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refernCia em Sade do trabalhador - PiraCiCaba SiStema niCo de Sade

Guia

Para ProfiSSionaiS de Sade

a da vila a SSuno lailah vaSConCeloS o. vilela

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Assuno, Ada vila. A851l Leses por esforos repetitivos: guia para profissionais de sade./ Ada vila Assuno, Lailah Vasconcelos Oliveira Vilela. - - PiracicabaSP: Centro de Referncia em Sade do Trabalhador - CEREST, 2009. 168p.: il. color.; 23cm ISBN: 978-85-62504-01-3

1. Transtornos Traumticos Cumulativos. 2. Sade do Trabalhador. 3. Guia de Prtica Clnica. I. Vilela, Lailah Vasconcelos Oliveira. II. Centro de Referncia em Sade do Trabalhador - CEREST. III. Ttulo NLM: WA 400 CDU : 613.62

Belo Horizonte, outubro de 2009, 168 pginas

Ficha tcnica: Editorao, capa e ilustraes: Vernica Cavalieri Impresso: Angelo Marcelo Fossa EPP Av. Dom Luiz do Amaral Mousinho, 591 CEP 14340-000 - Brodowski - SP Tiragem 500 exemplares Proibida venda e reproduo 2009

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ndiceLista de FIguras e Quadros .............................................................. Apresentao ................................................................................ O Guia ........................................................................................... O que ? ......................................................................................... Objetivos ......................................................................................... Estratgia ......................................................................................... Para quem? ..................................................................................... Estrutura .......................................................................................... 8 9 14 14 15 15 16 16

Introduo ..................................................................................... 19

O que LER .................................................................................... 19 Os desafios para a abordagem ......................................................... 23 A EXPOSIO AOS FATORES DE RISCO; UMA INTERAO COMPLEXA ....................................................... O trabalho repetitivo ....................................................................... Demandas fsicas ............................................................................. Demandas psicolgicas .................................................................... Os fatores psicossociais .................................................................... A atividade ...................................................................................... COMO OS FATORES DE RISCO BIOMECNICOS AGEM SOBRE O ORGANISMO ...................................................... A produo social da LER ................................................................ Modelo de anlise das iniquidades em sade musculoesqueltica ......................................................................... ateno secundria ........................................................................ BASES DO RACIOCNIO CLNICO ................................................. A CONDUTA PRIMEIRA CONSULTA ........................................... A EXPLORAO DA DOR .............................................................. A dor crnica (mais de trs meses) .................................................. A dor psicognica ............................................................................ A dor recente (at 3 meses) ............................................................. Explorao da situao socioambiental ............................................ PERGUNTAR PELOS FATORES INDIVIDUAIS E EXTRAPROFISSIONAIS ....................................................................Leses por Esforos Repetitivos - LER

Parte I: Mecanismos implicados na dor musculoesqueltica

27 27 32 34 37 37 41 44 54 55 61 61 64 67 68 70 70 71 71

Parte II: Atuao da Ateno Bsica e do CEREST/Rede da

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Atividades domsticas e atividades industriais .................................. As relaes de gnero e os efeitos sobre a sade musculoesqueltica A vida extratrabalho ....................................................................... Co-morbidade ................................................................................. PROPEDUTICA ............................................................................. Linhas Gerais .................................................................................... A anamnese .................................................................................... O Exame Fsico ............................................................................... Objetivos do exame fsico ............................................................... Por que definir critrios diagnsticos e propor um modelo de exame clnico padro? ............................................ Diretrizes para o exame .................................................................. Pontos bsicos do exame ................................................................ Habilidades requeridas do examinador ........................................... PROPEDUTICA COMPLEMENTAR ................................................ Imagens .......................................................................................... Radiografia Simples / Contrastadas .................................................. Ultra-sonografia .............................................................................. Tomografia computadorizada e Ressonncia Nuclear Magntica ...... Eletroneuromiografia ....................................................................... Exames de Laboratrio .................................................................... HIPTESE DIAGNSTICA .............................................................. PLANO TERAPUTICO ................................................................... Bases do plano teraputico ............................................................ Orientar o paciente ........................................................................ Esquema teraputico bsico ............................................................ Para a fase aguda ............................................................................ Para a fase crnica .......................................................................... Conduta paciente-orientada ............................................................

73 73 76 77 77 77 78 82 83 84 84 85 85 86 87 87 88 89 89 90 91 92 92 94 95 95 95 96

Parte III: Atuao do CEREST/Rede da Ateno Secundria ....... 97Mltiplos stios e tipos de afeces .................................................. 97 PUNHOS E MOS ......................................................................... 99 COTOVELOS .................................................................................. 102 OMBROS ....................................................................................... 104

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Parte IV: Atuao integrada dos diferentes nveis de

complexidade de ateno sade ................................................ Sintomas cervicais e de ombro ....................................................... Sintomas punho e mo .................................................................. Sintomas mo punho e antebrao .................................................. Sintomas antebrao e cotovelo ....................................................... Diagrama geral da atuao integrada dos diferentes nveis de complexidade de ateno sade ................................................. Eixos da ao intersetorial .............................................................. Nvel 1 - Abordagem e registro da queixa ...................................... Nvel 2 - Sistema tcnico-organizacional ........................................ Nvel 3 - Sistema socioambiental .................................................... NOTIFICAO .............................................................................. Previdncia Social ..................................................................... Ao SUS ......................................................................................... A interveno ergonmica .............................................................. Crtica s prticas de preveno adotadas pelas empresas .............. POR QUE A RESPOSTA NICA DEFICIENTE? ............................. Por que a organizao do trabalho gera riscos para a sade? .......... Por que as microrregulaes geram sobrecarga de trabalho em situaes de presso temporal? ................................................. Consideraes finais ....................................................................... Mais informaes ........................................................................... Referncias bibliogrficas ................................................................

109 110 112 114 116 117 119 121 123 124 126 126 127 127 130 133 136

Parte V: Vigilncia Sade / Ao Intersetorial ........................ 119

139 143 145 147

Anexo 1: Provas de Atividade Inflamatria ................................ 153 Anexo 2: Fichas para estudos de solicitaes biomecnicas ..... Posto de trabalho sentado: orientaes prticas .............................. Transporte manual de cargas: orientaes prticas .......................... Trabalho repetitivo: orientaes prticas ......................................... Posto de trabalho em p: orientaes prticas ................................161 162 163 165 167

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Lista de Figuras e QuadrosFigura 1: Esquema ilustrativo dos determinantes dos fatores de risco de LER ................................................................... 21 Figura 2: Esquema ilustrativo da relao tempo e recuperao fisiolgica ...................................................................... 29 Figura 3: Esquema ilustrativo da relao entre organizao do trabalho, fatores psicossociais e efeitos sobre a sade ........ 39 Figura 4: Modelo explicativo das iniqidades em sade musculoesqueltica ......................................................... 56 Figura 5: Esquema para o atendimento primeira consulta .............. 63 Figura 6: Atuao Integrada dos diferentes nveis de complexidade de ateno sade...................................... 67 Figura 7: Diagrama para orientao do exame clnico ..................... 68 Figura 8: Diagrama de orientao para a conduta clinico-ocupacional .. 70 Figura 9: Distribuio dos dermtomos ......................................... 80 Figura 10: Esquema dos principais stios e tipos de afeces possveis no quadro de LER ............................................. 98 Figura 11: Modelo de ao: nveis de interveno ............................ 122 Quadro 1: Efeitos relacionados ao posto de trabalho improvisado e ao modelo rgido de gesto ............................................. 30 Quadro 2: Critrios diagnsticos de Artrite Reumatide estabelecido pelo American College of Rheumatolgy para Artrite Reumatide ................................................. 81 Quadro 3: Punhos e Mos .............................................................. 99 Quadro 4: Cotovelos ...................................................................... 102 Quadro 5: Ombros ........................................................................ 104 Quadro 6: Sinopse das medidas adotadas pela empresa de calados .. 132 Quadro 7: O caso da impossibilidade de adotar a postura sentada, apesar da cadeira ........................................................... 133 Quadro 8: O caso da relao entre os fatores ligados ao modelo de gesto na indstria de autopeas e os riscos de hiperacelerao dos movimentos ..................................... 136 Quadro 9: O caso das microrregulaes no contexto temporal rgido ... 140

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ApresentAo com satisfao que recebi do CEREST Piracicaba a incumbncia de apresentar aos leitores este Guia sobre as Leses por Esforo Repetitivo - LER produzido pela Profa. Dra. Ada vila Assuno, da UFMG e Dra. Lailah Vasconcelos Vilela, da Delegacia Regional do Trabalho - MG. Como o leitor poder perceber, este Guia aborda em profundidade um tema da maior atualidade para o nosso campo da sade do trabalhador, uma das questes mais difceis, complexas e relevantes nesta rea. Esta dificuldade parece estar presente nas diversas fases de enfrentamento do problema: primeiros sintomas, diagnstico, notificao, terapias, reabilitao, vigilncia, interveno e preveno. Envolvida normalmente em dor crnica e sofrimento prolongado, a epidemia da LER, que atinge a mais de duas dcadas milhares de trabalhadores de diversos pases, impe a todos que atuam direta ou indiretamente com sade do traba-lhador desafios enormes. Estes desafios so mltiplos, uma vez que a LER no se explica por meio de raciocnio simplista e unicausal. A epidemia tambm no se restringe a funes e ocupaes especficas, uma vez que apresenta um espraiamento atingindo quase todos segmentos da populao economicamente ativa. O seu enfrentamento nos instiga a apelar para a experincia do CEREST Piracicaba na Vigilncia dos Acidentes iniciada em 1997, uma vez que requer uma ao de Estado altura da problemtica: aes inteligentes, articuladas, interinstitucionais, movidas por sujeitos tcnicos e parceiros sociais de vrios campos e profisses.Leses por Esforos Repetitivos - LER

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Mais difcil que os acidentes uma vez que em torno da LER se estabelecem vrias polmicas. Lerdeza mencionada por atores que ainda insistem em mascarar, no reconhecer e ignorar o problema. Apresenta outros complicadores. O acidente um fato visvel e reconhecido na sociedade, enquanto a LER necessita do domnio e de uma atitude dos profissionais de sade, especialmente dos mdicos e dos peritos. A LER reclama exames e o posicionamento do especialista, enfim a LER para existir oficialmente, ser reconhecida necessita de um aval nem sempre disponvel, complicando muito a situao dos pacientes e dificultando a adoo de uma poltica pblica preventiva. Outra complicao que a LER, diferente do atendimento ao acidentado, que se concentra nos locais de urgncia, o atendimento dos pacientes da LER ocorre em uma vasta rede de ambulatrios, clnicas, ateno bsica do SUS etc, dificultando a montagem de um sistema de notificao... Complicou!... o que fazer? Fao o paralelo com os acidentes, pois o CEREST Piracicaba, com persistncia vem conseguindo consolidar ao longo deste perodo, atravs do Sistema de Vigilncia de Acidentes do Trabalho - SIVAT, uma poltica preventiva que comea notificando todas ocorrncias nos locais de urgncia e emergncia, consolida as informaes em um banco de dados e seleciona os eventos graves e fatais como eventos sentinela para interveno no local de sua ocorrncia, visando evitar a ocorrncia de novos acidentes. O SIVAT iniciou com pouca gente, sem estrutura e praticamente do zero. A insistncia na pro-blemtica criou as condies de seu enfrentamento. Mas o SIVAT, mesmo de desenho mais simples, exigiu tambm um esforo de construo, articulao, conhecimento, estudo e pesquisa que dura mais de 10 anos e continua dando bons frutos. O seu sucesso e suas bases nos ajudou e encorajou no primeiro projeto apresentado

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ao Ministrio da Sade, que deu os primeiros passos na preveno da LER em Piracicaba. Foi naquele contexto dos anos de 2004 - 2006 que viabilizamos a primeira turma de especializao em ergonomia que contou com a colaborao e Convnio com a UNIMEP e UFMG. Promovemos na ocasio os primeiros cursos especficos sobre LER, ministrados pela Professora Ada e a demanda de produzir um material didtico sobre a LER estava explcita. Enfim as primeiras idias de um Guia para ajudar na construo de um Sistema de Vigilncia da LER - um SIVILER nasceram de dife-rentes iniciativas que buscavam cobrir as carncias de material no tema. Utopia? As diretrizes, as bases institucionais e os recursos para uma poltica preventiva esto j consolidados no pas, seja atravs da Constituio Federal, as legislaes e normas complementares do SUS e os recursos j disponveis, inclusive os financeiros da RENAST. Enquanto diretriz de vigilncia para a preveno chamo ateno para a Portaria do Ministrio da Sade n 3120 de 1998. Uma obra prima do movimento de sade do trabalhador, ela preconiza: cobertura universal independente do tipo de vnculo; ao descentralizada no conjunto da rede por meio de aes intra e inter setoriais, implicando em costurar o prprio SUS, o setor trabalho, a previdncia, as polticas industriais; ao multidisciplinar e multiprofissional; a necessidade da pesquisa articulada com a interveno; a participao da sociedade e o controle social e por fim o carter transformador das intervenes para mudar o status quo. Est tudo l na Portaria 3120/98. Penso que o Guia ser uma ferramenta til para as estratgias em torno da Portaria 3120. Mas para mudar, intervir em uma realidade to complexa e desafiadora, alm das bases institucionais que j possumos, Leses por Esforos Repetitivos - LER

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preciso conhecimento especfico sobre o trabalho humano que propiciado especialmente pela ergonomia da atividade. Nessa direo, abordagens favorecedoras de aes intersetoriais, como o caso deste Guia, vo ao encontro dos princpios do SUS. Por mais evidente que seja, infelizmente nem sempre esto presentes atitudes que buscam conhecer as situaes reais de trabalho nas formulaes e no embasamento das aes de sade do trabalhador no Brasil. como se os saberes atuais da medicina do trabalho, da segurana, da higiene e toxicologia focados normalmente em fatores unicausais de risco, fossem suficientes para dar conta e embasar estas aes. Infelizmente os conhecimentos atuais da medicina, segurana e sade ocupacional, por mais contribuies que apresentem, passam longe do necessrio conhecimento sobre o que e como o trabalhador com dor musculoesqueltica crnica enfrenta o trabalho e o risco de perder o trabalho. A poltica e a experincia em sade do trabalhador, que tambm fundamental para uma viso macro das ocorrncias no mundo do trabalho, sem mtodos e conceitos sobre o ser humano em situao de trabalho e sobre a atividade fica difcil enxergar a situao concreta de trabalho. l onde a coisa pega, onde se manifesta a fora da organizao do trabalho, as presses pela produo... tudo isso invisvel no nvel macro. Enfim, necessitamos de conhecimentos para compreender o trabalho real dos indivduos concretos e singulares; como eles agem, por que agem, quais so suas margens de manobra, suas estratgias e regulaes. Sem um diagnstico da causalidade, sem conhecer os determinantes do trabalho, e sem alterar a representao dos diversos atores sociais implicados na situao, impossvel pensar na preveno e na mudana. Isso vale para todos agravos, para os acidentes, para a LER e tantos outros.

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A contribuio do Guia vai neste sentido, de ser mais uma contribuio no nvel do conhecimento que certamente auxiliar os vrios profissionais e os atores sociais a agirem. A sade do trabalhador exige um agir inteligente, criativo, coletivo de equipe, transparente e transformador. Exige artesos, sujeitos comprometidos com a causa do ESTADO, com a causa da sade como bem maior de relevncia pblica. Parabns Professora Ada e Dra Lailah pelo capricho, rigor, competncia e dedicao na elaborao do Guia de LER. O CEREST Piracicaba est de parabns por apoiar essa iniciativa que ajudar muita gente a encarar o desafio da ateno integral, da vigilncia e da preveno da LER. Nada vence o trabalho, nem mesmo a LER.

Prof. Dr. Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela Departamento de Sade Ambiental Faculdade de Sade Pblica - USP

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o GuiAO que ?A produo deste Guia foi apoiada pelo Centro de Referncia em Sade do Trabalhador de Piracicaba. O intuito oferecer as bases para discusso interna ao Sistema nico de Sade e futura elaborao de protocolos baseados nos nveis de complexidade que estruturam o sistema. Ser adotado o termo Leses por Esforos Repetitivos, reconhecendo tratar-se de um termo guarda-chuva que abriga vrias doenas classicamente descritas na literatura mdica. Diante da complexidade do tema, ao longo do texto sero oferecidos ao leitor interessado os links de acesso aos documentos institucionais, a cada vez que for possvel enriquecer o contedo exposto. Ao final, outros sitios interessantes e a bibliografia citada so apresentados. A citao dos documentos atuais publicados pelas agncias busca orientar o estudo e aprofundamento dos aspectos que envolvem o manejo dos pacientes e dos ambientes de trabalho, pois este texto no esgota o assunto. Os artigos cientficos menos recentes (anos 1980 e 90) foram citados porque se tornaram relevantes ao responderem s questes polmicas: os mecanismos externos ao organismo (carga biomecnica) agem provocando inflamao e degenerao; que indivduos so atingidos enquanto os colegas trabalhando em postos semelhantes nunca apresentaram as queixas, que as mulheres representam o maior contingente de doentes.

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ObjetivosO objetivo orientador deste Guia oferecer ao leitor instrues para se conduzir diante dos casos de LER. Adicionalmente, objetiva-se indicar o acervo sobre o tema, a fim de permitir aprofundamento do estudo. O Guia aborda os principais eixos de interveno ao nvel das instituies envolvidas e orienta os passos para se conduzir em investigaes dos ambientes de trabalho.

EstratgiaA abordagem adotada no se prende s definies legais. O presente Guia permite ao profissional de sade se orientar na abordagem dos casos e buscar a literatura atualizada no assunto. As instrues e orientaes servem a duas finalidades: 1 - delinear a conduta frente ao paciente ou grupo ocupacional especfico; 2 - alimentar o sistema de informaes que, futuramente, fornecer os elementos para as aes da vigilncia em nvel primrio (busca de casos). So apresentadas as etapas para as intervenes sobre os agravos, os riscos e os seus determinantes. Sob esse prisma, estruturaram-se aes para abordar os trabalhadores j atingidos e, especialmente, aes para identificar os riscos. Adota-se o modelo da Vigilncia Sade entendida como a informao para a ao. Nesse modelo, a atuao do sistema de sade estabelece-se em trs nveis: micro do indivduo ; meso do grupo a que ele pertence ; e macro aquele relativo ao sistema socioambiental em que o grupo est inserido. Na parte 3, desenvolvida uma proposio de ao intersetorial articulada em torno dos nveis apresentados.

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Considerando-se a existncia de um contexto macroeconmico determinando a LER, a qual ultrapassa o poder de interveno do setor sade, as aes intersetoriais sobre a organizao do trabalho, o processo e os postos de trabalho podem contribuir para a reduo e para o controle dos casos. Abordam-se nveis progressivos de interveno que permitem situar os diferentes atores que mobilizam instrumentos e mtodos especficos. Em cada nvel, as solues de melhoria do trabalho so pesquisadas. O recurso ao nvel seguinte acontece quando, apesar das melhorias promovidas pelas recomendaes em um nvel anterior, a situao permanece inaceitvel. Passar para os nveis seguintes vai depender da complexidade das situaes.

Para quem?Para o profissional de sade que lida com as queixas dos usurios e para aqueles que avaliam o ambiente de trabalho onde se suspeita da presena dos riscos para a sade musculoesqueltica.

EstruturaNa Parte 1 explicam-se os mecanismos de ao dos fatores de risco organizacionais e dos fatores de risco materiais, os quais geram, respectivamente, as demandas psicossociais e as demandas fsicas que explicam o surgimento dos sintomas de LER. Aproveitando-se da experincia do Ambulatrio de Doenas Profissionais da UFMG, na Parte 2, o Guia apresenta os passos da conduta diante de um caso. O profissional pode se beneficiar das orientaes para a primeira consulta e para realizar o exame fsico, ambos cruciais para o encaminhamento do paciente aos outros nveis de complexidade da ateno.

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Nos anos 1980, demandas dos trabalhadores, seus sindicatos e organizaes, somaram-se aos desafios postos pelas instituies do trabalho, da previdncia e da sade, estimulando a elaborao da Rotina de atendimento de trabalhadores com suspeita ou confirmao de Leses por Esforos Repetitivos (pag. 103-120 do Manual de Rotinas. Ambulatrio de Doenas Profissionais organizado por Ada vila Assuno, em 1992). Nos anos 1990, a inte-rao dos profissionais do ADP com a reumatologia, ortopedia, neurologia e especialistas da clnica de dor do Hospital das Clnicas da UFMG permitiu avanos na abordagem dos casos. As caractersticas da enfermidade so expostas, para, em seguida, guiar o profissional do SUS na explorao dos sintomas, com nfase no estudo da dor. Discute-se o peso dos fatores individuais e das atividades extraprofissionais na determinao da enfermidade, e, ainda, so apresentados os elementos para esclarecer a natureza do fenmeno musculoesqueltico associado ao trabalho. Ademais, so fornecidas explicaes sumrias sobre os exames complementares (imagens e exames laboratoriais), as quais serviro de apoio para a conduta clnica. Na Parte 3, em um esforo de sntese so apresentadas as afeces clssicas dos tecidos moles por regio anatmica (punhos e mos, cotovelos e ombros). Os principais sintomas esperados e os mecanismos fisiopatolgicos subjacentes so explicados. Busca-se apoiar o profissional para compreender as queixas por meio das evidncia epidemiolgicas, as quais trouxeram, nos anos 1990, importantes aclaraes sobre a relao sade musculoesqueltica e trabalho. Na Parte 4, aproveitando-se da experincia do Laboratrio de Ergonomia da UFMG, discutem-se os principais desafios para a interveno e os modelos de preveno vigentes. Uma sinopseLeses por Esforos Repetitivos - LER

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de estudos de casos apresentada e articulada s diretrizes internacionais que foram pactuadas em torno dos consensos obtidos em estudos aprofundados. Ao final, no Anexo 1 apresentam-se os exames laboratoriais e seus significados para a conduta clnica. O Anexo 2 diz respeito s fichas especficas que focalizam quatro dimenses da exposio: Posto de trabalho sentado; Transporte manual de cargas; Repetitividade; e Posto de trabalho em p, as quais fornecem elementos bsicos para as avaliaes das situaes de trabalho. Claro, o Guia no esgota o assunto. Esperamos, contudo, fornecer ao leitor o panorama dos problemas frequentes enfrentados pelos profissionais de sade diante dos traba-lhadores com queixas musculoesquelticas e as sadas propostas pelos pesquisadores e instituies especializadas em sade do trabalhador.Agradecemos Profa. Andra Maria Silveira pelo estmulo elaborao do Guia.

Ada vila AssunoProfessora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Psdoutorado em Sade Pblica. Doutorado em Ergonomia. Mdica do Trabalho. Especialista em Sade Pblica.

Lailah Vasconcelos Oliveira VilelaAuditora fiscal da Superintendncia do Trabalho e Emprego de Minas Gerais. Mestre em Sade Pblica. Mdica do Trabalho.

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introduo

O que LERVrias obras de autores diversos sintetizam os resultados dos estudos epidemiolgicos obtidos nos anos 1990: Hagberg et al. (1995) nos pases escandinavos, Bernard (1997) nos Estados Unidos. Buckle & Devereaux (1999) prepararam um relatrio de sntese da Unio Europia. Est bastante esclarecida a relao entre as doenas dos membros superiores e pescoo e as condies de trabalho. Os dados dos estudos citados dizem respeito no somente s ma-nifestaes declaradas do adoecimento, mas tambm fadiga, dor e ao desconforto que so preditores do problema. No restam dvidas, a LER pode ser evitada. Nesta dcada, asLeses por Esforos Repetitivos - LER

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agncias especializadas publicam documentos aprofundados sobre as ferramentas de preveno (EASSW, 2008; INRS, 2007; CHICOINE, 2006). LER designa os distrbios musculoesquelticos ocupacionais de origem multifatorial complexa. Ocupam o primeiro lugar nas estatsticas de doenas profissionais nos pases industrializados. LER resulta de um desequilbrio entre as exigncias das tarefas realizadas no trabalho e as capacidades funcionais individuais para responder a essas exigncias. Os desequilbrios so modulados pelas caractersticas da organizao do trabalho, a qual constitui alvo das medidas de transformao das condies geradoras do adoecimento. O distrbios musculoesquelticos dizem respeito a uma gama de doenas inflamatrias e degenerativas do aparelho locomotor. Entre elas, so citadas: as inflamaes dos tendes dos antebraos, punhos, ombros, em trabalhadores que realizam trabalho repetitivo e/ou adotam postura esttica por exigncia da tarefa; as mialgias, dores e perturbaes funcionais dos msculos na regio do ombro e pescoo, principalmente, em trabalhadores que adotam, por exigncia da tarefa, posturas estticas prolongadas nessa regio; compresso dos nervos na regio do punho; degeneraes na coluna cervical. O Departamento Sade-Segurana (HESA) do Instituto Sindical Europeu para Pesquisa, Formao e SadeSegurana (ETUI-RESH) expe a LER como a principal doena ligada organizao do trabalho. http://hesa.etui-resh.org

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DETERMINANTESConcepo dos equipamentos Ambiente fsico Contrato de trabalho Organizao da produo

FATORES DE RISCO

fiGurA 1 RepetitividadeEsforo Posturas Gestos

Fatores biomecnicos:

bili nsi d a vi d ndi ua

Fatores psicossociais:Insatisfao Percepo negativa do trabalho

de l

Concepo das ferramentas

i Se

Organizao do trabalho

Figura 1 - Esquema ilustrativo dos determinantes dos fatores de risco de LER Extrado e adaptado de: Agence Nationale pour lAmlioration des Conditions de Travail. Agir sur les maladies professionnelles: lexemple des troubles musculosquelettiques (TMS). Editions Liaisons : Paris, 1997

Os principais fatores de risco fsicos e biomecnicos so conhecidos: fora e esforos fsicos realizados, repetitividade dos gestos e dos movimentos, posies extremas e vibraes originadas de mquinas (FIG 1). A etiologia e a fisiopatologia das diferentes doenas so multifatoriais, devido interao entre os diferentes fatores citados (KILBOM, 1994). Sabe-se, igualmente, que os fatores de risco fsicos podem ser atenuados quando ocorre diminuio da amplitude, da frequncia e da durao da exposio que contribui para reduzir a incidncia e a gravidade da doena (VIIKARI-JUNTURA et SILVERSTEIN, 1999). Os distrbios no resultam de leses sbitas, nem sistmicas. Os traumatismos de fraca intensidade e repetidos durante longos perodos sobre as estruturas musculoesquelticas norLeses por Esforos Repetitivos - LER

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mais, ou alteradas por um processo pr-existente, so responsveis pela evoluo dos distrbios. Para mais aprofundamento, consulte: NIOSH - Instituto Nacional para la Seguridad y Salud Ocupacional. Desordenes musculo-esqueletales relacionados al trabajo (1997) http://www.cdc.gov/spanish/niosh/fact-sheets/Fact-sheet705005.html CCOHS - Canadian Centre for Occupational Health and Safety. Work-related Musculoskeletal Disorders (WMSDs) (2005) http://www.ccohs.ca/oshanswers/diseases/rmirsi.html Os sinais e sintomas podem estar presentes em outros eventos clnicos e sem relao com o trabalho. Os sinais clnicos no so especficos. Em geral, a dor associada de maneira mais ou menos pronunciada a um desconforto no curso da atividade profissional, com piora ao final da jornada e nos picos de produo e melhora nos perodos de repouso ou frias. As queixas de fadiga e de desconforto so preditores do problema. No restam dvidas, a LER de origem multifatorial e pode ser evitada. Os distrbios apresentam como caracterstica comum o seu carter insidioso e os inmeros fatores de risco em sua origem. Sabe-se que as demandas fsicas so determinadas pelos fatores econmicos e organizacionais. Contudo, elas podem ser atenuadas, quando ocorre diminuio da freqncia e da durao da exposio, ambos fatores contribuem para reduzir a incidncia e a gravidade da doena.

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Est estabelecido o papel dos fatores psicossociais no desencadeamento dos sintomas e na evoluo dos casos. A distino das noes de risco e determinante, uma vez que se mostra til para a abordagem da LER apresentada na Figura 1, ver pgina 21. Entende-se o risco como aquele fator que tem o potencial de causar um efeito adverso, no caso, a dor musculoesqueltica. Determinante o elemento que gerou a situao ou fator de risco, pois esses no so nem espontneos nem so fruto do acaso ou do desconhecimento do sujeito exposto. Do ponto de vista socioambiental, vlido estar atento exposio simultnea a mltiplos fatores de risco e dinmica da substituio de um fator de risco por outro. Nesse ltimo caso, cita-se o exemplo das mquinas registradoras de supermercado, as quais, atualmente, expem mais repetitividade do que exigncia de fora como era o caso das registradoras antigas. Diante da multifatorialidade e multicausalidade, o presente Guia oferece referenciais para a investigao simultnea do agravo e da exposio ao risco.

Os desafios para a abordagemA LER um dos problemas de sade dos trabalhadores que ainda desafiam as instituies ligadas sade, ao trabalho, ao emprego e seguridade social. Os desafios prticos fazem emergir novos objetos de pesquisa, os quais renem acadmicos de diferentes campos do saber.

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Inmeros documentos institucionais (ver Mais Informaes na pgina 130 ) afirmam que LER consequncia das transformaes econmicas observadas nos pases industrializados nos ltimos 30 anos. Esto bastante conhecidas as modalidades de produo (polivalncia, just-in-time, flexibilizao) e as modalidades de emprego (contrato tempo parcial, contrato terceirizado, pagamento por pea produzida) e os problemas sociais delas derivados (insegurana, ausncia de proteo social, intensificao das tarefas, multiemprego). As conseqncias sanitrias desse processo, embora conhecidas, no se constituram em sinais para as mudanas decisivas no curso das evolues econmicas e polticas em diversos pases. O profissional de sade encontra muitas dificuldades na abordagem do caso, principalmente, ao se deparar com a hiptese dos fatores individuais no seu desenvolvimento (ver pgina 71). No entanto, no se pode atribuir os sintomas musculoesquelticos em trabalhadores expostos s situaes enumeradas anteriormente aos fatores extraprofissionais ou individuais. Contribui para a complexidade do manejo do caso a existncia de quadros clnicos de natureza distinta, pois LER no um quadro unvoco, exigindo habilidades especficas do profissional e capacidade acurada de escuta e experincia na investigao de ambientes de trabalho. A abordagem dos casos que no apresentam sinais clnicos objetivos exigir, sobremaneira, a anlise ergonmica do trabalho (ver pgina 127) que, ao esclarecer a exposio aos fatores de risco conhecidos, poder trazer elementos importantes para facilitar o raciocnio clnico.

Se por um lado, a abordagem do caso no nada simples, por outro, o acervo cientfico atual traz vrios elementos que contribuem na elucidao dos problemas apresentados.

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Quanto aos fatores associados ao surgimento dos sintomas e dos seus modificadores, no existe a definio de um padro-ouro para diagnosticar a doena. Contudo, os estudos epidemiolgicos descreveram a prevalncia dos sintomas e o risco relativo de dife-rentes fatores. Foram mencionados os fatores biomecnicos (ou demandas fsicas) e os fatores psicossociais. Os estudos ergonmicos esclareceram e definiram os componentes das situaes de trabalho que explicam a exposio. Para alguns ramos da produo, postos de trabalho ou prticas de trabalho, a alta prevalncia das afeces j est suficientemente explicada, a saber: traba-lho de entrada informatizada de dados, microeletrnica, autopeas, frigorficos etc. Para mais detalhes, ver CHIAVEGATO FILHO, L.G.; PEREIRA Jr, A. (2004) LER/ DORT: multifatorialidade etiolgica e modelos explicativos http://www.interface.org.br/revista14/artigo4.pdf VERTHEIN, M.A.R.; GOMEZ, C.M. (2001) As armadilhas: bases discursivas da neuropsiquiatrizao das LER. http://www.scielo.br/pdf/csc/v6n2/7016.pdf O conceito de ganho sindical, a crena em uma suposta m-f do trabalhador procura de indenizaes vultosas e a dita histeria feminina no sobreviveram s pesquisas srias realizadas durante os ltimos 20 anos. No entanto, esto colocados os desafios para a preveno da LER (ver pgina 130). A constituio de uma equipe multiprofissional crucial para abordar os casos. Ademais, espera-se dos servios uma agenda de formao e estudo que perpassa diferentes contedos e disciplinas.Leses por Esforos Repetitivos - LER

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pArte i

MeCAnisMos iMpLiCAdos nA dor MusCuLoesQueLtiCA

A EXPOSIO AOS FATORES DE RISCO: UMA INTERAO COMPLEXAPara entender o perfil do adoecimento musculoesqueltico associado ao trabalho, fundamental explorar as condies laborais e abordar a dor nos seus componentes sensorial e emocional. Essa abordagem articulada perspectiva clnica que distingue doena e enfermidade. O profissional de sade no se depara com a doena, mas com as reaes fsicas e emocionais do paciente sua doena, ao que se denomina enfermidade. Por exemplo, as tendinites so definidas como a inflamao do tendo e sua bainha. Na realidade, o paciente que est sendo examinado no consultrio apresenta tambm fortes contraturas na regio cervical contraLeses por Esforos Repetitivos - LER

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lateral possivelmente associada ao sobreesforo para poupar o ombro acometido e est ansioso, pois teme que o afastamento no trabalho declarado pelo mdico possa comprometer o seu contrato de trabalho. O contexto da dor considerado pelo profissional que aborda o usurio, sendo intil e caro para o sistema de sade tentar encontrar a doena, tal como ela relatada em patologia. Entre os fatores que solicitam o aparelho musculoesqueltico encontram-se: a fora exigida pelos equipamentos ou objetos resistentes que esto sendo transformados; a repetitividade fruto da presso temporal, devida aos prazos a serem cumpridos ou ao volume de trabalho estipulado pela gesto da produo; os dois grupos de riscos citados geram posturas foradas, que, por sua vez, provocam presses loca-lizadas sobre os tecidos moles. O tempo uma noo chave para se compreender a chance de o fator de risco desencadear o efeito indesejvel (FIG 2). Por isso, o componente repetitividade que designa a durao do movimento, do gesto ou da solicitao muscular assume relevncia na etiopatognese, sendo extremamente til consider-lo nas investigaes dos ambientes de trabalho. Os achados dos estudos da biomecnica baseados nos conhecimentos da fisiologia muscular esclarecem uma associao entre as leses teciduais e o ritmo em que a tarefa rea-lizada.

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REPETITIVIDADE

TEMPO

Ausncia de pausas Diminuio reperfuso sangunea Figura 2 - Esquema ilustrativo da relao tempo e recuperao fisiolgica

Como ser descrito adiante, a associao pode ser explicada pela ausncia da pausa necessria a fim de que a fibra muscular retorne ao seu estado inicial de repouso necessrio para a adequada reperfuso sangnea do tecido muscular. A resposta inflamatria e degenerativa das clulas dos tecidos moles reao s agresses ou presses externas, as quais foram amplamente registradas nos laboratrios de biomecnica (AYOUB; WITTELS, 1989; CLAUDON; CNOCKAERT, 1994; GASSET, 1996). Utilizando-se das tcnicas da biomecnica, os estudos permitiram qualificar e quantificar as exigncias mecnicas sobre os tecidos moles e os seus efeitos, e, de outra parte, relacionar, com desenhos epidemiolgicos, essas exigncias com a prevalncia de Leses por Esforos Repetitivos (QUADRO 1). O Quadro 1 apresenta um sinopse da situao encontrada em uma fbrica de calados do tipo produo em srie, na qualLeses por Esforos Repetitivos - LER

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as queixas (efeitos esperados) dos trabalhadores foram claramente associadas a dois fatores identificados durante a anlise do trabalho: 1) ausncia de projeto dos postos de trabalho; e 2) modelo rgido de gesto. A concepo desse tipo de abordagem est largamente apoiada nos estudos epidemiolgicos, cujos documentos de reviso foram citados anteriomente, os quais esclareceram os fatores de risco. Diante do acmulo na literatura disponvel, o profissio-nal poder ir a campo e identificar a exposio aos fatores de risco conhecidos e ter segurana para identificar as suas associaes com as queixas dos traba-lhadores naquele caso concreto. Quadro 1 - Efeitos relacionados ao posto de trabalho improvisado e ao modelo rgido de gesto1 - Ausncia de projeto dos postos de trabalho Improviso do mobilirio: plano de trabalho incoerente com as necessidades de manuseio de aparatos, objetos e materiais, ausncia ou deficincia dos mecanismos para os ajustes s caractersticas antropomtricas dos operadores, carncia de suportes, gavetas para armazenar os materiais ou abrigar os objetos que esto sendo transformados.

Efeitos esperadosRiscos Queixas

Angulaes extremas Dores musculares de punho. Dores articulares Trabalho com braos LER sem apoio. Disposio de materiais sobre o prprio corpo. Desconforto membros inferiores. Flexo cervical. Flexo lombar, toro lombar.

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1 - Ausncia de projeto dos postos de trabalho Riscos

Efeitos esperadosQueixas Desconforto postural Varizes de membros inferiores Cansao geral, irritao Pouca disposio para hbitos saudveis fora do trabalho

A concepo do posto de trabalho em p trabalho para a postura em p constante, a qual contornada, segundo os interlocutores da empresa, pelo tapete ortopdico ou tapete anti-estresse (o que seria isso?).

2 - O modelo rgido de gesto do trabalho Metas incompatveis com a variabilidade da matriaprima, com a variabilidade de produtos a depender do dia, da semana e do ms. Rigoroso controle dos tempos e dos movimentos na execuo de suboperaes seqenciadas.

Efeitos esperadosRiscos Hiperacelerao Queixas Irritao Ansiedade Alteraes de sono

Hiperacelerao Privao das pausas

Tdio, frustrao Irritao Ansiedade Alteraes de sono Tdio Frustrao

As sesses de memorizao Hiperacelerao visam evitar as necessidades Privao das pausas de tempo de reflexo para o raciocnio e recuperao de informao estocada (em nvel cerebral) no curso da ao humana de transformao dos meios de trabalho.

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* Uma verso anterior foi publicada em ASSUNO, A. A. Ciclos curtos e repetitivos de trabalho: o caso de uma fbrica de metais. In ANTUNES, R. (Org.). Riqueza e misria do trabalho no Brasil.1a ed. So Paulo: Boitempo; v. 01, p. 177188, 2006.

o

trAbALho repetitivo

Estudar o carter repetitivo das tarefas nos ambientes industriais configurou-se, nos ltimos vinte anos, um eixo das pesquisas interessadas em compreender a elevada prevalncia de problemas musculoesquelticos na maioria dos pases industrializados. O controle da produo pelos gestores e a fragmentao das tarefas conformam o cenrio do trabalho repetitivo. O ritmo de trabalho a expresso do controle, pois ditado pela presso derivada da exigncia de cotas de produo por unidade de tempo ou pela implantao da linha de montagem a qual facilita a reduo do tempo de deslocamento dos seres humanos, da matria-prima e dos objetos. O resultado a diminuio da porosidade no decorrer da jornada. Para os profissionais do campo da sade e trabalho, o trabalho repetitivo apresenta ciclos de 30 segundos que podem variar, ao longo da jornada, at 120 segundos. Entende-se por ciclo de trabalho a durao entre o incio da operao e a mesma operao que ser realizada na seqncia, sem interrupes importantes. Embora a noo de ciclo seja bastante prtica e utilizada, no suficiente para abordar todas as situaes possveis. A complexidade da investigao do carter repetitivo do trabalho e de seus componentes vem exigindo definies especficas e mais adaptveis s situaes reais.

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O trabalho repetitivo seria aquele em que os componentes de trabalho repetem-se mais de 15 vezes por minuto e que mobilizam mais de 1/7 da massa muscular corporal. A lite-ratura sugere, ainda como parmetro, a existncia de um ciclo mais curto que dois minutos, o qual repetido durante a jornada. Encontra-se, tambm, uma definio que leva em conta a dinmica do movimento dos membros superiores, considerando-se repetitivo o trabalho o qual, ao exigir fora durante os movimentos das regies distais dos segmentos superiores, para acionar uma parafusadeira pneumtica sobre objetos dispostos em uma linha de montagem, por exemplo; aumenta, a carga esttica dos msculos dos ombros e do pescoo. Sob esse preceito, a repetitividade pode designar a solicitao contnua de um mesmo grupamento muscular durante a realizao de uma tarefa. Para a norma sueca de ergonomia, trabalho repetitivo equivalente a trabalho montono, sendo aquele que envolve uma ou poucas tarefas com movimentos de trabalho muito similares, os quais se repetem continuamente, em um perodo considervel da jornada. As primeiras proposies, que tm como parmetro o ciclo de trabalho, so teis para o caso de trabalho em linha de montagem, em que o trabalhador permanece fixo em um ponto e a esteira movimenta-se, expondo a cada operador o objeto a ser transformado, que pode ser uma pea de automvel, parte de uma ave ou de um suno na indstria de alimentos, ou um artigo no caixa de um hipermercado etc.

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fsiCAs

A biomecnica estuda as presses exercidas sobre os tecidos moles e observa, em seguida, a(s) reaes destes tecidos. Geralmente, estas reaes so de natureza mecnica cuja expresso pode ser variaes do comprimento, do volume, ou rupturas das fibras musculares. Podem ocorrer mudanas na concentrao inica com consequncias na evoluo das caractersticas do potencial de ao do msculo. As posturas em toro ou as posturas fletidas e os indicadores de insatisfao no trabalho so fatores preditores confiveis dos sintomas. Um prolongamento da durao da exposio aumenta a prevalncia dos sintomas. Constatou-se que os operadores de mquinas de costura industrial, cuja jornada era de cinco horas tinham menos dias de trabalho perdidos por sintomas no pescoo e ombros do que aqueles que trabalhavam oito horas por dia. No entanto, a reduo da durao da exposio retardou em apenas seis meses o aparecimento dos sintomas. Aludiu-se, tambm, que a reduo da exposio se traduz em diminuio da gravidade dos efeitos indesejveis sobre a sade (WERGELAND et al., 2003). Para a tendinite do ombro a taxa de prevalncia entre os soldadores e montadores de objetos em ferro de 18% e 16% respectivamente. As taxas de risco so, a saber: 13 e 11 quando esses trabalhadores so comparados com trabalhadores de escritrio, cuja taxa de prevalncia de 2%. Em um estudo de caso controle, efetuado em uma populao de trabalhadores industriais do sexo masculino, a taxa de risco similar de 11 foi constatada para uma exposio que consiste em trabalhar com as mos no nvel ou acima dos ombros. Os montadores que

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Mobilizao de fora muscular global para compensar a debilidade do projeto industrial que no implantou equipamentos para transporte de carga

sofrem de dor aguda no ombro elevavam os braos mais frequentemente, e durante mais tempo, do que aqueles do grupo controle (BJELLE, 1981). Em estudo de laboratrio, Hagberg (1981) observou tendinite aguda em mulheres que realizavam elevaes repetidas dos ombros durante uma hora de observao. Outros autores sugerem que as associaes entre tendinite e trabalho com os braos elevados podem ser relacionadas repetitividade das extremidades dos membros superiores, enquanto os ombros e braos permanecem sob fora muscular esttica a fim de garantir a estabilidade dos membros superiores suspensos e sem apoios (WINKEL & WESTGAARD, 1992). Entre trabalhadores de uma linha de montagem expostos elevaes repetitivas dos braos e sem sustentao durante longos perodos da jornada de trabalho, foi comum o achado de dor palpao do msculo trapzio entre aqueles que seLeses por Esforos Repetitivos - LER

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Esforo muscular esttico prolongado associado exigncia de gestos precisos e delicados em um posto de trabalho improvisado

queixavam de dores nos ombros. As mulheres que executavam flexes repetitivas dos ombros apresentaram dor e sensibilidade temporria palpao do ombro. As avaliaes do trabalho evidenciaram flexes repetitivas dos ombros em um ngulo va-riando de 0 a 90 graus e a uma cadncia de 15 flexes por mi-nuto. Vale ressaltar que estudantes avaliados apresentaram uma tendinite temporria, quando foram submetidos a flexes repetidas dos ombros (BERNARD et al., 1997). Foram observadas associaes positivas entre horas de trabalho e sensao de fadiga e dores no dorso, pescoo, ombros (WERGELAND et al., 2003). Como explicar a associao entre diminuio da jornada e a diminuio do aparecimento dos sintomas? A reduo da jornada de trabalho provoca maior tempo livre e uma reduo da exposio aos eventos agressivos no tra-

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balho. Reduo da jornada implica em diminuio da durao do esforo muscular e, conseqentemente, em diminuio do risco de dor musculoesqueltica. Espera-se, igualmente, a diminuio do esgotamento e do desgaste mental, uma vez ampliadas as margens para o trabalhador estabelecer a sua regulao. Em suma, reduzindo a jornada, diminui-se o tempo de exposio, o que, por sua vez, ocasiona a minimizao do gasto de energia em tarefas que exigem fora fsica, com menor fadiga e menor risco de leso musculoesqueltica.

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psiCoLGiCAs

Os fatores psicossociaisOs fatores ligados organizao do trabalho que influenciam a sade das pessoas, por meio de mecanismos psicofisiolgicos conhecidos, so considerados exigncias psicolgicas ou fatores psicossociais. Eles se referem percepo subjetiva dos trabalhadores sobre os fatores organizacionais. Os fatores psicossociais so riscos para a sade originados na organizao do trabalho (FIG 3). O estudo de Burton et al. (2005) focalizou fatores psicossociais que representariam obstculos permanncia no trabalho, haja vista a elevao dos custos relativos aos afastamentos e a dificuldade de retorno ao trabalho, relacionados s queixas musculoesquelticas. Os fatores psicossociais foram classificados em dois tipos: (1) fatoresLeses por Esforos Repetitivos - LER

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ambientais satisfao no trabalho, suporte, responsabilidade, controle do trabalhador sobre a tarefa, clima orgnaizacional; (2) fator clnico nervosismo. O conjunto de fatores apresentou-se como preditor para o absentesmo por problemas na coluna e nos membros superiores. Os resultados do estudo longitudinal de Leclerc et al. (2004) indicam a mesma direo: os riscos biomecnicos no so os nicos associados dor no ombro, os sintomas depressivos e o baixo controle do trabalhador sobre a tarefa, independentemente do sexo, foram preditores do desfecho investigado. As associaes entre fatores psicolgicos e LER aparecem mais fortes para a regio do pescoo e ombros do que para mos e punhos. As evidncias conduzem idia de que fatores psicossociais podem explicar uma maior contrao da musculatura do pescoo e dos ombros (BONGERS et al., 2002). Sob o ponto de vista quantitativo, os fatores psicossociais referem-se ao volume de trabalho por unidade de tempo, o qual foi alocado pela gesto da produo. No cotidiano, essa caracterstica sentida como presso temporal, a qual se manifesta na ansiedade derivada das perturbaes no processo que obrigam a execuo simultnea de dupla tarefa, preocupao constante com metas ou interrupo da realizao da tarefa principal (ver Quadro 8, pgina 136). Sob o ponto de vista qualitativo, as exigncias psicolgicas mobilizam a emoo e o afeto. Se as vivncias emocionais so negativas, a insatisfao produzida.

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DETERMINANTE ou ORIGEM

FATORES de RISCO

E F E I TO S

Organizao do TRABALHO

Fatores PSICOSSOCIAIS

1- Insatisfao 2- Problemas de sade vagos e inespecficos 3- Transtornos declarados 4- Perturbaes na qualidade de vida

Figura 3 - Esquema ilustrativo da relao entre organizao do trabalho, fatores psicossociais e efeitos sobre a sade

Sob condies de trabalho desfavorveis, freqentemente, as pessoas reagem modificando o carter ou a natureza das referidas condies. A situao produzida, denominada de estresse organizacional, modificaria o comportamento dos trabalhadores que reagiriam trabalhando mais, utilizando uma fora excessiva, com aumento da tenso muscular, ou reduzindo o seu tempo de pausa. Vale lembrar os riscos dessa abordagem, caso no sejam conside-radas as diferenas entre os indivduos e as dinmicas dos processos psicolgicos. Por isso, devemos adotar uma postura de cautela frente a essa conduta, porque, em nosso meio, comum a tendncia em psicologizar a abordagem e partir para a procura de um ser humano psicologicamente perfeito para enfrentar as situaes extremas. Apesar dos entraves metodolgicos que enfrentam os autores da psicossociologia do trabalho (MOON & SAUTER,Leses por Esforos Repetitivos - LER

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1996) certo haver um efeito direto dos fatores psicossociais sobre o sistema musculoesqueltico. Como explicar tal associao? Diferentes disciplinas e arsenais terico-metodolgicos tm se interessado em responder questo.

A forma como o trabalho estruturado e gerenciado organizao do trabalho - inclui prticas de superviso e de produo e influencia o uso que o trabalhador faz de si para cumprir os objetivos da produo. Os componentes da organizao do trabalho so: horrios, pausas, durao da jornada, horrios extremos, concepo da produo, complexidade, necessidade de habilidades e esforos, controle, relaes interpessoais, perspectivas de carreira, estilo de gesto, caractersticas e cultura organizacional. Esses fatores podem se chocar com as caractersticas e as necessidades do indivduo. A organizao do trabalho a forma pela qual se ordenam e se coordenam as diferentes tarefas necessrias realizao dos objetivos de uma organizao ou empresa.

As caractersticas do trabalho interferem nas condies gerais de sade do indivduo. Por exemplo, o aumento da satisfao com o trabalho est relacionado melhora da qualidade do sono e ao aumento do tempo livre que seria dedicado aos amigos e filhos. Ambos, melhora da qualidade do sono e aumento do tempo livre, protegem o indivduo dos riscos diversos a que ele est exposto, como pode ser visto em:

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MARTINEZA, M.C.; PARAGUAY, A.I.B.B.; LATORREB, M.R.D.O. (2004) Relao entre satisfao com aspectos psicossociais e sade dos trabalhadores http://www.scielo.br/pdf/rsp/v38n1/18452.pdf

Os fatores organizacionais so objetos de inmeros estudos, cujos resultados so associados a um conjunto de distrbios psicolgicos, como intolerncia, irritabilidade, isolamento. Evidenciam-se, tambm, distrbios fisiolgicos do tipo: problemas respiratrios, cardiovasculares, imunolgicos e problemas ligados esfera do comportamento, entre eles: consumo aumentado de lcool e de fumo, e absentesmo (HOUTMAN et al., 1994).

A atividadeNa atualidade, os autores propem uma abordagem da relao entre atividade e risco de LER, entendendo que a subjetividade exerceria um papel de integrao entre os dois plos. A dimenso subjetiva do trabalho transformaria e integraria os fatores etiolgicos identificados e a atividade do trabalhador. A abordagem da subjetividade permitiria entender por que indivduos trabalhando em postos semelhantes e exercendo as mesmas funes no apresentariam as mesmas queixas ou problemas de sade. Os estudos ergonmicos interessados em compreender a atividade dos trabalhadores colocam em evidncia a atividade cognitiva complexa desenvolvida face aos problemas recorrentes da linha de produo, dos quais os gestores nem sempreLeses por Esforos Repetitivos - LER

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tomam conhecimento e, por vezes, desprezam as sadas que as estratgias implementadas pelos trabalhadores poderiam oferecer. O uso do corpo no trabalho pode estar orientado por estratgias voltadas para as metas da produo, em detrimento da prpria sade. Outras vezes, observam-se as diferenas marcantes entre os operadores na lida com as tarefas, as condies e as regras de trabalho. Em uma indstria de parassis de automveis, o operadora relatava:"eu ponho um bocado de peas aqui, porque fica pertinho da gente, no tenho de abaixar ou esticar o brao toda hora, fica bem no alcance da mo... Eu fao esse estoque aqui para aumentar a produo e evitar abaixar, virar toda hora para pegar as peas... Eu comecei essa idia aqui e o pessoal t seguindo, para facilitar a vida" (COELHO & FELIZARDO, 2006).

Ropolli & Soares (2007) evidenciaram resultado semelhante em uma prensa de tubos para bancos de automveis: "Para ganhar tempo, eu arrumo a linha de solda para cima no suporte, a fica mais rpido quando coloco na prensa". Evitando uma anlise demasiadamente centrada nos fatores individuais, entende-se que as caractersticas organizacionais podem modular certas caractersticas de personalidade. A depender do controle sobre os modos operatrios, as regras da gesto podem favorecer a emergncia dos sintomas, ao provocar a auto-acelerao dos movimentos corporais. Por outro lado, esto bem documentadas as estratgias de autoproteo observadas entre aqueles que no adoecem, apesar de expostos a situaes de risco. Mais detalhes acerca das relaes citadas podem ser obtidas em:

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GRACHT S., COCK N., MALCHAIRE J. Troubles musculosquelettiques des membres suprieurs et de la nuque. Rle des caractristiques psychologiques du travailler. Archives des Maladies Professionnelles, de Mdecine du Travail et Scurit Sociale, v.61, n.7, p.499-505, 2000. MOON, S.D., SAUTER, S.L. Beyond biomechanics. Psychosocial aspects of musculoskeletal disorders in office work. London, Taylor & Francis, 1996. Essa comparao evidencia que o grupo dos trabalhadores no adoecidos relata a implementao de modos operatrios, os quais beneficiam a proteo contra os riscos. Dessa forma, esses trabalhadores podem construir estratgias do tipo evitar os ritmos excessivos, usufruir das pausas, priorizar a qualidade do atendimento em relao quantidade (LIMA, 2002). No grupo dos trabalhadores adoecidos explicitaram-se comportamentos que levavam maior exposio, principalmente, para aqueles trabalhadores que buscam excessivamente o reconhecimento do outro; ou aqueles cuja personalidade mostrou-se marcada pelo perfeccionismo ou senso exacerbado de responsabilidade. Viu-se, em uma fbrica de metais, um operrio criticar os colegas considerados por ele apressados. Esse operrio afirmava tambm que, ao evitar a pressa, conseguia atingir a meta, sem ficar com a camisa molhada de suor e sem adotar flexes acentuadas do tronco. As anlises evidenciaram ciclos curtos e presso temporal. Mesmo assim, o operrio com mais de 20 anos no posto de trabalho no apresentava vrios sintomas relatados por seus colegas. So evidncias que fornecem pistasLeses por Esforos Repetitivos - LER

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para discutir os limites das aes preventivas centradas somente na identificao e no controle de risco (ASSUNO, 2006). As explicaes usuais so simplistas e reduzem a complexidade que envolve as dimenses humanas no trabalho. As dimenses individuais esto implicadas na gnese das doenas, mas essa noo no autoriza os gestores da produo a procurar o homem certo para o lugar errado. Para aprofundar nesse tema, recomenda-se: COUTAREL, F., DANIELLOU F., & DUGU, B. (2005). La prvention des troubles musculo-squelettiques: quelques enjeux pistmologiques. http://www.activites.org/v2n1/coutarel.pdf

COMO OS FATORES DE RISCO BIOMECNICOS AGEM SOBRE O ORGANISMO

* Largamente baseado em CHAFFIN (1987); CLAUDON & CNOCKAERT (1994); GASSET et al. (2000)

Os constituintes do sistema osteoarticular e muscular do suporte ao corpo, protegem os rgos vitais e facilitam as funes mecnicas, como preenso e locomoo. Alm dos msculos e ossos, compem o sistema os tendes, ligamentos, cartilagens e o tecido sinovial. Como qualquer sistema biolgico, esse sistema no esttico. Ele reage, respondendo, de modo especfico, a determinadas agresses produzidas interna ou externamente ao indivduo. A tentativa de recuperao do equilbrio uma res-

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posta a uma mudana ocorrida no ambiente. Pode ocorrer de o sistema biolgico se adaptar, estabelecendo com xito um novo estado de equilbrio ou entrar em colapso temporrio (leso) ou, ainda, em colapso definitivo (morte). Exposto s agresses ocupacionais, o sistema musculoesqueltico mantm sua funo at que seja alcanado algum limite de fadiga. Com a durao da exposio, o sistema iniciar uma resposta inflamatria, cujo principal componente, a dor, pode prevenir a ocorrncia de mais leso, causando uma atitude protetora e uso limitado da estrutura lesada. Observa-se, no nosso meio, devido s poucas margens de autocontrole do trabalho, os trabalhadores ultrapassarem os limites da adaptao biolgica, realizando suas tarefas, apesar da presena da dor. Como relatava uma paciente: "doer sempre doeu, faz parte da profisso". Voltando biologia, os achados fornecidos por estudos experimentais e confirmados na prtica mdica colocam em evidncia que o colapso temporrio traduzido pelo processo inflamatrio pode evoluir para um fenmeno degenerativo das estruturas musculoesquelticas (GROSS et al., 2000). Ambas as condies patolgicas inflamao e degenerao resultam de um fenmeno mecnico de origem ocupacional, cuja evoluo depende dos fatores sociais e econmicos. A carga mecnica altera o equilbrio e a recuperao do sistema osteoarticular e muscular, sendo que a reversibilidade do processo reativo est fortemente associada intensidade e da fora das presses exercidas, alm do tempo de exposio.

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H vrios tipos de carga mecnica:

1. O primeiro decorrente de uma tenso oriunda da contrao prolongada de um grupamento muscular para cumprir uma determinada funo, por exemplo, a tenso dos extensores do punho. 2. O segundo tipo de carga estiramento do tendo que ocorre quando o grupamento muscular hipersolicitado pelas dimenses e pela forma dos instrumentos. 3. O terceiro tipo de carga a presso sobre os tecidos moles geradas por posturas estereotipadas, por exemplo, as angulaes extremas, que provocam uma presso sobre o canal do carpo, quando o trabalhador, a fim de operar o dispositivo da mquina, adota a flexo do punho. 4. O atrito entre as estruturas moles o quarto tipo de carga, a qual pode ocorrer entre o tendo e a sua bainha, no clssico exemplo da digitao; ou dos tendes e as estruturas sseas, tanto na digitao, quanto nos casos de trabalho de abduo de brao. Essas cargas podem, alm de estirar o tendo, hipercontrair o msculo e prejudicar a sua irrigao. Poder ocorrer uma irritao do nervo naqueles stios onde as suas ramificaes so mais superficiais (o nervo ulnar no cotovelo, o nervo radial prximo ao epicndilo lateral), ou, indiretamente, nos casos das estruturas inflamadas provocarem tenso nos trajetos dos nervos que passam em canais estreitos. Os tecidos dos nervos so particularmente susceptveis s foras mecnicas, especialmente nos casos de presses loca-

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lizadas, e podem responder com degenerao de suas estruturas, como ser descrito adiante. O movimento repetitivo pode gerar estresse longitudinal sobre o nervo que decorre em danos sobre a sua fibra. Nessa situao, possvel ocorrer uma degenerao nos envelopes conjuntivos do nervo, ou seja, sob presses diretas o nervo pode sofrer modificaes histolgicas: os envelopes conjuntivos dos nervos (perineuro e endoneuro) podem se tornar o stio da proliferao de tecido conjuntivo. Tal proliferao provoca, ento, um bloqueio, ao menos parcial, da microcirculao sangnea nos vasos do tecido conjuntivo-vascular do nervo, e da leva a perturbaes importantes dos potenciais de ao nas fibras nervosas, com conseqentes alteraes motoras e sensitivas. Os prejuzos para o tecido nervoso dependem do tipo de presso que ele sofre. Uma presso homognea sobre o nervo pode ser incua ou provocar um pequeno prejuzo sobre a fibra nervosa. Uma presso no sentido perpendicular ao de suas fibras gera um esforo de cisalhamento, que o dano mais comum, pois, freqentemente, resulta em prejuzo para a fibra, provocando bloqueio da conduo. Na Sndrome do Tnel do Carpo (STC), as angulaes extremas do punho, necessrias para apreender uma ferramenta de uma determinada forma, tm, por efeito, comprimir de forma aguda o referido nervo mediano contra o ligamento anular, durante a flexo, e contra os ossos do carpo, durante a extenso. Os resultados dos estudos biomecnicos colocam em evidncia o aumento da presso intracanalar, quando o punho est fletido ou estendido. Alteraes nas estruturas sseas, apsLeses por Esforos Repetitivos - LER

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trauma, tambm criam foras de cisalhamento, aumentando a susceptibilidade para desenvolver a STC. A sndrome tambm pode estar associada tenossinovite dos flexores, a qual aumenta a presso no canal o suficiente para gerar uma condio isqumica sobre o nervo mediano, quando ele passa abaixo do ligamento transverso do carpo. Nesse local, o nervo mediano pode sofrer o efeito de tal presso. A presso exercida pelos tendes do msculo flexor profundo sobre o nervo mediano trs vezes mais importante quando o punho fletido a 60 graus do que quando ele se encontra em posio neutra. Tal compresso ainda fortemente acentuada, se os dedos exercem uma fora de preenso digital ou palmar para acionar um dispositivo ou sustentar uma ferramenta. No posto de trabalho, as presses so principalmente liga-das forma, ao peso ou ao tamanho de certas ferramentas que impem angulaes extremas no punho. Ainda mais, a sustentao dessas ferramentas pode necessitar de uma fora de preenso importante. Nessa situao, os tendes dos msculos flexores comuns dos dedos exercem uma presso importante sobre o nervo mediano. As caractersticas individuais podem exercer um papel preponderante no surgimento da STC: o tamanho do tnel, por exemplo. Outras condies so associadas ao quadro: a reteno de lquido na grvida, o diabetes, a amiloidose modificam a presso intracanalar. As vibraes provocadas pelas ferramentas, por exemplo, esto igualmente na origem de um aumento da presso sobre o nervo mediano, pois eles provocam um aumento involun-

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trio da fora de preenso e, ainda, um esforo agudo sobre os tendes dos flexores dos dedos por reflexo tnico vibratrio. Ademais, conveniente lembrar que as vibraes podem estar na origem de distrbios vasculares (Sndrome de Raynaud) e podem provocar o surgimento de microedemas intraneurais. Sob o ponto de vista fisiolgico, o msculo hipersolicitado o local das modificaes bioqumicas: acmulo de lactatos, insuficincia de glicognio, modificaes das concentraes inicas intra e extracelulares. Em condies dinmicas (quando h movimento), esse fenmeno menos sensvel, pois a circulao sangnea s afetada durante breves instantes, ou seja, as presses rtmicas podem at favorecer a circulao sangnea, apesar dos prejuzos conhecidos que poder trazer. Nas condies estticas, ou seja, quando o msculo solicitado continuamente, a carga pode comprimir os vasos sangneos localizados no ventre do msculo, resultando em fadiga, devido ao dficit de oxignio. Os sintomas de fadiga constituem, freqentemente, o primeiro sinal de uma hipersolicitao muscular. A recuperao dessa fadiga depende do tempo de repouso, o qual deve ser proporcional s presses sofridas. Mas, durante certos exerccios dinmicos particulares, notadamente quando h contraes excntricas (contraes musculares com alongamento do msculo), as deformaes e as rupturas das linhas Z podem surgir. Esse tipo de dano muscular reversvel, mas necessita de um tempo maior de recuperao. Se a organizao formal do trabalho restringe as margens para que o trabalhador siga a sua inteligncia corporal, desacelerando o ritmo, ou fazendo uma pausa, a fibra no se recupera. O msculo hipersolicitado, ou seja, sem possibilidades deLeses por Esforos Repetitivos - LER

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pausas para recuperao, o local das modificaes bioqumicas, como acmulo de cido lctico, principalmente quando as mitocndrias produzem a energia necessria sntese de ATP em condies anaerbicas. As modificaes das concentraes inicas intra e extracelulares provocariam uma diminuio da fora muscular. A hipersolicitao dos movimentos e da fora provoca o aumento da concentrao de potssio e tambm uma diminuio da concentrao de sdio no meio extracelular. Surge a fadiga muscular como a expresso do recrutamento de um nmero maior de unidades motoras. A fora mecnica repercutir na unidade motora e no msculo, podendo levar ruptura de miofibrilas e liberao de substncias qumicas, induzindo resposta inflamatria. Mesmo em situaes de baixa exigncia de fora dinmica, como o caso da flexo cervical durante as atividades de digitao, a contrao esttica baixa parece estar envolvida com recrutamento praticamente exclusivo de fibras tipo 1, de menor limiar, levando fadiga seletiva e a dano de musculatura cervical e do trapzio. As principais presses que afetam o tendo so: a fora de trao exercida pelo msculo, o atrito e a compresso contra os tecidos adjacentes, quando ele passa ao nvel das articulaes. Diante de um esforo de trao, o tendo se deforma. Esse fenmeno devido s suas propriedades de elasticidade e de viscosidade, pois o tendo comporta-se como um elstico bem esticado que, submetido a uma fora de trao, aumenta o seu comprimento. As caractersticas mecnicas de tal elemento so descritas pela relao entre a presso e a deformao produzida. A presso definida pela relao entre a fora exercida

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e o estado inicial do tendo (antes da aplicao da carga). Detalhadamente, a deformao proporcional diferena entre o comprimento antes da presso e aquele originado como resposta aplicao da carga: comprimento no instante "t" menos o comprimento antes da aplicao da carga. De uma maneira geral, se a presso aplicada provoca uma deformao inferior 3%, a deformao dita elstica ou reversvel, ou seja, quando a presso suprimida, a deformao residual nula. Se a deformao superior a 3%, uma deformao residual subsiste: ela devida s rupturas das fibras de colgeno. A ruptura completa pode aparecer por deformao, variando de 9% e 30%, de acordo com o tipo de tendo. Os tendes adaptam-se ao estresse mecnico, quando o alongamento inferior a 10%. Para os tendes, tambm vale ressaltar a importncia das pausas e da liberdade para que o trabalhador se afaste dos constrangimentos biomecnicos, deixando que as estruturas tendinosas se recuperem e no se deformem irreversivelmente. A importncia da deformao depende da durao da aplicao da presso e do carter cclico da aplicao da carga nos casos de tarefas repetitivas, pois deixam um tempo de recuperao insuficiente. Mostrou-se que, para os tendes do msculo flexor profundo dos dedos, submetidos a 500 ciclos de carga, durante 8 segundos, com um tempo de repouso intermedirio de dois segundos, a deformao viscosa aumenta de 40%; quando o tempo de carga de um segundo e o de recuperao dura 9 segundos, a deformao viscosa nula. Os esforos de trao podem agir sobre o eixo das fibras, mas podem tambm agir perpendicularmente ao seu eixo, porLeses por Esforos Repetitivos - LER

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exemplo, nas situaes em que o tendo cruza uma articulao. O efeito produzido o j citado cisalhamento. Nessas condies, os tendes assemelham-se a uma corda, correndo dentro de uma polia fixa. Durante os movimentos de flexo/ extenso do punho, o atrito se superpe aos esforos de cisalhamento. Os tendes de certos msculos (infra-espinhoso, supraespinhoso, bceps, flexores comuns dos dedos...) comportam partes vascularizadas e partes no vascularizadas. A nutrio desses ltimos assegurada pela difuso do lquido sinovial, proveniente das bainhas sinoviais. Em detrimento de nutrio, os tendes sofrem modificaes histolgicas com sinais de degenerao, como presena de clulas mortas, depsito de clcio e microrrupturas das fibras de colgeno. Os sinais de degenerao so, sobretudo, localizados nas zonas no vascularizadas. Essas alteraes se devem, de uma parte, ao tempo prolongado de isquemia e, de outra parte, s insuficincias crnicas de lquido sinovial. A isquemia aparece durante a compresso dos tendes, por exemplo tendes da coifa dos rotadores comprimidos sob o arco coracoacromial. Uma abduo de 30 graus do ombro provoca uma isquemia parcial nos vasos, os quais irrigam, entre outros, os tendes. A insuficincia do lquido sinovial tambm pode ter origem na diminuio do seu volume de secreo pelas bainhas ou na alterao de sua qualidade nutritiva na vigncia de processo inflamatrio.

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A bainha sinovial tambm sensvel s cargas mecnicas, como a repetitividade que pode provocar espessamento da sinvia. Atividade altamente repetitiva aquela em que a operao repete-se a cada 30 segundos ou em mais de 50% da durao do trabalho. A inflamao dos tendes dos msculos flexores dos dedos ou da sua bainha sinovial gera aumento de lquido e aumento permanente do seu volume, provocando a citada presso sobre o nervo. Quando as perturbaes perduram, as arterolas e as vnulas hipertrofiam-se, o nmero dos fibrcitos aumenta e o tecido conjuntivo prolifera. Todos esses efeitos, que podem ser interpretados como uma adaptao dos tendes e do aparelho circulatrio s presses sofridas, aumentam o volume dos tecidos. Como resultado, espera-se um aumento da presso permanente nas estruturas canalares, por exemplo, no canal carpiano e no canal cubital.

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A PRODUO SOCIAL DA LER Na literatura, so recorrentes e explcitas as seguintes afirmaes: 1. A ao ergonmica sobre os fatores fsicos e biomecnicos reduz consideravelmente os riscos de ocorrncia de LER. 2. A interao entre os fatores de risco fsicos e psicossociais no trabalho aumenta a probabilidade de ocorrncia de LER. 3. Os fatores de risco no trabalho so numerosos: fsicos (fora exercida, trabalho esttico e montono, cons-trangimentos posturais, gestos repetitivos, posto de trabalho e equipamentos inadequados, exposio vibrao), psicossociais (organizao do trabalho, relaes interpessoais, tarefas de ciclo curto, fraco con-trole sobre o traba-lho, pagamento por produo, gesto fraca, formao insuficiente, ausncia de pausas) e individuais (sexo, idade, experincia, atividade fsica, estilo de vida, caractersticas psicolgicas). 4. As aes nas empresas no devem focalizar unicamente a exposio aos fatores fsicos ou biomecnicos. Essa assertiva deriva-se de resultados recentes sobre o carter multidimensional do adoecimento musculoesqueltico, apesar das lacunas existentes quanto aos mecanismos explicativos para o seu desencadeamento. Seria necessrio determinar o papel de cada um dos diferentes fatores envolvidos. Devido forte associao entre certos fatores e a LER, numerosas pesquisas investigam os objetos citados. No entanto, as complexas interaes e a

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dependncia entre os fatores complicam o exerccio de se estabelecer a causalidade. 5. A magnitude crescente do adoecimento musculoesqueltico no mundo e os conhecimentos cientficos atuais permitem aes concretas nas empresas. 6. A implementao e avaliao de metodologias de interveno constituem, atualmente, as principais lacunas no que se refere eficcia da preveno nos locais de trabalho. Um desafio importante seria avaliar de maneira sistemtica e precisa as intervenes em campo (COUTAREL et al., 2003).

Modelo de anlise das iniqidades em sade musculoesquelticaNa Figura 4 apresentam-se os principais determinantes da sade classificados em trs nveis: o nvel individual, o nvel intermedirio e o nvel global. No centro do modelo, nvel do indivduo, esto as caractersticas pessoais, como: idade, sexo, fatores constitucionais, as quais so imutveis e influenciam o potencial da sade. Portanto, no podemos agir sobre elas. Para mais detalhes, consultar: WOODS, V.; BUCKLE, P Work, inequality and muscu. loskeletal health. Health and Safety Commission and the Health and Safety Executive. Sudburg, UK (2002), 87p. http://www.hse.gov.uk/research/crr_htm/2002/crr02421. htm

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Scio-econmico, cultura e ambienteCultura Grupo social, expectativas, religio rea geogrfica rea residencial, dsemprego Econmico Impostos e benefcios, pobreza, transporte, bens, padro de vida, renda Suporte social Tipo de suporte social Condies de vida Habitao, acesso a alimentao, incentivos Assistncia sade Inadequado acesso ao cuidado e informao em sade, servios de sade Condies ambientais

Fatores ocupacionaisTipo ocupacional Desemprego, baixo estatuto, falta de perspectiva na carreira Condies de trabalho Baixa renda, pagamento por produtividade, trabalho em tempo parcial, jornada extensa, trabalho fragmentado, trabalho em turnos, trabalho noturno, contrato temporrio, insegurana no emprego Organizao do trabalho Ritmo, presso, horrio, carga de trabalho, gesto, superviso, treinamento Ambiente de trabalho e cultura Condutas de sade e segurana precrias, apoio gerencial para sade e segurana treinamento insuficiente, debilidade acesso a educao e segurnaa, manuteno dos equipamentos insatisfatria, baixo suporte social, ausncia de envolvimento do trabalhador. Contedo e demanda do trabalho Pouca diversidade, baixa solicitao de habilidades, baixo poder de deciso, alta demanda, baixo controle, ausncia de projeto, baixa responsabilidade, trabalho manual, repetitivo e montono.

Idade Gnero Raa/grupo tnico Padro de sade estatura

Individual

Atividade fsica, tabagismo, alcoolismo

Estilo de vida

Nvel educacional Acesso a educao

Educao

Carga Fsica e Psicolgica

Sintomas, adaptaes, incapacidade, prejuzos, enfrentamento, notificao

Iniqidade em sade musculoesqueltica

Figura 4 - Modelo explicativo das iniquidades em sade musculoesqueltica.*Extrado e Adaptado de Woods and Buckle (2002) Verso original em: WOODS, V.; BUCKLE, P HAISMAN, M. Musculoskeletal .; health of cleaners. HSE Books: Sudburg, UK, 1999.

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Embora no possamos modificar as caractersticas pessoais dos trabalhadores, as polticas podem modificar os fatores loca-lizados no nvel intermedirio ou meso, aquele em torno do ncleo individual. Os horrios de trabalho podem ser modificados, o fluxo de comunicao pode ser melhorado, e o apoio social pode ser ampliado. Todos esses fatores melhoram as condies de trabalho e reduzem os efeitos sobre o trabalhador. Os indivduos interagem em comunidades e grupos afins e so influenciados pelos fatores sociais e comunitrios representados no segundo nvel do modelo. Apoio social pode proteger a sade dos seus membros e, por outro lado, condies adversas favorecem ou intensificam a exposio aos riscos de adoe-cimento. Entre elas, so citadas as condies de moradia, o tipo de alimentao e o acesso aos servios essenciais e de qualidade. Nessa direo, os hbitos e comportamentos saudveis podero ser modificados por meio de programas coletivos e plataformas de preveno visando, por exemplo, incidir sobre o hbito tabagista ou sobre o modo de vida sedentrio. Vale a pena ressaltar a crtica aos modelos de interveno baseados em concepes punitivas ou reforadoras de culpa em benefcio de abordagens compreensivas, as quais so voltadas para os fatores determinantes dos comportamentos. A esse ttulo Humpel et al. (2000), no estudo de reviso sobre as barreiras e obstculos participao dos sujeitos em atividades fsicas, apresentam a influncia de fatores como: tipo de vizinhana e aspectos ligados ao bairro de moradia ou faci-lidades do tipo existncia de equipamentos de ginsticaLeses por Esforos Repetitivos - LER

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ou de vdeos com programas de exerccios fsicos em casa. A disponibilidade e o acesso a pistas de caminhadas, ciclovias, clubes, piscinas tambm so associados pelos estudos prtica de atividade fsica. Outrossim, as relaes de gnero desequilibram a distribuio das tarefas entre homens e mulheres. Os efeitos da exposio s demandas fsicas e psicolgicas no trabalho tero mais chance de se apresentarem nas mulheres quando comparadas aos homens devido menor possibilidade de recuperao das mulheres no tempo extratrabalho (ver pgina 73). As mudanas recentes ocorridas na organizao do trabalho e nas relaes contratuais relacionam-se distribuio dos riscos e das condies de trabalho, aos quais os trabalhadores no esto expostos de formas e intensidades diferentes, a depender de vrios fatores. As rpidas mudanas na organizao geram um clima de insegurana no trabalho. Inmeros autores associam, por sua vez, o aumento de insegurana ao estresse. O contrato de trabalh