surdez e bilinguismo

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS NAIANA SANTOS CARVALHO SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO PARA SURDOS SALVADOR 2010

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Dissertação de mestrado

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAO CAMPUS I

    PEDAGOGIA ANOS INICIAIS

    NAIANA SANTOS CARVALHO

    SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRTICAS NA

    EDUCAO PARA SURDOS

    SALVADOR 2010

  • NAIANA SANTOS CARVALHO

    SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRTICAS NA

    EDUCAO PARA SURDOS

    Monografia apresentada como requisito parcial para obteno de graduao em Pedagogia Anos Iniciais do Departamento de Educao da Universidade do Estado da Bahia, sob orientao da Prof Dr. Ana Portela.

    SALVADOR 2010

  • FICHA CATALOGRFICA Biblioteca Prof. Edivaldo Machado Boaventura Bibliotecria : Jacira Almeida Mendes CRB : 5/592

    Carvalho, Naiana Santos Surdez e Bilingismo : perspectivas, possibilidades e prticas na educao para surdos / Naiana Santos Carvalho . Salvador, 2010. 103f.

    Orientadora: Ana Portela. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao) Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educao. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2010.

    Contm referncias e anexos.

    1.Surdez - Educao. 2. Bilingismo. 3. Estudantes surdos - Educao. 4.Lngua de sinais. 5. Educao inclusiva. I. Portela, Ana. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educao.

    CDD: 371.912

  • NAIANA SANTOS CARVALHO

    SURDEZ E BILINGUISMO: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E PRTICAS NA

    EDUCAO PARA SURDOS

    Monografia apresentada como requisito parcial para obteno de graduao em Pedagogia Anos Iniciais do Departamento de Educao da Universidade do Estado da Bahia, sob orientao da Prof Dr. Ana Portela.

    Aprovado em 11 de Maro de 2010

    BANCA EXAMINADORA

    Prof . Ana Portela

    Prof. Jaciete Barbosa

    Prof. Mrcia Arajo

  • Dedico este trabalho a toda comunidade surda, pois eles (os surdos) foram inspirao e a razo para a realizao deste.

  • AGRADECIMENTOS

    Em especial... Deus, pela vida e por me presentear est ao lado de pessoas admirveis a qual

    respeito e tanto amo.

    Famlia... minha me Nolia, pela preocupao com a minha formao, pela pacincia e

    compreenso em entender - s vezes - a minha falta de humor e principalmente pelo incentivo na minha busca por novos caminhos e descobertas.

    minha v Marlene, que juntamente com a minha me, contriburam para a minha formao como pessoa, ensinando-me valores e atitudes onde o principal lema era: no faa nada para os outros que voc no queria para si prpria.

    Aos meus dois pais, Elisio (in memoriam) pela existncia e Ailton (in memoriam) pela criao e pelos mimos.

    Professora... minha orientadora Prof Ana Portela, pela compreenso das nossas dificuldades,

    valorizao de nossos esforos, apoio e incentivo para a construo deste trabalho.

    A Turma...

    Em particular a minha equipe Boutinet (Arianne Lima, Isabel Gomes, J. Jorge Santana, Nivia Cataline e Tauana Dias) que com nosso lema de lanar pra frente e jogar pra cima produzimos e apresentamos trabalhos de extrema competncia e qualidade.

    Aos amigos que ganhei nesse percurso: Juliana Moreira, Ana Carla Silva, Iracema de Jesus, Fabiana Nascimento, Soraya Leiro, Rafaela Franco, D (Durval de Jesus), a Bin (Diogo Pinho), Sidney Michel, Alberto Novais, Alessandra Silva, Anne Caroline, Alda Lobo, Mrcia Bispo, Renata Uchoa, Maiana Caldas, Ana Paula Fiais, Clara Torres, Noeli Santos, Sandra do Vale...

    Aos diretores, coordenadores, funcionrios e instituies...

  • diretora Maria Luiza Godinho, por me permitir fazer trabalho voluntrio na Escola Joo das Botas e a professora Cyrene Miranda Silva;

    fundadora e presidente da APADA Marizanda Dantas, a coordenadora Jmara Cardoso, bem como meus professores de LIBRAS Ronaldo Freitas e Aline Porto e Mrcia Schiavon;

    professora Simone Andrade do CAS Wilson Lins, pela contribuio tericas e auxlios nas observaes, a professora Ana Maria Menezes pela assistncia em me demonstrar como ocorre o ensino com os alunos surdos.

  • O futuro no apenas a conquista de metas estabelecidas a priori, mas, principalmente, a possibilidade de novas respostas a novas perguntas que escapem a todo e qualquer critrio de previsibilidade.

    (Cludio Roberto Baptista)

  • RESUMO

    Este trabalho tem como objetivo apresentar as perspectivas e possibilidades que permeiam a educao para surdos em uma proposta educativa bilngue. A funo desta pesquisa destacar a relevncia de uma nova concepo sobre a surdez e suas contribuies tanto no processo educacional dos discentes surdos, com a valorizao da LIBRAS, quanto na construo da identidade e cultura surda. O presente trabalho, de cunho qualitativo, visa atravs do estudo de caso, investigar como ocorrem as prticas educativas para surdos na escola regular de ensino e nas escolas para surdos. Participaram desta pesquisa alunos surdos e ouvintes, coordenadores, professores, diretores e funcionrios da Escola Estadual Joo das Botas, da Associao de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (APADA BA) e do Centro de Atendimento ao Surdo CAS Wilson Lins. A partir dos resultados pode-se inferir que uma proposta educativa baseada em uma perspectiva bilngue possibilita ao estudante surdo uma melhor educao, no sentido em que prioriza em uma metodologia a utilizao de recursos visuais para o ensino a esses alunos.

    Palavras chaves: Educao de Surdos Surdez Bilinguismo.

  • ABSTRACT

    This paper aims to present perspectives and possibilities that permeate the education for the deaf in a bilingual educational program. The function of this research is to highlight the importance of a new conception of deafness and its contributions both in the educational process of deaf students, with valuation of LIBRAS, as in the construction of identity and deaf culture. This study, using a qualitative approach aims at using the case study, investigate and place the educational practices for deaf students in mainstream education and schools for the deaf. Participants were deaf and hearing students, co-ordinators, teachers, directors and employees of the State School Joo das Botas, the Association of Parents and Friends of Auditory Deficient (APADA - BA) and the Center for Deaf Service - CAS - Wilson Lins. From the results it can be inferred that an educational approach based on a bilingual perspective enables the deaf student a better education, in that it emphasizes a methodology to use visual recourses to teach the students.

    Key words: Education of the Deaf - Deafness - Bilingualism

  • LISTA DE ILUSTRAES

    IMAGEM 1 Fachada da Escola Estadual Joo das Botas......................................................85 IMAGEM 2 Sinalizao da Sala de Apoio............................................................................85 IMAGEM 3 Sala de Apoio................................................................................................... 85 IMAGEM 4 Atendimento na Sala de Apoio..........................................................................85 IMAGEM 5 Atendimento na Sala de Apoio (2)....................................................................85 IMAGEM 6 Dicionrio Capovilla.........................................................................................86 IMAGEM 7 Representao Trilngue....................................................................................86 IMAGEM 8 Vdeo de Histria Infantis em LIBRAS..........................................................86 IMAGEM 9 Vdeo Contando Histria em Libras..............................................................86 IMAGEM 10 - Coleo Fala Srio...........................................................................................86 IMAGEM 11 Refeitrio e Ptio.............................................................................................86 IMAGEM 12 Mesa de jogos Lanches....................................................................................86 IMAGEM 13 Quadra de Esportes..........................................................................................86 IMAGEM 14 Fachada da APADA BA...............................................................................87 IMAGEM 15 Smbolo da APADA BA..............................................................................87 IMAGEM 16 Sala do Curso de Libras..................................................................................87 IMAGEM 17 Intrprete/Professor de LIBRAS e Assistente Social da APADA .................87 IMAGEM 18 Certificado e Contedo Programtico (Mdulo I)..........................................87 IMAGEM 19 Certificado e Contedo Programtico (Mdulo II).........................................87 IMAGEM 20 Sala de Aula.....................................................................................................88 IMAGEM 21 Sala de Aula (1)...............................................................................................88 IMAGEM 22 Sala de Aula (3)...............................................................................................88 IMAGEM 23 Sala de Informtica..........................................................................................88 IMAGEM 24 Parquinho/rea de Lazer.................................................................................88 IMAGEM 25 Brinquedoteca (1)............................................................................................88 IMAGEM 26 Brinquedoteca (2)............................................................................................88 IMAGEM 27 Livro Cinderela Surda..................................................................................88 IMAGEM 28 Cena do livro (Momento da transformao)...................................................88 IMAGEM 29 Cena do Livro Cinderela Surda (Quando ela esquece a Luva)...................88 IMAGEM 30 Vdeo Contando Histria em LIBRAS (Literatura Mundial Fabula).......89 IMAGEM 31 Vdeo Contanto em LIBRAS (Lendas Brasileiras)......................................89

  • IMAGEM 32 Sinalizao das atividades desenvolvidas na Brinquedoteca..........................89 IMAGEM 33 Sinalizao Sala da Direo............................................................................89 IMAGEM 34 Sinalizao sobre Higiene...............................................................................89 IMAGEM 35 Sr. Wilson Lins................................................................................................90 IMAGEM 36 Fachada CAS Wilson Lins...........................................................................90 IMAGEM 37 Smbolo CAS Wilson Lins...........................................................................90 IMAGEM 38 Sinalizao do Sanitrio de Aluno..................................................................90 IMAGEM 39 Sinalizao do Sanitrio Feminino..................................................................90 IMAGEM 40 Sinalizao do Sanitrio Masculino................................................................90 IMAGEM 41 Sala de informtica..........................................................................................91 IMAGEM 42 Sala de informtica (2)....................................................................................91 IMAGEM 43 Prof.. Informtica............................................................................................91 IMAGEM 44 Figura, configurao de mos e escrita em portugus dos componentes do computador................................................................................................................................91 IMAGEM 45 Prof.s do CAS Wilson Lins..........................................................................91 IMAGEM 46 Prof.s do CAS Wilson Lins (1)....................................................................91 IMAGEM 47 Interprete e Instrutora de LIBRAS..................................................................91 IMAGEM 48 Funcionrias Surdas do CAS...........................................................................91 IMAGEM 49 Sinalizao Sala de Aula.................................................................................91 IMAGEM 50 Sala de Aula.....................................................................................................91 IMAGEM 51 Sala de Aula (1)...............................................................................................91 IMAGEM 52 Sinalizao luminosa.......................................................................................92 IMAGEM 53 Desenho dos alunos do Patinho Feio...............................................................92 IMAGEM 54 Histria do Patinho Surdo...............................................................................92 IMAGEM 55 Histria da Turma da Mnica..........................................................................92 IMAGEM 56 Desenho dos alunos da Turma da Mnica.......................................................92 IMAGEM 57 Espao de Convivncia...................................................................................92 IMAGEM 58 Espao de Convivncia (1)..............................................................................92

  • LISTA DE SIGLAS

    APADA Associao de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos

    APAS Associao de Pais e Amigos dos Surdos

    CAS Centro de Atendimento ao Surdo

    FENEIDA Federao Nacional de Educao e Integrao dos Deficientes Auditivos

    FENEIS Federao Nacional de Educao e Integrao do Surdo

    INES Instituto Nacional de Educao de Surdos

    LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais

    LSCB Lngua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros

    UNEB Universidade do Estado da Bahia

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

  • SUMRIO

    1. INTRODUO...........................................................................................................13 2. CAPTULO I EDUCAO DE SURDOS......................................................17 2.1 A HISTRIA DA EDUCAO DOS SURDOS...........................................................17 2.2 EDUCAO DE SURDOS NO BRASIL.......................................................................22 3 . CAPTULO II ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS...27 3.1 ORALISMO......................................................................................................................27 3.2 COMUNICAO TOTAL..............................................................................................29 3.3 BIMODALISMO..............................................................................................................31 3.4 BILINGUISMO................................................................................................................33 3.4.1 Educao Bilngue.........................................................................................................35

    4 . CAPTULO III CULTURA, IDENTIDADE E SURDEZ.........................41 4.1 SURDO: DIFERENTE OU DEFICIENTE?..................................................................41 4.2 CULTURA SURDA..........................................................................................................45 4.3 IDENTIDADE SURDA....................................................................................................48 4.4 LNGUA DE SINAIS.......................................................................................................51 4.4.1 Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS .......................................................................53

    5 . CAPTULO IV ANLISES DE DADOS.........................................................57 5.1 PROPOSTA METODOLGICA...................................................................................57 5.1.1 Recursos Metodolgicos................................................................................................60 5.2 ESPAOS EMPRICOS................................................................................................ 60 5.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA......................................................................................61 5.4 ANLISE DOS DADOS..................................................................................................61 5.4.1 Escala Inclusiva..............................................................................................................62 5.4.2 Escola para Surdos.........................................................................................................67

    6 CONSIDERAES FINAIS......................................................................................77 REFERENCIAS......................................................................................................................80 ANEXOS..................................................................................................................................85

  • 1. INTRODUO

    A educao para surdos ao longo do tempo vem ganhando destaque no cenrio educacional brasileiro. Apesar disso, ainda no podemos afirmar que os direitos conquistados pela comunidade surda esto sendo respeitados e, dentre esses direitos, est o reconhecimento da lngua sinais como lngua natural dos surdos. Direito garantido pelo Congresso Nacional que decretou e sancionou a Lei N 10.436 de 24 de abril de 2002 que profere no Art. 1 reconhecida como meio legal de comunicao e expresso a Lngua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expresso a ela associados. Em pargrafo nico complementa:

    Entende-se como Lngua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicao e expresso, em que o sistema lingstico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical prpria, constituem um sistema lingstico de transmisso de idias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.( BRASIL, 2002)

    Para Quadros (1997), a postura educacional perante a lngua de sinais interfere no processo histrico das comunidades surdas. O fato de permitir e/ou no permitir que as pessoas surdas usem a lngua de sinais provocam profundas mudanas na vida das pessoas que interagem com tais comunidades. Percebe-se que os surdos passam a ter um papel importante no processo educacional no momento em que a lngua de sinais passa a ser respeitada como uma lngua prpria dos membros deste grupo social (p. 45).

    Diante disto, este trabalho tem como propsito estudar os pressupostos tericos que permeiam os conceitos de bilinguismo e surdez na educao para surdos. Tericos como Skliar (1999), Quadros (1997, 2004), S e Botelho (2002) iro, dentre outros autores, subsidiar essa pesquisa, pois destacam em suas obras aspectos que dizem respeitos educao dos surdos; a relao dos surdos com os ouvintes nos ambientes escolares, conceitos antagnicos como normalidade e anormalidade, diferena e deficincia, maioria e minoria, lngua oral e lngua de sinais; a importncia da lngua de sinais na construo da identidade surda, tendo como conseqncia a formao de uma comunidade prpria; metodologias para o ensino dos alunos surdos, bem como a preocupao com a formao dos professores para o ensino destes discentes surdos.

    As limitaes na organizao de projetos polticos educacionais, de cidadania, dos direitos lingsticos, e as dificuldades no processo de reorganizao e de reconstruo pedaggicas, ainda sugerem a existncia de uma problemtica educacional no revelada totalmente. Em outras palavras, a questo no est no quanto os projetos pedaggicos se

  • distanciam do modelo clnico, mas no quanto realmente se aproximam de um olhar antropolgico e cultural (SKLIAR,1998, p. 8).

    Assim, esta pesquisa tem como objetivo geral conhecer os mtodos de ensino necessrios para o desenvolvimento na formao dos alunos surdos numa perspectiva bilngue. Os objetivos especficos so: identificar as abordagens tericas que oferecem subsdios aos profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem dos alunos surdos; apontar estratgias que permitam a aquisio e o desenvolvimento da lngua de sinais como primeira lngua na educao dos surdos; identificar como a educao em uma perspectiva bilngue possibilita ao sujeito surdo construir uma identidade surda; apontar as representaes sociais sobre a surdez em uma proposta educacional baseada no bilinguismo. A construo dos objetivos desta pesquisa se deu atravs da formulao do seguinte problema: a prtica educacional na perspectiva bilngue possibilita um melhor desenvolvimento na construo da identidade do surdo e no aperfeioamento do processo de ensino e aprendizagem para os discentes surdos?

    A escolha do tema Surdez e Bilinguismo: perspectivas, possibilidades e prtica na educao para surdos se justifica por duas razes. A primeira por causa da elaborao do projeto de pesquisa, no 1 semestre, que tinha como tema a incluso dos deficientes auditivos no ensino regular, em funo disto surge o interesse em aprender a lngua de sinais, a partir disto, comeo a fazer um curso de LIBRAS na APADA- BA (Associao de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos). Durante este curso tive, ento, a oportunidade de conhecer a diretora da Escola Estadual Joo das Botas, uma escola denominada inclusiva, pois atende alunos surdos em suas salas regulares. Com permisso desta diretora comecei, a partir da, a realizar um trabalho voluntrio na sala de apoio desta mesma instituio.

    Neste perodo, vivenciei o cotidiano educacional dos alunos surdos nas salas regulares e de apoio, e com isso acabei, constatando quo era difcil o processo de ensino e aprendizagem dos alunos surdos. A falta de profissionais especializados era a principal razo para se explicar esta situao. O nico auxlio que os discentes tinham de professores com conhecimentos da LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais era na sala de apoio, na prpria escola, que os mesmos freqentaram no turno oposto. Este atendimento, realizado por duas professoras, consistia em ajudar os alunos a responder e desenvolver seus exerccios e trabalhos escolares.

    Uma outra razo para a escolha deste tema foi que, neste mesmo perodo de construo do projeto de pesquisa, ocorreu o Congresso Nacional de Educao para Surdos, no qual a comunidade surda manifestou-se favorvel a uma incluso social e no educacional. Neste

  • momento, surge a inquietao em investigar as metodologias de ensino e o cotidiano educacional dos discentes surdos em escolas especificas para o ensino de surdos, ou seja, em escolas que seguem uma proposta educacional baseada na perspectiva bilngue.

    A partir de ento deixo de pensar como uma ouvinte preocupada com a educao desses alunos, crendo que o melhor para eles era estudar com os ditos normais. Assim, deste modo, ficou evidente perceber que a principal questo era fazer com que existisse, de fato, um processo de ensino e aprendizagem na educao dos alunos surdos e a primeira atitude para viabilizar este objetivo, era que fossem respeitadas as diferenas lingsticas entre surdos e ouvintes.

    Assim sendo, a relevncia dessa pesquisa sobre a Surdez e o Bilinguismo na educao para surdos surge da necessidade tanto do reconhecimento da LIBRAS como lngua materna do surdos, e assim sendo, ela deve ser ensina para eles nos ambientes escolares como primeira lngua quanto do recolhimento de uma nova concepo da surdez que, diferentes dos modelos clnico-teraputico, a surdez entendida na perspectiva de uma educao bilngue de acordo com os pressuposto do modelo scio-antropolgico.

    Para poder investigar esta problemtica a proposta metodolgica escolhida para subsidiar este trabalho segue a linha de pesquisa qualitativa, com a utilizao da tcnica do estudo de caso, uma vez que esta, permite ao pesquisador observar e analisar o espao emprico e os sujeitos estudados. Os espaos empricos desta pesquisa so as instituies: Escola Estadual Joo das Botas (escola inclusiva); APADA-BA e CAS Wilson Lins (escolas para surdos). Os sujeitos desta pesquisas so: os diretores ou coordenadores das instituies; os professores das escolas inclusivas e para surdos; os funcionrios surdos e os ouvintes e alunos surdos da 3, 6 e 8 srie do ensino mdio e fundamental com faixas etrias entre 12 a 18 anos.

    Posto isto, o presente estudo foi dividido em quatro captulos: CAPTULO I A EDUCAO DOS SURDOS; este captulo tem como finalidade demonstrar as representaes histrico-sociais sobre os surdos desde a antiguisdade, bem como apresentar como se iniciou a educao para surdos, os primeiros educadores e mtodos de ensino de alunos surdos e as primeiras instituies criadas para educar estes alunos. Com relao ao Brasil, iremos destacar como se iniciou a educao de surdos no pas, enfatizando os educadores que tornaram isso possvel; a criao das federaes e associaes para surdos; as escolas para surdos e as primeiras metodologias utilizadas para o ensino destes alunos. CAPTULO II AS ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS; este captulo tem como finalidade demonstrar de forma detalhada as metodologias de ensino para surdos.

  • Nele, sero analisadas as abordagens oralista, a comunicao total, o bimodalismo e por fim o bilinguismo e a educao bilngue; CAPTULO III CULTURA, IDENTIDADE E SURDEZ; a funo deste captulo , a princpio, esclarecer questes sobre a surdez como deficincia ou diferena, bem como esclarecer alguns conceitos antagnicas que permeiam este assunto. Em seguida, sero abordados temas a respeito de como se constituem e se formam a cultura e a identidade surda e, por fim, mas no menos importante, discutiremos como se constituem as lnguas de sinais e a Lngua Brasileira de Sinais. CAPTULO IV AS ANLISES DOS DADOS; este captulo tem como finalidade apresentar a metodologia escolhida para subsidiar a pesquisa, as caractersticas dos espaos empricos e seus sujeitos, juntamente com os resultados das anlises feitas atravs de pressupostos tericos dos dados coletados.

  • 2. EDUCAO DE SURDOS

    2.1 A HISTRIA DA EDUCAO DOS SURDOS Os relatos sobre a histria da educao de surdos, na maioria das vezes, foram narradas

    por ouvintes e poucas vezes contadas por surdos. Qualquer que seja a poca, a educao de surdos no contada por seus principais protagonistas os surdos, este se encontram em papis de coadjuvantes de sua prpria histria. O que verificamos na maioria das vezes so as impresses dos ouvintes em relao vida e a relao ouvinte/surdo, a partir de contatos que ocorreram por causa do trabalho dos ouvintes com os alunos surdos ou por um interesse particular dos ouvintes na educao de surdos.

    A histria da educao do surdo tem seus primeiros relatos acerca de 400 anos, sendo que no incio havia pouca compreenso do problema, e os indivduos deficientes eram colocados em asilos. Ao longo da historia, a idia que a sociedade fazia sobre os surdos quase sempre assumiu uma forma negativa, na antiguidade eram consideradas pessoas castigadas pelos deuses, e por isso eram abandonados ou sacrificados. Por essa razo, existia a crena de que o surdo era uma pessoa primitiva, da ento no haveria a necessidade de educ-los.

    No Egito, acreditava-se que o surdo era um sujeito incapaz de aprender e nem mesmo era considerado ser humano, uma vez que estavam desprovidos da capacidade da fala no poderia se comunicar/exprimir atravs da lngua oral.

    De 2000 a 1500 a.C ,no Egito, as leis judaicas vigentes comearam a proteger o surdo. No entanto, essas leis apenas reconheciam o direito do sujeito surdo vida e no educao.

    Os romanos, por sua vez, acreditavam que os surdos no deveriam ser educados, sendo assim privados de qualquer possibilidade de desenvolvimento intelectual e moral. Segundo o cdigo Justiniano, em Roma, no ano de 483 a.C., o surdo de nascimento tambm no poderia ser educado. Foi nesta poca que se estabeleceram as primeiras diferenciaes dos tipos de surdez: a surdez congnita (nascimento) e a surdez adquirida.

    Para Aristteles, o surdo no era capacitado para a fala, e sendo essa uma condio sem a qual no poderia ocorrer o desenvolvimento dos processos cognitivos, era inadmissvel para o surdo a possibilidade de construo de pensamento. Segundo Lima (2004), Essa impossibilidade de pensar, pois no falava, tornava o surdo um sujeito incapaz de ser educado, pois ele no conseguiria se expressar oralmente. Sendo assim, o sujeito surdo em uma palavra era considerado um no humano (p.24).

  • Essa concepo de o surdo como um no humano persistiu por mais de mil anos. De acordo com Sacks (1989, p. 31) apud Lima (2004, p.15): A condio sub-humana dos mudos era parte do cdigo mosaico e foi reforada pela exaltao bblica da voz e do ouvido como a nica e verdadeira maneira pela qual o homem e Deus podiam se falar. Durante esse perodo, o surdo viveu pocas de grande sofrimento, privaes e pobreza e, at o sculo XV, o surdo no encontrava meio de desenvolver nenhuma atividade que lhe permitisse a sobrevivncia, pois, como no tinha acesso educao, o trabalho lhe era vetado.

    No sculo XVI, essa percepo de que o surdo no merecia ser educado comea a mudar e na Europa surgem os primeiros educadores de surdos que, assim como se faz atualmente, criaram diversas metodologias para ensinar surdos, utilizando-se da lngua auditivo-oral nativa, lngua de sinais, datilologia (alfabeto manual) e outros cdigos manuais.

    Em 1579, Girolamo Cardano, um mdico italiano interessado em estudar o caso do filho surdo, foi o primeiro a afirmar que o surdo poderia ser educado, uma vez que o mesmo tinha a total capacidade de pensar, compreender e estabelecer relaes entre as coisas e fazer representaes de objetos. Cardano defendia a idia de que para que essas aes pudessem ocorrer no seria necessria a utilizao da fala. Suas declaraes eram pautadas em um mtodo de aprendizagem que fazia a associao entre figuras desenhadas para demonstrar a realidade, construindo um sistema lgico que possibilitaria a construo coerente de pensamento, demonstrando assim uma mente racional capaz de analisar idias e elaborar conceitos a partir delas. Neste sentido, Cardano conclui que seria um crime no instruir o surdo-mudo.

    Nesse momento da histria na educao de surdos, as primeiras contribuies metodolgicas esto relacionadas diretamente a membros constitutivos da igreja, ela que vai pensar no surdo como um ser humano que tem o direito, assim como os ouvintes, educao.

    Entre uma das principais referncias nos primrdios na educao de surdo est o monge beneditino Pedro Ponce de Leon que, no sculo XVI, na Espanha, reconhecido como o primeiro professor de surdos. Seu trabalho serviu como ponto de partida para diversos educadores de surdos. Sua trajetria de trabalho foi consolidada com o ensino dos filhos surdos da aristocracia espanhola. Ponce de Leon desenvolveu uma metodologia de educao para surdo que utilizava a datilologia representao manual do alfabeto escrita e oralizao. Dentre suas principais contribuies para a educao de surdos esto a criao do alfabeto manual e a escola de professores surdos.

  • Na Espanha, em 1620, Juan Martin Pablo Bonet publicou o primeiro manual de educao de surdos, o livro Reduccion de las letras y artes para enseflar a hablar a los mudos (Reduo das letras e arte de ensinar a falar os mudos), que trata da inveno do alfabeto manual de Ponce de Leon.

    Outra referncia importante na educao de surdos foram as contribuies do abade1 francs Charles Michel de LEpe que, no sculo XVIII (1750), considerado um dos maiores precursores na histria da educao de surdos, sendo o primeiro o reconhecer a necessidade de utilizar sinais como o primeiro passo para o ensino do surdo. Neste mesmo ano, LEpe iniciou a instruo formal de duas irms gmeas surdas obtendo, com essa instruo, um grande sucesso. Depois de algum tempo, em contato com surdos pelas ruas de Paris, aprendeu com eles a lngua de sinais criando assim o Sinal Metdico2, que uma combinao da lngua de sinais com a gramtica francesa. Segundo Reily (2007), o monge Ponce de Leon foi designado anjo de guarda dos meninos e foi a que se deu o cruzamento histrico dos sinais metdicos com os sinais surdos. O principal objetivo dessa metodologia era fazer com que o surdo se aproximasse da lngua francesa. Devido ao imenso sucesso do sistema desenvolvido e o xito na educao de surdos, LEpe transforma sua residncia na primeira escola pblica para surdos. Em poucos anos passou a atender cerca de 80 alunos, utilizando em seu trabalho pedaggico uma abordagem gestualista.

    Ainda assim, essa nova tendncia metodolgica educacional para surdos no era uma realidade na maioria dos pases. Na Frana, por exemplo, era cada vez mais comum a utilizao do mtodo manual para a educao de surdos, mas, em contrapartida, em alguns pases da Europa o mtodo oral vinha ganhando fora, sobretudo na Alemanha e Inglaterra.

    Esse mtodo oral, concepo que surgiu a partir das idias de Samuel Heinick e o mtodo manual defendido por LEpe, deu incio a uma das principais discusses relacionadas metodologia educacional que seria utilizada no ensino dos alunos surdos.

    Mesmo com todos esses debates sobre a melhor metodologia para o ensino de surdos, a utilizao dos sinais continuou a ser permitida na educao de surdos, bem como a

    1 Superior de ordem religiosa, etimologicamente o termo significa pai e tem sido utilizado como ttulo clerical,

    no Cristianismo, com diversas acepes (proco, cura de almas, monge, etc).

    2 Surgiu atravs do voto de silncio impostos pelos mosteiros (ordem beneditina) aos novios. Essa forma de

    comunicao era a nica permitida, pois acreditava-se que atravs do silncio os novios se purificariam aprendendo um nova maneira de viver. Entendia-se que o contato com o mundo mundano contaminaria a alma, e o silncio tinha a funo de apagar as lembranas da vida pregressa.

  • participao dos professores nesse ensino. O oralismo3, porm o foi ganhando fora e modificando o cenrio da educao de surdos mundialmente.

    Dois marcos histricos contriburam decisivamente para a adoo do oralismo como metodologia educacional no ensino de surdos: a realizao do VII Congresso da Sociedade Pedaggica Italiana e o I Congresso de Professores Italianos Surdos.

    O VII Congresso da Sociedade Pedaggica Italiana foi realizado em Veneza (1872). As propostas levantadas por este Congresso corroboram com as mesmas idias de Aristteles que atribui ao ato de falar como sendo uma condio essencial para qualquer ser humano desenvolver-se cognitivamente, uma vez que a fala responsvel pelo processo de construo do pensamento. Sendo assim, a nica forma pela qual os surdos mudos se desenvolveriam seria atravs da leitura dos lbios, juntamente com a tcnica de oralizao. As idias levantadas por esse Congresso deixaria cada vez mas evidente que o oralismo estava ganhado fora e seria o possvel substituto do ensino por meio dos sinais. Com o texto do congresso aprovado agora era oficialmente foi determinado que a metodologia Oralista fosse a forma mais adequada para a educao de surdos.

    Esse congresso influenciou diretamente na postura ideolgica dos representantes do I Congresso de Professores Italianos Surdos, realizado em Siena, em Setembro de 1873. As propostas no se modificaram em relao as idias do congresso realizado um ano antes, embora este congresso no tenha trazido novos conceitos e metodologias educacionais no ensino de surdos, foi de extrema importncia tanto para a consolidao do Oralismo como metodologia educacional quanto como referencial para o Congresso de Milo.

    Dando continuidade as discusses sobre qual metodologia deveria ser adotada na educao de surdos (oral e gestual), outros congressos foram realizados na Frana (Paris) e na Itlia (Veneza e Siena). Na Frana, algumas escolas particulares resolveram adotar o mtodo misto, baseando-se no ensino do lngua oral e da escrita, na Itlia a abordagem oralista foi ganhando cada vez mais adeptos.

    Na Itlia (Milo), em 1880, aconteceu o segundo Congresso Mundial sobre Educao de Surdos. E seguindo uma tendncia em relao as propostas dos congressos anteriores, neste Congresso foi decidido que o mtodo oral e somente ele deveria ser adotado como forma oficial e definitiva para o ensino dos alunos surdos. O argumento apresentado pelos congressistas era de que a utilizao dos sinais e da lngua oral de forma simultnea

    3 O Oralismo ser retomado no segundo captulo.

  • atrapalharia o desenvolvimento da fala e da prpria leitura labial e, em conseqncia, ocorreria uma confuso no processo de construo das idias.

    Por essa razo o Congresso de Milo considerado um marco na histria das polticas educacionais para surdos, pois alm de determinar a erradicao da lngua de sinais como forma de metodologia educacional no ensino dos surdos, probe que todos os profissionais surdos trabalhem no ambiente educacional.

    Cabe ressaltar, que esse congresso reuniu profissionais ligados educao de surdos, sendo que do total de 174 congressistas, 112 eram italianos. O restante estava dividido entre franceses, suecos, ingleses, alems, suos e americanos. Vale salientar, que dentre todos os esses congressistas, apenas um era surdo!

    Os professores surdos foram excludos da votao, o oralismo saiu vencedor e o uso da lngua de sinais foi oficialmente abolido. Os alunos surdos foram proibidos de usar sua prpria lngua natural e, dali por diante, forados a aprender, o melhor que pudessem, a (para eles) artificial lngua falada. E talvez isso seja condizente com o esprito da poca, seu arrogante senso da cincia como poder, de comandar a natureza e nunca se dobrar a ela. (SACKS, 1989:40 apud LIMA, 2004, p. 20)

    Deciso tomada, o ambiente escolar comea a ter suas primeiras modificaes. A primeira medida educacional aplicada foi a proibio do uso da lngua de sinais entre os alunos, em seguida foi a aterrorizante medida de obrigar os alunos a sentarem sobre as prprias mos. No se dando por satisfeitos, posteriormente foram retiradas da sala de aula as janelas de vidro das portas, com a inteno de impedir a comunicao sinalizada entre os alunos. E por ltimo, como j era bvio, todos os professores surdos e seus auxiliares foram dispensados de todas as escolas e instituio. Agora, a educao dos surdos estava a cargo dos ouvintes.

    Diante dos fatos enfatizados nesses momentos histricos, muitos foram os mentores que se dedicaram a educao de surdos. Os que mais se destacaram com contribuies humanitrias e metodolgicas na vida e na educao para surdos foram o cientista e mdico Girolamo Cardano, que foi o primeiro a reconhecer que o surdo seria capaz de ser educado independentemente da falta de audio, Pedro Ponce de Leon e Charles Michel de LEpe, um monge e outro abade respectivamente que, trazem a importncia da igreja como precursora nos mtodos utilizados na educao de surdos, bem como o reconhecimento do surdo como ser humano.

  • Destacados alguns dos principais mentores e fatos que deram incio a educao de surdos, ao longo de quatro dcadas, passaremos a focalizar os acontecimentos mais relevantes, que contriburam para o incio do trabalho com surdo, no Brasil.

    2.2 A HISTRIA DA EDUCAO DE SURDOS NO BRASIL No Brasil, a educao de surdos teve inicio durante o segundo imprio (1855), com a

    chegada do educador francs Hernest Huet, portador de surdez congnita. Huet foi ex-diretor do Instituto de Surdos de Paris, ele foi trazido com o objetivo de ajudar atravs de sua vasta experincia obtida atravs do trabalho com alunos surdos, nos primeiros passos e aes do Brasil em direo a educao de surdos. A iniciativa em traz-lo partiu do imperador D. Pedro II, que contou com o apoio de Huet para trabalhar na educao de duas crianas surdas, com bolsa auxilio patrocinada pelo governo brasileiro.

    O professor Hernest Huet durante seu trabalho em prol da educao de surdo no Brasil deixou-nos vrias contribuies como a criao do 1 Instituto de Surdo Mudo, situado no Rio de Janeiro. Mas, a grande contribuio do francs foi a fundao do Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES), em 26 de Setembro de 1857, data na qual se comemorado o dia nacional do surdo. Atualmente se encontra em Laranjeira, no Rio de Janeiro. Foi atravs de Huet que a Lngua de Sinais de difundiu e se desenvolveu no Brasil.

    Durante alguns anos o INES permaneceu sendo a nica escola para surdos. Tanto que at hoje considerado como uma referncia nacional na educao de surdos. Mesmo com tanto progresso em relao a educao, os surdos enfrentaram bastante dificuldade, haja vista, que aps o Congresso Mundial de Milo em 1880, foi determinado a imposio do oralismo como metodologia a ser seguida na educao de surdos.

    Com a educao de surdos ganhando cada vez mais espao no cenrio educacional brasileiro, vrios surdos comeam a se mobilizar criando grupos para reivindicar seus direitos sociais e educacionais. E dentre 1923 a 1929, surgiu a Associao Brasileira de Surdos que tinha entre uma das suas principais exigncias o direito do estudante surdo ser ensinado atravs da Lngua de Sinais. Durante esse perodo os movimentos sociais em defesa do surdo ganharam cada vez mais adeptos e, conseqentemente, cada vez mais fora, de modo que durante o perodo de ditadura militar, a comunidade surda reivindicou melhores condies e qualidade de vida.

    A igreja foi uma das instituies que mais colaboraram, seja na vida ou na educao dos surdos e, no Brasil, isso no foi diferente. Em 1971 foi fundada a Federao Brasileira de Surdos, presidida pelo Padre Vicente P. Bournier, mas s depois de seis anos em 1977, foi

  • criada a FENEIDA, Federao Nacional de Educao e Integrao dos Deficientes Auditivos, cujos membros eram compostos apenas por ouvintes e tratavam apenas da problemtica da surdez (falta de audio). Em 1983, a comunidade surda cria uma Comisso de Luta pelos Direitos dos Surdos que, apesar de no ser legitimada, apresenta em suas propostas questes bastante significativas, pois reivindicam os direitos das pessoas surdas como cidados.

    Nessa poca, a Comisso desejava a participao efetiva das pessoas surdas como membros da Diretoria da FENEIDA, o que de imediato foi negado pelos membros da atual diretoria que consideravam os surdos incapazes para comandar a instituio. Para insatisfao dos membros ouvintes, a Comisso formou uma chapa e conquistou em Assemblia Geral a presidncia por um ano que, com a reestruturao do Estatuto e a Entidade, ganhou a denominao de FENEIS (Federao Nacional de Educao e Integrao do Surdo).

    Em 1990, foi fundada a Federao Nacional da Associao de Pais e Amigos dos Surdos (APAS), representada por pais de surdos. Esta iniciativa dividiu um pouco o grupo de trabalho, mas a FENEIS considerou que o trabalho entre surdos e ouvintes (pais e amigos) elevaria o patamar da educao de surdos.

    Tendo em vista os fatos histricos apontadas anteriormente, possvel constatar que a trajetria da educao de surdos, no Brasil, est relacionada diretamente com a histria do Instituto Nacional de Educao de Surdos (INES). A criao desta entidade um marco histrico na Educao de Surdos, pois atravs dela, juntamente com a comunidade surda, que outros grupos de surdos comearam a se sentirem constitutivos de um grupo social, fazendo assim com que o surdo se reconhecesse e identificasse como cidado pertencente a uma nao.

    Mesmo com todas essas conquistas obtidas pela comunidade surda, fato que no sculo XIX o Brasil no possua uma poltica educacional que legitimasse a educao para surdos, motivo pelo qual pode ser explicado pela resistncia de alguns pais a educarem seus filhos surdos.

    Esta resistncia dos pais dos surdos brasileiros dificultava um pouco o trabalho de Hernest Huet que, atravs de uma carta de recomendao emitida pelo Ministro de Instruo Pblica da Frana, obteve as condies para criar a primeira escola de surdo do pas, sem esquecer de que, para desenvolver o seu trabalho, o professor Huet contava com o auxlio da nobreza ligada ao governo (PERLIN, 2002 apud LIMA 2004, p.24).

    A metodologia educacional para o ensino de surdo desenvolvida por Huet, era a didtica especial dos surdos mudos Ainda segundo PERLIN apud LIMA 2004 tratava-se do mesmo processo utilizado por LEpe e Sicard no Instituto de Surdos em Paris. Huet

  • tambm se interessava pela formao de professores surdos, porm o pouco tempo de permanncia no Brasil no foi o suficiente para que essa profisso pudesse de desenvolver. Alm da criao do INES o francs Hernest Huet tambm foi responsvel por um dos principais marcos histricos da educao de surdos no Brasil que foi a criao de uma escola, em 1857, cuja funo principal era o desenvolvimento da Lngua de Sinais.

    Seguindo uma tendncia mundial, o INES, em 1911, estabeleceu no seu currculo o Oralismo como modalidade de ensino. A lngua de sinais, mesmo com todas as proibies, sempre foi utilizada pelos alunos nos ptios e corredores da escola (REIS,1992 apud GOLDFELD,2001, p.29). Esta resistncia, com a utilizao dos sinais, durou at 1957, quando a diretora Ana Rimola de Faria Doria, assessorada pela professora Alpia Couto, proibiu oficialmente o uso dos sinais em classe. A partir da, todos os estudantes que utilizassem a lngua de sinais nas salas de aula eram punidos, ainda assim, fora do instituto os surdos continuavam a falar atravs de sinais principalmente nas comunidades que se formavam nos grandes centros urbanos do pas.

    Todavia, a histria da educao de surdos no Brasil no se limita apenas a fundao da escola e do Instituto, no Rio de Janeiro por Huet. Vrias outras iniciativas foram adotadas em outros estados brasileiros.

    Conforme Baleiro (1989), na cidade de So Paulo, foi a iniciativa particular e religiosa que marcou o incio do atendimento educacional do surdo (1933), tornando-se nico por duas dcadas. somente a partir de 1950 que surgiram as primeiras iniciativas da rede municipal de ensino e de pais de surdos e as primeiras delas foram o Instituto Hellen Keller4 e o Instituto Educacional de So Paulo. A rede estadual de ensino manifestou-se apenas em 1957, criando classe especial para atendimento dos alunos surdos, em escala regular. Tanto o Instituto Hellen Keller quanto o Instituto Educacional de So Paulo utilizavam-se do mtodo oral.

    Todas as instituies - escolas especiais - brasileiras que se dedicaram a educao de surdos tinham por metodologia de ensino o oralismo. A meta dessas escolas era desenvolver um trabalho na primeira fase do ensino fundamental e posteriormente encaminhar esses alunos para as escolas regulares a fim de integr-los juntos aos ouvintes. O objetivo dessa integrao era fazer com que houvesse um treino da fala pelos estudantes surdos, atravs da oralizao.

    De acordo com Silva (1998):

    4 Helen Adams Keller foi uma mulher que, apesar de cega e surda desde a infncia superou todos os obstculos

    tornando-se uma escritora e jornalista, obteve ainda o ttulo de bacharel em filosofia e ao longo de sua vida ganhou vrios ttulos e diplomas honorrios, como o da universidade de Harvard. No Brasil, foi condecorada com a ordem do Cruzeiro do Sul.

  • A educao de surdos ocorreu em ambientes especiais, separados de crianas ouvintes, pelo menos para o ensino bsico. Apenas eram encaminhadas para a escola comum aquelas crianas que se mostrassem aptas a acompanhar rede regular de ensino, isto , que tivessem adquirido uma fala boa e inteligvel e tivessem tambm uma boa leitura labial, alm de j estarem alfabetizadas... A esses surdos no era permitido usar qualquer gesto alm dos naturais, com a justificativa de que esses acabavam por inibir a iniciativa, ou o desejo, da criana pela fala. ( p. 14 )

    A educao, nesse perodo, era feita para os surdos, mas pensada por e para os ouvintes, ou seja, os surdos tinham que se dar por satisfeitos pelo simples fato de serem educados, ainda que essa educao se desse em funo dos ouvintes. Como vimos, ao longo da histria da educao de surdos, a falta de audio sempre fez com que o sujeito surdo sofresse grandes privaes e como conseqncia disso os surdos no tinham uma vida social ativa como alguns ouvintes. Assim, o fato de a educao de surdo no incio ser baseada no oralismo ou na tentativa grosseira de fazer o surdo falar, no Brasil e no resto do mundo, era simplesmente para que eles pudessem sentir o gostinho de viver e ser como os ouvintes.

    Desde o final do sculo XIX at a dcada de 60 o mtodo oral predominou na educao dos surdos brasileiros. A lngua de sinais foi pouco ou quase nunca utilizada nas salas de aula, pois os professores acreditavam que os surdos deveriam primeiro aprender a falar tanto para serem alfabetizados quanto para serem integrados aos ouvintes.

    Na dcada de 70, chega ao Brasil a Comunicao Total5, em conseqncia da visita de Ivete Vasconcelos, uma educadora de surdos da Universidade de Gallaudet. Segundo Ciccone 1996, p. 7 apud Lima 2004, p. 27 a Comunicao Total uma completa liberdade de quaisquer estratgias, que permitem a resgate de comunicao, total ou parcialmente bloqueadas. Com essa nova metodologia permitido ao surdo escolher quais os recursos que eles utilizam para se comunicar, como gesto, mmica, lngua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita.

    O grande questionamento em relao a Comunicao Total que como uma criana surda poder optar por lngua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita se a mesma ingressam a escola desprovida dessas tcnica/habilidades? Ainda que a criana saiba alguns gestos muitas vezes inventados para o interlocuo me-criana esses sero utilizados apenas nesse contexto. Marchesi (1987) argumenta que no importante somente apresentar ao surdo diferentes formas de se comunicar (diferentes cdigos) para que este faa a sua escolha.

    5 A Comunicao Total ser retomada no segundo captulo.

  • necessrio que, alm disso, saber se o conhecimento e a incorporao de tais cdigos, por parte do aluno, esto se dando de modo eficiente.

    Diversas foram as crticas a Comunicao Total na educao de surdos no Brasil. Na dcada de 80 comeam as primeiras discusses sobre o Bilingismo6 decorrentes das pesquisas da professora lingista Lucinda Ferreira Brito, sobre a Lngua Brasileira de Sinais. E seguindo o padro internacional de abreviao das lnguas de sinais, a professora abreviou a lngua de LSCB (Lngua de Sinais dos Centos Urbanos Brasileiros). S a partir de 1994, que Brito passa a utilizar a abreviao LIBRAS (Lngua Brasileira de Sinais), que foi criado pela prpria comunidade surda para designar LSCB.

    Atualmente, essas diferentes abordagens (Oralismo, Comunicao Total e Bilingismo) ainda causam bastante discusso entre os profissionais de educao para surdos. No captulo seguinte sero minuciosamente descritas as principais caractersticas de tais metodologias, juntamente com as propostas apresentadas por cada uma delas para que haja uma educao para surdo com qualidade.

    6 O Bilingismo ser retornado no segundo e terceiro captulos.

  • 3. ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS

    Vistas as primeiras aes no decorrer da histria da educao para surdos, faz-se necessrio destacar os fatos mais relevantes que contriburam para o surgimento das abordagens educacionais (oralismo, comunicao total e bilinguismo), em diferentes pocas. Se feita uma retrospectiva acerca das abordagens educacionais para surdos, notam-se, a princpio, duas fases distintas, o oralismo e a comunicao total respectivamente e uma terceira fase essa mais contempornea o bilinguismo.

    A primeira fase constituda pelo oralismo, uma abordagem educacional que tem como principal objetivo a aquisio da linguagem oral pelo surdo. Nesse sentido, o espao escolar atua como um laboratrio de fontica, no qual se utiliza da tcnica de terapia de fala para que o aluno supere seu dficit (a surdez), fazendo assim com que se assemelhe a um membro da comunidade ouvinte.

    A segunda fase baseia-se na ideia da comunicao total. Nessa abordagem educacional o uso dos sinais permitido com a finalidade de propiciar o desenvolvimento da linguagem da criana surda, ainda assim estes sinais aprendidos tm como objetivo principal a aquisio da linguagem oral por parte dos sujeitos surdos. Vale salientar que esses sinais eram ensinados na escola dentro de uma estrutura da lngua portuguesa.

    A terceira fase composta pela educao bilngue. O bilinguismo uma proposta que possibilita ao estudante surdo a aprendizagem no espao escolar de duas lnguas: a lngua de sinais e a lngua portuguesa, essa ltima na modalidade escrita.

    Diante dessa breve introduo, faremos agora um apanhado mais detalhado sobre todas as abordagens educacionais para surdos, a fim de mostrar e esclarecer suas funes e objetivos diante da educao para surdo.

    3.1 ORALISMO

    O oralismo que surge no sculo XVIII defendendo a idia da fala (comunicao oral) como a nica forma de comunicao entre surdos/ouvinte e surdos/surdos. Os defensores dessa abordagem educacional combatem a lngua de sinais, por considerarem que o uso dos sinais atrapalha o desenvolvimento do surdo na aquisio da lngua oral.

    Essa abordagem educacional tem como principal funo levar o surdo a se adaptar ao mundo ouvinte, ou seja, impe ao sujeito surdo que ele se comporte como se no fosse surdo, em outras palavras que negue a prpria surdez. Segundo S (1999), o oralismo:

  • Visa capacitar a pessoa surda a utilizar a lngua da comunicao ouvinte na modalidade oral como nica possibilidade lingstica, de modo a que seja possvel o uso da voz e da leitura labial tanto nas relaes sociais como em todo o processo educacional. A lngua na modalidade oral , portanto, meio e fim dos processos educativos e de integrao social. (p. 69)

    A abordagem educacional oralista prope a integrao do surdo na comunidade ouvintes, sendo assim, os defensores dessa filosofia acreditam que se o surdo tiver contato direto com os ouvintes o processo de desenvolvimento de aquisio da lngua oral ser melhor aprendido pelos membros da comunidade surda. Esta noo de linguagem restringe lngua oral, como sendo o nico meio possvel de comunicao entre sujeitos surdos. Assim sendo, para que a criana surda possa se comunicar necessrio que ela oralize que ela seja uma falante da lngua portuguesa.

    De acordo com Skliar (1995) apud Lima (2004), o congresso de Milo (1880): (...) imps a superioridade da lngua falada com o respeito a Lngua de Sinais, e decretou, sem fundamentao cientifica alguma, que a primeira deveria constituir, como se tem dito o nico objeto de ensino(p.30) (grifo do autor).

    A filosofia oralista entende a surdez como uma deficincia que deve se minimizada atravs da estimulao auditiva, assim essa estimulao ir viabilizar a aprendizagem da Lngua Portuguesa levando o surdo a integra-se com a comunidade ouvinte. Ou seja, segundo Goldfeld (2001, p. 31) o objetivo do Oralismo fazer uma reabilitao da criana surda em direo normalidade, no-surdez. Nesse sentido, o oralismo almeja que, dominando a lngua oral, o surdo esteja apto para se integrar aos membros da lngua majoritria os ouvintes.

    Para o oralismo, como mostra Souza (1998):

    A linguagem um cdigo de formas e regras estveis que tem na fala precedncia histrica e na escrita sua via de manifestao mais importante. Gestos ou sinais, no importa de que natureza fossem, eram e ainda so considerados acessrios dependentes da fala e/ou inferiores a ela do ponto de vista simblico. O oralismo defende essencialmente a supremacia da voz, transformado-a em nuclear do que consideram ser o tratamento educativo interdisciplinar da pessoa surda. (p. 04)

    Uma das questes centrais do oralismo o fato dele ser uma imposio social de uma maioria lingstica (os falantes das lnguas orais) sobre uma minoria lingstica que nesta perspectiva no tem seu direto ao uso da lngua prpria respeitados. Muito alm de um problema educacional, a imposio do oralismo como metodologia na educao de surdos um problema de natureza social entre maioria (ouvintes/lngua oral) e minoria (surdos/lngua de sinais). Fato notrio que a histria da educao para surdos nos mostra que a lngua oral no d conta de todas as necessidades da comunidade surda. No momento em que a lngua de

  • sinais passou a ser mais difundida, os surdos tiveram maiores condies de desenvolvimento intelectual, profissional e social.

    3.2 COMUNICAO TOTAL

    Os debates e questionamentos que se instauraram no percurso da educao para surdos, o descontentamento com a abordagem oralista e os argumentos sobre os estudos da lngua de sinais, iniciados na dcada de 60, colaboraram para a elaborao de uma nova proposta educacional para surdos que, na dcada de 70, foi denominada de comunicao total.

    A comunicao total tem como finalidade oferecer aos alunos surdos a possibilidade de desenvolver uma comunicao de forma mais social, e assim a partir de disso, torna possvel uma interao dos surdos com os prprios surdos, com seus familiares, professores e ouvintes. A oralizao no o objetivo central da comunicao total, mas por outro lado, serve como um dos recursos que possibilitam essa comunicao entre surdos e ouvintes.

    O recurso oral no seria a nica forma para que possa ocorrer essa interao existe tambm a tcnica de estimulao auditiva abrange a adaptao de aparelho de amplificao sonora individual, a leitura labial, a leitura e escrita. Na comunicao total as maneiras, formas e metodologia de comunicao so ilimitadas, existe uma completa liberdade nas estratgias que permitam o resgate da comunicao. Seja por meios da lngua oral, seja pela lngua de sinais ou a mescla delas, deve-se priorizar a comunicao. Ciccone (1990) apud Santana (2007) afirma em relao comunicao total que (...) seus programas esto interessados em aproximar pessoas e permitir contatos e, para tanto, pode-se utilizar qualquer recurso lingstico comunicativo. Em suma, privilegia-se a interao entre os surdos e os ouvintes, e no o aprendizado de uma lngua (p.180).

    No Brasil, alm da lngua brasileira de sinais, a comunicao total ainda usa o alfabeto manual (datilologia) representao manual das letras o cued speed (sinais manuais que representam os sons da lngua portuguesa), o portugus sinalizado (lngua artificial que utiliza o lxico da lngua de sinais com a estrutura sinttica do portugus e alguns sinais inventados para representar estruturas gramaticais que no existem na lngua de sinais) e o pidgin (simplificao da gramtica de duas lnguas em contato, no caso a lngua de sinais e a lngua portuguesa). (GOLDFELD, 2001, p. 37; LIMA, 2004, p.32; SANTANA, 2007, p. 181).

    A comunicao total se ope a abordagem oralista, na medida em que considera que somente a aprendizagem da lngua oral no sustenta o pleno desenvolvimento do surdo. Segundo Ciccone (1996), os profissionais que adotam a comunicao total concebem o surdo

  • de maneira diferente dos oralistas: ele no concebido somente como um portador de uma patologia de ordem mdica, que deveria ser dizimada, mas sim como uma pessoa, e a surdez como um trao que repercute nas relaes sociais e no desenvolvimento afetivo e cognitivo desse sujeito.

    Essa filosofia tambm se preocupa com a aprendizagem da lngua oral pela criana surda, mas alm de tudo acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais no devem ser desconsiderados em prol da aprendizagem exclusivos da lngua oral. Por essa razo a comunicao total defende a utilizao de recursos espaos-visuais como facilitadores de comunicao.

    Nessa lgica, a abordagem da comunicao total, visa em seus ideais e propostas pedaggicas a juno dos diferentes tipos de recursos e instrumentos que ofeream subsdios ao ensino de surdos no ambiente escolar. Mas alguns opositores da comunicao total acreditam que a inteno da comunicao total ainda da aprendizagem da lngua oral.

    Goldfeld (2001) critica a comunicao total ressaltando que a lngua de sinais no utilizada de forma plena. Logo, no se leva em conta o fato de ela ser natural (ter surgido de forma espontnea na comunidade surda) e de carregar uma cultura prpria. A criao de recursos artificiais para facilitar a comunicao e a educao dos surdos dificulta a comunicao entre aqueles que dominam cdigos diferentes da lngua de sinais. Brito (1993) tambm argumenta que a comunicao total vem a ser apenas uma viso oralista camuflada, e que o oralismo e a comunicao total entendem a surdez como um problema.

    Ainda em relao aos opositores da comunicao total Santana (2007) complementa:

    A comunicao total parece ser do tipo de vale tudo. Assim, no se questiona o papel da linguagem oral, tampouco o da lngua de sinais nesse contexto. Criou-se uma lngua artificial com o objetivo de ensinar gramtica da lngua falada ao surdo, como se a lngua fosse um processo individual, e no social (...) A ideia de que o que vale comunicar acaba por prejudicar a aquisio de uma matriz de significado que possa ser a base para a aquisio da linguagem e para o desenvolvimento cognitivo. (p. 182)

    Ainda que o objetivo central da comunicao total no seja a aprendizagem da lngua oral apesar da discordncia de alguns autores fica claro que nessa abordagem a lngua de sinais no vista como uma lngua prpria e materna dos surdos, o uso dos sinais ainda so entendidos como mmicas que servem para manter ou tentar uma relao/interao/comunicao entre surdos e ouvintes. S que, em todo caso, quem tem que se adequar em prol dessa to desejada comunicao a qual preo sempre e isso historicamente comprovado - o surdo. Nesse sentido, pode-se afirmar que as abordagens

  • oralista e da comunicao total comungam de um mesmo ideal educacional que a negao do uso da lngua de sinais como uma nica possibilidade, e somente ela, de comunicao entre surdos/surdos e surdos/ouvintes.

    O grande questionamento no esta no sentido de definir qual seria a melhor maneira de se educar o surdo, a problemtica est no fato de um grupo de pessoas geralmente a maioria determinarem como um outro grupo ir ser educado sem nem ao menos ter feito o bsico que seria perguntar a eles, ou seja, contar com a participao direta e ativa das decises que forem tomadas em prol deles.

    Por essa e por outras razes, a palavra de ordem da comunicao total era: no importa qual recurso comunicativo o surdo lanar mo para se comunicar, o importante que haja comunicao. (Lima, 2004). Este lema no respeita nem um pouco o surdo como sujeito capaz de tomar decises, ter pensamentos e formular idias. Por essa razo a comunicao total considerada uma abordagem que no considera a questo lingstico-cognitiva relevante (p. 33).

    Ainda que a comunicao total, mescle recursos lingsticos e pedaggicos visando proporcionar para os alunos surdos melhores condies de ensino, no ir conseguir minimizar as dificuldades apresentadas pelos estudantes surdos em sala de aula, a principal delas a defasagem na leitura escrita alm do conhecimento dos demais contedos ministrados em sala de aula.

    3.3 BIMODALISMO

    O Bimodalismo um exemplo de estratgia educacional que surgiu a partir da abordagem da comunicao total. Esta modalidade reconhecida como uma abordagem educacional prpria para o ensino e comunicao dos surdos, pelo fato de ter se tornado comum, ou melhor, o mais freqente meio de comunicao entre surdos e ouvintes. Esse fato pode ser explicado pelo prprio significado da palavra bimodalismo ou educao bimodal, mas conhecido como portugus sinalizado.

    A partir de agora ser demonstrada por que essa modalidade/estratgia educacional ganhou e vem ganhando cada vez mais adeptos no cenrio educacional brasileiro no ensino de surdos.

    O bimodalismo ou educao bimodal so termos utilizados para se referir a forma de comunicao simultnea entre a lngua oral e a lngua de sinais. Como afirma Felipe (1989, p. 102 apud Lima 2004, p. 35): Na comunicao bimodal h a utilizao das duas lnguas a oral

  • auditiva e a gestual-visual, uma espcie de pidgin... que desestrutura a lngua natural dos surdos, inserindo estruturas gramaticais da lngua majoritria.

    Nesta passagem, Felipe se refere ao uso simultneo da lngua de sinais e do portugus, essa mescla feita pela comunicao bimodal, evidencia que os estudantes surdos no adquirem nem uma lngua nem outra.

    Os opositores a essa abordagem acreditam que a criana no capaz de processar duas lnguas completamente diferentes, o que podemos perceber na prtica a utilizao das duas lnguas conjuntamente sempre claro, com essa modalidade no seria diferente, a preocupao era com o desenvolvimento da lngua oral.

    Para Botelho (2005), uma das maneiras refinadas de sustentar a prtica bimodal consiste em reduzir a importncia de dizer; argumentando no ser importante como se diz, e sim o que se tem a dizer, assim permitido aos interlocutores uma baixa exigncia em relao forma lingstica (p. 122).

    Nessa prtica, a criana surda encontrar dificuldades em construir pensamentos simples, pois a todo o momento ela tentar se ajustar entre a fala e o sinal, e esta simultaneidade veiculada pelo bimodalismo acaba por transformar o enunciado, que como conseqncia construda de maneira artificial, e sempre baseada na lngua oral. A comunicao bimodal omite parte do enunciado, por que muitos sinais no so conhecidos pela pessoa que enuncia bimodalmente. Fato muito bem explicado por Ferreira Brito (1993) no h isomorfismo de categorias lingsticas, isto , cada sinal no corresponde exatamente um signo verbal ou escrito (p.36).

    Por desconhecerem a estrutura gramatical da lngua de sinais, e at mesmo os sinais, os usurios que se comunicam por meio do bimodalismo acham que cada sinal equivale a uma palavra na lngua portuguesa. Dois pontos devem ser destacados em relao a essa situao, o primeiro deles que se os ouvintes usam a lngua de sinais erroneamente por desconhecerem realmente a estrutura da lngua ou mais uma vez querem que os surdos se adaptem a uma necessidade deles, ou seja, que o surdo ajuste seu meio de comunicao de forma a melhor atender aos ouvintes.

    Esses questionamentos so, de toda forma, difceis de serem respondidos, mesmo por que na prtica possvel presenciar os dois tipos de situao. Por outro lado, os defensores do bimodalismo esto mais prximos da segunda opo, pois acreditam que essa abordagem uma expresso da solidariedade e reciprocidade nas relaes entre ouvintes e surdo. De fato, o bimodalismo mantm a lngua do ouvinte. A prtica bimodal, mesmo com o discurso de respeito e valorizao da diversidade, representa um sistema de facilitao para o ouvinte em

  • comparao a demanda da lngua de sinais. Acrescenta Ciccone (1990) que a melhor forma de linguagem a ser eleita dever ser aquela que os familiares ouvintes puderem aprender com maior rapidez e maior facilidade, e da qual puderem fazer uso mais confortvel, quando a praticarem com os filhos surdos (p. 81).

    Deve-se ressaltar tambm que existem sujeitos surdos que se utilizam do bimodalismo por terem uma idia preconceituosa da surdez e da lngua de sinais, assim eles constroem suas identidades a partir da identificao com os ouvintes, ignorando deste modo a surdez como uma diferena buscando a normalidade. Para Allport (1962) apud Botelho (2005) nesta perspectiva, o surdo constitui identificao com o opressor (p. 134).

    Em relao a essa citao, no podemos deixar de lembrar que a grande maioria dos surdos nascem em famlia de ouvinte, e que mesmo aps seus filhos serem diagnosticados com um dficit auditivo comum que num instinto de proteo os pais tendam a educar seus filhos surdos como se fossem ouvintes.

    necessrio que se entenda tanto a atitude dos pais, pois por desconhecerem outras opes de educao para seus filhos, escolhem aquelas que possibilitam a eles um contato maior com o mundo dos ouvintes, e a razo desta escolha pode ser explicada pelo desejo dos deles em proporcionarem aos seus filhos um convvio em um ambiente dito normal, quanto devemos tambm compreender as atitudes de alguns surdos, uma vez que nasceram, cresceram e foram educados numa cultura ouvinte acreditando que aquela fosse a sua cultural natural.

    Devemos pensar a prtica bimodal como mais uma das possibilidades de comunicao e de educao para surdos. Contudo, no podemos acreditar que essa a melhor opo de abordagem educacional para surdo, uma vez que ela ainda e feita e pensada por/para ouvintes.

    3.4 BILINGUISMO Antes de explicar os conceitos e idias da educao bilngue, faz-se necessrio um

    esclarecimento do termo bilinguismo, pois diferentemente das outras abordagens educacionais (oralismo, comunicao total e bimodalismo) esse termo no utilizado apenas na educao para surdos.

    O Brasil considerado um pas monolngue, assim como diversos outros pases do continente sul-americano. No entanto, sabemos que existem vrios grupos que falam diversas outras lnguas caracterizando assim, o Brasil como bilngue, embora no reconhecido como tal.

  • Acredita-se que no Brasil todo falante adquire a lngua portuguesa como primeira lngua (L1), ignorando o fato de termos falantes de famlias imigrantes (japoneses, italianos, e t c) e as vrias lnguas das comunidades indgenas. Todas essas lnguas faladas no Brasil tambm so lnguas brasileiras caracterizando-o como um pas multilngue.

    Neste contexto, percebe-se que definir bilinguismo depende de vrias questes de ordem poltica, social e cultural. As polticas lingsticas no Brasil tm a tendncia de subtrair as lnguas, ao invs de utilizar uma poltica lingstica que possibilite a adio dessas diversas lnguas na construo do capital cultural do pas. Assim, no incentivado o ensino de uma lngua com qualidade, no trazida para o espao escolar a multiplicidade lingstica brasileira. Pelo contrrio, o que existe quase que o ensino exclusivo da lngua portuguesa, uma vez que a lngua oficial do pas.

    Por estas razes, polticas, sociais, entre outras, ainda no h um consenso no que se diz respeito ao conceito e classificao do bilinguismo. Os autores ainda no encontraram o ponto em comum do que deve ser considerado ou no quando se discute sobre sujeito bilngue, contexto bilngue e bilinguismo.

    Para Quadros apud Fernandes (2005), O Bilinguismo, entre tantas possveis definies, pode ser considerado: o uso que as pessoas fazem de diferentes lnguas (duas ou mais) em diferentes contextos sociais (p. 28).

    Para SKUTNABB-KANGAS, 1983 apud LIMA (2004):

    Nos dias de hoje, o bilinguismo no mais visto como uma passagem transitria de uma lngua para outra, porm um estado permanente valorizado per se, qual ocorre quando dois grupos que falam uma lngua diferentes ou diferentes variedades de uma mesma lngua entram em contato, e, com o intuito de se comunicarem, um deles tem que aprender a lngua do outro (p. 79).

    O que podemos perceber que mesmo o bilinguismo sendo utilizado como meio de comunicao e interao social, ainda pode ocorrer uma espcie de subordinao (da maioria falante) sobre um outro grupo social.

    Isso nos reporta a uma situao que, provavelmente j foi mencionada nesse captulo, que a imposio de uma lngua sobre a outra, na qual se impunha ao sujeito surdo o domnio da lngua portuguesa e a negao da lngua de sinais. desta forma, um questionamento deve ser feito: Em que o bilinguismo se difere das outras abordagens educacionais para surdos vistas at ento?

  • Esta pergunta ser respondida atravs do que, at ento, vemos nas idias do bilinguismo, mas s que desta vez na perspectiva da educao para surdos, ou seja, na educao bilngue.

    3.4.1 Educao Bilngue Dentre as novas propostas sugeridas para a educao de surdos, o bilinguismo que

    atualmente tem sido alvo de reflexes pelos profissionais que se dedicam ao atendimento de estudantes surdos.

    A educao bilngue para surdos ganhou destaque no cenrio educacional como uma abordagem que visa no somente os aspectos relacionados mudana na escolarizao para surdos, mas tambm por ir de encontro s prticas pedaggicas apresentadas pelas abordagens educacionais anteriores que permearam a educao de surdos. Dito de uma outra forma, o bilinguismo visto como a salvao da lavoura que tende a minimizar as dificuldades escolares vivenciadas pelos alunos surdos, principalmente na aquisio da lngua portuguesa.

    Nesse sentido, os primeiros passos que apresentavam o bilinguismo como uma proposta educacional possvel e vivel na educao para surdos foram dados , no Brasil, por Lucinda Ferreira Brito em um artigo datado de 1986. Segundo Brito apud Lima 2004) o bilinguismo a nica soluo para o surdo brasileiro... E o bilinguismo implica na aceitao sem restrio da LSCB7 (p. 37).

    No mesmo artigo, Brito aponta uma das questes que considero primordial para a adoo do bilinguismo, ou melhor, da educao bilngue como uma abordagem educacional para o ensino de surdos que, o reconhecimento da Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS como o nico meio, e somente ele, de comunicao entre surdos/surdos e surdos/ouvintes. Brito (2004) afirma que:

    As lnguas gestuais-visuais so a nica modalidade de lngua que permite aos surdos desenvolver plenamente seu potencial lingstico e , portanto, seu potencial cognitivo, oferecendo-lhes, por isso mesmo, possibilidade de libertao do real concreto e de socializao que no apresentaria defasagem em relao quela dos ouvintes. So o meio mais eficiente de integrao social do surdo. (Brito apud Lima 2004, p.37)

    Estas so as primeiras iniciativas em favor da lngua de sinais como primeira lngua a ser adquirida pelo surdo. Brito, foi mais longe, e esclareceu que o portugus seria apenas visto como segunda lngua (L2).

    7 Na poca, a lngua de sinais era chamada de Lngua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros (LSCB), essa

    era uma maneira de distinguir a Lngua de Sinais Uruku-Kaapor (LSKB), lngua utilizada entre os surdos e ouvintes da comunidade indgena Uruku-Kaapor. Hoje, a Lngua de Sinais Brasileira denominada de LIBRAS.

  • Essas novas propostas, na defesa e implementao do bilinguismo para surdos, serviram como ponto de partida para gerar uma nova abordagem educacional para surdos, no Brasil.

    Se, no Brasil, as primeiras propostas da educao bilngue s apareceram com Brito em 1986, a UNESCO em 1954, Skliar (1998) e Botelho (2005, p. 111) j definiam a educao bilngue como o direito que tm as crianas que utilizam uma lngua diferente da lngua oficial de serem educadas na sua lngua. O que a UNESCO e Brito anteviram foi o fato de o bilinguismo inovar nas prticas de ensino e a forma de conceber a surdez.

    Para Sacks (1989) apud Goldfeld(2001), respeitando a nomenclatura da comunidade surda americana, utiliza o termo Surdez (com s maisculo) para designar um grupo lingstico e cultural e o termo surdez (com s minsculo) para designar uma condio fsica, a falta de audio (p. 39).

    O que difere a filosofia bilngue das outras filosofias (oralista, comunicao total e bimodalismo) que para os defensores do bilinguismo o surdo no precisa desejar uma vida igual a dos ouvintes, ele pode e deve assumir e aceitar a surdez. por essa razo que, o conceito da educao bilngue se torna to importante, pois ele acredita que os surdos formam uma comunidade com cultura e lngua prpria.

    O que ocorre com muitas propostas ditas bilngue que ainda so fragmentos ideolgicos da comunicao total. Isso acontece por causa de um discurso dbio que ao mesmo tempo em que valoriza e reconhece a lngua de sinais, defendem a idia de incluso dos surdos nas escolas regulares.

    Para Botelho (2005):

    A educao bilngue prope que os processos escolares aconteam nas escolas de surdos, obviamente no segundo o modelo clnico-teraputico, ainda oferecido. Reconhece as intensas dificuldades e problemas do surdo em classe com estudantes ouvintes, e no h adeso s propostas de integrao e de incluso escolar (p. 111-112).

    de fundamental importncia que para garantir o sucesso da educao bilngue a lngua de sinais concebida como lngua materna deve ser apresentada a mais cedo possvel a criana surda.

    Para Brito (1993) apud Goldfeld (2001), se a criana surda no for exposta lngua de sinais desde seus primeiros anos de vida sofrer vrias conseqncias. Ele perde a oportunidade de usar a linguagem, seno o mais importante, pelos menos um dos principais instrumentos para a soluo de tarefas que se lhe apresentam no desenvolvimento da ao

  • inteligente; no adquire independncia da situao visual concreta; no se socializa adequadamente (p. 41 e 42).

    sabido que cerca de 90% dos surdos so filhos de pais ouvintes. Ento, para que a criana tenha sucesso na aquisio da lngua de sinais de fundamental importncia que a famlia se empenhe em aprender a lngua de sinais. Para Quadro (2008), as crianas surdas e seus pais ouvintes poderiam compartilhar o bilinguismo: das culturas e identidades que se entrecruzam. Possibilitar a aquisio da linguagem das crianas surdas implicar no desenvolvimento mais consistente do seu espao escolar. Nesse contexto, fica cada vez mais evidente a importncia da famlia no processo de aquisio da lngua de sinais pela criana surda. Mas a escola tambm deve criar meios que possibilitem o encontro das crianas com adultos surdos, at mesmo para eles se espelharem e visualizarem numa vida normal como cidados surdos.( p. 31)

    A instituio escolar tem grande responsabilidade em tornar possvel e concretizar um dos principais desafios que concebem a educao bilngue que a prtica do letramento na educao para surdos.

    Nas palavras de Soares, 1998, p. 36-7 apud Botelho (2005):

    Letramento o estado daqueles que no s sabem ler e escrever, mas que tambm faz uso completamente e freqente da leitura e da escrita, e que, ao torna-se letrado, muda seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua insero na cultura. (p. 63)

    Para Botelho (2005), torna-se letrado numa abordagem bilngue pressupe a utilizao da lngua de sinais para o ensino de todas as disciplinas. Dessa forma, a lngua de sinais (L1) dever ser oferecida aos alunos surdos em situaes significativas, como jogos, brincadeira, narrativas de histrias, contos de fadas, lendas, etc (p.112). Esse acompanhamento dever contar com alm de professores capacitados, surdos adultos competentes na lngua de sinais que, alm de auxiliarem aos alunos na aquisio da lngua sinais, podero ensinar ao restante dos membros da comunidade escolar. Uma vez que, a escola se proponha a seguir uma corrente bilngue e letrada necessrio que todo o corpo de funcionrios da instituio aprenda a utilizar a lngua de sinais. Para Lacerda (1996) apud Santana (2007) as experincias com a educao bilngue so restritas pela dificuldade tanto de considerar a lngua de sinais uma lngua, quanto de encontrar profissionais e professores que saibam utiliz-lo (p. 180).

    As discusses sobre o letramento em uma perspectiva bilngue envolvem a reflexo de sobre duas lnguas e no a supremacia de uma lngua majoritria sobre a minoria.

    Que de acordo com as palavras de Kleiman (1999):

  • O ensino da lngua oficial do grupo dominante em programas de educao bilngue destinados a minorias tnicas ou grupos socialmente marginalizados, pode se transformar em instrumento de colonizao do currculo, e, muitas vezes, coloca em risco a preservao das identidades minoritrias se no constituir em prtica para a reafirmao e o reconhecimento da identidade lingstico-cultural do aluno. (Kleiman, 1999, pg. 266 apud Fernandes 2003, p. 7)

    Uma das maiores contribuies da educao bilnge que ela possibilita para o surdo, pela primeira vez, em toda histria da educao de surdos, a construo de uma proposta educacional que pensada por surdos e para surdos.

    Todavia, o que podemos presenciar nas poucas escolas ditas bilngue apenas uma preocupao com a questo lingstica na educao para surdos, ou seja, os professores tm um foco apenas na aprendizagem do ensino do portugus. Nessas escolas bilngue, a lngua de sinais imposta para os educadores como sendo a soluo para todos os problemas educacionais dos surdos e ainda pior encarada como um meio de acesso lngua considerada mais importante que a lngua portuguesa.

    De acordo o decreto N 5.626 de 22 de dezembro de 20058, em seu sexto captulo, que trata da garantia do direito educao das pessoas surdas ou com deficincia auditiva a educao bilngue definida da seguinte forma: 1 so denominadas escolas ou classes de educao bilngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Lngua Portuguesa sejam lnguas de instruo utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo. Feita uma anlise desse inciso notrio que, o mesmo tambm apenas de preocupa com as questes lingistas para o ensino dos estudantes surdos. Isso mostra que, as leis que vigoram nas polticas educacionais para a educao de surdos esto equivocadas em considerar que o surdo ou a surdez se reduz apenas ao ensino e a aprendizagem de uma lngua.

    O grande problema est em consideramos que disponibilizar para os profissionais que trabalham como surdos apenas cursos paliativos de LIBRAS iro resolver alguns problemas na metodologia de ensino para surdos. evidente que, nestes casos a possvel aquisio de uma lngua no vai determinar o sucesso no ensino, o que deve se feito que no apenas o profissional deve saber a lngua de sinais, mas tambm necessrio que haja um trabalho em que possamos discutir como realmente devemos fazer para ensinar aos surdos, de maneira que possam ser desenvolvidas atividades em todas as disciplinas e no apenas o ensino da lngua portuguesa.

    Para Fernandes (2003), nestes casos podemos chamar de pseudobilinguismo, na qual, a lngua minoritria apenas valorizada como meio de acesso verdadeira lngua, a que tem prestgio social, o que acarreta, mais uma vez, mecanismo de opresso e poder sobre grupos

    8 Mais informaes sobre este decreto ser visto no terceiro captulo.

  • minoritrios, como o caso dos surdos (p.4). Deste modo, enquanto o foco dos debates for apenas uma preocupao com as questes lingsticas, ignorando as dimenses poltica pedaggica que constituem a educao para surdos, poucos sero os avanos na consolidao da filosofia bilngue para surdos no Brasil.

    A opo poltica pela implementao de uma proposta de educao bilngue envolve uma srie de variveis que extrapolam a mera utilizao de duas lnguas no processo educacional, a adoo por esta proposta, envolvem mecanismos histricos, polticos, regionais, e culturais especficos. H um conjunto de aes a ser repensadas em um projeto de educao que considere em sua proposta curricular o legado histrico e cultural das comunidades surdas. importante estabelecer relaes de poderes e saberes mais assimtricos entre surdos e no-surdos no interior da escola, criar novas tecnologias educacionais baseadas essencialmente em recursos visuais, aperfeioar a formao de professores voltada para a concepo scio-antropolgica da surdez, promover maior participao da comunidade surda na gesto dessa educao, entre outros aspectos (Skliar, 1998).

    Assim, necessrio destacar que para que haja uma real implementao da abordagem educacional baseada na perspectiva bilngue importante que possamos inserir nos debates sobre a educao para surdos no apenas a situao lingstica caracterstica da comunidade surda, mas a relevncia desta nova concepo de surdez.

    Dentre os vrios questionamentos que permeiam a implementao da educao bilngue para surdos, alguns deles devem ser destacados, assim como aponta Fernandes, (2003): o reconhecimento poltico (no a tolerncia) dos surdos como minoria lingstica que constri aspectos de sua identidade cultural pelo uso da lngua de sinais, tal como outros grupos tnicos; a incorporao da lngua de sinais ao currculo escolar como lngua principal na mediao das atividades pedaggicas; a superao da perspectivas clnica na educao de surdos, o que os submeteu/submete a uma pedagogia teraputica (de correo/normalizao) nas prticas escolares; a ocupao do espao prioritrio dos adultos e profissionais surdos no processo educacional, favorecendo a formao de identidade das crianas e a vivncia de aspectos culturais da comunidade surda; o domnio efetivo da lngua de sinais por parte dos professores de surdos, em sua maioria no-surdos, como medida necessria ao encaminhamento de questes essenciais prtica pedaggica, como o caso do aprendizado da lngua portuguesa, por exemplo.

    Nesta situao, caso sejam consolidadas todas essas propostas, estaremos diante de um momento de transio de paradigmas na educao para surdos que, pressupe a relao de todas as principais discusses sobre a concepo de educao e de surdez, o papel do

  • professor e as polticas pblicas. Se concretizado, todas essas situaes problemas, sero garantidos ao sujeito surdo a possibilidade de se sentir cidados.

    Conforme aponta Fernandes (2003):

    Vislumbramos a educao bilngue para surdos como o espao de aproximao entre diferentes socioculturais de grupos distintas, relevando as prticas de excluso, rejeio, preconceito e marginalizao a que os surdos estiveram relegados historicamente. Precisamos entender a educao bilngue como uma proposta para fazer valer politicamente a voz da comunidade surda, seus direitos e anseios (que no so homogneos), em um projeto educacional que construa novas prticas de significao da surdez. Fernandes (2003, p. 5-6)

    Nessa tica, o que podemos concluir sobre as primeiras aes da educao bilngue, que apenas garantir o acesso a duas lnguas no vai determinar o sucesso da educao para surdo. Devemos entender que as questes lingsticas e no apenas ela as polticas educacionais, as metodologias de ensino, alm, claro, de uma nova concepo sobre a surdez, devem constituir uma espcie de ciclo de metas a serem elaboradas e executadas em prol de uma educao para surdos de qualidade. Com isso, a educao bilngue cumprir com a sua principal funo que a de formar cidados surdos que reconhecem e respeitam seus membros e sua cultura.

  • 3. SURDEZ, CULTURA E IDENTIDADE

    Durante o percurso na histria da educao de surdos, presenciamos uma total desconsiderao do surdo como sujeito e, conseqentemente, como cidado. Em grande parte isto deve-se ao fato de as abordagens educacionais (oralismo, comunicao total, bimodalismo) serem baseadas em funo da aprendizagem da lngua oral, que tinha como objetivo principal a busca pela normalidade, ou seja, proporcionar ao surdo uma vida igual a dos ouvintes.

    S aps a quebra deste paradigma, proporcionado pela educao bilngue que, por sua vez respeita o sujeito surdo e sua forma de comunicao pela lngua de sinais, que novos conceitos sobre o entendimento do surdo e da surdez ganharam destaque no centro das discusses na educao brasileira.

    A conseqncia desta nova viso sobre a surdez possibilita o reconhecimento do surdo como um sujeito pertencente a uma comunidade de cultura prpria capaz de tornar decises em prol de melhorias tanto na educao quanto na vida. Permite ainda que, pela primeira vez o surdo se reconhea e se identifique como surdos pertencentes a uma comunidade de surdos e no pertencentes a uma comunidade ouvinte.

    Em funo dessa nova abordagem, se faz necessria a anlise de diversas definies que permeiam a explicao dos conceitos de Cultura, Identidade e Surdez. Em linhas gerias, iremos analisar conceitos antagnicos que serviro de base para o entendimento das questes relacionadas cultura e identidade na educao para surdos. Dentre os principais conceitos abordados vamos salientar: diferente/deficiente; cultura surda/cultura ouvinte; normalidade/anormalidade; lngua de sinais/lngua oral; minoria/maioria; cincia biolgica/ cincias humanas; modelo scio-antropolgico/modelo clnico-teraputico.

    Perante a esta breve introduo, destaco que a inteno desse captulo de demonstrar como a educao bilngue possibilita o reconhecimento do surdo como sujeito, trazendo um novo olhar para o surdo e a surdez.

    4.1 SURDO: DIFERENTE OU DEFICIENTE?

    A concepo do surdo como diferente ou deficiente vem sendo a razo da recente discusso entre os pesquisadores ligados a educao de surdos. A princpio, podem ser vistas duas ticas que explicam esta nova concepo sobre a surdez. A primeira delas, segue a concepo das cincias biolgicas que vem o surdo como deficiente, que assim, precisa alcanar a normalidade, ou seja, a fala. Neste sentido, concentram-se apenas nos avanos

  • tecnolgicos (prteses auditivas, implantes cocleares) para oferecer ao surdo possibilidade de ouvir e falar. A segunda tica a defendida pelas cincias humanas que enxergam o surdo como diferente, pois defendem a lngua de sinais como a lngua de comunicao das pessoas surdas e a idia de uma cultura surda. Para Santana, (2005) essa competio parece ocorrer especialmen