estudo sobre surdez - ia

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RONICE MÜLLER DE QUADROS ORGANIZADORA Estudos Surdos I f SÉRIE PESQUISAS

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Autor : Organizadora: Ronice Müller de Quadros Ano de Publicação : 2008 Preço : Distribuição gratuita em versão para download

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  • 1. RONICE MLLER DE QUADROS ORGANIZADORA Estudos Surdos I f SRIE PESQUISAS
  • 2. A Regulamentao da Lei n 10.436 (conhecida tambm como a Lei de Libras) Pesquisas em Estudos Surdos, Ronice Mller de Quadros, nos do a certeza que este trabalho em 22 de dezembro de 2005 ser realizado com muita passar para a histria como um competncia e seriedade. marco positivo na luta pelos A Editora Arara Azul teve a direitos de cidadania dos surdos honra de ser escolhida para brasileiros. participar de uma parte dessa O Decreto 5.626 prev a empreitada, com o apoio insero da lngua de sinais imprescindvel da Universidade como disciplina curricular Federal de Santa Catarina e da obrigatria nos cursos de CAPES. A previso inicial formao de professores para o que sejam lanados quatro exerccio do magistrio, em volumes nos prximos anos. nvel mdio e superior, e como Mas o lanamento deste primeiro disciplina curricular optativa nos deixar claro que pouco... demais cursos de educao Parabns aos participantes do superior e na educao Projeto Educao de Surdos: profissional. Prev tambm a professores surdos, professores formao de profissionais surdos bilnges e intrpretes de lngua e ouvintes para o ensino da de sinais, empenhados na lngua de sinais, assim como a formao e produo de formao e avaliao dos conhecimento sobre surdos, no Intrpretes e Tradutores de s pelo pioneirismo, mas pela Libras, entre outras diversas e capacidade de trabalho em importantes aes. grupo mantendo cada um sua Todos ns que vivenciamos de independncia e linhas de alguma maneira a luta da trabalho individuais! comunidade surda de nosso pas vivemos um momento de grandes expectativas. E de muito trabalho! Cllia Regina Ramos Profissionais como a GERENTE EDITORIAL ARARA AZUL organizadora desta Srie
  • 3. RONICE MLLER DE QUADROS (ORG.) Estudos Surdos I f SRIE PESQUISAS Gladis Dalcin Gladis Perlin Paulo Csar Machado Rachel Sutton-Spence Rossana Finau Sandra Patrcia de Faria Snia Brocharo Dechandt Tania Micheline Miorando Vilmar Silva
  • 4. 2006 by Ronice Mller de Quadros Todos os direitos desta edio reservados EDITORA ARARA AZUL LTDA. Rua das Accias, 20 Condomnio Vale Unio Araras Petrpolis RJ CEP: 25725-040 Tel.: (24) 2225-8397 www.editora-arara-azul.com.br Capa e projeto grfico Fatima Agra Foto de capa Cristina Matthiesen e-mail: [email protected] Em releitura da escultura A Catedral (1908) de Auguste Rodin. Editorao Eletrnica FA Editorao Reviso Cllia Regina Ramos Ronice Mller de Quadros As imagens ilustrativas dos captulos 4 e 8, se encontram em baixa resoluo para impresso por no terem sido produzidas originalmente para essa finalidade. Apoio E85e Estudos surdos I / Ronice Mller de Quadros (org.). [Petrpolis, RJ] : Arara Azul, 2006. 324 p. : 21cm ISBN 85-89002-18-7 1. Surdos Meios de comunicao. 2. Lngua de sinais. 3. Surdos Educao. I. Quadros, Ronice Mller de. II. Srie. CDD 371.912
  • 5. Aos orientadores que tiveram a coragem de aceitar o desafio de orientar sobre o desconhecido. Aos alunos, aos informantes, aos entrevistados surdos, por compartilharem suas experincias possibilitando desconstrues de muitas representaes do outro.
  • 6. Sumrio Apresentao ............................................................................9 Captulo 1 ............................................................................ 14 EDUCAO DE SURDOS: UMA RELEITURA DA PRIMEIRA ESCOLA PBLICA PARA SURDOS EM PARIS E DO CONGRESSO DE MILO EM 1880 Vilmar Silva Captulo 2 ............................................................................ 38 INTEGRAO/ INCLUSO NA ESCOLA REGULAR: UM OLHAR DO EGRESSO SURDO Paulo Csar Machado Captulo 3 ............................................................................ 76 FORMAO DE PROFESSORES SURDOS: MAIS PROFESSORES PARA A ESCOLA SONHADA Tania Micheline Miorando Captulo 4 .......................................................................... 110 POESIA EM LNGUA DE SINAIS: TRAOS DA IDENTIDADE SURDA Ronice Mller de Quadros e Rachel Sutton-Spence Captulo 5 .......................................................................... 166 OUVINTE: O OUTRO DO SER SURDO Gladis Perlin e Ronice Mller de Quadros
  • 7. Captulo 6 .......................................................................... 186 UM ESTRANHO NO NINHO: UM ESTUDO PSICANALTICO SOBRE A CONSTITUIO DA SUBJETIVIDADE DO SUJEITO SURDO Gladis Dalcin Captulo 7 .......................................................................... 216 POSSVEIS ENCONTROS ENTRE CULTURA SURDA, ENSINO E LINGSTICA Rossana Finau Captulo 8 .......................................................................... 252 AO P DA LETRA, NO! MITOS QUE PERMEIAM O ENSINO DA LEITURA PARA SURDOS Sandra Patrcia de Faria 8 f Captulo 9 .......................................................................... 284 A APROPRIAO DA ESCRITA POR CRIANAS SURDAS Snia Brocharo Dechandt
  • 8. Apresentao A Srie Pesquisas em Estudos Surdos uma idia que surgiu no sen- tido de tornar pblicas as investigaes que esto sendo realiza- das na perspectiva dos surdos. As investigaes que esto sendo realizadas no Brasil comeam a apresentar outras possibilidades que vo alm, ou seja, rompem com a mesmidade. Os surdos comeam a ser autores, embora, ainda neste primeiro volume, as pesquisas tenham sido produzidas na sua grande maioria por ou- vintes. Mesmo assim, esses ouvintes esto sensveis aos olhares surdos e chamam a ateno para as perspectivas do outro surdo, buscando abrir espaos na academia para os surdos participarem efetivamente do processo de produo de conhecimento. Nos prximos nmeros da srie, teremos mais pesquisadores surdos, uma vez que vrios deles esto desenvolvendo suas pesquisas e, aos poucos, estaro concluindo suas investigaes. Possivelmen- te, os autores surdos percorrero caminhos que sero descobertos e que nos mostraro a relatividade das questes formuladas e das respostas encontradas aqui. Esta Srie inaugura uma coleo que trar pesquisas que es- to sendo produzidas no campo dos Estudos Surdos. So pesqui- sadores surdos, pesquisadores bilnges e intrpretes de lngua de sinais desconstruindo e construindo saberes. O contexto em que se apresentam tais ensaios, pesquisas e relatos de tenso e, ao mesmo tempo, de conquistas. O projeto Educao de Sur- dos: professores surdos, professores bilnges e intrpretes de lngua de sinais, que est sendo financiado pela CAPES/PROESP
  • 9. (2003-2008), executado na Universidade Federal de Santa Catarina, garante o incio da publicao dessa Srie como resulta- do das pesquisas que esto sendo financiadas nesse projeto. A Srie Pesquisas em Estudos Surdos concretiza a democratizao da produo do conhecimento. Os autores que colaboraram nesta edio esto participando de um processo de formao e produo de conhecimento junto com os surdos. Todos os trabalhos foram produzidos por meio de refle- xo que teve os surdos enquanto alunos, enquanto entrevistados, enquanto informantes... Nesse processo, esses autores desconstruiram mitos, saberes e pensares. Vrios deles passaram a olhar o outro surdo noutra dimenso, a partir da diferena, tendo a prpria pes- quisa como provocadora das desconstrues e construes de ou- 10 tros saberes. Foram pesquisadores que comearam a refletir sobre f muitas das questes que esto sendo debatidas e trazidas para a sociedade no contexto das polticas educacionais e lingsticas no campo dos Estudos Surdos. Estes trabalhos contaram com orientadores que, muitas vezes, desconheciam o povo surdo, mas, mesmo assim, se dispuseram a descortinar tais estudos. Vilmar Silva remonta a histria da educao dos surdos. O autor discute sobre o desmonte provocado pelo Congresso de Milo, chegando anlise da educao de surdos na perspectiva intercultural. De idas e vindas, os surdos se depararam com uma educao definida pelo outro, o ouvinte, sem que sejam conside- radas as diferenas. Atualmente, a educao de surdos est sendo construda na perspectiva dos surdos nos interstcios culturais que se constituem. Paulo Csar Machado traz uma anlise crtica das polticas pblicas de educao de surdos no estado de Santa Catarina. O autor denuncia um sistema que no v o surdo como um cidado
  • 10. com uma lngua prpria, traduzindo a incluso como uma forma hegemnica de oferecer educao para todos. O autor traz narra- tivas de egressos surdos que mostram o olhar do outro diante desse sistema. Nesses sinais, o autor escuta os sentimentos e os sofrimentos dos surdos diante das polticas de integrao/in- cluso que se traduzem em colocar o aluno na rede regular de ensino. Os surdos narram suas experincias e anunciam a escola que os surdos querem. Tania Micheline Miorando tambm nos fala sobre a escola que os surdos querem, ou seja, a escola sonhada pelos surdos. No entanto, a autora se detm na formao dos professores surdos que viabilizam essa escola to sonhada. Esses professores surdos so formados por instituies que desconhecem os surdos. Assim, so profissionais que encontram estratgias especficas para se for- 11 marem enquanto professores surdos para ter uma escola de sur- F dos. Apesar das escolas formadoras serem ouvintes, a escola to sonhada pelos surdos passa a ser uma realidade. No entanto, tor- na-se realidade a partir de caminhos que no se do por meio da formao formal. Ronice Mller de Quadros e Rachel Sutton-Spence apresen- tam uma anlise da produo cultural dos surdos enquanto for- ma de expresso dos aspectos que caracterizam o povo surdo e a cultura em que os surdos esto imersos. H diferentes dimenses exaltadas nas produes culturais surdas, entre elas, celebra-se a lngua de sinais, o estabelecimento dos olhares e a esttica espacial. Essas produes so formas de empoderamento da cultura sur- da. Ao mesmo tempo, os surdos cultuam questes relacionadas com o seu pas. Ronice e Rachel analisam duas poesias, uma bra- sileira e outra britnica, para identificar essas questes. As autoras observam que as formas de expresso relacionadas com o povo
  • 11. surdo so comuns, embora os poetas surdos sejam de diferentes nacionalidades. Nas duas poesias, as autoras apresentam questes relacionadas com a cultura do pas, trazendo elementos especficos das formas de expressar o contedo nas lnguas de sinais, utilizando o olhar, a duplicao das mos, a repetio, entre outros elementos. Gladis Perlin e Ronice Mller de Quadros trazem o velho tema do eu e do outro, como diz Rubem Braga. As autoras nos brindam com essa discusso, trazendo vrios vises dos olhares surdos em relao aos ouvintes. Quem este outro que est a? As autoras buscam possveis respostas para essa pergunta a partir de narrativas dos prprios surdos. Gladis e Ronice buscam romper com a dicotomia surdo e ouvinte, considerando vrios perfis dos 12 outros ouvintes que se deparam com os outros surdos. Nesse pro- f cesso reflexivo, trazem elementos que provocam exerccios de desconstruo. Gladis Dalcin analisa, na perspectiva lacaniana, os surdos con- siderados estranhos nos ninhos, ou seja, os surdos nas suas fam- lias de ouvintes. A autora faz um estudo detalhado dos discursos de surdos que passaram por essa experincia e observa a importncia familiar que a comunidade surda passa a representar na vida des- ses surdos. O contato com o outro surdo d a dimenso que possi- bilita a significao do mundo. Os significados produzidos esto pautados a partir da lngua de sinais, assim essa dimenso no representada no bero familiar, mas sim junto aos outros surdos. Rossana Finau organiza vrios aspectos da lingstica que so muito importantes ao se pensar a educao de surdos. Desde a aquisio da lngua de sinais, at os fatores implicados na educao bilnge so abordados pela autora por meio de uma sntese de
  • 12. vrios estudos realizados at o presente. Essa organizao que a au- tora faz, introduz aspectos relacionados com o letramento que pro- voca reflexes que tm sido debatidas ao longo dos tempos. Tais aspectos sero retomados nos captulos seguintes sob diferentes ticas pelas autoras Sandra Patrcia Nascimento e Snia Brocharo Dechandt. Sandra Patrcia Nascimento nos mostra que as metforas do Portugus e da lngua de sinais muitas vezes no coincidem. Assim, a autora evidencia que ensinar Portugus para surdos exige um pro- cesso diferenciado do ensino dessa lngua em relao ao ensino de lngua materna. A autora mostra vrios exemplos que podem servir de armadilhas lingsticas na produo textual do aluno surdo. 13 Snia Brocharo Dechandt apresenta os nveis de interlngua F que identificou no processo de aprendizagem do Portugus por alunos fluentes em lngua de sinais. A autora observou que os textos produzidos pelos alunos surdos refletem um processo de aprendizagem da lngua portuguesa que, tambm, segue passos observados no ensino de lnguas estrangeiras. No entanto, a auto- ra observa, tambm, que h especificidades que esto relaciona- das s questes visuais. Neste volume, portanto, temos contribuies que inauguram a Srie Pesquisas em Estudos Surdos com estudos que se voltam para a educao com contribuies interdisciplinares, construindo cami- nhos que revem outras trilhas e abrem novas trilhas num campo que est se constituindo no Brasil em diferentes reas de investigao. Ronice Mller de Quadros Coordenadora do Projeto CAPES/PROESP Universidade Federal de Santa Catarina
  • 13. Captulo 1 Educao de surdos: uma releitura da primeira escola Pblica para surdos em Paris e do Congresso de Milo em 1880 VILMAR SILVA O processo pelo qual uma sociedade expulsa alguns de seus membros obriga a que se interrogue sobre o que, em seu centro, impulsiona essa dinmica. Robert Castel
  • 14. Um caminho para a releitura No incio deste sculo, os debates no campo educacional assu- mem os discursos da incluso social, colocando-se em pauta a problematizao desse tema com vistas, entre outras coisas, a se propor uma escola que acolha a todos em suas diferenas. A educao, enquanto cincia, precisa investigar o significado desses discursos e suas conseqncias no contexto educacional. Caso contrrio, interpretaes tendenciosas podero apagar a luta histrica de vrios grupos sociais que vm resistindo subservin- 15 cia ideolgica1 de dominao. F O ato de acolher a todos em suas diferenas no implica numa submisso ao grupo dominante. Os surdos revelam-se como um bom exemplo. Apesar de esmagados pela hegemonia ouvinte que tenta anular a sua forma de comunicao (a lngua de sinais), pro- curando assemelh-los cultural e lingisticamente aos ouvintes, 1 O termo ideologia compreendido neste estudo segundo a concepo de Aranha (1998:26) Conjunto de representaes e idias, bem como nor- mas de conduta por meio das quais o homem levado a pensar, sentir, e agir de uma determinada maneira, [...] Essa conscincia da realidade na verda- de uma falsa conscincia, na medida que camufla a diviso existente dentro da sociedade, apresentando-a como una e harmnica, como se todos parti- lhassem dos mesmos objetivos e ideais.
  • 15. resistem a essa imposio, reivindicando seus direitos lingsticos2 e de cidadania3. Neste texto, pretende-se, luz das reflexes de alguns autores, tais como Snchez (1990), Skliar (1997), Japiassu (1991) entre outros, historicizar4 o processo de incluso dos surdos no espao educacional, atravs de dois fatos considerados determinantes na histria da educao de surdos: a criao da primeira Escola Pbli- ca para Surdos em Paris e o Congresso de Milo, em 1880. A primeira escola pblica para surdos em Paris Historicizar esta temtica a partir de dois fatos considerados determinantes na histria da educao de surdos no um exerc- 16 cio simples, porque, a rigor, a histria do surdo como um ser f mediatizado pela realidade, construda atravs dos tempos, no 2 Quadros (S/D) apresenta os seguintes direitos humanos lingsticos: a) que todos os seres humanos tm direito de identificarem-se com uma lngua materna(s) e de serem aceitos e respeitados por isso; b) que todos tm o direito de aprender a lngua materna(s) completamente, nas suas formas oral (quando fisiologicamente possvel) e escrita (pressu- pondo que a minoria lingstica seja educada na sua lngua materna); c) que todos tm o direito de usar sua lngua materna em todas as situaes oficiais (inclusive na escola); d) que qualquer mudana que ocorra na lngua materna seja voluntria e nunca imposta. 3 O exerccio da cidadania pressupe um envolvimento consciente e atuante de todos os cidados. Para tanto, preciso que os cidados sejam capazes de visualizar os contornos sociais de forma crtica, reconhecendo as diferenas histrica e culturalmente constitudas.
  • 16. pode ser entendida parte, fora das transformaes sociais e do prprio processo histrico. Por isso, poder-se-ia iniciar este estudo a partir da experin- 5 cia que Girolamo Cardano (15011576) realizou e cujo resulta- do rompeu com a viso de que os surdos eram incapazes de aprender6. Segundo Soares (1999:17), Cardano reconheceu pu- blicamente a habilidade do surdo em raciocinar, pois entendia que a escrita poderia representar os sons da fala ou idias do pen- samento; sendo assim, a surdez no seria um obstculo para o surdo adquirir o conhecimento. 4 Severino (1994:12) diz que ao historicizar estamos sendo convidados a pensar o nosso mundo de hoje, pensando a prpria construo desse mun- do pela humanidade. que o mundo, tal qual o conhecemos e vivenciamos 17 hoje, o fruto de um esforo solidrio e concorrente das sociedades que vm formando a humanidade a cada poca da histria. F 5 Soares (1999:17) relata que Cardano, para avaliar o grau de aprendizagem dos surdos, fez sua investigao a partir dos que haviam nascido surdos, dos que adquiriram a surdez antes de aprender a falar, dos que adquiriram depois de aprender a falar e, finalmente, dos que a adquiriram depois de aprender a falar e a escrever. Sua concluso, aps esses estudos, era a de que a surdez no trazia prejuzos para o desenvolvimento da inteligncia e que a educao dessas pessoas poderia ser feita pelo ensino da leitura, que era a forma dos surdos ouvirem, e da escrita, que era a forma deles falarem. 6 Skliar (1997:19-20) menciona que na Grcia, como tambin despus en Roma, la palavra sordo se referia a las cosas en el sentido de falante, de deficien- te, mientras que mudo expresaba a calidad de fealdad, vaco, privado de color. Las dos palavras clssicas para denominar en griego al mudo y al sordo eran enos e kofos. Enos significa mudo y en este sentido fue utilizada por Plato y Aristteles; kofos, referido a las cosas, se refere a vacio, ineficaz, etc. Lo interes- sante de este trmino es que adems fue empleado com el significado de obtusidade, estupidez e deficiencia psquica. [...] Adems del conocimiento de la cultura y la
  • 17. Apesar da relevncia dos resultados da pesquisa para os sur- dos, devido ruptura de uma lgica dominante, o episdio teve pouca repercusso, pois a educao de surdos, na poca, se des- tinava aos filhos de ricos e nobres, que queriam garantir a continui- dade de seus bens materiais no prprio seio familiar, pois o filho surdo, em alguns casos, teria que ter alguns conhecimentos para ad- ministrar os bens da famlia. Um exemplo prtico est na atuao do monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1510-1584)7, que se dedicou educao desses surdos da corte espanhola. Enquanto o monge beneditino se preocupava com a educa- o de surdos ricos e nobres, os surdos que no nasceram em admiracin por la belleza fsica los romanos heredaron de los griegos la nocin 18 filosfica que o pensamiento se desarrolha slo a travs de la palavra articulad y f que la capacidad de hablar es ms bien un hecho institivo que adquirido o aprendido. Por eso se consider absurda la intencin de ensear a hablar a quienes eran naturalmente incapaces de hacerlo y aprenderlo. Com esta concepo e com a leitura que os gregos e romanos tinham do trabalho, v-se o que, provavelmente, restava aos surdos, no dizer de Ponce (1990:40-67): em Esparta os filhos defeituosos ou dbeis eram imolados, porque os interesses da classe proprietria ficariam comprometidos se um lote passasse s mos de um herdeiro incapaz para o manejo das armas. E em Roma o desprezo por todas as formas de trabalho [...] os escultores e os pintores estavam num nvel to inferior como o de qualquer arteso. S se conhece em Roma um jovem nobre que se dedicou a esses misteres: o neto de Messala. Mas essa exceo no pode ser mais eloqente: Messala permitiu que ele aprendesse pintura porque se tratava de uma criana surdo-muda. 7 Soares (1999:21) relata que no se tem conhecimento detalhado da sua metodologia. O que existe so informaes isoladas e Ponce no teria deixa- do nada escrito sobre seu trabalho. A nica coisa que se sabe que ele teria iniciado, primeiro, o ensino da escrita, atravs dos nomes dos objetos e, num momento seguinte, teria passado ao ensino da fala, comeando pelos elementos fonticos.
  • 18. bero de ouro provavelmente estariam no rol dos chamados vaga- bundos8, em situaes de verdadeira misria, pelo isolamento so- cial e pela falta de trabalho. Como bem coloca Castel (1998:140), ao referir-se carta que um controlador geral, na Frana, em 1764, dirigiu aos intendentes com o seguinte conselho: preciso que a jurisdio de prebostes prendam poucos vagabundos e mendigos ao mesmo tempo; talvez at suas diligncias devam voltar-se principalmente para mendi- gos invlidos mais do que para os vlidos porque, como os primeiros no tm o recurso de poder trabalhar, mais difcil impedi-los de mendigar e porque os mendigos v- lidos, que vero prender at mesmo os invlidos, ficaro 19 muito mais apavorados e muito mais depressa se deter- minaro a arrumar uma profisso. F So justamente os surdos vagabundos que viviam nas ruas de Paris que, junto com um ouvinte, o abade LEpe, viabilizam uma mudana drstica, porm, positiva, na histria da educao dos surdos. Esse agrupamento de surdos permitiu a criao da primeira Escola Pblica para Surdos em Paris, em 1760, provavelmente movido pelos fortes ventos que assolavam a sociedade francesa. Esse fato, vinculado histria das instituies de surdos, um 8 Para Castel (1998:139), os dois critrios constitutivos da categoria de vagabundo tornaram-se explcitos: a ausncia de trabalho, isto , a ociosida- de associada falta de recursos, e o fato de ser sem f nem lei, isto , sem pertencimento comunitrio.
  • 19. fato determinante no processo de construo e de expanso da organizao poltica, social e educacional dos surdos no conti- nente europeu e em diversos pases do continente americano. Para compreender a relevncia desse fato na histria da educa- o dos surdos, necessrio perceber que a Frana, no sculo XVIII, era um verdadeiro barril de plvora. Os levantes eram permanen- tes e a pequena burguesia em expanso, apoiada pelos campone- ses e artesos, no admitiam mais as benesses feudais que ainda predominavam na monarquia francesa, principalmente no Pri- meiro e Segundo Estado9. Para a crescente burguesia, os regulamentos, restries e con- tenes do comrcio e da indstria, a concesso de privilgios nobreza e ao clero, os obstculos ao progresso da cincia e as no- 20 vas leis no estavam permitindo a expanso de mercado. Portan- f to, para assegurar seus interesses, a nica alternativa que lhe restava era fazer uma incurso mais forte, ou seja, apoiar os levantes e contribuir para uma mudana poltica na sociedade francesa. nesse cenrio que os membros do Terceiro Estado, campo- neses, artesos e burguesia unem-se, teoricamente, atravs de um 9 Nesse perodo, a Frana era composta basicamente por trs classes sociais. O Primeiro Estado e o Segundo Estado eram formados pelas classes privilegiadas: clero e nobreza. O clero tinha cerca de 130.000 membros, e a nobreza aproximadamente 140.000. O Terceiro Estado era a classe sem privilgios, ou seja, o povo, que na realidade representava mais de 95% da populao dos 25 milhes de franceses. Porm, no Terceiro Estado, as diferenas de riqueza entre os sem privilgios eram enormes. Cerca de 250.000 constituam a burguesia e estavam relativamente bem, em comparao com o restante da populao do Terceiro Estado. Um outro grupo era de artesos e seu nmero se elevava a 2 milhes e meio. E cerca de 22 milhes eram camponeses que trabalhavam na terra. Era com os impostos do Terceiro Estado que o clero e nobreza sobreviviam.
  • 20. denominador comum: acabar com os privilgios do Primeiro e do Segundo Estado. Todos queriam ser alguma coisa, como relata um de seus lderes, o abade Sieys citado por Huberman (1986:150) num folheto popular intitulado: O que o Terceiro Estado? Devemos formular trs perguntas: Primeira: O que o Terceiro Estado? Tudo. Segunda: O que tem ele sido em nosso sistema poltico? Nada. Terceira: O que quer ele? Ser alguma coisa. No processo revolucionrio, enquanto a burguesia fornecia a liderana, os artesos e camponeses lutavam. No entanto, duran- te e aps a luta, apenas a burguesia solidifica seus interesses, am- 21 pliando seu poderio econmico e conquistando a fora poltica F para realizar suas transformaes. Os outros grupos, artesos e camponeses, passam a ser a fora de trabalho e o exrcito de reser- va, principalmente com o deslocamento das pessoas do campo e das oficinas artesanais para as fbricas nas cidades. A concentrao de pessoas nos centros industriais disponibilizou a mercadoria vital ao modo capitalista de produ- o, a fora de trabalho e, ao mesmo tempo, foi determinante para o surgimento e organizao das comunidades surdas. Mas de que forma essas transformaes sociais permitiram a or- ganizao poltica, social e educacional dos surdos? Manacorda (1999:249) relata que, na segunda metade do sculo XVIII, a nova produo de fbrica gera o espao para o surgimento da moderna instituio escolar pblica. Fbrica e escola nascem jun- tas. justamente nesse perodo que se deu a criao da primeira Escola Pblica para Surdos em Paris. A educao, frente s novas
  • 21. relaes sociais impostas pelo meio produtivo, passou a traduzir o interesse da burguesia em ascenso, ao privilegiar, no processo educacional, as artes mecnicas: A especulao e a prtica constituem a principal diferena que distingue as cincias das artes. Em geral, pode-se dar o nome de arte a qualquer sistema de conhecimentos que possvel traduzir em regras [...] Mas assim como existem regras para as operaes da inteligncia ou a alma, assim tambm existem regras para as operaes do corpo [...] Da a distino das artes liberais e mecnicas e a superioridade que se d s primeiras sobre as segundas [...] superioridade que, sem dvida, injusta por muitos motivos (DAlembert, 22 citado por Manacorda, 1999: 240). f Nesse momento histrico, educar todos os homens e reorga- nizar o saber atravs das artes mecnicas so os grandes objetivos da burguesia, de utopistas, reformadores e revolucionrios, pas- sando a ser o eixo estruturante e organizativo das Escolas Pbli- cas. E de novo os interesses da burguesia prevalecem. Os surdos que faziam parte do Terceiro Estado, mesmo que sujei- tos s relaes sociais vigentes, provavelmente como os artesos e camponeses, tambm queriam ser alguma coisa, como bem dis- se o abade Sievs. Partcipes desse cenrio revolucionrio, com transformaes profundas no tecido social, juntam-se ao abade LEpe, talvez por saberem, como ensina Marx (1996:378), que a fora do homem isolado mnima, mas a juno dessas foras mnimas gera uma fora total maior do que a soma das foras reunidas e, nessa juno de foras, criam a primeira Escola P- blica para Surdos em Paris.
  • 22. No convvio com os surdos, o abade LEpe percebe que os gestos cumpriam as mesmas funes das lnguas faladas e, por- tanto, permitiam uma comunicao efetiva entre eles. E assim inicia-se o processo de reconhecimento da lngua de sinais. No apenas em discursos, mas em prticas metodolgicas desenvolvi- das por ele na primeira Escola Pblica para Surdos em Paris. Alm disso, para o abade, os sons articulados no eram o essencial na educao de surdos, mas sim a possibilidade que tinham de apren- der a ler e a escrever atravs da lngua de sinais, pois essa era a forma natural que possuam para expressar suas idias. A lngua utilizada no processo educativo era a de sinais. interessante realar que, nessa poca, a educao de surdos tinha os mesmos objetivos que a educao dos ouvintes, ou seja, o acesso leitura. Para o abade, a comunicao em sala de aula se efetivava graas ao 23 domnio que ambos, professores e alunos, tinham da lngua de F sinais. Portanto, no se justificava poucos alunos surdos nesse es- pao, mas sim classes com a mesma arquitetura das escolas pbli- cas para ouvintes. Sendo a lngua de sinais a essncia no processo pedaggico, os resultados alcanados no se restringiam ao pequeno crculo de alunos contemplados no trabalho do monge beneditino Pedro Ponce de Leon. Skliar (1997:31) relata que, em 1850, a propor- o de surdos professores de crianas surdas alcanava o ndice de 50%. Alm disso, enfatiza: Los estudiantes sordos eran alfabeti- zados e instruidos en la misma proporcin que los oyentes. Na Es- cola Pblica para Surdos em Paris, aps cinco ou seis anos de formao, os surdos dominavam a lngua de sinais francesa, o francs escrito, o latim e uma outra lngua estrangeira tambm de forma escrita. Alm da leitura e da escrita em trs lnguas distintas, os alunos surdos tinham acesso aos conhecimentos de
  • 23. geografia, astronomia, lgebra, etc., bem como artes de ofcio e atividades fsicas. Ainda, conforme Skliar (1997:27), para sensibilizar a comu- nidade parisiense, o abade tinha como prtica fazer demonstra- es pblicas anuais para mostrar a relevncia de seu mtodo. Para tanto, convidava educadores e filsofos para a apresentao. Nessas demonstraes, os alunos surdos deviam responder du- zentas perguntas do tipo: O que se pensava sobre a terra antes de Coprnico? Devido ao giro da Terra em torno de si mesma, que fenmenos podemos observar? E essas perguntas deveriam ser res- pondidas em latim, francs e/ou italiano. Alm do reconhecimento da lngua de sinais no processo pe- daggico, a Escola Pblica para Surdos em Paris tinha como eixo 24 orientador a formao profissional, cujo resultado era traduzido f na formao de professores surdos para as comunidades surdas e a formao de profissionais em escultura, pintura, teatro e artes de ofcio, como litografia, jardinagem, marcenaria e artes grficas. Snchez (1990:54) destaca que a divulgao dos trabalhos do abade LEpe e a adoo de seu mtodo pedaggico em muitas escolas pblicas, geralmente com a coordenao direta de ex-alu- nos da Escola Pblica para Surdos em Paris, permitiram aos surdos, no s da Frana, mas tambm em pases como Rssia, Escandinvia, Itlia e Estados Unidos, a possibilidade de destacarem-se e ocupa- rem cargos importantes na sociedade de seu tempo. No processo de expanso e organizao das comunidades sur- das se verifica, depois de um sculo da criao da Escola Pblica para Surdos de Paris, na Europa, a organizao de vrias associa- es de carter sindical. A sociloga Widell, citada por Carvalho (1992:20-26), mostra que, em 1866, um grupo de artesos fun- dou a Associao dos Surdos-Mudos em Copenhague, devido
  • 24. influncia de uma Associao de Surdos de Berlim. O objetivo principal das associaes era de manter a qualidade de vida dos surdos em caso de doena, morte e desemprego, alm de oferecer conferncias nas mais diversas reas do conhecimento. Apesar das caractersticas especficas da comunidade surda, as associaes tinham uma forma de organizao poltica semelhan- te dos ouvintes. Segundo a sociloga, a fotografia dos fundado- res da associao de Copenhague mostra um grupo de orgulhosos cidados com razes numa forte tradio de profissionais especializados e educados na lngua de sinais. Os surdos dessa entidade desenvolviam atividades profissionais nas mais diversas reas da arte de ofcio, buscando caracterizar no trabalho a sua experincia visual. Na posio de trabalhadores, os surdos conseguem professo- 25 res bem qualificados para o Instituto de Surdos-Mudos em Co- F penhague e, discutindo com os lderes da comunidade de ouvintes, intervinham e propunham mudanas sociais, principalmente no campo do trabalho e da educao de surdos. Trabalhar com ofcio10 era um ato singular e, por experin- cia, os surdos sabiam bem. A propsito, Aued (1999:28) deixa claro que as mos individualizam as pessoas. As mos hbeis ge- ram homens diferentes e artes singulares. Nessa poca, sem dvi- da, a caracterstica mos hbeis, que se concretiza no reconhecimento da lngua de sinais e na arte de ofcios, a mola propulsora da insero dos surdos na educao e no mundo do trabalho. 10 Para Aued (1999:27), os ofcios dizem respeito ao tempo [...] que predo- minava o fazer com as mos [...] O mundo do fazer com as mos marcado pela presena singular do mestre e da transferncia do seu saber para o aprendiz.
  • 25. O Congresso de Milo em 1880 O Congresso de Milo, realizado no perodo de 06 a 11 de se- tembro de 1880, reuniu cento e oitenta e duas pessoas, na sua ampla maioria ouvintes, provenientes de pases como Blgica, Frana, Alemanha, Inglaterra, Itlia, Sucia, Rssia, Estados Uni- dos e Canad. O objetivo foi discutir a educao de surdos e ana- lisar as vantagens e os inconvenientes do internato, o perodo ne- cessrio para educao formal, o nmero de alunos por salas e, principalmente, como os surdos deveriam ser ensinados, por meio da linguagem oral ou gestual. Nesse Congresso, que no momento da deliberao no conta- va com a participao nem com a opinio da minoria interessada 26 os surdos -, um grupo de ouvintes imps a superioridade da f lngua oral sobre a lngua de sinais e decretou que a primeira deveria constituir o nico objetivo do ensino. A discusso foi ex- tremamente agitada e, por ampla maioria, o Congresso declarou que o mtodo oral, na educao de surdos, deveria ser preferido em relao ao gestual, pois as palavras eram, para os ouvintes, indubitavelmente superiores aos gestos. Skliar (1997:45) cita o conjunto de resolues votadas no Congresso que demonstram a substituio da lngua de sinais pela lngua oral na educao de surdos: I Considerando la indudable superioridad de la palabra sobre los gestos para restituir al sordomudo a la lengua, el Congresso declara que o mtodo oral deve ser preferido al de la mmica para la educacin e instrucin de los sordo-mudos. II Considerando que el uso simultneo de la palabra y de lo gestos mmicos tiene la desventaja de daar la palabra, la lectura
  • 26. sobre los lbios y la precisin de las ideas, el Congresso declara que o mtodo oral debe ser preferido [...] Desde ento, na maioria dos pases, at os nossos dias, deci- de-se pelo predomnio de uma nica equao, segundo a qual a educao dos surdos se reduz lngua oral. Para justificar a deliberao do Congresso, que foi determinante na histria da educao de surdos, no podemos argumentar que o processo pedaggico estava com problemas e precisava ser mo- dificado. Pelo contrrio, a educao pblica para surdos atravs das lnguas de sinais, como vimos anteriormente, vinha alcanan- do seus objetivos e conquistando seu espao nas mesmas condi- es dos ouvintes. Portanto, dentro desse quadro, pode-se levantar 27 a seguinte questo: que razes foram engendradas ao longo da F histria da humanidade que autorizaram cento e sessenta e qua- tro pessoas ouvintes a decidirem o rumo da educao de surdos? Para Skliar (1997:50), as razes dessa posio estavam vincu- ladas a questes polticas, filosficas e religiosas: Los polticos del estado italiano aprobaron el mtodo oral por- que facilitaba el proyecto general de alfabetizacin del pas, eliminando un factor de desviacin lingstica la lengua de seas en un territrio que buscaba incessantemente su unidad nacional y, por lo tanto, lingstica. Las cincias humanas y pedaggicas legitimaron la eleccin oralista pues respetaban la concepcin filosfica aristotlica que la sustentaba: el mundo de las ideas, de la abstraccin y de la razn, en oposicin al mundo de lo concreto y de lo material, reflejados respectiva- mente en la palabra y en el gesto. El clero, finalmente, justific
  • 27. la eleccin oralista a travs de argumentos espirituales y confessionales. No entanto, acredita-se que, alm das questes levantadas por Skliar, o posicionamento do Congresso pode ser analisado pelo paradigma homem-mquina da cincia moderna. A cincia moderna que se evidenciou no sculo XVII postula que todos os fenmenos naturais podem ser explicados a partir da matria em movimento e que o universo uma mquina, cujo sistema de funcionamento mecnico e trabalha da mesma for- ma que as engrenagens de um relgio. O objetivo da cincia, nesse paradigma, descobrir as leis que determinam o movimen- to dos fenmenos. Analisando, os filsofos modernos chegaram 28 concluso de que o universo uma mquina complexa cujos ele- f mentos vitais so a matria e a energia. Conforme Japiassu (1991:91-111), no incio do sculo XVII que se afirma o novo campo epistemolgico da teoria fsica. As leis de Kepler j definem, em termos matemticos, um primeiro ncleo de inteligibilidade rigorosa, muito embora ele permanea prisioneiro dos esquemas mentais astrolgicos. O grande nome o de Galileu. ele quem inscreve a nova linguagem matemtica num universo cada vez mais liberto de preocupaes mticas. O universo no mais povoado de anjos nem tampouco de dem- nios. Galileu ousa olhar para os cus sem a lente da f. A preocu- pao fundamental de Galileu consiste em decifrar o universo. Todas as suas concluses fazem com que os astros percam a sua divindade e, conseqentemente, o esquema reinante do universo tende a desaparecer. O espao mtico dos cus torna-se um es- pao fsico, no qual as revolues siderais se transformam num
  • 28. sistema mecnico, cujos movimentos podem ser calculados. Tam- bm demonstrada a unidade da mecnica celeste e terrestre, ou seja, os mesmos princpios e as mesmas leis fazem autoridade tanto nos cus quanto na terra. A esttica e a dinmica explicam tanto o repouso quanto o movimento. O mundo, despojado de seus atributos sobrenaturais, converte-se no objeto de uma ci- ncia rigorosa. O conjunto dessas aquisies define o novo modelo de com- preenso do mundo, correspondendo interpretao mecanicista da realidade. Assim, o aparecimento do mecanicismo consagra o nascimento da nova cincia. A concepo mecnica do universo e da natureza se elabora graas s pesquisas experimentais. Um dos grandes mritos dos mecanicistas do sculo XVII foi o de ter afirmado que a matria perfeitamente inerte e desprovi- 29 da de toda e qualquer propriedade misteriosa ou de foras ocul- F tas. Tais fenmenos ocultos passam a ser explicados por razes mecnicas. Para Descartes11 citado por Japiassu (1991:99-100), o corpo perde seus mistrios e pode ser explicado cientificamente: O mundo composto de matria como maneira de uma mquina. Nosso corpo tambm deve ser concebido como uma mquina. O verdadeiro uso da mquina que pode- 11 Ren Descartes(1596-1650) fez seus estudos no Colgio Jesuta de La Flche. Cursou direito em Poitieres, mas ps-se procura de novos conhecimentos, buscando reunir os saberes da fsica, matemtica e filosofia. Resgata a metafsica em novas bases, de modo a poder conciliar suas verdades funda- mentais com os novos conhecimentos da cincia nascente sobre o mundo e sobre o homem. Morre na Sucia em 1650, vitima de pneumonia.
  • 29. mos ver nela, no somente cada pea que compe, mas so- bretudo seu prprio funcionamento. Em outras palavras, com o modelo da mquina, o inteligvel se torna visvel. O mecanicismo cartesiano permite explicar o que conheci- do por aquilo que no pode ser conhecido. Nos rgos cor- porais, como em uma mquina, a finalidade instituda por aquele que concebeu e sentida por aquele que dela se serve. Os rgos corporais so, pois, comparveis s engre- nagens de uma mquina que no possuem neles mesmos nenhuma disposio natural para se unir uns aos outros. A comparao do corpo com uma mquina, notadamente como um relgio, no insinua que a natureza do corpo seja a de uma mquina, mas que o corpo no possui uma natu- 30 f reza, isto , um conjunto de propriedades especficas e ine- rentes a ele. Portanto, no a alma que anima o corpo que Deus constituiu. Donde sua suposio dos animais-m- quinas: os animais e os corpos dos homens so como m- quinas, porque no pensam e agem como autmatos. Descartes considerava os corpos humanos como mquinas, to mecnicos quanto os fenmenos da natureza. Para ele, o corpo humano torna-se um corpo entre outros corpos. Essa concepo deu margem ao desenvolvimento da medicina que, doravante, comea a se desvincular dos mitos cosmolgicos. O paradigma homem-mquina torna-se o novo mito. Essa idia encanta os filsofos e os cientistas da poca. O novo estilo atesta o triunfo da cincia experimental atravs da dessacralizao do macrocosmo que, utilizando a mesma lgica, tambm se aplica ao microcosmo do organismo. Um mesmo procedimento passa a
  • 30. dar conta dos corpos celestes e dos seres vivos. O funcionamento do corpo humano se explica em virtude das mesmas normas que justificam a trajetria dos astros nos cus. Descartes via na deter- minao desse modelo o fundamento do empreendimento tcni- co, graas ao qual o homem se tornar mestre e possuidor dos conhecimentos que regem o universo, a natureza e o corpo. Com a base cientfica que separa o corpo da alma, o senti- mento antigo, no qual manipulao de cadveres era considera- da um sacrilgio, cede lugar a um pensamento novo em que o corpo era apenas uma mquina. Sendo assim, segundo Descartes, aquele que se dedicasse ao estudo direto do corpo humano pode- ria conhecer o seu perfeito funcionamento. Desde o sculo XVII at o Congresso em Milo, a crena no paradigma homem-mquina, engendrada pela cincia moderna, 31 vai excluindo os surdos do processo educativo e transformando-os F em deficientes. Simultnea e contraditoriamente, o surdo que se expande e se organiza poltica e socialmente vai se tornando, ao mesmo tempo, objeto de pesquisa para a medicina, uma vez que, no novo paradigma, a surdez uma anomalia orgnica e, portan- to, sujeita cura. Nesse processo de transferncia de concepo de trabalha- dor para deficiente -, o surdo perde o direito de vender a sua fora de trabalho e passa a depender das habilidades e dos instrumen- tos do mdico para curar aquilo que lhe falta: um dos sentidos mais importantes, na perspectiva dos ouvintes, a audio. A concepo, vinculada ao paradigma homem-mquina, pas- sa a representar o surdo a partir de uma viso estritamente rela- cionada com a patologia, ou seja, com o dficit biolgico. nesse momento histrico que os surdos passam a serem excludos da escola e do mundo do trabalho e obrigados a transitar no mbito da
  • 31. medicina. Esse processo passou a ser chamado por alguns autores como medicalizao da surdez (Skliar, 1997; Snchez, 1990). Na educao, a concepo medicalizada da surdez manifesta- se, de forma embrionria, com o mdico holands Johann K. Amman (1669-1724). Para atingir seus interesses religiosos, Amman tinha como objetivo, na educao de surdos, a articula- o das palavras atravs de procedimentos de leitura labial com o uso do espelho, para que os surdos imitassem mecanicamente os movimentos da lngua falada. Embasados nos ideais da cincia mecanicista que aventava a cura audiolgica, inicia-se, com Amman, a cura da fala, o que Snchez (1990:50) chama de a pedagogia corretiva. O surdo, 32 f entonces, va ser rechazado por sua condicin de tal, y la pedagoga ser la va por la qual se intentar no educarlo, sino corregir-lo. [...] La preocupacin de los maestros, la meta de la educacin, no ser ya ms la transmissin de conocimientos y valores de la cultura, para lo qual se procuraba que el sordo dominasse el lenguagem, sino enderezar a quines son vistos como deformados. La enseanza del habla ocupa el lugar de toda educacin, se convierte en el medio y el fin de la rehabilitacin del sordo, el rescate de su sordera, para encauzarlo por el camino recto, el de la gente normal. A proposta pedaggica de Amman teve continuidade com o mtodo oralista de Samuel Heinecke (1729 1784), fundador e diretor da primeira escola pblica para surdos na Alemanha. Ele
  • 32. afirmava publicamente que nign outro mtodo puede compararse com el que yo he inventado y practico, por que el mo se basa por entero en la articulacin del lenguaje oral (Skliar, 1997:30). Nesse sentido, a educao de surdos a partir de sua experin- cia visual, gradativamente, com a consolidao da cincia mecanicista, vai perdendo seu valor. Os ideais da medicina fun- damentada no paradigma homem-mquina gera, nos familiares e na maioria dos profissionais ouvintes que trabalham na educao de surdos, a expectativa de solucionar rapidamente as questes da surdez, ou seja, transformar o surdo em ouvinte pela cura de seu dficit biolgico. Diante da concepo medicalizada da surdez, as escolas pou- co a pouco so transformadas em salas de tratamento. As estrat- 33 gias pedaggicas passam a ser estratgias teraputicas. Os F professores surdos so excludos e incluem-se os profissionais ou- vintes. Os trabalhos pedaggicos coletivos so transformados em terapias individuais e, o que mais grave, a partir dessa concep- o entendeu-se que a surdez afetaria, de modo direto, a compe- tncia lingstica dos alunos surdos, estabelecendo assim uma equivocada identidade entre a linguagem e a lngua oral. Dessa idia se infere a noo de que o desenvolvimento cognitivo est condicionado ao maior ou menor conhecimento que tenham os alunos surdos da lngua oral. Assim, materializam-se as condies para que o Congresso de Milo, em 1880, aprove e efetive em quase todo o mundo a concepo oralista na educao de surdos.
  • 33. Iniciando uma outra leitura: a interculturalidade O ato de historicizar o processo de incluso dos surdos no espao educacional, atravs dos dois fatos considerados determinantes na histria da educao de surdos, dentre outras coisas, permitiu compreender que o discurso atual de se propor uma escola que acolha a todos em suas diferenas pode ser visto no mnimo de duas formas. Uma delas atravs da viso medicalizada da surdez com a pedagogia corretiva (Congresso de Milo), que pode ser exemplificada com uma fala da entrevista da professora Maria Teresa Mantoan, em maio de 2005, concedida revista Nova Escola: 34 f at positivo que o professor de uma criana surda no saiba libras [sic], porque ela tem que entender a lngua por- tuguesa escrita. Ter noes de libras [sic] facilita a comuni- cao, mas no essencial para a aula. A outra atravs do reconhecimento poltico da surdez (Escola Pblica para Surdos em Paris), como proposto pela pro- fessora Candau (2003:5) na perspectiva intercultural de educa- o, entendendo que: A interculturalidade orienta processos que tm por base o re- conhecimento do direito diferena e luta contra todas as for- mas de discriminao e desigualdade social. Tenta promover relaes dialgicas e igualitrias entre pessoas e grupos sociais que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os con- flitos inerentes a esta realidade.
  • 34. A incluso dos surdos no contexto educacional, atravs do deslocamento da viso medicalizada da surdez para o seu reco- nhecimento poltico, tendo por base a interculturalidade, revela uma possibilidade de se construir projetos polticos-pedaggicos que tenham como foco o fascinante mundo do conhecimento produzido pelas diversas culturas que compem a sociedade bra- sileira e mundial, dentre elas a cultura surda. 35 F
  • 35. Referncias ARANHA, M.L. de A. Filosofia da educao. So Paulo: Moderna,1989. AUED, Bernardete Wrublevski. Histria de profisses em Santa Catarina: ondas largas civilizadoras. Florianpolis: Ed. Do Autor, 1999. CASTEL, R.. As metamorfoses da questo social: uma crnica do salrio. Petrpolis: Vozes, 1998. CANDAU, Vera Maria. Educao Intercultural no Contexto Brasileiro: Questes e Desafios. In: II Seminrio Internacional: Educao Intercultural, Gnero e Movimentos Sociais. Forianpolis, 8 a 11 de abril de 2003. (Mimeo). CAVALCANTI, Meire. Incluso o privilgio de conviver com as diferenas. In: A Revista do Professor: Nova Escola. So Paulo, n 182, maio/2005. 36 CARVALHO, J. G. As fases histricas da cultura surda. In: GELES. Rio de f Janeiro: Babel, 1992. n.6, ano 05. HUBERMAN, L. Histria da riqueza do homem. 21. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1986. JAPIASSU, H. As paixes da cincia. So Paulo: Letras & Letras, 1991. MACHADO, P. C. Movimentos sociais surdos e educao: tecendo coment- rios sobre a proposio da abordagem bilnge para surdos. In: LINHAS. Florianpolis: UDESC, 2005. (Prelo). MARX, K. O capital. Rio de Janeiro: Civilizao, 1968. Liv. 1, vol. 1. MANACORDA, M. A. Histria da educao: da antigidade aos nossos dias. 7. ed. So Paulo: Cortez, 1999. PONCE, A. Educao e luta de classes. 10. ed. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1990. (Coleo Educao Contempornea) QUADROS, R. M. O papel das lnguas na educao de surdos: consideraes para diretrizes de ensino. Porto Alegre. S/D. Mimeo. SEVERINO, A. J. Filosofia. So Paulo: Cortez, 1994. (Coleo Magistrio 2 Grau. Srie Formao Geral).
  • 36. SNCHEZ, C. M. La increible y triste historia de la sordera. Caracas: Editorial Ceprosord, 1990. SKLIAR, C. La educacin de los sordos: una reconstruccion histrica, cognitiva y pedaggica. Mendona: EDIUNC, 1997. SKLIAR, C. (Org.). Surdez: um olhar sobre as diferenas. Porto Alegre: Me- diao, 1998. SOARES, M. A. L. A educao do surdo no Brasil. Campinas: Autores Associados/Bragana Paulista, 1999. 37 F
  • 37. Captulo 2 Integrao / Incluso na escola regular: um olhar do egresso surdo PAULO CSAR MACHADO12 1 Mestre em Psicopedagogia e pesquisador do Ncleo de Estudos e Pesquisa em Educao de Surdos (NEPES) do Centro Federal de Educao Tecnolgica de Santa Catarina CEFET/SC.
  • 38. Introduo Mas que no se percam os esforos. A inaugurao de uma nova etapa histrica no significa que todos os problemas sejam resolvidos. Em seguida se ver a realidade e funcionamento do modelo bilnge (...) Mas nesse processo que se inicia teremos os surdos como protagonistas e poderemos dialogar com eles num plano de igualdade, unidos por vnculos solidrios na construo de um futuro melhor para todos. Carlos Snchez A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao do Brasil (Lei n 9394/96), prescreve que as crianas portadoras de necessidades educativas especiais13 devem ter sua escolaridade atendida, fun- damentalmente, pela escola regular, de modo a promover sua integrao/incluso.14 Entretanto, diante do contexto escolar em que vivemos, esse processo de integrao/incluso, por mais bem 13 O termo portador de necessidades educativas especiais (PNEE) est sendo utilizado pelo Ministrio de Educao MEC para identificar as pessoas que precisam receber educao diferenciada, em virtude de suas necessida- des educativas especiais (MEC/SEESP-1994). 14 Ao optar-se por utilizar o termo integrao/incluso neste estudo, no signi- fica que estejam sendo entendidos como um nico processo, mas que, neste incio de sculo, vive-se a fase de transio entre a integrao e a incluso. Conforme Sassaki (1997:43): Portanto, compreensvel que, na prtica,
  • 39. elaborado que seja, tem apresentado dificuldades em sua implan- tao pela instituio escolar. Ou seja, mesmo diante da obrigatoriedade gerada pela poltica educacional atual, muitos educandos surdos encontram-se margem da escola. Alguns es- to includos em classes regulares e poucos conseguem perma- necer no sistema. Entretanto, so grandes as expectativas geradas na sociedade, na famlia, e por vezes at no prprio surdo sobre as condies da escola em relao a esse processo, e exige-se que ela extrapole seus limites sem ter a estrutura curricular para tanto. Skliar (1996:3) se refere a esse assunto ao refletir sobre a situao da escola regular: La escuela comn tiene delante de s una ley, unas evaluciones 40 y aulas disponibles pero sobre todo, tienen delante de si a un f nio o grupo de nios com necesidades especiales que esperan, junto a sus padres, la garantia prctica de la integracin. Por esse vis, a educao de surdos torna-se um assunto inquie- tante, principalmente porque diferentes prticas pedaggicas, en- volvendo os alunos surdos, apresentam uma srie de limitaes, geralmente levando esses alunos, ao final da escolarizao bsica, a no serem capazes de desenvolver satisfatoriamente a leitura e a es- crita na lngua portuguesa e a no terem o domnio adequado dos contedos acadmicos (Lacerda, 1989). Essas constataes tm sido abordadas por uma srie de autores que pesquisam a realidade escolar do surdo no Brasil, atravs de diferentes enfoques. Para citar ambos os processos scio-educacionais coexistam por mais algum tempo, at que, gradativamente, a integrao esmaea e a incluso prevalea.
  • 40. alguns exemplos, destacam-se: as questes lingsticas e cognitivas do surdo, por Eulalia Fernandes (1990, 2000), Lucinda F. Brito (1993) e Ronice M. Quadros (1997); alguns caminhos possveis para a prtica pedaggica no processo de alfabetizao da criana surda e suas relaes com os pares ouvintes, por Maria C. R. de Ges (1999) e Regina M. de Souza (1998); a avaliao das polticas p- blicas na educao de surdos, por Carlos Skliar (1995, 1997a., 1999a, 2001), entre outros. A questo no est em recusar, a priori, tentativas de insero dos excludos (entre eles, o surdo) na escola. Parece que se superficializa a temtica sobre o processo de integrao/incluso do surdo na escola regular, quando se limita o que sejam as aes necessrias para sua integrao/incluso, ao fato de coloc-los fisicamente nas escolas re- 41 gulares, optando-se por modelos pedaggicos que expressam a he- rana que a instituio, direta ou indiretamente, deixou para os F educadores atuais um modelo clnico, oralista15 e assistencialista na educao de surdos. Esse modelo ainda hegemnico, em sntese, pauta-se por uma atitude normalizadora em que as diversas for- mas de educao de surdos tm a inteno de ouvintizar16, ou seja, de faz-los parecer como ouvintes. 15 A idia central do oralismo que o deficiente auditivo sofre de uma patologia crnica, traduzida por leso no canal auditivo e/ou rea cortical que, obstaculizando a aquisio normal da linguagem, demanda inter- venes clnicas de especialistas, tidos como responsveis quase nicos por restituir a fala a esse tipo de enfermo (Souza, 1998:04). 16 Neologismo que vem sendo empregado pelo Professor Carlos Skliar para designar a viso normalizadora acerca das pessoas surdas (Skliar, 1998).
  • 41. Um olhar atento ao que acontece na escola regular quando se aprecia o trabalho com aluno surdo, numa primeira impresso, revela a adeso, por parte da instituio, filosofia oralista, sem questionar se existem outras possibilidades para a educao de surdos, constatando-se um absoluto desconhecimento acerca da causa. Parece haver um consenso mudo, por exemplo, sobre o fato de que, se todos falam, esse estudante deve tambm falar. Tal situao nos remete a refletir sobre questes como: Qual concep- o e/ou representao da surdez est subjacente a essa postura escolar frente ao aluno surdo? Qual o olhar do surdo em relao ao processo de integrao/incluso? A escola integracionista/inclusivista, nessa perspectiva, en- tendida como espao de consenso e de tolerncia para com os 42 diferentes. A experincia do surdo no cotidiano escolar, ao lado f dos colegas ouvintes, seria assim vista como elemento integrador. como se, para o aluno surdo, fosse mais importante a convivn- cia com os colegas normais do que a prpria aquisio de conhe- cimento mnimo necessrio para a sua, a sim, possibilidade de integrao social (Souza & Ges, 1999). Aproximando o estudo de alternativas institucionais aprendi- zagem do surdo, este trabalho filia-se a um segmento do pensamento pedaggico (Carlos Skliar, Carlos Snchez, entre outros) que coloca as questes referentes aos surdos num novo campo terico intitulado Estudos Surdos em Educao17. Nesse campo, apresentam-se novos 17 Esse novo campo de estudo se constitui, segundo Skliar (1998:5), en- quanto um programa de pesquisa em educao, em que as identidades, as lnguas, os projetos educacionais, a histria, a arte, as comunidades e as culturas surdas so focalizadas e entendidas a partir da diferena, a partir do seu reconhecimento poltico.
  • 42. padres tericos de educao, numa perspectiva de superao nos campos institucional, social e cultural, que possibilitem ao surdo resgatar sua cultura e seu papel poltico na construo de uma edu- cao em que a cultura surda seja realmente reconhecida. Para tanto, optou-se por um trabalho investigativo, cuja pers- pectiva se volta para o egresso surdo da escola regular. Nesta pes- quisa, buscou-se resgatar e analisar as vivncias escolares dos alunos surdos no contexto educacional, atravs de entrevista realizada mediante um roteiro18 semi-estruturado, identificando os poss- veis paradigmas do atendimento ao aluno surdo nas escolas regu- lares (de ouvintes). Nesse sentido, o presente estudo procurou dar visibilidade condio do estudante surdo no processo de implantao da po- ltica de integrao/incluso. A partir deste objetivo, investigou- 43 se a sua vivncia no processo de escolarizao com base em seus F 18 Roteiro da entrevista abordando a Integrao/Incluso do Aluno Surdo na Escola Regular: 1. A partir de suas vivncias no ensino fundamental e mdio, qual sua opinio sobre os enfoques: a modalidade de ensino (escola regular oralismo ); os servios especializados para atendimento ao estudante surdo; a percepo do surdo pelos professores, alunos e funcionrios (como viam). Voc poderia dar um exemplo? 2. Pensando no processo de ensino-aprendi- zagem, o que voc destaca sobre: a formao dos professores e especialistas para trabalhar com os alunos surdos; a adequao para atender ao aluno surdo quanto aos procedimentos didticos e aos instrumentos e critrios de avalia- o; 3. Com relao s disciplinas (contedos) que cursou, voc considera que elas atendiam s especificidades do aluno surdo? Por qu? 4. Na sua com- preenso, haveria outras disciplinas relevantes para a comunidade surda? 5. O ndice de evaso escolar do aluno surdo alto, segundo os dados do MEC, no entanto voc concluiu o ensino mdio. A que voc atribui a concluso de seus estudos?
  • 43. depoimentos, enfocando trs temas19 centrais: A interao atravs da Lngua de Sinais e da Lngua Portuguesa, Integrao/Incluso do aluno surdo na escola regular e Abordagem bilnge e apren- dizagem do surdo. Entretanto, para esse artigo, priorizou-se o tema Integrao/Incluso do aluno aurdo na escola regular. A pesquisa foi realizada na Grande Florianpolis (mais espe- cificamente nos municpios de Florianpolis e So Jos), junto ao Ncleo de Educao Profissional para Surdos (NEPS) do Centro Federal de Educao Tecnolgica de Santa Catarina Unidade de Ensino de So Jos. A importncia de se investigar a Integrao/Incluso do alu- no surdo na escola regular est na urgncia de se ouvir os usurios do sistema educacional para garantir propostas curriculares capa- zes de atender, realmente, s peculiaridades de aprendizagem de 44 f seus alunos, criando-se caminhos mais ajustados s necessidades escolares dos estudantes surdos. Num primeiro momento, utilizou-se um questionrio indi- vidual que foi aplicado aos alunos matriculados no Curso de Pedagogia para Surdos da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),20 vinculado Coordenadoria de Educao 19 Esses temas foram criados e analisados na pesquisa do autor deste captulo: Machado, Paulo Csar. A poltica de integrao/incluso e a aprendizagem dos surdos: um olhar do egresso surdo sobre a escola regular. Florianpolis, SC, 2002, Dissertao de Mestrado, Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Programa de Ps-graduao em Psicopedagogia, sob a orientao da Professora Doutora Maria da Graa Bollmann 20 O Curso de Pedagogia para Surdos um projeto piloto em processo de implantao desde maro de 2002, sendo idealizado pela comunidade sur- da da Grande Florianpolis, profissionais que trabalham na educao de surdos e a UDESC. A participao do pesquisador entre esses profissionais facilitou a viabilizao desse estudo.
  • 44. Distncia (CEAD). Do conjunto de 34 surdos que responderam ao questionrio, foram selecionados quatro participantes, com idade entre 26 e 38 anos, dois do sexo feminino e dois do sexo masculino. Para apresentao dos depoimentos, cada participan- te foi representado pela letra P seguida por um nmero, ficando assim designados: P1, P2, P3 e P4. Os quatro participantes freqentaram a sala de recursos21, trs deles durante o ensino fundamental e um durante o ensino mdio. Ao indicarem a sala, referiam-se Fundao Catarinense de Educao Especial (FCEE) e ao Instituto de Audio e Tera- pia da Linguagem (IATEL). P2 e P3, durante o ensino mdio, tiveram outros atendimentos, voltados aos alunos surdos, ofere- cidos pela escola que freqentaram. Todos os participantes atu- am na comunidade surda; vinculados Associao de Surdos de 45 Florianpolis ou de So Jos, representam a comunidade surda F em entidades diferenciadas (Conselhos, Fruns e outros) e mi- nistram cursos relacionados cultura surda. Integrao/Incluso do aluno surdo na escola regular Para o estudo interpretativo do olhar do egresso surdo sobre sua integrao/incluso na escola regular e os depoimentos dos parti- cipantes, partiu-se de dois subtemas: a implantao da poltica de integrao/incluso e a crtica do surdo ao currculo da escola regular. 21 No documento Diretrizes e aes para a educao de surdos em Santa Catarina (2000), a FCEE define a Sala de Recursos como Modalidade de atendi- mento do Ensino Regular destinada a atender a diversidade ao longo do processo educativo, buscando alternativas pedaggicas para a apropriao e produo do conhecimento.
  • 45. A implantao da poltica de integrao/incluso A educao dos alunos com necessidades educativas especiais tem sido discutida, na atualidade, com base na perspectiva da integrao/incluso. A poltica de integrao/incluso, como vi- mos anteriormente, recomenda a educao dos alunos com ne- cessidades especiais dentro dos contextos regulares de ensino. Entretanto, essa mesma poltica reconhece que as necessidades particulares de comunicao dos alunos surdos dificultam a edu- cao em tais contextos de ensino. A especificidade lingstica do surdo faz de sua insero nos meios comuns de ensino, nos quais ele ir partilhar da lngua utilizada, uma situao muito comple- xa e diferente daquela que poder ser vivenciada pelos alunos 46 com outras necessidades especiais, como os cegos, os deficien- f tes mentais, os deficientes fsicos, etc. Essa situao foi colocada pelo depoimento de P3, quando se refere classe especial de que participou na FCEE na infncia: Antes o governo colocou todos juntos, cego, surdo, fsico e mental. Melhor dividir, uma escola prpria para fsico, mental, cego e surdo. Cada um diferente, mas todos fa- lam. O surdo no, ele tem outra lngua (...) (P3) A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei 9394/ 96) tambm estabelece, em seu captulo V, Art. 58, que a educa- o dos alunos com necessidades especiais deve acontecer pre- ferencialmente na rede regular de ensino e prev o apoio especializado nas escolas regulares para atender s peculiaridades desses alunos. No entanto, reconhece o direito classe ou servio especial nos casos em que as necessidades especficas dos alunos
  • 46. os impedem de usufruir dos recursos da classe comum ou nos casos de fracasso escolar regular. Para Souza e Ges (1999), o surdo se enquadra nessas especificidades. Essa discusso em relao ao aluno surdo tem gerado polmi- cas e gestado opinies divergentes entre os estudiosos. Os que defendem a integrao/incluso baseiam-se nas idias de igualda- de de direitos e de oportunidades e nos supostos benefcios que emergem no contato com os demais alunos. J os que no concor- dam com essa posio, fundamentam-se no reconhecimento po- ltico da surdez como caracterstica cultural especfica de um grupo social. Escola regular: a abordagem de ensino e servios de atendimento especializado 47 F Diante da polmica, decidiu-se por conhecer a opinio do surdo egresso em relao abordagem de ensino e aos servios de aten- dimento especializado oferecidos pela escola de ensino regular. Nesse sentido, procurou-se, primeiramente, conhecer como os surdos percebem a abordagem de ensino utilizada na escola regu- lar. Nessa questo, os sujeitos da pesquisa identificaram a abor- dagem como exclusivamente oralista, o que dificultava a conclu- so de seus estudos. Essa abordagem, alm de ser ruim para sua aprendizagem, obrigava-os apenas a copiar, o que provocava uma desvantagem em relao ao aluno ouvinte e um entrave para a comunicao com professores e colegas ouvintes. Alguns depoi- mentos enfatizam bem essas questes e so apresentados a seguir: Nas escolas do Brasil, h proposta de incluso e integrao? No tem escola que utilize a lngua de sinais. Ainda no
  • 47. estamos interagindo, est havendo pesquisa sobre a viso dos surdos, tem que acabar com essa abordagem oralista. Na minha opinio, essa abordagem traz problemas com- plexos para o surdo. Como vo concluir os estudos? [...] Vivemos o oralismo. Ou o surdo aprende assim, ou no estuda. (P1) Na minha opinio a escola regular, onde se usava apenas oralismo, foi pssima, s aprendi a copiar. (P2) Com o oralismo fica difcil. O professor fala muito rpido. O ouvinte tem informao, mas o surdo no tem, ento para o surdo torna-se muito difcil e ele no aprende. O 48 f ouvinte aprende mais rpido, o surdo no, aprende mais devagar porque muda a lngua dele, a lngua diferente, Portugus/Libras, diferente. Se inverter o ouvinte tam- bm no aprende, se fosse Libras o surdo aprenderia rpi- do e o ouvinte no. Sim, porque a capacitao prpria dele a Lngua Brasileira de Sinais. (P3) Quando eu estudava em funo do oralismo era difcil en- tender os professores. Apesar de me esforar eu vivia per- guntando. At meus colegas reconheciam a dificuldade.(P4) Esses depoimentos evidenciam os processos discriminatrios e violentos da ideologia oralista, dos quais os surdos eram e ainda so vtimas. Botelho (1998) discute que uma das premissas da educao oralista a abordagem natural, que prope reproduzir para o
  • 48. surdo as mesmas condies em que o ouvinte adquire a lingua- gem. indicao comum da abordagem natural que o surdo freqente uma escola regular, onde estar em contato com os falantes da lngua oral, e onde ir aprend-la por meio das interaes com seus pares ouvintes. evidente que o nico modo de uma criana interagir naturalmente em situaes de intercm- bio lingstico significativo com falantes em torno de si. Porm, como indica Sanchez (1990:91), est-se falando, no contexto indi- cado, de uma criana ouvinte, detalhe desconsiderado por muitos. Sob esse aspecto, faz sentido o questionamento de P1: Nas escolas do Brasil h proposta de incluso e integrao? A escola regular acaba privando o surdo do importante contato com ou- tros surdos, pois nesse contato que o surdo aprende a ser surdo, ou seja, a se identificar com seus iguais, a se apropriar de sua 49 lngua e a ingressar na sua cultura, construindo a sua identidade F e se organizando enquanto grupo social. Tambm na escola regu- lar, que geralmente no reconhece a diferena cultural, o surdo no tem espao para manifestar-se culturalmente, nas suas for- mas particulares de expresso. Nessa escola, o surdo participan- te de programas educacionais voltados para ouvintes e elaborados por ouvintes (Marchesi, 1995b), sem qualquer participao de surdos e, portanto, sem considerar o seu modo de viver: sua cul- tura, sua lngua, suas necessidades e seus interesses. Perlin e Quadros (1997), referindo-se ao modelo de integrao/incluso, apontam na direo dos sujeitos dessa pes- quisa. As pesquisadoras advertem sobre as condies desiguais oferecidas aos alunos surdos em relao apropriao do saber, quando comparadas quelas oferecidas aos ouvintes. As necessi- dades do aluno surdo frente ao processo educacional no so observadas e, conseqentemente, tampouco supridas. Assim
  • 49. sendo, no lhes so viabilizadas condies capazes de possibilitar o seu pleno desenvolvimento, como acontece com os alunos em geral. Os conhecimentos e informaes trabalhados nas escolas so vinculados exclusivamente lngua portuguesa. Consideran- do que os surdos mostram muita dificuldade no uso adequado dessa lngua nas escolas, acabam ficando muito prejudicados em relao quantidade e qualidade das informaes, como enfatizou P3. O aluno surdo no pode apreender um contedo transmiti- do em uma lngua que ele no domina, fato que restringe a sua aprendizagem a uma quantidade muito reduzida de conhecimento com qualidade questionvel. No caso dos sujeitos desse estudo, eles parecem no se rende- rem ao processo de ouvintizao utilizado como mecanismo 50 para torn-los ouvintes, ou seja, um chamado normalizao f (Perlin,1998) , processo ainda dominante no modelo de escola oralista que reproduz a concepo clnica da surdez. Percebe-se a no rendio em seus depoimentos: A minha experincia na escola revela a falta de direitos e espaos para os surdos e suas diferenas [...] De maneira diferente e como minoria somos uma comunidade com muitas idias. (P1) Se naquela poca (5 a 8 a srie) existisse escola prpria para surdos com domnio da lngua de sinais, com certeza seria diferente, no basta apenas inserir a lngua de sinais na escola, tem que ser uma escola prpria para surdo. (P2) Para mim foi muito difcil, no foi fcil. Agora eu penso como planejar o futuro mais fcil. Se for criana surda e professor ouvinte, os surdos no vo se capacitar para um
  • 50. futuro melhor para eles. Precisa de professor surdo, precisa de aluno surdo [...]. (P3) Porque realmente eu no quero que os surdos continuem perdendo muito de si como eu perdi, quero que se desen- volvam. (P4) Esses relatos mostram a resistncia surda ao oralismo educacional: no querem para os seus pares essa abordagem de ensino, que no lhes garante seus direitos; vislumbram um futu- ro em que a escola supere essa imposio aos surdos que esto inseridos no sistema regular de ensino; lamentam a ausncia de uma abordagem educacional comprometida com a formao bi- lnge do surdo em seu tempo escolar. Menciona-se, inclusive, o 51 desejo de uma escola para surdos no depoimento de P2 e da F presena do professor surdo P3, reivindicando uma realidade es- colar que eles no tiveram, que ainda no existe nos dias de hoje, mas na qual viveram breves momentos e acreditam em sua concretizao num futuro prximo. Compreende-se que a crtica e resistncia surda materializada nos sujeitos da pesquisa advm do fato de perceberem que os anos passaram e a realidade da poltica educacional para o surdo de Santa Catarina a mesma vivenciada por eles. Cabe ressaltar que a poca em que os entrevistados estudaram entre o final dos anos oitenta e incio dos noventa do sculo passado repre- sentou um avano na educao de surdos. Desde ento, vive-se um perodo bastante inquietante, buscando-se modelos que pro- duzam melhores resultados na educao desses alunos. O ltimo impacto ocorreu com a chegada do bilingismo, em meados da dcada de noventa.
  • 51. A proposta de educao bilnge muito recente e so poucas as experincias implementadas. Para Skliar (1997b), um dos prin- cipais pesquisadores do bilingismo no Brasil, essa proposta nas- ce em oposio concepo clnico-teraputica da surdez e como um reconhecimento poltico da surdez como diferena. Na pers- pectiva bilnge, a lngua de sinais considerada a primeira ln- gua do surdo e a lngua majoritria na modalidade oral e/ou escrita como segunda. Essa viso sobre a surdez e o surdo tem sido apoiada pela comunidade de surdos, como expressam os tre- chos citados pelos sujeitos dessa pesquisa. Ges (1999) informa que essas abordagens a oralista e a bilnge, nelas includas as decorrentes, como as verses de co- municao total, que se vinculam primeira sintetizam as duas 52 ideologias que subjazem educao de surdos: a primeira, sob f diferentes formas, privilegia apenas uma lngua (a majoritria), em contraste com a segunda, que estabelece um espao efetivo tambm lngua de sinais. Adicionalmente, constata-se no bilingismo um propsito de vincular o trabalho educacional a uma preocupao com a experincia cultural do surdo. A iniciativa de inserir o aluno surdo na escola regular justificada, por vezes, em termos de uma viso de integrao/ incluso como oferta de oportunidades educacionais uniformes. Supostamente, em virtude das diferenas entre os alunos, bus- cam-se aes voltadas ao atendimento dessas diferenas para a efetividade da aprendizagem. Essa hiptese levou, nesse estudo, investigao sobre os servios de atendimento especializado ao aluno surdo, acreditando que eles pudessem ser muito freqentes. Cabe salientar que, segundo a perspectiva de integrao/in- cluso, os servios especializados, salas de recursos, classes espe- ciais no so espaos reconhecidos para aquisio dos nveis de
  • 52. escolaridade, porque no so organizados por sries correspon- dentes s do ensino regular. Fazem parte, portanto, de um servi- o de apoio paralelo, justificando-se dessa forma como no caracterstica de uma ao segregacionista (Santa Catarina, 1998). Alm disso, esses servios no oferecem nenhum documento que comprove a escolaridade atingida ou sua concluso, prtica que prejudica o desenvolvimento escolar dos alunos neles atendidos, que no conseguem se situar dentro do sistema escolar (Souza & Ges,1999). Nessa linha, os depoimentos indicam um atendimento obti- do fora do horrio da aula regular, em outras instituies, geral- mente no Instituto de Audio e Terapia da Linguagem IATEL e na Fundao Catarinense de Educao Especial FCEE, e rea- 53 lizado na abordagem oralista, atravs de um professor que presta- va reforo dos contedos e auxlio nas tarefas. E, em alguns F casos, havia a iniciativa de atendimentos tambm fora do horrio de aula regular na prpria escola em que estudavam. Entre os sujeitos da pesquisa, evidenciou-se a necessidade de ajuda, predominantemente nas situaes em que no compreen- diam a professora e tinham dificuldade de se comunicar com os colegas, conforme os trechos apresentados abaixo: A professora me chamava muito a ateno, a me enchi dela e no obedecia, ento eu vivia de castigo. O mesmo acontecia em Portugus, a professora me chamava muito a ateno. Mesmo assim eu continuei na escola, com 14 anos eu falava pouco e usava Libras. Fazia reforo na FCEE na turma de surdos. (P1)
  • 53. Os servios especializados para surdos eram ruins. No 2 Grau havia um servio especializado para surdos no qual ajudavam a tirar as dvidas de como ler e escrever melhor, apenas Portugus e Matemtica. (P2) Eu estudava na escola de ouvinte, foi difcil. Matemtica era fcil. Matria terica era muito difcil por causa do Portugus. Tambm era muita informao. Eu fazia refor- o no IATEL, mas era oralista, estudar na escola e no IATEL ocupava muito tempo [...] Ento minha me levava para reforo no IATEL, ficava muito pesado, oito horas por dia na sala. (P3) 54 Em outros dias, quando tinha aquela aula de Portugus, f Geografia, e