behares - novas correntes surdez

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO NOVAS CORRENTES NA EDUCAÇÃO DO SURDO: DOS ENFOQUES CLÍNICOS AOS CULTURAIS *1 LUIS ERNESTO BEHARES Universidade De La Republica Instituto de Lingüística de la Facultad de Humanidades y Ciências de la Educación 1. O conceito de surdez O conceito de surdez é uma entidade cultural. Tanto que tem sua história, ou seja, evolui e se modifica como qualquer outro objeto cultural. Uma olhada na evolução deste conceito nos mostra que tem atravessado por etapas, existindo momentos em que sua definição tem sido crítica e tem ocasionado debates acirrados entre aqueles que estão implicados em seu marco de referência. Nos últimos tempos, temos ingressado em um desses momentos da redefinição do conceito, por razões sociais e de clima de opinião que não cabe desenvolver aqui de forma extensa. Por este motivo, convém que dediquemos algum espaço para estabelecer as coordenadas do que entenderemos por surdez. Uma definição de surdez, que empregamos em outro trabalho (Behares, 1991a), nos parece bastante adequada: Uma pessoa surda é aquela que, por ter um déficit de audição, apresenta uma diferença com respeito ao padrão esperado e, portanto, deve construir uma identidade em termos dessa diferença para integrar-se na sociedade e na cultura em que nasceu. Convém esclarecer que esta definição requer certas especificações, que podemos agrupar nos seguintes pontos: 1. Falamos de pessoa surda e não da surdez como algo independente dos indivíduos que a experimentam. Em geral, a tradição clínica, para conceituar a surdez, tem partido do déficit auditivo como dado médico específico e tem estabelecido uma terminologia classificatória, derivada do procedimento audiométrico. Fala-se, assim, de surdez leve, moderada, severa, profunda e hipoacusia, como realidades diferentes em termos audiométricos, sem tomar em conta o que estabelece a conexão com a personalidade em geral do indivíduo no qual está localizada. Ampliando o panorama da audiologia a outras disciplinas clínicas, se fala também de surdez genética, congênita, perinatal ou adquirida, ou de surdez pós e pré- lingüística. As investigações dos últimos anos têm chamado a atenção com respeito a que a surdez implica muito mais que o que de forma direta pode derivar-se do tipo de déficit auditivo. É também necessário incluir a experiência do * Trabalho apresentado para publicação na Revista EDUCAÇÃO ESPECIAL da Universidade Federal de Santa Maria, 1991. 1 Texto traduzido pela profª Eleny Gianini (UFCG), para fins didáticos.

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

    CENTRO DE HUMANIDADES

    UNIDADE ACADMICA DE EDUCAO

    NOVAS CORRENTES NA EDUCAO DO SURDO: DOS

    ENFOQUES CLNICOS AOS CULTURAIS*1

    LUIS ERNESTO BEHARES

    Universidade De La Republica

    Instituto de Lingstica de la Facultad de

    Humanidades y Cincias de la Educacin

    1. O conceito de surdez

    O conceito de surdez uma entidade cultural. Tanto que tem sua histria, ou

    seja, evolui e se modifica como qualquer outro objeto cultural. Uma olhada na

    evoluo deste conceito nos mostra que tem atravessado por etapas, existindo

    momentos em que sua definio tem sido crtica e tem ocasionado debates acirrados

    entre aqueles que esto implicados em seu marco de referncia. Nos ltimos tempos,

    temos ingressado em um desses momentos da redefinio do conceito, por razes

    sociais e de clima de opinio que no cabe desenvolver aqui de forma extensa. Por

    este motivo, convm que dediquemos algum espao para estabelecer as coordenadas

    do que entenderemos por surdez.

    Uma definio de surdez, que empregamos em outro trabalho (Behares,

    1991a), nos parece bastante adequada:

    Uma pessoa surda aquela que, por ter um dficit de audio, apresenta uma

    diferena com respeito ao padro esperado e, portanto, deve construir uma identidade em termos dessa diferena para integrar-se na sociedade e na cultura

    em que nasceu.

    Convm esclarecer que esta definio requer certas especificaes, que

    podemos agrupar nos seguintes pontos:

    1. Falamos de pessoa surda e no da surdez como algo independente dos indivduos que a experimentam. Em geral, a tradio clnica, para

    conceituar a surdez, tem partido do dficit auditivo como dado mdico

    especfico e tem estabelecido uma terminologia classificatria, derivada do

    procedimento audiomtrico. Fala-se, assim, de surdez leve, moderada,

    severa, profunda e hipoacusia, como realidades diferentes em termos

    audiomtricos, sem tomar em conta o que estabelece a conexo com a

    personalidade em geral do indivduo no qual est localizada. Ampliando o

    panorama da audiologia a outras disciplinas clnicas, se fala tambm de

    surdez gentica, congnita, perinatal ou adquirida, ou de surdez ps e pr-

    lingstica.

    As investigaes dos ltimos anos tm chamado a ateno com respeito a

    que a surdez implica muito mais que o que de forma direta pode derivar-se

    do tipo de dficit auditivo. tambm necessrio incluir a experincia do

    * Trabalho apresentado para publicao na Revista EDUCAO ESPECIAL da Universidade Federal

    de Santa Maria, 1991. 1 Texto traduzido pela prof Eleny Gianini (UFCG), para fins didticos.

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    sujeito surdo na formao de vnculos e atender a todas suas variaes,

    tomar em conta os contextos psicossociais em que a pessoa surda se

    desenvolve quando criana e a grande diversidade de situaes em que

    esta se d. Resulta, ento, mais adequado situar a surdez em relao

    pessoa e a seus fatores de personalidade, porque, deste modo, capta mais

    ricamente a essncia de sua situao.

    2. Se bem na definio falamos de dficit de audio, nos parece mais adequado referir-nos pessoa surda e no pessoa deficiente auditiva.

    certo que a expresso surdo, alm de ter matizes depreciativas em muitos

    pases, muito mais ambgua e vaga que o termo que desejamos. Porm,

    tambm certo que a palavra surdo a mais comum na cultura padro para

    fazer referncia pessoa que no ouve e, muito mais importante que tudo,

    o termo com o qual os surdos se referem a si mesmos e a seus iguais.

    A utilizao do termo surdo, em lugar de deficiente auditivo (ou outros

    similares), nos permite re-situar a elaborao do conceito de surdez no

    marco sociocultural e retir-lo do mbito clnico.

    3. Fazemos finca-p na diferena do surdo com respeito ao ouvinte, porque

    cremos que nela que se baseia a essncia psicossocial da surdez e no na

    diminuio em si mesma da capacidade sensorial. O surdo no diferente

    unicamente porque no ouve, mas porque desenvolve potencialidades

    psicoculturais diferentes das dos ouvintes. Nas expresses clnicas do tipo

    de deficincia auditiva se desconhece esta diferena e se caracteriza a surdez desta maneira: o surdo fundamentalmente como o ouvinte, porm,

    se tomamos o ouvinte como modelo, ento ao surdo lhe falta algo (o funcionamento do ouvido); portanto o surdo um ouvinte imperfeito.

    Trata-se de um procedimento de diminuio, que leva invariavelmente ao

    conceito de menos-valia.

    Tentamos conceitualizar a surdez no como menos-valia, mas como

    diferena, ou, melhor dizendo, como uma forma de existncia caracterizada

    por possibilidades (ou valias) diferentes das do ouvinte.

    4. Temos utilizado a expresso o padro esperado, que alude, obviamente, ao ouvinte; a audio normal que permite a natural discriminao dos sons da linguagem , certamente, a caracterstica distintiva do padro

    humano (determinado pelo o que majoritrio, ou seja, mais de 99% dos

    casos segundo estatsticas mundiais). Sem dvida, com o termo padro

    queremos transcender ao mero dado sensorial, j que a cultura ouvinte, na

    qual participamos sem senti-la todos os que ouvimos, abarca um conjunto

    de marcadores psquicos e culturais muito mais amplo que a fisiologia da

    audio. Da mesma maneira, a cultura surda, na qual est integrada uma

    ampla maioria dos que no ouvem, tambm se organiza com base em

    caractersticas psquicas e culturais muito mais amplas que a falta de

    audio.

    Conceber a surdez como um resultado errado da audio esperada implica

    desconhecer as diferenas de organizao psquica e cultural existente entre

    ouvintes e surdos, no s enquanto indivduos isolados, mas tambm e

    fundamentalmente como grupos humanos.

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    5. Sustentamos que a identidade da pessoa surda como tal (quer dizer, no

    como ouvinte deficitrio, mas como algo intrinsecamente diferente do

    ouvinte), deve ser o ponto de partida para pensar e investigar social e

    pedagogicamente na rea da surdez. O indivduo que nasce ouvinte no tem

    nenhuma dificuldade em identificar-se com o que , o que nasce surdo no

    tem, a priori, tampouco porque t-las.

    A problemtica de identificao na surdez, sempre includa na literatura

    especializada como um problema da pessoa surda, tem, na realidade, sua origem em construes sociais baseadas na viso clnica. A pessoa surda

    obstaculizada na formao de sua identidade como tal, j que no lhe

    permitida a adequada formao de sua estrutura psquica e cultural e

    pretende-se que esta se construa em base ao modelo psquico e cultural

    ouvinte, o que claramente impossvel. O dficit psquico e cultural dos

    indivduos surdos no resultado de sua surdez biologicamente

    considerada, mas um derivado de sua experincia traumtica e exclusiva

    com o modelo da cultura ouvinte.

    Nas pginas a seguir, nos deteremos a analisar primeiramente qual o

    itinerrio seguido pela criana surda em seu processo de desenvolvimento e em sua

    socializao com adultos da(s) cultura(s) a que pertence, e em segundo lugar a

    analisar os enfoques recentes propostos para sua educao. Em ambos os casos, nos

    regeremos pelo conceito de surdez aqui exposto.

    2. A formao de traos psquicos e culturais na criana surda de pais ouvintes

    necessrio fazer uma investigao preliminar com respeito experincia

    psicocultural das crianas surdas. A bibliografia que se refere a esses temas distingue

    entre elas dois grupos muito diferentes: os filhos surdos de pais ouvintes (FO) e os

    filhos surdos de pais surdos (FS). Segundo as estatsticas universais, os FO constituem

    96% da populao surda do mundo, enquanto que os FS s 4%.

    Ocuparemos-nos mais adiante dos FS. Pensamos que para traar o itinerrio

    psquico e cultural seguido pela criana surda no seu desenvolvimento e socializao

    convm melhor comear pelos FO, no somente por sua superioridade numrica, mas

    tambm porque so os que apresentam maiores particularidades nesses processos.

    A criana surda que nasce em um meio ouvinte enfrenta-se, desde o

    nascimento, com uma rede de construes identificatrias prefiguradas pelas

    expectativas de seus pais, os quais, naturalmente, esperam que tambm seja ouvinte.

    muito extensa a bibliografia sobre o processo de socializao dos FO e, apesar da

    variedade de enfoques, resulta claro que o aspecto central a tomar em conta o da

    formao da identidade e no tanto o vinculado ao lingstico, comunicativo e

    cognitivo, que sero unicamente as manifestaes exteriores observveis desse

    processo. (cf. Erting, 1982: cap. 2; Meadow, 1980 e Behares, 1991b)

    O processo de sociabilizao do FO conflitivo j desde seu incio. O

    nascimento de uma criana surda supe o largo processo de estabelecimento de um

    diagnstico correto de surdez e um processo ainda mais prolongado para que os pais

    elaborem sua frustrao e comecem a aceitar a identidade surda de seu filho. Ambos

    os processos so extremamente complexos e no comprometem exclusivamente seus

    pais, mas tambm os especialistas que vo construir com eles uma determinada

    imagem social do que a surdez e do que a criana surda. Em muitos casos, temos

    observado que existe um verdadeiro traslado de responsabilidades dos pais para os

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    especialistas. Os pais hiperansiosos (Meadow, 1987) outorgam um poder quase religioso ao diagnstico mdico e s possibilidades de cura, criando um conflito em sua relao com os tcnicos e terapeutas mdicos, aos que colocam em uma

    encruzilhada: alentar as expectativas de cura ou desalent-las.

    Isto sucede, sobretudo, nos nveis sociais mdio e alto dos pases

    desenvolvidos, porm se torna particularmente trgico em nossos pases em via de desenvolvimento. Nestes, sobretudo nos setores socioeconmicos inferiores, o diagnstico tardio e a atitude dos pais ante ele pode produzir o resultado de um

    desinteresse prtico pela criana. Nos Estados Unidos, por exemplo, o diagnstico de

    surdez se produz, em mdia, entre os 9 e 18 meses de vida, segundo a profundidade

    ou reversibilidade da surdez (Freeman, 1977). Em contrapartida, nas zonas rurais de

    alguns pases do Terceiro Mundo em geral este diagnstico no se estabelece, muitas

    vezes, at aos 4 ou 5 anos.

    As formas de conduta que os pais adotam no lar durante estes perodos

    derivam de sua conflitiva interao com os tcnicos ou terapeutas, aqueles que, no

    em todos os casos, integram as equipes interdisciplinares com psiclogos e assistentes

    sociais. Pelo menos, na maioria dos pases sul-americanos, os pais dos setores

    socioculturais mais carentes recebem orientao tcnica fundamentalmente de

    mdicos, fonoaudilogos, terapeutas da fala ou professores especializados em surdos

    de orientao oralista.

    Nos primeiros anos de vida, a criana surda no tem acesso comunidade

    atravs de uma lngua, a no ser no caso em que seja objeto de uma terapia muito

    precoce de fala. Sua relao com os pais se estabelece mediante mecanismos no

    verbais de interao, limitados, nos nveis conceituais, s incipientes

    convencionalizaes gestuais que podem estabelecer com os mesmos (Tervoort, 1969;

    Moores, 1979; Feldman et al., 1978; Pereira, 1983; Lemos e Pereira, 1987; e Behares,

    1990a).

    Neste tipo de interao pode desenvolver-se uma sintonia mais ou menos fina,

    de acordo com as demandas cognitivas e culturais das crianas, at aproximadamente

    um ano de vida. De fato, esta tambm a forma de interao que encontramos nas

    dades me-filho, quando ambos so ouvintes. Sem dvida, no temos razes para

    supor que as expectativas culturais e cognitivas das crianas surdas depois do

    primeiro ano de vida sejam inferiores as das crianas ouvintes. Estes ltimos podem

    avanar em sua construo social da realidade, graas incorporao de uma lngua

    natural, convencionalmente aceita na comunidade a que pertencem. Em contrapartida,

    as crianas surdas no podem adquirir em tempo e forma a lngua (oral) do grupo

    social atravs dos mecanismos naturais que se observam nas crianas ouvintes.

    Ainda que a terapia de fala comece precocemente, no cientificamente

    possvel esperar que a lngua oral se constitua imediatamente em um instrumento

    natural de interao e construo cognitiva. Mais ainda, apesar de que os pais

    adquiram precocemente lnguas sinalizadas, no podemos afirmar que a limitao de

    base deixe de existir.

    As dificuldades lingsticas que aparecem na interao de pais ouvintes e

    crianas surdas no podem, tampouco, observar-se de forma isolada. Nos fatos esto

    fortemente vinculadas as atitudes dos pais com respeito aceitao real da surdez de

    seus filhos. A vinculao interativa precoce da criana deficitria, no como um

    derivado exclusivo de suas carncias de audio, mas tambm, e fundamentalmente,

    pelo meio scio-interativo no qual esta se constri.

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    A maioria dos FO ingressa nas instituies escolares nas condies que

    acabamos de descrever. nessas instituies onde, na maioria dos casos, a criana

    comea a receber um treinamento para a comunicao verbal2 atravs da modalidade

    oral, de lngua oral sinalizada, ou de ambas simultaneamente e, em muitos casos,

    atravs da lngua de sinais utilizada pela comunidade surda adulta. A escola atua

    como doadora universal de linguagem em suas mltiplas formas. (Um estudo em profundidade desta situao foi desenvolvido em Behares e Massone, 1990a).

    Referiremos-nos mais adiante aos xitos alcanados nas escolas com base nas

    diferentes modalidades de interao escolar privilegiadas por elas. Porm, ainda que

    estes xitos sejam, em muitos casos, relativamente muito limitados (Gabbiani e

    Behares, 1986), no duvidamos que a escola substitua e compense os dficits

    socioculturais aos quais a criana surda se v exposta na sociedade majoritariamente

    ouvinte.

    As decises sobre poltica educativa tm levado ao surgimento de duas

    diferentes modalidades de escolarizao para a criana surda:

    a) integrao s aulas regulares sob distintas modalidades, e

    b) escolas especiais para surdos, tambm sob diferentes modalidades.

    No segundo caso, a criana surda se encontra, em geral pela primeira vez em

    sua vida, com outros surdos. Com eles constri uma sociedade infantil, na qual j esto elaborando-se os princpios constitutivos de um grupo de experincia (o dos

    surdos), que logo o acompanhar durante toda a vida. Neste grupo,

    independentemente da modalidade interativa oficial da instituio, a lngua de sinais

    das comunidades surdas um dos princpios constitutivos.

    Geralmente, o FO adquire a mesma lngua de sinais da comunidade de seu

    pas, ainda que freqentemente com certas diversidades em relao utilizada pelos

    adultos. O mecanismo que permite esta aquisio natural da lngua de sinais a

    interao interpares (Behares e Peluso, 1989; Behares, 1990b). Pode acontecer que

    essa lngua de sinais seja transmitida de gerao em gerao de estudantes, com um

    destacado lugar normalizador dos FO ou de adultos surdos vinculados instituio

    escolar.

    Paralelamente aquisio da lngua de sinais, a criana vai introjetando pautas

    de conduta, modelos de expectativas e valores e construes grupais da realidade, que

    formam parte da cultura (ou sub-cultura) e o patrimnio de tradio das comunidades

    surdas. nesse momento que a identidade da criana surda se enfrenta com um

    modelo novo, j no o que a sociedade ouvinte tem dos surdos, mas o que os prprios

    surdos tm de si mesmos.

    Os processos identificatrios da criana surda enfrentam dois modelos

    diferentes, ainda que muito intervinculados, que produzem nele efeitos contraditrios

    e, s vezes, conflitantes. Suas vinculaes limitadas com a cultura ouvinte se ampliam

    agora em uma direo caracterizada pela naturalidade das aquisies. Poderamos

    dizer que muito do que as crianas surdas internalizam da cultura ouvinte, majoritria

    e universal, se constitui com base nas percepes que dela podem chegar a

    desenvolver-se a partir da cultura surda.

    A experincia com a cultura surda parece ativar na criana, simultaneamente, o

    interjogo da identidade de ouvinte deficitrio e a de surdo normal. interessante

    2 Utilizamos o termo verbal no sentido de sistema lingstico, no no de oral.

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    comprovar como as culturas surdas distinguem entre surdos normais e deficientes,

    porm mais interessante ainda comprovar o que nos tem dito repetidamente

    Monteghirfo (em comunicao pessoal) e que temos podido comprovar com nossa

    experincia, no sentido de que a designao normal da comunidade surda exclui os indivduos hbridos ou de identidade conflitiva, como no caso de muitos hipoacsicos ou surdos criados de forma distanciada da comunidade surda.

    A integrao da criana na experincia comunitria da surdez durante a idade

    escolar ocasiona o benefcio de uma construo ativa (ou seja, no dependente) de sua

    identidade, ainda que com as limitaes do caso. Sem dvida, o acesso aos bens

    culturais da sociedade majoritria nem sempre ser pleno atravs da cultura surda, por

    duas razes diferentes:

    1. As comunidades surdas podem constituir-se como grupos guetizados, autocomplacentes e defensivos, com pouco interesse de compreender e

    interiorizar as formas de organizao sociocognitiva dos ouvintes.

    2. Em muitos casos, aos quais nos referiremos mais adiante, as instituies educativas (nas quais de fato a cultura surda est presente) a tem em conta

    na hora de organizar suas estratgias pedaggicas. bastante bvio que

    utilizar os instrumentos prprios desta cultura, sobretudo a lngua de sinais,

    poderia ser um recurso importante para que as crianas surdas tenham

    acesso aos modos de construo coletiva de sentidos sociais e transmisso

    das informaes necessrias para internalizar a cultura geral ou universal da

    humanidade.

    A base teraputica e compensatria de nossos sistemas educativos desdenha os

    valores intrnsecos das culturas regionais ou setoriais, exigindo s crianas a

    incorporao imediata de pautas culturais universais, o que se pode afirmar muito

    mais alm do que afeta o fenmeno da surdez. Estamos convencidos de que esta

    inadequada base poltico-pedaggica a causa de que no se tem podido emparelhar

    em suas etapas e em seus ganhos a educao das crianas surdas das crianas

    ouvintes. Com efeito, os xitos acadmicos das crianas surdas se situam muito

    abaixo dos nveis esperados para as crianas ouvintes de sua mesma idade (Erting,

    1982; Erting e Johnson, 1982; Bonvillianet al., 1973; e Behares e Peluso, 1989). Isto

    determina uma integrao deficitria na sociedade majoritria, no s nos aspectos

    exteriores das condutas sociais, mas, sobretudo, ao nvel das construes da realidade,

    dos recursos sociocognitivos exigidos nessas sociedades e da preparao tcnica

    exigida para integrar-se no mercado de trabalho.

    Das concepes pedaggicas gerais atuais, existem poucos modelos que no

    valorizam a importncia do processamento intragrupal nas crianas. No caso das

    crianas surdas, este processamento incorpora uma diferena distintiva, que

    poderamos situar no que viemos dizendo da construo de um grupo de experincia

    surda. Em nossas escolas orais ou bimodais de surdos, esta riqueza do grupo de

    crianas que as freqentam est, geralmente, depreciada, j que seria muito estranho

    imaginar-se um grupo de crianas surdas interatuando naturalmente na lngua oral ou

    em lngua oral sinalizada, quando o instrumento habitual para sua integrao a

    lngua de sinais, e abstraindo-se dos modos de processamento e de valorizao

    prprios da cultura surda.

    Do que viemos sustentando neste captulo, se deduz que as caractersticas

    deficitrias das crianas surdas no so estritamente o resultado de uma limitao de

    origem lingstico-cognitivo individual, a partir de uma carncia biolgica, mas

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    tambm, e fundamentalmente, o resultado de um inadequado processo de

    socializao, no marco de modelos lingstico-cognitivos que no levam em conta sua

    diferena e os processos de construo de sua identidade.

    3. A exceo regra: filhos surdos de pais surdos

    Do que viemos dizendo se depreende que a incapacidade do surdo no pode

    ser concebida em termos de um dficit individual ante o cognitivo, lingstico ou

    social, mas como um dficit sociocognitivo, que implica o sujeito e o meio e/ou o

    contexto no qual nasce e se desenvolve, ou, para diz-lo em termos vigotskynianos, o

    conjunto de zonas de desenvolvimento proximal que conseguem ou no se instaurar.

    No caso do FO tivemos a oportunidade de fazer algumas consideraes a

    respeito deste dficit sociocognitivo. Quanto aos filhos surdos de pais surdos

    tentaremos, em continuao, estabelecer alguns lineamentos para conceituar a

    situao na qual se desenvolvem.

    O quadro que apresentam habitualmente os FS radicalmente diferente do que

    descrevemos para os FO. Na etapa inicial desse desenvolvimento, a bibliografia e

    nossa prpria experincia mostram que o processo de desenvolvimento dos FS mais

    semelhante ao das crianas ouvintes de pais ouvintes que ao dos FO.

    Os primeiros estudos sobre a interao me surda-filho surdo tm uma dbil

    base de sustentao e so francamente distores da realidade. Por exemplo, Galenson

    et al. (1979) observou esta interao na modalidade oral estrita e chegou concluso

    de que a me surda distorce o desenvolvimento lingstico (oral, por suposio) de

    seus filhos. Outro estudo com concluses igualmente absurdas o de Greenstein et al.

    (1977), com base em experimentos clnicos, nos quais as crianas surdas pequenas

    deviam interatuar com os investigadores. No encontraram diferenas significativas

    com as crianas surdas de pais ouvintes. No citamos estes trabalhos porque tenham

    alguma importncia real, mas porque mostram quo prejudiciais e desinformadas

    podem ser as construes, pretensamente cientficas, do saber.

    Os estudos no prejudiciais sobre este tema (por exemplo, Maestas e Moores,

    1980; Meadow et al., 1981) chegaram a concluses totalmente diferentes:

    comprovaram que a interao social e lingstica das mes surdas com seus filhos

    surdos apenas se diferenciava das mes ouvintes com filhos ouvintes, devido ao

    sistema lingstico de aparecimento mais precoce na dade primria (a lngua de

    sinais) e a resposta menos traumtica surdez no seio da famlia surda.

    Podemos caracterizar a interao entre os filhos surdos e seus pais surdos de

    acordo com um modelo seqencial praticamente idntico ao que se observa no

    desenvolvimento da linguagem e da cognio bsica da criana ouvinte de pais

    ouvintes. A criana surda evolui desde as etapas preverbais ou de balbucio (neste

    caso, fundamentalmente viso-manual) e vai integrando de forma natural a

    convencionalizao de seu comportamento comunicativo at uma lngua determinada,

    nesse caso a lngua de sinais utilizada por seus pais. No plano cognitivo e de

    assimilao de informaes sociais e ambientais, a criana surda de pais surdos

    capaz, precocemente, de funcionar como o faz qualquer criana sem limitaes a essa

    idade, tanto nos aspectos formais-funcionais, quanto no volume de contedo que

    habitualmente absorve.

    Efetivamente, seu desenvolvimento lingstico-cognitivo ocorre na

    naturalidade de sua insero social (zona de desenvolvimento proximal de sintonia

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    natural), frente a um modelo identificatrio confortvel, que consegue estar de acordo,

    na maioria dos casos, com um marco intracultural ajustado. As expectativas de seus

    pais ante sua surdez no resultam crticas para seu desenvolvimento e o sentido de

    pertinncia a uma comunidade de iguais refora nelas os sentimentos de autoestima e

    autovalorizao.

    A presena de uma lngua precocemente compatvel e integrada a uma cultura

    de pertinncia natural e com grandes possibilidades de ser aceito com adeso,

    fundamental como chave para entender este processo. Para os FS, a lngua de sinais

    no somente um instrumento de comunicao mais fcil, por adaptar-se a suas

    condies psicofisiolgicas, mas, tambm, e fundamentalmente, porque a lngua

    natural de um grupo social. No caso desse grupo, eles a desenvolvem em condies de

    naturalidade caractersticas.

    A vantagem que mostram FS se deve a que estiveram expostos a interao

    natural, em uma lngua natural e em um contexto social natural muito precocemente.

    A criana surda que interatua desde sua mais tenra infncia com adultos surdos,

    participa de forma natural e espontnea da seqncia sociocognitiva prpria da

    espcie humana. Em contrapartida, os FO tm travado seu acesso a este formato

    sociocognitivo, no s por razes lingsticas, mas tambm pelas diferenas de

    percepo e organizao do universo cultural que rapidamente se estabelecem entre

    ele e seus pais, mais alm de seus desejos e expectativas.

    A interao entre crianas surdas e adultos ouvintes est estruturada pelos

    adultos, de acordo com a idia que estes tm de si mesmos enquanto ouvintes

    membros de uma comunidade ouvinte e falantes de uma lngua oral (Erting, 1985). A

    identidade ouvinte dos pais no lhes permite elaborar suportes adequados para a

    formao de uma identidade surda de seus filhos, do qual se deriva que sua interao

    primria com os filhos est caracterizada por uma abundncia de desencontros

    (Edmonson, 1980).

    O desenvolvimento intracultural do FS, caracterizado pela naturalidade,

    contrasta radicalmente com o desenvolvimento dos FO, caracterizado por

    desencontro, artificialidade comunicativa e limitao dos universos discursivos.

    O que sucede no perodo inicial do desenvolvimento parece instaurar-se de

    forma permanente como uma base sociocognitiva perdurvel, que serve de assento s

    futuras aquisies. assim que se comprova que os FS (e s vezes tambm os FO que

    se integraram durante o primeiro ano de vida a dades ou a grupos surdos) alcanam

    nveis de funcionamento cognitivo e social mais elaborados durante a adolescncia,

    no apresentando, em geral, conflitos psicodinmicos de identidade, e alcanando

    mais facilmente o xito acadmico (Peluso, 1990). Inclusive se tem comprovado que

    so estas crianas surdas as que conseguem alcanar nveis funcionais e formais mais

    adequados na lngua oral; no estranho que acontea isso, j que a constituio

    slida da funcionalidade e dos procedimentos formais de uma lngua natural um

    requisito sine qua non para o desenvolvimento de uma segunda variedade lingstica

    (Bonvillian et al., 1973; Johnson e Erting, 1989; Behares e Peluso, 1989).

    No nossa inteno aprofundar aqui as diferenas entre FS e FO. Sem

    dvida, nos parece bvio que delas devemos partir para imaginar qual seria o meio

    mais adequado para a educao da criana surda: esse meio ser aquele no qual as

    interaes naturais sejam mais desenvolvidas e as possibilidades de interao em uma

    lngua natural sejam mais possveis de concretizarem-se.

  • 9

    4. Alguns dados histricos sobre as diferentes propostas atuais para a educao

    da criana surda.

    Com base no quadro que descrevemos, tentaremos, em continuao, analisar

    as correntes atuais na educao da criana surda, para clarificar o panorama frente

    pergunta: qual destas correntes aproveita, com recursos mais adequados, as condies

    lingstico-cognitivas das crianas surdas?

    No pretendemos estabelecer uma concluso taxativa com respeito a qual

    delas melhor, j que para isso deveramos entrar em consideraes acerca das

    teleologias pedaggicas, das realidades nacionais, da economia de esforos e em

    outros aspectos da questo, que no nossa inteno desenvolver neste trabalho.

    Na atualidade, se apresentam cinco grandes propostas educativas para os

    surdos, mais ou menos diferenciadas entre si, apesar das confuses que reinam,

    todavia, neste territrio da teoria pedaggica3. So elas o Oralismo (uni ou

    multissensorial), a chamada Comunicao Total, o Bimodalismo (incluindo dentro

    deste as prticas das lnguas orais sinalizadas), a Educao Bilnge estritamente

    lingstica e a Educao Bilnge Bicultural.

    Estas correntes e suas metodologias aparecem em momentos diferentes da

    histria da educao dos surdos a partir do sculo XVIII e, como assinalei em outro

    trabalho (Behares, 1991b), a sua tambm a histria das relaes entre as

    comunidades surdas e os ouvintes.

    Durante o sculo XVIII, e em grande parte do sculo XIX, a educao dos

    surdos esteve regida fundamentalmente por um ideal pedaggico. Neste marco que

    se deve entender a metodologia empregada por LEpe, Clerc e Gallaudet, j que seu objetivo era diminuir ao mnimo o esforo lingstico da criana surda e permitir-lhe

    alcanar os conhecimentos necessrios para obter o xito social. Sem dvida,

    principalmente por no utilizar a lngua de sinais autctone das comunidades as quais

    estas crianas pertenciam (utilizando, em contrapartida, uma variedade manualizada

    da mesma, que LEpe chamava de sinais metdicos), no alcanaram claramente seus objetivos.

    Este fator lingstico-pedaggico fez fracassar grande parte dos esforos dos

    manualistas do sculo XIX, que viram o oralismo ir substituindo a sua proposta nos mais importantes centros educativos para surdos durante a segunda metade desse

    sculo. Sem dvida, parar entender a substituio do manualismo pelo oralismo em

    fins do sculo passado, devemos tambm tomar em considerao dois fatos a mais: o

    auge da audiologia na poca de Alexander Graham Bell e do desenvolvimento, dentro

    do mbito pedaggico, do sub-mbito clnico denominado Educao Especial.

    O oralismo ganhou fora fundamentalmente a partir do Congresso de Milo de

    1880. Desde esse momento, a educao do surdo comeou a elaborar-se com base em

    um esforo clnico ou teraputico, em funo de um modelo tipicamente ouvinte do

    desenvolvimento e funcionamento lingstico-cognitivo, no qual a lngua oral o

    objetivo principal.

    Em meados do sculo XX, o oralismo deu mostras de fadiga e perdeu, em

    muitos dos pases que o praticavam, a forte autoridade na matria que ainda conserva

    em outros pases. A frustrao do oralismo entre os pedagogos ouvintes, que viam

    seus objetivos pedaggicos frustrados por causa dele, deu lugar ao surgimento de uma

    3 Referimos-nos sempre a grandes concepes, no a metodologias de trabalho concretas.

  • 10

    nova filosofia denominada Comunicao Total, cujo princpio bsico era mudar a ateno do dficit audiolgico ou lingstico-oral da criana surda para o dficit de

    comunicao, responsabilizando tanto as condies da criana quanto as de seus pais

    ou professores. A Comunicao Total deu lugar a mltiplas prticas nas quais a lngua

    de sinais, combinada com a lngua oral ou manualizada em direo a esta, era

    utilizada como recurso para chegar a uma correta utilizao da lngua oral e sua forma

    escolar privilegiada: a escrita.

    Em meados dos anos 60, um grupo de lingistas, antroplogos e psiclogos

    comearam a propor um novo modelo, no qual a lngua de sinais e a lngua oral eram

    consideradas como plos irredutveis da questo do acesso da criana surda

    educao, o que se conhece com o nome de Educao Bilnge. Na atualidade,

    podemos dizer que existem duas correntes na mesma direo: a que se organiza sobre

    o enfoque lingstico stricto senso e a que tenta abarcar o componente cultural no qual

    se inserem ambas as lnguas.

    5. O Oralismo

    muito difcil na atualidade, e com base na descrio que fizemos nos itens 2

    e 3, argumentar a favor de que o oralismo aproveita e favorece o desenvolvimento

    lingstico e cognitivo das crianas surdas. Disso fica claro que se desentende de

    grande parte das potencialidades dessas crianas e inclusive de seus recursos reais,

    desprezando aquilo que nele mais sadio.

    No oralismo a nfase est colocada na lngua oral em termos teraputicos e

    no na transmisso de contedos culturais. No muito difcil compreender que o

    oralismo entrava seriamente o desenvolvimento curricular e priva as crianas surdas

    de pais ouvintes do exerccio de uma lngua natural, que favorea, por sua vez, seu

    processo identificatrio e de auto-estima e seu acesso imediato informao.

    De acordo com a experincia da maioria dos pases do mundo, o oralismo

    entrou em uma crise irredutvel com respeito a quais so seus objetivos, j que a rigor

    estes so inalcanveis, pelo menos para a grande maioria das populaes surdas

    infantis. Sem dvida, e apesar de suas deficincias tcnicas, o oralismo consegue

    manter-se pelo menos no plano integracionista e assimilacionista, hoje em dia no auge

    no territrio da Educao Especial. Se uma criana surda tem de integrar-se na aula

    regular para adquirir hbitos de convivncia na sociedade ouvinte - se diz - resulta

    imprescindvel que as habilidades lingsticas orais desta criana sejam timas, e que

    a lngua de sinais seja mais um obstculo neste processo. Tendo em conta que as

    oralizaes so sempre muito relativas e, em alguns casos mnimas, fazemos nossas as

    palavras de Gabbiani e Peluso:

    Resulta, assim, o sinistro paradoxo de que ao impor a lngua oral, como forma de

    integrar o indivduo na cultura ouvinte e deslig-lo da surda, no se faz outra

    coisa que alij-lo ainda mais da cultura ouvinte, j que no se o instrumenta para

    acessar a esta (Gabbiani e Peluso, 1991).

    No se o instrumenta em termos lingsticos e cognitivos aceitveis para o

    socialmente esperado, porm tampouco quanto a uma identidade surda a partir da qual

    possa realizar operaes de transao com crianas ou adultos ouvintes.

    O tema da integrao das crianas surdas extremamente complexo. Quando a

    integrao sinnimo de normalizao, cremos que um instrumento perigoso de assimilao acrtica de indivduos diferentes a um modelo nunca claramente

  • 11

    explicitado. A integrao s possvel na medida em que se respeite a identidade

    sociocultural dos sujeitos a integrar e suas particularidades sociocognitivas e

    lingsticas. Como disse Padrn de Troconis (1987), a verdadeira integrao requer

    uma dinmica de ajuste do indivduo e da escola, para que a oferta educativa resulte

    vivel ao escolar surdo. As condies de tal escola implicariam em respeito ao

    bilingismo e a sua implementao escolar, o que seria realmente pouco efetivo

    quando se est falando de escolas regulares para crianas ouvintes.

    Ao nosso modo de ver (Behares, 1990c), o conceito de integrao deve ser

    elaborado em nvel dos recursos lingsticos, cognitivos e socioculturais que a criana

    surda recebe em seus anos de escolarizao para que possa incorporar-se vida social

    ativa como um adulto competente, e nos resulta pouco importante que para isto

    tenhamos que seguir utilizando escolas especiais para surdos.

    6. A Comunicao Total e o Bimodalismo

    Em oposio ao oralismo, a Comunicao Total no atribui as dificuldades na

    educao da criana surda a sua aquisio limitada da lngua oral, mas no

    conformao de uma comunicao fluda entre esta e os ouvintes, que sero seus

    educadores.

    A idia central que a comunicao deve ser natural e simples, tanto para o

    professor quanto para a criana surda. Neste ponto, podemos questionar o postulado

    de que a educao da criana surda deva implicar em uma maior facilidade para seus educadores ouvintes, j que no cremos que corresponda a esses a

    responsabilidade absoluta no processo. Igual que no oralismo, na Comunicao Total

    se pensa em termos de metodologia que permita ao educador ouvinte estruturar sua

    pedagogia em relao s crianas surdas. Por esse motivo, os procedimentos sugeridos

    por distintas correntes da Comunicao Total parecem melhor dirigidos s limitaes

    de pais e mestres, antes que s condies lingstico-cognitivas das crianas.

    A Comunicao Total originalmente props estabelecer um fluxo

    comunicativo direto com a criana atravs de todos os recursos imaginveis ou

    possveis, com um predomnio importante, nesta etapa inicial, da tendncia a educar

    mediante a comunicao no verbal (gestos, pantomimas e outros recursos apelativo-

    expressivos). Sem dvida, a grande maioria das propostas efetivas da Comunicao

    Total, logo da declarao de princpios de sua primeira poca, prove da utilizao do

    bimodalismo, a utilizao da lngua oral sinalizada ou a utilizao da chamada

    linguagem pidgin. De fato a Comunicao Total se reduziu de uma filosofia ampla a uma metodologia estreita mediante alguma destas trs variantes metodolgicas4.

    No Bimodalismo o que se pretende oralizar (ou pelo menos adestrar no uso de uma lngua oral) a criana surda, utilizando desde o incio a lngua oral

    reforada com sinais da lngua de sinais do pas, realizadas simultaneamente. Do

    ponto de vista lingstico, no possvel supor que as mensagens em lngua de sinais

    e em lngua oral possam ser perfeitamente combinveis em um mesmo ato

    comunicativo. O input receptivo que as crianas surdas recebem ser proveniente,

    fundamentalmente, do setor sinalizado, dado que na maioria dos casos desenvolvem a

    lngua de sinais no mesmo perodo de tempo em que se lhes ensina as tcnicas do

    bimodalismo. Em contrapartida, o input receptivo dos professores ouvintes se basear,

    4 Devemos esclarecer, no obstante, que atualmente muitas pessoas que dizem trabalhar no marco da

    Comunicao Total na realidade no aderem a estas prticas, sendo que melhor se manifestam

    partidrios de algum tipo de Educao Bilnge.

  • 12

    fundamentalmente, no setor oral da comunicao, assim como tambm seus outputs.

    Portanto, o bimodalismo no alenta condies de interao fluentes e normais

    (Maxwell, 1983), j que no favorece a homogeneidade entre as produes dos

    participantes. Ao mesmo tempo, Johnson et al. (1989), analisando os xitos da

    Comunicao Total nos Estados Unidos (o pas em que mais se tem aprofundado

    nesta tcnica), observaram que as crianas surdas no avanam em sua aprendizagem

    e em seu desenvolvimento geral mais alm do que o esperado para uma criana no 4

    grau.

    Quanto s lnguas orais sinalizadas resulta interessante citar a descrio de sua

    utilizao no marco da Comunicao Total por Schaeffer et al.:

    (...) maximinizar a probabilidade de que as crianas surdas evoluam desde a

    utilizao espontnea da lngua de sinais fala sinalizada espontnea (ou seja,

    sinais e palavras simultaneamente produzidos), e logo a linguagem verbal (oral)

    espontnea (Schaeffer et al., 1972.

    Se o objetivo a lngua oral, j que parece que estas crianas j possuiriam a

    lngua de sinais, caberia perguntar-se qual a utilidade da lngua sinalizada, j que

    para qualquer observador este trajeto descrito por Schaeffer et al. resulta conflitivo e

    at extravagante. De fato, se tem sugerido (Woodward e Allen, 1987a e 1987b) que

    estes sistemas interativos, os mais utilizados na educao dos surdos nos Estados

    Unidos, refletem melhor a habilidade do professor que as habilidades das crianas.

    A utilizao de variveis lingsticas compreendidas entre a lngua de sinais e

    a lngua oral, chamadas habitualmente pidgins, no so substancialmente diferentes do bimodalismo ou das lnguas sinalizadas. Do ponto de vista lingstico, incorporam

    um fator de contingncia e variabilidade tal, que no parecem ser instrumentos teis

    para uma educao consistente.

    De acordo com o exposto, a Comunicao Total, alm de incorrer em algumas

    impropriedades tcnicas, no parece ser um enfoque adequado s condies

    cognitivo-lingsticas e psicossociais da criana surda. Podemos nuclear em seis

    pontos o porqu desta observao:

    As relaes linguagem-pensamento, tal como so apresentadas habitualmente pelos tericos da Comunicao Total, no poderiam

    sustentar-se desde nenhuma das teorias cientficas que se tem elaborado

    para dar conta delas. Fundamentalmente, no se toma em conta o fato de

    que o processo de formao das atitudes cognitivas e lingsticas se

    constri de cima-para-baixo (top-down) e de baixo-para-cima (botton-up),

    com a mediao de uma cultura na qual a lngua um componente

    constitutivo bsico.

    Para implementar a Comunicao Total, so requeridos instrumentos comunicativos artificiais, com restos e elementos de, pelo menos, duas

    linguagens naturais. Se no se trata de que uma dessas lnguas no merece,

    por prejuzos sociais, ser respeitada, resultaria muito mais simples trabalhar

    independentemente em e com cada uma delas.

    Tanto o bimodalismo como as lnguas sinalizadas so tecnicamente conflitivas, tendo em conta a impossibilidade de situar-se em um termo

    mdio real entre as estruturas sinttico-semnticas da lngua oral e da lngua

    de sinais.

  • 13

    A Comunicao Total parece dar melhores resultados no aproveitamento acadmico que o oralismo, mas claramente inferiores ao esperado na

    educao de uma criana ouvinte. Ainda que seja uma proposta

    relativamente valorizada neste sentido, no tima.

    Em rigor, a Comunicao Total no outra coisa que um melhoramento do oralismo, no qual os ouvintes educam os surdos em funo de sua

    experincia e com o objetivo de que assimilem as expectativas ouvintes de

    vida. De fato, a Comunicao Total no parte da realidade lingstico-

    cognitiva e social da criana surda, mas das condies lingsticas e

    comunicativas dos ouvintes que vo educ-las.

    Com este marco de referncia, parece claro que a Comunicao Total no um meio que favorece o desenvolvimento da identidade surda, mas um

    meio que obstaculiza, desnecessariamente, a formao real dos sentimentos

    de pertinncia cultura surda.

    7. A Educao Bilnge: dos enfoques lingsticos aos culturais

    Por estes motivos, j na maioria dos pases, inclusive nos Estados Unidos, e

    com base no parecer de lingistas puros, se tende a trabalhar com base nas duas lnguas diferentes implicadas no processo educativo. Trata-se, neste caso, de respeitar

    a autonomia e as diferenas da lngua oral e da lngua de sinais e de estruturar um

    plano educativo que no afete a experincia sociolingstica das crianas.

    No queremos nos referir em extenso a esses desenvolvimentos, que atribuem

    poderes e valores s lnguas que estas no tm em si mesmas. Estes enfoques (que

    temos batizado Educao Bilnge estritamente lingstica) no chegam

    instrumentao plena por razes prticas, fundamentalmente a dificuldade de

    encontrar professores ouvintes que sejam usurios competentes da lngua de sinais.

    Em rigor, o que est faltando nesses enfoques a aceitao de que uma lngua implica

    sempre em uma cultura, dentro da qual - e s dentro da qual - pode adquirir sentidos

    coletivamente aceitos e construdos.

    Essa elaborao de uma pedagogia lingstica, baseada em dados

    exclusivamente sociolingsticos, resulta inoperante em termos de instrumentao

    pedaggica real, porque se desentende dos processos psicolingsticos e cognitivos

    prprios do bilingismo quando este afeta a sujeitos concretos e s prticas

    planificadas para sua educao.

    Em alguns casos, estas propostas evoluem rapidamente at uma forma da

    Comunicao Total, utilizando uma variante pidgin da lngua de sinais e da lngua oral, fundamentalmente devido ao fato de que o sistema educativo atravs do qual so

    implementadas no cultiva relaes biculturais com a comunidade surda e prefere

    continuar com uma educao do surdo dirigida e realizada exclusivamente por

    ouvintes.

    Ocuparemos-nos agora da Educao Bilnge Bicultural, que tem a inteno

    de situar-se no espao intermedirio entre a experincia sociocultural real da criana e

    os objetivos pedaggicos normais ou padres do sistema educativo.

    Podemos descrever a Educao Bilnge Bicultural para o surdo como o

    fizemos em um trabalho anterior:

  • 14

    A Educao Bilnge Bicultural prope dirigir sua ateno criao de uma

    identidade bicultural confortvel, ao permitir criana desenvolver suas

    potencialidades dentro da cultura surda e aproximar-se, atravs dela, da cultura

    ouvinte majoritria.

    A fim de alcanar esta aspirao, o enfoque bilnge, como seu nome o indica,

    prope utilizar a lngua de sinais da comunidade atravs de agentes provenientes

    desta, para permitir o acesso rpido e natural da criana surda ao currculo e

    utilizar agentes da comunidade ouvinte - professores de surdos - para que a

    criana surda tenha acesso lngua oral e escrita dessa comunidade e veja

    potenciada, com esse contato de imerso, sua adaptao e integrao a essa.

    (Behares e Massone, 1990b)

    necessrio fazer algumas ressalvas referentes a esta definio:

    Na Educao Bilnge, o desenvolvimento na criana de uma identidade bicultural confortvel um requisito fundamental. Neste sentido, no pode

    permanecer no plano estritamente lingstico, sendo que deve situar-se em

    um marco de referncia mais amplo, integrando as duas lnguas implicadas

    no contexto cultural em que so usadas. Isto s pode ser possvel, como

    disse Kannapell (1978), quando os educadores e os membros da comunidade surda trabalharem juntos para promover uma Educao

    Bilnge/Bicultural para as crianas surdas.

    Parte-se da base de que o desenvolvimento lingstico natural das crianas surdas, como o de qualquer criana, se processa no marco da cultura a que

    pertencem, da qual devem servir-se para ter acesso aos bens culturais

    majoritrios regionais ou universais. Como membros potenciais de uma

    comunidade minoritria, devem partir desta para chegar cultura ouvinte

    majoritria. Enquanto considerarmos as crianas surdas como membros

    deficitrios da comunidade ouvinte, no poderemos estar em condies de

    alcanar sua integrao consistente a essa comunidade. Charrow (1978)

    analisa adequadamente esta situao, para concluir que s quando as

    crianas surdas forem tratadas da mesma forma que qualquer criana

    proveniente de uma comunidade minoritria no falante do ingls, com sua

    prpria lngua, cultura e convenes sociais, seu xito educativo e suas

    relaes com o mundo ouvinte estaro em condies de ser melhoradas.

    A lngua de sinais no pode ser ensinada criana surda como um instrumento artificial de comunicao, sendo que esta deve adquiri-la em

    um marco natural de interao. Tanto o lugar da criana surda como o

    ambiente escolar devem constiturem-se em meios deste tipo. A Proposta para a ateno integral da criana surda (DEE, Venezuela, 1987) prope a criao do meio lingstico-gestual, estendendo este processo ao ncleo

    familiar. Na Proposta para a implementao da Educao Bilnge para o surdo (CEP, Uruguai, 1987) se sustenta o seguinte: A Educao Bilnge consiste em permitir criana surda, o mais precoce possvel, o acesso

    natural lngua de sinais, para o qual se necessitar instrumentalizar um

    ambiente que integre adultos e crianas surdas (p. 18).

    Toda criana adquire sua primeira lngua naturalmente. Para que haja aquisio natural necessria a convivncia com a comunidade que a usa.

    Portanto, o surdo tem necessidade de conviver com a comunidade surda

    para a aquisio da lngua de sinais como lngua natural (Rampelotto et al.,

    1991). A escola deve incluir agentes adultos surdos que otimizem a

  • 15

    interao em lngua de sinais das crianas surdas e a regularizem com

    respeito lngua de sinais usual da comunidade surda. Porm, tambm deve

    criar condies de fluxo e refluxo entre seu ambiente escolar e a da

    comunidade surda do lugar, com modalidades adaptadas s condies reais.

    Finalmente, porm no menos importante, a escola deve servir de nexo

    entre a comunidade surda e o lugar da criana.

    Os adultos surdos que participam do trabalho escolar no atuam como professores de lngua de sinais em sua interao com as crianas. Sua tarefa

    fundamental semelhante a dos professores de nveis maternais e pr-

    escolares, os quais, em um marco natural de interao, promovem o

    desenvolvimento integral da personalidade e das habilidades verbais e

    cognitivas da criana.

    Por outro lado, e na medida do possvel, devem participar tambm no ensino curricular dos contedos do programa bsico para as escolas, j que

    seu uso natural da lngua de sinais lhes permite construir uma seqncia

    pedaggica em todos os sentidos idntica que se constri na interao de

    uma criana ouvinte com seu professor ouvinte. Estes professores surdos devem receber uma formao adequada a suas funes e regerem-se pelos

    mesmos princpios pedaggicos que qualquer professor de educao bsica

    (Behares e Monteghirfo, 1990).

    Apesar de suas funes tcnicas, os professores surdos tm como objetivo fundamental estabelecer um modelo cultural surdo prestigioso para as

    crianas. No se alcana isto enchendo as escolas de surdos com adultos

    surdos com funes subalternas (limpeza, desportes, trabalhos manuais

    etc.). necessrio, em contrapartida, que os adultos surdos tenham posies

    prestigiosas e de acordo com suas capacidades, do qual as crianas extraiam

    uma viso positiva da surdez enquanto tal, e projetem suas auto-estima nas

    expectativas sociais futuras. A diferena da educao oralista, na qual o

    princpio o companheiro mais perigoso de um surdo-mudo outro surdo-mudo (Bello, 1974), est sempre latente; na Educao Bilnge se sustenta precisamente o contrrio.

    Obviamente existem ouvintes muito fluentes no uso da lngua de sinais (alcanam, com pensamento, somente os filhos ouvintes de surdos e os

    intrpretes), porm ainda que estes possam ser excelentes modelos

    lingsticos, nunca sero adequadamente no cultural.

    A presena de professores surdos no implica um desmerecimento da tarefa dos professores ouvintes. So estes os responsveis de apresentar criana

    surda o modelo cultural e lingstico ouvinte. O desenvolvimento da lngua

    de sinais como primeira lngua natural no obstaculiza a aprendizagem da

    lngua oral correspondente, mas a facilita. A nova pedagogia lingstica

    para surdos concebe o desenvolvimento da lngua oral com base em

    tcnicas de ensino de segundas lnguas e, portanto, aproveita as habilidades

    interativas e cognitivas adquiridas pelas crianas em sua experincia natural

    com a lngua de sinais.

    Os professores ouvintes devem receber formao para este tipo de trabalho, para o qual devem ter conhecimentos de ensino de segundas lnguas,

    lingstica comparativa da lngua oral respectiva e a lngua de sinais do

  • 16

    lugar, e possuir certo grau de competncia nesta ltima, ademais dos

    recursos para trabalhar em lngua oral com uma criana surda (Behares,

    1990d).

    Especial importncia neste processo tem a lngua escrita, que a forma da lngua oral respectiva mais diretamente acessvel e socialmente mais

    necessria para o surdo.

    O currculo da escola regular deve ser apresentado ao surdo mediante a lngua de sinais, a lngua oral respectiva e a lngua escrita, com a mesma

    cronologia, exigncias e qualidades que se utilizam na educao dos

    ouvintes. Isto significa que a educao do surdo deve pretender alcanar os

    padres da educao bsica nos mesmos tempos e com as mesmas

    ambies da educao comum. Certamente, este objetivo no

    imediatamente alcanvel, menos ainda em uma etapa em que estamos

    construindo, com os avanos e retrocessos naturais, um novo marco terico

    e metodolgico para a educao de surdos (cf. Wilcox, 1984; Johnson et al.,

    1989).

    A Educao Bilnge no necessita utilizar instrumentos comunicativos ou lingsticos artificiais para o acesso da criana comunidade nem s

    lnguas naturais (sejam estas orais ou de sinais). Por isso no utiliza o

    bimodalismo, nem a lngua oral sinalizada. Em termos pragmticos, estes

    instrumentos devem ser desprezados, j que resultam inexplicveis no

    marco conceitual dentro do qual se pretende trabalhar. Devem ser aceitas,

    em contrapartida, como maus necessrios as mesclas entre as lnguas oral e de sinais que surgem na comunicao espontnea entre surdos e ouvintes.

    Estas mesclas so inerentes a qualquer situao de bilingismo e no

    implicam em nenhuma desestabilizao das lnguas que lhes deram origem

    em termos estruturais ou funcionais. Sem dvida, necessrio ser muito

    cautos em no atribuir s mesclas carter de realidades lingsticas estveis

    e independentes no marco da metodologia escolar; do contrrio, cairamos

    nas prticas e ambigidades que observamos na Comunicao Total.

    Felipe (1990:12) sustenta que somente aquelas escolas que j tenham investigaes lingsticas adequadas sobre a lngua de sinais, tenham

    preparado professores e administradores, conscientizado aos pais, s

    crianas e aos adultos membros da comunidade surda, devem intentar

    desenvolver programas bilnges.

    Concordamos com a autora em que a Educao Bilnge supe certas atividades prvias, porm discordamos na nfase posta por ela nessa

    preparao. Em nossa opinio, grande parte do que a Educao Bilnge

    s conseguir desenvolver-se quando estiver realmente em funcionamento.

    Pensamos que no se chega Educao Bilnge mediante um projeto acabado, ainda mais pelo simples fato de que as realidades educativas

    tendem a ir-se amoldando na medida em que esto em funcionamento. De

    fato, no Uruguai existe investigao lingstica sobre a lngua de sinais do

    pas (ver, por exemplo, Behares et al., 1988), temos preparado os

    professores ouvintes e surdos para a tarefa, no marco de uma deciso

    pedaggica pensada por todos eles, os pais e a comunidade surda. Porm,

    s sobre a marcha se sua implantao temos podido realmente avanar,

  • 17

    tanto no que diz respeito a atitudes e ideologias como nos aspectos

    metodolgicos. Para diz-lo com poucas palavras, e certa tautologia, o

    pedaggico s pode construir-se mediante a prtica pedaggica.

    8. Observaes finais

    Neste momento, s alguns pases escandinavos (em especial a Sucia),

    Uruguai e Venezuela possuem planos nacionais de Educao Bilnge. Tambm h

    experincias locais em muitos outros pases (Frana, Dinamarca, Estados Unidos,

    Argentina e Brasil, at onde sabemos). Em cada um desses pases as condies

    particulares dos sistemas educativos e das comunidades surdas determinam diferenas

    na instrumentalizao. Sem dvida, os princpios bsicos que do coerncia e

    especificidade Educao Bilnge so os mesmos.

    A passagem para a Educao Bilnge mais uma mudana de ideologia em

    relao surdez que uma mudana de metodologia tcnica fechada e prefigurada. A

    Educao Bilnge prope o abandono das prticas clnicas ou teraputicas, para

    transformar a educao dos surdos em uma pedagogia socializada, na qual os traos

    sociais da surdez ocupam o centro da ateno e as condies sociocognitivas das

    crianas so tomadas como realidades a partir das quais se deve elaborar um modelo

    educativo.

    A educao tradicional dos surdos tem tendido a assemelh-los cultural e

    lingisticamente aos ouvintes, com resultados muito pobres em seus alcances

    imediatos e, o que mais grave, com forte detrimento da constituio s de sua

    identidade e personalidade (alguns dos aspectos das problemticas de personalidade

    so tratados detalhadamente por Valmaseda, 1987).

    Toda criana surda est chamada a viver em uma situao de bilingismo

    durante toda sua vida (cf. Lucas et al., 1987), no marco de um biculturalismo muitas

    vezes conflitivo. Um sistema educativo realista deve partir deste fato. Acreditamos

    que a possibilidade atual de faz-lo pode responder ao nome de Educao Bilnge-

    Bicultural.

    Em 1986 e 1988 realizamos, em Montevidu (Uruguai) e Mrida (Venezuela),

    respectivamente, o Primeiro e Segundo Encontro Latino-americano de Investigadores das Lnguas de Sinais dos Surdos (com respeito ao primeiro, ver Behares et Col., 1988). Nestes encontros, e em outras atividades semelhantes durante

    os anos de 1988 e 1991, temos, muitos investigadores e docentes sul-americanos, feito

    crescer o convencimento de que a Educao Bilnge , ainda que todavia perfectvel,

    uma realidade que tem permitido recuperar muitos anos perdidos na resoluo de

    como educar aos surdos para que possam integrar-se adequadamente na sociedade

    majoritria em que vivem.

    Para todos ns, a integrao dos surdos um objetivo fundamental, s que

    divergimos do conceito habitual de integrao, derivado da ideologia oralista. certo

    que a Educao Bilnge pode realizar-se com melhores condies em uma escola

    especial (Marchesi, 1987:296), porm isto no implica negar a necessidade da

    integrao, mas aprofundar, segundo acreditamos, o fluxo integrador, ao ter em conta

    os fatores sociocognitivos, antes que a colocao da criana surda em uma aula regular. Esta a por em condies sociais de vincular-se com ouvintes, porm em

    condies sociocognitivas de acesso aos bens culturais de notria inferioridade. Sem

    dvida, esta ltima modalidade da integrao no est totalmente descartada, j que

    pode realizar-se de forma progressiva, e ainda simultnea, de acordo com as

  • 18

    condies e desejos das crianas surdas. Tambm concordamos com Marchesi (cit.)

    em que a incorporao da lngua de sinais na escola integradora no s possvel,

    mas tambm muito interessante. As crianas ouvintes podem adquiri-la com uma

    rapidez e facilidade assombrosas, com um entusiasmo muito marcado, o que facilita a

    tarefa integradora, ao partir de ambos os setores de crianas o interesse pela lngua e

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