez consiste na aquisio de duas lnguas: a lngua brasileira de sinais (LIBRAS) e a lngua portuguesa (modalidades oral e escrita), com professores diferentes em momentos diferentes, a depender da escolha pedaggica da escola e da famlia. A opo por uma educao bilnge oferece s crianas com surdez o ensino da lngua de sinais como primeira lngua (L1) e o da lngua portuguesa como segunda lngua (L2). Nesse caso, conforme Faria (2001), o ensino de lngua portuguesa para surdos deve ser desmembrado em dois momentos distintos: lngua portuguesa oral e lngua portuguesa escrita. Alm disso, deve haver outro momento distinto para a aquisio da lngua de sinais. Os momentos devem ser distintos no intuito de evitar o bimodalismo (mistura das estruturas da lngua portuguesa com as da lngua de sinais). importante perceber que o aprendizado de outra lngua possibilita o fortalecimento das estruturas lingsticas, favorece o desenvolvimento cognitivo e alarga os horizontes mentais, ampliando o pensamento criativo, alm de permitir um acesso maior comunicao.

(*) Quando filha de pais surdos ou quando possui professor surdo.

22

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

Existem teorias que enfatizam que os trs primeiros anos de vida so fundamentais para o aprendizado de lnguas, e que, a partir dos sete anos, o aprendizado torna-se mais difcil. Experincias tm mostrado que no h interferncia no aprendizado concomitante de duas lnguas. O importante proporcionar momentos distintos para que a criana possa estar exposta a cada lngua. O aprendizado de uma lngua no acontece de forma descontextualizada. Portanto, importante estar atento para que a criana possa vivenciar a lngua, utilizando-a. As lnguas adquiridas so utilizadas para diferentes objetivos e funes, em contextos e ambientes especficos. O importante, como j foi mencionado, permitir a construo de uma linguagem elaborada. Dependendo da estimulao recebida ou da caracterstica individual de cada criana com surdez, seu aprendizado acadmico ser melhor elaborado em uma ou em outra lngua. Definir que uma criana com perda auditiva leve e moderada deve ser educada prioritariamente na lngua portuguesa oral e que outra com perda severa deve ser educada em lngua de sinais padronizar, e no observar a individualidade e a estimulao recebida pela criana e ignorar que a lngua portuguesa no uma lngua natural do ponto de vista da aquisio. No entanto, experincias tm demonstrado que a grande maioria das crianas surdas (com perda severa e profunda) desenvolvem-se melhor quando, na escola, a lngua instrucional a lngua de sinais, enquanto que aquelas com perda leve e moderada desenvolvem-se melhor quando, na escola, a lngua instrucional a lngua portuguesa oral. Sendo a lngua de sinais a primeira lngua, a segunda lngua (lngua portuguesa) deve ser desenvolvida em outro momento, dentro da escola. A incluso de aluno com surdez leve e moderada, em princpio, pode ocorrer naturalmente em creches e classes comuns da pr-escola regular, onde a lngua portuguesa a lngua de instruo e onde ele conte com apoio de salas de recursos para a aquisio da LIBRAS e para o desenvolvimento da lngua portuguesa (oral e escrita). Essa complementao deve ser desenvolvida em outro local, estruturado para esse fim, como por exemplo a sala de recursos. Na sala de recursos, o adulto com surdez pode ensinar-lhe a LIBRAS em momento distinto do ensino da lngua portuguesa oral. No caso da criana com surdez severa ou profunda, sugere-se que a lngua instrucional para o desenvolvimento curricular deva ser a lngua de sinais, garantindo o desenvolvimento da lngua portuguesa oral em outro momento especfico, de preferncia com outro professor. A incluso do aluno com surdez, salvo raras excees, deve ter, portanto, um carter mais social, por isso muitas escolas optam pela classe especial. A presena de um professor/instrutor com surdez proporcionar criana a aquisio da LIBRAS e o desenvolvimento do processo de identificao com seu semelhante. Dessa forma, ela tambm aprender a conviver e aceitar a diferena, desenvolvendo a auto-estima. Os pais, por sua vez, aprendero com o professor com surdez a se comunicar com seu filho, acreditaro no desenvolvimento do seu potencial e permitiro que se desenvolva, aceitando a sua diferena e convivendo com ela. O ensino da lngua portuguesa oral dever ser efetivado por professor com formao especfica para essa funo. Para auxiliar no processo de aquisio da lngua portuguesa oral, ele deve contar com a ajuda dos pais e, se possvel, de fonoaudilogo. Alm do professor, o sistema educacional (secretarias de educao) deve viabilizar o sistema de apoio ao aluno com surdez, inclusive a sala de recursos. Deve tambm estabelecer parcerias entre secretarias de Governo, para que esses alunos sejam atendidos tambm por assistentes sociais e fonoaudilogos.DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

23

Conforme j foi dito, a educao bilnge pode ser desenvolvida em turmas de educao infantil de escolas especiais para surdos ou em creches e pr-escolas do ensino regular. As escolas especiais e as escolas do ensino regular devem estruturar o seu projeto pedaggico de forma a possibilitar s crianas com surdez o desenvolvimento das duas lnguas: LIBRAS e lngua portuguesa (oral e escrita), alm de organizar todo o sistema de apoio a esses alunos. O professor regente de turmas da educao infantil pode ser ouvinte ou surdo. No caso de o professor regente ser surdo, o professor ouvinte deve dar a seus alunos o suporte para que possam desenvolver o aprendizado da lngua portuguesa. No caso de o professor regente ser ouvinte, preciso que tenha um bom conhecimento da LIBRAS para desenvolver a proposta curricular com seus alunos e, tambm, um bom conhecimento da metodologia do ensino de lngua portuguesa instrumental. Nesse caso, o ensino da LIBRAS dever ser desenvolvido com as crianas, em momento especfico, por professor surdo. Grandes aes devem ser desenvolvidas na escola para a interao das crianas surdas com ouvintes. A comunicao nesse momento o fator mais relevante. A criana surda aprende a lngua portuguesa com a criana ouvinte e a criana ouvinte aprende LIBRAS com a criana surda. O trabalho, numa proposta bilnge, quer dar o direito e condies ao indivduo surdo de poder utilizar duas lnguas; portanto, no se trata de negao, mas de respeito; o indivduo escolher a lngua que ir utilizar em cada situao lingstica em que se encontrar (Kozlowski,1998). Essa proposta leva em considerao as caractersticas dos prprios surdos, incluindo a opinio dos surdos adultos com relao ao processo educacional da criana surda.

Sugestes de funes dos professores surdos e ouvintes Professor surdo: - ser regente de turmas de creche ou pr-escolas, desenvolvendo o currculo em LIBRAS; - proporcionar ao aluno com surdez a aquisio da LIBRAS; - participar do apoio pedaggico ao aluno na sala de apoio ou sala de recursos, desenvolvendo atividades como contar histrias, ler poesias e ensinar brincadeiras; - auxiliar na construo da identidade da criana com surdez, servindo como modelo; - ensinar LIBRAS para as crianas ouvintes, funcionrios e toda comunidade escolar; - auxiliar os professores ouvintes regentes das turmas que tm alunos com surdez; - participar, juntamente com o professor ouvinte, de encontros, eventos e reunies na comunidade escolar. Professor ouvinte: - ser regente de turmas de creche ou pr-escola, desenvolvendo o currculo, utilizando a lngua de sinais e facilitando o acesso e apropriao da lngua portuguesa escrita; - oferecer apoio pedaggico aos demais professores regentes quanto ao planejamento, execuo, avaliao do processo educativo que envolva crianas surdas; - participar de encontros, eventos e reunies na comunidade escolar, e com a coordenao da educao especial;

24

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

- participar do apoio pedaggico ao aluno na sala comum, na sala de apoio ou na sala de recursos; - desenvolver atividades que favoream a interao surdo-ouvinte e a participao da criana com surdez em atividades cvicas ou comemorativas da escola; - proporcionar ao aluno com surdez o aprendizado da lngua portuguesa como segunda lngua, atendo-se a aspectos pragmticos e funcionais da linguagem.

2.4.1 Consideraes sobre a lngua brasileira de sinais LIBRASPesquisas sobre as lnguas de sinais vm mostrando que essas lnguas so comparveis em complexidade e expressividade a quaisquer lnguas orais. Elas expressam idias sutis, complexas e abstratas. Os surdos que utilizam a LIBRAS podem discutir filosofia, literatura ou poltica, alm de esportes, trabalho, moda, e utiliz-la com funo esttica para fazer poesias, histrias, teatro e humor. As lnguas de sinais apresentam-se numa modalidade diferente das lnguas oraisauditivas. So lnguas espao-visuais, ou seja, a realizao dessas lnguas no estabelecida por meio do canal oral-auditivo, mas por meio da viso e da utilizao do espao. A diferena na modalidade determina o uso de mecanismos sintticos especficos, diferentes dos utilizados nas lnguas orais. As lnguas de sinais, que no so universais, so sistemas lingsticos independentes dos sistemas das lnguas orais. Petitto & Marantetti (1991) realizaram um estudo sobre o balbucio em bebs surdos e bebs ouvintes no mesmo perodo de desenvolvimento (desde o nascimento at por volta dos 14 meses de idade). Elas verificaram que o balbucio um fenmeno que ocorre em todos os bebs, surdos ou ouvintes. As autoras constataram que esse fenmeno manifestado no somente por meio de sons, mas tambm por meio de sinais. Nos bebs surdos foram detectadas duas formas de balbucio manual: o balbucio quirolgico e a gesticulao. O balbucio quirolgico apresenta combinaes que fazem parte do sistema articulatrio das lnguas de sinais (correspondente ao fonolgico das lnguas orais). Ao contrrio, a gesticulao no apresenta organizao interna. Os dados apresentam um desenvolvimento paralelo do balbucio oral e do balbucio manual. Os bebs surdos e os bebs ouvintes apresentam os dois tipos de balbucio at um determinado estgio, depois desenvolvem o balbucio em uma das modalidade. por isso que os estudos afirmavam que as crianas surdas balbuciavam oralmente at um determinado perodo. As vocalizaes so interrompidas nos bebs surdos assim como as produes manuais so interrompidas nos bebs ouvintes, pois a interao lingstica favorece o desenvolvimento de um dos modos de balbuciar. As semelhanas encontradas na sistematizao das duas formas de balbuciar sugerem haver no ser humano uma capacidade lingstica que sustenta a aquisio da linguagem independentemente da modalidade da lngua oral-auditiva ou espao-visual. Considerando que, pela falta da audio, a capacidade visual dos surdos aguada, uma lngua espao-visual adquirida de forma mais natural pela criana surda. No entanto, para que a criana possa adquiri-la, h necessidade de estar exposta a ela. Uma vez que seus pais ouvintes no tm domnio dessa lngua e, salvo raras excees, apenas os surdos adultos

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

25

a possuem, torna-se imprescindvel a presena do adulto surdo na educao infantil da criana surda para que esta possa adquirir a lngua. A aquisio da LIBRAS desde a mais tenra idade possibilita s crianas surdas maior rapidez e naturalidade na exposio de seus sentimentos, desejos e necessidades. Possibilita a estruturao do pensamento e da cognio e ainda uma interao social, ativando conseqentemente o desenvolvimento da linguagem. Com base em pesquisas nos Estados Unidos e na Europa, pode-se deduzir que o processo de aquisio da LIBRAS igual ao processo de aquisio de lnguas orais-auditivas, ou seja, obedece maturao da criana que vai internalizando a lngua a partir do mais simples para o mais complexo, compreendendo a seguintes fases: Primeira fase: h um perodo inicial que se assemelha ao balbucio das crianas ouvintes. Nesta fase a criana produz seqncias de gestos que articulatoriamente se assemelham aos sinais, mas no so reconhecidos como tal; Segunda fase: frase de uma palavra. interessante notar que as crianas surdas podem produzir suas primeiras palavras em LIBRAS entre 5 a 7 meses de idade (talvez isso ocorra devido ao desenvolvimento motor). Nessa fase, a criana surda comea a nomear as coisas, aprende a relacionar o sinal com o objeto, produzindo suas primeiras palavras (sinais): papa, mama, leite. Como as crianas ouvintes que ainda no dominam o sistema fonolgico, as crianas surdas tambm articulam os sinais com erros nos parmetros, por exemplo, podem trocar a configurao das mos ou o ponto de articulao, mas o adulto compreende que ela produziu um sinal na lngua, mesmo com a troca de fonema. A criana pode produzir, portanto, dois tipos de sinal: a) pronomes diticos*: aproximadamente aos dez meses, uma criana com surdez j aponta para si e para os outros. Os pontos para indicar pessoas podem desaparecer na produo lingstica da criana e s reaparecer tempos depois; b) sinais lexicais: so os mesmos sinais dos adultos, mais sem as marcas morfossintticas para flexo de nmero, concordncia verbal e aspecto, mesmo quando uma nica palavra est representando uma frase; Terceira fase: a partir de dois anos e meio, a criana surda comea a produzir frases de duas palavras, iniciando sua sintaxe, mas elas so usadas sem flexo e sem concordncia. A ordem das palavras constituir sua primeira sintaxe quando estabelecer a funo sintticosemntica dos itens lexicais na frase. As relaes semnticas individuais emergem quase que na mesma ordem que aparecem em lngua portuguesa. A partir dessa fase, a criana surda comea a adquirir a morfologia da LIBRAS, a aquisio de subsistemas morfolgicos mais complexos. Aos cinco anos de idade ser capaz de produzir frases gramaticais maiores e mais complexas. O primeiro subsistema mais complexo que adquire a concordncia verbal, na qual o verbo concorda com seu argumentonome, depois usa produtivamente a concordncia verbal para verbos de movimento.

* os diticos de pessoa, na LIBRAS, so pontos convencionados no discurso: para a 1 pessoa do singular, apontase para si mesmo, a pessoa que fala; para a 2 pessoa do singular, aponta-se para o receptor; e para a 3 pessoa do singular, aponta-se para um ponto neutro convencionado para a pessoa ou coisa referida no discurso.

26

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

Como se pde observar a partir dessa ligeira explanao, o processo de aprendizagem da LIBRAS semelhante ao processo de aquisio de qualquer lngua. No Brasil, a Lei N. 10.436, de abril de 2002, dispe e reconhece a LIBRAS como meio legal de comunicao e expresso objetiva e de utilizao corrente das comunidades surdas do Brasil.

2.4.2 Consideraes sobre a lngua portuguesa escritaSegundo Quadros (1997), a escrita deve ser a oportunidade de o indivduo expressar inmeras situaes significativas para determinados fins. A produo criativa possvel somente quando envolve situaes comunicativas verdadeiras e quando o aluno identifica as possibilidades da nova lngua enquanto objeto social e interacional. A lngua escrita uma lngua construda independentemente da construo da lngua oral. Um bom leitor e um bom escritor aquele que l e escreve muito. A lngua escrita adquirida por meio de constante acesso a ela. Dessa forma, desde a educao infantil, a criana deve estar em contato constante com a leitura e a escrita. importante que a criana desde cedo seja estimulada a ler histrias infantis. Essas devem ser lidas para as crianas com surdez com apoio de muita imagem visual, muita dramatizao e acompanhada da lngua oral ou da lngua de sinais, dependendo do momento e do modelo educacional. preciso despertar na criana o interesse pela leitura. importante tambm que a criana esteja envolvida no universo do letramento; para isso, o professor deve chamar sua ateno para tudo que est escrito ao seu redor. Mesmo que a criana no saiba ler, tudo o que for vivenciado em atividades de classe, em passeios, em relatos trazidos de vivncias experimentadas pelas crianas e trazidas para a sala de aula, deve ser registrado em forma de textos construdos junto com crianas e escritos pelo professor. fundamental que a criana perceba que tudo que experimentado pode ser escrito, e tudo que escrito pode ser lido, despertando assim, para o gosto pela leitura e escrita. O desenvolvimento da lngua escrita motivo de grandes estudos. importante perceber, entretanto, que sua aquisio ocorrer medida que a criana estiver exposta a ela.

A importncia do apoio escrito Mesmo sabendo-se que a criana em idade pr-escolar ainda no sabe ler, o apoio escrito deve ser dado criana com surdez sempre que possvel, e desde muito cedo. O registro escrito, reforado com um desenho, foto ou colagem representativa, realizado durante ou aps situaes vivenciadas pela criana, funciona como apoio visual, facilitando aprendizagem da lngua portuguesa, estimulando a leitura e escrita e contribuindo para a memorizao de palavras e de estruturas frasais. Poder ainda ser revivido e lido em outros momentos pelos familiares, professores, fonoaudilogo etc. O registro escrito pode e deve ser utilizado: - no desenho livre muitas vezes a criana usa o desenho como forma de expresso e,

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

27

se solicitada, conta por meio da LIBRAS, de gestos naturais, da dramatizao ou mesmo da lngua portuguesa oral, o que desenhou. O professor aproveita para traduzir o que foi comunicado, em lngua portuguesa escrita, escrevendo no espao embaixo da folha ou anexando uma tira grampeada ao desenho. - nas histrias contadas o professor deve escrever o ttulo da histria. A criana desenha ou o professor passa uma cpia das principais cenas do livro, escrevendo uma frase que sintetize a idia. - na hora da rodinha a criana pode contar o que fez por meio da LIBRAS, dramatizando ou utilizando mmicas. O professor capta sua idia e a escreve como se fosse a prpria criana. Ex: Hrica - Eu andei de bicicleta; Eu fui casa da vov. A frase ou frases podem ser escritas no quadro de giz e depois em papel com ilustraes da prpria criana, com desenho ou foto mandada pela famlia. - nas aulas de msica a criana no vai cantar como os colegas ouvintes, mas as msicas curtas e ou as partes que se repetem (refres) podem ser memorizadas e faladas pela criana com surdez, se puderem ser visualizadas por meio da lngua de sinais e da escrita. - no relato de atividades vivenciadas pelo grupo na escola ou fora dela (como, por exemplo, a festa de aniversrio de um colega, um passeio ao zoolgico) cada criana conta os fatos relativos ao acontecimento. O professor escreve o que os alunos falam e escrevem o que a criana surda conta, utilizando a lngua de sinais ou a dramatizao. Depois do texto elaborado, as crianas fazem a leitura dele. necessrio dar significado escrita, por meio da dramatizao. - nos passeios e outras atividades ocorridas em casa e descritas pela me na agenda o professor repassa os fatos descritos para um mural. Todos lem suas histrias. - na hora do lanche o professor deve mostrar o cardpio e o que vai ser servido no dia, falar e apresentar a escrita. Observar se o aluno com surdez encontra-se em local em que possa visualizar a pessoa que fala, o lanche que est sendo mostrado e a escrita correspondente. Essas so apenas algumas situaes. Haver muitas outras atividades em que o professor ir fazer uso do apoio escrito, alm de desenhos, gravuras e fotos, porque auxilia a criana com surdez e porque estimula os outros alunos a se interessarem pela leitura e escrita. Nessa fase, a leitura que a criana faz globalizada e contextualizada. A leitura torna-se fcil, porque associada a uma situao j vivenciada. Com o uso freqente da escrita, muitas palavras e frases, nomes, aes que se repetem so memorizadas, tanto na leitura como na escrita, e servem como mais um recurso que o aluno com surdez passa a utilizar para comunicar-se. Deve-se estimular bastante o uso da lngua portuguesa escrita. A partir de vivncias, de dramatizaes, o professor deve elaborar textos junto com as crianas e despertar nelas o gosto pela leitura e escrita. As vivncias devem ser sempre desenvolvidas em lngua de sinais. Os textos devem ser registrados em grandes blocos ou lbum seriado, para que sua leitura seja retomada vrias vezes. Nessa fase, a criana ainda no est alfabetizada, mas ela far a leitura em lngua de sinais e ser capaz de faz-lo por ter participado ativamente de sua construo. Vocbulos novos devem ser sempre apresentados em fichas. Deve-se ensinar o sinal correspondente e apresent-los com o alfabeto digital para estimular a memria visual e sinestsica da criana. Para que passem a ter significao, deve-se trabalhar com uma grande variedade de jogos: domin, encaixe, memria e outros.

28

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

Devem ser desenvolvidas muitas atividades que favoream a comunicao da criana. Comunicao no somente na escola, como tambm com a famlia. Exemplos de atividades que podem ser desenvolvidas: saco surpresa na segunda-feira, a criana traz de casa, no saquinho-surpresa, algum objeto e frases simples escritas em casa, dando pistas de atividades que a criana realizou no final de semana. Com apoio das pistas, o professor estimular a comunicao da criana para que tenha condio de contar situaes vivenciais em casa e em outros lugares; contando histrias que foram vivenciadas em classe para a famlia - como dever de casa, o professor deve mandar folhas contendo figuras da histria trabalhada em classe, contendo espaos vazios para que, em casa, os pais preencham, a partir do relato da criana. A famlia tentar escrever tudo que entendeu da histria contada pela criana. No dia seguinte, o professor dever mandar para casa a verdadeira histria, da forma como ela foi contada, permitindo, dessa forma, que a famlia identifique o que a criana quis dizer e, cada vez mais, consiga se comunicar com a criana. importante tambm trabalhar muitas histrias em seqncia, permitindo que a criana organize a idia de incio, meio e fim. Deve-se possibilitar a criao de diversos finais, explorando bastante a criatividade da criana. rotinas - so atividades muito importantes, pois permitem a formao de hbitos e atitudes. Na rodinha, no incio da aula, o professor deve: - trabalhar o calendrio (desenvolver conceitos de temporalidade dia, ms, ano, dia da semana, ontem, hoje, amanh; clima sol, chuva, nuvem, nublado, frio, quente); - trabalhar os nomes das crianas; - estimular o desenvolvimento lingstico, contando curiosidades e novidades. A criana est adquirindo a lngua de sinais, sendo assim, o professor deve usar muita expresso corporal, alm do estmulo visual, para que a criana entenda os conceitos. Na educao infantil, em todos os momentos, o professor deve recorrer ao estmulo visual, desde a pintura, o alarme de luz, a campainha luminosa, o painel legendado, o computador com tela de apresentao onde poder aparecer a lngua de sinais, lembrando que, para os usurios de aparelhos de amplificao sonora individual AASI, o amplificador sonoro em um ambiente amplo ajudar muito. O professor pode organizar centros de atividades, que nada mais so do que uma rea da sala de aula onde so oferecidos materiais baseados em uma rea de contedo ou tpico, para estimular a aprendizagem da criana. Nos centros de atividades, deve-se considerar os interesses das crianas, estimular uma aprendizagem significativa, atender s atividades oferecidas, observando-se os nveis de desenvolvimento das crianas e suas experincias anteriores, possibilitando, assim, que aprendam em seu prprio ritmo sobre o mundo ao seu redor, manipulando objetos, construindo, dialogando e assumindo diferentes papis. Com base em Spodek & Saracho (1998), so sugeridos os seguintes centros: Centro de jogos dramticos Esse centro contm atividades relacionadas a vrios temas de brinquedos: a loja, o lar, o restaurante, a oficina mecnica, o salo de beleza ou qualquer outra atividade que reflita a vida social das crianas.

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

29

Centro de jogos e quebra-cabeas Nesse centro deve-se oferecer s crianas jogos e quebra-cabeas, em diferentes nveis de dificuldade, para que sejam direcionadas a uma opo que possam completar com xito. Os jogos podem ter cores e formas diversas e podem ser organizados por nvel ou rea de habilidade. Centro de blocos Esse centro oferece a oportunidade de construir casas, lojas, escolas, sistemas de transporte, fazenda, aeroporto etc. Centro de biblioteca Deve estar localizado em uma parte calma da sala, longe do movimento, e os livros devem ser dispostos de forma que as crianas possam escolher facilmente os que querem olhar. O professor pode expor os livros de acordo com os temas que esto sendo estudados. Centro de matemtica Aqui devem estar materiais que permitam criana se engajar na soluo de problemas matemticos. Pode-se colocar varetas para contar, recipientes para medidas e figuras para comparao, e cartes com tarefas que apresentam problemas para as crianas resolverem. Centro de cincias Esse centro propicia o envolvimento das crianas em experimentos simples, a observao de fenmenos naturais ou o cuidado de um bichinho domstico. Pode-se trabalhar com sementes, conchas, folhas, insetos ou comidas. Centro de gua e areia apropriado para o ar livre. Centro de som e msica Deve conter instrumentos musicais simples e outros materiais que possam ser usados para emitir sons, vibraes. Centro de artes Um cavalete, uma mesa grande, tintas, papis, cola, argila e materiais similares so bsicos. As crianas precisam ter fcil acesso aos materiais e devem poder guard-los e limpar tudo sozinhas. Centro de marionetes Um palco simples e muitas marionetes, que podem ser compradas ou feitas pelo professor ou pelas crianas, criam uma oportunidade para o desenvolvimento da linguagem e da criatividade.

30

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

Centro de educao fsica Pode ter uma trave de equilbrio, marcaes de amarelinha no cho, bambols, cordas, saquinhos de cinco-marias e bolas, entre outros materiais. Centro de culinria Este centro pode ser montado temporariamente, quando necessrio. Ele permite s crianas se envolverem em projetos especiais de culinria. Deve ter uma mesa baixa e todos os utenslios que possam ser necessrios. Outros centros podero ser acrescentados se o professor os considerar necessrios. O trabalho com os centros poder abordar reas de grande importncia para o desenvolvimento infantil, tais como psicomotricidade (educao fsica, recreao e desportos); cognitiva (sensorial, percepo, linguagem); social (habitao, sexualidade, formao moral e familiar); expresso artstica (artes, msica). A afetividade estar permeando todo o trabalho. Os centros de atividades oferecem variadas opes para as crianas, envolvendo-as em atividades interessantes. Permitem equipe de profissionais conhecer as crianas como pessoas nicas, que aprendem por meio de experincias diretas e de maneira natural. preciso ficar claro que cada criana deve receber atendimento de acordo com a sua realidade, para poder vivenciar e explorar ao mximo suas potencialidades. (Marta Gil Consultora do Programa Um Salto Para o Futuro/Espaos para Incluso)

2.4.3 Aprendizado da lngua portuguesa oralPara o desenvolvimento da lngua portuguesa oral em crianas com surdez, a nfase, desde os primeiros anos de vida, dever ser a interao, a comunicao, a conversao significativa e contextualizada. O acompanhamento por um professor e/ou pelo fonoaudilogo complementa as atividades da sala de aula e a interao entre eles e a famlia ser um fator indispensvel para a obteno de resultados positivos. A diferena entre projetos educacionais que envolvem crianas com surdez s vezes no depende do tipo de proposta ou do objetivo, mas das modalidades, das estratgias e da persistncia em desenvolv-los. Perdas graves da audio especialmente em crianas muito pequenas, no perodo pr-lingstico (perdas auditivas antes do aprendizado da fala) afetam significativamente o desenvolvimento da linguagem oral caso no sejam trabalhadas adequadamente. Se no se pode escutar uma lngua, extremamente difcil aprend-la. Crianas que apresentam perdas auditivas antes do aprendizado da fala necessitaro de cuidados muito especiais para aprender a lngua oral. Uma criana que j tinha aprendido a falar e perdeu a audio no perodo pslingstico (perda auditiva aps o aprendizado da fala), ter maior possibilidade de entender a linguagem falada, mas, ainda assim, necessitar de alguns cuidados especiais. Cada criana apresenta sua individualidade e riqueza, e isso vlido para as crianas com surdez. As classificaes se tornam, contudo, necessrias, pelo menos em termos didticos. Apesar de todas as variveis, no fcil dizer, por exemplo, por que duas crianas com surdez, com a mesma perda auditiva, com o mesmo tempo de uso de prtese, desenvolvem sua audio e fala de modo diferente uma da outra. Em termos de desenvolvimento de

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

31

linguagem oral, existe uma classificao: crianas com surdez desde o nascimento e crianas que perderam a audio mais tarde (por exemplo, devido a meningite). As crianas que perderam a audio depois da aquisio da linguagem oral arquivaram, no crebro, modelos de linguagem receptiva e at expressiva, e as que nasceram com surdez no conseguiram imprimir esses modelos na memria. Dependendo do tempo e da intensidade da estimulao a que as crianas que nasceram com surdez so expostas, elas podero desenvolver muito bem a lngua de sinais e tambm a comunicao oral. A interao entre o fonoaudilogo e o professor responsvel pela estimulao precoce, de maneira permanente, possibilitar o planejamento das atividades que viabilizaro o desenvolvimento harmonioso de cada criana. Essas observaes so fundamentais para o desenvolvimento da linguagem receptiva e expressiva contextualizada no dia a dia. importante, ento, que a criana com surdez: possa comunicar-se como sabe; possa dialogar com liberdade, sabendo ser aceita pelos demais; passe a entender a entonao emotiva e dramatizada da mensagem que o professor envia; desenvolva, aos poucos, seu faz-de-conta. A falta de linguagem oral e a falta da possibilidade de ser estimulada podem levar a criana a ser bastante repetitiva e pobre de contedo em lngua portuguesa. So necessrios estmulos em lngua portuguesa para aumentar seu conhecimento, por meio de seqncias de quadros (a boneca levanta, toma caf, descansa) e tambm para acrescentar pormenores (toma banho, usa o sabonete, lava os ps, a cabea, enxuga com a toalha, penteia os cabelos); aprenda, paulatinamente, a discriminar auditivamente e/ou visualmente as primeiras palavras; mostre interesse pelas histrias contadas ou dramatizadas, com a ajuda de videocassete e de desenhos; mostre interesse pela leitura de histrias realizadas com o auxlio de gravuras nos livros ou com seqncia de desenhos; interessante que a criana guarde seu livro de histrias, em que h trs ou quatro gravuras para cada histria. Toda vez que uma histria contada na roda, o professor deve colocar a criana com surdez mais frente, para que ela possa ver com facilidade o que ele fala e dramatiza. Quando so usados livros e gravuras, bom lembrar as regras da comunicao visual. A histria trabalhada na escola deve ser recontada em casa; familiarize-se com a escrita, aproveitando o material encontrado no prprio contexto; comece a dar um significado intencional prpria fala, utilizando a emisso para designar animal, objeto, pedido; comece a desenvolver a linguagem receptiva, entendendo a comunicao oral do professor nas atividades da vida diria e nas atividades da escola; relate suas experincias, mesmo de fora da escola, com naturalidade, como por exemplo: a visita ao jardim zoolgico, o nascimento do beb, um aniversrio, o choque de carros na rua. Uma agenda pode facilitar o contato do professor com a famlia, possibilitando a interpretao do que a criana comunica gestualmente. O professor pode interpretar para as demais pessoas aquilo que no conseguiram compreender

32

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

da mensagem da criana. Ao mesmo tempo, o professor deve explicar criana com surdez o que os outros colegas contaram. Isso j realizado normalmente por muitos professores, tornando a aprendizagem muito rica para a turma toda, tanto em termos de compreenso como de aquisio de linguagem. necessrio que, desde o comeo das atividades educacionais, o professor fale oralmente o que a criana com surdez quer dizer. Os recursos grficos e visuais so muito importantes para ajudar a compreenso da fala do professor. Todas as vezes que um adulto tratar diretamente com a criana (troca de roupa, fraldas, hora do banho, momento do colo, alimentao), deve lembrar que, com alguns minutos a mais, pode propiciar-lhe uma ateno mais dirigida, muito enriquecedora, e deve usar as mesmas estratgias que o professor responsvel pela estimulao precoce pede para a me utilizar em casa. importante conhecer o desenvolvimento da linguagem da criana, possibilitando assim estimular o que ela j pode dar e, ao mesmo tempo, ajud-la a crescer diante de situaes novas que desafiam suas potencialidades. Na educao infantil, em geral, os avisos e ordens so dados somente pela comunicao oral. Esse hbito precisa ser alterado. Os assuntos, na maioria dos casos, so relacionados a coisas concretas e podem ser dramatizados ou apresentados por meio de gravuras. A escolha de estratgias a serem utilizadas com o grupo ou somente com a criana com surdez depende da oportunidade e das circunstncias. H muitas tcnicas para ajudar crianas com surdez a aprender a falar. Entre elas encontram-se aquelas utilizadas pela fonoaudiologia e pelos professores especializados. Fazse necessrio comear a desenvolver a linguagem desde as primeiras semanas de vida, independentemente de a criana surda responder ou no ao que est sendo falado. Sugerese que o professor acompanhe com palavras, msicas e movimentos tudo o que fizer quando estiver perto da criana. Por exemplo, pode-se conversar com ela sobre o que est fazendo no momento da alimentao, do banho e das brincadeiras. Pode-se tambm conversar com a criana sobre o que outras pessoas esto fazendo: a maninha est brincando l fora; o papai est consertando o telhado ou a mame est lavando roupas. Uma outra maneira de se comunicar com a criana fazer perguntas e respond-las sem esperar pela manifestao do aluno. Por exemplo, pode-se perguntar: Voc est com fome? E responder: Sim, voc est com fome. Eu vou lhe dar leite. Mais tarde, quando a criana tiver desenvolvido o resduo auditivo, poder comunicarse autonomamente. O professor deve comunicar-se sempre com ela, mesmo em lugares onde outras pessoas estejam conversando ou onde existam barulhos diversos. Dessa forma, introduz-se a criana na comunicao, uma vez que ela pode ver e perceber a interao existente entre as pessoas. A luz deve iluminar bem o rosto de quem fala com ela, de modo a tornar visveis os movimentos expressos no rosto de seu interlocutor. As crianas que ouvem apenas um pouco devem utilizar essa pequena audio para desenvolver a linguagem oral. Nesse momento no deve haver interferncia de barulhos a sua volta. Alguns aspectos metodolgicos que devem ser observados pelo professor: chamar a criana pelo nome, quando se dirigir a ela, uma das formas de colaborar para a descoberta de sua identidade. Antes de falar, o professor deve esperar que a

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

33

criana olhe para ele. Se ela no o fizer, ele deve segur-la pelo queixo e, gentilmente, faz-la voltar-se para ele; usar palavras simples e familiares em frases curtas como, por exemplo, venha comer. No se deve usar linguagem infantil com a criana, pois, posteriormente, ela s entender quem lhe falar da mesma maneira; utilizar os movimentos do corpo e as expresses do rosto linguagem corporal para ajudar a criana a se comunicar a todo instante. Assim, ela aprender o que significam esses movimentos e expresses; usar movimentos do corpo para tornar mais clara a mensagem falada para aqueles que o esto escutando ou esto vendo. Balanar a cabea quando disser sim ou no; utilizar as mos para mostrar o tamanho dos objetos etc; modificar a expresso do rosto de acordo com o que se fala. Pode-se demonstrar pesar, alegria, surpresa e muitos outros sentimentos no rosto; no parar de conversar com a criana ao utilizar a linguagem corporal. sempre muito importante estimular sua linguagem; descobrir se a criana est entendendo seu interlocutor, pedindo-lhe que responda as perguntas. A criana pode responder de diferentes maneiras: fazendo o que se pediu, falando ou apontando coisas. A criana pode responder, tambm, emitindo sons, que no so propriamente palavras; valorizar a emisso de qualquer som que a criana queira ou consiga produzir. Mais tarde, pode-se ajud-la a dizer palavras, emitindo corretamente os sons; reconhecer o esforo da criana quando ela fizer alguma coisa bem feita ou aprender a dizer palavras novas, por meio de palavras e demonstraes de emoes de alegria. A criana desejar agradar e, ento, repetir o que tiver feito ou aprendido; estimular a criana a falar, enquanto estiver desenvolvendo alguma atividade. Ouvir com ateno significa muito mais que simplesmente escutar. Significa associar significados aos sons. Normalmente, a capacidade auditiva da criana no pode ser modificada. Entretanto, pode-se desenvolver bons hbitos de utilizar seus resduos auditivos. A lngua portuguesa oral deve ser desenvolvida o mais naturalmente possvel, sempre de forma contextualizada e ldica. Sugere-se que essa modalidade seja trabalhada em momentos separados daqueles utilizados para aquisio da lngua de sinais. Para desencadear o processo de ensino e aprendizagem da lngua portuguesa oral, o professor deve falar o tempo todo com a criana, como se faz com a criana ouvinte, em todas as situaes da vida diria. Nunca se deve proibi-la de utilizar sinais. O professor deve compreend-los e expressar a palavra correspondente em lngua portuguesa. O professor deve procurar: conduzir a criana a olhar para quem est falando; estimular a criana auditivamente, chamando a ateno para os rudos ambientais; falar com movimentos labiais bem definidos, a fim de que ela possa compreender o que est sendo dito, pela observao dos lbios; falar naturalmente com voz normal, em um nvel moderado de velocidade, sobre o que esto fazendo no momento; usar expresses faciais, movimentos do corpo, das mos, gestos naturais, para dar pistas da mensagem que esto transmitindo;

34

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

ajudar a criana a compreender e aprender palavras novas; expressar de forma correta as palavras ou frases, sempre que a criana houver distorcido a fala, sem no entanto critic-la pelo erro. Na educao infantil, em contato com a criana surda, os professores devem: falar naturalmente, de acordo com a idade da criana, procurando no fazer nenhuma alterao da sintaxe; participar sempre da alegria ou do sofrimento da criana, dando valor a seu estado emocional; fazer perguntas criana surda, como a qualquer outra criana, e responder por ela, com o objetivo de estimular a conversao e sua compreenso (mtodo do duplo papel: papel da criana e do adulto): Voc fez coc? Jos fez coc! Espere! Vamos trocar a fralda? Isso te incomoda? Vai ficar bem limpinho! Quer brincar de bicicleta? Est rindo? Jos feliz! Vamos brincar com Carol. O mais importante nesse tipo de atividade, como em outras, no perder a oportunidade de conversar com a criana, com a mxima naturalidade, apenas buscando manter o interesse da criana no rosto de quem fala (leitura labial); estabelecer desde o comeo do processo de ensino e aprendizagem um dilogo com a criana, de maneira que, com o tempo, ela aprenda a fazer e a responder adequadamente as perguntas, primeiro de maneira muito simples, depois cada vez mais complexa. No incio, utilizar o mtodo de captao: perceber o que a criana quer dizer, externar corretamente a pergunta e acrescentar a resposta. Por exemplo, se a criana quer gua e aponta para o filtro, ou tenta emitir: aaa, o professor intervm: Ah! Voc quer gua? gua? A tia vai te dar a gua. Espere! Toma a gua. A gua gostosa! Para isso fundamental dar espao criana. Perceber quando ela quer dizer algo, deixar espaos de propsito para que fale, interrogue, aponte, pea; acrescentar algo fala da criana (expanso). Se a criana apontou para uma colega, o professor deve falar, por exemplo: Maria chegou! Olha, tem as sandlias novas, bonitas! usar a voz em tom mais alto, com ritmo e melodia adequados ao contexto. Falar prximo criana; manter uma distncia relativamente pequena entre os dois interlocutores; dar nfase comunicao gestual natural dela e, ao mesmo tempo, introduzir a fala, procurando sempre traduzir em portugus oral a sua linguagem espontnea. Repita muitas vezes a palavra chave do pedido ou de algo que est apontando: A gua? Voc quer gua? A tia vai dar gua para Jos. Espere um pouco. Jos est tomando gua! Jos est tomando gua! Lalal! (O professor deve esperar que a criana olhe para ele, ou ele deve chegar perto da criana de modo que ela detecte a entonao da sua fala); escolher palavras que se repetem inmeras vezes nas atividades da vida diria e nas reas do currculo; trabalh-las por contrastes com mais intensidade no dia a dia, para que a criana passe a discrimin-las com facilidade por meio da audio, da leitura oro-facial, do gesto. Por exemplo, entre os brinquedos, pode-se escolher a bola e a boneca: Pegue a bola Pegue a boneca. Nas cores: Me d o lpis vermelho Me d o lpis azul. Nos movimentos: devagar/rpido corre/pra, e assim por diante.DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

35

O professor precisa ficar atento para que toda conversa, toda observao, toda pergunta brote como fruto de uma experincia vivenciada que dever ser verbalizada, para que a criana compreenda a funo comunicativa da linguagem e participe dela. O professor deve incentiv-la a utilizar a voz, dando um significado para os sons que a criana pode emitir. Com a criana surda isso no acontece de maneira natural, pela falta do estmulo auditivo, mas pode, em parte, ser superado com o uso do aparelho de amplificao sonora individual AASI e do trabalho de estimulao da linguagem oral desenvolvido pelas pessoas que com ela convivem. Aos poucos a criana dever aprender a falar, quer dizer, aprender que, emitindo sons, algo modifica ao seu redor. preciso prender a ateno da criana sobre a sonoridade das coisas, sobre a possibilidade de utilizar - como instrumento das brincadeiras primeiro, depois da comunicao e do conhecimento - as emisses orais prprias e as dos outros. A criana observar que, ao emitir um som, vai aparecer um objeto conhecido e/ou desejado. Se emitir um som, haver uma reao no ambiente: o professor vira-se, sorri, chega perto, pega no colo, d algo. O som da voz da me, do professor que chama a criana pelo nome com aquela entonao prpria, com o tempo pode ser reconhecido e adquirir um profundo significado. A criana, aos poucos, deve chegar a emitir diferentes sons para diferentes pedidos (por exemplo, aaa quando quer gua, ooo quando quer a bola, mamama quando v e quer a me). O professor dever dar nfase comunicao gestual natural, lngua de sinais e, ao mesmo tempo, introduzir a fala. Alm da comunicao gestual espontnea, o uso de fotografias, de gravuras, de desenhos de grande utilidade para explicar acontecimentos. Em particular, quando a rotina muda, quando vai acontecer algo de novo, interessante avisar as crianas e a conversa pode ser auxiliada com a apresentao de figuras ou at fazendo um rpido desenho no quadro. Alguns professores, para brincar com as crianas dessa idade, usam fichas padronizadas divididas por assuntos (animais, alimentos, esquema corporal, meios de comunicao, qualidades por oposio gordo/magro, alto/baixo, posio no espao em cima/ em baixo, em frente/atrs, etc.), que so timas para as crianas com surdez. Esse estilo de relacionamento deveria tornar-se, aos poucos, comum a todos os que se relacionam com a criana com surdez. Mais do que uma informao terica e informal inicial, ser a maneira de interagir do professor especialmente encarregado de lidar com a criana surda que levar os outros a agir da mesma forma com naturalidade e alegria. Para a aprendizagem da lngua portuguesa oral de fundamental importncia que a criana faa uso do aparelho auditivo aparelho de amplificao sonora individual - AASI.

Aparelhos auditivos Os aparelhos AASI (aparelhos de amplificao sonora individual) servem para captar e ampliar os sons, mas o fato de uma criana estar utilizando-os no significa que est tendo uma audio normal. Crianas com surdez leve ou moderada podem desenvolver bem a linguagem oral. No caso da surdez leve, isso possvel mesmo sem o aparelho auditivo. As que tm surdez

36

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

severa e surdez profunda tambm podero ser beneficiadas com o uso do aparelho, mas tero dificuldades ligadas deteco e discriminao dos sons da fala, podendo, conseqentemente, no adquirir a lngua portuguesa oral de maneira natural. Nos casos de ter surdez moderada, severa ou profunda, a criana dever usar o aparelho auditivo o dia todo para que haja um melhor aproveitamento de seus resduos auditivos. Pais, pessoas ouvintes de seu convvio, professores, funcionrios da escola, sempre que possvel, devem estimular auditivamente a criana, chamando-lhe a ateno para os rudos e sons ambientais (barulho de avio, trovo, batidas na porta, o barulho da descarga, do telefone tocando, etc.), e para os sons da fala. Assim a criana, aos poucos, passar a dar significado a esses sons, valendo-se tambm da pista auditiva, alm da pista visual (leitura orofacial, leitura das expresses corporais, faciais, etc.), adquirindo melhor domnio do ambiente sonoro e melhor desempenho comunicativo. O modelo de aparelho auditivo mais usado pelas crianas no perodo da educao infantil o retroauricular. O professor dever receber as informaes sobre o uso e os cuidados com a prtese auditiva da criana. Crianas muito pequenas dependem do adulto para ligar/desligar, tirar/ colocar o aparelho. O professor dever monitorar o aparelho, avisando famlia quando ele apresentar problemas, como: gasto das pilhas e necessidade de limpeza dos moldes. O professor dever, sempre que possvel, observar se o aparelho do aluno est funcionando. Uma maneira prtica de sab-lo colocar a mo em concha sobre a orelha protetizada da criana. Se o aparelho apitar, est funcionando. Os problemas mais comuns nos aparelhos dos alunos so: 1 - O aparelho no funciona Causas: - aparelho desligado (no retroauricular a posio de ligar indicado geralmente pela letra M); - problemas com a pilha: sem pilha, pilha na posio errada ou pilha fraca; - molde ou sada do aparelho obstruda por cera; - mangueira furada; - aparelho molhado. 2 - O aparelho est apitando Causas: - aparelho ligado fora da orelha; - molde mal encaixado na orelha; - algum colocou a mo perto da orelha do aluno, ou ele encostou a cabea em algum lugar; - volume excessivamente aumentado; - o molde pode estar pequeno para o ouvido da criana (com folga). Nesse caso a famlia dever providenciar um novo molde; - problemas internos no aparelho. Nesse caso o professor dever alertar os pais para que procurem assistncia tcnica especializada; - mangueira furada, longa ou deslocada do molde.

DIFICULDADES DE COMUNICAO E SINALIZAO - SURDEZ

37

H ocasies em que se deve retirar o aparelho da criana, principalmente nas atividades ou situaes em que possa ficar mido ou molhado, tais como: - atividades na piscina; - no chuveiro ou no banho de mangueira; - na chuva; - aps o banho, quando os cabelos esto molhados. Caso o aparelho fique molhado por acidente, o professor deve deslig-lo, retirar a pilha ou bateria e o molde (parte que se encaixa na orelha) e deix-lo em lugar ventilado. Em seguida, deve avisar a famlia para que procure a assistncia tcnica especializada. Ao retirar e manipular o aparelho, deve faz-lo sempre sobre uma superfcie macia para evitar queda ou batida. Obs.: No tanque de areia aconselhvel tir-lo, se houver perigo de queda. Ao cair na areia difcil de ser encontrado, pois confunde-se com ela.

Estimulao auditiva* A estimulao auditiva visa desenvolver os resduos auditivos, ou seja, as habilidades auditivas que quase todas as crianas com surdez possuem. Para isso, fundamental o uso da prtese auditiva, lembrando-se de que ela somente uma ferramenta. necessria uma educao permanente e especfica para que essas capacidades auditivas da criana sejam estimuladas, em particular do nascimento aos trs anos de idade, e possam tornar-se parte integrante e funcional do prprio universo perceptivo. Ao falar com crianas que j possuem o aparelho auditivo, o professor no deve ficar distante (mais de trs metros) e, quando for lidar com ela individualmente, pode falar e brincar a uma distncia de 30 a 40 cm de sua orelha. A criana dever ser estimulada desde cedo a: perceber a diferena entre o som e o silncio. Na abordagem pedaggica, a mensagem sonora deve estar relacionada a um determinado contexto, aos objetos, aos acontecimentos, comunicao (verbal, gestual e de sinais) sempre redundante, rica de entonaes e traos exclamativos, interrogativos e expressivos. O som deve aparecer enfatizado com o seu oposto: o silncio (percebido como espera); descobrir o que significa colocar-se escuta. Diante de um som, por exemplo, colocar a mo perto da orelha com o gesto caraterstico de quem quer ouvir; aprender a detectar, a discriminar, a reconhecer o som. Deve aprender, tambm, a gostar de todas as caractersticas prprias do som, do ritmo, da msica que esto na base da linguagem oral. O professor deve escolher para a criana brinquedos com rudos um pouco mais fortes: tamborim, apito, gaita, flauta, cascas de coco. Em lugar de fazer um barulho qualquer, escolher ritmos simples e agradveis. perceber a fonte de cada som. Deve apren