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1 Araguaia-Tocantins: fios de uma história camponesa Rogério Almeida -2006-

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Page 1: Livro Pixote Corrigido-CARLA

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Araguaia-Tocantins: fios de uma

história camponesa

Rogério Almeida

-2006-

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O livro é uma homenagem aos 40 anos de militância em defesa da Reforma Agrária

de Manoel da Conceição Santos, dirigente sindical maranhense.

Dedicado aos homens e mulheres do Bico do Papagaio que conspiram por dias

melhores no campo e na cidade.

À paciência e afeto de Rosa Rocha (companheira).

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Agradecimentos

Quantos braços podem somar na travessia de uma canoa à outra margem do rio? Na

modesta travessia que se realiza através deste livro sou grato a Rildo Brasil, que cedeu o

desenho da capa. Brasil é artista radicado no município de Marabá, sudeste do Pará.

Não é menor a gratidão a Luciana Carla, que fez a revisão, e ao chapa Francisco

Junior, que se empenhou no processo de edição, e ainda fez a orelha do livro. Seria um

herege em não ressaltar o talento do punk e quadrinhista Joacy Jamys na diagramação.

Agradeço ainda aos professores, colegas de curso, aos companheiros do Fórum

Carajás.

Bem como à gentileza da cessão de fotos por parte do Centro de Educação e Cultura

do Trabalhador Rural (CENTRU-MA), Centro de Educação Pesquisa e Assessoria Sindical

e Popular (CEPASP-PA), Comissão Pastoral da Terra (CPT/Marabá-PA), Federação dos

Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI- Regional Sudeste do PA),

Antônio Marques (Gordo). Enfim, aos homens e mulheres das terras do Araguaia-

Tocantins.

E Dona Nelba (genitora), de quem roubei muitas noites de sono.

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EXPEDIENTE Capa: Caboclo quebrando ouriço da Castanha do Brasil - Rildo Brasil

Fotos: CENTRU, CEPASP, CPT de Marabá, FETAGRI, Antonio Marques (Gordo) Ilustração da folha de rosto: Jornal Arca Revisão: Luciana Carla Edição Francisco Junior Programação visual: Joacy Jamys

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Ficha Catalográfica elaborada por Vivyanne R. das Mercês

Índice

Almeida, Rogério Henrique Araguaia-Tocantins: fios de uma História camponesa / Rogério

Henrique Almeida. 160 p.: il., 15,5x21cm Referência bibliográfica

1. Movimentos Sociais – História – Araguaia, Rio (PA) –

Tocantins, Rio (PA). 2. Camponeses – Jornalismo – Araguaia, Rio (PA) – Tocantins, Rio (PA). I. Título.

CDD 21.ed. 307.72098115

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Sumário

Sobre o autor

Apresentação

Antes do primeiro ato

Capítulo I – Chão palmilhado: 40 anos de militância de Manoel da Conceição Santos

Capítulo II – Araguaia: Uma história mal contada

Capítulo III – Sangue, suor e lutas

Capítulo IV – Dezinho, uma morte anunciada

Capítulo V – Políticas públicas para a Amazônia: na contramão da vida

Capítulo VI – Cerrado: Um solo fértil de lutas e sonhos.

Capítulo VII – Visões do Estreito: uma peleja em torno de uma hidrelétrica no rio

Tocantins.

Capítulo VIII - Apanhados do chão: folhas sobre a história recente do campesinato no

sudeste do Pará

Capítulo IX – Comunicação popular em Marabá: um sobrevôo.

Bibliografia

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Sobre o autor

Rogério Almeida veio ao mundo no fim de agosto do ano de 1967, na cidade de São

Luís, Maranhão. É graduado em Comunicação Social, habilitação em rádio, pela

Universidade Federal do Maranhão (UFMA), mas prefere se indispor com a palavra escrita.

Desde 1999 está radicado no Pará. Entre 1999 a 2003, morou em Marabá, trabalhando para

o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP). Atualmente

reside em Belém e cursa o mestrado em Planejamento no Núcleo de Altos Estudos

Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde fez especialização

na mesma área. É colaborador do MST/PA e do Fórum Carajás. Nutre afeição pelo samba,

choro, maracatu, tambor de crioula, coco, bumba-meu-boi, e deseja um dia ter a elegância

de Paulinho da Viola.

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Apresentação

O trem que vai, o trem que vem!

Jorge Néri*1

A maioria expressiva dos paraenses nunca viu de perto um trem. Uma outra parte

considerável sequer sabe que um trecho de aproximadamente 1000 Km de terras, entre o

Pará e o Maranhão, é costurado por uma ferrovia que rasga a parte oriental do coração da

Amazônia rumo aos portos do Atlântico, de onde partem cargueiros para quase todos os

pontos do mundo, levando para além-mar ferro, cobre, ouro...

Estas pessoas não sabem também que, agregado às riquezas minerais incalculáveis,

esta ferrovia leva também suor, lágrimas, dor, sangue, fantasmas da miséria social e da

catástrofe ambiental que assola a população amazônica, que apesar disso ainda resiste, seja

ela ribeirinha ou extrativista, que paga às vezes com a vida a busca do sonho dourado nos

garimpos, e vê sua esperança definhar feito o sorriso das meninas prostituídas nas

corrutelas de beira de estrada.

Posseira, sem terra, quebrando coco. Escravo branco nas fazendas, cercadas por

marcas medievais do atraso e violência contra os direitos humanos. Rebelde como cabanos,

e balaios. Sorridentes como os Onalícios e Expeditos. Meninos como os do Araguaia. Com

traços de Fonteles, Oziel, Dezinho, Zé Goiano e tantos outros combatentes mortos. Vivos

como Manuel da Conceição e legiões inteiras de sem-terra que cortam para lá e para cá com

suas bandeiras vermelhas, sobre terras e história, como locomotiva vindo na contramão da

neocolonização, com a velocidade dos sonhos pintados de pátria, soberania, independência

e nação.

E aqui estamos. Fincados no coração da Amazônia, como um empecilho aos

grandes projetos dos “milicos do atraso“ ou do “Avança Brasil” dos ditadores

subservientes ao capital internacional.

Aqui estamos por séculos no coração da Amazônia. Aqui estamos, quem sabe, há

milênios antes que a história conhecesse o registro e a palavra portuguesa, com seus

códigos judaico-cristãos. Aqui estamos, e ficaremos pelos séculos que inda virão. E quando

1 *Jorge Néri integra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST Pará).

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acreditarem todos que já não mais existimos, crentes de nosso extermínio, ainda assim

estaremos, feito memória, que há de cutucar um presente que desconhece a importância

civilizatória de nosso papel na história. Pretensão?

Em cada registro jornalístico de elementos de nossa realidade, produzido pela

pena crítica de Rogério Almeida, há dor e indignação. Há opressão violenta, mas também

lampejos de subversão. Há morte gotejando sangue em noites chuvosas, e vida,

conspirando nas madrugadas dos acampamentos.

É dessa matéria que são forjados os homens e mulheres da Amazônia do amanhã,

do Brasil do amanhã. Pretensiosamente seremos – ao destruir, sepultar o último símbolo da

opressão do capital sob os escombros da velha sociedade – aqueles cuja generosidade e

visão humanizadora e socialista do mundo, já presente em nossa herança, na vida comunal

de nossos antepassados, poderá ser um componente sem igual para a formação da grande

nação, do porvir de uma nova humanidade.

“Araguaia-Tocantins: fios de uma história camponesa” é lâmina de navalha

afiada e flor poética de resistência. Ligeireza da escrita de Rogério Almeida, que crava

profundo nos dados e na suavidade da palavra. Palavra escrita, que deve ser o registro

histórico daqueles que a escreveram com sangue nas terras dos Carajás, com águas do

Tocantins, com sonhos dos meninos do Araguaia.

Ói o trem... está passando...

Retratos da luta (orelha do livro)

Conheci Rogério Almeida,“Pixote”, em meados dos anos 90, nos agitados

corredores do Curso de Comunicação Social da UFMA. Fomos apresentados por um amigo

em comum, Ricardo Borges, e nos unimos na produção de um fanzine com um nome

bastante atual: “Krise”. Dono de um texto mordaz e implacável que retrata bem sua postura

diante das injustiças e absurdos do “pais das maravilhas”, Pixote conhece como poucos a

realidade do Araguaia-Tocantins.

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Em quase dez anos de atuação nesta região, realizando trabalhos para entidades do

movimento social e popular, ele resolveu documentar neste livro, momentos cruciais da

trajetória de lutas, dores e conquistas de milhões de brasileiros que resolveram desafiar a

violência dos coronéis e palmilhar às custas de sangue o caminho da Reforma Agrária e da

Justiça Social, em um terra onde a lei da bala ainda impera, protegida pela vergonhosa

omissão do poder público.

Poeta, jornalista, e acima de tudo brasileiro, Pixote traça com maestria um

diagnóstico do cotidiano deste pedaço de Brasil, considerado um barril de pólvora no mapa

dos conflitos pela posse da terra, onde interesses de multinacionais, latifundiários, grileiros

e políticos “corruptos” se digladiam com os sonhos de terra, trabalho e dignidade,

cultivados nos acampamentos do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra, nas

passeatas dos sindicatos, na determinação das entidades que pelejam por paz e Justiça

Social e principalmente no rosto de cada cidadão ou cidadã que abraçou este pedaço chão

como morada.

Tive o prazer de ajudar “Pixote” na edição deste livro e pude constatar em cada

palavra, um grito de alerta sobre as sementes de impunidades, plantadas nos assassinatos de

trabalhadores rurais, cujos processos adormece na burocracia do Judiciário. Estas e outras

mazelas inerentes não apenas à região do Araguaia-Tocantins, e construídas por décadas de

abandono e impunidades são retratadas de forma incisiva, sem rodeios nem meias palavras.

O livro antes de tudo um testemunho honesto de quem soube traduzir em prosa a

saga desta gente, que apesar de tantos percalços se nega a “jogar a toalha” e se recusa a

abdicar dos seus sonhos.

Francisco Junior

Jornalista

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Antes do primeiro ato

“O rio corre e vai sem ter começo

nem foz, e o curso, que é constante, é vario.

Vai nas águas levando, involuntário,

luas onde me acordo e me adormeço. “

Ferreira Gullar

Sete poemas portugueses

Araguaia-Tocantins: fios de uma História camponesa é uma fotografia em

3x4 de uma região repleta em história a ser recuperada da memória dos que a fizeram e

fazem ter vida. São personagens simples, cravados na beleza dos rios Araguaia e Tocantins.

Numa terra quase sempre ensolarada, onde o brilho da cidadania não reluz em todos os

semblantes.

Trata-se de uma região ainda rica em beleza natural, apesar das cicatrizes de

destruição deixadas pelo processo de colonização. Onde estão as árvores gigantes: o

mogno, a castanheira? Interrogou uma visitante de além-mar. Mas isso aqui não é a

Amazônia? Continua a visitante, perplexa diante do desmatamento provocado com a

implantação da pecuária.

A tessitura dos fios do tapete dessa terra tão repleta em história, o Araguaia-

Tocantins, resulta da minha atuação por quatro anos (entre fevereiro de 1999 a fevereiro de

2003) na equipe do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular

(CEPASP), uma ONG com sede no município de Marabá, sudeste do Pará.

Este período me possibilitou o contato com as entidades que dão corpo ao

movimento social de luta pela reforma agrária no sul e sudeste do Pará e vizinhança, como

os estados do Tocantins e Maranhão.

O regime ditatorial (1964-1985) é um marco da ocupação amazônica. Trata-se

da integração da região ao restante do país. Integração periférica. No mesmo momento,

insurge o movimento social em busca de afirmação política, ampliando as bandeiras de luta

para além da posse da terra.

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Contestando a lógica de um Estado autoritário, tutelar, patrimonialista e

conservador em uma região marcadamente violenta, as entidades sociais de cunho popular

esgrimam contra os que fecham os olhos para as execuções daqueles que ousam alimentar

sonhos coletivos de dias melhores.

Cada vida ceifada pelos tiros da intolerância reforça ainda mais a luta de

milhares de homens e mulheres que trilham uma caminhada árdua. Marias e Josés estão ali

organizados em diversas formas: sindicatos, associações de produtores, associação de

mulheres, movimento de atingidos por barragens, associações indígenas, associações de

defesa de direitos humanos, organizações ambientalistas. As modestas iniciativas ganham

corpo e se articulam em vários fóruns, redes de ação em busca do reconhecimento de suas

reivindicações em todas as esferas de poder.

A massa que dá vida ao livro parte da vivência com dirigentes, camponeses,

quebradeiras de coco, extrativistas, pescadores, assessores, pesquisadores e tantos outros

personagens. Gente empenhada na construção coletiva. Processo que não se desenvolve de

forma linear e ou mesmo sem conflitos de ordem política.

Outra fonte importante foi a leitura de publicações que tratavam sobre o

processo de colonização da região, além de entrevistas gravadas com personagens da

história, registros diretos, participação em encontros que debatiam a questão da reforma

agrária e o processo de implantação de grandes projetos na região.

Há ainda dados extraídos do boletim eletrônico Contraponto, que foi editado

entre 1999 a 2003, bem como de jornais regionais, locais, nacionais e internacionais.

Também foram usadas como material de pesquisa reportagens publicadas em jornais de

entidades populares. São essas teias que compõem os fios da História.

A idéia de compilar o presente material em livro emerge de um acaso. Ocorreu

quando da seleção de material que deveria permanecer no arquivo de um computador do

CEPASP. Ao iniciar o processo de seleção do que deveria ser mandado para o espaço ou

ser mantido do arquivo de um surrado PC, ponderou-se que o material consistia em

importante registro histórico acerca do movimento popular, o qual poderia colaborar para

compreensão dessa caminhada, e ainda como auxílio à pesquisa de estudantes, cientistas do

Pará e outros rincões do planeta.

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O capítulo que abre o livro enfoca a história de 40 anos de Manoel Conceição

Santos e resulta de um pedido do próprio dirigente que conheci em 1997, quando passei a

percorrer a região, e integrava o grupo do processo de avaliação do Fórum Carajás 2 na

condição de entrevistador.

Além de umas seis horas de entrevista com Manoel da Conceição, tivemos

como fontes depoimento de familiares do dirigente camponês e de pesquisadores e

parlamentares que acompanharam de alguma forma a sua trajetória. Contribuíram ainda

para a construção do material, leituras de jornais nacionais e internacionais.

Este material foi publicado pela primeira vez na revista Democracia Viva, do

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas-IBASE, ONG com sede no Rio de

Janeiro, na edição de número 19, de dezembro de 2003.

Parte do material compilado neste livro também foi publicado no jornal Gazeta

Mercantil (Caderno do Pará), e nas revistas do Rio de Janeiro Ecologia e Desenvolvimento

e Cadernos do Terceiro Mundo, da Editora Terceiro Milênio, e no Jornal Opinião de

Marabá, Pará.

O segundo capítulo trata das ações do senhor Sebastião Rodrigues de Moura, o

Major Curió, um representante do Exército Brasileiro presente da região desde a década de

70, quando da insurgência dos militantes do PC do B, conhecida como Guerrilha do

Araguaia (1972/1974). A motivação para produção do texto surgiu por conta da leitura de

diversas publicações sobre, bem como do livro A Justiça do Lobo, de Ricardo Rezende.

O militar candidatou-se e foi eleito prefeito do município de Curionópolis no

ano de 19993, uma cidade surgida com remanescentes do garimpo de Serra de Pelada, numa

homenagem ao próprio coronel da reserva. Foram colhidas entrevistas com duas pessoas

daqueles distantes dias, além da leitura do livro de autoria de Rezende e pesquisa em

jornais da época.

Os terceiro e o quarto capítulos abordam a questão da violência, um tema que

permeia o processo de expansão do capital rumo ao coração da Amazônia, a sua parte

1. O Fórum Carajás é uma rede de organizações populares dos Estados do Pará, Maranhão e Tocantins, que debatem o processo de colonização da região de Carajás, e a construção de propostas que viabilizam a reprodução econômica, social e cultural das organizações populares.

2. O major foi reeleito a prefeito em 2004.

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oriental. As suas marcas podem ser encontradas nas estatísticas de dirigentes sindicais,

assessores, advogados, religiosos assassinados ao longo de três décadas de registros

organizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade vinculada à Igreja Católica e

criada em 1975.

O capítulo seguinte, Políticas Públicas para a Amazônia: na contramão da

vida, desnuda uma inquietação quanto ao modelo de desenvolvimento adotado na região. O

capítulo tem como fonte de interpretação da agenda de projetos para o vale do Araguaia-

Tocantins e a experiência do Programa Grande Carajás. Um dos desdobramentos é

internalização de passivos sociais e ambientais. Se na década de 1970 a inserção da região

ao resto do país orientava os planejadores, desde 1980 com a inauguração da Ferrovia de

Carajás para o escoamento do minério da serra do mesmo nome, o mundo passou a ser o

parâmetro.

O sexto capítulo, intitulado Cerrado: um solo fértil de sonhos e lutas, tenta

traçar a trajetória do que foi a experiência de ocupação do cerrado no sul e oeste do

Maranhão. Ele foi produzido a partir da leitura de trabalhos de pesquisa produzidos pelo

Fórum Carajás e da vivência com os camponeses do oeste e sul do Maranhão. Também

subsidiaram a elaboração deste texto a participação em espaços de discussão sobre o bioma

cerrado, além de visitas de campo, coletas de relatos diretos, produção de jornais murais

para as diversas entidades que atuam nesta região e a leitura do projeto Cerrado é Vida.

Durante o processo de debate sobre os textos pré-selecionados e revisão,

participei de audiências públicas no Maranhão e Tocantins. As mesmas tinham como tema

central a implantação da usina hidrelétrica de Estreito, município do oeste do Maranhão. O

acompanhamento destas audiências resultou na inclusão de mais um capítulo – Visões do

Estreito: uma peleja em torno de uma hidrelétrica no rio Tocantins. O texto traz

informações que podem ajudar a elucidar a assimetria do poder nos sertões do Brasil,

quando um projeto de grande porte envolve interesse de empresas multinacionais.

Novidade?

Já o oitavo, Apanhados do chão: folhas sobre a história recente do

campesinato no sudeste do Pará batizou a monografia de especialização em planejamento

no NAEA/2004. O capítulo tenta recuperar a história dos grandes acampamentos de

trabalhadores rurais realizados a partir de 1997.

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O capítulo que encerra o livro apresenta sobrevôo sobre a experiência de

comunicação popular em Marabá e vizinhança. A construção do texto teve como fontes a

participação no movimento das rádios comunitárias, além da pesquisa em arquivo do

Cepasp. A leitura de impressos considerados populares nas décadas de 1980 e 1990 do

século passado, além de jornais produzidos no calor das organizações sociais, como o

“Mandi”, “Bafo de Bode”, entre outros, configuraram como fonte inestimável de pesquisa.

A idéia inicial era que os protagonistas envolvidos no que se convencionou

chamar de Núcleo de Comunicação das Entidades Populares de Marabá, no fim da

década de 1990 e o começo do novo século, produzissem uma publicação sobre a

experiência de comunicação junto a essas entidades. Como a caminhada não avançou, ficou

o presente fruto.

Uma coleção de imagens passeia na lembrança. As caminhadas dos sem-terra

com as suas bandeiras vermelhas na Transamazônia, a lona preta nos históricos

acampamentos em frente à sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –

INCRA. Os rostos de alguns dirigentes mortos, os enterros, o sentimento de impotência das

viúvas ante o assassinato dos maridos, numa lógica de impunidade dada quase como certa.

Os caixões fechados. Os semblantes tristes. Um caldeirão de sentimentos.

As bandeiras da luta camponesa do vale do Araguaia-Tocantins estão renovadas.

Como alterada se encontra a configuração geográfica do que se chamou Polígono dos

Castanhais até a década de 70, quando se inicia de forma mais sistemática o processo de

colonização.

A colonização dirigida e espontânea funcionou como força motriz para a

penetração do capital na selva, incentivada por projetos que consideravam as terras do

coração da Amazônia como um vazio demográfico, em um ato de desprezo à presença

indígena na região.

As oligarquias rurais eram as senhoras da vida e da morte de dirigentes sindicais

até a presença do capital industrial e financeiro se instalar de mala e marketing no sul e

sudeste do Pará, e mandar para o escanteio os “coronéis” da castanha. Lógica que tinha no

Estado o principal indutor.

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É possível que a presença do capital industrial tenha mandado em definitivo as

oligarquias rurais para o córner da História? Ou elas continuam a reinventar outras formas

de reprodução social? Como a garantia de financiamentos públicos para os seus projetos, e

a barganha de parentes no assento em órgãos públicos, ou mesmo em câmaras de

vereadores e prefeituras locais?

É possível afirmar que a atmosfera da doutrina de Segurança Nacional se

dissipou do ambiente do Araguaia-Tocantins? Se isso realmente ocorreu, como explicar a

“descoberta” de um serviço de espionagem do Exército Brasileiro direcionado para

monitorar as ações dos movimentos sociais da região no ano de 2001?

É correto salientar que o movimento camponês se encontra numa fase de

emancipação, ao se instalar uma regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura

do Pará (Fetagri) no sudeste desse estado?

Ou, é necessária uma análise mais calma, como sugere Martins (1989, p.91) na

obra Caminhada no chão da noite,

“O fim da ditadura militar não pôs fim ao cerco e esvaziamento das lutas camponesas na Amazônia nem ampliou as possibilidades políticas de os trabalhadores rurais da região construírem ou efetivarem um modelo alternativo de agricultura. Em princípio, o enfraquecimento político e a repressão privada e pública contra os trabalhadores rurais, ao longo do regime militar, deixou feridas que levarão muito tempo para fechar. Enfraqueceu-os politicamente, enfraquecimento agravado pela já mencionada fratura, que divorcia a luta camponesa e os grupos políticos. Ao mesmo tempo, enfraqueceu em conseqüência de política deliberada de forçar o consórcio entre a propriedade da terra e o grande capital, gerando as bases sociais e políticas de uma nova elite da região”.

Quanto à trilha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

como esta se configura na região que concentra o maior número de projetos de

assentamento no Brasil? Tem o principal ator da cena recente da história camponesa no

Brasil uma pista para a definição da política de assentamentos rurais para a Amazônia?

Eis alguns fios da História camponesa do Araguaia-Tocantins, qualquer

incoerência interna na distribuição dos textos resulta do fato dos mesmos terem nascido de

diferentes demandas. Já o uso de verbos no presente, em algumas passagens, mesmo

expressando ações pretéritas, configuram como manutenção do contexto em que os fatos se

deram. A moldura dos textos segue a linha jornalística, e sobre esse prisma deve ser

considerada. Ainda que em determinados instantes ocorram inflexões.

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A possibilidade do convívio direto com a diversidade de atores sociais que

vivem nessa região tão dinâmica do sertão do Brasil é fonte indispensável para a construção

deste material apresentado. A partir dessas pessoas estendo o meu agradecimento a todos

(as) com quem pude conviver: dirigentes, assessores, técnicos e trabalhadores rurais. Que

fazem a roda da História de mover.

Não posso deixar de agradecer a atenção dos professores da Universidade

Federal do Pará (UFPA) Rosa Acevedo Marin e Gutemberg Guerra, que leram e

recomendaram observações (espero que tenham sido cumpridas), e incentivaram a

produção do presente trabalho. Um agradecimento especial ao estimado amigo Francisco

Carlos Júnior. Como eu, filho de humildes da cidade de São Luís. Jornalista de

sensibilidade e pena afiada. Parceiro de abissal paciência que realizou a edição final e

revisão dos textos. Exaustiva empreitada. E à Luciana Carla com o empenho no processo

de revisão.

Essas páginas confrontam a inquietação do colaborador (militante) de

movimentos sociais camponeses do Bico do Papagaio, com o mestrando do Núcleo de

Altos Estudos da Amazônia (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Aqui o

militante com o pesquisador se complementam e se diluem. Nessas páginas ocorre o

amálgama da busca do rigor científico com a vivência de campo. É assim que deve ser o

processo de construção científica na Amazônia?

São muitas as inquietações. A presente publicação reúne apenas alguns fios

desse vasto e complexo tapete de realidades, redes sociais, econômicas e culturais, como

num mosaico. E aguarda as críticas, que sejam bem-vindas. Como um passeio na vale do

Araguaia- Tocantins.

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“Todos estes que aí estão, atravancando o meu caminho,

passarão. Eu, passarinho.”

Mário Quintana

Um dos mais expressivos militantes pela causa da Reforma Agrária no Brasil

veio ao mundo na primeira metade do século passado. Anos em que Vargas, Lampião e

Prestes engrossavam o caldo de nossa história e a segunda grande guerra tomava forma.

Nascido em 1935, em Pedra Grande, povoado do município de Coroatá, no interior do

Maranhão, Manoel da Conceição Santos, ou “Mané”, como prefere ser tratado por

familiares, amigos e companheiros de caminhada, é filho e neto de camponeses, sendo o

mais velho de seis irmãos, tendo ainda mais dois irmãos do primeiro casamento da mãe.

As primeiras letras foram decifradas com o socorro da velha cartilha do ABC e

da Bíblia, na Assembléia de Deus, quando era evangélico e hoje, após mais de quatro

décadas de caminhada, ele se constitui numa reserva moral da esquerda. Esquerda que

parece atordoada, quando, nesta época, conduz pela primeira vez o leme do principal país

da América Latina.

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Nascido no colo de um dos estados mais pobres da nação, ele conseguiu escapar

das muitas enfermidades que vitimaram milhares de crianças pelos sertões do Brasil. No

Vale do Pindaré iniciou a construção de uma história de 41 anos de trabalho aprumada em

princípios humanistas e socialistas.

“São quarenta e um anos de estrada. Para a história, esse tempo não significa

nada”, sentencia Mané, um dos colaboradores na organização do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Maranhão. O militante histórico do PT

reconhece a importância do MST, mas admite que se desligou do mesmo por divergir de

metodologias. Mané avalia que os segmentos de oposição devem equacionar as diferenças.

“Ninguém deve queimar ninguém. Ato comum em algumas relações internas do

movimento popular. Devemos entender que o adversário se encontra do outro lado”, indica

Mané.

Negro, trabalhador rural e nordestino. As

credenciais propícias para engrossar os índices de marginalidade não foram para ele um

problema. Manoel Conceição tem pouco mais de um metro e meio de altura. Estatura que

não se coaduna com a ternura que emana.

Apesar da idade e de toda a vida dedicada ao movimento popular, prossegue

incansável. Mantém as mesmas convicções de antes, quando iniciou sua caminhada, idos de

1962, quando os militares ensaiavam o golpe de Estado. Ex-companheiros que optaram

pelo poder institucionalizado, ocupando cargos em ministérios ou secretarias do governo

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quando o PT ainda não havia chegado ao poder ainda hoje o respeitam e admiram. Para o

guerreiro de tantas batalhas, a ditadura não acabou. Só ganhou um novo colorido.

Sobre o cenário atual do movimento sindical (MS), faz a seguinte leitura:

“A conjuntura tem empurrado o MS para a prática que considero como o novo peleguismo. O peleguismo da negociação, fechar a boca. Devemos trabalhar a edificação da socioeconomia solidária. Pois é certo que se o capitalismo puder arrancar o nosso olho, ele arranca. Já está acontecendo isso”.

Sobre a CUT, vaticina que:

“a Central não deve pensar apenas em garantir emprego dentro da estrutura capitalista, onde cada vez mais menos gente é necessária na linha de produção. O horizonte deve ser um projeto que se contraponha ao capitalismo”.

As palavras de “Mané” traduzem o conhecimento de causa de quem já

conheceu de perto a dor e a covardia, que durante anos habitaram os porões do regime

militar, onde milhares de brasileiros sentiram na pele o terror imposto àqueles que ousavam

construir uma resistência ao autoritarismo dos generais.

Neste período, ele foi preso nove vezes. Entre 1972 e 1976 ficou encarcerado

ininterruptamente durante três anos e meio: “Fui preso no Pindaré. Depois segui para São

Luís, Rio de Janeiro, Salvador, Maceió, Recife e Fortaleza. Enquanto nos outros quartéis a

tortura comia solta, em Fortaleza a tortura era psicológica”, relata.

Em uma dessas “visitas” à cadeia, quando esteve misturado com presos

comuns, um deles confessou que assassinava militantes em troca da redução da pena. Tinha

um lá que contava: “Seu Manoel, sempre que atendo uma encomenda de morte minha pena

reduz uns sete, dez anos. A história é deixar a pessoa dormir. Aí a gente pega caneta ou

lápis e um martelo. É só bater no ouvido. O bicho entra no ouvido. Sai no outro. Não sai

nem sangue. Pela manhã o pessoal acha o cara morto. O que foi? Se matou”, recorda.

O SEMEADOR DE SONHOS

No chão palmilhado por Mané surgem marcas de prisão, tortura, sangue, amor,

exílio, trabalho com educação popular, construção do Partido dos Trabalhadores (PT) e da

Central Única dos Trabalhadores (CUT), militância na Ação Popular Marxista Leninista

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(AP), entidade formada por jovens oriundos da Igreja Católica, onde chegou a exercer a

coordenação, além da fundação do primeiro sindicato de trabalhadores rurais no Maranhão,

o de Pindaré-Mirim.

Arando sonhos de um Brasil mais justo, ele colheu quatro filhos, oriundos de

dois casamentos e de um namoro e traz cravadas em suas lembranças as cicatrizes do exílio,

ocorrido entre 1976 a 1979 na Suíça. Para um dirigente camponês, que dedicou parte dos

seus dias pela garantia de dignidade, sair obrigado do país era uma humilhação, mas não

havia alternativa. Passar alguns anos fora do Brasil era a única opção para salvar sua vida,

que até hoje é dedicada ao movimento popular.

Poucos jovens que se identificam como de esquerda nunca ouviram falar ou

leram algo sobre o autor do livro Essa Terra é Nossa, resultado de 20 horas de depoimento

colhido em Paris, em 1979, por Ana Maria Galano, e publicado pela Editora Vozes em

1980.

Lançamento do livro “Essa terra é nossa”

Atualmente com 70 anos, Manoel da Conceição mora no oeste do Maranhão, na

cidade de Imperatriz, terra banhada pelo rio Tocantins, e segundo município mais

importante do Estado. Junto com outros trabalhadores (as) rurais coordena a organização

não governamental Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (Centru), que tem

sua matriz em Recife, Pernambuco.

Fundada em 1985, a ONG tem a diretoria formada somente por trabalhadores

rurais. O empenho na organização de trabalhadores e trabalhadoras rurais no projeto da

Central de Cooperativas Agroextrativistas do Maranhão (CCAMA) no oeste e sul do

Maranhão, região de cerrado, baseado na economia solidária e no desenvolvimento

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sustentável, tem funcionado como motivador do trabalho realizado por “Mane” nos últimos

anos.

Apesar de reconhecer a importância da militância durante a ditadura militar,

quando se consolidou como um dos maiores expoentes da esquerda brasileira, ele prefere

conversar sobre o que vem fazendo atualmente e esbanja um entusiasmo juvenil ao falar de

projetos preocupados com o meio ambiente, organização popular, desenvolvimento de

sistemas agroflorestais, discussão e proposição de políticas públicas voltadas para o

pequeno produtor rural.

Manoel da Conceição semeia tudo isso em uma região marcada pela presença

de grandes projetos como a Ferrovia de Carajás, e vitimada pela destruição do cerrado, seja

para a implantação de soja ou para alimentar os fornos das siderúrgicas situadas na Ferrovia

de Carajás, além de uma floresta de eucalipto da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),

que deveria desaguar na implantação de uma fábrica de papel celulose, hoje sem

perspectiva.

A perspectiva é o socialismo, acredita Manoel Conceição. “Não basta ganhar

governo. Temos que trabalhar organicamente,’ avalia. É com os pés na terra, aliás, o pé na

terra, e alma nas nuvens que participou da construção do Centro de Estudos do Trabalhador

Rural (Cetral), espaço de realização de encontros e seminários de trabalhadores rurais

situado no município de João Lisboa, situado as uns 18 km distante de Imperatriz. Nessa

perspectiva percebe-se uma organização centrada nas seguintes organizações: CENTRU,

CCAMA e CETRAL que irradiam o Projeto “Cerrado é Vida”

Mané e sua luta foram o foco da dissertação de mestrado da jornalista e

professora universitária, Helciane Araújo. O trabalho que traça um raio-x do líder

camponês foi apresentado, em 2000 no Mestrado em Políticas Pública/UFMA, com o tema

“Memória, mediação e campesinato: estudo das representações de uma liderança (Manoel

Conceição) sobre as formas de solidariedade assumidas por camponeses na chamada Pré-

Amazônia Maranhense”.

Helciane Araújo explica que em seu estudo sobre Manoel Conceição, ela

procurou analisar como o líder camponês a partir da posição do presente interpreta o seu

passado e quais as representações que ele tem da história que viveu. “Vejo que Manoel hoje

fala não apenas de uma posição, mas de múltiplas posições: do partido, da ONG, da

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cooperativa, sendo que enquanto coordenador de uma ONG e da cooperativa se auto-define

como um ambientalista.” analisa

Sobre a atuação no movimento popular, Helciane Araújo considera que,

“Manoel é a própria resistência do movimento popular no Maranhão, mas não é uma

resistência cristalizada, congelada, colada em princípios dos anos 60, ou dos anos 70. “Pela

experiência de vida, Manoel consegue ter uma visão cosmopolita da realidade brasileira e

da realidade maranhense, e percebe que as estratégias de luta do presente não podem ser as

mesmas de anos atrás”, complementa.

Ela pondera que a forma como ele defende a mudança interior das pessoas face

a qualquer projeto de novo modo de vida o coloca muitas vezes na posição de profeta, de

apaziguador”

Através da leitura de suas representações sobre seu passado, percebemos o

quanto que o agente social (o camponês) mudou, exigindo uma mudança de postura

daqueles que o tentam compreendê-lo, mudança esta que deve levar a uma ruptura com os

conceitos cristalizados. Infelizmente os maranhenses não conhecem essa história e Manoel

Conceição não assiste em vida o seu reconhecimento sequer entre seus parceiros!”, sintetiza

a pesquisadora.

Helena Heluy, deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT/MA),

comunga da mesma opinião e observa a falta do reconhecimento devido à história de

Manoel de Conceição por seus pares de movimento popular e partido a nível estadual e

nacional. “A história de Mané é fantástica”, resume , a procuradora aposentada do

Ministério Público, e histórica militante dos direitos humanos no Maranhão.

A CADEIRA DO DRAGÃO

Um dos momentos mais dramáticos desta trajetória elogiada por Helena Helluy

e que deixou cicatrizes físicas e psicológicas foram as atrocidades sofridas por Manoel da

Conceição nos quartéis durante os governos Médici e Geisel. O período é marcado pelo

acirramento da repressão e da violência contra os opositores do regime. Uma parte desta

trágica experiência vivida por “Mané” está registrada no livro do cardeal D. Paulo Evaris

Arns, Tortura Nunca Mais, que narra algumas da muitas atrocidades cometidas pelos

militares .

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Ele se recusa a falar novamente sobre o assunto, e as informações mais

detalhadas a respeito dos dias em que conheceu o inferno nos porões da Ditadura Militar

foram recolhidas no livro Essa Terra é Nossa e no requerimento de indenização baseado na

Lei Estadual 10.726/2001 encaminhado ao Governo do Estado de São Paulo em 2002, e

deferido no dia 17 de setembro de 2002.

No requerimento entregue ao governo paulista, Manoel Conceição conta que no

dia 02 de janeiro de 1972 foi preso em Trufilândia, região do Vale do Pindaré- Mirim e

levado para o DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) de São Luís, capital do

Maranhão.

Ele narra que já estava preso há mais de um mês, chegando a receber visitas de

padres e do então deputado João Alberto, hoje senador pelo PMDB-MA, sendo também

entrevistado por um jornal que divulgou a sua prisão.

Na madrugada do dia 24 de fevereiro, foi seqüestrado por agentes do DOI-

CODI (um dos mais temidos órgãos de repressão do regime militar) e colocado num avião.

Manoel só veio saber qual era seu destino quando o avião pousou no Rio de Janeiro e foi

entregue ao Comando do I Exército e levado para o quartel de polícia do Exército no bairro

da Tijuca.

Ele teve a sua perna mecânica arrancada e foi colocado nu dentro de uma “cela

geladeira” (cubículo), onde era alimentado apenas com pão e água, tendo que defecar e

urinar no mesmo local em que estava preso. Só era permitida a sua saída da cela para

interrogatórios e sessões de tortura, executadas em sala 3 por 4 metros vedada com se fosse

um cortiço, para ninguém ouvir do lado de fora.

Os métodos de tortura variavam de acordo com a preferência sádica dos seus

algozes. Primeiro, colocaram-no na “cadeira do dragão”, feita com ferro e equipada com

braços e um buraco no assento.

Depois de amarrá-lo na cadeira, os torturadores enfiavam uma barra de ferro e

viravam-no de cabeça para baixo para que ele ficasse com se estivesse em um “pau de

arara”. Nessa posição, ele era espancado com cassetete e recebia choques elétricos nos

órgãos genitais e por todo o corpo. Em seguida, era retirado da “cadeira do dragão” e

espancado com palmatória, cassetete de borracha, murros e a golpes de caratê em todas as

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partes do corpo. Nu e sem a perna mecânica, seu corpo não resistia em pé, e sofria várias

quedas. Em uma delas, sofreu uma fratura no maxilar do lado direito.

Em uma dessas sessões de tortura, ele foi colocado em um carro e levado para

um local que tinha piscina, onde foi amarrado com os braços atados às pernas. Em seguida,

jogaram-no três vezes na água até que ele ficasse sem fôlego. Não satisfeitos com as

atrocidades, os torturadores de Manoel colocaram-no em um poste com os braços atados

para trás, as mãos algemadas ainda sem a perna mecânica. Ele permaneceu neste local,

onde foi espancado por várias horas e ao ser retirado teve de ser hospitalizado, tomando

banho de gelo para espalhar o sangue coagulado no corpo.

Após sair do hospital, Manoel foi levado para o quartel onde as torturas

continuaram com a mesma brutalidade. Os agentes, de capuz na cabeça, amarram-no em

uma grade e prenderam seu pênis com uma corda para impedi-lo de urinar. Ele foi deixado

nessa situação por vários dias, sem direito a água e comida.

Manoel em sua casa no exílio em Genebra, Suíça, com Dom Fragoso, bispo de Cratéus. Quando foi retirado da cela, estava com o corpo cheio de dor e não conseguia

dar um passo. Mesmo assim, as sessões de torturas prosseguiam. Mal seu corpo

apresentava os sinais de uma melhora, ele era novamente dependurado no mesmo lugar, nas

mesmas condições e espancado com os mesmos aparelhos e com a mesma violência

durante horas.

Ao final de cada sessão de tortura, ele perdia até a noção do tempo e sempre era

levado para um hospital, onde tomava banho de gelo e recebia tratamento com antibióticos.

O DOUTOR “CLÁUDIO”

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As sessões de torturas se tornaram mais dolorosas para Manoel da Conceição

quando ele foi transferido para o Cenimar (Centro Nacional de Informações da Marinha).

Neste local, ele conheceu agentes mais dedicados ao regime. Naqueles anos turbulentos,

enquanto, o discurso ufanista anunciava as proezas do milagre econômico, a ida de

qualquer prisioneiro político do regime às dependências do Cenimar era considerada uma

sentença de morte.

O grau de atrocidade das torturas aumentava proporcionalmente com a

debilidade física e psicológica da vítima. Esta tática quase sempre resultava na morte do

prisioneiro e era usada com extrema eficácia no Cenimar.

Inúmeras publicações narram a violência das atrocidades cometidas contra

dirigentes políticos presos pelo regime militar. As práticas mais comuns eram choques

elétricos nos genitais dos prisioneiros, espancamento com barras de ferro e afogamento. Os

dias de Manoel Conceição no cárcere também registram esse tipo de brutalidade.

Durante sete meses vivendo na ante-sala do inferno, ele esteve “desaparecido” e

chegou a receber a ameaça de ser colocado em avião e jogado em alto-mar, método usado

com freqüência para dar “sumiço” aos prisioneiros políticos. Durante as sessões de tortura

no CENIMAR, um homem chamado Dr. Cláudio era o responsável pelo comando do

festival de covardias. Tempo depois, Manoel descobriu que se tratava do inspetor Solemar

Moura Carneiro, agente do órgão de informação da Marinha.

Após sair da prisão, Manoel da Conceição foi julgado em Fortaleza em maio de

1975, pela Auditoria Militar, e condenado a três anos de cadeia e cassação de direitos

políticos por dez anos, mesmo sem nunca ter votado ou sequer possuir título de eleitor.

Como já estava preso há três anos e meio, foi posto em liberdade e depois apelou da

sentença na instância superior em Brasília. Em 1976, foi absolvido por unanimidade pelo

Superior Tribunal Militar, embora ainda continuasse na mira dos torturadores do governo

Geisel.

MARCADO PARA MORRER

No requerimento encaminhado ao Governo de São Paulo, consta que em maio

de 1975, após a sua libertação, foi levado para a casa do Bispo Dom Aloísio Lorscheider,

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então presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Eu era um

cabra marcado para morrer. Doente, ameaçado de morte e precisando de tratamento

médico, o bispo possibilitou a minha vinda para São Paulo, onde fui recebido pelo Dom

Paulo Evaristo Arns e pelo pastor presbiteriano Jaime Wrigth, que providenciaram a minha

internação no hospital Santa Catarina”, relembra.

Após recuperação no hospital, Manoel foi levado para descansar em Vinhedo, e

depois para Osasco, ficando na casa do padre Domingos Barbe, de onde foi seqüestrado por

policiais do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no dia 28 de outubro de

1975.

Com Mário Carvalho de Jesus, advogado da Frente Nacional do Trabalho (FNT), São Paulo, em frente à casa do padre Dominique Barbé, Osasco, onde foi preso em 1975.

No DOPS, o reencontro com os torturadores foi marcado pelo medo. Nas

sessões de espancamento ele era encapuzado e recebia choques elétricos por todo o corpo.

Sarcásticos, seus carrascos lhe diziam que a sua prisão não tinha nada a ver com a Justiça,

era uma questão “pessoal”. Durante 48 dias ele esteve nas mãos dos homens comandados

pelo conhecido delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais empenhados torturadores do

regime. A cada sessão de espancamento e de interrogatório, Fleury dizia para Manoel que a

Justiça fora incapaz de fazer seu julgamento e que o maior crime cometido no Brasil foi

quando o soldado deixou de atirar na sua cabeça e acertou-lhe apenas a perna.

A sua libertação só foi obtida através de batalha judicial, a qual foi travada pelo

advogado Mário Carvalho de Jesus. Além da luta nos tribunais, Manoel contou com o

apoio de amigos e companheiros de caminhada que se mobilizaram no Brasil e exterior. O

Papa Dom Paulo VI, temendo mais sessões de tortura, enviou telegrama para o presidente

Geisel, exigindo a sua libertação. No dia 11 de dezembro de 1975, sob a proteção da Igreja

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Católica e Presbiteriana e da Anistia Internacional, ele deixa a prisão e segue para o exílio

na Suíça.

O EXÍLIO

A escolha da Suíça foi motivada pela solidariedade demonstrada por um grupo

de militantes de esquerda deste país, que organizou o Comitê Internacional Manoel

Conceição, sediado em Genebra. Marguerit Emirie ocupava a coordenação do comitê, que

por sugestão de Manoel, passou a ser chamado de Comitê em Solidariedade ao Povo

Brasileiro. Além da Suíça, ocorreram manifestações organizadas na Inglaterra, França,

Alemanha, Itália e Estados Unidos pela libertação do líder camponês.

A preocupação internacional com a situação dos presos políticos no Brasil, a

qual foi decisiva para a libertação de Manoel da Conceição, bem como a sua ida para o

exílio são comprovadas em um documento da Comissão Internacional de Direitos Humanos

(CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), datado de 1972.

O documento requere ao Estado Brasileiro informações sobre a detenção de

Manoel da Conceição Santos e do militante Luiz dos Santos, atualmente desligado da luta

popular, e morando em Goiás.

Ao responder à solicitação da OEA, o governo militar classifica Manoel como

elemento de elevada periculosidade e ameaçador da ordem estabelecida, definindo-o ainda

como terrorista, produtor de panfletos e de documentos subversivos. Na resposta à

solicitação, os militares voltam a negar as acusações de tortura e violação dos direitos

humanos nos quartéis do Brasil.

Enquanto a imprensa no Brasil era obrigada a silenciar, por conta da censura, as

atrocidades praticadas contra Manoel da Conceição e outros opositores do regime militar

começam a ganhar destaque na imprensa internacional.

Na edição de 05 de outubro de 1972, o The New York Review of Books, editado

nos Estados Unidos, publica as arbitrariedades do regime militar brasileiro. Sobre o caso de

Mané, o periódico noticia: “O exemplo de Manoel Conceição e Luiz dos Santos é uma

amostra dos milhares de casos do povo brasileiro, de todas as classes, que estão nas mãos

dos executores da ditadura brasileira, sendo torturados e assassinados, às vezes a sangue

frio”.

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A matéria, produzida a partir de um manifesto organizado no Brasil, solicita

que sejam abertas investigações contra as violações dos direitos humanos ocorridas no

regime militar.

Apesar de ter sua luta reconhecida no exterior, Manoel despreza o tratamento

recebido por setores da imprensa brasileira, cuja linha editorial, por obediência ou

alinhamento, maculava a militância contra o regime. Enquanto era torturado nos quartéis,

uma reportagem de 1972 assinada pelo jornalista Cláudio Rocha e publicada pela Revista

Cruzeiro desqualificava a trajetória do líder camponês, taxando-o de terrorista, assassino,

analfabeto e massa de manobra dos comunistas. A matéria, escrita em um tom depreciativo,

é definida por ele como uma “vergonha” e, no seu palavreado de “ camponês”, o deixa

“injuriado” até hoje.

Além das cicatrizes da tortura, as lembranças de amigos ainda povoam a

memória de “Mané”. Uma pessoa de quem ele não esquece é a mulher que o levou de

madrugada de São Paulo Para o Rio de Janeiro após a perda da perna. “Estendo o meu afeto

a todos a partir da lembrança dessa moça, a Beatriz”, desabafa.

Manoel Conceição em frente da sede do Centru, João Lisboa-MA

Ele também cita nomes como do Rui Frazão, dado como desaparecido pelo

regime militar; Betinho, o Herbeth de Souza, de quem fala com extremo carinho, o mesmo

externado ao comentar sobre Jair Ferreira de Souza, ex-secretário geral da Ação Popular, já

falecido. “Cabra porreta. Muito solidário. Nutro grande respeito por ele.”, comenta.

Uma rede de solidariedade formada por sindicatos, igrejas, Anistia

Internacional e governo suíço colaboraram para a manutenção de Mané, da sua filha

Mariana e da sua companheira Denise durante o exílio. O período em que passou fora do

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Brasil foi dedicado à participação em manifestações políticas, ocorridas em alguns países

da Europa, África e até no Oriente Médio.

Quando os dias no exílio estavam se encerrando, organizou, ao lado de outros

exilados, um encontro internacional. Algumas das propostas ventiladas nesse encontro

foram a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da CUT (Central Única dos

Trabalhadores), que teriam uma proposta de orientação socialista. No fim de 1979, com a

Anistia, Manoel Conceição integra a comissão de criação do PT. Na opinião do Barão de

Itararé, Aparicio Torelli, a Anistia foi a forma que os militares encontraram para se auto-

absolverem dos crimes que cometeram.

A FAMÍLIA

Com as idas e vindas de uma vida dedicada à coletividade, sobrou pouco tempo

para a família, porém o rosto de Manoel da Conceição é pequeno para comportar o brilho

de orgulho nos olhos quando ele fala dos quatro filhos. “Amo e admiro todos. Mariana foi

concebida em São Paulo após a saída do cárcere e nasceu na Suíça. Acaba de concluir o

curso de Agronomia em São Luís”, confessa. Fruto do segundo casamento, com a advogada

Denise Leal, Mariana foi a cria de que o líder camponês mais esteve próximo. “Acredito

que ela siga as pistas deixadas por mim”, revela.

Os outros dois filhos de Mané nasceram do primeiro casamento, com Maria

Rita. Manoel Filho é pedagogo, Raquel é dirigente sindical em Boqueirão, cidadã sitiada no

interior do Piauí e mãe dos cinco netos que Mané possui.

Rosa Rocha Albuquerque é o nome da caçula nascida do relacionamento com a

alagoana Neide, na época secretária da Diocese em Recife, Pernambuco. Ele se alegra ao

falar que a “Rosinha” deseja cursar História e Antropologia.

Manoel da Conceição lamenta ter ficado tanto tempo longe dos filhos sem

poder ajudá-los, colaborar na educação, ou simplesmente acalentá-los durante a noite

quando eram crianças. Ele admite que isto lhe provoca profunda dor. Sobre as mães de seus

filhos, as considera guerreiras e reconhece que tiveram um papel fundamental na educação

das crianças, enquanto seguia a vida de militante, ou estava foragido ou preso.

O PARTIDO

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Parte do tempo ausente da convivência familiar, após voltar do exílio, foi

dedicada por Manoel da Conceição à tarefa de ajudar a organizar o Partido dos

Trabalhadores (PT). “O primeiro manifesto do PT, organizado por Lula, Jacó Bittar e

Olívio Dutra, que compunham o grupo dos autênticos, foi considerado “meio fraco”,

lembra. Ele recorda ainda que aglutinou junto com Paulo Matos Skromov um outro grupo,

e que gerou uma segunda proposta de manifesto. “Motivamos um debate mais ampliado. O

manifesto foi gerado nessa discussão de grupos de trabalho”, ressalva.

Depois de Mário Pedrosa e Apolônio de Carvalho, segue o nome de Manoel

Conceição Santos no livro de fundação do Partido dos Trabalhadores, no Colégio Sion, São

Paulo, em 1980. Na ocasião do lançamento do manifesto de fundação do PT, Mané dividiu

a mesa com Sérgio Buarque de Holanda, Lélia Abramo, Mário Pedrosa e Moacir Gadotti,

que representava o educador Paulo Freire na ocasião.

Manoel Conceição na sede onde Centru desenvolve o Sistema Agroflorestal (SAF), João Lisboa-MA.

Manoel Conceição colaborou diretamente na organização do PT em

Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, além de animar núcleos no Ceará, Bahia e

Sergipe. Com a certeza de que não sairia vitorioso, encarou uma candidatura ao governo de

Pernambuco em 1982. “Na propaganda da TV, só a foto. Aí alguém dava o currículo:

trabalhador rural, preso não sei quantas vezes, expulso do país. Fiz o maior sucesso na

periferia de Recife,” conta o camponês.

“ESSA TERRA É NOSSA!”

A caminhada de Mané, marcada por inúmeros percalços, já começa a sinalizar

desgastes. No fim de dezembro de 2001, ele teve um acidente vascular cerebral (AVC), que

o obrigou a cumprir uma dieta rigorosa. Os problemas provocados por este tipo doença não

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comprometeram sua memória. Ele lembra da conversa que teve com Mao Tse Tung, líder

comunista chinês. O encontro ocorreu em 1969, em Pequim, quando Mao presenteou

“Mané” com uma perna de madeira, repleta de ideogramas (símbolo usado no alfabeto

chinês).

Assim como outras lideranças de esquerda vindas do movimento camponês,

Manoel tem pouca escolaridade, mas a labuta do movimento popular serviu de faculdade e

o graduou como referência na luta pela Reforma Agrária.

Ele reforça que sempre sonhou e trabalhou por uma sociedade diferente. Em

São João das Mangabeiras, cidade situada na região sul do Maranhão, Mané atua junto com

outras famílias na luta para a construção de uma área de uso coletivo da terra. “Na área há

terra reservada para uso das famílias e uso da cooperativa. Nada de história de posse.”

Ele lamenta que alguns companheiros de caminhada tenham perdido o “prumo

da luta”, mas se alegra ao citar os nomes dos que ainda dividem com ele o mesmo sonho na

construção de um mundo menos desumano. “Não podemos labutar tanto e o atravessador

ganhar tudo. Na minha cabeça não cabe essa história de propriedade da terra. A terra para

nós é dos animais que nela vivem. Quando chegamos tava tudo aí. Que história é essa de

propriedade privada? Essa terra é nossa!”, finaliza.

Uma fonte inesgotável de esperança

O cotidiano de lutas de Manoel da Conceição não propiciou muito tempo para a

família e muito menos para acompanhar de perto o crescimento dos filhos que reconhecem

a importância do pai na história da esquerda brasileira e na luta pela Reforma Agrária.

Manoel da Conceição Filho, um dos rebentos do velho Mané, relata:

“Confesso-me incompetente para falar da importância de Manoel Conceição

para o Movimento Popular, conforme me fora solicitado. Pra ser sincero,

ultimamente tenho estado acometido por uma extrema dificuldade para discernir

com nitidez a face e a natureza do movimento popular; mais ainda, para

identificar seus reais propósitos e projeto. Entretanto, proponho-me, na direção

inversa, expressar minha leitura sobre a importância do dito movimento popular

para o cidadão Manoel Conceição Santos.”

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Ele ressalta que uma das grandes virtudes de seu pai é ter construído uma vida.

A única que por opção desconheceu o sentido da particularidade.

Manoel Conceição é, seguramente, um dos poucos companheiros que não

apenas aderiu ao coletivo como causa maior, mas que efetivamente abdicou,

conscientemente, de sua dimensão pessoal, para decididamente assumir a identidade da

Classe Trabalhadora. ”MINHA PERNA É MINHA CLASSE”, frase proferida por ele,

quando em 1965, teve sua perna amputada, conseqüência da voracidade do regime militar;

traduz com muita propriedade o significado vital de seu compromisso com o então

aspirado Movimento Popular.

Seu filho recorda que a imagem guardada da infância, na curta convivência que

teve com Mané é a de um pai totalmente ausente, absorvido em intermináveis reuniões

secretas com outros companheiros e algumas companheiras de semelhantes perfis.

“Lembro-me também, de meu estado permanente de reclusão, pelo fato de apresentar

fortes traços de semelhança fisionômica com meu pai, o que se convertia em natural

ameaça à minha segurança e à segurança de minha família; isso, uma criança com apenas

quatro anos de idade.”, revela.

Manoel Filho conta que antes de completar seis anos, foi, juntamente, com sua

irmã Raquel, que era dois anos mais velha, e com Maria Rita totalmente separado do

convívio com seu Mané; só voltando a reencontrá-lo onze anos depois – em 1979 – quando

ele retornou do exílio, com igual ou maior disposição para dar continuidade à luta em prol

da causa da classe trabalhadora.

O momento histórico do início dos anos 80 transpirava esperança. Finalmente,

vinha à tona o grito da classe trabalhadora que por mais de 20 anos ficara abafado nos

porões da ditadura militar. As mais legítimas forças do Movimento Popular culminaram

com a constituição de dois instrumentos sócio-políticos estratégicos para a construção de

um novo país – o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores

(CUT), dos quais Manoel Conceição foi co-fundador, juntamente com outros valorosos

companheiros.

Fazia parte da estratégia de luta de classes, expressa nos fundamentos, tanto da

CUT como do PT, a construção de um Movimento Popular autônomo e autêntico,

traduzido sob forma de um sindicalismo classista e combativo e de um partido político

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revolucionário que disputaria o poder para colocá-lo a serviço da construção de uma

sociedade sem explorados e sem exploradores.

Em 1985, após uma breve temporada de militância no estado de Pernambuco,

Manoel Conceição retornou ao Maranhão – sua terra natal – estabelecendo morada na

cidade de Imperatriz, na região Tocantina. Aqui, mergulhou novamente em uma luta

intensa em prol da reforma agrária e por um sindicalismo combativo comprometido com a

ampliação dos direitos da Classe Trabalhadora.

Dezoito anos se passaram, a luta gerou e continua gerando conflitos

avassaladores; muitos companheiros e companheiras pagaram com as próprias vidas o

preço por ousar sonhar com um mundo de Justiça.”, retrata Manoel Filho.

Ao fazer um balanço deste período, ele ressalta que houveram muitas

conquistas como a hegemonia no movimento sindical em nível nacional – no campo e na

cidade. Muitos latifúndios foram convertidos em assentamentos da reforma agrária e

diversas lideranças do movimento popular foram projetadas na esfera institucional,

tornando-se vereadores, deputados, prefeitos, governadores, senadores e até presidente da

república.

“Durante os últimos vinte anos, nos quais tive o privilégio de conviver com seu

Mané, o que mais tem chamado a minha atenção nele é a sua profunda esperança e vontade

de viver”, confessa.

Ele define como sendo de uma grandeza incomensurável a pré-disposição para

sempre recomeçar, presente em Manoel Conceição, mas ressalva que tamanha solidez

ideológica, no entanto, não tem conseguido ocultar, sobretudo nos últimos anos, as

profundas marcas de decepções com muitos acontecimentos presenciados ao longo de sua

história de vida.

“Ele se mostra triste frente à vulnerabilidade de expressiva ou talvez

majoritária parcela de históricos companheiros e companheiras que, com relativa

facilidade, encantam-se com os apelos do consumismo e com a ilusão do pseudo- poder de

um estado (neo)liberal e burguês; esquecendo-se dos nominais e anônimos companheiros

que, para ver brotar a esperança, regaram a causa com o próprio sangue”, desabafa.

Manoelzinho, como é chamado pelos amigos e familiares, revela que apesar

destes contratempos, a importância que Manoel Conceição atribuiu ao Movimento Popular

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e à classe, só é igual à que ele atribui à sua própria vida, e deixa bem claro que a esperança

ainda pulsa forte no coração do seu pai.

O GUERREIRO DE UMA PERNA SÓ

Quem é Manoel da Conceição aí? Interrogou o chefe dos policiais militares

durante uma reunião de trabalhadores rurais em Pindaré-Mirim, um dos sindicatos mais

atuantes do Estado que, na época, possuía quatro mil filiados. No turbulento ano de 1968,

marcado pelo acirramento das tensões no campo, os sindicatos de trabalhadores rurais eram

vistos pelos militares como “vespeiros de comunistas” e recebiam violenta repressão.

Recebendo título de cidadão imperatrizense e medalha Frei Epifânio d´Abadia do Prefeito Jomar Fernandes

Uma saraivada de balas seguiu à resposta afirmativa dada pelos participantes da

reunião. O calendário marcava 13 de julho de 1968. O governador José Sarney e José

Antônio Haickel, prefeito da cidade na época, foram apontados como mandantes do

atentado. “Mais de cem tiros foram disparados”, recorda Manoel da Conceição.

Depois de baleado, ele foi levado para a cadeia e, apesar de estar ferido, não

recebeu atendimento médico. Esta situação durou oito dias, o tempo necessário para a perna

gangrenar. Mercúrio era o único medicamento aplicado. Quando um enfermeiro começou a

atendê-lo, os dedos já estavam podres e tiveram que ser arrancados com um alicate. Em

seguida, ele foi levado para um hospital em São Luís, onde teve a perna amputada.

Mesmo ao recontar um fato trágico e que lhe custou sua perna, Manoel da

Conceição lembra um episódio engraçado, ocorrido durante o atentado. O médico João

Bosco havia chegado da capital para tratar da malária que assolava a população rural no

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interior do Estado. “O coitado não conhecia nada. Tava em nossa assembléia. Quando

começaram os tiros correu varando cerca. Caiu dentro do mato umas dez horas da manhã.

Só apareceu umas três da tarde. Morto de fome”, relata.

Após o atentado, três secretários do governo Sarney o procuraram oferecendo

assistência médica, casa, emprego, uma perna mecânica e carro. A permuta consistiria em

ajuda política e foi recusada por Manoel da Conceição que respondeu à proposta com uma

frase transformada em palavra de ordem na sua militância: “ Minha perna é minha classe”.

A perna mecânica só foi obtida mais tarde graças ao dinheiro arrecadado junto

ao movimento popular.

“Valentes, conheci muitos.

E valentões muitos mais.

Uns só valentes de nome.

Uns outros só de cartaz,

uns valentes pela fome,

outros por comer demais,

sem falar dos que são homem

Só com capangas atrás.”

Ferreira Gullar

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História de um valente

Durante os anos em que Manoel da Conceição enfrentava as dores da tortura

nos porões da Ditadura Militar, a região onde líder camponês construiu parte da sua

trajetória foi berço no movimento armado organizado pelo Partido Comunista do Brasil

(PC do B), a Guerrilha do Araguaia, há 33 anos, em uma área conhecida como Bico do

Papagaio (Norte do Tocantins – na época Goiás –, oeste do Maranhão e sul do Pará).

Terra farta em recursos naturais e minerais e alvo de interesses econômicos

diversos, a região é minada por conflitos agrários e palco de intensa disputa ente

latifundiários e sem terras. Passadas pouco mais de três décadas, a história da Guerrilha do

Araguaia ainda é uma “caixa preta” sob a qual paira um horizonte nebuloso que até hoje

permanece encoberto.

Os primeiros passos na construção da guerrilha foram dados em 1969, quando

os militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) chegaram à região e passaram a

preparar as bases para a instalação da guerrilha, que foi dizimada em uma operação que

envolveu mais de 10 mil homens do Exército. A operação, que contou com apoio da

Marinha e Aeronáutica, deu-se entre os anos de 1972 a 1975, nos governos Médici e Geisel.

Militares americanos e portugueses com experiência em combater guerrilha estiveram ao

lado dos militares brasileiros.

O contexto político brasileiro era regido pelo “milagre econômico” e a

conquista do tricampeonato mundial de futebol. Na cena mundial viviam-se revoluções de

cunho socialista, a exemplo da Rússia (1917), China (1949) e Cuba (1959). Eram em 69 os

militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B), travestidos de pessoas comuns,

embora letrados e vindos de outros estados.

A decisão pela luta armada teve como epicentro a VI Conferência do Partido

Comunista do Brasil, ocorrida em São Paulo, no ano de 1966, explica João Amazonas em

artigo intitulado Memórias do Araguaia, publicado no livro Uma epopéia pela liberdade:

Guerrilha do Araguaia – 30 anos (1972-2002), publicado pela editora do PC do B, Anita

Garibaldi.

Combater o regime militar, restaurar a democracia e travar uma oposição ao

imperialismo constavam como metas. Radicados na região a partir de 1967, os militantes

procuravam angariar a simpatia dos camponeses, faziam trabalhos de roça, colheita de

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castanha, erguiam pequenos comércios. Como conta Glênio Sá, na publicação Araguaia:

relato de um guerrilheiro.

A maioria dos camponeses se solidarizou com a luta do PC do B, uns deram

guarita, e outros decidiram entrar no combate armado. As cicatrizes deixadas pela repressão

à guerrilha explicam o receio em falar sobre o assunto na região de Xambioá, cidade do

Estado do Tocantins, separada de São Geraldo, no Pará, pelo caudaloso rio Araguaia, e

coração das atividades realizadas pela guerrilha.

Usando diversos instrumentos de repressão, dentre os quais a prisão e a tortura,

sem deixar de lado a tática da cooptação, muitos camponeses acabaram por colaborar com a

Guerra Suja, nome dado à última ação das forças armadas destinada sufocar o movimento.

Helicópteros, aviões, barcos e até o uso de Napalm, – produto químico para

desfolhamento utilizado pelos americanos na guerra do Vietnã – foram empregados na

operação. Nas lembranças dos moradores mais antigos desta região ainda estão vivas as

lembranças das execuções a sangue frio, usadas para espalhar o terror entre os camponeses

e acelerar o processo de “entrega” dos guerrilheiros.

Em 2001, após a visita de representantes da Comissão de Direitos Humanos da

Câmara Federal à região, com o intuito de encontrar vestígios que indicassem a localização

das ossadas dos guerrilheiros mortos, a população do Araguaia recebeu novamente a visita

de militares, que neste período decidiram realizar na área a Ação Cívico Social (ACISO).

Nesta atividade o exército promoveu a extração de dentes e a emissão de

documentos à população camponesa, buscando a simpatia de pessoas que ainda trazem na

memória recordações da guerrilha. Após a visita dos parlamentares, motivada por uma série

de notícias publicadas na imprensa, sobre a existência de ossadas de guerrilheiros

desaparecidos, o Exército Brasileiro decidiu engavetar o assunto e em 10 de março de 2004,

o ministro da Defesa, José Viegas, declarou a ausência de documentos oficiais nos arquivos

das Forças Armadas brasileiras sobre a Guerrilha do Araguaia, ressaltando que eles teriam

sido incinerados.

O ALGOZ

Em leituras de documentos, livros, depoimentos, um nome se sobressai. Trata-

se do major Curió, hoje coronel da reserva. Ele é colocado como um dos protagonistas da

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operação de repressão à guerrilha. Na época atuava no serviço de inteligência do Exército.

Quando o assunto é a ação no Araguaia ele se esquiva. Avisa a jornalistas e pesquisadores

que o procuraram que estaria produzindo um livro sobre o assunto, embora se recuse a falar

da guerrilha.

O militar da reserva, aposentado com a patente de coronel, é prefeito no

município de Curionópolis, uma pequena cidade do sudeste do Pará, fundada por

remanescentes do Garimpo de Serra Pelada em homenagem ao próprio Curió, que exerce

seu segundo mandato.

Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como “Curió” é mineiro de São

Sebastião do Paraíso, sul de Minas Gerais. Ele iniciou sua carreira política em 1982, ao ser

eleito deputado federal pelo PDS, partido de sustentação dos militares. Essa candidatura

configurava-se muito mais como uma imposição a ser cumprida, do que por qualquer

inclinação política.

Em 1982, os generais Octávio Medeiros e Newton Cruz, ministro chefe e chefe

da Agência Central do Serviço Nacional de Informação (SNI), respectivamente, ordenaram

que o coronel saísse candidato, em uma celebração conhecida com o uísque das oito. Na

edição do Jornal do Brasil de outubro de 1986, o coronel lembrava: “é missão? Se for

missão, sou candidato”, indagava Curió aos seus superiores após receber a ordem: - Você

vai ser candidato. Setenta e oito mil votos asseguraram a sua eleição e em termos

proporcionais, ele foi o deputado mais votado da época.

Um dos colegas de farda de Curió, o Coronel-Aviador Pedro Corrêa Cabral de

Araújo, que ficou 13 meses na região, entre janeiro de 1974 a fevereiro de 1975, na

derradeira fase da Guerrilha do Araguaia, aponta-o como o responsável pela “Operação

Limpeza”, destinada a apagar qualquer vestígio que indicasse a existência de uma guerrilha

no local.

Cabral, que hoje é evangélico, se diz arrependido e escreveu um livro sobre o

assunto: Xambioá: Guerrilha do Araguaia. Em depoimento registrado com o número de

429/01, dado à Comissão de Direitos Humanos da Câmara (CDH), no dia 23 de maio de

2001, ele rememora detalhes desta operação. A derradeira fase da operação tinha por

finalidade eliminar da área qualquer vestígio que indicasse que ali ocorrera uma guerrilha.

“A descaracterização das aeronaves, das pessoas que ali combateram também tinha esta

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finalidade: não caracterizar, jamais, perante a opinião pública nacional como também

perante a internacional de que havia uma situação de guerrilha no nosso país”, relata.

No depoimento, ele conta que a operação durou uns 10 dias, e sua missão era

pilotar um dos dois helicópteros que teriam transferido os corpos dos guerrilheiros para um

local conhecido como clareira de Manoel das Luas, na Serra das Andorinhas, entre

Xambioá (TO) e Marabá (PA). O aviador não soube precisar a quantidade de viagens,

ressaltando que transportava de dois a três corpos em cada vôo.

CHAFURDO NA SELVA

“Chafurdo” foi o primeiro código repassado a Cabral quando aportou na região

da Guerrilha. A palavra designa o encontro de militares com guerrilheiros. E que havia tido

combate. Mas nem sempre era isso ao pé da letra. Cabral rememora que: “quando se usava

a palavra “chafurdo” estava-se dizendo que uma patrulha encontrou guerrilheiros e que teve

combate. Em uma das suas primeiras missões, recebeu mensagens via rádio, de uma

patrulha chamada Curió. “Perguntei sobre sua missão – perguntei o que tinha que

perguntar-, e me disseram, entre coisas, que houve chafurdo. Voltei a Marabá. Cheguei ao

comando, vamos dizer assim, eufórico, e disse que a Patrulha Curió teve chafurdo.

Ninguém deu a mínima. Ao voltar ao alojamento e contar o fato, o pessoal falou: Cabral,

fica na sua. Essa patrulha aí o chafurdo dela é entre aspas. Essa patrulha saiu de manhã com

dois ou três prisioneiros, e eles viajaram. Eles foram eliminados”, recorda.

O depoimento de Cabral foi reforçado três anos depois, em março do ano de

2004, quando um soldado, identificado apenas por Ferreira, confirma ao Procurador da

República do Estado do Pará, Adrian Pereira Ziemba, que oficiais e sargentos cometeram

torturas e mortes de guerrilheiros.

Artigos, livros, depoimentos e outros documentos surgidos após o fim da

ditadura militar em 1984, indicam Major “Curió” como o responsável pelo comando de

várias operações de organização de emboscadas, prisão, sessão de torturas e eliminação de

guerrilheiros. Pesam sobre ele as acusações de perseguidor, seqüestrador, coordenador de

sessões de tortura de religiosos e lideranças sindicais ligadas à luta pela reforma agrária.

A sua carreira como agente da repressão começou na década de 70, sudeste do

Pará, região do Araguaia/Tocantins, onde ele chegou como homem do SNI com amplos

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poderes para mandar e desmandar. Marco Antonio Luchini, doutor “Paulo” e doutor

“Tibiriçá”, foram alguns pseudônimos usados para se aproximar dos posseiros. A missão de

Curió no Araguaia era sufocar a Guerrilha, tendo na sua retaguarda o apoio da Polícia

Federal e do Exército.

Sufocar a Guerrilha foi o primeiro passo para a fama de Curió correr o país.

Não é difícil encontrar nos arquivos de entidades populares no Pará recortes de jornais,

revistas, livros, cópias de documentos que narram as peripécias do homem de confiança de

General Figueiredo. Com o respaldo dos generais, Curió tinha amplos poderes e encarnava

o Estado em lugar desprovido de todo tipo de serviço público. Em terra de ninguém, o

Estado vinha do céu, de helicóptero, como um milagre. Era assim que Curió percorria a

região.

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Em artigo de Luiz Carlos Antero, no livro acima citado, declara-se em sua

página 33, que estava “entre outros homens do Centro de Informação do Exército (CIEx), o

núcleo central da “comunidade”-, Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, enviado à região

como Marco Antônio Luchini, “engenheiro do INCRA”, para montar uma operação de

inteligência à frente de militares sem farda. Curió é tido como principal responsável pelo

massacre do dia 25 de dezembro de 1973, quando tombou, entre outros combatentes, o

jornalista Maurício Grabois, ex-deputado e líder da bancada do Partido Comunista do

Brasil na Constituinte de 1946. Um oficial que testemunhou a cena disse: “foi a morte de

um lutador. Grabois estava doente, enxergava mal e caiu atirando”.

Ainda na mesma página, sobre a Chacina da Lapa, sinaliza que: “À época da

chacina da Lapa, Curió participou pelo CIEX, em Brasília, da preparação da emboscada em

que foram massacrados Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar e Ângelo Arroyo, além de

João Batista Franco Drummond, assassinado sob tortura nos porões do DOI-CODI de São

Paulo. Montada pelo CIEX a partir das denúncias de Manuel Jover Teles, um espião

infiltrado, foi coordenada oficialmente pelo II Exército, que partiu da informação do PC do

B e avaliava a possibilidade de estender a guerrilha rural ao Pindaré, no Maranhão, ao

Xingu e ao interior de Mato Grosso. Da operação participou também o então tenente

coronel Brilhante Ustra (JB, 05/4/92), torturador da ex-deputada Beth Mendes e de José

Genoíno, entre outros.

MIL E UMA UTILIDADES

Além dos serviços prestados para sufocar a guerrilha do Araguaia, “Curió”

possui uma longa ficha de ações praticadas contra militantes do movimento social e

popular. Religiosos envolvidos com estes movimentos como o bispo Dom Alano, Emanuel

Wambergue, Amildo Fritzen, Nicola Arpone e freira Aurélia Duranti, guardam na memória

as perseguições de Curió.

A experiência do missionário italiano Nicola Arpone traduz a violência

daqueles dias. Nicola foi seqüestrado em julho de 1979 em Vanderlândia, Tocantins. O

missionário teve os olhos vendados durante a sessão de tortura e ainda foi ameaçado de ser

jogado do alto de um helicóptero e fuzilado na mata. Após dizimar a guerrilha, a principal

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meta de Curió no Araguaia era livrar os colonos da “ameaça” comunista que, na visão

tosca dos militares, era manifestada principalmente pelos religiosos envolvidos com a luta

pela reforma agrária. A faceta autoritária e violenta do major é retratada com nitidez no

livro A Justiça do Lobo : posseiro padre no Araguaia, de autoria do Pe. Ricardo

Rezende. No livro, Curió justifica a sua intervenção na região alegando: “Minha atuação

ali, daquela forma, se deu porque sou homem do sistema”.

Ricardo Rezende coordenou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Conceição

do Araguaia, sul do Pará. Esteve na região por duas décadas, onde chegou em 1977. É uma

pessoa que possui um bom registro da história do lugar. Conheceu de perto o drama do

povo de Rio Maria, da família Canuto e do sindicalista Expedito Ribeiro, composta por

lideranças sindicais executadas pelo latifúndio. Rezende analisa a permanência de Curió na

região do Araguaia, após o desaparecimento da guerrilha, como a necessidade de o regime

militar ter naquele local um homem de confiança disposto a atuar em uma guerra ainda

maior do que aquela que havia terminado: a luta pela terra.

Essa é uma das chaves para a compreensão do fenômeno Curió. Com sua

chegada, via-se nele o “doutor da mata”, aquele que restou após a Guerrilha para

concretizar a promessa e vigiar a região. O “justiceiro”. A época era a de expansão do

capitalismo na região Amazônica. A doutrina de segurança nacional endossava qualquer

excesso dos militares. Configurava-se assim a concentração fundiária na região, construía-

se o cenário perfeito para o que é hoje a principal área de conflito na luta pela posse da terra

no país. Uma história escrita pela prepotência, violência e impunidade.

Não foi só na região Norte que Curió exercitou seus conhecimentos militares na

repressão contra dirigentes populares. Os colonos do Paraná e Rio Grande do Sul também

conheceram as táticas do coronel Sebastião Rodrigues de Moura década de 1980. O boletim

da Campanha de Solidariedade aos Trabalhadores Sem Terra de Porto Alegre, datado de 07

de agosto, conta que Curió aportou nos Pampas no dia 23 de julho de 1981. Seu destino era

o acampamento Encruzilhada Natalino, embrião do MST, (Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra), que dava ali seus primeiros passos. Sem perder tempo, Curió, monta

barraco no acampamento. Estrutura sistema de alto-falante e começa a promover trabalho

de coerção e cooptação de colonos. Na retaguarda, vários policiais à paisana. O discurso é

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em nome da Presidência da República, dizendo-se possuidor de toda a autoridade para

resolver o problema do acampamento.

O aparato era garantido. Além de policiais, dinheiro, aviões-búfalo ficavam à

disposição do coronel. O aparato era usado para carregar os colonos, levando-os a visitar

projetos de colonização em outros rincões do país. Persuasão e força eram instrumentos

usados para desarticular o acampamento. Sempre falante, o coronel trabalhava para

desmoralizar as lideranças e cooptar colonos com promessas de coordenação em

assentamentos de outros Estados. Contava piadas, e distribuía bombons para as crianças.

Por trás de gestos tão amistosos escondia-se a verdadeira intenção de sua presença naquele

local, abater ainda no nascedouro a organização dos trabalhadores rurais.

O FIM DO ANONIMATO

O anonimato de Curió caiu quando ele foi escalado para pôr ordem no maior

garimpo do mundo, Serra Pelada. João Baptista Figueiredo governava o país há dois anos

quando visitou o garimpo. Em Serra Pelada, elogiou a disciplina imposta pelo seu braço

direito, segundo Figueiredo, rara em muitos quartéis. Falando aos garimpeiros, o general

agradeceu: “desejo estender meu agradecimento ao amigo Curió, que tem conseguido ser,

junto dos senhores, o meu intérprete leal, que tem conseguido trazer aos senhores aquilo

que eu desejaria fazer todos os dias pessoalmente.” Contam as páginas do jornal de Belém,

“O Liberal”, de 19 de julho de 1981. No mesmo período, a Câmara Municipal de Marabá,

junto com a Maçonaria, outorgaram ao homem que livrou a região da “ameaça comunista”

o título de cidadão marabaense, revogado posteriormente.

Homenagens como esta são duramente criticadas pelo padre francês Roberto de

Valicourt, uma das pessoas que sentiu na pele as atrocidades do Major Curió. Hoje com 67

anos de idade, ele chegou à região no mesmo período de Curió. Residindo em Marabá,

sudeste do Pará, padre Roberto mora numa casa simples, onde trabalha com seis jovens

interessados em sacerdócio. Cinco são da própria da região e um é baiano. Sem receios de

falar sobre o que sofreu, ele ressalva que sua história daria para encher vários livros.

Padre Roberto analisa Curió como um homem esperto, que nunca se expunha

nas sessões de tortura, apenas ordenava a missão. Ele lembra com detalhes do dia 02 de

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junho de 1972, quando teve a igreja invadida pelo Exército e foi levado para Palestina do

Pará, uma pequena cidade às margens do rio Araguaia, onde foi torturado.

Em outubro do mesmo ano a truculência seria maior e alcançaria mais almas.

300 pessoas foram detidas na região do Araguaia e encaminhadas para interrogatórios na

comunidade de Bacaba e no município de Marabá. O padre Roberto narra que ali sofrera

uma das piores torturas já praticadas contra o ser humano. Amontoados em cubículos, os

prisioneiros foram obrigados pela sede a tomarem a urina uns dos outros. O episódio

ocorreu na antiga delegacia de Marabá, também conhecida pelo nome de “Casa Azul”.

Padre Roberto recorda que o local possuía vários equipamentos destinados à prática de

torturas e interrogatórios.

Ele define Curió como um homem com extrema habilidade em falar com as

pessoas simples. O religioso aponta o sistema de delação, tática aplicada para detonar com

o embrião das Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) no Araguaia, como uma das

metodologias aplicadas por Curió no combate aos “padres comunistas”. Ele baixou a ordem

que não queria ver ninguém nas missas, nem recebendo os padres comunistas. As pessoas

eram obrigadas a delatarem umas às outras, sob pena de perderem os lotes recebidos, prisão

e tortura. Os que não morreram guardam seqüelas. Tem gente que até se matou”, relata.

Outra pessoa que tem na memória lembranças de Curió é Emanuel Wambergue,

55 anos. Compatriota do padre Roberto, “Mano”, apelido recebido ao chegar a região, é

filho de pequenos produtores na França e chegou ao Araguaia em 1975. Desde sua chegada

até 1987, foi detido onze vezes para interrogatórios.

O motivo para tantas prisões foi a atuação de Mano no papel de animador na

organização de vários sindicatos de trabalhadores rurais no sul e sudeste paraense. Ele

também participou da fundação e foi um dos coordenadores da Comissão Pastoral da Terra

(CPT) de Marabá e da CPT regional Norte. Em todos estes anos de militância escapou de

várias emboscadas, mas lamenta a morte de colegas, que não tiveram a mesma sorte e

acabaram executados.

A MORTE DE LAÉRCIO

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Não é só na região do Araguaia, onde fez fama como “caçador de guerrilheiros”

e “inimigo número um dos ‘padres comunistas’ e de outras lideranças envolvidas com a

luta pela reforma agrária que o nome do major Curió é sempre associado à palavra

violência. Desde 1994, tramita na Justiça do Distrito Federal um processo onde ele é

acusado de ter montado uma emboscada que matou Laércio Xavier da Silva, 16 anos,

suspeito de ter furtado um toca-fitas, na chácara de Curió, situada em Sobradinho, cidade-

satélite de Brasília.

O promotor Francisco Leite, do Tribunal do Júri do Distrito Federal, chegou a

decretar prisão preventiva de Curió e o Ministério Público instaurou um inquérito

administrativo para apurar possíveis irregularidades e omissões no processo cometidas

pelos delegados Antônio Ademar Brandão e Rosana Raimunda Gonçalves. Nos autos do

processo, consta que a emboscada foi montada por Curió, ajudado por dois filhos seus,

Sebastião e Antônio César, e pelos agentes da Polícia Civil, João Bosco Frajorge e Eryson

Coqueiro.

O crime aconteceu num barraco abandonado. Um tiro nas costas de pistola

Beretta nove milímetros tirou a vida de Laércio no dia primeiro de março de 1993. Curió se

defendeu alegando legítima defesa. No entanto, a perícia técnica não detectou vestígios de

pólvora nas mãos dos meninos. Os agentes Frajorge e Coqueiro disseram à polícia que

estavam apenas ajudando Curió e seus filhos numa diligência para procurar os garotos.

O caso até hoje não foi a julgamento e a morte de Laércio entra na lista de

crimes cuja acusação pesa sobre o homem, apontado como um dos responsáveis pelo fim

de guerrilheiros no Araguaia e tortura de centenas de pessoas que ousaram sonhar por dias

melhores em uma região marcada pela lei do “mais forte”.

Em 2004, o filme “Conspiração do Silêncio”, dirigido por Ronaldo Duque,

volta a tocar neste assunto que mesmo sendo considerado proscrito pelo discurso oficial,

ainda deixa cicatrizes profundas em uma região dominada pelo signo da violência, onde

impera a lei do silêncio. Livros, dissertações, teses, reportagens continuam a serem

produzidas sobre o assunto. Entre as publicações mais recentes sobre a questão, consta

Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha, assinada pelos jornalistas Tais

Morais e Eumano Silva, lançado no início de 2005.

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“O inimigo da gente é o latifundiário

que submete nós todos a esse calvário.

Pense um pouco, meu amigo, não vai seus filhos matar.

É contra aquele inimigo Que nós devemos lutar

Que culpa têm os seus filhos? Culpa de tanto penar? Vamos mudar o sertão pra vida deles mudar.”

Ferreira Gullar

João Boa Morte- Cabra Marcado pra Morrer

Um dos pontos da Guerrilha do Araguaia se deu no Pará, no sul e sudeste do

estado. Lá a violência contra dirigentes sindicais e assessores empenhados na luta pela terra

no Brasil tem um capítulo especial. Relatórios anualmente divulgados pela Comissão

Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Igreja Católica, organizada em 1975, denunciam

uma guerra já não tão silenciosa.

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Entre 1976 e 2000, um total de 714 trabalhadores rurais foram executados no

Pará. 534 casos foram registrados no sul e sudeste do estado4. No governo do social-

democrata Fernando Henrique Cardoso morreram mais trabalhadores rurais do que nos

primeiros quinze anos de ditadura militar. Estes dados constam em um relatório da

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará Regional Sudeste (Fetagri), Comissão

Pastoral da Terra (CPT), apresentado em 2001, durante a realização de Audiência Pública

em Marabá, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e motivada

pela violência contra trabalhadores rurais e dirigentes sindicais da região naquele ano.

Dona Rosana, viúva do sindicalista de Parauapebas, Euclides, morto em 1998.

O relatório ressalta que entre 04 de julho a 1º de setembro, sete pessoas foram

executadas, sendo três de uma só vez e da mesma família. Para agravar mais o clima de

tensão na área, foi descoberto um quartel-general do Serviço de Inteligência do Exército,

4 1. Os registros organizados pela Comissão Pastoral da Terra dão conta que nos últimos 31 anos (1971-2002), no Estado

do Pará, foram assassinados 726 camponeses. Na primeira metade do período mencionado (1971-1985) foram registrados

340 assassinatos em conflitos fundiários. Na segunda metade do período (1986-2002) foram vitimados 386 camponeses,

demonstrando assim a persistência no tempo do padrão de violência existente no Estado. Se isso estarrece, impressiona

ainda mais os dados da impunidade. 2.De todos esses crimes houve apenas 07 condenações, sendo três mandantes

(Jerônimo Alves de Amorim, Edílson Laranjeiras e Vantuir de Paula); um intermediário, Francisco de Assis Ferreira; e

três pistoleiros, Péricles Ribeiro Moreira, José Serafim e Ubiratan Ubirajara. O massacre de Eldorado do Carajás

configura-se como o caso mais emblemático de impunidade, onde 19 camponeses foram assassinados e depois de 07 anos

nenhum dos policiais envolvidos foi para a cadeia, apesar dos dois comandantes terem sido condenados. (VIOLÊNCIA E

CONFLITO AGRÁRIO NO ESTADO DO PARÁ. Desafios e enclaves que se colocam na pauta de discussão do

Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio.Jax Nildo Aragão Pinto, Belém, Pará, 2003).

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montado em Marabá, cidade, onde se concentra a sede de entidades atuantes na luta pela

Reforma Agrária. A descoberta de um QG de “arapongas” em plena região do Araguaia-

Tocantins foi destaque no noticiário nacional e rendeu uma série de reportagens publicadas

pelo Jornal “Folha de São Paulo”.

A primeira reportagem da série, divulgada em 02 de agosto de 2001, apresentou

documentos secretos do serviço de inteligência do Exército, montado em local estratégico.

A residência dos “arapongas” foi uma cortesia da Eletronorte. Uma agência de notícias com

o nome de “RP Free Lance” era o disfarce usado pelos militares. Entre os papéis,

considerados confidenciais pelo exército, foram encontrados cartilhas, manuais, relatórios,

fitas de vídeo, fichas de informantes e colaboradores.

A reportagem da Folha de São Paulo revelou a existência de 541 arapongas

operando no país e até no exterior. Informou que desde o início do governo FHC, que

entrava no terceiro ano do seu segundo mandato, o serviço de espionagem já havia

consumido mais de 31 milhões de reais.

Os documentos encontrados revelam que o serviço de inteligência nutre

especial interesse por entidades ecológicas, de defesa dos direitos humanos, e aquelas

dedicadas à questão indígena, com atuações na Amazônia. Relatórios encontrados no QG

revelam a aversão aos partidos de oposição e às organizações que militam na luta pela

Reforma Agrária.

O MST é elevado à categoria de ameaça à ordem pública e principal alvo dos

serviços de espionagem. A criminalização dos movimentos sociais camponeses marcou os

anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. Num ambiente onde a

impunidade dos crimes contra dirigentes camponeses no Pará beira a totalidade, a

continuação da truculência e mesmo a elaboração de uma tabela de preços para cada tipo de

“serviço” é motivada pela omissão. Durante sua visita a Marabá, os parlamentares da

Comissão de Direitos Humanos da Câmara (CDH), receberam a lista com o nome de

pessoas, “marcadas para morrer” (ver quadro no fim do texto).

A eficácia na montagem de uma estrutura de inteligência com agilidade judicial

na emissão de liminares de reintegração de posse de áreas ocupadas, além de aparato

policial para cumprimento das ações judiciais, por parte do Estado, não se reflete na

apuração dos crimes cometidos contra trabalhadores rurais. A regra tem sido a carência de

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recursos para realizar as tarefas mais básicas. Como o transporte de corpo de sindicalistas

assassinados. Um exemplo desta situação aconteceu no caso do assassinato do sindicalista

Manoel Messias Colono de Souza, cujo corpo só foi removido para o Instituto Médico

Legal (IML) em carro fretado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá. A

viatura da Delegacia de Polícia Civil Regional de Marabá só executou diligência ao local

do crime depois que o sindicato conseguiu litros de gasolina para a polícia.

Enquanto faltam viaturas, gasolina, pessoal para as diligências em busca dos

assassinos e mandantes de lideranças sindicais, sobram recursos financeiros, materiais e

humanos para perseguição de lideranças sindicais e do MST, e despejo de áreas ocupadas.

Estima-se em R$ 100 a 120 mil reais o custo com tropas de choque da Polícia Militar para

despejo, que costumam usar as fazendas como alojamento, onde, desde o cão ao soldado,

são bancados pelo fazendeiro.

Estas informações fazem parte do dossiê entregue à Comissão de Direitos

Humanos na Câmara Federal por representantes de entidades que militam na região e

conhecem o cotidiano de impunidades deste pedaço de Brasil.

A execução de lideranças, despejo e prisão de dirigentes sindicais colidiu com a

Exposição Agropecuária de Marabá (Expoama), festa organizada pelos pecuaristas da

região, ocorrida em julho de 2001. A Expoama contou com a presença do governador

Almir Gabriel (PSDB), o mesmo que comandava o Estado na época do Massacre de

Eldorado em abril de 1996. Além de Almir, vários secretários participaram da exposição e

em seus discursos, cobriram de elogios os fazendeiros, e demonizaram o movimento

sindical e o MST.

A LEI DA BALA

O dossiê, entregue aos deputados federais que vieram a Marabá conhecer de

perto da realidade do conflito agrário no sul e sudeste do Pará, ressalta que “a repressão, a

violência e execuções de que o movimento sindical do Pará vem sendo alvo no primeiro

semestre de 2001 só tem comparativo com a repressão implantada no tempo da ditadura

militar”.

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O dossiê declara que a opção do Estado, através de suas ferramentas coercitivas

- Justiça e aparato militar, no sentido de garantia de uma “propriedade privada”,

evidenciam uma posição de aliança com os que seriam os donos das terras. Ainda que a

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Terra denuncie que somente 12% dos títulos

de propriedade sejam passiveis de comprovação.

Outras circunstâncias relatadas no dossiê expõem a ausência de neutralidade na

arbitragem do Estado na disputa pela terra. Durante 30 dias três dirigentes do MST ficaram

detidos. Neste mesmo período o fazendeiro Joãozinho, apontado como principal suspeito de

ordenar a execução do líder sindical José Pinheiro Lima (Dedé), era solto. Tendo como

perspectiva tratar uma questão social como militar, uma tropa de choque da PM aportava

em Marabá para efetuar despejo em 15 áreas ocupadas, e Ademir Alfeu Federicci, o

“Dema’, sindicalista no município de Medicilândia, oeste do Pará, era assassinado.

Uma das hipóteses da execução de Ademir Alfeu Federicci, 36 anos, conhecido

como “Dema”, coordenador do Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e

Xingu (MDTX), são denúncias que ele vinha fazendo sobre a realidade do Xingu. Entre

elas a grilagem de terras e o desvio de recursos da Superintendência de Desenvolvimento

da Amazônia (SUDAM), ou ainda a exploração ilegal de madeira, em particular o mogno.

O assassinato do sindicalista ocorreu em sua residência, no dia 25 agosto de

2001. Após lutar com o assassino, Dema foi morto com um tiro na boca em Altamira,

cidade situada no oeste do Pará. Dema iniciou a militância nos anos 70 e era diretor da

Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri). Ele também presidiu o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Medicilândia e entre 1996/2000, foi vereador pelo Partido dos

Trabalhadores (PT).

O Xingu, região oeste do Pará, fronteira com o Mato Grosso, é considerada uma

área de deslocamento da violência no campo no Pará. O contexto combina disputa pela

terra, fraude em cartório, e a execução de pessoas que denunciam a exploração do mogno,

madeira de elevado valor no mercado internacional.

Três mil pessoas estiveram no sepultamento do sindicalista, em Medicilândia,

cidade situada às margens da rodovia Transamazônica. Entre os presentes, muitos

sindicalistas e dirigentes cujos nomes constam na lista dos marcados para morrer. Passado

menos de um mês do assassinato de Dema, Miguel Freitas da Silva, 44 anos, presidente da

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Associação de Trabalhadores Rurais de Ipaú, foi morto por dois pistoleiros em Tucuruí. Pai

de oito filhos, Miguel foi executado na porta de casa por dois pistoleiros que estavam em

uma motocicleta. Uma filha de Miguel presenciou o crime.

BARRIL DE PÓLVORA

Em 2001, quando a comissão de deputados aportou em Marabá, existiam cerca

de 300 assentamentos, com uma população estimada em 60 mil famílias distribuídas em 39

municípios. A messoregião sudeste é a área de abrangência da superintendência regional do

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), de Marabá. Estes números

compunham o cenário que é considerado o barril de pólvora na luta pela reforma agrária do

Brasil.

Garimpo de Serra de Pelada, abertura de rodovias como a Belém-Brasília, a

Transamazônica (1960), e instalação de grandes projetos como o Programa Carajás (1980),

pesaram no processo de colonização da região. Como no restante do Brasil, foi marcado por

extremas contradições. Na região onde o minério é extraído pela tecnologia de ponta da

Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), grassa a violência e a pobreza. Quanto aos

migrantes, a maioria é oriunda do Maranhão, considerado pelo antropólogo Alfredo

Wagner Berno de Almeida como o Estado que mais exporta tensão social no país 5. Os

braços que foram empregados ou escravizados para derrubar a mata para o pasto da

pecuária, edificação da ferrovia, construção de carvoarias e de infra-estrutura vieram

também de outros estados do Nordeste, a exemplo de Bahia e Ceará.

Além da violência contra os camponeses, o Pará é o primeiro no ranking de

trabalhadores mantidos como escravos. Nessa teia os “gatos”, contratadores de mão-de-

obra para as fazendas, possuem posição estratégica. Para os trabalhadores, uma vez nas

fazendas, é difícil safar-se dos capangas que lhes vigiam 24 horas por dia. No entanto,

alguns conseguem a proeza de fugir deste inferno e denunciar. Um desses casos é o de

Josimar Cardoso Oliveira.

5 Dos 19 sem terra mortos na Curva do “S” no Massacre de Eldorado do Carajás, 11 eram do Maranhão.

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José Brito, dirigente sindical de Rondon do Pará em audiência pública em 2001, Marabá-PA.

Josimar Cardoso de Oliveira, 17 anos, veio do Tocantins em busca de trabalho e

encontrou o cativeiro. O adolescente é filho adotivo de um casal de trabalhadores rurais

vindos do Ceará e radicado no estado do Tocantins. O jovem é analfabeto, não possui

certidão de nascimento. Passou 102 dias trabalhando em regime de escravidão na fazenda

Primavera, em São Geraldo do Araguaia. Contratado pelo agenciador da fazenda para tratar

de pasto, com a promessa de salário de R$ 150,00, ele nunca recebeu um centavo. Com

chuva ou com o sol, a rotina começava às seis da manhã e terminava às seis da tarde. A

rotina de Josimar era comungada com outras 50 pessoas.

A dívida do trabalhador escravizado começa a partir da contratação, e seu

débito já é contabilizado no hotel, que funciona como ponto e apoio do agenciador também

chamado de “gato”. Ele também paga a ferramenta, comida, sabão, botina e não usa

equipamento de segurança e mesmo doente, é obrigado a cumprir a jornada de trabalho. “A

vida daquele jeito não entrava na minha cabeça. Aquilo é coisa do diabo. Tenho pena dos

que estão lá”, relembra Josimar.

Ele relata que as escopetas e revólveres dos jagunços estavam sempre prontas

para entrar em ação e inibiam qualquer tentativa de fuga. “Recebi uma porrada de escopeta

no rosto quando fui cobrar salário do capataz da fazenda”, recorda. Para escapar do

cativeiro andou quilômetros a pé, esquivou-se dos tiros e enfrentou a perseguição dos

capatazes. “Quando apanhei fiquei sem jeito. Meu pai nunca me bateu. Tinha que dar um

jeito de fugir. Mesmo correndo o risco de morrer”, finaliza.

Não raro o Centro de Formação Cabanagem, espaço de reuniões e encontros do

movimento sindical camponês da região recebe fugitivos de fazendas. Os registros das

histórias são realizados pela equipe de assessoria da CPT de Marabá. Como a história de

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Josimar, outras se repetem. Com menor ou maior grau de violência. Desfecho diferente.

Pisando na própria sombra: trabalho escravo no Brasil contemporâneo, livro do Pe.

Ricardo Rezende, resultado do doutorado realizado na Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ), investiga a questão da escravidão por dívida.

A ÚLTIMA VOZ DO BRASIL

Nem mesmo a modesta rádio Comunitária Alternativa FM escapou ao

recrudescimento da violência no ano de 2001. A emissora foi erguida a partir da iniciativa

dos movimentos populares de Marabá. Em 2001, durante uma operação de guerra que

durou quatro horas, e sem a autorização de mandado judicial, agentes da Agência Nacional

de Telecomunicações (Anatel), acompanhados de agentes da Polícia Federal, lacraram os

equipamentos da rádio. A operação teve início às 11:10h da manhã do dia 17 de agosto, e

terminou por volta das 14:00 h. André Vianello, estudante, operava a emissora no horário

da blitz. O primeiro passo da PF e da Anatel foi cortar a energia da rádio. Um grupo de oito

policias, três deles armados de metralhadoras e coordenados pelo delegado Célio

Guimarães, acompanharam os técnicos da Anatel, Beline Jesus da Silva Costa e Benedita

Natalina de Souza durante a visita à rádio.

De todos os órgãos de imprensa de Marabá contatados pelas entidades que

tomam conta da Alternativa FM, apenas o jornal Opinião mandou um repórter para cobrir o

caso. Ednaldo de Souza, após ter tirado uma foto que registrava a ação de fechamento da

rádio, chegou a ser coagido pela técnica da Anatel e obrigado a deletar a foto de sua

máquina digital. Os técnicos declararam ao jornalista que não estavam autorizados a prestar

depoimento para imprensa e que a Polícia Federal foi chamada para garantir a “integridade

física” dos agentes da Anatel.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), Federação dos Trabalhadores na

Agricultura (Fetagri), Regional Sudeste Pará, Pastorais da Igreja, Associações de

Moradores, FASE, Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical (CEPASP),

Sociedade Paraense de Direitos Humanos (SPDDH), Movimento de Educação de Base

(MEB), são algumas das entidades que fazem parte da Fundação de Comunicação

Comunitária de Marabá, pessoa jurídica responsável pelo comando da Alternativa FM. O

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pedido de solicitação de funcionamento da emissora encontra-se no Ministério das

Comunicações desde 1998.

O grupo de entidades que compõe a emissora entrou com solicitação de

mandado de segurança na Justiça de Belém, no início de 2000. O mesmo solicitava

funcionamento da rádio, mas o pedido nunca foi julgado. Tendo como âncora a

Constituição Federal e tratados internacionais que garantem a liberdade de expressão, cerca

de trezentas pessoas que participaram do Grito dos Excluídos de Marabá, reabriram a

emissora no dia 07 de setembro de 2001.

Durante o ato de reabertura da rádio foram distribuídos panfletos à população

explicando os motivos desta atitude e colocando para reflexão a reabertura da rádio. No

verso do manifesto, duas interrogações inquietantes: Com quantas chacinas se faz uma

reforma agrária? Com quantos serviços de espionagem se faz uma Nação?

A COLHEITA DE LÁGRIMAS

No dia 04 de outubro, de 2001, “A Fazendinha”, escola privada de Marabá,

onde estudam muitos dos filhos dos fazendeiros da região, teve seu ginásio tomado por

mais de 700 trabalhadores rurais vindos de áreas ocupadas e assentamentos da região. O

motivo era a realização de uma audiência pública sobre o quadro de violência na região. A

CDH da Câmara Federal estava na cidade para ouvir relatos de viúvas, órfãos e dirigentes

da CPT, FETAGRI e do MST.

Os parlamentares chegaram na cidade no momento em que quatro trabalhadores

rurais estavam detidos e em muitas fazendas eram implantadas milícias particulares. Poucos

dias antes da vinda desta comissão, Ozino Silva, liderança sindical do município de

Parauapebas, sudeste do Pará, foi ferido em uma emboscada. No mesmo instante circulava

na região a lista com 24 nomes de militantes que deveriam ser eliminados.

O município de Marabá foi escolhido para sediar a audiência pública por ser a

principal cidade da região. Uma outra audiência deveria ter ocorrido em Belém, mas foi

cancelada pela assessoria de Almir Gabriel, (PSDB/PA), então governador do Estado. A

segunda audiência ocorreu em Altamira, no oeste paraense, onde o dirigente sindical Dema

havia sido assassinado em agosto.

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Nelson Pellegrino, deputado federal (PT/BA), Socorro Gomes, deputada federal

(PC do B/PA), Babá, deputado federal (PT/PA) hoje no Partido Socialismo e Liberdade

(PSOL/PA); Percílio de Souza, representante da OAB e membro do Conselho de Direitos

Humanos da Pessoa Humana (CDDPH), chegaram com duas horas de atraso em Marabá.

Antes da audiência, eles tiveram uma reunião de três horas com lideranças sindicais,

coordenadores de entidades que atuam no movimento popular e sindical, integrantes

Ministério Público do Estado e com o Bispo de Marabá.

A delegação da CDH da Câmara chegou no ginásio escoltada por policiais

federais. Bandeiras do movimento e faixas de protesto contra a impunidade e a violência

enfeitavam o cenário. Em breve o depoimento de viúvas e filhos de lideranças mortas na

luta pela reforma agrária, além de dirigentes ameaçados de morte, iriam ser pronunciados.

Também acompanhavam os depoimentos Elizete Cardoso, superintendente da

Polícia Civil de Marabá, Tenente Melo, Roberto Teixeira, representando o secretário de

segurança Sette Camara, Elaine Castelo Branco, coordenador do Ministério Público

Estadual, além de representantes do Incra, do Ministério Público Federal, da Associação

Brasileira de Ong´s (ABONG) e do Centro da Justiça Global.

Em alguns depoimentos foi difícil domar o nó na garganta e ficaram visíveis os

olhos marejados de lágrimas, na fala das pessoas ameaçadas de morte e das viúvas e filhos

de militantes assassinados. Em tom solene, foi realizado um minuto de silêncio, em

homenagem a pessoas executadas por pistoleiros.

Ednaldo Pinheiro em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal em 2001, Marabá-PA.

Um dos primeiros a depor foi Antonio Rodrigues de Souza, diretor do Sindicato

de Trabalhadores Rurais (STR) de Parauapebas e incluído na lista das 24 pessoas marcadas

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para morrer. “Tenho mais medo da polícia do que outra coisa. Às vezes recebo três

telefonemas por dia de fazendeiros me ameaçando de morte. O delegado de Parauapebas

sabe quem quer me matar, ele tá envolvido em muita coisa errada em Parauapebas. Acho

que estou assinando minha sentença de morte quando falo isso.”, confessou.

Um dos depoimentos mais contundentes foi o de Ednaldo, filho de José

Pinheiro Lima, o “Dedé”, executado com esposa e o filho caçula de 15 anos, no dia 09 de

julho de 2001 em Marabá. O jovem de corpo franzino, trajes simples de filho de

trabalhador rural, portava em uma das mãos uma cartolina com fotos da família executada.

Três irmãos ladeavam Ednaldo durante a fala dele. Revoltado, ele denunciou o fazendeiro

João Davi de Melo Souza, “Joãozinho”, como sendo o mandante do crime. O fazendeiro,

que chegou a ter a prisão temporária decretada, mas acabou ficando em liberdade, chegou a

oferecer dinheiro para seu pai deixar de lado a luta pela reforma agrária. Sobre esse

episódio, Ednaldo desabafa:

“Joaozinho chegou a oferecer 50 mil reais, seis meses de supermercado, casa

em Marabá para o meu pai deixar o movimento pela reforma agrária. O pai não

aceitou e pagou com a vida. O pior é que a morte de meu pai poderia ter sido

evitada. A Polícia Federal havia avisado a Secretaria de Segurança do Pará

quatro meses antes da execução de minha família. A omissão do estado matou

meu pai, minha mãe, e meu irmão.”

Um caso escabroso envolve o delegado Aquino. “No dia 18 de maio de 2001,

Aquino, mais alguns fazendeiros, pistoleiros, sem mandado de segurança chegaram a

fazenda Talimã/Remanso, em Marabá, para desocupar a área. Destruíram toda a plantação

de milho, arroz , mandioca às vésperas da colheita. 50 famílias foram expulsas da fazenda,

quatro prisões foram efetuadas. Foram presos eu, meu pai e mais dois companheiros. A

acusação é a de sempre, formação de quadrilha, que não admite fiança, esbulho

possessório. Apesar da acusação de formação de quadrilha não admitir fiança, fomos soltos

depois do pagamento de R$ 400, 00. Hoje a área vem sendo destruída com a exploração das

castanheiras.”, afirma o trabalhador rural Sebastião Rodrigues.

O banqueiro socorrido pelo governo federal, Ângelo Calmon de Sá, possui

terras por essas paragens da Amazônia. Terra guardada por milícia. Milícia particular

travestida de empresa de segurança é o verniz que os fazendeiros estão criando para

oficializar a pistolagem. Marca e Master são duas das muitas empresas inventadas. Em

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algumas localidades os funcionários/jagunços estão exercitando o papel de polícia. Eles

estão fazendo desocupação, blitz, prendendo e torturando trabalhadores, como denunciam

trabalhadores e trabalhadoras do município de Bannach, sul do estado.

Todos os depoimentos, mais as informações do dossiê, entregue em 2001 à

Comissão pelas entidades que militam na luta pela Reforma Agrária, foram encaminhados

para o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Cópias foram

distribuídas para o ministro José Gregori, ministro Raul Jungmann, e entidades

internacionais que atuam na área dos Direitos Humanos. Entre elas a Corte Interamericana,

Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Nem mesmo a presença da CDH, da Câmara dos Deputados intimidou a ação

da pistolagem na região. No dia seguinte à realização da audiência, o posseiro Nilson Souza

Santos, 32 anos, foi morto com um tiro no rosto na noite de 6ª feira, dia 05, por volta de 21

horas, no barraco na fazenda Taboqueira, município de Parauapebas, sudeste do Pará,

distante 650 Km de Belém, capital do Estado. A fazenda estava ocupada há mais de quatro

anos por 95 famílias. Quarenta dias antes do crime, Nilson havia procurado a direção do

Sindicato de Trabalhadores Rurais de Parauapebas, alegando ameaça de morte pelo gerente

da fazenda conhecido como “Zé Alves”. Orientado pelo STR a prestar queixa na delegacia

do município, o posseiro não deu a devida atenção e acabou sendo mais um nas estatísticas

dos crimes de encomenda.

MARCADOS PARA MORRER

Lista de pessoas incluídas no rol de execuções dos pistoleiros que atuam no sul

e no sudeste do Pará no ano de 2001.

1. Francisco Assis Solidade da Costa (ex-coordenação da FETAGRI-Sudeste

do Pará, vice-prefeito de São Domingos do Araguaia);

2. Raimundo Nonato Santos da Silva (coordenador da FETAGRI, Sudeste do

Pará);

3. José Soares de Brito (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Rondom do Pará);

4. Herenaldo Ferraz de Souza (líder sindical da fazenda Tulipa Negra);

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5. Francisco Salvador (secretário agrário do Sindicato dos Trabalhadores

Rurais de Rondon do Pará);

6. Abidiel Pereira (coordenador da FETAGRI no Sul do Pará),

7. Maria Medrado (liderança em Rondon do Pará);

8. Antônio Souza Carvalho (secretário de Política Agrária da FETAGRI-PA);

9. Mariel Joel Costa (viúva de Dezinho, líder assassinado);

10. Maria das Graças Dias da Silva (liderança da fazenda Tulipa Negra);

11. Sebastião Pereira (líder sindical da ocupação da fazenda Três Poderes;

12. João Batista Nascimento (líder sindical da fazenda Prata, São João do

Araguaia);

13. José Cláudio Ribeiro da Silva (líder sindical de Nova Ipixuna);

14. Carlos Cabral Pereira (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Rio Maria);

15. Izalda Altino Brandão (diretora da FETAGRI, Sudeste do Pará);

16. Raimundo Nonato de Souza (direção estadual do MST do Pará);

17. Luis Gonzaga (direção estadual do MST do Pará);

18. Eurival Martins Carvalho (direção estadual do MST);

19. Ulisses Manaças Campos (direção estadual do MST);

20. Antonia Melo da Silva;

21. Adão Araújo de Jesus;

22. Lúcio da Fonseca;

23. Tarcísio Feitosa da Silva;

24. Bruno Kenpner.

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Sua voz quando canta

me lembra um passarinho

não um pássaro cantando

lembra um pássaro voando

Ferreira Gullar

Uma voz - Toda poesia

O nome do maranhense José Dutra da Costa, o “Dezinho”, é mais um incluído

no rosário de crimes praticados cotidianamente no sul e sudeste do Pará, cuja investigação é

sufocada pela impunidade. Assassinado por pistoleiro em Rondon do Pará, a mando de

latifundiários da região, ele deixou quatro filhos na orfandade e seu caso revela a história de

uma morte anunciada. Na noite do dia 21 de novembro de 2000, tiros de um revólver

calibre 38 calaram a voz do militante da Federação dos Trabalhadores Rurais na

Agricultura do Pará (FETAGRI), regional sudeste.

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O pistoleiro Wellington Silva, “O Baiano”, foi o autor dos disparos. Ele havia

chegado em Rondon há cinco dias a convite do seu tio, Gilson Silva, produtor de carvão e

pequeno pecuarista. O intermediário na contratação do pistoleiro foi Ygoismar Mariano

Silva, o “Ygor”, que recebeu 15 mil reais pela empreitada. A Wellington caberia a quantia

de R$ 2 mil reais, recebidos somente depois da tarefa cumprida. O pistoleiro foi preso, mas

não revelou os nomes dos mandantes do crime, segredo guardado por Ygor, que nunca foi

encontrado pela polícia.

As suspeitas recaem sobre alguns fazendeiros da cidade e o motivo seria a

ocupação da fazenda Tulipa Negra, realizada por trabalhadores rurais sem terra, com a

apoio da Fetagri. Testemunhas ouvidas pela polícia afirmaram que antes do crime, Ygor e

Wellington rondaram a casa de Dezinho por várias ocasiões, numa moto CG Titan. As

incursões eram para que o pistoleiro memorizasse a face do sindicalista.

Após saber quem era o homem a ser morto, o assassino chegou a casa da

vítima, buscando informações sobre aposentadoria rural. Localizado na vizinhança por uma

de suas filhas, Dezinho não teve tempo de dizer uma palavra ao pistoleiro, sendo atingido

por três tiros. Mesmo ferido, ele ainda conseguiu travar uma luta com o assassino,

atrasando sua fuga. Preso por amigos e vizinhos da vítima, o pistoleiro chegou a ser

espancado e correu risco de linchamento, sendo salvo por Maria José Dias, viúva do

sindicalista. Ela disse que ele não poderia morrer, pois teria que informar os nomes dos

mandantes do crime.

No decorrer das investigações, fotos e fitas cassetes entregues por um irmão de

um pistoleiro executado em praça pública 16 dias antes do assassinato de José Dutra,

levaram a juíza Iacy Salgado Vieira, da comarca de Rondon, a decretar a prisão de José

Décio Barroso Nunes, o “Delsão”. O fazendeiro é natural de Minas Gerais, há 21 anos

radicado na região e possui quatro fazendas e duas indústrias madeireiras .

A fita cassete, gravada pelo ex-testa de ferro e pistoleiro de Delsão compromete

o fazendeiro em mais seis execuções, além de apontá-lo como o mandante do assassinato

de Dezinho, cujo nome sempre esteve na lista de sindicalistas rurais marcados para morrer

no sul e sudeste do Pará.

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OMISSÃO E IMPUNIDADE

Um documento assinado pela CPT, Fetagri e a Sociedade de Defesa de Direitos

Humanos (SDDH), encaminhado via fax e entregue pessoalmente aos órgãos ligados a

questão agrária e segurança no Pará, incluía Dezinho como o terceiro nome da lista dos

marcados para morrer. O documento foi entregue em 28 de outubro de 1999, quase um ano

antes de sua execução. Como a maioria dos posseiros da região, José Dutra da Costa vinha

do Maranhão, oriundo da cidade de Urbano Santos. Aos 43 anos, tinha uma longa

caminhada na luta pela reforma agrária e chegou a disputar as eleições para o cargo de

vereador de 2000, sendo o candidato mais votado do Partido dos Trabalhadores (PT).

Dezinho presidia há oito do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de

Rondon e era visto como uma liderança que incomodava os “donos” de terras, por isso,

sempre figurava na lista dos “executáveis”. Três meses antes de ser assassinado, ele liderou

150 famílias na ocupação da Fazenda Tulipra Negra, com 3 mil hectares, cuja propriedade

seria do fazendeiro Kyume Mendes Lopes. O título da fazenda teria sido expedido pelo

Governo do Estado em 1918. Na verdade o título expedido pelo Estado possuía uma área

maior, 44 mil hectares. A Tulipa Negra seria um desmembramento desta área maior.

Dezinho estava convencido da falsificação do título de posse da Fazenda. Caso

essa falsificação fosse comprovada, os fazendeiros com propriedade vizinha à Tulipa Negra

seriam enquadrados como grileiros. No rol de suspeitos deste crime estavam os fazendeiros

Delsão, Olávio Rocha e Josélio Barros, que possuíam terras próximas à área Tulipa Negra.

Em pesquisa realizada pela CPT de Marabá no Instituto de Terras do Pará (Iterpa),

constatou-se que a área de entorno da Tulipa Negra, e a própria fazenda, haviam sido

registradas como terras da União e tinham sido griladas.

No que pesem as evidências, o principal acusado da morte de Dezinho, o

fazendeiro José Décio Barroso Nunes, o “Delsão” suposto dono de 130 mil hectares de

terras em Rondon do Pará, teve a prisão temporária suspensa no dia 14 de dezembro de

2000, sob ordem do desembargador Otávio Maciel. Uma apuração realizada pela assessoria

jurídica da CPT demonstra alguma das “táticas” usadas para garantir a liberdade de um

fazendeiro.

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Esta apuração revela que no dia 11 de dezembro de 2000, um dos advogados do

acusado impetrou habeas corpus em favor do Delsão e o pedido distribuído em sistema de

sorteio foi parar nas mãos da Desembargadora Yvonne Santiago, conhecida por sua postura

firme na questão de execuções de lideranças sindicais. Após saber que o seu pedido estava

sob a responsabilidade da desembargadora Yvonne Santiago, o advogado de “Delsão” fez

uma solicitação formal de suspensão deste recurso. Um outro pedido de habeas corpus foi

encaminhado, sendo que o desembargador Otávio M. Maciel decidiu pela libertação do

fazendeiro.

A decisão foi tomada sem que o desembargador solicitasse informações mais

detalhadas sobre o acusado junto à juíza Iacy Salgado, que havia determinado a prisão

temporária de “Delsão”. Com a libertação do principal suspeito de ter encomendado a

morte de “Dezinho”, o clima de revolta tomou conta da cidade, aumentando ainda mais a

tensão entre os trabalhadores rurais e os fazendeiros da região.

Delsão estava preso em caráter temporário, conforme atesta decreto da juíza.

No despacho de soltura do desembargador Otávio M. Maciel, menciona apenas prisão

preventiva, nunca prisão temporária. Haveria aqui uma confusão, ou lapso? Prisão

preventiva e prisão temporária possuem sistemáticas diferenciadas. Interpretar como se

fosse a mesma lógica tanto para uma, quanto para outra, seria o mesmo que arbitrar um

jogo de futebol com regras do vôlei, avalia documento da CPT de Marabá.

Um ano após o crime, a igreja onde seria celebrada a missa para lembrar a data

amanheceu fechada, o que acirrou ainda mais os ânimos entre os dois lados. A praça central

de Rondon do Pará serviu de altar para a celebração da missa que reuniu milhares de

trabalhadores rurais, sendo rezada pelo Padre Luiz Muraro.

Seis meses após prestar depoimento sobre o caso, Magno Fernandes do

Nascimento, 39 anos, uma das principais testemunhas do crime foi executado por

pistoleiros em uma típica ação de “queima de arquivo”.

Maria José Dias Costa, atual presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Rondom do Pará, e viúva de Dezinho, e José Soares de Brito, ex-presidente do sindicato

também estão na mira dos pistoleiros. O processo que investiga a morte de “Dezinho”, por

decisão do desembargador Otávio M. Maciel, está parado há 18 meses. Maciel responde

atualmente pela Ouvidoria Agrária do Estado do Pará.

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“(...) Tio Sam também chegou

todo de fraque e cartola Virou-se para Zé Molesta

e lhe disse; “Tome um dólar, que brasileiro só presta

para receber esmola. Está acabada a disputa

meta no saco a viola.

Zé molesta olhou pra ele, lhe disse:”Não quero não. Não vim lhe pedir dinheiro

Mas lhe dar uma lição. Não pense que com seu dólar

compra minha opinião, que eu não me chamo Lacerda

nem vivo de exploração.”

Ferreira Gullar

Peleja de Zé Molesta com Tio Sam

O que levou Dezinho e milhões de brasileiros a deslocaram-se para a Amazônia

em busca de dias melhores? Além dos projetos de colonização dirigidos pelo Estado,

podemos indicar projetos considerados grandes. Tais como a Transamazônica, hidrelétrica

de Tucuruí e projetos de mineração, pólo de guseiras e pecuária extensiva. Bem como a

ilusão de riqueza instantânea nos garimpos. Estas obras com caráter colossal marcaram a

colonização na Amazônia no regime militar (1964/1985) e nos governos subseqüentes, o

planejamento de políticas públicas tem trilhado a mesma lógica.

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Ambientalistas, Ong´s, representantes sindicais e moradores da região se

articularam nas críticas às obras de integração, desenhadas pelo governo do sociólogo

Fernando H. Cardoso para a Amazônia e cuja espinha dorsal pode ser desmembrada no

projeto “Avança Brasil”, onde foi elencada a construção de hidrovias, hidroelétricas,

asfaltamento de rodovias e o incentivo a monoculturas de soja. Tudo obedecendo a uma

lógica vertical, autoritária e de exclusão dos setores populares organizados.

Uma das prioridades passou a ser o asfaltamento da BR 163, Cuiabá- Santarém.

Destinada a expandir a fronteira agrícola da soja, a obra conta com forte lobby no

Congresso. Só o asfaltamento de 3,4 mil quilômetros de rodovias causará, em 30 anos, o

desmatamento de 180 mil quilômetros quadrados na Amazônia. Os prejuízos ecológicos

ainda podem ser maiores. De acordo com relatório elaborado pelo Instituto de Pesquisa da

Amazônia (Ipam), em parceria com o Instituto Sócio Ambiental (ISA), com sede em

Brasília, o programa “Avança Brasil” afetará 31 áreas indígenas e 26 reservas ambientais.

O relatório considera aspectos históricos como o desmatamento de 50

quilômetros que são desmatados em uma margem e outra depois de abertura e asfaltamento

de rodovias, destinado a duplicar a malha viária da Amazônia, que deve saltar de 6.300 Km

para 11. 000 Km, sem considerar áreas do Maranhão e Mato Grosso. Dados recentes

indicam que o desmatamento na região continua a crescer. O estado do Mato Grosso é

indicado como a unidade que apresenta maior contribuição no processo. O agronegócio

com ênfase na cultura da soja é colocado como o responsável pelo desmatamento.

UM PREÇO AMARGO

O discurso de desenvolvimento, geração de emprego e renda, apresentado na

defesa destes projetos, esconde debaixo do tapete a manipulação dos laudos de impactos

ambientais, como é caso da Hidrovia Tocantins – Araguaia, que deve atingir a área dos

estados do Tocantins, Maranhão, Mato Grosso, Goiás e Pará. Os antropólogos André Toral,

Eduardo Carrara, Luís Roberto de Paula e Paulo Serpa, especialistas em estudos nessa área,

denunciam que o cálculo dos prejuízos ambientais e culturais que serão provocados com a

implantação desta hidrovia na região amazônica foi manipulado nos relatórios de Estudo de

Impacto Ambiental (EIA). Eles acusam a Administração da Hidrovia Tocantins-Araguaia

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(AHITAR), subordinada ao Ministério dos Transportes, de ter retirado do relatório final do

EIA – RIMA a Análise de Impacto Ambiental e o capítulo sobre medidas mitigadoras.

Uma cópia do relatório original, sem as supostas alterações denunciadas pelos

pesquisadores, foi encaminhada ao Ministério Público de Brasília, à Fundação Nacional do

Índio (FUNAI), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA) e a lideranças de comunidades indígenas. Em nota oficial os

especialistas exigem que seus nomes não constem no relatório a ser apresentado nas

audiências públicas onde o projeto será debatido.

A hidrovia deverá cortar 2.012 quilômetros de cinco estados, atingindo dez

áreas de conservação ambiental, incluindo a maior ilha fluvial do mundo – a Ilha do

Bananal -, e 35 áreas indígenas com uma população de 10 mil índios que serão afetados

pelo empreendimento.

“Foi assim com a construção de Tucuruí, Estrada de Ferro Carajás, vários projetos

de mineração, implantação das fábricas Albrás, Alunorte, pólos siderúrgicos e de pecuária.

A lógica é a mesma, a única lei respeitada é a de mercado, ancorado num discurso de

desenvolvimento que só incentiva a concentração de poder, renda e terra”, analisa

Raimundo Gomes, coordenador do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e

Popular (Cepasp), uma organização não-governamental (Ong) de Marabá/PA.

Motivados pela ameaça de extinção, oito nações indígenas que vivem ao longo

das margens dos rios Araguaia, Tocantins e das Mortes, declararam, no início do ano de

2001, oposição ao projeto. Lideranças dos Xavante, Karajá, Apinajé, Xerente, Tapirapé,

Krikati, Krahô e Javaé afirmaram em documento que o projeto “só prevê produção de soja,

isso só serve para engordar porco e galinha na Europa. Será que isso vale mais do que

nossos rios, nossas vidas, matas, peixes?”

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) do Mato Grosso, organização

ligada à Igreja Católica, em 1997, foi a primeira entidade popular a examinar o projeto e

levar a informação às comunidades indígenas sobre os impactos sociais e ambientais que a

Hidrovia Araguaia-Tocantins poderá provocar, caso seja implementada. Em março 1998,

foi realizado o encontro inter-étnico reunindo índios dos estados de Tocantins, Matogrosso

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e Goiás. Em julho do mesmo ano, a cidade de Luciara, no Matogrosso, sedia a palestra de

Maurício Galinkin, coordenador do Cebrac.

Ainda em 1999 as ONG´s de Mato Grosso realizaram rodízio de palestras e

debates em 10 municípios da prelazia de São Félix do Xingu, área de trabalho D. Pedro

Casadáliga, histórico militante dos direitos humanos do Brasil e América Latina. O início

da construção da Hidrelétrica de Lajeado no ano de 1997, em Tocantins, detonou a

preocupação das comunidades ribeirinhas e indígenas sobre a problemática.

A mobilização foi intensificada para os demais estados da região e motivou a

realização do seminário Grandes Projetos na Amazônia: Hidrovia do Araguaia

Tocantins, ocorrido em Marabá, que teve a organização da CPT, Fetagri, Cepasp, ONG

ambientalista da região e da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

(FASE).

O lançamento da Carta de Marabá, a formação de comissão para continuar o

debate sobre a Hidrovia do Araguaia/Tocantins, a definição de agenda estadual de ações e o

aprofundamento de estudos sobre o Avança Brasil, foram decisões tomadas em conjunto na

plenária final do seminário.

LEMBRANÇAS DE CURUMIM

Pepkuakte Koncarti, índio Gavião e coordenador da associação dos povos

indígenas da região do sudeste do Pará, era um “curumim” de 12 anos de idade, quando viu

seu povo expulso de suas terras para a construção da Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará. Ele

ressalta que os índios não desejam esse tipo de desenvolvimento decidido nos gabinetes de

Brasília e apontou como um de seus compromissos levar a conhecimento a problemática

gerada pelo projeto de implantação da Hidrovia do Tocantins-Araguaia. “Se meu povo

tivesse, na época, as informações que temos hoje, a gente não ia aceitar a expulsão da nossa

terra.”, desabafa.

Os argumentos usados para devastar áreas de preservação ambiental e provocar

o êxodo de populações indígenas é a necessidade de construir mais hidrelétricas para

combater a crise energética e evitar um novo “apagão”. A construção de hidrelétricas não é

novidade na região amazônica, com grande potencial para este tipo de investimento. Na

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década de 80, ainda nos anos de repressão militar, um total de vinte e sete projetos desta

natureza já circulava nos corredores de Brasília.

Os projetos de construção de Hidrelétrica trazem consigo algo que representa

sempre uma ameaça às populações nativas e ao ecossistema da região amazônica: as

barragens. Erguidas para principalmente para sustentar projetos de geração de energia, as

barragens provocam a inundação de áreas para a agricultura, o deslocamento de populações

indígenas e ainda provocam a alteração de todo o ciclo de vida na região, onde a barragem

é implantada, como é o caso da redução do pescado e morte de animais que ficam

desprovidos da floresta.

Pepkuakte Koncarti recorda os prejuízos que este tipo de construção pode

provocar em uma população indígena. Embora fosse um “curumim” quando houve a

implantação da Tucuruí, no rio Tocantins, no sul do Pará, ele é testemunha de

acontecimentos como a inundação de vários municípios do sul paraense, que diminuiu a

produção do peixe e também resultou em morte e extinção de muitos animais. A

hidrelétrica foi pensada durante a ditadura militar para abastecer com energia elétrica

empresas de outros países na área de produção de alumínio. São elas a Alunorte e Albrás no

Pará e Alumar, no Maranhão.

Boa parte da dívida externa do Brasil, 40%, deve-se ao empréstimo do governo

brasileiro, realizado para a construção de barragens. A regra dos grandes projetos

implantados tem sido o benefício de grandes grupos empresariais nacionais estrangeiros,

com a conta desta fatura sendo paga pela coletividade e traduzida em passivos ambientais e

sociais. A geração de emprego, renda, desenvolvimento e riqueza têm figurado somente na

propaganda.

LONGE DE TUDO

Aguiarnópolis é uma típica cidade do interior do estado de Tocantins. Pouco

calçamento, vida pacata, calor escaldante e uma população de no máximo três mil

habitantes. Uma ponte a separa de Estreito, Maranhão, cenário escolhido para abrigar uma

das hidrelétricas na bacia do Araguaia/Tocantins. Esta cidade, longe de Palmas, Belém,

Marabá, Imperatriz e outros centros que sediam entidades engajadas na luta ambientalista

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foi palco de uma das audiências públicas destinadas a discutir a implantação da hidrelétrica

de Estreito.

A ausência de representantes de universidades para se contrapor à propaganda

de geração de emprego e renda, divulgada na cidade durante a convocação para a audiência,

deixam claro que o interesse de seus organizadores é evitar qualquer debate sobre o

assunto.

“Não posso falar, a minha família já sofreu perseguição aqui no município por

causa dessa história de se manifestar em público. O senhor vem, é de fora, pode falar. A

gente que mora aqui, não”, relata um morador da cidade que preferiu o anonimato.

As razões de tanto silêncio são justificadas pelo ocorrido em uma audiência

pública realizada em julho de 2002 no município de Estreito, oeste do Maranhão, quando o

representante da multinacional do Alumínio ALCOA se irritou com o questionamento de

um dos participantes que alertou sobre os impactos ambientais e sociais ocorridos em

Tucuruí.

Apesar desta tática de isolamento das “audiências”, as entidades ambientalistas

que atuam na região do Bico do Papagaio, que compreende o norte do Tocantins, sul do

Pará e oeste do Maranhão, reforçaram a mobilização no combate à implantação destes

projetos. Um deles, a hidrelétrica de Marabá, tem um custo estimado de U$ 2 bilhões de

dólares, com um prazo de construção médio de oito anos e deve atingir uma área que inclui

onze municípios.

O projeto da hidrelétrica afetará ainda as comunidades indígenas Gavião, aldeia

Mãe Maria e Suruí Aiwekar no Pará. Uma população de 16.465 pessoas dos estados do

Pará, Tocantins e Maranhão serão deslocadas de seus locais de origem. Paraísos

ecológicos, como o Parque Estadual do Encontro das Águas, onde os rios Tocantins e

Araguaia se encontram, poderá sumir. A Pedra de Amolar, o marco geográfico da divisa

entre os três estados, deverá ter a mesma sina.

Estudos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indicam que a

hidrelétrica de Marabá está inserida na zona de transição do rio Araguaia, onde se verifica,

entre abril e setembro, a migração de espécies de peixes que deixam o reservatório de

Tucuruí, sul do Pará, e os lagos e igarapés nas proximidades dos municípios de Itupiranga e

Marabá, Pará, o que caracteriza este local como uma área inadequada para a implantação de

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projetos deste porte. Mesmo assim, o projeto de construção da Hidrelétrica, cujos impactos

sociais e ambientais ainda são imprevisíveis, continua sendo tocado para a frente.

A construção de hidrelétricas é apenas um dos pontos no mapa de grandes

projetos planejados para a região. Neste mapa, constam ainda a abertura de estradas, a

construção da Ferrovia Norte-Sul, os novos projetos de exploração da Companhia Vale do

Rio Doce (CVRD), com o cobre em Canaã do Carajás, bauxita em Paragominas, a

implantação de empresa de produção de placas de aço em São Luís e a construção de linhas

de energia para as empresas de alumínio e alumina em Barcarena, no Pará

(Alunorte/Albrás), e a Alumar, em São Luís, Maranhão. A duplicação da hidrelétrica de

Tucuruí encontra-se em fase de finalização.

Urge interrogar se ocorre algo de diferente no processo dos desenhos recentes

de integração da Amazônia.

Subversiva

A poesia

quando chega

não respeita nada

Nem pai nem mãe

Quando ela chega

de qualquer de seus abismos

desconhece o Estado e a Sociedade Civil

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infringi o código das águas

relincha

como puta

nova

em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois

Reconsidera: beija

nos olhos os que ganham mal

embala no colo

os que têm sede de felicidade

e de justiça

E promete incendiar o país

Ferreira Gullar

Na vertigem do dia

Enquanto projetos que provocam passivos sociais e ambientais consolidaram-se

como a “tábua de salvação” para acelerar o desenvolvimento da região Amazônica, uma

rede de resistência foi articulada para organizar alternativas de luta contra estes

empreendimentos. Um dos focos atuantes desta luta é o Fórum Carajás, composto por

diversas entidades que têm entre suas atividades o acompanhamento de projetos na região

de Carajás. No Cerrado Maranhense tem-se acompanhado o processo de monocultura da

soja.

Em Balsas, cidade situada no Sul do Maranhão e um dos principais pólos

produtores de soja do país, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Igreja

Católica e integrante do Fórum Carajás, tem promovido o debate sobre a monocultura e os

seus passivos. A CPT alerta para os riscos do avanço da da produção do grão na região. A

monocultura ameaça o Parque Estadual do Mirador, área de preservação ambiental, cercada

de soja por todos os lados. Uma unanimidade na mídia, a cultura da soja é sempre colocada

como vetor de equilíbrio da balança comercial do país, mas os impactos sociais e

ambientais que provoca sempre são omitidos.

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Para o jornalista Mayron Regis, ex-assessor do Fórum Carajás, não é apenas a

soja que ameaça o Cerrado, os pecuaristas também dão sua contribuição e alguns

latifundiários já foram denunciados por terem feito ameaças às famílias que residem na área

da reserva do Mirador. No leque de ameaças, o Cerrado do Maranhão tem ainda as

carvoarias, que sempre ultrapassam o marco de legalidade estabelecido pelo IBAMA. Ou

mesmo atuam sem licença. O carvão extraído no cerrado maranhense alimenta as

siderúrgicas implantadas ao longo da Ferrovia de Carajás. Cidades como Loreto e

Sambaíba são alguns dos locais afetados por este problema.

O OVO DA SERPENTE

As ameaças enfrentadas hoje pelo cerrado têm origem no regime militar,

quando surgiu o embrião do Pólo de Soja de Balsas. Em 1974, o governo Geisel firmou

convênio com o governo japonês. Assim foi criado o Programa Nipo-Brasileiro de

Cooperação para o Desenvolvimento Agrícola do Cerrado – PRODECER. O Agrônomo

Edmilson Pinheiro, atual coordenador do Fórum Carajás, conta que o objetivo deste projeto

era implantar o cultivo de grãos no Cerrado. “O programa incluía toda a infra-estrutura

necessária, além de financiamento”, relata.

Autor de um estudo intitulado A expansão da soja na Amazônia, Edmilson

esclarece que o cerrado maranhense abriga 11 municípios com a produção de soja, onde

Balsas é o principal pólo, com uma média de mais de duas toneladas e meia de soja por

hectare. A pesquisa aponta como um dos impactos ambientais produzidos pela soja no

Maranhão a contaminação dos recursos hídricos por conta do uso intensivo de insumos

químicos.

Tasso Fragoso, Loreto e Alto Parnaíba são os municípios mais atingidos por

este problema. O discurso de que a soja gera emprego e distribuição de renda cai por terra

quando cidades situadas nesta região, como Fortaleza dos Nogueiras e Riachão, registram

mais de 80% da população situada abaixo da linha de pobreza.

A concentração da terra é outro indicador negativo da cultura da soja. 14,4%

dos estabelecimentos são de propriedades com área de cinco mil hectares, o que representa

uma expansão do latifúndio e agravamento dos problemas sociais. “O Mapa da Fome no

Brasil indica que 45% da população dos municípios do pólo de soja do Maranhão são

indigentes”, alerta o agrônomo.

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SEMENTES DE VIDA

Caminhando na contramão da soja, dispondo de parcos recursos de infra-

estrutura, um grupo de trabalhadores rurais da região se mobiliza com o objetivo construir

um modelo de desenvolvimento que respeite o ser humano, o meio ambiente, contemple a

agricultura familiar e promova a solidariedade. Os coordenadores alimentam esse sonho

através do Projeto de Desenvolvimento Sustentável e Solidário (PDSS) - O Cerrado é

vida.

O marco histórico do projeto foi o dia do trabalhador rural. Fazia sol forte no

dia 25 de julho de 2002 em São Raimundo das Mangabeiras, sul maranhense, município

com cerca de 15 mil habitantes. A agenda pela passagem Dia do Trabalhador Rural

prometia uma maratona. Seminário, teatro, almoço, carreata, bingo de bezerro, ato público,

lançamento da pedra fundamental do projeto e muito forró para encerrar o dia.

A coordenação das atividades ficou por conta da Central de Cooperativas

Agroextrativistas do Maranhão (CCAMA); Centro de Educação e Cultura do Trabalhador

Rural (Centru), ONG de Imperatriz, uma espécie de cidade pólo da região e Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de São Raimundo das Mangabeiras.

Na platéia estavam estudantes, trabalhadores e trabalhadoras rurais

pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), religiosos, representantes

do movimento popular de estados vizinhos como o Pará e Tocantins, do Fórum Carajás,

além de representantes do Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Sebrae. Também

estiveram presentes membros da Federação dos Agricultores no Estado do Maranhão

(FETAEMA) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).

À mesa, um símbolo do movimento popular pela reforma agrária no Brasil,

Manoel Conceição Santos, que completara 67 anos de vida no dia anterior. Em ocasiões

especiais como esta, o povo humilde da região se prepara com cuidado, vestindo sempre a

melhor roupa que tem e, assim, o Clube Recreativo Manguabeirense ficou cheio de gente

simples, “aprumada” para a ocasião. Atento a cada momento do evento, o pessoal vinha de

Loreto, Balsas, Sambaíba, Porto Franco, (Nova Descoberta), Amarante, Açailândia,

Cidelândia, Senador La Roque, Buritirana, João Lisboa, Montes Altos e Imperatriz.

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O clube enfeitado com esmero parecia preparado para um casamento. O

casamento de um povo simples não só com um sonho, mas com um projeto erguido do

chão por mãos de gente cheias de calos e pele queimada de sol.

MUDANÇA DE ROTA

Durante o seminário foram apresentadas as linhas gerais do Projeto "Cerrado é

vida" que propõe uma nova racionalidade no trabalho com a terra. A idéia é desenvolver

uma produção diversificada, consorciando o arroz, milho e feijão com frutas e madeiras

permanentes e outras atividades tais como a caça, a pesca e sistemas agro-pastoris de

pequenos animais.

A iniciativa propõe um modelo de desenvolvimento que não privilegie somente

o aspecto econômico, mas que promova a integração entre a natureza e o ser humano. Para

cada 200 hectares de soja plantada apenas 2,5 empregos são gerados. Os estudos de

viabilidade econômica voltados para essa atividade não contabilizam os custos ambientais,

sociais, culturais e econômicos.

Diante da necessidade de criação de alternativas concretas, o projeto "Cerrado é

Vida" propõe que os trabalhadores sejam os autogestores de suas experiências. Atualmente

incorporam essa idéia oito cooperativas e oito sindicatos dos trabalhadores rurais, sob a

coordenação da Central de Cooperativas Agroextrativistas do Oeste do Maranhão

(CCAMA) e sob a assessoria do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural

(CENTRU).

Após uma pausa para almoço, as atividades do dia foram retomadas com uma

visita às instalações da COOPEVIDA, realizada antes da cerimônia do lançamento da pedra

fundamental do projeto. A COOPEVIDA produz polpas de acerola, bacuri e cajá, que

possuem espaço de venda em alguns supermercados de Imperatriz. Em carreata, os

participantes do seminário seguiram para a comunidade de Nova Descoberta, local do

lançamento da pedra fundamental do projeto "O Cerrado é vida". No local será implantada

uma fábrica de beneficiamento de castanha de caju, com financiamento do Fundo para

Biodiversidade, Funbio.

Na comunidade, situada no centro do Cerrado maranhense, vivem 13 famílias

que decidem tudo de forma conjunta, preservando o espaço para a produção individual e

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coletiva. Na observação de Manoel da Conceição a ênfase sempre recai na solidariedade,

meio ambiente e harmonia. Denise Leal, companheira de velha data de luta de Manoel da

Conceição, ajudou a descerrar a faixa da pedra Fundamental da futura fábrica. O dia foi

encerrado com um ato público no centro da cidade, que é o berço do sonho de redenção do

Cerrado.

O ADUBO DA ESPERANÇA

O Centru (Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural), uma das

entidades envolvidas no projeto “O Cerrado é Vida”, O Centru teve a semente de sua

criação lançada na década de 70 no Vale do Pindaré, Maranhão, a partir da iniciativa de

trabalhadores rurais da região. Em meados dos anos 80 a entidade se consolida e passa a

atuar em Pernambuco. Atualmente, o Centru possui duas sedes, uma em Recife,

Pernambuco, e outra em Imperatriz, oeste do Maranhão. A sede do Maranhão foi erguida

em 1984 com apoio da Cordaid, uma entidade de cooperação holandesa. O fio condutor das

ações desenvolvidas pelo Centru é tornar os trabalhadores rurais os agentes do seu processo

educativo.

O país ainda respirava os ares da ditadura militar quando o Centru

nasceu.Tomar os sindicatos rurais das mãos dos pelegos (tratamento pejorativo a

sindicalistas ligados ao patronato), e a conquista da terra configuravam as bandeiras da

entidade. Em sua segunda fase, o Centru passou a atuar na formação de uma consciência

política sobre a questão ambiental e a necessidade de se produzir respeitando os recursos

naturais. A sede do Centro em João Lisboa foi adquirida em meados dos anos 90 e está

situada em uma área de 10 hectares de terras, castigadas pelo uso de agrotóxicos. Ao

comprar a área, a direção da entidade tinha a proposta de consolidar um espaço de

formação política do trabalhador rural com alojamento, auditório, área de produção de

várias árvores frutíferas, madeira e hortas.

Primeiro era preciso superar o uso do veneno da terra e retirar o pasto. Os

trabalhadores exibem com orgulho o CETRAL/CDT Centro de Difusão de Tecnologia que

se tornou um espaço de debate e de desenvolvimento de experiências com cooperativas

agro-extrativistas.

Equipado com alojamento, salão para reuniões e seminários, refeitório, o

CENTRAL/ CDT possui uma área de 10 hectares, onde são cultivados trinta e nove

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espécies de frutíferas e hortas. Entre as árvores existem: acerola, caju, banana, abacaxi,

coco, jaca, goiaba, cupuaçu e murici. Entre as madeiras podem ser encontradas, algumas

espécies bem raras, ameaças de extinção como o cedro, ipê, inharé, copaíba, mogno, paricá

e nim.

Também foi realizado o trabalho de preservação da mata nativa, composta de

babaçuais. Onde antes imperava o uso de agrotóxico, e era ingrata a tarefa de encontrar

alguma ave e pequenos animais, hoje existe um espaço reconhecido como uma referência

de produção auto-sustentável.

A espinha dorsal da filosofia do CETRAL/CDT, é que o espaço sirva como

modelo demonstrativo de sistemas agroflorestais, formador de agentes agroflorestais,

agricultores familiares, sistemas agrosilsilvopastoris, com integração dos pequenos médios

animais.

Projetos de assentamento Tabuleirão I, no município de Senador La Roque,

Tabuleirão II, em Buritirina, Coopevida, em São Raimundo das Mangabeiras, PA São

Jorge, em Cidelândia, e na localidade Campo Formoso, no município de Amarante, são

algumas das experiências desenvolvidas neste sentido e que irrigam anseios de dias

melhores para o povo do Cerrado.

FRUTOS DA SOLIDARIEDADE

As mais férteis bases de apoio do projeto ”Cerrado é Vida” estão plantadas na

CCAMA (Central de Cooperativas Agroextrativistas do Maranhão) nos municípios de

Amarante (Cooprama), João Lisboa (Coopajol), Imperatriz (Coopai), Montes Altos

(Coopemi), São Raimundo das Mangabeiras (Coopevida), Loreto (Coopral), Balsas

(Copabaeb).Resultado de mais de dez anos de atuação do Centru junto aos trabalhadores e

trabalhadoras rurais no oeste e sul do Maranhão, este grupo de cooperativas envolve 1.935

famílias e teve seus primeiros passos iniciados em 2000.

O objetivo central da CCAMA é a construção de um modelo de

desenvolvimento baseado na cooperação e associativismo, onde se contemple a

democratização do poder interno dos envolvidos no projeto, e a consolidação de um modo

de produção que supere a destruição do meio ambiente, bem como a concentração de terra e

renda.

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A elaboração do projeto de criação da entidade teve o apoio da CAPINA, uma

organização não-governamental sediada no estado do Rio de Janeiro. Atuando na

elaboração de projetos de desenvolvimento auto-sustentável, a CCAMA conta ainda com o

apoio do Fundo Brasileiro para Biodiversidade (FUNBIO) e da Secretaria de Coordenação

da Amazônia (SCA).

Nas comunidades onde as cooperativas são construídas, há área para a produção

coletiva e a produção familiar, num processo de educação constante voltado para o

planejamento da produção. A busca do entendimento do que é o modelo de

desenvolvimento agro-extrativista, o gerenciamento coletivo, a intervenção nas políticas

públicas no município, no estado e no país pontuam as ações.

Na lógica de organização da CCAMA a família desponta como núcleo

fundamental, onde as questões de gênero e geração são discutidas como elemento de

socialização do poder. A partir da família, são organizados os grupos de produção de base

(GPB), compostos em média de 15 famílias, que se organizam nas associações, dando

forma ao embrião das cooperativas. O debate para a compreensão do projeto é feito na

base, nas comunidades como forma de consolidar as raízes de um sonho coletivo.

Qual o significado dessa experiência construída ao longo de mais de uma

década de trabalhadores e trabalhadoras rurais no oeste e sul do Maranhão? Tal passo

significa que já está superada a problemática de luta pela terra, tão marcante nessas

paragens? E sobre a questão econômica, qual o rumo a ser tomado por esse conjunto,

resistir ou adaptar-se ao modelo que impera na região? É a experiência uma possibilidade

concreta de desenvolvimento com base na produção camponesa?

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Homem comum, igual a você,

cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo

A sombra do latifúndio

mancha a paisagem,

turva as águas do mar

e a infância nos volta

à boca, amarga,

suja de lama e de fome

Mas somos muitos milhões

comuns

e podemos formar uma muralha

com nossos corpos de sonho e margaridas

Ferreira Gullar

Homem Comum – Toda poesia

Na mesma terra onde brotam experiências solidárias e comprometidas com o

desenvolvimento auto-sustentável, como o projeto “ O Cerrado é Vida”, são semeadas

iniciativas que convergem em direção oposta. O motivo de mais uma peleja entre entidades

do movimento ambiental, sindical e popular e grandes grupos empresariais é o projeto de

construção da Usina Hidrelétrica de Estreito, no Rio Tocantins.

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Projetada para ser erguida na bacia Araguaia-Tocantins, a maior em potencial

de geração de energia hidroelétrica do Brasil, a usina é anunciada como a redenção dos

povos desta terra e sua implantação tem como argumento uma nova vida aos habitantes da

região, marcada pela geração de emprego, renda e desenvolvimento.

No âmbito do planejamento, o projeto da hidrelétrica de Estreito configura-se

como sendo um local onde se entrelaçam redes mundiais de integração econômica. Traz à

tona a assimetria da relação de força entre executivos de empresas multinacionais e

trabalhadores rurais e populações tradicionais.

O Consórcio Estreito de Energia – CESTE –, responsável pelo projeto da

Hidrelétrica de Estreito, entrou com recurso junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

e dos Recursos Naturais Renováveis- IBAMA- e no Ministério de Minas e Energia para

impedir a realização de estudos complementares ao Relatório de Impacto Ambiental-RIMA

no começo de 2005. As audiências ocorreram no Maranhão e Tocantins entre os dias 31 de

janeiro e 04 de fevereiro. O RIMA foi apresentado pela primeira vez entre os dias 15 a 19

de julho de 2002.

Se não era desejo do consórcio complementar o RIMA, a ojeriza pelas

audiências tinha a mesma dimensão. Duplamente derrotado, viu-se obrigado a cumprir as

obrigações. Ao aceitar a regra do jogo, não desejava ver mais pedras no caminho da

empreitada. Pelo menos é o que nos revelam as sessões de apresentação dos estudos

complementares ao RIMA.

Na realização das audiências públicas, uma das exigências para o licenciamento

da construção da hidrelétrica, ficou notório o objetivo de esconder os aspectos negativos

deste empreendimento e evitar ao máximo um debate mais claro sobre o projeto. Um clima

de comício marcou a preparação destas audiências, realizadas em Estreito no Maranhão e

Aguiarnópolis no Tocantins.

As pessoas chegavam ao local da audiência, fantasiadas de camisetas

defendendo a construção da Barragem de Estreito. Carros e caminhões transportavam os

integrantes do auditório, que se comportavam como cabos eleitorais contratados para

animar o palanque de um candidato. Faixas e cartazes em punho.

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80

As audiências serviram para apresentação de estudos complementares ao

Relatório de Impacto Ambiental –RIMA- da hidrelétrica, sob a responsabilidade da CNEC

Engenharia. Foram mais de seis horas num ambiente quente, em todos os sentidos. Em

Estreito, a primeira audiência, realizada na Câmara de Vereadores, começou às 14h e só foi

encerrada depois das 20:30h da noite.

Coordenada pelo IBAMA, a audiência se transformou em um palanque, onde só

tinham direito a voz os defensores da hidrelétrica. As pessoas com críticas ao projeto eram

tratadas como inimigas da cidade e adversárias do progresso de Estreito. O coro dos

defensores do projeto foi reforçado pela participação de deputados federais Sebastião

Madeira (Maranhão), Darci Martins, Ronaldo Dimas e Edson Gomes (Tocantins).

Nos dias que antecederam a audiência, uma denúncia do Movimento de

Atingidos por Barragens (MAB) informava que o CESTE estava realizando um trabalho

destinado a cooptar políticos das regiões a serem afetadas pela usina e ampliar o

convencimento da população com criação de associações “virtuais” e a organização de um

abaixo-assinado.

APOSTA ALTA

Projetada para gerar 1.087 MW de energia, a Hidrelétrica de Estreito tem entre

seus investidores empresas com grande potencial financeiro. Fazem parte do Consórcio

Estreito de Energia (CESTE) a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a Camargo Corrêa

Energia Ltda, e as multinacionais BHP Billiton e, Alcoa Alumínio S/A e a belga Tractebel.

O orçamento para a construção da usina é de R$ 2,4 bilhões, a previsão de tempo de

construção gira em torno de seis anos.

A Tractebel Energia é subsidiária da Suez-Tractebel, com sede em Bruxelas,

Bélgica. É a maior empresa privada do setor elétrico brasileiro. A Tractebel anunciou a

captação de R$ 200 milhões no mercado financeiro para pagar com "antecipação" de um

empréstimo tomado junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em

dezembro de 2000, para construir a barragem de Cana Brava, Goiás, enquanto os atingidos

brigam na Justiça por reparação das perdas do processo de construção da mesma

hidrelétrica. No mês de junho de 2005, o MAB ocupou o BID em Brasília como forma de

pressionar a empresa a reparar as perdas dos atingidos pela barragem de Cana Brava.

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Dois municípios do estado do Maranhão (Estreito e Carolina) e dez cidades do

Tocantins (Aguiarnópolis, Babaçulândia, Barra do Ouro, Darcinópolis, Filadélfia, Goiatins,

Itapiratins, Palmeirante, Palmeiras do Tocantins e Tupiratins) devem ser afetados pelo

reservatório.

Criado há 23 anos, o município de Estreito tem uma população estimada em 40

mil pessoas e está cravado em um dos Estados mais pobres da nação. Boa parte da

população vive da agricultura e da pesca e existem poucas oportunidades de emprego

formal na cidade.

A cidade tem o perfil sócio-econômico ideal para a disseminação do discurso

do Consórcio CESTE, estruturado na promessa da geração de emprego e renda. O caldeirão

da pressão pró-hidrelétrica é temperado com o lobby dos Ministérios de Meio Ambiente e

de Minas e Energia. Na região, não faltam meios de comunicação no coro pró hidrelétrica.

O projeto integra um portfólio de pelo menos 50 usinas na bacia do Araguaia-Tocantins.

As hidrelétricas integram um quadro de grandes projetos para a bacia, onde

consta ainda o transporte multi-modal (rodovia, hidrovia, ferrovia) e a geração de energia

para saciar o consumo das empresas do setor de alumínio.

Com o mesmo perfil de Estreito, a cidade de Aguiarnópolis, situada no

Tocantins, também foi palco de audiência para a discussão do projeto. O evento teve como

destaque o protesto de índios das treze aldeias da etnia Apinajé que se manifestaram contra

a construção hidrelétrica de Estreito. O manifesto colocando a posição dos indígenas foi

protocolado pela coordenação da mesa da audiência e pelo Ministério Público.

Cidade com 4 mil habitantes, Aguiarnópolis é cortada pela rodovia federal BR

010 e a ferrovia Norte-Sul, que também integra o projeto de logística implementado pela

CVRD.

A alma do discurso de defesa da Hidrelétrica de Estreito foi montada em duas

matrizes: O medo, encarnado pelo apagão e ONG´s; e a esperança de emprego, progresso e

renda. Nem esse discurso paradisíaco, evitou que algumas perguntas ficassem sem

respostas durante as audiências. Qual, o modelo de indenização, a ser pago para as pessoas

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que deverão ser remanejadas pelo projeto? Onde elas poderiam ser reassentadas? Quais

serão as condições para que elas possam reiniciar suas vidas?

O projeto ameaça também diversas espécies da fauna do Cerrado como a Arara

Azul Grande, Cachorro do Mato Vinagre, Cachorro do Mato e o Macaco Guariba Preto.

Quase cem sítios arqueológicos estão situados em uma área que pode ser alagada, onde

também estão reservas indígenas como a Krahô, Apinajé e Xerente. Embora não tenha

respondido estas perguntas, durante as audiências os representantes do CESTE asseguraram

que vão investir em educação, saúde e lazer e enumeraram uma longa lista de promessas,

recheadas de “boas novas”.

VENDENDO ILUSÕES

Uma visita aos estudos técnicos da 4ª Câmara Técnica do Ministério Público

Federal (MPF), que trata da questão do meio ambiente e patrimônio cultural, revela que o

paraíso fica muito distante dos pareceres construídos pelos técnicos da CNEC. Um

questionamento emerge de imediato: Como isolar os impactos da UHE do Estreito do

processo cumulativo de impactos de outras barragens (Tucuruí, Serra da Mesa, Lajeado,

Cana Brava) já construídas no rio Tocantins? O mais correto não seria um estudo integrado

da bacia?

A observação da antropóloga Maria Paranhos, responsável pela análise técnica

da 6ª Câmara Técnica, indica que: “A ausência da metodologia antropológica, com

pesquisa de campo orientada por referenciais teóricos e metodológicos, resultou em um

Estudo de Impacto Ambiental com um diagnóstico insuficiente, o que não caracteriza a

imensa diversidade sociocultural presente na área potencialmente impactada, numa

exposição de impactos padronizados e na impossibilidade da avaliação ambiental e de

sugestões de programas compensatórios”.

Fundamentados pelo oceano de insuficiências e omissões do EIA, os

procuradores da República Álvaro Lotufo Manzano, do Tocantins e Thayná Carvalho

Freire de Imperatriz, do Maranhão, encaminharam ao IBAMA de Brasília uma

recomendação solicitando a suspensão da Licença Prévia que autorizava o CESTE a iniciar

as obras de construção da hidrelétrica.

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A internalização de passivos sociais e ambientais nas regiões é expressa por

vários estudos das universidades como a regra desses projetos com caráter de enclave, ou

seja, não provocam um efeito em cadeia na economia local. A agregação de valor se dá fora

da região. Uma passagem pela região sul e sudeste do Pará é reveladora nesse sentido. O

Programa Grande Carajás (PGC) implantado há 20 anos atrás, que foi colocado como a

salvação da lavoura, demonstra o contrário.

Passadas pouco mais de duas décadas, verificam-se a abusiva destruição do

meio ambiente, concentração de terra e renda, alteração do modo de vida de populações

consideradas tradicionais, elevação número de assassinatos de dirigentes sindicais,

favelização de cidades, aumento do trabalho escravo e prostituição.

Esse derradeiro passivo social é colocado como irreversível. Uma visita a

Tucuruí, município do sudeste do Pará, onde fica a hidrelétrica de mesmo nome, a maior

em geração de energia do Brasil, em fase de duplicação, é elucidativa. A Usina Hidrelétrica

de Tucuruí integrou o Programa Grande Carajás.

PAGANDO A CONTA

O clima eleitoreiro que caracterizou as audiências não permitiu a discussão

sobre um dos problemas cruciais nos projetos de construção de Hidrelétricas, o

reassentamento. Em regra geral, não se consegue reproduzir as mesmas condições de vida

das origens dos trabalhadores rurais. Esse foi um questionamento constante nas audiências,

nas quais se salientou o abandono a que são submetidas as famílias reassentadas.

As experiências anteriores demonstram que é difícil assegurar às pessoas

remanejadas por estes projetos as mesmas condições de vida que elas possuíam antes de

serem remanejadas. Ao serem interpelados sobre este assunto por dirigentes de

organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Atingidos por

Barragens, Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Federação dos

Trabalhadores Rurais na Agricultura do Tocantins (FETAET) e o Fórum Carajás, os

representantes do CESTE sempre deram a esquiva como resposta.

Os impactos sociais e ambientais provocados a médio e longo prazo por este

tipo de projeto também foram esquecidos pelos defensores da Hidrelétrica. Célio Berman,

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professor da Universidade de São Paulo, com doutorado nesta área, e autor do livro

Energia no Brasil: para quê? para quem?¹, lançado no ano de 2002, alerta para a questão

das populações tradicionais:

“ ...a construção de uma usina hidrelétrica representa para estas populações a

destruição de seus projetos de vida, impondo sua expulsão das terras sem apresentar

compensações que pudessem, ao menos, assegurar a manutenção de suas condições de

reprodução num mesmo nível daquele que se verificava antes da implantação do projeto.”

(Berman, 2002, pág.21)

Estes danos, citados pelo professor Célio Berman, foram mensurados em

pesquisa feita pela CPT de Goiás junto às pessoas atingidas pela hidrelétrica de Cana

Brava, construída sob a responsabilidade da empresa belga Tractebel. O estudo revela que

das 804 mil famílias atingidas pela barragem, a indenização afixada era em média de R$

5.300,00, o que não garante o reassentamento. Lajeado e Serra da Mesa são outras duas

hidrelétricas construídas na bacia do Araguaia Tocantins que apresentaram o mesmo

problema para os “remanejados”.

Remando na contramão dos que defendem a ampliação do número de

Hidrelétricas como a única saída para a crise energética e solução necessária para evitar os

riscos de um novo apagão, ele aponta como alternativas para um modelo sustentável a

redução das perdas na transmissão e distribuição de eletricidade e repotenciação das usinas

hidrelétricas.

Berman explica que o Sistema Elétrico brasileiro contabiliza perdas de 15%.

São perdas calculadas na ordem de 5 milhões de MW (ou 54 bilhões de quilovates-hora)

que ocorrem desde a geração de energia. a transmissão e redes de distribuição até chegar ao

consumidor. 6% é o índice considerado como padrão mundial. Caso o Brasil alcance esse

índice 33 milhões de MW/h serão disponibilizados. Estas perdas correspondem ao que

produz por ano uma usina hidrelétrica de 6.500 MW de potência instalada (ou mais da

metade da usina de Itaipu, que possui 12.600MW).

Ele ressalva que parte do parque de hidrelétricas no Brasil possui mais de 20

anos de vida. Alerta ainda que a construção de novas usinas resulta em investimento de

muitos recursos, apresentando o mesmo retorno que poderia ser obtido com investimento

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em modernização, com a vantagem de que os custos seriam reduzidos e os impactos

ambientais seriam menores.

A conta de projetos como os da Hidrelétrica de Estreito, que geram grandes

lucros para as multinacionais, é paga não apenas pelos povos das regiões onde eles são

implantados. Dados de um estudo realizado pela Comissão Mundial de Barragens (CMB)

indicam que no Brasil este tipo é responsável por 40% da dívida externa do país. O estudo

foi realizado entre os anos de 1997 a 2000. Tucuruí foi o caso selecionado na América

Latina. A CMB aglutinou barrageiros, Banco Mundial, atingidos por barragens e

pesquisadores.

O estudo também revela que o alagamento e a salinização provocados pelas

barragens se desdobram em impactos ambientais de longo prazo e acarretam a destruição

de florestas e o desaparecimento de espécies da fauna e flora.

Em todo o mundo, em especial na América Latina, a construção de barragens

destinadas à implantação de usinas hidrelétricas resulta no deslocamento de 40 a 80

milhões de pessoas. O MAB contabiliza no país um contingente de cerca de um milhão de

pessoas. Atualmente, existem mais 60 empreendimentos solicitando licenciamento

ambiental.

No rio Madeira, Rondônia, órgãos ambientais avaliam relatórios ambientais de

duas hidrelétricas, além de projeto de hidrovia. Entre o Pará e o Amapá discute-se o caso da

UHE de Santo Antonio. Uma outra delicada discussão reside sobre o barramento do rio

Xingu, oeste do Pará, pela hidrelétrica batizada de Belo Monte.

O MAPA DA FONTE

A água destinada a abastecer a Hidrelétrica de Estreito está situada na maior

bacia fluvial situada no território brasileiro. A bacia do Araguaia-Tocantins banha três

regiões do território nacional: Norte, parte do Nordeste e Centro-Oeste. Com uma extensão

de 813.674 Km2, ela corta os estados do Maranhão, Tocantins, Pará, Goiás, Mato Grosso e

parte do Distrito Federal.

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Dois biomas integram a bacia do Araguaia–Tocantins, cerrado e Floresta

Amazônica, com predomínio do primeiro. Uma diversidade de vida e cultura incalculáveis.

Pelo fato de ter no seu curso território de vários Estados, a responsabilidade de implantação

de projetos recai sobre a União.

Na esteira da lógica neoliberal, instalada no governo de Fernando Henrique

Cardoso, várias agências foram criadas. A ordem era conferir ao Estado a matriz de

“eficiência” de gerenciamento empresarial e nesse contexto surgiu a Agência Nacional de

Águas (ANA), instalada em 1997.

A ANA, ao lado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), principal

financiador dos grandes projetos na região, pontuam a bacia como prioritária para a política

de recursos hídricos. A bacia integra um dos eixos de desenvolvimento na agenda do

governo federal.

No desenho do plano de exploração da bacia verifica-se a instalação do modelo

de transporte multi-modal (rodovias, ferrovias e hidrovias), tendo como desaguadouro a

ampliação da fronteira agrícola, onde predomina a monocultura de grãos (soja). Dados de

2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estimam em 3 milhões a

população situada na região, que desde a década de 60 é palco de projetos de integração.

A bacia do Araguaia-Tocantins configura-se como um dos eixos de integração

regional do país. Essa paisagem verificada na região de Estreito desvenda a variedade do

setor de transporte, onde encontramos ferrovias, rodovias e o planejamento da hidrovia do

Araguaia-Tocantins. Numa perspectiva de América do Sul ocorre a Iniciativa de Integração

de Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).

UMA INTEGRAÇÃO EXCLUDENTE

No prazo de 10 anos, vários setores da economia promoverão a integração

econômica da América do Sul. O planejamento privilegia as áreas de energia, transporte e

telecomunicações. A isso batizaram IIRSA. Assim traduz o documento organizado pela

ONG Amigos da Terra Brasil, sistematizado por Elisangela Paim.

O documento revela que o IIIRSA foi criado em 2000, durante a Reunião dos

Presidentes da América do Sul, em Brasília, com a finalidade de integrar toda a América.

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O texto de Paim elucida que a coordenação operacional da IIRSA está a cargo

da Corporación Andina de Fomento (CAF), do Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID) e do Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata).

Ainda conforme Paim, as negociações para a concretização da IIRSA

evoluíram, pois o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, encabeçou o projeto e

o Banco Nacional do Desenvolvimento, Social e Econômico (BNDES) está disposto a

financiar. A essência é o aumento de fluxo de mercadoria. Matéria- prima como energia,

que é o principal insumo das indústrias eletro-intensivas, como as de alumínio.

O trabalho da ONG Amigos da Terra Brasil esclarece se tratar de um estudo

realizado pelo ex-executivo da CVRD (uma das maiores mineradoras do mundo, que vem

investindo pesado em infra e energia) Eliézer Batista no ano de 1996, por encomenda da

Corporação Andina de Fomento (CAF).

O resumo da ópera decifra que o estudo levanta as principais riquezas naturais

da América do Sul e como podem ser utilizadas com melhoramento de infra-estrutura, onde

se ambiciona a inserção na economia global. Com que roupa não diz. Há algo de diferente

do que vem marcando os processos econômicos do país?

Hidrovia do Paraná-Paraguai, BR-163, Cuiabá-Santarém, Complexo do Rio

Madeira, Hidrelétrica de Belo Monte são alguns dos 82 projetos na Amazônia inclusos no

Plano Plurianual -PPA- do governo federal. No setor de soja, Bunge e Cargil e o Grupo

Maggi estão entre os interessados.

Assim foi a agenda das audiências:

Estreito – Câmara Municipal -31 de janeiro

Aguiarnópolis/TO – 01 de fevereiro – Escola Estadual de Aguiarnópolis

Babaçuilândia/TO – 02 de fevereiro – Quadra Comunitária

Filadéfia/TO – 03 de fevereiro – Colégio Estadual Adevaldo de Oliveira

Carolina/MA – 04 de fevereiro Câmara Municipal

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1- O livro assinado pelo professor Célio Berman faz parte do projeto Brasil Sustentável e Democrático do grupo de ONG´s (Assessoria e Serviços a Projetos em Tecnologia Alternativa- ASPTA, Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional –FASE, Instituto Brasileiro de Análises Sociais -IBASE, Programação de Pós-Graduação em Energia/USP, Instituto de Planejamento e Pesquisa Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ).

Meu povo em meu poema se reflete

como a espiga se funde em terra fértil

Ao povo seu poema aqui devolvo menos como que canta

do que planta

Ferreira Gullar Meu povo, Meu Poema – Toda Poesia

Na matemática dos grandes projetos como a construção de hidrelétricas, exploração

mineral e monoculturas não cumprem considerar as populações locais. Muitas delas com

vínculo abissal com a terra, cujo olhar ultrapassa a mera possibilidade de garantia de

reprodução material e social. Lá estão embutidos vínculos de afeto, vizinha e solidariedade.

Mesmo que colocadas em condição de subalternização, tais populações persistem no

processo de semear entidades representativas, mobilizar seus pares e montar seus

acampamentos em busca da conquista de reconhecimento político, econômico e social6.

6 Parte significativa do presente texto integra a monografia de especialização do autor no Núcleo de Altos Estudos

Amazônia (NAEA), defendida no ano de 2004, na Universidade Federal do Pará (UFPA).

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Assim tem sido feito pelos camponeses no sudeste do Pará. Os camponeses

categorizados como posseiros quando na década 1970, onde o Estado induzia o processo de

inserção do capital na região, hoje possuem o reconhecimento por parte do Estado da luta

camponesa, quando são tratados como assentados. Na fronteira o mesmo enfrenta

diferentes opositores: empresas de mineração, pecuaristas, políticos e o próprio Estado. Ao

mesmo tempo em que o Estado tem reconhecido algumas demandas da categoria, promove

a luta pela terra na esfera da Justiça e militarização. Como se verifica com a criação varas

agrárias e Delegacias Especiais de Conflitos Agrários. A primeira tem cumprido o papel da

expedição de liminares de reintegração de posse; já a segunda age na expulsão dos

ocupantes.

Nos capítulos recentes da Historia da luta camponesa na região do Araguaia-

Tocantins, o Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no ano de 19967, é sem sombra de

dúvidas um divisor de águas. Os movimentos sociais que defendem a reforma agrária

agudizam a luta pela terra com ocupações em massa. O Estado, pressionado pelo contexto

da economia, agenda-se pela redução no setor, via uma política de controle da inflação e

políticas de privatização. No outro flanco, a demanda social represada por vinte e um anos

de ditadura militar exige pauta na agenda dos governos.

A partir desse contexto, o Estado responde a duas pressões, onde desenha um plano

de reforma agrária direcionado para o mercado, e alça a questão de luta pela terra a uma

perspectiva de negociação, e não de conflito, como uma forma de responder ao mercado. Já

na perspectiva dos movimentos sociais, motivado por pressões internas e externas, ao

mesmo tempo em que atende às reivindicações, cria mecanismos de coerção jurídica e vê a

questão da luta pela terra como uma questão militar. A terra é tratada como elemento de

negócio, e não para quem nela trabalha, como desejam as entidades dos (as) trabalhadores

(as) rurais.

7 O Massacre de Eldorado dos Carajás ocorreu no dia 17 de abril de 1996, onde 19 trabalhadores rurais sem terra foram

executados pelas tropas da Polícia Militar do Pará, e 69 foram feridos. Nos laudos ficou constatado: execuções sumárias. O Massacre de sem terra no sudeste do Pará ocorreu no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. A ordem para reprimir os sem terra no Pará foi dada pelo então governador do Estado, Almir Gabriel. Ambos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Ainda em 1997 o MST anima a Marcha Nacional Pela Terra, Emprego e Justiça rumo a Brasília, um ano após o Massacre. No ano de 1995, em Corumbiara, Rondônia, ocorreu o massacre de 11 sem terra. Os dois massacres corroboraram para que a questão agrária brasileira ganhasse interesse internacional. O movimento camponês adotou o dia do Massacre de Eldorado como Dia Mundial de Luta pela Reforma Agrária.

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O não acesso à informação sobre o volume de recursos das políticas de

responsabilidade da superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA), com sede em Marabá, SR 27, como se dava a distribuição ou

onde eram aplicados, pelos clientes, os trabalhadores (as) rurais, desnuda a herança

autoritária que norteou o planejamento estatal. Até 1997 os trabalhadores rurais não

conheciam o programa operacional de aplicação dos recursos das políticas direcionadas

para o campo, sob domínio da burocracia estatal e dos interesses de chefes políticos

regionais.

Diante de tal realidade, os (as) trabalhadores (as) rurais da região com maior

concentração de projetos de assentamento no Brasil passam a realizar acampamentos no

pátio da sede do INCRA. O acampamento emerge de um processo de luta desencadeado a

partir de 1997, tendo como epicentro a cidade de Marabá, sudeste do Pará. A Federação dos

Trabalhadores na Agricultura do Pará (FETAGRI), o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) apoiados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras organizações

populares animam a radicalização da luta do campo no sudeste do Pará.

A escolha da cidade justifica-se por ser a referência econômica e política da região,

e sediar a superintendência regional do INCRA, bancos, meios de comunicação, e várias

instituições federais (Banco da Amazônia/ BASA, Instituto Brasileiro dos Recursos

Renováveis e do Meio Ambiente/IBAMA, POLÍCIA FEDERAL, MINISTÉRIO PÚBLICO

e o Instituto Nacional de Seguridade Social/INSS). A maioria das instituições foi criada

após o episódio da chacina dos sem-terra em Eldorado.

Erguido inicialmente sem o consenso da FETAGRI regional sudeste e FETAGRI

estadual, o acampamento vai se configurar como um dos principais instrumentos de luta

pela reforma agrária da região. As ações seguirão até 2003. Um dos motivos da ausência de

consenso recai sobre o período de início dos acampamentos, geralmente o primeiro

semestre do ano, quando se define o Programa Operacional – PO – do INCRA, que não se

coaduna com as datas do movimento de ação de massa, como o Grito da Terra, organizado

pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).

Os acampamentos de Marabá ocorreram nos anos de 1997, 1999, 2000 e 2001, anos do

Governo Fernando Henrique Cardoso. A ação de massa ficou conhecida como grande

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acampamento. De acordo com os cadastros dos organizadores, estiveram presentes cerca de

10 mil pessoas em cada ato, perfazendo um total de 40 mil. Ao interrogar a coordenação

sobre a veracidade do número de pessoas no acampamento, os dirigentes argumentam a

fidelidade dos números a partir da descentralização da organização, onde cada responsável

pelo assentamento representado no acampamento encarregou-se da conferência dos

presentes nas barracas distribuídas por município.

Em 2003, estando na presidência da República do Brasil um representante dos setores

populares, Luís Inácio Lula da Silva, os atores organizados na FETAGRI e MST, com o apoio da

CPT, continuam a ação de massa, já sem aglutinar o número de pessoas dos acampamentos

anteriores. A ação em 2003 aglutina apenas três mil participantes.

CONTEXTO HISTÓRICO

É rico o contexto político, econômico e social em que a ação de trabalhadores rurais sem

terra e assentados pela política de reforma agrária se desenvolve. Trata-se de um período de avanço

das políticas de redução do Estado, intensificada com a privatização da CVRD em 1997,

reagendamento de grandes projetos para a região dentro do Plano Plurianual (PPA)8, que não se

alinhavam com as demandas dos setores populares do sudeste do Pará.

No setor de pesquisa tem a presença, na região, da empresa Companhia de Produção

Agrícola - CAMPO, uma joint-venture com 51% de capital nacional e 49% de capital

japonês em Marabá, num com convênio com a Secretaria de Agricultura do Estado. O

objetivo da CAMPO, que induziu o processo de colonização no sul do Maranhão, - pólo de

soja de Balsas - , é colonizar, ocupar e explorar 60 milhões de hectares dos cerrados do

Brasil, (PINHEIRO, 2002, Fórum Carajás).

No plano social ocorre o surgimento de novos atores na cena camponesa, como a criação da

regional sudeste em Marabá, da FETAGRI e do MST, além de associações e cooperativas de

pequenos produtores rurais, devido às políticas de crédito para a produção familiar, a exemplo do

Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária - PROCERA, Fundo Constitucional do Norte -

FNO e Programa Nacional para Agricultura Familiar - PRONAF. Podem-se citar ainda programas

como o Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos – PDA, que irão motivar o surgimento de

prestadoras de serviços para as políticas de reforma agrária, materializando-se como um outro ator

social recente da história.

8O PPA para a Amazônia é marcado por obras de infra-estrutura que visam à integração econômica para a expansão da fronteira agrícola, que tem na monocultura do grão de soja o principal produto. A construção de transporte multi-modal (rodovias, hidrovias e ferrovias) e várias hidrelétricas predominam no portfólio do PPA.

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Os últimos anos do século que se encerrou concretizaram a legitimidade das ações, lutas e

reivindicações do movimento camponês brasileiro. Neste período a precarização do trabalho

avança, e as entidades representativas dos trabalhadores urbanos experimentam um momento de

refluxo, e o emprego desponta como moeda de troca. Estamos falando das décadas de 1980 e 1990,

anos de cimentação de várias frentes de ação do movimento popular. Ao mesmo tempo, anos de

crise, ressaca do ocaso da experiência socialista do Leste europeu, estes são anos de

redemocratização do país, reorganização dos partidos políticos, ações de massa como a campanha

pelas Diretas Já!

São nessas décadas, principalmente na de 1980, que os sindicatos de trabalhadores rurais

são organizados ou tomados dos “pelegos”. A Fundação Agrária do Tocantins-Araguaia (FATA),

um dos órgãos que compunham o Centro Agro-Ambiental do Tocantins (CAT), funcionava como

aglutinador dos trabalhadores rurais. Seis sindicatos de trabalhadores rurais da região de Marabá

davam corpo a FATA: Marabá, Jacundá, São Domingos do Araguaia, Itupiranga, São João do

Araguaia e Nova Ipixuna. (Guerra, 2001). Criado em 1988 em parceria com a UFPA, a experiência

tem uma atuação significativa até o fim da década de 1990, quando surgem outros atores sociais

como o MST e a FETAGRI regional, e seus adversários como uma Federação de Pequenos

Produtores e um Sindicato de Pequenos e Médios Produtores.

É nesse turbilhão de mudanças que é criada a Coopeserviços, cooperativa de prestação de

assessoria direcionada para projetos de assentamento. São os técnicos remanescentes do extinto

programa de assistência técnica para os projetos de assentamento Lumiar que vão gerar a iniciativa.

É uma decisão tomada pelo conjunto dos atores sociais aglutinados em torno da FETAGRI regional

no contexto de se criar uma prestadora de serviço público não estatal ligada ao movimento popular,

especialmente à FETAGRI. Nesse sentido, além do reconhecimento da luta pela terra por parte do

Estado através dos projetos de assentamentos rurais, percebe-se um avanço no sentido de definir um

modelo de assistência rural numa via contrária, onde cabe às entidades dos trabalhadores o

protagonismo. Um outro elemento interessante é a criação de cursos superiores animados pelo

MST, como o de agronomia com sede em Marabá, e o de Pedagogia, com sede em Belém.

Um outro elemento a ser observado recai sobre o encerramento das atividades ou a perda da

hegemonia do processo de luta pela reforma agrária de outros atores sociais, como a Federação de

Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE, a FATA, o Movimento de Educação de Base

-MEB, as Comunidades Eclesiais de Base -CEB´s. Os dois anteriores ligados à igreja católica, os

quais, durante as décadas de 1970 e 1980, tiveram um papel fundamental na organização popular

rural. Estaria o movimento plenamente emancipado?

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93

A atuação da FASE de Marabá com uma estrutura de equipe e escritório vai de 1990 até

1998, com uma equipe de quatro educadores populares e dois técnicos administrativos. Dentre as

ações desenvolvidas, constam na zona rural o incentivo de criação de cantinas comunitárias na área

da Ferrovia de Carajás, nos municípios de Marabá e Bom Jesus do Tocantins. A antiga sede da

FASE é hoje a regional da FETAGRI. No conjunto foram organizadas sete cantinas, que, além da

tentativa de formação política de dirigentes, visava, economicamente, ao rompimento da relação

atravessadores e pequeno produtor.

No planejamento da FASE, enumera-se ainda a ação conjunta com o MEB, na área urbana

de Marabá, do Movimento do Orçamento Participativo – MOP. Teve ainda papel importante na

construção da Rádio Comunitária Alternativa FM, na criação da Associação Brasileira de Vídeos

Populares e na montagem de uma estrutura de TV Popular via financiamento de uma entidade

francesa, a CCFD.

Por ausência de financiador, atualmente o Centro de Educação, Pesquisa, Assessoria

Sindical e Popular –CEPASP- não tem desenvolvido nenhuma atividade. Erguido na década de 80,

o centro esteve presente na formação de base de dirigentes do campo e da cidade, que ao lado do

MEB, funcionava como motivador do debate sobre comunicação popular. Desde o fim de 1999 até

o ano de 2003, esteve presente na organização de oficinas e seminários sobre comunicação popular.

Um outro dado no palco dos atores sociais é a transformação da Cooperativa

Camponesa do Araguaia Tocantins (COOCAT), um dos elementos que compunha o CAT,

em uma federação. Na disputa política pela hegemonia da condução do processo de luta

popular, são criadas federações que aglutinam associações e cooperativas de pequenos

produtores. As mesmas surgem com o propósito de estabelecer uma relação de força com a

FETAGRI regional, MST e CPT.

No redemoinho de ocaso e surgimento de novos atores, é criada ainda uma agência de

informação sobre produção e comercialização, a ARCASU, cujo coordenador faz parte do quadro

do movimento popular, o senhor Antonio Cavalcante (Barbudinho), coordenador da ex Cooperativa

Camponesa do Araguaia Tocantins (COOCAT). Para fazer a mediação entre os vários segmentos

sociais (INCRA, CPT, MST) envolvidos na questão da reforma agrária, é organizada a Câmara

Técnica da Reforma Agrária.

ACAMPAMENTOS EM MARABÁ

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94

A realização dos grandes acampamentos, como ação de massa e pressão política do campo

popular, sugere a redefinição espacial da estrutura agrária da região. Um ano antes do primeiro

acampamento em 1997, o INCRA, agora com status de uma regional, registrava o número de 90

Projetos de Assentamento (PA´s), que até o início de 2003, somavam 375. No primeiro semestre de

2005, a SR 27 contabiliza 400.

Alguns fatos podem ser cogitados para se explicar a questão. Primeiramente, sugiro a luta

histórica dos posseiros pela conquista da terra. Como constatado nos depoimentos dos dirigentes e

assessores, havia áreas antes da legalização com mais de dez anos de ocupação. Portanto, toda uma

demanda reprimida no sentido de se homologar a criação dos PA´s. No segundo momento vale

recordar as sucessivas denúncias de corrupção nos processos de desapropriação de terras para fins

de reforma agrária pelas entidades que encabeçam o movimento na região. Dois processos

denunciados durante a direção do senhor Vítor Hugo da Paixão, à frente do INCRA, podem servir

como exemplo.

São os casos da fazenda Oito Barracas, localizada no Município de São Domingos do

Araguaia e da Fazenda Flor da Mata, em São Félix do Xingu que se pode sugerir como nova

possibilidade de geração de renda da terra. O caso foi encaminhado ao Ministério Público Federal,

em dezembro de 1999, conforme nota da FETAGRI E CPT, e matérias dos jornais Correio do

Tocantins, Jornal Opinião, ambos de Marabá, e O Liberal, de Belém.

O superfaturamento teria acontecido na Fazenda Flor da Mata, Município de São Félix do

Xingu. A fazenda, com 11 mil e 770 hectares, custou em 1995 ao fazendeiro R$100 mil reais, e foi

avaliada em 1998 por técnicos do INCRA em R$ 2,5 milhões, 25 vezes mais que valor de compra.

As entidades acusam ainda o proprietário da fazenda de manter trabalhadores em regime de trabalho

escravo. Segundo as entidades, o Ministério Público Federal também questionou o valor da

desapropriação. Na desapropriação, o dono recebe o dinheiro no ato; isso funciona como um

estímulo para a corrupção, avalia o conjunto das entidades.

A Fazenda Oito Barracas, Município de São Domingos do Araguaia, desapropriada em

junho de 1998, é outro caso citado. A FETAGRI e a CPT acusam técnicos do INCRA de terem

incluído benfeitorias que não existiam na fazenda. De acordo com o laudo, a fazenda possuiria 20

km de estrada em bom estado de conservação. A assessoria das entidades verificou que só existem 8

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95

km; dos 35 mil metros de cerca de 5 fios em bom estado de conservação, apenas 2.500 metros

foram encontrados em péssimo estado de conservação.

A assessoria jurídica informa que os casos citados ocorrem em fazendas próximas da

superintendência regional de Marabá, “imagine nas mais distantes, o que deve acontecer?” O

INCRA de Marabá gastou mais de R$ 70 milhões para desapropriar 24 fazendas no sudeste do Pará

em 1998. Segundo o documento encaminhado à Procuradoria, é mais do que o orçamento de 1998

para as 44 mil famílias assentadas nos 152 projetos de assentamentos. Conforme cálculos no

documento, cada família assentada já começa devendo R$ 14 mil reais ao Governo Federal.

Para melhor embasar o documento, as entidades de representação e apoio dos trabalhadores

rurais fizeram um levantamento dos valores de terra e infra-estrutura de fazendas junto ao BASA,

Banco do Estado do Pará (BANPARÁ), Banco do Brasil, várias prefeituras da região, EMATER,

Secretaria de Agricultura e vários cartórios. No laudo do INCRA, um quilômetro de cerca custa R$

2.088 reais, no verificado pelas entidades ficaria em R$ 1.499 reais; um quilômetro de estrada bem

conservada no INCRA custou R$ 3.247 reais, nos cálculos das entidades só R$ 2.334 reais. Outro

questionamento da FETAGRI e CPT recai sobre a eficiência do Imposto Territorial Rural - ITR -,

elas acreditam que se o governo considerasse as declarações dos valores no pagamento do ITR, os

desvios poderiam ser suspensos. Esse episódio, ao lado de outros, culminou com a substituição do

Victor Hugo da Paixão, do INCRA de Marabá. No processo de luta dos camponeses, Victor Hugo

foi o segundo superintendente a ser substituído.

Outra grave acusação contra o Incra de Marabá é a não disponibilização, aos trabalhadores

rurais, dos laudos das desapropriações realizadas pelo Instituto. As entidades denunciam ainda que

os atos de vistoria dos técnicos do INCRA nunca são informados, e que os técnicos ficariam

hospedados nas sedes das fazendas.

Essa política de superfaturamento vai motivar que os próprios fazendeiros organizem

ocupação em suas terras. Em matéria do dia 27 de setembro de 1998, no caderno Brasil da Folha de

São Paulo, de Ricardo Galhardo, consta que o fazendeiro Eufrásio Pereira teria empregado R$ 22

mil reais para que 1.500 famílias ocupassem as terras da Fazenda Cristalino, de 139,3 mil hectares,

em Santana do Araguaia, pela qual pagou R$ 20 milhões em 1996. A fazenda é quase do tamanho

da cidade de São Paulo, menor apenas 10 mil hectares. Caso a União fosse desapropriar, pagaria R$

40 milhões, segundo avaliação do INCRA. A matéria informa que a desapropriação não ocorreu. O

mediador da ocupação foi o senhor Eunício Alves, integrante do Movimento Brasileiro dos Sem

Terra – MBST. Ainda sobre o contexto de ocupações e desapropriações de terras há a criação do

MST e a ação de ocupação de áreas em todo o território nacional, o que vai desaguar com a coerção

pública e privada contra a luta camponesa, via intervenção jurídica e militar.

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Sob a égide de Medidas Provisórias, o governo estabeleceu que a terra invadida por

trabalhadores rurais sem terra não será vistoriada por dois anos agrícolas e em caso de reocupação

do referido imóvel, o prazo será duplicado para quatro anos. No rosário de medidas do governo

federal inclui-se ainda a suspensão do programa Lumiar, a assistência técnica, e sucessivas prisões

de dirigentes do MST em todo o Brasil.

O sudeste paraense se configura como uma fronteira de constante tensão social, política e

econômica no país. Cenário construído através da política de integração do regime militar (1964-

1985), que incentivou através da generosidade do erário público a implantação de grandes grupos

econômicos na região e a migração de camadas excluídas oriundas do Nordeste, Centro- Oeste, e

até Sudeste do país.

A violência tem sido uma marca no processo de colonização da região amazônica,

ora encarnada pelo Estado, ora por milícia e jagunçagem de proprietários de fazendas.

Apesar de vivermos um novo milênio, a violência no seu caráter mais brutal, a eliminação

de sindicalistas, permanece no cenário de disputa entre os trabalhadores sem terra e

fazendeiros.

O CONTEXTO DOS GRANDES ACAMPAMENTOS COMO INSTRUMENT O DE LUTA

A história da luta pela terra no Brasil é rica em exemplos de movimentos e momentos

significativos de organização dos excluídos. O acampamento tem sido usado como uma ferramenta

antiga de luta dos trabalhadores rurais. Tem sido assim desde os quilombolas, cabanos, o

encabeçado por Conselheiro no movimento do Arraial de Canudos, do Contestado, na fronteira do

Paraná com Santa Catarina. Campo Formoso em Goiás, Ligas Camponesas no Nordeste.

No ano de 1997 a cidade de Marabá semeou uma experiência histórica da página

dessa luta. É no Município de Marabá que será levantado o primeiro acampamento com a

característica de grande. Grande acampamento foi uma categoria cunhada pelos próprios

atores sociais da luta pela terra do sudeste do Pará, por reunir 10 mil pessoas entre vinte a

quarenta dias no pátio externo do INCRA, a Praça do Mogno.

A FETAGRI regional sudeste e o MST de Marabá são os principais atores do

acampamento. Este ato que ocorre com o endosso direto da CPT de Marabá, e outras entidades de

apoio ao campesinato da região, entre elas o CEPASP, COOCAT, Conselho Nacional dos

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Seringueiros (CNS), Escola Família Agrícola (EFA), Sociedade Paraenese de Defesa dos Direitos

Humanos (SPDDH), Laboratório Sócio-Ambiental do Araguaia Tocantins (LASAT), FASE, FATA.

Uma peculiaridade da ação de massa é ser desenvolvida com a união do MST e o movimento

sindical, que tem a hegemonia na filiação dos projetos de assentamento. Talvez seja o único lugar

do Brasil onde essa união ocorre, ainda que pontual.

Entre as motivações visualizadas temos a violência e a impunidade, a substituição do

superintendente do INCRA, um oficial da reserva do Exército Brasileiro vindo do sul do país, o

senhor Petrus Emile Abi-Abib, a ausência de transparência para a definição do Programa

Operacional –PO-, de responsabilidade do INCRA, que define a aplicação dos recursos de cada ano,

a acusação de corrupção e beneficiamento político a prefeitos da região, a morosidade no processo

de desapropriação de áreas ocupadas.

Diante de tal quadro, o acampamento surge como uma ferramenta política para estabelecer

a relação de força entre trabalhadores rurais sem terras, assentados da reforma agrária, agricultores,

familiares, posseiros e o INCRA, poder dos supostos donos das terras e os prefeitos da região.

Difere dos demais acampamentos por ter sido levantado no centro político da região, o Município

de Marabá. Retira-se a problemática do isolamento e mostra-se para a sociedade, apesar da

discriminação, preconceito e criminalização dada por alguns veículos de comunicação da cidade.

O acampamento de 1997 é considerado por alguns dirigentes do movimento de luta pela

reforma agrária no sudeste do Pará como o de maior importância. Primeiro por ser o inaugural, o

que possibilitou a unificação de várias entidades do campo popular ligadas à questão no Fórum de

Reforma Agrária (FERA); segundo por ultrapassar as fronteiras físicas da região, criando espaço

para a visibilidade de matérias jornalísticas no sudeste do país, pronunciamentos de parlamentares

do campo democrático na Assembléia Legislativa do Pará e na Câmara Federal. Sobre o ponto de

vista econômico, foi a melhor negociação de todos os acampamentos, avaliam dirigentes e

assessores entrevistados. Por conta do episódio de Eldorado, o Estado instituiu, além da criação do

INCRA, a instalação do Ministério Público, Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais e Renováveis

e do Meio Ambiente (IBAMA), Instituto Nacional de Seguridade Social, Polícia Federal, entre

outras instituições.

Sobre a postura do senhor Petrus, primeiro superintendente do INCRA de Marabá, quando

o Instituto ganha o status de uma superintendência regional, o manifesto de duas páginas das

entidades populares que animam o acampamento avalia: “Através de uma postura autoritária, o

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superintendente do INCRA tem se negado a dialogar e a negociar com o conjunto das lideranças

dos trabalhadores e das entidades. Para o superintendente, o fórum de discussão destas questões

mencionadas tem sido as prefeituras e deputados que as representam. O superintendente tem

adotado uma política de divisão do conjunto do movimento, de perseguição das entidades de apoio

e de provocação das lideranças através dos meios de comunicação”, (Documento de Circulação

Interna , datado de 20 de outubro de 1997, CPT, FETAGRI, Marabá, 1997).

CIDADE DE LONA, CIDADE DE SOLIDARIEDADE, CIDADE DE LUTA

A organização do primeiro acampamento tomou quase o ano inteiro de 1997. Na

reconstituição da história do acampamento, realizado a partir de entrevistas com dirigentes das

entidades do movimento e documentos, eles rememoram que um diagnóstico teve início em maio/

junho. Em 1997, 10 anos depois da criação do primeiro projeto de assentamento na região, o

Castanhal Araras, no município de São João do Araguaia, existiam 90 projetos de assentamento.

Eram 400 as áreas ocupadas.

Trabalhadores rurais após a desocupação da Ferrovia de Carajás – Marabá- PA - 2001- (Cepasp)

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O que a coordenação do movimento chama de diagnóstico foi um levantamento da situação

fundiária de cada projeto de assentamento ou ocupação. Segundo entrevista com os dirigentes, as

equipes técnicas das entidades de apoio FASE, CEPASP, CPT, CNS, dentre outros, junto com os

dirigentes sindicais, visitaram as áreas de toda a região a fim de conhecer o quadro fundiário e

verificar se os que já eram assentados estavam tendo acesso às políticas de crédito para a reforma

agrária.

Acampamento de trabalhadores rurais na Praça do Mogno – INCRA, Marabá-PA,2001.

Sobre a situação, Raimundo Nonato Santos da Silva (Nonatinho), ex-coordenador

da FETAGRI regional sudeste revela: “O nosso primeiro passo foi o levantamento da

situação fundiária e agrária da nossa região. Em conjunto com a CPT, FASE, CEPASP

fizemos o diagnóstico de todos os PA´s, áreas ocupadas, colocando os anos e os conflitos.

O diagnóstico culminou com a primeira pauta de reivindicações dos movimentos do sul e

sudeste do Pará. Foram estas duas questões - as demandas dos trabalhadores e a postura do

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governo federal em relação aos movimentos sociais - que resultaram no primeiro

acampamento”.

Mediante a convivência nos anos de trabalho em que estive em Marabá, na condição de

técnico do CEPASP, e depois colhendo dados e entrevistando os dirigentes das entidades de

trabalhadores rurais, pude observar que há uma unanimidade quanto à falta de transparência nas

políticas encaminhadas pela superintendência recém- criada do INCRA de Marabá. Sobre a ação do

acampamento no INCRA, eles afirmam que fizeram um orçamento participativo ao contrário, ou

seja, a partir da pressão popular, e não tendo o INCRA como indutor de um processo participativo,

de socialização de suas ações.

Caminhada de trabalhadores rurais sobre a ponte do rio Tocantins, Marabá-PA, 2001.

Até a realização do primeiro acampamento, a clientela da reforma agrária, as entidades

representativas dos trabalhadores rurais e as entidades de apoio não conheciam o orçamento do

INCRA, ou a sua forma de aplicação. Num documento assinado pela CPT de Marabá e a FETAGRI

Regional sudeste do Pará, chama a atenção no primeiro ponto a redução que vem sofrendo o

tamanho do lote (módulo) dos agricultores: “na década de 1970 o módulo na região era de 100 ha,

nos anos 1980 diminuiu para 50 ha, e hoje o atual superintendente impôs o módulo de apenas 25 ha,

sem discussão com os trabalhadores. Além disso, quer implantar nos novos assentamentos o modelo

de condomínio rural com título coletivo para os agricultores. Por outro lado, se nega a retirar os não

clientes da Reforma Agrária que concentram centenas de hectares nos projetos de assentamentos e

impõe dificuldades para mexer no tamanho da grande propriedade ou em desapropriar latifúndios

improdutivos”, (Documento de Circulação Interna, datado de 20 de outubro de 1997).

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Num outro ponto, o documento alerta para o não cumprimento de acordos anteriores

realizados com o Ministro da Reforma Agrária, onde estava agendada a criação de um conselho de

reforma agrária para região. As vistorias nas áreas a serem desapropriadas, e encaminhamento nos

processos de desapropriação são outras exigências dos manifestantes: “Inúmeros acordos

negociados com o ministro nas duas vezes em que esteve em Marabá e com a própria

superintendência do INCRA não têm sido cumpridos, como a Criação de um Conselho Regional de

Reforma Agrária, vistorias, desapropriação, infra-estrutura nos projetos de assentamento”,

(Documento de Circulação Interna, datado de 20 de outubro de 1997).

A mobilização nas áreas de assentamento e ocupação foi considerada a etapa mais difícil.

Nonatinho, ex-dirigente da FETAGRI, ressalta que as entidades não tinham a experiência nesse tipo

de ação. Havia um temor com a aceitação da proposta nas áreas. A expectativa das organizações era

de três mil pessoas. Segundo o dirigente, primeiro eram feitas as reuniões nas áreas, em seguida

fazia-se uma grande reunião em cada município.

O militante recorda:

“como a nossa idéia era a construção de uma pauta coletiva, facilitou o nosso trabalho. Naquele ano o coletivo de entidades foi em todas as comunidades. Fizemos reunião via os sindicatos. Nas reuniões, a comunidade ia colocando as demandas: estradas, assistência técnica, crédito. Nas áreas ocupadas queríamos saber se já havia ocorrido a vistoria, como tava o processo. A FETAGRI não tinha claro o que era o acampamento. A nossa compreensão era que tinha que se mobilizar. Depois disso realizamos a reunião por município. Aí a gente fazia a pauta municipal, e discutia qual a ação que a FETAGRI ia fazer. O primeiro município que a FETAGRI fez reunião foi Itupiranga. Lá ficou claro que a gente precisava organizar o acampamento”. (SILVA, entrevista realizada em agosto de 2003, Marabá, Pará).

Todo acampamento é a mesma história. Uma cidade de lona é erguida às margens

da Transamazônica, no pátio externo do INCRA. Homens, mulheres e crianças chegam dos

projetos de assentamento de todos os municípios do sudeste do Pará. Na cidade coberta de

lona preta, a manutenção é garantida com os mantimentos trazidos da roça. São escolhidas

comissões para cuidar da saúde, segurança, negociação com as instituições, alimentação,

infra-estrutura, comunicação. As barracas são montadas por assentamento ou município.

Como é inviável uma reunião com 10 mil pessoas, nem todo mundo participa das

negociações.

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A informação da pauta de reivindicação é debatida por grupos de assentados. O

resultado é repassado nas assembléias, através da “Rádio Cipó”, sistema de som montado

dentro do acampamento. Missa, encenação de peças, apresentação musical de artistas da

reforma agrária, som mecânico, ajudam a suportar o desconforto de ficar sob a lona preta

num sol perto de 40ºc. Um telão vez por outra é montado para a exibição de vídeos do

movimento.

Como os rios Tocantins e Itacaiúnas ficam próximos do acampamento, são eles que

acodem para diminuir do calor, e também para lavar a roupa. Nos três acampamentos

anteriores, a Fundação Nacional de Saúde – FNS -, como sempre, registra o elevado índice

de malária. Uma farmácia ajuda nos casos mais simples de saúde. Para ajudar nas despesas,

livros, camisetas e bonés são comercializados na área.

Ao redor do acampamento forma-se uma pequena espécie de feira. Tem gente que

vende água, alimentação, cigarro, pastel, roupa, rede. O consumo de álcool é proibido

dentro do acampamento, mas há um ou outro que dribla o esquema. A segurança é rígida.

Entrada no acampamento só até 21:00h. A solidariedade como valor ajuda a suportar os

dias de calor, as noites de frio.

A região sudeste consta no catálogo da história como referência de luta pela reforma agrária

e de resistência; as experiências dos acampamentos durante os governos de Fernando Henrique

Cardoso na presidência do Brasil e Almir Gabriel no governo do Pará serviram para concretizar

ainda mais o emblema combativo das terras do Araguaia Tocantins.

O ACAMPAMENTO DE 2001

O ano de 2001 é emblemático por alguns aspectos: o recrudescimento da violência contra

lideranças, prisões de dirigentes, várias operações policiais para a desocupação de áreas e a

descoberta de um serviço de espionagem do Exército Brasileiro direcionado para os setores

populares que se empenham na luta pela reforma agrária, meio ambiente e direitos humanos.

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É um ano em que, por conta do aumento da violência, as entidades populares denunciam o

Estado brasileiro por violação dos direitos humanos junto à Organização dos Estados Americanos -

OEA. Asma Jahangir, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU), recebeu

denúncias das organizações populares. No ano de 2001 o sudeste contabilizava 336 projetos de

assentamento. Um acréscimo de 246 projetos de assentamentos desde a realização do primeiro

acampamento em Marabá, em 1997. Um crescimento de 273% em quatro anos.

O que se verifica é uma territorialização dos projetos de assentamento, praticamente em

todos os municípios de atuação da superintendência do INCRA de Marabá. É no acampamento de

2001 que os trabalhadores rurais ocupam por 48 horas a Ferrovia de Carajás da CVRD, agora

privatizada. A medida é decidida no mais completo sigilo, por conta da presença de agentes da

inteligência da PF e da PM infiltrados no movimento. No mesmo período, uma companhia do

Exército ocupa o aeroporto de Marabá, após rumores de ocupação do mesmo pelos sem terra.

Período de agendamento de novos grandes projetos para as regiões registraram-se a

organização, por parte dos setores populares do Bico do Papagaio, de inúmeros seminários para se

debater a implantação da hidrovia do Araguaia/Tocantins, das barragens. Foram realizados

seminários em Palmas (Tocantins), Imperatriz (Maranhão), Marabá (Pará). Tais espaços serviram

para aglutinar os diferentes atores e produzir manifestos contrários aos projetos. Nesses núcleos de

discussão foram geradas as cartas de Palmas, Imperatriz, produção de cartilhas e artigos sobre as

questões. É sobre esse campo minado que surge o Movimento Pela Preservação dos Rios

Araguaia/Tocantins –MPTA, com núcleo mais atuante no Tocantins. Nesse sentido, podemos

observar que além das questões imediatas e específicas de cada ator da região, emerge uma

inquietação sobre a questão ambiental e sobre a ausência de políticas públicas nesse sentido.

O acampamento de 2001 teve a duração de 30 dias (abril a março) e se estabeleceu na Praça

do Mogno, em frente à superintendência regional do Incra. A data do protesto, 17 de abril, está

relacionada ao aniversário de cinco anos do massacre de Eldorado do Carajás. Assentados ligados a

FETAGRI, regionais sul e sudeste do Pará engrossam o acampamento.

Na pauta de negociação com o INCRA estão: o aumento de recursos para a reforma agrária,

decreto imediato de desapropriação de fazendas ocupadas, definição do Programação Operacional

(PO). A ação de massa, que já entrou para a história de luta pela reforma agrária, inclui negociação

com Banco da Amazônia - BASA e INSS. Com o BASA a pauta elege a liberação de recursos do

PRONAF, emperrada pela burocracia do banco. Com o INSS, a questão é a política de

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aposentadoria dos trabalhadores rurais, ao contrário da pauta do primeiro de 1997, que abrigava

questões relacionadas somente com o INCRA. Se na experiência inaugural realizada em 1997 as

reivindicações se concentravam somente na questão agrária, nos anos subseqüentes percebe-se a

ampliação da mesma para o conjunto de órgãos que, de alguma forma, possuem relação com as

demandas do campo.

A negociação mais delicada apontada pelas entidades populares é com o Incra. Foi o

movimento do campo que conseguiu alterar um pouco a agenda do governo federal, que deu

visibilidade internacional à delicada situação em que vive o trabalhador rural brasileiro. É a partir

desse marco histórico que o governo federal mostra-se hábil na expedição de liminares de

reintegração de posse de latifúndios, expedidas em tempo recorde pela Justiça, ao mesmo tempo em

que agiliza o processo de criminalização de lideranças. Uma comissão da CPI do latifúndio, em

Manaus, descobre o que os movimentos sociais denunciam há séculos, que o latifúndio é construído

com fraudes em cartórios. No Pará, estima-se que 80% dos títulos de terras sejam frutos de fraudes.

O acampamento reúne homens, mulheres e crianças de 336 áreas de assentamento,

provenientes dos municípios da região que abandonam suas roças para a luta pela vida, pela

dignidade, pelos direitos elementares como trabalho, crédito, assistência técnica. A pé, de ônibus,

garimpeira (apelido de caminhonete que faz transporte na zona rural), caminhões, tudo serve como

transporte. Sob a lona preta do acampamento convivem diversas categorias da luta pela reforma

agrária: trabalhadores rurais sem terra, posseiros, assentados filiados ou não às organizações de

representação como FETAGRI e MST.

No cenário de conflito alguns atores podem ser identificados. Em primeiro lugar a recente

expansão capitalista experimentada a partir da privatização da CVRD, o Estado como

desregulamentador de barreiras jurídicas e políticas para a expansão do capital, além de exercer o

papel de agente coercitivo. Ainda na mesma fronteira podemos encontrar a modernidade com o

discurso de um desenvolvimento regional. Se na década de 1970 a ordem era integrar a região ao

resto do país, em 1980, com início do funcionamento da Ferrovia de Carajás, integra-se a região ao

mundo, através do extrativismo mineral.

Na outra ponta do cenário se ergue como ator discordante da antiga lógica de colonização,

com novo verniz, posseiros, entidades de direitos humanos, trabalhadores (as) rurais sem terra,

religiosos, aglutinados num espaço público – a praça da superintendência do INCRA de Marabá.

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O acesso à terra mediante a criação dos projetos de assentamento não se desenvolve sem

conflitos, pontos de tensão. Além da violência como um espectro presente, não tem sido possível

nem por parte do órgão público, nem das entidades ligadas à questão camponesa, controlar a

clientela da reforma agrária. Não é raro, em particular na região de Eldorado dos Carajás, ocorrerem

denúncias de compra de lotes por comerciantes, fazendeiros e madeireiros, que acabam construindo

em áreas destinadas aos sem terra, as médias e até grandes propriedades.

A FALA DO POVO

Muitos estudiosos de diferentes linhas de investigação se debruçaram e ainda se debruçam

na elaboração de estudos sobre a região. O interesse da observação de vários pontos de vista, os

trabalhadores (as) rurais, apesar de amplificação modesta, cunham suas formas de registro e

observação do que erguem. São canções, cordéis e poesias.

O dirigente sindical de Santa Maria das Barreiras, “Ceará”, batizado como Francisco Valter

Pinheiro, assentado do PA Agropecus, é um cordelista por excelência. No momento do

acampamento de 2001 em Marabá, observou alguns movimentos da ação, registrada em literatura

de cordel intitulada: Acampamento de 2001: a história construída e contada pelo trabalhador

rural. (PINHEIRO, 2001).

A composição de CEARÁ aglutina as diferentes fases do processo de acampamento.

Aborda a organização das comissões internas, a postura arrogante que costumam ter os

representantes do Estado em relação ao camponês. O poeta reflete sobre a ação da polícia, da

Justiça, das autoridades do INCRA. Abaixo seguem alguns momentos.

Sobre a chegada dos trabalhadores rurais de diversos municípios, assim registra PINHEIRO

(2001, p.01):

“Naquela reunião

Tinha gente de toda banda

De São Domingos e de São João

De Marabá e Itupiranga

Veio gente de São Félix

Para o caldo engrossar

De Conceição e do Peba

De Bannach e Jacundá

Xinguara e Canaã

Palestina, Brejo Grande

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De Ipixuna e Tucumã“.

A ação coletiva é assim notada por PINHEIRO (2001, p.02):

Toda a representação

Veio por merecer

Tava as associações

A Fetagri e a CPT

Lembrando bem desta data

Para eu não esquecer

O sindicato também tava

Junto com o MST

Sobre a confluência entre a FETAGRI e o MST, nas entrevistas que realizamos junto aos

dirigentes, representantes das entidades destacam o fato de que esta é uma das poucas regiões em

que ocorre a realização de ação conjunta entre o movimento sindical e o MST. Já sobre o processo

de negociação, o poeta dirigente registra:

Estava o seu Geraldo

Que é da Fetagri Sul

Olhando o movimento

Disse: ”hoje vai dar cumbú

Daqui nós não tira nada

Desse bando de urubu”

A ocupação da Ferrovia de Carajás é notada por PINHEIRO como um ato de bravura:

Aqueles homens ali

São homens muito direito

Não teme nem a morte

Vão morrer de qualquer jeito

Entre morrer de malária

Ou com uma bala no peito.

A IMPUNIDADE É A REGRA?

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107

A concentração de terras, perseguição, execução e criminalização de entidades dos

trabalhadores rurais e dirigentes têm colaborado na construção da História de luta pela terra no

Brasil. O sudeste do Pará é responsável por capítulos sangrentos desse enredo, muitas vezes tratado

como natural. Se a Justiça dista em demasia dos anseios dos camponeses, os mesmos seguem a criar

formas de pressão contra a omissão do Estado.

No ano de 2003, entre os dias 27 a 30 de outubro o MST, CPT, FETAGRI e CESE

promoveram o Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio do Pará, um expediente similar ao

Tribunal da Terra fomentado em 1988, numa tentativa de pressionar as autoridades e a opinião

pública nacional e internacional, sobre a impunidade dos crimes ocorridos contra dirigentes

sindicais e assessores envolvidos na luta pela reforma agrária no Pará.

O evento, realizado em Belém, contou com a presença de representantes nacionais e

internacionais em defesa dos Direitos Humanos e da luta pela reforma agrária, como João Pedro

Stédile, líder do MST, D. Tomás Balduíno coordenador da CPT nacional, e o padre Ricardo

Rezende, ex-coordenador da CPT de Conceição do Araguaia, autor de dois livros sobre a região, o

que não sensibilizou o principal grupo de comunicação do Estado, O Liberal, a pautar o Tribunal.

Ou quando o fez, fez de forma enviesada, através de entrevista com a representante do Tribunal de

Justiça do Estado, a desembargadora Maria de Nazaré Brabo, que proferiu um discurso no intuito de

desqualificar a iniciativa, argumentando que o Estado não necessitava de iniciativas simbólicas.

Até que um pistoleiro ou mandante de crimes contra dirigentes sindicais e assessores da luta

pela reforma agrária venha a sentar no banco dos réus, a via crucis é demasiadamente longa. A

associação internacional, que atua junto a entidades ligadas à luta pela defesa dos direitos humanos,

de forma a pressionar o Estado, tem sido uma estratégia constante. Assim, se conseguiu levar ao

banco dos réus os casos de Expedito Ribeiro, João Canuto e João Batista, e no dia 28 de abril de

2004, o caso da Irmã Adelaide.

No caso de Expedito Ribeiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio

Maria, morto no dia 02 de fevereiro de 1991, o julgamento do mandante ocorreu depois de 11 anos.

Jerônimo Alves Amorim, 61 anos, fazendeiro que encomendou a morte do dirigente, foi a

julgamento no dia 06 de junho de 2000, quando foi condenado por seis votos a um, a 19 anos de

reclusão. Atualmente cumpre prisão domiciliar alegando problemas de saúde em Goiânia, Goiás. O

fazendeiro passou cinco anos com prisão preventiva decretada (1994/1999), e apesar de domicílios

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no Pará e Goiás, nunca havia sido preso. Até no dia 22 de novembro de 1999, quando foi preso pela

Polícia Federal no México, com documentos falsos, numa estação de férias em Cancún num

transatlântico, segundo documento do Comitê Rio Maria.

Nos anos de 1994 e 1995 são levados a julgamento o intermediário, um gerente da fazenda

Nazaré, de Jerônimo Amorim, Francisco de Assis Ferreira, o “Grilo” e o pistoleiro e executor da

morte de Expedito Ribeiro, José Serafim Sales, o “Barreirito”, condenados a 21 e 25 anos de prisão,

respectivamente. Barreirito fugiu da cadeia de Marabá no dia 14 de março de 2000, antes do

julgamento de Jerônimo Alves Amorim, o primeiro fazendeiro a ir a julgamento na história na

região. O documento do Comitê Rio Maria narra o favorecimento na fuga do pistoleiro para que ele

não prestasse depoimento.

João Batista era advogado e deputado estadual, e fazia assessoria a trabalhadores rurais. Foi

morto no dia 06 de dezembro de 1988, em Belém, pelo pistoleiro Péricles Ribeiro. As suspeitas de

mando recaem sobre o fazendeiro José Martins, que foi despronunciado do processo pelo Tribunal

de Justiça do Estado. O julgamento do pistoleiro ocorreu em maio de 2001, quando Péricles Ribeiro

foi condenado a 30 anos.

Após 17 anos e cinco meses, às 18.35h da tarde do dia 23 de maio de 2003, depois de dois

dias de julgamento, no Tribunal do Júri de Belém, Pará, Roberto Moura (o mesmo do caso Eldorado

do Carajás), Juiz da 1ª Vara Penal pronuncia a sentença de 19 anos e 10 meses de prisão a Adilson

Carvalho Laranjeira e Vantuir Gonçalves de Paula, dois dos cinco fazendeiros acusados de

mandantes do assassinato do presidente do sindicato de Trabalhadores Rurais de Rio Maria, João

Canuto de Oliveira. Dezoito tiros disparados por dois pistoleiros não identificados mataram Canuto,

há 17 anos e cinco meses, no dia 18 de dezembro de 1985, às 15:30h, em frente ao cemitério da

cidade. O primeiro presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria integrava o

Partido Comunista do Brasil (PC do B). Ovídio Gomes Oliveira, Jurandir Pereira da Silva e Gaspar

Roberto Fernandes, fazendeiros da região também acusados de organizarem a execução do

sindicalista, estão foragidos.

Na platéia, Luzia Canuto, coordenadora do Comitê Rio Maria, organização que luta por

justiça pela morte de militantes da reforma agrária, comemora ao lado da mãe, dona Geraldina, de

65 anos, e o irmão Orlando, sobrevivente de seqüestro cinco anos após a execução do pai, onde dois

irmãos, José e Paulo foram mortos. Orlando hoje preside a Câmara Municipal de Rio Maria.

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O julgamento dos acusados da morte de João Canuto entra para a história por três motivos:

primeiro, pelo fato de ser a sétima vez que acusados de envolvimento de morte de animadores da

reforma agrária vão ao banco dos réus; e o segundo, por conta das brechas da Lei, que

possibilitaram que os dois fazendeiros condenados se escudassem no direito de recorrem em

liberdade, por serem primários e “gozarem de bons antecedentes”, e por último, pelo fato de, ao

lado de Jerônimo Alves Amorim, fazendeiro que mandou executar Expedito Ribeiro, somarem o

número de três fazendeiros a irem a julgamento.

O desejo de dona Geraldina era vê-los saírem algemados direto para a cadeia. Ainda assim,

perto de 600 trabalhadores rurais acampados desde o primeiro dia do julgamento festejaram a

sentença com festa e música.

Em que pese o desenrolar dos julgamentos, as entidades representativas ou de apoio seguem

empenhadas em levar ao banco dos réus pistoleiros, militares e fazendeiros envolvidos na disputa

pela terra. Assim, no dia 28 de abril, de 2004, às 8:00 horas da manhã, no Teatro Municipal

localizado na Rua Maranhão, em Curionópolis, vai a julgamento José de Ribamar Rodrigues Lopes,

acusado da morte da freira irmã Adelaide Molinari, morta na rodoviária de Eldorado do Carajás, no

dia 14 de abril de 1985, doze anos depois. O acusado foi preso na cidade do Rio de Janeiro em julho

de 2003.

A morte da religiosa oriunda de Garibaldi, Rio do Grande do Sul, foi um acidente. O alvo

era o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Eldorado do Carajás, Arnaldo Delcídio

Ferreira, que conversava com a irmã na hora do atentado. Arnaldo foi assassinado oito anos depois.

A bala que matou a irmã que coordenou a primeira Comunidade Religiosa da Congregação Filhas

do Amor Divino do Pará, atravessou o corpo do sindicalista e acertou o pescoço da religiosa. Irmã

Adelaide desenvolvia trabalhos junto às mulheres e entidades populares em Eldorado do Carajás e

Curionópolis.

Devido à impossibilidade de acessar mais informações, aqui ficarão em aberto mais

detalhes dos julgamentos ocorridos nos anos de 1992 e 1996 do mandante da morte do advogado,

militante e deputado pelo PC do B, Paulo Fontelles, morto no dia 11 de julho1987. Já sobre o

massacre de Eldorado do Carajás, este daria vários livros. A propósito, pela passagem dos dez anos

do Massacre em 2006, Eric Nepumuceno lança um livro reportagem.

É possível falar em territorialização camponesa no sudeste do Pará; ao se considerar que até

o ano de 2005 o número de projetos de assentamentos beira os 400, poder-se-ia afirmar que sim.

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Mas o bom senso sugere que antes se investigue a trajetória de luta de pela terra nessa região.

Apesar do reconhecimento por parte do Estado dos PA´s , na contramão segue o processo de

conferir à esfera da Justiça e militar o processo de luta camponesa. As reiteradas liminares de

reintegração posse e operações da polícia na expulsão de áreas ocupadas ajudam a cristalizar a

observação. No início de 2005, numa caneta só o juiz da Vara Agrária de Marabá, Líbio Araújo

Moura, expediu 50 liminares de reintegração de posse, numa operação da PM prevista para durar

três meses. Notas da CPT e Fetagri denunciam que lavouras e barracos são queimados durante a

ação da PM, o Estado desmente dizendo que tudo ocorre na santa paz. No cardápio de reintegração

de posse, mesmo áreas já vistoriadas pelo INCRA e avaliadas como improdutivas, ou já com

processos de desapropriação encaminhados, costumam constar no listão da Justiça.

“Como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena

embora o pão seja caro e a liberdade pequena”.

Ferreira Gullar

Dois e Dois: Quatro

Uma das estratégias de luta adotadas na defesa do Cerrado e em outras batalhas

encampadas na região do Araguaia-Tocantins é o uso de meios alternativos de

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comunicação9 para contrapor o discurso da grande mídia, ou da imprensa local, submetida

aos interesses do coronelismo eletrônico. Esta experiência começou a ser aberta nos anos de

chumbo do regime militar e teve como pólo significativo a cidade de Marabá, localizada no

sudeste paraense e considerada o centro político e econômico da região.

Um arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular

(Cepasp), Organização Não-Governamental de Marabá, engajada na luta de apoio aos

movimentos sociais e à causa da reforma agrária guarda parte da memória desta luta em

boletins como A Arca, O Mandi, Bafo de Bode, Ouriço, Cupim, O Artista e

Informativo da PA 150.

Exceto o Bafo de Bode, que teve duas edições no ano de 90, todos os boletins

datam da década de oitenta, quando começaram a ser implantados no coração da Amazônia

grandes projetos como a construção da Hidrelétrica de Tucuruí, e inauguração da Ferrovia

de Carajás, que liga a reserva mineral, no sudeste do Pará, ao Porto da Ponta da Madeira em

São Luís, Maranhão. Como todo produto jornalístico, estes boletins, muito deles elaborados

na clandestinidade, registram fatos importantes da história da região.

Bafo de Bode lançado em 1990 e o Boletim Arca, única edição, setembro de 1982, boletim dos atingidos pela barragem de Tucuruí, sudeste do Pará.

Máquina de escrever, colagem, fotos, cartuns, xerox ou mimeógrafo e uma dose

de coragem eram algumas das ferramentas usadas para a produção dos boletins. Os

9 Parte significativa do presente texto foi usada sem a citação da fonte, como segundo capítulo do trabalho de conclusão de curso (TCC) de História da Universidade Federal do Pará, pelo senhor Robério Melo Lima. O TCC de 2003 foi batizado de Panfletos e transmissores: experiência de comunicação popular em Marabá.

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formatos são variados. Há os de folha de chamex dobrada ao meio, há os tablóides. Assim

como variam os formatos, variam os números de páginas e conteúdos.

A freqüência, como sempre acontece nessas experiências, é marcada pela falta

de continuidade, requisito fundamental para sobrevivência de qualquer projeto na área da

Comunicação. Apesar das limitações e dos percalços próprios do cotidiano no qual foram

produzidos, estes informativos são o ponto de partida para que se tenha um panorama da

experiência de comunicação popular em Marabá e em outras cidades da região.

Um destes informativos, surgido para documentar a luta dos trabalhadores

rurais remanejados com a formação do lago da hidrelétrica de Tucuruí, A Arca é uma

referência ao episódio bíblico do dilúvio, quando por quarenta dias e quarenta noites a terra

padeceu com intensa chuva. E sob a ordem divina Noé construiu uma arca onde deveria

colocar casais de animais e a sua família para a construção de um novo mundo.

No caso de Tucuruí, cidade do sudeste paraense banhada pelo caudaloso rio

Tocantins, A Arca registrava um dilúvio sem final feliz e com muitos problemas para os

camponeses removidos para a construção da barragem. Assim explica o primeiro exemplar

do boletim. A usina, que se encontra em fase de duplicação, foi construída para fornecer

energia subsidiada para empresas de alumínio situadas em São Luís do Maranhão

(ALUMAR/ALCOA) e Barcarena, no Pará.

Composto de 34 páginas dispostas em formato ofício, o número 01 do boletim,

datado de setembro de 1982 a janeiro de 1983, registra o acampamento de 400

trabalhadores rurais em frente ao Serviço de Patrimônio e Indenizações –SPI - da

Eletronorte, ocorrido entre os dias 09 e 11 de setembro. No mesmo período, no município

de Ronda Alta no Rio Grande do Sul, era erguido o embrião do principal movimento

camponês da história recente do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST).

O boletim sem expediente é assinado pelo Movimento dos Desapropriados pela

Eletronorte - Barragem de Tucuruí, onde figuram as comissões de moradores de

Repartimento, Colônia de Mojú, Itupiranga e Tajiri. Também assinam o boletim a

Delegacia Sindical de Repartimento, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tucuruí e o

Sindicato de Jacundá. No apoio aparecem a CPT de Cametá e a Confederação Nacional

dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).

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Dando grande destaque para as fotos, o Arca traz documentos como a pauta de

reivindicações, onde os trabalhadores rurais a serem atingidos pela lago da usina exigiam

áreas de 21 alqueires para lavoura, casas, vilas, recuperação dos prejuízos e indenizações

justas. Passados 23 anos, ainda hoje há pessoas que reclamam reposição de prejuízos em

acampamentos.

Uma nota de esclarecimento do movimento dos atingidos pela barragem

divulgada no jornal denunciava a postura autoritária da Eletronorte. Entre as denúncias,

constava que os colonos foram obrigados a assinar folhas em branco e que sofriam ameaças

morais e físicas para que recebessem as indenizações sem reclamar. A insuficiência da

indenização também é apontada pelo movimento, que denuncia o tratamento militar dado à

questão agrária. Com a região transformada em Área de Segurança Nacional, criou-se o

Grupo Executivo de Terras Araguaia Tocantins (GETAT), que recebia uma atenção

especial do boletim.

Ao comentar sobre a ação do GETAT no trato com os camponeses, A Arca

ressalta que um dos motivos alegados para a não disponibilização da área, solicitada por

cerca de quatro mil trabalhadores rurais afetados pela barragem de Tucuruí, é de que não

existiam muitas terras disponíveis na região.

Com duas edições na década de 90, o boletim Bafo de Bode era apócrifo, por

uma questão de segurança. Em uma terra onde tiros são o argumento mais comum para

cercear a liberdade de imprensa, ninguém assinava o conteúdo radical, contestatório e de

denúncia do “Bafo de Bode”. No expediente, era informada apenas a tiragem, 2.500

exemplares.

A escolha do anonimato era uma forma de preservar a vida dos seus autores. O

“Bafo de Bode” circulava em uma época marcada pelo total domínio da pistolagem, que

tinha como alvos preferidos lideranças sindicais, religiosos, advogados ligados na luta pela

reforma agrária. Sua linha editorial enfocava problemas relacionados com o campo e a

cidade e não poupava a inércia da Câmara de Vereadores de Marabá.

Na edição de número 02, do dia 28 de janeiro de 1990, o Bafo disparava contra

os vereadores:

“Depois de muitos atropelos dos vereadores, sem saberem como fazer uma Constituição Municipal, agora chegam ao pior, o grupo de oito vereadores da ala “baforida” do prefeito não comparece às sessões,

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boicota o regimento interno aprovado por ela mesma. Vamos repetir os nomes deles: Guido Mutran, Emerson, Reinaldo Zucatelli, Antônio Cabeludo, Evaldo Bichara, Elza Miranda, Manoel do Nilo e o vendido Maurino Magalhães. (Bafo de Bode, 1990).

O informativo também demonstra preocupação com a onda de violência que

assola a região. Nesta mesma edição são noticiadas as ações do pistoleiro Sebastião da

Terezona:

“Ainda na audiência que houve em Marabá no processo contra o afamado pistoleiro da região, Sebastião da Terezona, o mandante e executor da chacina de Ubá, Edmundo Virgulino, foi o interrogado desta semana. Nessa chacina teve nove mortos, incluindo a criança por nascer.”

Em uma linguagem direta e sem rodeios, o Bafo põe o dedo na ferida e ao

noticiar a audiência de um processo que apura o assassinato de trabalhadores rurais, aponta

a UDR (União Democrática Ruralista), entidade que congrega os latifundiários do país,

como a grande financiadora da pistolagem:

“Também teve a audiência do processo que ocorre contra Marlon Pidde, que assassinou cinco lavradores na região do Itacaiuanas, os quais tinham recebido terras do Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins (GETAT). Quem foi a testemunha? Adivinhem! Só podia ser o chefe da UDR de Marabá. Todos nós sabemos que é a UDR que mais financia assassinatos de lavradores no Brasil.”

Editado no mesmo período em que circulou o “Bafo de Bode, o informativo

“Olho Vivo” tinha como público-alvo as pessoas que militam nos movimentos populares

urbanos. A cidade, que se consolida a cada dia como a principal das regiões sul e sudeste

do Pará, é solo fértil para projetos na área de comunicação popular. No bairro de Santa

Rosa, um dos primeiros a ficar alagado, durante as cheias do Tocantins, a associação de

moradores chegou a editar o Expressão Popular no ano de 1997, única edição.

O OUTRO LADO

A principal função destes informativos era reportar o outro lado de histórias,

contadas de forma deturpada na imprensa local. O informativo Cupim, órgão de

comunicação da Associação dos Trabalhadores em Educação, registra em uma de suas

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edições, datada de setembro de 1981, a luta pela melhoria das escolas públicas no Estado

do Pará. Nesta edição são denunciadas as péssimas condições de infra-estrutura da escola

em Palestina do Pará, onde os alunos não possuíam carteiras, e usavam o chão como

assento.

Em novembro de 1981, saía do forno a edição de número quatro do boletim O

Artista, Órgão de Comunicação da Arte e da Cultura Marabaense, estruturado em nove

páginas, e dividido em onze sessões. O jornal noticiou a primeira apresentação do Grupo de

Teatro Maget, a inauguração da ponte sobre o rio Itacaiuanas, além da presença da

biblioteca do Projeto Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), criado pelo regime

militar para promover a educação de jovens e adultos.

Edição do Mandi, 1981, preocupação com o meio ambiente e o boletim do Cepasp, edição de nº06, lançado em setembro de 1988.

Contrapondo-se à euforia divulgada com o anúncio de grandes projetos

voltados para a região, O Mandi entrou em cena em maio de 1981 e já em seu primeiro

editorial destacava a preocupação com o modelo de desenvolvimento implantado na

Amazônia. O informativo tinha o nome de um peixe pequeno, muito comum nas águas do

rio Tocantins. O peixe usa de dois esporões para se defender dos predadores e os nativos da

região o consideram saboroso no leite de coco ou frito. O boletim de 12 páginas era

composto por textos, entre editorial, crônicas, notas e artigos, e tinha uma linha editorial tão

afiada quanto o esporão do peixe que originou seu nome.

Ao comentar sobre as linhas de crédito concedidas aos fazendeiros do centro sul

do país, o Mandi alertava para os problemas ambientais e sociais derivados desta medida:

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“Fazendeiros receberam milhões de cruzeiros para a implantar projetos pecuários, sem assumir – em troca desses créditos especiais – qualquer responsabilidade com a sociedade brasileira. As fazendas são implantadas por “gatos’ (agentes que contratam peões), com o massacre da floresta, a queima indiscriminada da terra, o gado criado como Deus criou o macaco.

Assim como o “Bafo de Bode”, o “ Mandi” não continua expediente. No

entanto, os artigos eram assinados e, quando eram obtidos de outras fontes fora da região,

tinham seus créditos divulgados.

Em 1988 começa a circular o boletim do Cepasp que, ao contrário de seus

antecessores, teve uma continuidade maior e circulou durante onze anos. O boletim nasceu

com a preocupação de se criar um veículo de comunicação que publicizasse as demandas

populares do campo e da cidade. Assuntos como meio ambiente, violência, política,

alimentavam o conteúdo do informativo, que quando começou a ser editado, seguia uma

lógica de composição semelhante aos informativos pioneiros: uso de máquina de escrever,

colagem, gravuras, cartuns, ajudavam a aliviar a carga de textos.

CEPASP – o boletim circulou por mais de uma década.

Na edição de número 29, que correspondia ao período de agosto a dezembro de

1992, divulga-se matéria questionando a presença da Companhia Vale do Rio Doce

(CVRD) na região e denunciando a forma autoritária como a companhia determinava suas

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ações. Na matéria veiculada sobre a CVRD, a população de Marabá é alertada de que a

estação de trem para passageiros, instalada pela empresa, fica seis quilômetros distante do

centro da cidade.

Neste mesmo número as ações do MST na região são contadas através da

história de um acampamento na sede do INCRA que durou cinco meses e teve a

participação de 320 famílias de trabalhadores rurais que romperam o grilo da fazenda Rio

Branco, localizada a 40 km do município de Parauapebas. Durante o acampamento, cinco

crianças morreram de desidratação e doenças respiratórias.

Saindo de cena em 1999, após mais de uma década de circulação, o informativo

do Cepasp é um marco histórico na iniciativa de comunicação popular, e só deixou de ser

produzido por conta dos problemas financeiros que afetaram a entidade. Além do boletim,

o CEPASP mantém em seus arquivos registros importantes da história da região

direcionados para a questão do meio ambiente e com foco em temas como instalação de

grandes projetos, direitos humanos e educação popular.

O CEPASP conta ainda com um acervo de fitas de vídeo e slides. Além do

boletim, a entidade produziu várias cartilhas, folders, livros e outras publicações, tendo

contribuído ainda com produções realizadas pelo Fórum Carajás. Freqüentemente o

CEPASP é citado como fonte de referência em várias publicações de pesquisadores

nacionais e internacionais.

LUTAS E LÁGRIMAS

A regional sudeste da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará

(FETAGRI), sediada em Marabá, também editou quatro números de um jornal tamanho

tablóide. O primeiro número foi produzido em caráter de urgência em abril de 1999,

quando a entidade promovia, ao lado do MST e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o

segundo grande acampamento de trabalhadores rurais em Marabá, onde fica a sede regional

do INCRA.

Como os diretores desconheciam os processos de definição das matérias,

produção, revisão final, editoração, a tarefa tornou-se árdua e somente após vararem uma

madrugada trabalhando na sua elaboração, conseguiram colocar o informativo na rua.

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Nesse primeiro número, o boletim trazia na matéria de capa um alerta sobre a

política de reforma agrária do governo de Fernando Henrique Cardoso, cuja manchete

anunciava: “Governo quer acabar com a reforma agrária”. Na foto central, destaque para o

dirigente Francisco D´Assis Soledade, eleito vice-prefeito de São Domingos do Araguaia

na eleição de 2000. D´Assis foi o primeiro presidente da Fetagri sudeste do Pará. Naquele

ano a região registrava somente 219 projetos de assentamento, distribuídos em 39

municípios. Hoje são cerca de 400 assentamentos, trata-se da principal concentração de

projetos de assentamento do país.

A matéria de capa denunciava a municipalização da reforma agrária, vez que os

recursos iriam passar pelos conselhos municipais, e não mais pelos clientes da reforma

agrária, os trabalhadores rurais. A mesma matéria anunciava ainda o fim do Programa de

Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA).

Uma matéria interna chamava atenção para o Grito da Terra Brasil, um protesto

nacional para alertar sobre as questões da reforma agrária. No caso amazônico, a

reivindicação recaía sobre a necessidade de mudanças no Fundo Constitucional do Norte

(FNO). Continha ainda um alerta sobre os três anos do Massacre de Eldorado do Carajás e

denúncia sobre superfaturamento nos processos de desapropriação das Fazendas Flor da

Mata, localizada em São Félix do Xingu e Oito Barracas, na cidade de São Domingos do

Araguaia. Nesta edição registra-se uma nota sobre a nova direção da Fetagri, apontando o

nome de José Dutra da Costa (Dezinho), dirigente sindical de Rondon do Pará assassinado

no ano seguinte.

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EDIÇÃO ESPECIAL

FETAGRI – a manchete que anuncia a morte de Dezinho, mais uma vítima da impunidade do Estado.

A morte de Dezinho ocupou todo o espaço do boletim da Fetagri, editado em

dezembro de 2000. Na capa, o boletim traz uma foto do dirigente sentado com as mãos

entrecruzadas, os olhos apertados, como se quisesse se proteger do sol, e a apresenta a

manchete: “A luta pela reforma agrária é maior que a morte”.

Alguns momentos marcantes da luta, que tinha em Dezinho um de seus

militantes, também foram registrados no Boletim, que na edição de número três, datada de

julho de 2000, teve sua matéria de capa destinada à realização de um acampamento de

trabalhadores rurais na sede do INCRA de Marabá. O motivo do acampamento era garantir

acordo firmado no mês anterior durante o Grito da Amazônia 2000, uma versão do Grito da

Terra regionalizado.

Uma das referências na luta pela Reforma Agrária, “Dezinho” foi assassinado

na porta de casa, tendo os filhos como testemunhas de sua execução e até hoje o caso

continua impune. Todos os acontecimentos que contribuíram para este desfecho são

narrados na edição especial do Boletim da Fetagri, em uma reportagem marcada por temas

contundentes como a soltura do principal acusado de ser o mandante do crime, determinada

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pelo desembargador Otávio M. Maciel, que tomou esta decisão após cometer uma sucessão

de equívocos, considerados erros primários, do ponto de vista jurídico, sendo o mais

gritante de todos a desconsideração dos motivos que levaram à prisão do acusado.

CUPIM, nº0, lançado em 1981 e o Ouriço, nº 03, lançado no dia 20 de outubro de 1979.

Após sua aposentadoria, Otávio Maciel, conhecido também pela extrema

agilidade em expedir mandados de reintegração de posse de áreas ocupadas por sem terra,

recebeu do atual governador Simão Jatene (PSBD) o cargo de Ouvidor Agrário do Estado.

Antes mesmo da morte de Dezinho, o boletim da Fetagri, em sua segunda

edição, publicada no ano de 1999, já denunciava a onda de impunidade e violência que

assombrava a região, ao mesmo tempo que alertava ao Ministro da Justiça, na época Renan

Calheiros, sobre a existência de uma lista com dezoito nomes de pessoas envolvidas na luta

pela reforma agrária e que estavam marcadas para morrer. Além de fazer denúncias, o

informativo da Fetagri também registrava as conquistas obtidas na luta pela Reforma

Agrária.

A segunda edição do impresso, datada de junho 1999, tem uma capa

apologética, com a seguinte manchete: “Fetagri arranca 65 milhões do governo federal”. O

conteúdo da reportagem indica as alterações nos números dos valores dos créditos para a

reforma agrária: a questão fundiária teria o orçamento de R$ 30 milhões, que através da

pressão dos trabalhadores rurais, foi aumentado para R$ 65 milhões. Esta mesma luta

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garantiu a ampliação das verbas destinadas aos assentamentos, que pularam de R$ 19

milhões para R$ 49 milhões.

Nesta mesma edição, o boletim da Fetagri noticiava pela primeira vez a ida ao

banco dos réus de um mandante da morte de dirigente sindical. O réu, no caso, era

Jerônimo Alves de Amorim, 61 anos, responsável por ordenar a morte de Expedito Ribeiro,

sindicalista de Rio Maria. O fazendeiro foi condenado a 19 anos e seis meses de cadeia.

Apesar de uma decisão histórica, hoje o fazendeiro cumpre prisão domiciliar no estado de

Goiás, alegando motivo de saúde. O fazendeiro foi preso pela Polícia Federal quando

passeava no México e usava documentação falsa.

Além da mídia impressa, a cidade de Marabá também registra experiências na

área do audiovisual. Em 1993, através de uma iniciativa da Fase (Federação de Órgãos para

Assistência Social e Educacional –FASE), foi criado na cidade o núcleo da Associação

Brasileira de Vídeo Popular – ABVP.

O objetivo deste núcleo era mobilizar as comunidades através da linguagem

audiovisual, consolidando uma produção regional que envolvia a participação de

associações de moradores, pastorais e sindicatos.

Com a finalidade de qualificar o grupo, uma oficina de produção de vídeo foi

realizada em Marabá e, no ano de 1997, foi adquirida uma ilha de edição, além de um telão,

uma kombi e diversas câmeras. Esta infra-estrutura foi adquirida para a implantação projeto

“TV de Rua”, que acabou sendo abandonado. Outra experiência na área de comunicação

popular, ocorrida na região e também inserida no contexto da mídia eletrônica foi a criação

da Rádio Comunitária Alternativa FM, organizada a partir de 1996 e fechada pela Agência

Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e pela Polícia Federal em outubro de 2001.

CONTRAPONTO NA REDE...

A luta dos povos do Araguaia-Tocantins também ecoa em outro tipo de mídia

de caráter mais globalizado: a internet. Durante três anos, entre 1999 e 2002, circulou pela

rede mundial de computadores o ”Contraponto” , um boletim eletrônico surgido em 1999

em um seminário sobre comunicação popular, realizado no Centro de Formação

Cabanagem, em Marabá.

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Fazendo um jornal popular- cartilha produzida pelo Cepasp e o Informativo da PA-150, lançado em 1980.

O boletim, com custo de produção menor e distribuição mais rápida, viabilizada

pela internet, é uma das primeiras iniciativas do projeto que pretende se consolidar no

Núcleo de Comunicação Popular das Entidades Populares do Sudeste do Pará.

Em três anos, o “Contraponto” teve cento e dezessete edições. Na pauta, temas

como a agenda das entidades, denúncia de violação dos direitos humanos, e questões

ambientais. Distribuído para cerca de mil endereços eletrônicos, O “Contraponto”

circulava por universidades, pesquisadores, meios de comunicação do Pará, e dentre os

principais meios de comunicação do país, correspondentes internacionais, organizações

populares do Estado, sindicatos, ong´s e partidos políticos.

Entre as edições, figuram algumas produzidas a partir de pautas especiais, como

a edição de número cem, que foi dedicada aos quarenta anos de militância pela reforma

agrária de Manoel Conceição Santos.

Em 2001, apoiado em material organizado pela CPT de Marabá, entregue para a

Comissão de Direitos Humanos (CDH), do Congresso Nacional, o Contraponto promoveu

uma edição especial sobre a retomada da violência no sul e sudeste do Pará.

Este trabalho gerou reportagem especial do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,

durante uma semana, e a publicação do mesmo material na revista carioca Cadernos do

Terceiro Mundo, que circula em todo o Brasil e países da América Latina. Ao longo de sua

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jornada o boletim se consolidou como a principal fonte de informação para além-fronteiras

das regiões sul e sudeste do Pará.

Interface do site www.bicopapagaio.hpg.com.br

Além do Contraponto, outro espaço de divulgação das lutas travadas nesta

região é o site das entidades populares do Bico do Papagaio, que abrange o norte do

Tocantins, sudeste do Pará e oeste do Maranhão e cujo endereço é:

www.bicopapagaioam.hpg.com.br. Inaugurado em fevereiro de 2003, o site traz dados

sobre as entidades que atuam nesta luta, mapas, artigos, fotos e sugestão de publicações.

A recente experiência de comunicação popular de Marabá e vizinhança registra

dois níveis de ação. Um direcionado para o interior, através das rádios comunitárias da

região, nem todas com a compreensão total do caráter comunitário, ou algumas semeadas

por políticos que percebem na rádio uma caixa de ressonância de seus interesses. O outro

nível é marcado pela apropriação das novas tecnologias da informação por parte das

entidades, em particular a rede mundial de computadores, voltada para o público externo,

via página na rede mundial de computadores e o boletim eletrônico Contraponto.

Apesar das dificuldades, estas experiências mostram que alguns passos foram

dados no sentido de definição de uma política de comunicação popular para a região. As

pistas estão postas, resta a profissionalização e o olhar entre as entidades que ultrapasse a

órbita do próprio umbigo, além da possibilidade de um financiador ou da auto-gestão. A

tradição de luta e resistência dos povos do Araguaia-Tocantins é e continuará sendo uma

fonte de pautas inesgotável para qualquer proposta de comunicação popular realizada nesta

região.

Na freqüência da luta

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Um foco importante de ressonância na experiência da comunicação popular em

Marabá são as rádios comunitárias. A primeira iniciativa no sentido de ocupar as ondas do

rádio para divulgar a luta pela reforma agrária e outras causas de interesse da população

desta região foi realizada pela Cooperativa Camponesa do Araguaia-Tocantins – Coocat.

A mesma arrendou um espaço que custava dez salários mínimos e dava direito a

um programa mensal de 15 minutos, veiculado de 1995 a 1998 na Rádio Itacaiúnas, os

trabalhadores rurais passaram a ser público-alvo do programa, que apesar de ter seu horário

pago, passava por uma censura prévia.

Antes de ir ao ar, uma cópia do texto e uma fita com o programa gravado eram

entregues aos diretores da emissora, que vetavam qualquer apresentação ao vivo, mas

apesar destas amarras, o programa conseguia denunciar a violência no campo. A motivação

para a implantação da Rádio Comunitária Alternativa FM surgiu em 1996, quando ocorreu

o Massacre de Eldorado dos Carajás. Ao conclamar a população para participar de

protestos contra o massacre e veicular parte de uma entrevista com Avelino Ganzer, então

dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, o

diretor da rádio, Guido Mutran, vereador pelo PMDB de Marabá, obrigou que os

apresentadores suspendessem o programa imediatamente.

Neste período, crescia no país o movimento de rádios comunitárias e um

somatório de forças levou a população de Marabá, articulada com diversas entidades do

movimento sindical e popular, a se unirem para construir a rádio e mantê-la no ar,

contrapondo-se aos demais veículos de comunicação da cidade que, assim como no resto do

país, possuem ligação uterina com os detentores do poder político e econômico.

Com cerca 200 mil habitantes, Marabá possui dois jornais (Correio do

Tocantins e o Opinião), editados duas vezes por semana, cinco canais de TV que repetem

as transmissões da Globo, SBT, Rede Boas Novas, Rede Bandeirantes, e a Rede Vida e

quatro emissoras de rádio, sendo duas em freqüência modulada (FM), e duas em amplitude

modulada (AM). O grupo Maiorana, o mais poderoso sistema de comunicação do Estado,

comanda um canal de TV e duas emissoras de rádio (uma AM, e outra FM). A Rede Brasil

Amazônia (RBA), de Jader Barbalho, também tem nas mãos um canal de rádio AM, e outro

FM.

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Rádio Comunitária Alternativa FM – Marabá-PA

Diante desse quadro, a rádio comunitária tornou-se o único veículo de

comunicação da região marcado por uma linha editorial democrática. As primeiras

iniciativas no sentido de organizar a rádio surgiram em 1996 e após a realização de várias

assembléias, entidades como a FASE e o Cepasp promovem uma cotização em busca de

recursos com agências financiadoras de iniciativas populares para a compra dos primeiros

equipamentos adquiridos em Minas Gerais no segundo semestre de 1997.

IV Encontro de Rádios Comunitárias no Sudeste e Sul do PA, Xinguara, setembro de 2001.

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A Casa Paroquial na Folha 20 é escolhida como a sede da emissora que vai ao

ar pela primeira vez durante 30 dias em caráter experimental no ano de 1998, quando já

havia encaminhado ao Ministério das Comunicações pedido de licença de funcionamento,

ainda hoje não atendido.

A consolidação da Alternativa FM fomenta o surgimento de outras rádios em

vários municípios da região. O sucesso das rádios comunitárias leva os donos das emissoras

comerciais a deflagrarem uma campanha publicitária contra este tipo de emissora, taxando-

as de “rádios piratas”.

Pressionado pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e

Televisão), o governo FHC inicia uma campanha nacional de repressão a estas rádios. A

Polícia Federal e a ANATEL passam a lacrar as emissoras de Norte a Sul do país,

processando seus diretores em amparos jurídicos da extinta ditadura militar. A Alternativa

FM também entra nesta lista e é silenciada em 30 de outubro de 2001, em uma operação de

guerra realizada pela Polícia Federal.

Mesmo fora do ar, a alma da Alternativa FM continua pulsando na articulação

do movimento de rádios comunitárias na região e, apesar das dificuldades estruturais, já

viabilizou a realização de encontros regionais de rádios comunitárias em Xinguara, Rio

Maria, Nova Ipixuna, Marabá e Parauapebas. Por conta da grande dimensão geográfica do

estado, as emissoras populares decidiram pela criação de uma regional da Associação

Brasileira de Radiodifusão Comunitária- ABRAÇO.

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Rádio Vitória FM, localizada no município de Nova Ipixuna e Rádio Alternativa FM, Marabá-PA.

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