livro didático de história do direito brasileiro -...

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CELSO PÉRICLES FONSECA THOMPSON NATALIA PEIXOTO BRAVO DE SOUZA ANTONIO HENRIQUE DE CASTILHO GOMES PAULO JORGE DOS SANTOS FLEURY EDUARDO FERRAZ FELIPPE MARCELO MACHADO COSTA LIMA ORGANIZAÇÃO SOLANGE FERREIRA DE MOURA 1ª edição SESES rio de janeiro 2014 Livro didático de História do Direito brasileiro

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CELSO PÉRICLES FONSECA THOMPSONNATALIA PEIXOTO BRAVO DE SOUZAANTONIO HENRIQUE DE CASTILHO GOMESPAULO JORGE DOS SANTOS FLEURYEDUARDO FERRAZ FELIPPEMARCELO MACHADO COSTA LIMA

ORGANIZAÇÃO SOLANGE FERREIRA DE MOURA1ª edição

SESES

rio de janeiro 2014

Livro didático de

História do Direito brasileiro

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Comitê editorial externo antônio henrique de castilho gomes, celso péricles fonseca thompson

e edir figueiredo de oliveira teixeira de mello

Comitê editorial interno marcelo machado costa lima, paulo jorge dos santos fleury e solange

ferreira de moura

Organizador do livro solange ferreira de moura

Autores dos originais celso péricles fonseca thompson (capítulo 1), natalia peixoto bravo de

souza (capítulos 2 e 3), antonio henrique de castilho gomes (capítulos 4 e 5), paulo jorge dos

santos fleury (capítulo 6), eduardo ferraz felippe (capítulos 7 e 8), marcelo machado costa

lima (capítulos 9 e 10)

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção rodrigo azevedo de oliveira

Projeto gráfico paulo vitor fernandes bastos

Diagramação eduardo trindade amaral, paulo vitor fernandes bastos e victor maia

Supervisão de revisão aderbal torres bezerra

Redação final e desenho didático jarcélen ribeiro, maria carmem paula freitas, monica veiga e

raphaela novaes de moraes

Revisão linguística aderbal torres bezerra, jarcélen ribeiro, michele paiva e monica veiga

Capa thiago lopes amaral

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quais-

quer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou

banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2014.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

L784 Livro didático de História do Direito brasileiro

Solange Ferreira de Moura [organizador].

— Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2014.

240 p

isbn: 978-85-60923-19-9

1. Direito. 2. História. 3. Brasil. I. Título.

cdd 340.9

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento

Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa

Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063

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Sumário

Prefácio 7

1. Com quantas naus se faz um país? 9

A chegada dos portugueses 10

Administração Colonial – Capitanias hereditárias 18

Capitanias hereditárias 18

A criação do governo-geral 21

A escravidão e a economia colonial 24

A agromanufatura açucareira 24

Mineração — A Era do Ouro 28

2. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós — o processo de independência 35

O Império português em tempos de crise 36

As conjurações mineira e baiana (1789-1798) 38

A transferência da Corte portuguesa para as Américas,

ou o início do processo de “interiorização da metrópole”. 44

A Revolução do Porto e a emancipação da América portuguesa 48

3. “Sois reis! Sois reis!” A construção do Brasil imperial 57

De Reino Unido a Império do Brasil 58

A Constituição de 1824 e suas repercussões 65

A crise do Primeiro Reinado 69

O Segundo Reinado 70

O regresso conservador e a antecipação da maioridade de D. Pedro 76

Crise e fim do Império do Brasil (1870-1889) 82

4. Ordem Unida: sentido! República Militar 87

A República Militar 88

O Governo Provisório 89

O Código Penal de 1890 93

O novo governo de Deodoro da Fonseca 93

De fevereiro de 1891 a novembro de 1891 93

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O governo do Marechal Floriano Peixoto 95

A Primeira Constituição Republicana 97

5. Café ou leite? 103

O Café com leite: a política na República Oligárquica 104

Movimentos Sociais 108

Movimentos rurais 108

As revoltas urbanas 111

Economia cafeeira e primeiras indústrias 115

O Código Civil de 1916 119

O movimento operário 120

A Semana de Arte Moderna 122

O Tenentismo 124

A crise da Oligarquia 125

6. Terra em transe — A Era Vargas 131

“Façamos a revolução antes que o povo a faça” 132

Os anos 1920: permanências, tensões e expectativas 132

Da vitória do candidato oficial ao movimento revolucionário 134

O período do Governo Provisório - de 1930 a 1934 137

O período do Governo Constitucional de 1934 a 1937 143

O período da Ditadura do Estado Novo (de 1937 a 1945) e a Constituição de 1937 147

A questão federativa e o Estado Novo 148

O Departamento de Imprensa e Propaganda e a nova

institucionalidade social e trabalhista do Estado brasileiro 149

Vargas, o “protetor dos trabalhadores”, o “pai dos pobres” 149

Da continuidade da configuração da institucionalidade social e

trabalhista no Estado Novo, iniciada no período do Governo Provisório. 150

O enfraquecimento e a derrocada do Estado Novo 151

Uma digressão importante - o papel do exército no período de 1930 a 1945 151

7. A entrada é uma rua antiga estreita e torta: da Democracia à Ditadura 159

A Constituição Democrática de 1946 160

Principais características da Constituição de 1946 160

O Segundo Governo de Getúlio Vargas 162

O industrialismo de JK 165

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O curto governo Jânio Quadros 169

João Goulart e o golpe militar de 1964 170

8. Olhos grandes sobre mim — Da ditadura à abertura lenta e gradual 177

As primeiras alterações na Constituição 178

Resistência e Repressão 180

O Ato Institucional n°5 182

Quando a exceção vira regra. Uma década de arbítrio sem freio. 182

Médici comemora com a taça 183

A repressão política – Os “Anos de Chumbo” 184

A abertura lenta e gradual 185

9. Eu organizo o movimento — O processo de redemocratização do Brasil 193

O retorno paulatino à normalidade democrática 194

A Era Tancredo... Quer dizer, a Era Sarney 195

As graduais reconquistas nos campos da política e das liberdades públicas 196

A economia na Era Sarney — o elo fraco da corrente 197

A Constituinte e o exercício da cidadania 198

Constituinte: vamos à esquerda ou vamos à direita? 200

As críticas dos setores conservadores e a reação progressista 203

A Constituição de 1988, a conquista da “Constituição Cidadã” 204

O Texto Magno e as novas conquistas 206

10. A caminho do futuro: o Estado Democrático de Direito 213

Precisão de análise 214

As eleições de 1989 e o Governo Collor 214

A polarização de forças políticas e a solução conservadora 215

“Caçador de Marajás” 215

A disputa 216

A breve “República das Alagoas” 216

Plano Collor 217

Bloqueio de contas correntes e poupanças 217

A crise econômica e moral do Governo Collor 218

Itamar Franco e o governo de transição 219

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O Plano Real e a estabilização econômica 220

Privatização 220

O Real 221

A Era FHC: o primeiro mandato 221

1º mandato: estabilização política e econômica e os ventos neoliberais 222

O segundo mandato FHC: o fim da lua de mel 222

Alguns pontos positivos 223

Lula lá: enfim o metalúrgico chega ao poder 223

Ganhando a confiança dos investidores internacionais 224

Os programas sociais 225

“Esquema do mensalão” 225

O direito brasileiro na contemporaneidade: breves notas 226

Sistema jurídico 227

Lei do Marco Regulatório da Internet (Lei nº 12965/2014) 229

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7

Prefácio

O Projeto Livro Didático Estácio propicia a construção de obras coletivas que reúnem pro-

fessores das instituições da Rede Estácio de Educação Superior e professores de outras ins-

tituições de ensino, com o objetivo de fornecer aos estudantes da Estácio material didático

adequado aos Projetos Pedagógicos e Planos de Ensino e integrados aos Planos de Aula das

disciplinas dos cursos de graduação.

O Livro Didático de História do Direito Brasileiro foi elaborado com o objetivo específico

de narrar os fatos mais relevantes da História do Brasil para a construção do sistema jurídi-

co brasileiro. Nossa abordagem visa proporcionar um olhar panorâmico sobre a construção

histórica da nação brasileira, as bases de nossa cidadania e os fundamentos do Direito pátrio.

Buscamos tornar o conteúdo complexo da obra acessível ao ingressante no Curso de

Direito, sem simplificações conceituais. Este livro didático deve ser visto como uma base

para a compreensão da estrutura jurídica nacional.

A obra abrange os principais fatos históricos do período que vai da chegada dos portu-

gueses ao Brasil até o ano de 2005, narrados por um grupo de excepcionais professores, que

se dedicaram a contar a História do Brasil para os estudantes de Direito da Rede Estácio de

Educação Superior.

No entanto a nossa História continua. Somos todos sujeitos ativos da História, escre-

vendo os próximos capítulos, que serão melhores se conhecermos bem os fatos passados

para não cometermos os mesmos erros.

O Direito é fruto da História e, como tal, irá refletir as escolhas que fizermos como seres

humanos, como cidadãos e como sociedade.

Bons estudos e sucesso!

solange ferreira de moura

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Com quantas naus se faz um país?

celso péricles fonseca thompson

11

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10 • capítulo 1

A chegada dos portugueses

O Reino de Portugal nasceu das armas! Com isso, queremos dizer que, no

século XII, Portugal lutava para expandir seu território rumo ao sul, ocu-

pando territórios sob domínio mouro (muçulmanos) e, ao mesmo tempo,

preocupado com a ameaça representada por Castela que via no Condado

Portucalense, o núcleo inicial do reino de Portugal, “um vassalo rebelde a

ser submetido pela força”. Vejamos na gravura a seguir:

Condado

Portucalense Portugal

Portugal PortugalPortugal

Fronteira atual de Portugal Cristãos Muçulmanos

Por que navegar foi tão importante para os portugueses? Muitas

vezes somos levados a um raciocínio enganoso. Portugal é um país pe-

queno para os nossos padrões, no entanto, realizou façanha em escala

nunca vista organizada pelo reino que, simultaneamente, estimulava

o comércio marítimo e a

reconquista das terras ocu-

padas pelos mouros e ia se

afirmando politicamente

em torno da monarquia.

Para o fortalecimento do

seu poder, os reis contaram com um corpo de funcionários leais ao Esta-

do, corpo esse no qual assumem destaque os legistas subsidiando o po-

der dos governantes, principalmente após a RevoluçãodeAvis de 1385

que, expulsando do país elementos favoráveis ao domínio de Castela,

beneficiou a burguesia concentrando recursos tecnológicos e militares,

fornecendo o suporte ao empreendimento das navegações reunindo in-

teresses de cunho político, econômico, religioso e militar em um plano

sem precedente na História.

A ascensão do Mestre de Avis como D. João I ao trono português im-

primiu pulso à economia de Portugal. Segundo o numeramento, embo-

1 Com quantas naus se faz um país?

CURIOSIDADE

Condado Portucalense

Condado Portucalense – Feudo de

onde se originou o Reino de Portugal

CURIOSIDADE

Mouros

Povos muçulmanos do norte da África.

O termo era usado para os muçulmanos

na Península Ibérica.

CURIOSIDADE

Revolução de Avis

Revolução que deu à burguesia o con-

trole político, consolidando o poder mo-

nárquico em Portugal.

CURIOSIDADE

Numeramento

Nome dado ao censo de 1527. O território português corresponde a duas vezes a superfície do estado do Rio de Janeiro.

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capítulo 1 • 11

ra com população pouco superior a um milhão de habitantes, em sua

maioria vivendo no meio rural, a dinâmica da vida econômica portugue-

sa era orientada por um Estado que atendia aos interesses mercantis, ao

mesmo tempo em que pretendia satisfazer a nobreza guerreira.

Portugal foi beneficiado pela unificação já em 1249, mais de dois sé-

culos antes da espanhola. Ao navegar pelo Atlântico, os portugueses

superaram antigos mitos, abrindo perspectivas de intercâmbio numa

escala planetária, o que demandou esforços de organização por parte

do Estado português, conciliando interesses da nobreza guerreira e

dos grandes comerciantes, o que se comprova com a conquista de

Ceuta em 1415, entreposto comercial no norte da África, aonde che-

gavam ouro, seda e marfim. Para a burguesia, esse empreendimento

alimentava a perspectiva de grandes lucros no comércio a partir da

costa africana, na qual se estabeleceram muitas feitorias.

Muito poderosos eram os interesses da nobreza, reunindo o desejo

de glória militar contra o infiel muçulmano, a cobiça por terras e, tam-

bém, pela oportunidade de expandir o cristianismo.

O Estado centralizado tornava-se peça essencial à expansão maríti-

ma, pois era capaz de mobilizar recursos em uma escala nacional, finan-

ciando projetos e reunindo segmentos sociais com diferentes visões de

mundo. Os governos centralizados se caracterizavam basicamente pela

organização de uma justiça real aliada à disponibilidade de um tesouro

real, bem como a existência de um exército real para garantir a presença

do Estado e o acatamento as suas decisões.

ATENÇÃO

O Estado português emissor da moeda e concentrador da posse de riquezas recor-

reu às práticas mercantilistas promovendo a acumulação primitiva, condição neces-

sária para o desenvolvimento do capitalismo.

COMENTÁRIO

As navegações são apresentadas frequentemente apenas pelo lado exitoso. Dessa

maneira, as pessoas têm dificuldade de avaliar a real extensão dos perigos das via-

gens. A primeira viagem de circum-navegação, ou seja, a primeira volta ao mundo re-

alizada de 1519 a 1521, por obra de Fernão de Magalhães, navegador português a

serviço dos espanhóis, foi completada apenas por um dos cinco navios que a iniciou.

Devemos lembrar que o povo português forneceria o elemento hu-

mano de uma expansão pelo mundo. O fato da América Portuguesa,

ATENÇÃO

Esses interesses estiveram presentes na

atuação de Dom Henrique, o Navegador,

filho do rei D. João I e promotor da ex-

pansão marítima até sua morte em 1460.

Já no reinado de D. João II (1481-1495)

pode-se dizer que a expansão marítima

ganhou um caráter mais mercantil, obje-

tivando chegar às Índias, atraentes pelo

comércio das chamadas especiarias ―

artigos raros e de preço compensador

― pelos quais valia a pena correr riscos.

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12 • capítulo 1

que, mais tarde virá a ser o Brasil, constituir o mais importante projeto

colonial lusitano não nos permite desconhecer a presença portuguesa

nos quatro cantos do planeta, cobrindo do Atlântico Norte ao Japão na

segunda metade do século XVI.

Lisboa, nesse período, havia se tornado uma cidade cosmopolita

reunindo gente de variadas origens como genoveses, catalães, mouros,

florentinos, aragoneses enfim, enorme variedade de etnias e de idiomas,

típicos de uma cidade rica, encruzilhada de civilizações, afinal tratava-se

de gente, com as ambições de enriquecimento que, em todas as épocas,

constituíram poderoso atrativo para superar os medos.

Outro aspecto a ser lembrado é o do conhecimento científico, par-

ticularmente o conhecimento cartográfico. O século XV, ao ampliar

as possibilidades de contato entre as civilizações, tornou necessário o

registro e a representação das novas terras e povos que alteraram para

sempre a visão que os homens tinham de seu planeta e dos seus habi-

tantes.

IMAGEM

Mapa-múndi datado do século XV

O conhecimento geográfico ainda era muito limitado, mesmo que a mentalidade es-

tivesse mudando rápido, a visão cosmológica e geográfica era bastante reduzida.

O contorno dos continentes era diferente e perceba que a América não aparece.

CURIOSIDADE

Cosmologia

Ramo da ciência que estuda a origem

do Universo.

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capítulo 1 • 13

IMAGEM

O primeiro mapa-múndi moderno: o TheatrumOrbisTerrarum, publicado pela primeira vez em 1570.

O conhecimento científico sofria sérias limitações, e isso dava força a toda uma série de

crendices associando temores às travessias oceânicas. Evidentemente combater crendices

não eliminava os perigos reais de tempestades e dificuldades de abastecimento que cria-

vam barreiras às expedições de longa distância.

Na proporção que as viagens progrediam, o conhecimento adquirido levava a questio-

namentos e à incorporação de informações em função das descobertas, a exemplo das regi-

ões africanas atingidas pelos portugueses, ampliando as perspectivas de lucro.

Fator importante a ser considerado foi o desenvolvimento da ciência náutica e a inven-

ção de novo tipo de embarcação, a Caravela.

EXEMPLO

A caravela é um barco relativamente pequeno, ideal para a navegação

costeira. Os portugueses mantiveram-se no propósito de chegar às Ín-

dias costeando a África, tendo inclusive o rei de Portugal, D. João II,

recusado apoio financeiro a Colombo quando este propôs atingir o les-

te indo na direção do oeste, o que confirmaria a esfericidade da terra

como efetivamente sucedeu em outubro de 1492, quando sob o patro-

cínio dos reis católicos chegou às terras americanas.

O feito do navegador genovês fez com que os reis de Portugal e

Espanha disputassem as terras recém-descobertas. Uma primei-

ra solução foi estabelecida pela Bula Papal Inter Coetera (1493), que determinou o limite de cem

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14 • capítulo 1

léguas a oeste de Cabo Verde ― limite recusado por Portugal.

Esse impasse foi resolvido apenas com a mediação do Papa Alexan-

dre VI, mediante a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), pelo

qual as terras situadas a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde

integrariam os domínios da Espanha, ao passo que aquelas situadas a

leste pertenceriam ao reino de Portugal.

IMAGEM

Observou a linha à direita de Tordesilhas?Trata-se do limite estabelecido pela Bula Papal Inter Coetera

Trat

ado

de T

orde

silh

as (1

49

4)

Territórios de exploraçãoportuguesa

Bul

a In

ter C

oete

ra (1

49

3)

Territórios de exploraçãocastelhana

Trat

ado

de T

orde

silh

as (1

49

4)

Tratado de Tordesilhas, 1494

Portugal recorreu ao poder da Igreja, pois os Papas até o século XVII

agiram como árbitros supremos nas questões internacionais. Só com

base nos escritos de HugoGrotius (1562-1645) teremos outros referen-

ciais para disputas diplomáticas, em uma época em que os Estados irão

afirmar sua soberania sem reconhecer uma autoridade supranacional.

Essa situação se consolida com a PazdeWestfalia.

Algumas questões devem ser levantadas. Em primeiro lugar, para

que o mundo fosse efetivamente dividido em duas esferas de poder era

preciso que do outro lado do planeta, a 180°, houvesse outra linha de-

marcatória, funcionando como contrameridiano. Os portugueses se

mantiveram no propósito de atingir as Índias, dirigindo-se para o Oriente,

o que permitiu o estabelecimento de numerosas feitorias na costa africana.

Portugal vivia o reinado de D. Manuel (1495-1521). Os monarcas an-

CURIOSIDADE

Hugo Grotius

Para muitos, foi o criador do Direito In-

ternacional. Sua obra referencial é Sobre

o Direito da Guerra e da Paz, de 1625.

CURIOSIDADE

Paz de Westfalia

Tratado que encerrou a Guerra dos 30

anos e representou um marco nas re-

lações internacionais ao reconhecer a

soberania dos Estados.

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capítulo 1 • 15

teriores haviam equilibrado as atenções do Estado na aventura marítima

com a tradição das práticas da agricultura. O novo monarca dispendeu

seus esforços essencialmente em atingir os centros de comércio de todo

o mundo. A seu favor contava a experiência portuguesa na navegação,

que, em 1488, ultrapassou o cabo das Tormentas no sul da África, abrin-

do o caminho para o oceano Índico e para as terras das especiarias. A

navegação ganhava outro patamar, saindo no ocidente de uma perspec-

tiva local, condicionada pelo Mediterrâneo, para uma escala planetária,

onde o domínio das rotas comerciais teria peso decisivo.

Vasco da Gama deu a Portugal grande vantagem em relação aos mer-

cadores venezianos. A partir da descoberta do caminho marítimo do

comércio indiano artigos como pimenta, cravo, gengibre e noz mosca-

da estavam ao alcance dos europeus.

Mesmo tendo perdido dois navios carregados de especiarias o inves-

timento na frota de Vasco da Gama foi altamente recompensado com

um lucro em torno de 6 mil porcento (Huberman, 1981, p. 98).

Para os portugueses, as especiarias continuavam a ser o negócio

mais lucrativo do mundo, em especial nas trocas com a Ásia.

ATENÇÃO

Em 1500, a expedição de Cabral atinge o litoral do que hoje é o estado da Bahia.

O tratado de Tordesilhas, assinado entre Portugal e Espanha, foi

ignorado pelos outros reinos como a França, que rapidamente enviou

seus barcos para o novo mundo, desconsiderando a divisão acordada

pelos países ibéricos. Por duas vezes houve tentativa francesa de estabe-

lecer colônias na parcela portuguesa da América.

ATENÇÃO

A expedição enviada à Guanabara resultou na fundação da colônia da França Antár-

tica, somente erradicada com a expulsão dos franceses em 1567 e a permanência

portuguesa na região, com a fundação da cidade do Rio de Janeiro.

CURIOSIDADE

Feitorias

Entreposto comercial fortificado cons-

truído pelos portugueses.

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16 • capítulo 1

IMAGEM

Mem de Sá

Durante três anos, os franceses se mantiveram no Maranhão, fundando São Luís, a úni-

ca capital brasileira que não foi estabelecida pelos lusitanos, nomeada assim em homena-

gem ao rei da França, defensor do cristianismo à época das Cruzadas.

Na área que coube aos espanhóis, estes se preocuparam em manter o controle das regiões

mineradoras, notadamente os vice-reinos de Peru e México, este chamado de Nova Espanha,

cedendo espaço ao avanço de ingleses e franceses em regiões da América do Norte. Igualmente

na América do Sul, vastos territórios na Amazônia compreendidos no domínio dos espanhóis

acabariam integrando a América portuguesa, alterando muito o estabelecido em Tordesilhas.

Alguns pontos de convergência devem ser estabelecidos entre as colonizações ibéricas

na América.

Ocorreu, porém, uma pro-

funda diferença no desenrolar

dos diversos processos de colo-

nização.

A Espanha, desde o princípio

de exploração das terras do novo continente, foi bem-sucedida na sua busca por ouro e prata.

Contrastando com os portugueses que encontraram índios em um estágio primitivo, desconhe-

cendo referenciais básicos para a civilização trazida da Europa, a exemplo das cidades, os espa-

nhóis entraram em contato com civilizações avançadas.

Valendo-se de circunstâncias favoráveis, como as dissidências que minavam o império aste-

ca na América Central, assim como o domínio do império inca na América do Sul, os espanhóis

estabeleceram as bases de um sistema militar-mineiro, em que um punhado de aventureiros,

como Cortez e Pizarro, entre outros, submeteram numerosas populações indígenas.

ATENÇÃO

A ambição desses homens, atendendo ao serviço da coroa, levou a morte de milhões de indígenas, quer

pela violência dos conquistadores, quer pelas doenças por eles trazidas.

Afinal, tanto portugueses quanto espanhóis tinham grande interesses em metais preciosos.

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capítulo 1 • 17

A chegada de metais preciosos deu momentaneamente a condição de

grande potência aos monarcas espanhóis, governantes de um reino alicerça-

do na união de Aragão e Caste-

la, esta última impulsionadora

da expansão marítima. Colom-

bo, sem ser exceção entre os

grandes aventureiros, era um

homem em que conviviam os

desejos de riqueza, fama e gló-

ria e aspirações à descoberta de

possíveis paraísos terrestres.

IMAGEM

Pedro Álvares Cabral

Pedro Álvares Cabral é sempre citado entre nós como o descobridor

das terras que hoje formam o Brasil e, no entanto, raramente se mencio-

na que sua expedição iniciada em março de 1500, no porto do rio Tejo,

em Lisboa, somente se completou em julho de 1501, ao retornar das ín-

dias com seis dos treze navios originais, ainda assim se revelando em-

preendimento muito lucrativo.

Pois é, lembram-se da famosa carta de Pero Vaz de Caminha, em que

ele contou as proezas e aventuras vividas pela expedição chefiada por

Cabral? Esse é comprovadamente o primeiro caso de nepotismo em nos-

sa terra, pois além detalhar o descobrimento para Sua Majestade, apro-

veita para pedir favores para seu genro.

Apesar de Cabral ter tomado posse das terras que cabiam a Portugal,

não houve interesse maior em investir nas terras recém-descobertas,

uma vez que o Oriente apresentava muitos atrativos para o comércio.

As expedições que sucederam ao descobrimento mantiveram o obje-

tivo de explorar as terras à procura de riqueza de fácil obtenção.

Cabral chegou às terras americanas buscando riquezas e reafirmando a presença portuguesa como havia sido acertado em Tordesilhas.

CURIOSIDADE

Nepotismo

Favorecimento de amigos e parentes por

parte de quem ocupa cargos públicos.

Favorecimento, proteção: Essa empresa

funciona na base do nepotismo. Hist. rel.

Favores excessivos dentro da estrutura

administrativa da Igreja, concedidos pe-

los papas aos seus sobrinhos.

Fonte: Caldas Aulete

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18 • capítulo 1

Gaspar de Lemos e Américo Vespúcio se limitaram a avaliar a costa brasileira.

Foram mandadas expedições ao litoral, tendo como principal resul-

tado a constatação da existência do pau-brasil, madeira útil para a ativi-

dade têxtil.

A oferta no litoral de árvores do pau-brasil era grande, o que favo-

receu a exploração predatória. Além dos portugueses, os navegadores

franceses se tornaram frequentadores do nossa costa, a ponto dos na-

tivos saberem distinguir os Mair, franceses, dos Perós, portugueses. O

escambo, prática comum na relação entre europeus e nativos, era enten-

dido como uma troca pelos indígenas, porém, numa perspectiva mais

ampla, era parte de uma circulação mercantil europeia, importante acu-

muladora de riquezas.

O papel da monarquia portuguesa guiando o processo de expansâo marítima

administrando interesses diversos como o da burguesia e o da nobreza. A

divisão do mundo em Tordesilhas e o período denominado pré-colonial.

Administração Colonial – Capitanias hereditárias

Você deixaria terras recém-descobertas sem o controle e proteção jurídi-

ca de alguém de confiança? Parece que não. Portugal resolveu esse dile-

ma por meio de um arranjo administrativo.

Capitanias hereditárias

No início do século XVI, os portugueses estavam voltados para o comér-

cio com o oriente e se limitaram ao reconhecimento das regiões litorâ-

neas em suas terras americanas, travando conhecimento com as tribos

e, por meio de escambo, obtiveram a colaboração dos nativos para a ex-

ploração da fonte de riqueza mais evidente, a extração em grande quan-

tidade de pau-brasil, madeira empregada para tingir tecidos na Europa.

Portugal não podia deixar ao acaso seus domínios enquanto outros

países começavam a empreender suas viagens e reprimir a presença de

embarcações francesas tornou-se tarefa primordial. Além disso, manter

o controle dessa costa imensa era muito caro.

Somente em 1530 a expedição de Martim Afonso de Souza ao Brasil

materializa a colonização, reprimindo a presença de barcos estrangei-

ros levando pau-brasil, criando núcleos de povoamento e deixando na

região do Rio da Prata os marcosdesoberania de Portugal.

CURIOSIDADE

Escambo

Troca de mercadorias sem uso do dinheiro.

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capítulo 1 • 19

A fundação de São Vicente trouxe para o Brasil a estrutura citadina re-

presentada pelas casas, capela, cadeia e pelourinho, bem como a nomea-

ção de autoridades como juízes, meirinhos e escrivães. Portugal precisava

de mais do que isso para tornar a colônia rentável e controlada por Lisboa.

No nascedouro das cidades eram erguidos os pelourinhos, colunas

de pedra localizadas em áreas centrais onde se castigavam os infratores,

como símbolo da autoridade do Estado português.

Os limites estabelecidos em Tordesilhas levam a alguns pequenos

problemas, mais destacados ao se examinar a divisão do Brasil em capi-

tanias hereditárias, solução encaminhada pelo governo português para

a ocupação do território sem comprometer o tesouro real, um processo,

portanto, vinculado à iniciativa privada.

Por falar em Tordesilhas você deve se perguntar como aquelas pes-

soas sabiam exatamente em que lugar passava a linha de Tordesilhas. A

resposta é: não sabiam!

O conhecimento geográfico tinha muitas limitações e a precisão dei-

xava muito a desejar.

O rei português procedeu à divisão do território brasileiro em 15

lotes de terras confiados a 12 donatários que ali exerceriam autori-

dade por sua delegação. Foram investidos de direitos sem, contudo,

poderem vender os territórios recebidos. Os referidos direitos com-

preendiam fundar vilas, cobrar impostos e dominar tribos rebeldes ao

controle português, entre as quais sobressaiam os tupinambás, nume-

rosos e que percebendo os conflitos entre os europeus se aliaram aos

franceses contra os lusitanos.

A ideia era que os donatários, burocratas e militares, alguns deles

experimentados nas lutas das Índias, pudessem manter a conquista e

assegurar a integridade e o povoamento do território. A maioria, contu-

do, não conseguiu arcar com as despesas para se instalar nas suas capi-

tanias, que, de resto, não podiam simplesmente ser vendidas.

Na prática, apenas cinco donatários efetivamente tomaram posse

das suas capitanias.

Dom João III mandou vir da

metrópole mudas de cana-de

-açúcar. O que não estava pre-

visto foram dificuldades para

dominar os índios, mesmo ten-

do o apoio de pessoas aqui che-

gadas como náufragos, degredados ou não, fazendo a intermediação entre

os colonizadores e os nativos.

Os colonizadores eram pouco numerosos e, em vários casos, se

adaptavam às línguas e costumes da população nativa. Havia uma lín-

gua geral, o tupi, mais falado que o português.

CURIOSIDADE

Marcos de soberania

Representações em pedra do poder do

Estado sobre um determinado território.

CURIOSIDADE

Meirinho

Antigo funcionário judicial correspon-

dente ao Oficial de Diligência de hoje.

Assim entendemos a importância de homens como João Ramalho e Caramuru.

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20 • capítulo 1

ATENÇÃO

“Assim, quando se pretendia falar ao povo, era a língua selvagem que mais se empregava, reservando o

português, língua oficial, para as camadas mais cultas.” (Azevedo, 1943. p. 179).

Os donatários se reservavam direitos da cobrança de impostos sobre tudo o que fosse

produzido na capitania, podiam fundar vilas, bem como doar lotes de terra, chamados ses-

marias ― para alguns a origem remota de latifúndios em nosso país. Em resumo, espera-

vam facilidades a serem oferecidas pelo governo para obter lucro.

Dois documentos estabeleciam deveres e direitos dos donatários:

1- A Carta de Doação, pelo qual o soberano concedia as terras aos capitães-mores, com

direito de juro e herdade;

2 - O foral, fixando os direitos, foros e tributos respectivamente ao Rei e ao capitão-mor.

À Coroa cabia o quinto do ouro e das pedras preciosas, ou seja, 20% do que era produzi-

do, bem como o monopólio das especiarias. Aos donatários era proibido doar ou partilhar

a capitania entre seus parentes.

A necessidade de obedecer a normas

emanadas do Estado fez com se aplicas-

sem ao país normas vigentes na metrópo-

le, algo frequentemente considerado de

menor importância, mas que integrava,

como prêmio ou castigo, a população do

Brasil no contexto geral do império onde vigorava a lei da metrópole.

Nas monarquias da era moderna, o soberano era o centro do poder. A justiça, portanto,

ao privilegiar a vontade do monarca tornava pública a justiça penal.

As punições tinham como objetivo servir de exemplo pelo temor para os súditos.

EXEMPLO

Mesmo a pena de morte apresentava graus de sofrimento e padecimento proporcionais, diferenciando a

morte natural na forca ou no pelourinho que, uma vez cumprida, autorizava o sepultamento, da morte natu-

ral na forca “para sempre”, em que a forca estava localizada fora da cidade e o corpo ficaria exposto desde

a morte até o dia 1º de novembro, quando era autorizado o sepultamento.

Tais rigores, em contrapartida, eram amenizados pela eventual comutação das penas e per-

dão real, demonstrando outra face da justiça identificada com a imagem do rei misericordioso.

Desde a revolução de Avis se procurou chegar a uma codificação geral das leis do reino,

buscando o ordenamento jurídico e tendo no Direito Romano seu referencial, se ocupando

o Direito Canônico das matérias de cunho espiritual. O governo luso era fundamentado nas

chamadas ordenações, sucessivamente Afonsinas (1446 a 1521), Manuelinas (1521 a 1603)

e Filipinas (1603 a 1867).

Juridicamente integrávamos o mundo português, da mesma forma que outras partes do império, como Goa, Guiné ou Macau.

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capítulo 1 • 21

As reformas introduzidas sob o reinado de D. Manuel (1495-1521)

associaram de forma mais nítida o monarca e sua lei em um momento de

expansão no ultramar. Já sob D. Sebastião (1554-1578) houve concessões à

Igreja ao acatar decisões do Concílio de Trento, base da reação católica ao

protestantismo.

Uma perspectiva mais ampla e duradoura foi aberta pelas Ordena-

ções Filipinas, que, não obstante entrarem em vigor sob o domínio es-

panhol mantiveram, em linhas gerais, as tradições legais portuguesas.

Mesmo advindo a Restauração da monarquia portuguesa em 1640, as

Ordenações Filipinas continuaram a vigorar.

As ordenações zelavam inclusive pela interdição do contato com po-

pulações consideradas indesejáveis no reino, a exemplo de ciganos ou

mouros, como verificado no livro V, ordenação 69.

EXEMPLO

Mandamos que os ciganos, assim homens como mulheres, nem outras pessoas, de qual-

quer nação que sejam que com eles andarem, não entrem em nossos reinos e senhorios.

E entrando, sejam presos e açoitados com baraçoepregão (Hunold Lara, p. 218).

Além do mais, temos de considerar que os limites das capitanias

foram estabelecidos em razão da faixa litorânea, ou seja, a demarcação

obedecia ao estipulado pela área mais conhecida, ficando impreciso o

limite interior das capitanias, o que mais adiante será de grande valia

para a expansão do território brasileiro, mesmo persistindo dúvidas so-

bre quem seria legítimo senhor de terras em disputa.

Por outro lado, podemos dizer que as Capitanias não conseguiram

ser rentáveis, mesmo com produtos como açúcar, algodão e tabaco, que,

apesar da sua popularidade na Colônia, não conseguiu, nessa fase, um

destaque expressivo na economia. Entretanto, em alguns casos pontu-

ais, como na Capitania de Pernambuco, confiada a Duarte Coelho, os

donatários tiveram sucesso em seus empreendimentos, particularmen-

te no que se refere ao cultivo da cana-de-açúcar.

ATENÇÃO

O rei de Portugal lançou mão de medidas para auxiliar as capitanias que, como um

conjunto, fracassaram. A América portuguesa carecia de uma forma mais centraliza-

da de administração. Para isso foi criado o governo-geral.

A criação do governo-geral

A partir de 1548, o Regimento Geral foi o instrumento por meio do qual

CURIOSIDADE

Ordenações

Nome dado às leis do reino que vigiam em

todo o Reino. No entanto, havia dificulda-

de para aplicação das leis nas colônias.

CURIOSIDADE

Baraço

Laço de apertar a garganta do condenado.

Pregão

Descrição de culpa e pena.

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22 • capítulo 1

o rei reorganizou administrativamente, por um conjunto de leis, o Brasil. O governador-ge-

ral foi incumbido de coordenar a defesa da colônia, explorar o sertão, auxiliar as capitanias,

que durariam até 1759.

IMAGEM

GOVERNADOR-GERAL

DONATÁRIOS DAS CAPIT. HEREDITÁRIAS

CAPITÃO-MORPROVEDOR-MOR OUVIDOR-MOR

GOVERNADORES DASCAPIT. DA COROA

CÂMARAS MUNICIPAIS

Organograma do governo-geral

As capitanias, ao contrário do que muitas vezes se afirma, não acabaram com a criação

do governo-geral.

Apenas na época do Marquês de Pombal as capitanias seriam extintas.

O início do governo-geral eram tempos marcados pela vida rural com seus engenhos. As

cidades iriam se consolidar tendo São Vicente como referência.

Basta observar o organograma anterior e verificar que a estrutura trazida do reino por

Tomé de Souza, o 1º governador-geral, atende às preocupações básicas do Estado portu-

guês relativas à administração de suas terras americanas.

Ao provedor-mor cabiam as funções de natureza financeira, ao capitão-mor, as relativas

à defesa da colônia, e ao ouvidor-mor, àquelas pertinentes à Justiça, ou seja, os mecanis-

mos básicos de controle estavam instalados em uma terra promissora.

ATENÇÃO

Detalhe importante é que cada um desses cargos tinha autonomia para, no campo de sua competência, ser

a maior autoridade na colônia, respeitando o comando do governador.

O ouvidor-mor exercia a justiça, observando que, naquela época, as pessoas não eram con-

sideradas iguais perante a lei. Peões, índios e escravos se sujeitavam a penas muito mais seve-

ras que aquelas impostas a senhores de engenho ou a fidalgos, sendo-lhes permitido conceder

anistia aos réus, e como prova de sua autonomia jurídica, caso houvesse discordância entre sua

posição e a do governador, o réu seria enviado a Lisboa perante as instâncias superiores.

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capítulo 1 • 23

O período de expansão marítima foi marcado pela ampliação do alcance do Direito por-

tuguês. A justiça da Corte passou a ser um tribunal de apelação denominado Casa de Supli-

cação, intérprete máximo do Direito português e criando jurisprudência.

No Brasil, as funções judiciais, no início, se somavam às administrativas.

A carência de juízes levou à criação na Bahia da figura de Juízes do Povo, eleitos pela po-

pulação local. Ao fim do período colonial, a justiça brasileira tinha magistrados e tribunais

próprios, embora as instâncias recursais derradeiras continuassem em Portugal. O que vir-

tualmente aconteceu foi a diminuição dos poderes dos donatários.

O capitão-mor tinha entre suas atribuições a defesa da costa, o comando da esquadra e

a repressão dos nativos rebeldes. No trato com os índios, ficou claro que as tribos receptivas

ao contato com os portugueses deveriam ser tratadas como aliadas.

O provedor-mor cuidava das rendas, fiscalizava o tráfego marítimo, fazia inventários e

supervisionava a escrituração.

O governador-geral promoveu a centralização da administração colonial, comprando a

Capitania da Bahia, que passou a condição de capitania real. Com Tomé de Souza, vieram

também os primeiros jesuítas que iriam desempenhar na América Portuguesa papel rele-

vante nas relações dos portugueses com os indígenas.

ATENÇÃO

Apesar dos esforços centralizadores dos governadores, é preciso reconhecer que as distâncias eram gran-

des entre as capitanias, e o comércio entre elas não tinha grande importância.

Os grandes proprietários tenderam a exercer os poderes locais nas Câmaras Munici-

pais, onde eram chamados “Homens Bons”. As Câmaras Municipais cuidavam da rotina

das cidades e vilas, fiscalizando o comércio, a construção de estradas e cuidando para que

o poder permanecesse nas mãos do seu grupo. Para tal objetivo, proibiram que judeus e

estrangeiros em geral pudessem integrar essa elite. O governo-geral foi sucedido pelos vi-

ce-reis no século XVIII.

RESUMO

Vimos os esforços reais para administrar o Brasil, com o mínimo de gasto para a coroa, daí a criação das

capitanias. O sistema apresentou problemas e como Portugal decidiu ficar no Brasil, criou o governo-geral,

que trouxe para a colônia o aparelho jurídico administrativo de Portugal (vide organograma).

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24 • capítulo 1

A escravidão e a economia colonial

Tornou-se lugar-comum afirmar que o trabalho escravo forneceu as

bases para a construção do Brasil, desde o período colonial até pró-

ximo do final do Império brasileiro, quando a Lei Áurea libertou os

escravos no país. Formalmente, porque a população negra não teve

oportunidade, nos planos social e econômico, de se integrar à vida

nacional, restando a eles papéis subalternos associados à pobreza

material, ao analfabetismo, fazendo do negro liberto um cidadão de

segunda categoria.

Além disso, são frequentes as comparações entre o destino das po-

pulações negras no Brasil e aquelas da América Inglesa, tendo em vista

que questões ligadas ao relacionamento de etnias suscitam discussões

ligadas, em princípio, ao acesso dos negros ao mercado de trabalho e

aos diferentes graus de inserção na sociedade.

Dizemos que os norte-americanos são fortemente marcados pela

escravidão com aproximadamente dois séculos e meio de duração sem

atentar para o fato de que, no Brasil, o período escravocrata começou

pelo menos oitenta anos antes e se encerrou 23 anos depois, dando mar-

gem a que muitos escravocratas empobrecidos com o fim da Guerra Ci-

vil Americana, resultando na abolição da escravatura, em 1865, vissem

no Brasil a chance de manter seu modo de vida.

Do século XV ao XIX, milhões de pessoas, os números variam muito e

é difícil precisar, foram arrancadas do seu mundo, acorrentadas e envia-

das a locais estranhos para elas, como o sul dos Estados Unidos, Cuba

ou o nordeste do Brasil, entre outros, alimentando uma das atividades

mais rentáveis da História, o tráfico.

Igualmente essa situação mexeu com a estrutura das várias etnias no

continente africano que, por vezes, em razão de preconceito enraizado,

ainda é tratado como se fosse um único país e toda sua diversidade cul-

tural parece abolida em função da cor da pele de seus habitantes, não

obstante as diferenças visíveis entre os diversos grupos étnicos.

A agromanufatura açucareira

A severa repressão das expedições guarda-costas não podia dar conta

dos infratores, de forma que Portugal necessitou trazer para suas terras

americanas um cultivo que promovesse a ocupação da terra, o açúcar.

COMENTÁRIO

Escravidão

Embora na Era Moderna o termo escravi-

dão se mantenha, estamos diante de um

fenômeno bastante diferenciado do ob-

servado na Antiguidade. Nesse contexto,

a grande vítima foi o continente africano.

COMENTÁRIO

Açúcar

O açúcar, especiaria considerada em

alta conta, foi a solução do problema

tanto pelo seu valor como pela pers-

pectiva do emprego em larga escala da

escravidão, garantindo os dividendos do

tráfico, bem como a presença lusa nas

terras americanas.

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capítulo 1 • 25

Como assinalou Celso Furtado:

“É fato universalmente reconhecido que aos portugueses coube a primazia

no empreendimento dessa empresa. Se seus esforços não tivessem sido co-

roados de êxito a defesa das terras do Brasil ter-se-ia transformado em ônus

demasiado grande e — excluída a hipótese de antecipação na descoberta do

ouro — dificilmente Portugal teria perdurado como grande potência colonial

na América.” (Furtado,1959, p. 11).

Durante algum tempo, o termo engenho identificava o local da pro-

dução de açúcar. Depois passou a indicar todo o complexo envolvido na

produção e também a ordem social na qual se inseria. A estrutura familiar

era de natureza patriarcal, isto é, concentrando poderes nas mãos dos se-

nhores de Engenho, controlando com mão pesada sua família a partir da

Casa-grande, normalmente situada em um plano elevado, próximo ao qual

estavam a casa da moenda, a máquina de moer cana, a caldeira, e a senzala

era onde se concentravam os escravos.

O Mercantilismo condicionou a atividade açucareira dentro da ló-

gica da exploração colonial fundamentada no chamado exclusivismo

metropolitano obrigando a que os produtores vendessem o açúcar aos

comerciantes portugueses deles dependendo para a aquisição das ma-

nufaturas, ou seja, a ordem econômica sofria a interferência da domina-

ção política a determinar as trocas comerciais.

A morte do rei de Portugal, D. Sebastião, ainda jovem e sem herdei-

ros, ao combater os muçulmanos no norte da África em 1578, abriu o

problema da sucessão e o trono foi destinado ao candidato mais pode-

roso, Felipe II, da Espanha.

Durante sessenta anos (1580-1640), Portugal e Espanha estariam

unidos sob a mesma dinastia, com consequências econômicas e polí-

ticas significativas para o

Brasil. Um tempo longo

que assistiu ao apogeu e

progressivo declínio do po-

der espanhol ainda à época

de Felipe II, malogrando

em sua tentativa de subme-

ter a Inglaterra por meio da

“Invencível Armada”, der-

rotada pelas intempéries e

pelos corsários ingleses.

Desde a Idade Média, o reino de Portugal mantinha relações de co-

mércio com a região dos Países-Baixos, fazendo das cidades, como Ams-

terdam, centro de recepção e distribuição de mercadorias. Os mercado-

res holandeses eram os principais distribuidores de produtos orientais

CONCEITO

Mercantilismo

O Estado é que garante comércio exclu-

sivo, as colônias, para as quais promove

arranjos político-militares. O comércio

executa a exploração organizada pelo

Estado, daí a lógica dos privilégios, con-

ciliando interesses públicos e privados.

A derrota espanhola consolida o protestantismo na Europa, bem como abre espaço para a afirmação da Inglaterra e dos Países Baixos como potências marítimas.

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26 • capítulo 1

trazidos por Portugal, e o domínio espanhol era prejudicial aos interes-

ses holandeses no Brasil associados à economia açucareira.

A organização da economia açucareira exigia muito dinheiro. A

montagem de um engenho era cara, envolvendo mão de obra numerosa

alimentando o tráfico de escravos africanos e, progressivamente, trans-

ferindo o controle global do processo dos proprietários rurais para uma

burguesia mercantil mantendo um fluxo de renda constante, tudo den-

tro de crescente especialização nas atividades de produção e comércio.

O açúcar se tornaria o elemento destinado a preservar a presença dos

colonizadores integrando economicamente a colônia com os mercados

da Europa. A adoção da monocultura açucareira não apenas aumentou

o tráfico de escravos, bem como internacionalizou a economia.

A proliferação de engenhos mudou não apenas fisicamente a apa-

rência das regiões litorâneas. O emprego maciço da mão de obra escrava

e sua exploração consolidou a expansão da economia açucareira.

EXEMPLO

A produção farta em solo fértil como o de Pernambuco, por exemplo, levou a que a

economia nordestina se especializasse na lavoura. Reuniam-se a grande propriedade,

o trabalho escravo e a empresa mercantil fornecendo as bases do sistema econômico.

Estava caracterizado o chamado Pacto Colonial, assegurando à me-

trópole o monopólio do comércio colonial, conciliando interesses dos

produtores brasileiros e os dos comerciantes portugueses. Os senhores

de engenho conseguiam bom preço para o açúcar e os negociantes lusos

ganhavam com o transporte e a revenda da mercadoria bem como por

trazer produtos europeus aos colonos e, principalmente, com o tráfico

de escravos.

IMAGEM

COLÔNIA METRÓPOLEMONOPÓLIO

Matérias-primas

Manufaturados

A economia açucareira criou mercado a ser atendido dentro da pró-

pria colônia. Centrados na produção açucareira, os senhores de enge-

REFLEXÃO

América Hispânica

“A entrega da Coroa, pelas camadas diri-

gentes portuguesas, a Felipe II, em 1580,

visava, entre outros objetivos, a garantir a

prata espanhola essencial às transações

mercantis portuguesas, principalmente

no Oriente.” (Levy, 1979, p. 57).

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capítulo 1 • 27

nho estimularam a produção de alimentos no interior, impulsionando principalmente a

pecuária de corte com destaque para as regiões do Vale do Rio São Francisco e na região

do Piauí. Para os paulistas, a tendência foi desenvolver a penetração e o desbravamento do

interior visando o apresamento dos indígenas, o que os levou a entrar em terras sujeitas

legalmente a Espanha, pelo Tratado de Tordesilhas.

Na verdade, dentro da União Ibérica, mesmo considerando a dominação espanhola,

não se pode ignorar que uma parcela da elite de Portugal acabava se beneficiando dela. A

ideia era participar de alguma forma da circulação de riquezas da AméricaHispânica.

Ao falar das invasões holandesas no Brasil, torna-se necessário ter uma ideia de como

essa sociedade se organizou. O poder nas terras holandesas se concentrou em uma repúbli-

ca de ricos mercadores, receptiva aos empreendedores, o que incluía os judeus, persegui-

dos pela Inquisição nos países ibéricos.

A criação da Companhia das Índias Ocidentais, em 1621, em moldes semelhantes a sua

coirmã a Companhia das Índias Orientais, deixa claro o objetivo essencialmente mercantil

da conquista do nordeste açucareiro do Brasil. O empreendimento, tanto na primeira ten-

tativa na Bahia, em 1625, de curta duração, quanto os 24 anos transcorridos desde a toma-

da de Pernambuco, em 1630, foi determinado por razões comerciais e também de natureza

política, uma vez que a Holanda havia se libertado do domínio espanhol, e o Brasil, sob a

União Ibérica, constituía um alvo atrativo.

A presença holandesa no nordeste refletia os costumes e a estrutura política de uma so-

ciedade estruturada em bases urbanas, contrastando com o interior das terras brasileiras,

situação que permaneceu mesmo em momentos de maior esforço para expulsar o invasor,

a exemplo da Insurreição Pernambucana de 1645, ou seja, uma identidade luso-brasileira

construída em função do mundo rural opondo-se ao mundo urbano dos colonizadores.

REFLEXÃO

Sobre a presença holandesa no Brasil, cabe uma observação sobre o conde Maurício de Nassau, represen-

tativo do Brasil holandês. Nassau assimilou a problemática do relacionamento entre os grandes senhores

de engenho e as autoridades holandesas. Motivados principalmente pelo receio de aumento dos impostos

dos produtores brasileiros, os holandeses procuraram manter o status quo, negociando com Portugal que

desde 1640 havia recuperado sua independência, com o final da União Ibérica.

Deve-se ter na devida conta que a presença holandesa no nordeste foi um empreendimen-

to essencialmente comercial, tornando pouco

aceitável a ideia de que sua colonização seria a

mais adequada ao Brasil, uma vez que, por prin-

cípio, atividades coloniais beneficiam a metró-

pole e uma elite colonial a ela vinculada.

De concreto, temos o registro de que os ho-

landeses, após sua expulsão do Nordeste, em

1654, se dirigiram às Antilhas e, por conta dos

conhecimentos adquiridos no Brasil, benefi-

ciados por distâncias que permitiam baratear

o transporte das mercadorias, provocaram o declínio da economia açucareira nordestina.

As hipóteses ligadas à colonização holandesa podem ser confrontadas com a trajetória da colonização holandesa na Indonésia e na região da África do Sul.

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28 • capítulo 1

ATENÇÃO

Mesmo considerando que os preços do açúcar não se mantiveram altos, a produção açucareira não decli-

nou, refletindo a complexidade da economia colonial. A pecuária ocupava espaços no interior e produtos

como o tabaco e o algodão ampliavam sua importância.

Mineração — A Era do Ouro

Com a descoberta do ouro em fins do século XVII, as contas de Portugal puderam se reequi-

librar. Na colônia, a economia deslocou seu eixo das regiões nordestinas para a das Gerais.

Um novo surto de prosperidade havia chegado, integrando áreas muito distantes ao consu-

mir produtos agrícolas e também atrair a pecuária.

ATENÇÃO

O sistema colonial ganhava nova dimensão ao integrar produtores e mineradores e aumentar o pagamento

de impostos para a coroa, além do monopólio dos transportes na mão de comerciantes portugueses.

A produção de ouro na região das Gerais permitiu ao reino português viver um período de opu-

lência cujo declínio já se verifica após 1760. A busca pelo ouro, no século XVII, foi responsável

por um êxodo populacional que deu nova face à colônia. Estima-se que mais de cem mil pessoas

vieram à região das minas.

Evidentemente a metrópole não

foi indiferente ao êxito da mineração e

aumentou os mecanismos de controle

da economia colonial. A Coroa preci-

sava de ouro em quantidades crescen-

tes para saldar seus compromissos,

principalmente com a Inglaterra, de

quem Portugal se tornou uma econo-

mia dependente.

Pessoas de variada condição social chegaram à região das minas, na esperança de fazer fortuna fácil com o garimpo. Aventureiros de toda espécie vinham à área de mineração.

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capítulo 1 • 29

Acontece que o Direito não se antecipa à realidade, mas regula as

atividades humanas pelo conhecimento e bom senso. Em um primeiro

momento, a descoberta de riqueza metálica literalmente joga milhares

de pessoas na região das minas agitada pela possibilidade de ficar rico

sem o controle do fisco, pois o Estado não dispõe de soldados para im-

por a ordem e administradores para supervisionar o cumprimento das

determinações reais.

O Portugal da Restauração, após a União Ibérica, apresentava uma

condição muito distinta da época em que se firmou a aliança com os

britânicos. As lutas contra os holandeses, a guerra da Restauração e o

declínio do comércio com o oriente enfraqueciam os portugueses. Os

ingleses, por sua vez, se afirmavam como potência marítima, principal-

mente após o AtodeNavegação, e passaram a ter controle inclusive do

tráfico de escravos.

Além disso, no século XVIII, a In-

glaterra levou a dianteira em relação

aos demais países com a chamada

Revolução Industrial, o que tornou

mais difícil a posição de Portugal,

com reflexos na colônia brasileira.

A mineração provocou uma alteração profunda na vida colonial. Nos

primeiros tempos a presença europeia era essencialmente rural com-

pondo uma elite controladora dos engenhos e culturas agrícolas. Mes-

mo as pessoas ricas levavam uma vida simples em sua maioria. O surgi-

mento das cidades mudou as regras do jogo.

A sociedade das minas permitiu que muitas pessoas livres e pobres

buscassem oportunidades de mudar de vida em um contraste nítido

com o mundo mais fechado da sociedade baseada na produção açuca-

reira do Nordeste. Uma sociedade com mais esperança. Uma sociedade

em que descobrir uma jazida muda a vida de uma hora para outra, ao

contrário da rotina da empresa açucareira do Nordeste.

ATENÇÃO

O ouro e os diamantes foram responsáveis pela colonização do território e promove-

ram o surgimento de vilas e povoados. A migração não se limitou à chegada de gente

da metrópole, na própria colônia houve pessoas que se deslocaram de vários cantos

do Brasil, enfrentando perigos como ataques de índios ou de animais nas regiões a

serem atravessadas para o destino final.

Além disso, ocorreu um fenômeno comum às áreas apontadas como as de grande

prosperidade. A tendência à elevação geral de preços, o que comprometia a so-

brevivência dos que lá chegavam. Enfim, para muitos, o ouro era uma miragem, e a

pobreza, uma realidade.

O Estado português tratou de regulamentar a exploração de riquezas

CURIOSIDADE

Ato de Navegação

Aprovado em 1651, pelo Parlamento

Britânico, determinava que apenas na-

vios ingleses poderiam desembarcar

mercadoria na Inglaterra e suas colô-

nias. Isso levou à guerra contra a Holan-

da que, ao terminar, em 1654, deixava a

Inglaterra vitoriosa como maior potencia

naval da Europa.

Enquanto o ouro foi abundante, as minas ostentaram riqueza em suas cidades.

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30 • capítulo 1

e, para isso, instituiu a Intendência de Minas visando supervisionar as con-

cessões de terra para a mineração e controlar as relações entre os minera-

dores. Entre os pré-requisitos para participar da exploração aurífera esta-

vam ter, ao menos, 12 escravos para trabalhar nas datas.

Não é preciso uma grande informação do processo como um todo

para imaginar que a sonegação de informações sobre o ouro encontrado

fosse elevada. Às autoridades interessava a parte do Leão nos tributos

sobre a produção de riqueza. Algo fácil de entender em nossos dias.

As condições de trabalho nas minas eram muito sofridas, particu-

larmente nas galerias subterrâneas sujeitas a desastres. Mesmo con-

siderando todos esses fatores desfavoráveis, podemos registrar uma

acentuada urbanização nas Gerais, permitindo que muitas atividades

profissionais, antes de pouco significado ou inexistentes, ganhassem

força na capitania. Com efeito, médicos, artesãos, músicos, escritores,

juntamente com funcionários da metrópole viviam em cidades com ele-

vado nível de riqueza. Não se tratava de “mais do mesmo”. A mineração

permitiu a formação de um rico patrimônio cultural na região.

O enriquecimento da região numa época em que Portugal da restau-

ração se encontrava crescentemente endividado resultou numa taxação

abusiva. Antes se aplicavam às Ordenações Manuelinas de 1532, estipu-

lando que um quinto do minério seria propriedade real. A estes foram

acrescentados tributos tão onerosos que levaram a decadência das Minas.

A economia brasileira, no período colonial, atendeu aos interesses da

metrópole tendo no açúcar o elemento de fixação de Portugal como

potência colonial na América.

Depois do fim da União Ibérica e de os holandeses serem expulsos,

levando o cultivo do açúcar para a regiâo das Antilhas, nossa produção

entrou em decadência.

Com a descoberta das minas, a colonização interiorizou-se e houve

uma urbanizaçâo nessas áreas produtoras, provocando a chegada de

muitos migrantes.

MULTIMÍDIA

Para saber mais, assista aos filmes indicados.

1492: A CONQUISTA DO PARAÍSO. Direção: Ridley Scott. Produção: Gaumont.

França, Alemanha, 1992. 154 min., son., col., 35mm.

AGUIRRE, A CÓLERA DOS DEUSES. Direção: Werner Herzog. Produção: Werner

Herzog Filmproduktion. Alemanha, Espanha, 1972. 93 min., son., col., 35mm.

A RAINHA MARGOT. Direção: Patrice Chéreau. Produção: Renn Productions. Fran-

ça, Itália, Alemanha, 1993. 162 min., son., col., 35mm.

DESMUNDO. Direção: Alain Fresnot. Produção: A. F. Cinema e Vídeo. Brasil, 2002.

CURIOSIDADE

Datas

Nome atribuído aos lotes em que se

subdividiam lavras de acordo com as ins-

truções do governo, obrigando a quem

achasse ouro comunicar ao governo.

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capítulo 1 • 31

101 min., son., col., 35mm.

A MISSÃO. Direção: Roland Joffé. Produção: Warner Bros. Inglaterra, 1986. 125 min., son., col., 35mm.

COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Produção: Condor Filmes,

Regina Filmes. Brasil, 1972. 84 min., son., col., 35mm.

O DESCOBRIMENTO do Brasil. Direção: Humberto Mauro. Produção: Brazilia Filme. Brasil, 1937. 60 min.,

son., P/B, S/I.

CARAMURU – A INVENÇÃO DO BRASIL. Direção: Guel Arraes. Produção: Globo Filmes. Brasil, 2001. 85

min., son., col., S/I.

ATIVIDADE

1. (ENADE/ 2012 — questão 8)

A globalização é o estágio supremo da internacionalização. O processo de intercâmbio entre países, que

marcou o desenvolvimento do capitalismo desde o período mercantil dos séculos XVII e XVIII, expande-se

com a industrialização, ganha novas bases com a grande indústria nos fins do século XIX e, agora, adquire

mais intensidade, mais amplitude e novas feições. O mundo inteiro torna-se envolvido em todo tipo de

troca: técnica, comercial, financeira e cultural. A produção e a informação globalizadas permitem a emer-

gência de lucro em escala mundial, buscado pelas firmas globais, que constituem o verdadeiro motor da

atividade econômica (Adaptado de: SANTOS, M. O país distorcido. São Paulo: Publifolha, 2002).

No estágio atual do processo de globalização, pautado na integração dos mercados e na competitividade

em escala mundial, as crises econômicas deixaram de ser problemas locais e passaram a afligir pratica-

mente todo o mundo. A crise recente, iniciada em 2008, é um dos exemplos mais significativos da conexão

e interligação entre os países, suas economias, políticas e cidadãos. Considerando esse contexto, avalie as

seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

I. O processo de desregulação dos mercados financeiros norte-americano e europeu levou à formação de

uma bolha de empréstimos especulativos e imobiliários, a qual, ao estourar em 2008, acarretou um efeito

dominó de quebra nos mercados.

POR QUE

II. As políticas neoliberais marcam o enfraquecimento e a dissolução do poder dos Estados nacionais, bem como

asseguram poder aos aglomerados financeiros que não atuam nos limites geográficos dos países de origem.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I.

b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.

e) As asserções I e II são proposições falsas.

2. (Sistema Político e Direito Internacional)

“As guerras religiosas e as ambições universais das dinastias Bourbon, Habsburgo e do Santo Império

Romano Germânico, nos idos dos séculos XVI e XVII, levaram à assinatura dos Acordos de Westphalen,

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32 • capítulo 1

em 1648. Com o objetivo de frear a Guerra dos Trinta Anos (1618–1648) e promover a reorganização

das unidades estatais no que tange a religião, os tratados ultrapassaram tais funções tornando-se peça

fundadora do Sistema Internacional Moderno.” (SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Impérios na História.

Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 145)

Considerando o texto acima identifique a assertiva correta:

— O Sistema Internacional surgido ao fim da Guerra dos Trinta Anos:

a) Identificou a falência da ordem política internacional baseada no princípio da não intervenção.

b) Consagrou os princípios basilares da continuidade no tempo e das fronteiras estáveis transmitidos pelos

romanos aos visigodos como alicerce da diplomacia.

c) Condicionou a arbitragem de litígios na área da Cristandade a aceitação da liderança dos Papas confor-

me disposto no IV concílio de Latrão.

d) Reconheceu no Estado autonomia no trato de seus assuntos domésticos rejeitando a ideia de uma

autoridade política suprema.

e) Assimilou as concepções políticas autocráticas do Império Romano do Oriente para enfrentar a ameaça

dos otomanos.

3. (Administração Colonial e Ordem Jurídica)

“... Com efeito, a noção de que as decisões cabiam, em última instância ao soberano, conferia à Forma-

ção Social Brasileira, na conjuntura, uma coerência ideológica na qual a desigualdade era assumida e

conscientemente legitimada.” (Albuquerque, Manuel Maurício de. Pequena história da formação social

brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984. p. 226)

De acordo com o texto acima podemos dizer que a organização jurídica da colônia brasileira obedeceu à

orientação do poder real, sendo colocada em prática pelo Governo Geral que:

a) Recorreu ao exemplo da França, elaborando um código colonial muito mais rígido que o metropolitano.

b) Incumbiu o ouvidor-mor de organizar a justiça, deixando as instâncias finais para Lisboa, onde funcio-

nava a Casa de Suplicação.

c) Instalou no Brasil os Tribunais do Santo Ofício para combater heresias

d) Deixou a cargo dos “Homens Bons”, núcleo do latifúndio, o combate ao criptojudaismo.

e) Organizou a partilha das terras indígenas e controlou o tráfego marítimo utilizando os serviços do ouvidor-mor.

4. (Economia colonial)

A escravidão, prática de longa duração, marcou profundamente a sociedade brasileira desde as primeiras

levas chegadas ao Nordeste no século XVI o que nos permite concluir que:

a) Constituiu uma prática inovadora na História, o que explica sua rápida expansão a partir da África, atin-

gindo até a Ásia.

b) Manteve o Brasil, em plena era da segunda revolução industrial, como o último país do mundo a, legal-

mente, abolir a escravidão.

c) Trouxe para as regiões litorâneas do Nordeste uma alternativa barata para substituir a mão de obra

indígena, mais especializada, porém rebelde.

d) Deixou o Brasil muito mais rico com o emprego na mineração, muito embora tenha tido um começo

tardio, um século depois das Treze Colônias da América receberem seus escravos da África Ocidental.

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capítulo 1 • 33

e) Representou um atrativo de tanta importância que levou os holandeses a invadir Angola para obter mão

de obra para suprir as atividades açucareiras, mostrando como o tráfico de escravos articulava interesses

nos três continentes.

Questões discursivas:

1 — Explique por que nem todas as leis de “As Ordenações” eram de fácil aplicação no Brasil.

2 — Identifique as diferenças mais marcantes entre a economia da agromanufatura açucareira e àquela

da mineração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, M. M. Pequena história da formação social brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

DOHLNIKOFF, M.; CAMPOS, F. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1993.

FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil. Brasília: UNB, 1959.

HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

LARA, S. H. Ordenações Filipinas: Livro 5. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

LEVY, M. B. História financeira do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: IBMEC, 1979.

MAGALHÃES, B. Expansão Geográfica do Brasil Colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935.

MARTINS FILHO, I. G. S. Evolução Histórica da Estrutura Judiciária Brasileira. In: Revista Jurídica Virtu-

al, Brasília, v. 1, n. 5, set. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_05/

evol_historica.htm>>. Acesso em: 16 de abr. de 2014.

SOUZA, L. M. (org). História da vida privada no Brasil. São Paulo: cotidiano e vida privada na América Por-

tuguesa. São Paulo: Cia das Letras, 1997.

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Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós — o processo de independência

natalia peixoto bravo de souza

12

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36 • capítulo 2

O Império português em tempos de crise

Portinari. Chegada de D. João VI a Salvador

Você conhece a imagem acima? Ela faz parte da coleção de pinturas

do artista brasileiro Cândido Portinari (1903-1962) e retrata um dos mo-

mentos mais conhecidos

de nosso passado histórico:

a transmigração da Corte

portuguesa para o Brasil, a

parte americana do Impé-

rio português, ocorrida no

ano de 1808. Frequentemente, esse acontecimento é apontado como o

marco inicial de um processo que culminaria com a independência do

Brasil, alguns anos mais tarde.

No entanto, antes de voltarmos nosso olhar para o processo de eman-

cipação da chamada América portuguesa de sua metrópole europeia,

relembraremos algumas das principais rebeliões ocorridas no período

colonial, que evidenciam a existência de fissuras na relação colônia/me-

trópole desde meados do século XVII.

Geralmente motivadas por questões de ordem econômica, essas re-

beliões expressavam o descontentamento da população local em rela-

ção ao excessivo controle da metrópole sobre as províncias coloniais.

2 Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós — o processo de independência

COMENTÁRIO

Controle

Esse controle ocorria por meio da conces-

são de monopólios a companhias comer-

ciais ou da cobrança abusiva de impostos.

Independência ou construção do Brasil? Essa é uma pergunta que tentaremos responder.

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capítulo 2 • 37

Observe a tabela abaixo, que descreve detalhadamente alguns desses movimentos:

Guerra dos Emboabas Guerra dos Mascates Revolta dos Beckman Revolta de Felipe dos Santos

Quando 1708 1709 1684 1720

Onde Minas Gerais Pernambuco Maranhão Vila Rica

Quem

Paulistas contra colonos baianos e portugueses, pe-jorativamente chamados de Emboabas

Comerciantes de Recife de-nominados pejorativamente de "Mascates" contra fazen-deiros de Olinda

População maranhense contra os jesuítas e os go-vernantes

Mineiros e escravos contra o Governo

Por quê

Disputa entre paulistas, pri-meiros a encontrarem ouro na região, e "forasteiros" pelo monopólio das regiões mineradoras recém-desco-bertas

Ascensão comercial do re-cife transformou este no centro econômico de Per-nambuco. Comerciantes do local queriam autonomia po-lítica que estava nas mãos dos fazendeiros de Olinda decadentes com a crise do açúcar e, por determinação Real, conseguiram-na, cau-sando a revolta dos olinden-ses

A pedido dos jesuítas, o go-verno português proibiu a escravidão indígena, princi-pal mão de obra das lavou-ras do Maranhão, levando ao uso de mão de obra es-crava negra, que seria as-segurada pela então criada Companhia do Comércio do Maranhão (1682). Essa Companhia usufruía do mo-nopólio comercial, inflacio-nou os produtos de abaste-cimento e não cumpriu com o abastecimento de escra-vos, causando desconten-tamento geral da população.

Revolta contra a rigorosa política fiscal e opressiva tributação. A causa imedia-ta foi a criação das Casas de Fundição onde 20% do ouro extraído era confiscado como imposto à Portugal

Como

A rivalidade levou a um conflito armado no qual os Emboabas venceram por estarem em maior número, possuírem mais armamen-tos e estarem apoiados por Portugal

Os olindenses invadiram Re-cife e os conflitos duraram até 1710, quando o novo governador foi enviado à Pernambuco, prendendo os revoltosos

Chefiados por Manuel e Thomas Beckman, os co-lonos se rebelaram, expul-sando os jesuítas, abolindo a Companhia e formando um governo, que duraria até quase 1 ano, até que novo governador fosse enviado ao Estado do Maranhão pelo governo Real

Rebeldes fazem suas exi-gências ao governador, que fingiu aceitá-las até que conseguisse organizar uma ofensiva, reunindo forças militares necessárias

Conse-

quências

Criação da capitania de São Paulo e Minas e ida dos paulistas à região de Mato Grosso e Goiás (expansão territorial e descoberta de novas minas)

Nomeação de Recife como sede administrativa de Per-nambuco

Extinção da companhia de Comércio, volta dos jesuítas para Maranhão e morte, exí-lio ou prisão dos líderes do movimento

Aprisionamento ou exílio dos rebeldes, enforcamento de Felipe dos Santos, apli-cação das Casas de Fundi-ção e separação das capita-nias de São Paulo e Minas Gerais, aumentando a auto-ridade Real sobre ambas.

Ao observarmos a tabela, é

possível notar que duas de suas

rebeliões ocorreram na mesma

localidade: a região minerado-

ra. Desde a descoberta de ouro

na região, no ano de 1695, hou-

ve grande deslocamento para o

local, resultando no acirramen-

to dos conflitos entre a popula-

ção nativa e os migrantes pelo controle de territórios e das minas de extração aurífera,

altamente lucrativas.

A intensa extração de metais preciosos no local, aliada ao interesse metropolitano no melhor aproveitamento das riquezas coloniais, resultou na adoção de uma série de medidas de controle por parte de Portugal.

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38 • capítulo 2

EXEMPLO

Entre as medidas podemos citar:

• O surgimento da intendência das minas e das casas de fundição;

• A criação do Quinto real e da derrama.

A aplicação dessas medidas e a punição àqueles que as descumpriam

variava de intensidade, sendo mais branda em alguns momentos e mais

severa em outros. Nos momentos de controle mais intenso, estouravam

movimentos contestatórios como a Revolta de Felipe dos Santos (1720),

presente na tabela mostrada anteriormente.

Foi, entretanto, cerca de setenta anos mais tarde que ocorreu no mesmo

lugar uma das rebeliões coloniais mais estudadas da História do Brasil: a

Inconfidência, ou Conjuração Mineira.

As conjurações mineira e baiana (1789-1798)

Com certeza, vocês já ouviram falar de

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiraden-

tes. Comumente retratado como na ima-

gem, portando cabelos e barbas longas,

à semelhança de Jesus Cristo, ele é con-

siderado um dos grandes heróis nacio-

nais, um mártir, que sacrificou a própria

vida em nome da nação brasileira.

Líder da chamada Inconfidência Mi-

neira, teria protagonizado o primeiro

grande movimento de emancipação na-

cional ocorrido na colônia. Entretanto,

afinal, quem foi Tiradentes, inconfidente

ou herói nacional? E a InconfidênciaMineira foi realmente um movimen-

to visando à independência do Brasil ainda no século XVIII?

De acordo a versão do Dicionarioweb, a inconfidência mineira foi

um movimento patriótico e de alcance nacional visando à independên-

cia do Brasil. No entanto, novas interpretações sobre o movimento têm

surgido em estudos acadêmicos mais recentes.

O termo inconfidência, anteriormente muito utilizado, tem sido menos

visto nos trabalhos sobre o assunto, pois nomeá-lo dessa forma significaria

ratificar a interpretação oficial da história, segundo a qual os inconfidentes,

ao se rebelar, foram traidores e infiéis para com a Coroa portuguesa.

CURIOSIDADE

Inconfidência Mineira

Vejamos como aparece a definição de

Inconfidência Mineira no Dicionarioweb:

“movimento patriótico do final do séc.

XVIII (1789), que, chefiado pelo alferes

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiraden-

tes, pretendia libertar o Brasil do re-

gime colonial português.” (grifos meus).

CURIOSIDADE

Inconfidência

Falta de fé ou de fidelidade para com

alguém, especialmente para com o Es-

tado ou o soberano. Infidelidade, revela-

ção do segredo confiado.

Tiradentes

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capítulo 2 • 39

Por essa razão, o termo conjuração tem sido mais utilizado pelos

pesquisadores e acadêmicos, pois ele traduz exatamente o que ocorreu

em Minas Gerais: um movimento conspiratório que visava a romper os

laços de dependência entre a região e o Império português.

Além da revisão historiográfica, ligada à forma como o movimento

foi nomeado, a pesquisa histórica mais recente também produziu novas

interpretações sobre as motivações, os interesses e a forma como o mo-

vimento foi interpretado por historiadores do século XIX: hoje é sabido

que a transformação da conjuração mineira em movimento patriótico e

nacionalista, assim como a elevação de Tiradentes ao status de herói na-

cional, ocorreu em fins do século XIX, e obedeceu aos interesses ligados

à (re)construção de uma identidadenacional para o país.

Como discutiremos adiante, o país que hoje chamamos de Brasil, que

possui sua língua, sua história e seus costumes próprios, e cujos habitantes

são chamados de brasileiros, não existia à época da conjuração mineira.

Naquela época, havia no território correspondente ao Brasil de hoje,

não um país, mas um território bastante extenso integrado ao Império

português, chamado pelos historiadores atuais de América portuguesa.

Apesar de sua contiguidade geográfica, o território era naquele momen-

to, composto de inúmeras províncias coloniais, que possuíam pouca ou

nenhuma integração física, econômica e cultural/identitária. Dizia-se

que, àquela época, era mais fácil viajar de Salvador a Lisboa do que de

Salvador ao Rio de Janeiro.

Da mesma forma, o comércio entre as capitanias do norte e as do sul

era bastante reduzido, bem como as trocas culturais entre elas.

EXEMPLO

Certamente, um habitante da região mineradora ao final do século XVIII não se sen-

tiria pertencente à mesma nação de um pernambucano da mesma época.

Ainda não havia, portanto, uma identidade nacional constituída,

que estivesse traduzida na existência de vínculos identitários entre os

habitantes da então América portuguesa.

EXEMPLO

Alguém nascido em Pernambuco sentia-se pernambucano e não brasileiro, da mes-

ma forma que uma pessoa nascida na Bahia via-se apenas como baiano.

Entre a população nativa das regiões coloniais portuguesas, o sen-

timento de identidade era local, não nacional. Portanto, se no século

XVIII e mesmo no início do XIX não havia um país chamado Brasil, bem

como não havia uma identidade nacional constituída, como seria pos-

sível que os conjurados mineiros houvessem lutado pela libertação da

CURIOSIDADE

Conjuração

Significa sublevação.

CONCEITO

Identidade Nacional

De acordo com o livro História em Cur-

so, “o conceito de identidade nacio-

nal se consolidou no século XIX como

elemento fundamental no processo de

construção das nações ocorrido na-

quela época. Englobando um conjunto

variado de componentes — memória,

história, artes, literatura —, a identidade

nacional tanto define o que é comum à

determinada nação quanto o que a dife-

rencia das demais”.

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40 • capítulo 2

nação brasileira?

Estudos mais recentes, como o do historiador Kenneth Maxwell, têm

apontado como causa imediata para o início do movimento as disputas

por poder político e por privilégios econômicos entre as elites da próspe-

ra Vila Rica, no coração da região mineradora.

Segundo o autor, durante a Era Pombalina (1750-1777), o Marquês

dePombal adotou uma série de medidas modernizadoras visando tor-

nar a arrecadação de fundos portuguesa mais eficiente. A consequência

desse processo para a América portuguesa, que já era, naquela época, a

parte mais rica do Império português, foi um aumento brutal do contro-

le e da pressão portuguesas sobre as regiões coloniais, sobretudo as da

região das minas, provocando insatisfação entre as elites.

No entanto, com o fim da administração pombalina, houve nova-

mente um afrouxamento desse controle, possibilitando que as elites

locais retomassem o estrito controle político e econômico da região. Na

prática, o grupo voltou a se beneficiar das concessões para extração de

minérios e da “vista grossa” feita pelo governador ao intenso contraban-

do de ouro e diamantes praticado pelo grupo ou em seu benefício.

No ano de 1785, essa situação se modificou, com a nomeação de Luís

da Cunha Meneses como novo governador. Meneses entrou em conflito

com a elite local, pois privilegiava seus apadrinhados e desrespeitava as

autoridades e a legislação vigente.

Os conhecidos poetas arcadistas Tomás Antônio Gonzaga, ouvidor

da região, e Claudio Manuel da Costa, poderoso advogado detentor de

concessões para a extração de minérios, tiveram os seus interesses atin-

gidos pela chegada do novo governador.

COMENTÁRIO

De acordo com Maxwell: “O lucrativo controle do contrabando pelos lacaios do go-

vernador, tanto no Distrito Diamantino quanto em Santo Antônio, eliminou do negó-

cio muitos dos que dele se beneficiavam antes.”

A fama do novo governa-

dor de beneficiar militares

de origem portuguesa em de-

trimento dos oficiais nativos

também gerava descontenta-

mento no grupo dos Dragões

Reais das Minas, do qual fa-

zia parte o alferes Joaquim

da Silva Xavier, o Tiradentes.

Portanto, foram prin-

cipalmente os conflitos de

interesse, as tensões e as

IMAGEM

Marquês de Pombal

Ainda, de acordo com Kenneth Maxwell: “O alferes Silva Xavier estava tão indignado com a parcialidade do governador em relação a seus favoritos que falava abertamente em rebelião.”

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capítulo 2 • 41

disputas em torno do poder local, agravadas pelo retorno da fiscalização

metropolitana em um período de decadência na produção de ouro, que

levaram os conjurados a planejarem para o dia da Derrama uma rebelião

separatista, cujo objetivo era libertar a região das minas do controle impe-

rial, iniciando a partir dali uma experiência de autogoverno. Desse modo,

não houve qualquer pretensão de independência nacional no movimento

dos conjurados mineiros.

Certamente, a difusão do ideário liberal pela região, possibilitada pelo

costume das elites de completar seus estudos na Europa, contribuiu para

intensificar as reflexões do grupo, bem como para fortalecer suas convic-

ções separatistas. Além disso, a experiência bem-sucedida das 13 colônias

norte-americanas, que tinham conseguido a libertação do jugo colonial

britânico, também serviu de inspiração para os revoltosos do sul.

ATENÇÃO

Como é sabido, o plano foi descoberto antes de ser concretizado e Joaquim José da

Silva Xavier, o conjurado de origem social mais modesta, foi punido exemplarmente,

com a decretação da sua prisão e morte, por enforcamento, no ano de 1792.

Seus companheiros de conjura, ao contrário de Tiradentes, foram submetidos a pro-

cesso, mas poupados da morte pela Coroa. Terminava, assim, de forma melancólica,

o sonho de liberdade e de autonomia dos homens ilustrados de Vila Rica.

Tiradentes — Museu histórico nacional.

CURIOSIDADE

No fim do século XVIII, Salvador era a

segunda mais populosa de todo o im-

pério, superando o Rio de Janeiro e per-

dendo apenas para Lisboa.

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42 • capítulo 2

A Conjuração Baiana (1798), também chamada de Conjuração dos

Alfaiates, ocorreu alguns anos mais tarde, e teve motivações e a partici-

pação de grupos sociais distintos dos da região de Vila Rica.

Sede político-administrativa da América portuguesa até o ano de 1763,

Salvador era uma cidade de grande importância para o Império português.

Por conta de sua importância política ao longo dos séculos de coloni-

zação portuguesa nas Américas, a cidade de Salvador ainda concentrava

um grande volume de transações comerciais com o mercado internacio-

nal da época: boa parte do açúcar, do algodão e do tabaco exportados a

partir da colônia tinha saída pelo porto da cidade.

Dessa forma, Salvador era uma cidade multifacetada, em que os di-

versos grupos sociais possuíam representação expressiva. Se, por um

lado, encontramos mercadores enriquecidos com o lucrativo comércio

internacional, por outro, possuía também um grande número de escra-

vos e de homens livres e pobres, que encontravam poucas possibilida-

des de inserção social em uma sociedade ainda pautada pelos valores

do AntigoRegime.

REFLEXÃO

Como vimos, as práticas e os valores característicos das sociedades europeias ante-

riores à Revolução Francesa foram nomeadas de Antigo Regime. Mas, se essas são

características dos países europeus da época, por que afirmamos que os valores do

Antigo Regime estavam presentes na cidade de Salvador do século XVIII?

Para compreender essa questão, é necessário perceber a América

portuguesa não como uma região em separado, isolada do contexto

europeu, mas como parte integrante do Império português, cuja sede

estava localizada na Europa, e que, portanto, compartilhava dos valores

comuns às demais sociedades europeias do período.

Na colônia, assim como na metrópole, havia restrições à participação

política daqueles que tivessem “defeitomecânico” ou que não atestas-

sem sua “pureza de sangue”.

Do mesmo modo, e pelos mesmos motivos expostos anteriormente,

a origem social de cada um não era algo pessoal, mas uma questão de

interesse público. Nesse contexto, aqueles que, em sua genealogia fa-

miliar, apresentassem vínculos sanguíneos com cristãos-novos, índios,

mouros ou negros estavam impedidos de participar da vida política na

colônia, uma vez que esta era uma prerrogativa dos membros das famí-

lias mais nobres da região.

CURIOSIDADE

Salvador

No fim do século XVIII, Salvador era a

segunda mais populosa de todo o im-

pério, superando o Rio de Janeiro e per-

dendo apenas para Lisboa.

CONCEITO

Antigo Regime

Foi o nome dado ao conjunto de práti-

cas e valores vigentes nas sociedades

ocidentais europeias anteriores à Revo-

lução Francesa. Uma das marcas do An-

tigo Regime foi sua estrutura profunda-

mente hierarquizada, na qual prevaleciam

privilégios aos grupos como o Clero e a

Nobreza, e a desigualdade. Assim, como

características do Antigo Regime, pode-

mos citar: o absolutismo, a sociedade ou

estamental, os fortes vínculos entre Es-

tado e Igreja e uma estrutura econômica

profundamente centralizada, marcada

pela concessão de monopólios ou exclu-

sivos comerciais.

CURIOSIDADE

Defeito mecânico

Em uma sociedade escravista e pro-

fundamente marcada pelos valores do

Antigo Regime, o trabalho manual era al-

tamente desvalorizado, e por essa razão,

era visto como defeito.

CURIOSIDADE

Cristãos-novos

Judeus convertidos ao catolicismo.

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capítulo 2 • 43

COMENTÁRIO

Sobre esse assunto, o historiador Evaldo Cabral de Mello afirmou que: “Dos séculos

XVI ao XVIII vigorava em Portugal, Espanha a respectivas colônias um sistema de

discriminação que impedia aos descendentes de judeus, africanos, índios e mouros o

acesso aos cargos públicos, à carreira eclesiástica, e às honrarias e mercês dispen-

sadas pela Coroa. A honra do indivíduo e de sua parentela ficava assim prisioneira

da pureza do sangue.”

Em uma sociedade marcada pela estratificação social como era a Sal-

vador de fins de 1700, as possibilidades de ascensão das classes popu-

lares eram muito remotas.

Se a participação política

na cidade era restrita à cha-

mada nobreza da terra, a

participação nas atividades

comerciais locais também

não dependia da livre ini-

ciativa: somente à Coroa

cabia a concessão de mono-

pólios (direitos exclusivos)

comerciais a pessoas ou a

companhias de comércio.

Para a população mais

pobre, apartada dos privilé-

gios e das benesses concedidas pela Coroa aos seus favoritos, a piora em

suas condições de vida gerada pelo aumento de preços das mercadorias

era de responsabilidade da administração colonial, elitista e excludente.

ATENÇÃO

O clima de insatisfação, acentuado pela grande circulação de ideias iluministas pela

cidade (por meio de panfletos e da leitura pública das principais obras iluministas),

levou à elaboração e à distribuição de panfletos criticando a monarquia absolutista

e a administração colonial portuguesa, e defendendo ideias típicas do movimento

iluminista francês, como a igualdade perante a lei e o livre comércio.

Ciente de tal movimentação, o governador da Bahia reagiu exigindo a

abertura de uma investigação, cujos resultados apontaram a existência de

um movimento de insatisfação

popular que já programava a re-

alização de um pronunciamento

revolucionário. Motivado por essas

informações, o governador orde-

nou a prisão de 49 pessoas, acusa-

CURIOSIDADE

Devassa

Pesquisa de provas e inquirição de tes-

temunhas para averiguação de um fato

criminoso ou presumido como tal; sindi-

cância./Os autos ou processos de que

constam essas pesquisas; sumário./P. ext.

Exploração; procura minuciosa; pesquisa.

Por todos esses motivos, o que a princípio era uma insatisfação popular ligada ao aumento de preços das mercadorias da cidade logo se converteu em um movimento muito maior, de crítica ao próprio colonialismo português.

Todos os condenados eram de origem social modesta e de cor negra ou parda.

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44 • capítulo 2

das de participarem da conspiração, das quais seis foram condenadas à

morte e quatro levadas à forca.

A punição aos acusados de conjuração em Salvador foi consideravel-

mente mais severa do que aquela imposta aos conjurados mineiros: na

Bahia, ao contrário do ocorrido em Vila Rica, a participação da popula-

ção no movimento foi ampla e diversificada: havia entre os descontentes

desde proprietários de terra até soldados e alfaiates, que muitas vezes

eram negros ou pardos.

Tudo isso, aliado ao medo de que na América portuguesa se repetisse

o que tinha acabado de ocorrer no Haiti, onde, no ano de 1792, escravos

e ex-escravos lideraram uma bem-sucedida revolução social, provocou

uma reação mais rigorosa e violenta da Coroa. O chamado haitianismo

já tirava o sono da elite colonial.

A transferência da Corte portuguesa para as Américas, ou o início do processo de “interio-rização da metrópole”.

Desde fins do século XVIII eclodiram rebeliões em diversas regiões co-

loniais questionando alguns dos pressupostos da colonização portu-

guesa, como a cobrança de impostos e a ausência de perspectivas para a

população mais pobre. Em muitos casos, como em Vila Rica e Salvador,

houve forte presença das ideias liberais nos movimentos contestatórios.

A defesa de governos constitucionais, das liberdades individuais e

da separação entre Estado e Igreja são apenas alguns desses princípios,

presentes desde meados do século XVIII no pensamento iluminista

e fortalecidos com a Revolução Francesa, que abalou as estruturas do

Antigo Regime europeu e produziu um dos maiores mitos históricos de

todos os tempos: NapoleãoBonaparte.

Mesmo nos países europeus não afetados pela expansão do impé-

rio napoleônico, esse processo era visto como temerário, pois havia a

preocupação de que a influência trazida pelos conquistadores franceses

pudesse afetar as estruturas do Antigo Regime no restante da Europa.

Se Bonaparte lutou ao lado dos revolucionários na França e participou

da derrubada do absolutismo em seu país, poderia fazer o mesmo nos

países vizinhos.

CURIOSIDADE

Napoleão Bonaparte

Francês nascido na ilha da Córsega em

1769, Napoleão foi um dos personagens

principais da Revolução Francesa: res-

ponsável por vitórias heroicas do exér-

cito francês, Bonaparte foi promovido a

general aos 27 anos, e nos últimos anos

da revolução já era visto como um herói

nacional. Aclamado imperador em 1804,

Napoleão promoveu a recuperação eco-

nômica do país e tinha uma grande ambi-

ção: tornar a França a maior potência do

continente europeu, transformando-se

igualmente no maior general e estadista

de toda a Europa. Com esse objetivo, o

imperador deu início a um processo de

expansão territorial em que, à medida

que conquistava novas terras, substituía

o governante local por alguém de sua

confiança, causando sobressalto entre

as monarquias europeias.

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capítulo 2 • 45

IMAGEM

Napoleão Bonaparte — Arquivo de Villa Maria

E foi exatamente isso o que aconteceu: à medida que as tropas na-

poleônicas circulavam pelo continente, levavam consigo os ideais da

Revolução Francesa, contribuindo para ampliar a circulação das ideias

liberais em toda a região.

É importante ressaltar, no entanto, que apesar de se considerarem os

porta-vozes dos princípios liberais, os franceses, em seu movimento de

expansão pela Europa, agiram de forma violenta, intolerante e desres-

peitosa em relação à população conquistada.

O expansionismo francês não foi, portanto, algo benéfico à popu-

lação conquistada, como se poderia imaginar: como todo processo de

conquista, ele acarretou em prejuízos irreparáveis aos países que foram

objeto do desejo e da ambição desmedidas de Napoleão.

Apesar da incontestável superioridade militar do exército napoleô-

nico, que lhe rendeu a conquista de novos territórios, faltava ao impera-

dor francês superar militar e economicamente a Grã-Bretanha, o único

país a já ter passado pela Revolução Industrial, e que apresentava uma

estrutura econômica mais sólida e pujante que a de seu rival. Planejan-

do converter sua força militar em ganhos econômicos concretos para o

país, Bonaparte decretou, em 1806, o chamado BloqueioContinental.

Portugal, que mantinha fortes relações econômicas com a Inglaterra, não

podia aderir ao bloqueio de Napoleão. Ao mesmo tempo, não podia recusá

-lo, pois seu país poderia ser invadido pelas tropas francesas. Ameaçado por

ingleses e franceses, a situação do príncipe-regente português era delicada.

CONCEITO

Bloqueio Continental

O Bloqueio Continental, decretado por

Napoleão Bonaparte, em 1806, proibia

todas as nações europeias de fazer co-

mércio com a Inglaterra. Caso essa deter-

minação não fosse cumprida, o imperador

francês prometia invadir com seus exér-

citos e ocupar os países desobedientes.

Com essa medida, Napoleão pretendia

enfraquecer a indústria inglesa, maior

obstáculo ao desenvolvimento industrial

da França. Napoleão pretendia utilizar sua

força militar para inibir o comércio dos pa-

íses europeus com a Inglaterra e, assim,

fortalecer a economia francesa.

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46 • capítulo 2

Conselheiro do príncipe, o nobre D. Rodrigo de Sousa Coutinho tinha uma solução:

transferir a Corte portuguesa para as Américas, que já era naquela época a parte mais rica

do Império, e, no Brasil, recuperar o prestígio e a prosperidade que um dia o Império por-

tuguês possuiu. Pressionado pelos ingleses, que já haviam aportado no litoral de Lisboa à

espera de uma decisão da Coroa portuguesa, e ciente de que o exército de Napoleão deixara

a França em direção ao seu país, o príncipe resolveu aceitar a sugestão de seu ministro.

ATENÇÃO

Por isso, em 27 de Novembro de 1807, acompanhado de aproximadamente 15 mil pessoas, o príncipe dei-

xa o porto de Lisboa rumo à parte americana de seu Império: o Brasil, ou a América portuguesa, evitando a

perda de seu trono e, ao mesmo tempo, reconstruindo, a partir das Américas, um império grandioso como

foi o Portugal cantado por Camões, em seu famoso poema “Os Lusíadas”.

O trajeto das embarcações portuguesas rumo ao Brasil durou cerca

de dois meses. Escoltada pela marinha inglesa, a mais poderosa do

mundo, a família real chegou a Salvador no dia 22 de janeiro de

1808, e foi recebida com festa pela população local.

Já em terras americanas, o príncipe João assinou um de-

creto de enorme importância para todo o Império português:

o da abertura dos portos às nações amigas. Segundo esse do-

cumento legal, passava a ser possível, a partir daquele mo-

mento, a realização de transações comerciais entre a América

portuguesa e as nações estrangeiras, sem a necessidade de

intermediação de Lisboa.

Com esse documento chegava ao fim, na prática, o pacto

colonial, e, consequentemente, o status de colônia da Amé-

rica portuguesa, ou pelo menos de uma parte dela: a região Centro-Sul, onde a Corte por-

tuguesa se instalou. É a partir daí que tem início um processo chamado pela historiadora

Maria Odila Leite da Silva Dias de “interiorização da metrópole”.

Segundo a referida historiadora, a vinda da família real para o Rio de Janeiro, até então

sede político-administrativa da colônia portuguesa nas Américas, provocou um processo

de deslocamento da metrópole de Lisboa para o Rio de Janeiro. Dali em diante, era a partir

dessa cidade que o Império portu-

guês seria comandado.

O Rio de Janeiro passava, afinal,

de cidade colonial à cidade impe-

rial, provocando um profundo des-

contentamento nas outras regiões

coloniais da América portuguesa

e mesmo em Lisboa, que perdia a

partir de então, pelo menos de for-

ma provisória, seu status de sede do

Império português.

Por outro lado, esse processo de interiorização da metrópole garantiu aos portugueses americanos que habitavam a cidade do Rio de Janeiro uma ampliação de oportunidades sem precedentes.

Página de Os Lusíadas

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capítulo 2 • 47

Novas funções e instituições foram criadas, permitindo a alguns des-

ses homens a incorporação em postosburocráticos ligados a essa nova

realidade vivida pela cidade: bancos, bibliotecas, escolas militares e de

medicina foram fundadas; novas oportunidades de comércio interno e

externo surgiram em decorrência desse processo, e tudo isso provocou o

enraizamento de novos interesses, ligados aos grupos beneficiados com

a vinda da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro.

Além desses casos, há também o dos portugueses natos que migram

com o rei português para o Brasil e aqui recebem benefícios, terras e

privilégios, consolidando seus interesses no Centro-Sul da América por-

tuguesa. Será esse grupo que fará forte oposição ao retorno da Corte a

Portugal, alguns anos mais tarde.

REFLEXÃO

Não é possível afirmar que a vinda da Corte portuguesa para as Américas significou,

na prática, o fim do status de colônia para todo o Brasil. Como discutimos anterior-

mente, não havia ainda, naquele momento, o Brasil enquanto um país com unidade

política e identidade nacional constituídas.

O que havia àquela época era um território chamado Brasil, composto por inúmeras regi-

ões coloniais com pouca ou nenhuma integração física e econômica, e cuja população na-

tiva cultivava muito mais um sentimento de identidade local do que de identidade nacional.

Por isso, o processo de construção da nação brasileira, bem como de

sua nacionalidade, teria início após a separação política entre o Brasil e

o Império português e estaria consolidado apenas em meados do século

XIX. Desse modo, para melhor compreendermos essa história, é neces-

sário perceber que a constituição do Brasil enquanto um país politica-

mente independente de Portugal e a constituição de uma nacionalidade

brasileira ocorreram em momentos diferentes.

ATENÇÃOAssim, o processo de emancipação política do Brasil foi motivado, portanto, não por

arroubos de nacionalismo dos brasileiros descontentes com os colonizadores por-

tugueses, mas por insatisfações e dissidências internas do Império português, que

abarcava interesses contraditórios e irreconciliáveis.

A impossibilidade dessas diferentes partes em conflito chegarem a

um acordo levou à opção pela independência, como veremos adiante.

RESUMO Dessa maneira, vale a pena reforçar, a independência do Brasil não resultou de uma

guerra entre diferentes nações, mas, sim, de uma guerra ocorrida no interior da na-

ção portuguesa, como afirma o historiador Sérgio Buarque de Holanda, que nomeou

todo o processo de “Guerra civil portuguesa”.

EXEMPLO

Postos Burocráticos

Como funcionários da realeza, por

exemplo.

CURIOSIDADE

Constituição

Lei fundamental que discrimina os po-

deres de um país, suas atribuições e os

direitos e deveres dos cidadãos.

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48 • capítulo 2

Compreendida essa questão, pode-se entender melhor por que a vinda da Corte para

o Rio de Janeiro não trouxe benefícios nem foi bem aceita por todas as regiões da então

América portuguesa.

EXEMPLO

Para as províncias do norte, por exemplo, esse processo de interiorização da metrópole provocou uma

aproximação incômoda entre a região e o centro decisório de todo o Império: na prática, a metrópole inte-

riorizada estava mais próxima de suas colônias e, assim, podia controlá-las com mais eficiência.

Nos anos de permanência da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, houve um aumento

significativo dos impostos cobrados às províncias do norte.

Essa sobrecarga de impostos recaídos sobre a região, aliada ao novo status político-ad-

ministrativo do Rio de Janeiro, gerou um profundo descontentamento entre as elites locais.

A Revolução Federalista de 1817 deixava claro o desejo dos pernambucanos de maior au-

tonomia em relação à metrópole.

Inspirados pelo modelo federalis-

ta norte-americano, os revoltosos

pernambucanos reivindicavam o

direito ao exercício do autogover-

no, mantendo-se parte do Impé-

rio português, mas assegurando

sua autonomia local. O movimen-

to foi sufocado pelas pretensões

centralizadoras de D. João VI, mas

deixava clara a inexistência de unidade entre as diferentes regiões da América portuguesa.

A Revolução do Porto e a emancipação da América portuguesa

REFLEXÃO

Você já se perguntou alguma vez como ficou a situação de Portugal após a transmigração da família real

para a América portuguesa? Uma das formas de tentarmos responder a essa pergunta é observando Lis-

boa, a antiga sede do Império português.

Após a partida da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a cidade transformou-se no re-

trato da destruição: invadida e arrasada pela guerra com as tropas napoleônicas, governada

por um militar inglês, prejudicada pelo deslocamento do eixo econômico do império para

o Rio de Janeiro, a situação de Lisboa e do restante de Portugal era caótica.

No ano de 1814, após cerca de seis anos de conflitos e graças a um grande esforço do povo

português, as tropas napoleônicas deslocadas para o país foram finalmente derrotadas. Mas

Esse quadro de insatisfações e dissidências no interior do Império português foi agravado quando, em 1820, estourou em Portugal um movimento reivindicatório que ficou conhecido como a Revolução do Porto.

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capítulo 2 • 49

o saldo de destruição e de prejuízos de toda ordem deixado por esses anos de guerra era

desanimador. A perspectiva lisboeta de retomada do protagonismo no interior do Império

português sofreu um duro golpe com a elevação do Brasil a reino unido de Portugal e Algar-

ve (1815): com essa medida, ficava clara a intenção da monarquia portuguesa de dar conti-

nuidade ao projeto de enraizamento da metrópole em terras americanas, contrariando os

interesses dos portugueses que viviam na Europa.

RESUMO

Como já foi dito, estava em curso no Brasil não apenas uma estada temporária da Corte, circunscrita ao

momento em que Portugal estivesse invadido por tropas francesas, mas a execução de um projeto de

refundação do Império português a partir das Américas. Transferir-se para o Brasil não foi apenas uma

forma de fugir de Napoleão, mas também uma tentativa do Império português de recuperar o esplendor,

deslocando a sua sede para a região que já era há muito tempo a mais rica de todo o império: o Brasil.

Em 1820, o descontentamento em relação à situação periférica de Portugal no Império

português acentuou-se: na Espanha, um movimento de inspiração liberal ganhava as ruas

e submetia o rei a uma constituição.

No mesmo ano, o atraso no pagamento das tropas portuguesas sediadas no Porto foi o

estopim para o início de uma revolta que ganhou as ruas da cidade e, em poucos meses, se es-

tendia a Lisboa, ganhando o nome de Revolução Liberal do Porto: assim como os espanhóis,

os portugueses pretendiam não apenas que o rei retornasse a Portugal, mas também que ele

assinasse uma constituição, que limitaria seus poderes e garantiria direitos aos portugueses.

Além de desejarem retomar a condição de sede do Império português, o que seria con-

seguido caso o rei D. João VI retornasse a Lisboa, os revolucionários tinham outras exigên-

cias: para satisfazer aos desejos das Cortes de Lisboa, convocadas com o objetivo de reunir

os diferentes representantes da nação portuguesa e, assim, dar continuidade ao movimen-

to revolucionário, era necessário que o rei tomasse medidas que, na prática, significariam

o fim do processo de “interiorização da metrópole” no Centro-Sul da América portuguesa.

A esse processo, os brasileiros reagiram, denunciando o que seria uma tentativa de reco-

lonização do Brasil por parte das Cortes de Lisboa. Na prática, como já vimos, a única região

“descolonizada” da América portuguesa, que fazia às vezes de metrópole e impunha um rígi-

do controle sobre as demais regiões, era a Centro-Sul, liderado pelo Rio de Janeiro, que a essa

altura já era chamado nas províncias do norte pejorativamente de “a nova Lisboa”.

De fato, o Rio de Janeiro e os grupos de interesses constituídos na cidade após a chega-

da da família real corriam risco de sofrer sérios prejuízos em consequência das determina-

ções que vinham das Cortes.

A partir daí, as divisões entre os grupos favoráveis e os contrários aos revolucionários do

Porto irão se tornar cada vez mais evidentes, até o momento em que reste apenas a alterna-

tiva da separação política entre os reinos.

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50 • capítulo 2

REFLEXÃO

Mas antes de chegar a isso, vamos discutir outros aspectos importantes dessa história?

Anteriormente, afirmamos que o movimento de reação às determinações vindas das Cortes de Lisboa foi

liderado pelos brasileiros, que denunciaram a tentativa de recolonização do Brasil contida naquelas medi-

das. Mas, se antes da independência não havia o Brasil enquanto um país constituído, e se tampouco havia

naquele momento uma nação brasileira, como é possível afirmar que os brasileiros tiveram um papel de

destaque na oposição às determinações de Lisboa?

O significado do termo brasileiro é hoje para nós bastante conhecido: todos o identifica-

mos como o termo referente àqueles que possuem nacionalidade brasileira, ou seja, nasce-

ram no país ou são descendentes de brasileiros. No passado, entretanto, o termo brasileiro

já teve diferentes significados: no século XIX, precisamente durante a Revolução do Porto,

ser brasileiro era assumir uma atitude política.

IMAGEM

Maria Leopoldina Regente. Georgina de Albuquerque

Assim, brasileiros eram não necessariamente as pessoas nascidas no território que em

alguns anos formaria um novo país, o Brasil, mas, sim, aqueles que estavam unidos, ainda

que momentaneamente, em torno das mesmas convicções: eram contrários às determina-

ções que chegavam às Américas por meio das Cortes de Lisboa.

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capítulo 2 • 51

COMENTÁRIO

JoséBonifácio, que foi um dos representantes da América portuguesa nas Cortes e que é considerado um

dos artífices do processo de independência, afirmou que, em sua opinião, brasileiros eram aqueles que luta-

ram ao seu lado e, assim, assumiram posição política favorável à separação dos reinos do Brasil e de Portugal.

Para os homens ligados ao Partido Brasileiro, não inte-

ressava o retorno da Corte portuguesa para Lisboa, pois

isso significaria a perda de privilégios adquiridos com o

deslocamento do eixo do Império português para o Rio

de Janeiro. Apesar disso, a separação política entre os

reinos do Brasil e de Portugal não foi algo planejado pelo

grupo dos brasileiros desde o início das divergências en-

tre eles e as Cortes portuguesas.

Na verdade, ela foi uma solução surgida e amadu-

recida no curso dos acontecimentos, à medida que ia

ficando clara a impossibilidade de brasileiros e por-

tugueses chegarem a um consenso. No primeiro momento, os brasileiros defenderam

a criação de um império dual, o Império luso-brasileiro, com duas sedes, o reino do

Brasil e o reino de Portugal.

Ambos os reinos estariam articulados politi-

camente um ao outro, garantindo a autonomia de

ambos e resguardando os interesses constituídos

na cidade do Rio de Janeiro de qualquer medida

que pudesse alterar a sua condição.

Diante do aumento das pressões vindas de Lisboa e de dentro da própria colônia, D.

João VI, até então reagindo ao movimento com medidas conciliadoras, se viu obrigado a

tomar uma decisão: pressionado pelas tropas portuguesas, que manifestavam sua insa-

tisfação nas províncias do Grão-Pará e da Bahia, o rei jurou obedecer à constituição que

estava sendo elaborada em Portugal, e decidiu-se pelo retorno ao continente europeu.

ATENÇÃO

No dia 26 de abril de 1821, D. João VI finalmente regressou a Portugal, atendendo ao pedido das Cortes e

causando descontentamento entre os brasileiros, que chegaram a tentar impedir a sua saída pelo porto da

Guanabara. Constatada a inevitabilidade do retorno do rei, alguns componentes do Partido Brasileiro pas-

saram a defender a ideia da separação entre os reinos, como forma de assegurar a autonomia da região

Centro-sul da América portuguesa em relação ao Império português.

Ciente da insatisfação que seria causada pela sua decisão, e pretendendo evitar a eclo-

são de um movimento que significasse o fim do controle da dinastia dos Bragança sobre

o território português nas Américas, o rei português se decidiu pela permanência de seu

filho primogênito, o príncipe Pedro, no Brasil, até que se resolvessem as divergências entre

José Bonifácio

A possibilidade de “recolonização do Brasil” era a grande preocupação do grupo.

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52 • capítulo 2

o movimento em curso na cidade de Lisboa e aqueles que se opunham a ele, localizados,

sobretudo, no Rio de Janeiro.

Entretanto, a permanência no Brasil de um herdeiro do trono português desagradou as

Cortes portuguesas, que imediatamente passaram a exigir a volta de Pedro para Portugal. O

Partido Brasileiro, por sua vez, iniciou um movimento para convencer Pedro a ficar.

ATENÇÃO

A disputa entre as Cortes e o Partido Brasileiro teve momentos decisivos. Em 9 de janeiro de 1822, o

príncipe Pedro recebeu um manifesto com mais de 8 mil assinaturas pedindo que ele ficasse no Brasil e

concordou em ficar. O episódio é conhecido como o Dia do Fico.

As Cortes portuguesas continuaram tomando medidas e fazendo exigências que

contrastavam com os interesses enraizados na região Centro-Sul do Brasil. Os interes-

ses de brasileiros e portugueses tornavam-se cada vez mais conflitantes, e a separação

entre os reinos parecia ser a única forma de garantir a autonomia do Centro-Sul e, por

extensão, de toda a América portuguesa, diante da insistência das Cortes em retomar o

controle estreito sobre essa região.

IMAGEM

Independência do Brasil – pintura de François-René Moreau.

Para a família real portuguesa, uma vez que a separação entre os dois reinos parecia

inevitável, seria mais vantajoso que ela acontecesse sob a liderança de um representante da

família real portuguesa, pois assim estaria garantido para a dinastia portuguesa o controle

das duas regiões, ainda que, do ponto de vista político, a independência do Brasil signifi-

casse a separação dessa região de Portugal.

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capítulo 2 • 53

Desse modo, a liderança de Pedro no processo de independência do Brasil não repre-

sentou uma ruptura ou um rompimento de seus laços com a família Bragança. Muito pelo

contrário: ela representou a possibilidade de manutenção dos laços entre Brasil e Portugal,

apesar da iminência da separação entre as partes, que se efetivaria ainda no ano de 1822.

COMENTÁRIO

É importante, ainda, relembrar que nem todas as regiões coloniais manifestaram descontentamento ou

oposição às decisões vindas de Lisboa: nas províncias do norte, contrariadas e sufocadas com o controle

da “nova Lisboa” sobre sua região, a revolução iniciada em Portugal reacendia a chama do autogoverno,

pois talvez possibilitasse a esses locais a conquista de maior autonomia tanto em relação a Portugal quanto

em relação ao Centro-Sul do Brasil. Em muitos casos, houve manifestações explícitas de apoio aos revol-

tosos nas regiões ao norte da América portuguesa.

Por isso, é importante frisar novamente que não é possível compreender o processo de

independência do Brasil da forma como geralmente estamos acostumados a estudá-lo:

como um movimento uniforme, unindo todos aqueles nascidos no Brasil e chamados de

brasileiros, contra a opressão do colonizador.

IMAGEM

Independência ou morte — pintura de Pedro Américo

ATENÇÃO

No dia 7 de Setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga, D. Pedro proclamava a separação do Brasil

da Corte portuguesa. Com essa decisão, nascia o Brasil: um país independente politicamente de Portugal,

que seria comandado pelo primogênito da dinastia portuguesa, o futuro rei D. Pedro I.

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54 • capítulo 2

Entretanto, o caminho rumo à

construção de um país integrado e

com unidade política, abarcando

todo o território que um dia perten-

ceu ao Império português era, naquele momento, apenas um dos inúmeros caminhos

possíveis de serem trilhados e estava em seu estágio inicial.

RESUMO

Vimos nesse capítulo que, em meados do século XVIII, no contexto de crise do Antigo Regime europeu,

multiplicaram-se pela América portuguesa movimentos de insatisfação em relação ao excessivo controle

e/ou à cobrança de impostos vindas da metrópole. Dois dos movimentos mais conhecidos da época foram:

a conjuração mineira e a conjuração baiana.

Vimos também que não é possível afirmar que esses movimentos tiveram alcance nacional ou pretendiam

lutar pela independência nacional, pois a nação e a nacionalidade brasileira não estavam constituídas até

meados do século XIX.

Por fim, vimos que as repercussões da Revolução Francesa e a difusão do ideário liberal pelo continente

europeu tiveram seus efeitos também no continente americano: elas serviram de inspiração para os movi-

mentos contestatórios citados acima e estiveram indiretamente ligados a uma grande mudança ocorrida na Amé-

rica portuguesa: a transferência da Corte portuguesa para a parte americana de seu império. Pressionados pelos

ingleses e por Napoleão, o príncipe regente português se decidiu pela transferência da sede do império português

para as Américas, em um processo que ficou conhecido como a “interiorização da metrópole”.

Os conflitos ligados à independência e à formação do Brasil não foram motivados por critérios de nacionalidade,

mas por disputas no interior do Império, entre aqueles que se sentiam prejudicados e os que haviam obtido bene-

fícios com a mudança no status da cidade do Rio de Janeiro. Dessas disputas internas surgiria, em 1822, o Brasil.

ATIVIDADE

Leia os fragmentos de textos destacados abaixo e assinale as alternativas corretas:

“A permanência da família real no Brasil era desejada por aqueles setores sociais — comerciantes, burocra-

tas, proprietários de terras e de escravos — que prosperavam, acumulavam poder e ganhavam prestígio no

Rio de Janeiro. Eles sabiam que os favores concedidos pelo soberano português eram a razão fundamental

das mudanças que ocorriam em suas vidas.”

(MATTOS, I. R. Independência ou Morte: a emancipação política do Brasil. São Paulo: Atual, 1991).

“Novas instituições foram criadas pela Coroa portuguesa, e a maioria delas foi estabelecida no Rio de

Janeiro, que, assim, assumiu um papel centralizador dentro de uma América portuguesa que antes era

muito fragmentada no sentido administrativo. Houve resistência a isso, principalmente em Pernambuco,

em 1817. Mas, no final, o poder central foi mantido.”

(Adaptado de Kenneth Maxwell, "Para Maxwell, país não permite leituras convencionais". Entrevista

concedida a Marcos Strecker. Folha de São Paulo, 25/11/2007, Mais, p. 5).

Começava, a partir de então, o longo e duro processo de construção do Brasil.

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capítulo 2 • 55

Questão 1

Sobre as transformações político-sociais e econômicas ocorridas durante a permanência da Corte portugue-

sa no Brasil (1808-1821), estão corretas as afirmações a seguir, À EXCEÇÃO DE:

a) A vinda da família real para o Brasil manteve a região Centro-Sul colônia em uma posição periférica com

relação às decisões políticas e econômicas do Império português, permanecendo a cidade de Lisboa como

o principal centro econômico e político do Império.

b) A abertura dos portos favoreceu os interesses dos proprietários rurais produtores de açúcar e algodão,

uma vez que se viram livres do monopólio comercial.

c) Durante o Período Joanino, organizaram-se novos órgãos e instituições, como o Banco do Brasil e a

Casa da Moeda.

d) Dentre as medidas que mudaram o perfil político-econômico da colônia, destacou-se o decreto que

promoveu a Abertura dos portos às nações amigas, em 1808, que concedeu à América portuguesa a per-

missão para a realização de comércio com as nações amigas do Império português.

Questão 2

No ano de 1817, ocorreu em Pernambuco um movimento revolucionário, que contou com a participação

das mais diversas camadas sociais. Esse movimento ficou conhecido como Revolução Pernambucana.

Dentre os fatores que contribuíram para a eclosão da Revolução Pernambucana é INCORRETO citar:

a) A insatisfação com os portugueses que controlavam o comércio na região.

b) A excessiva cobrança de impostos do governo sobre a população de Pernambuco.

c) A influência dos ideais da Revolução Francesa no movimento pernambucano.

d) A insatisfação com a manutenção da escravidão, que causava desigualdade na colônia.

Questão 3

“Quer Portugal livre ser,

Em ferros quer o Brasil;

promove a guerra civil,

Rompe os laços da união.”

(Volantim, 7/10/1822)

A partir dos versos acima, publicados em um jornal fluminense, pode-se verificar que a postura de Portugal em

relação a sua antiga colônia, ao longo do ano de 1822, aprofundou o desgaste das relações entre os dois reinos.

Assim, a independência do Brasil pode ser explicada pelo seguinte fato:

a) criação do cargo de governador das Armas, gerando conflitos institucionais no Exército nacional.

b) arbitrariedade das Cortes portuguesas, subordinando os governos provinciais diretamente a Lisboa, e

tomando medidas que foram interpretadas como uma tentativa de recolonização das Américas, que desa-

gradavam ao grupo dos brasileiros.

c) existência de facção separatista brasileira ligada ao tráfico negreiro, objetivando controlar as posses-

sões portuguesas na África.

d) revogação da liberdade de culto concedida aos britânicos, ampliando os antagonismos entre Londres e

as Cortes portuguesas.

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56 • capítulo 2

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, J. M. (org). A construção nacional 1830-1889. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

DIAS, M. O. S. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005.

FREIRE, A.; MOTTA, M. S.; ROCHA, D. História em curso: o Brasil e suas relações com o mundo ocidental.

São Paulo: Editora do Brasil, 2005.

MATTOS, I. R.; ALBUQUERQUE, L. A. S. Independência ou morte: a emancipação política do Brasil. Rio de

Janeiro: Atual, 1991.

_______________ Construtores e herdeiros: A trama dos interesses na construção da unidade política. In:

Almanack Braziliense nº 01, maio 2005. p 8-26.

_______________ O Tempo Saquarema. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.

MAXWELL, K. A Devassa da Devassa. A Inconfidência Mineira. Brasil e Portugal (1750-1808). Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 2000.

MELLO, E. C. A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: 34, 2004.

_______________ O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo:

Companhia das Letras, 2009.

SCHWARCZ, L.M. D. João Carioca. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SILVA, Alberto da Costa e (org). Crise colonial e independência 1808-1830. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

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“Sois reis! Sois reis!” A construção do Brasil imperial

natalia peixoto bravo de souza

13

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58 • capítulo 3

De Reino Unido a Império do Brasil

IDEIA

“Havia um país chamado Brasil; mas absolutamente não havia brasileiros.”

A frase de abertura, do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire,

já foi utilizada em outro capítulo para embasar a discussão sobre o pro-

cesso de independência da América Portuguesa entre os anos de 1808 e

1822. Para compreendermos o período histórico do pós-independência

em toda a sua complexidade, é necessário recorrer novamente a ela: a

ruptura de D. Pedro com as Cortes portuguesas resultou na criação de

um novo país, o Brasil.

É importante relembrar que o movimento de insatisfação em rela-

ção às decisões das cortes portuguesas, que resultou na separação polí-

tica entre os reinos do Brasil e de Portugal, foi protagonizado pelo grupo

integrante do chamado PartidoBrasileiro.

Por esse motivo, a maioria dos integrantes desse grupo vivia na região

Centro-Sul, nas proximidades da cidade do Rio de Janeiro. Desse modo, o

processo de independência foi conduzido pelas lideranças do Centro-Sul

e obedeceu aos interesses específicos desse grupo e dessa região.

ATENÇÃO

Já frisamos que não houve um movimento nacional de independência, pois não

havia unidade e tampouco havia interesses comuns entre as diferentes regiões que

compunham a parte americana do Império português até o ano de 1822. O único

elo entre essas diferentes regiões era o fato de todas serem parte de um mesmo

todo — o Império Português.

Com a condução vitoriosa do processo de independência a partir do

Centro-Sul, rompeu-se a ligação entre as partes: herdeiro de um nome,

Brasil, e de um território, aquele que um dia pertenceu ao Império por-

tuguês, ou seja, a América Portuguesa, D. Pedro I tentaria, a partir de

então, reconstituir essa ligação, conferindo a ela um novo significado.

3 “Sois reis! Sois reis!” A construção do Brasil imperial

COMENTÁRIO

Brasil

O processo de construção da nação

brasileira, bem como de uma identidade

comum a todos os brasileiros, teria o seu

pontapé inicial alguns anos após a consu-

mação da independência política. Desse

modo, não houve coincidência ou simulta-

neidade entre os processos de formação

do Brasil e da nação brasileira, pois eles

ocorreram em momentos diferentes.

CURIOSIDADE

Partido Brasileiro

Formado, sobretudo, por aqueles que ob-

tiveram algum tipo de ganho ou de am-

pliação de oportunidades com o desloca-

mento do eixo do Império português para a

cidade do Rio de Janeiro.

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capítulo 3 • 59

IMAGEM

D. Pedro I – pintura de Jean Baptiste Debret

Um aspecto importante relativo ao momento pós-independência é que, uma vez que

não havia entre as regiões coloniais da América Portuguesa um sentido de unidade política,

cultural ou histórica preexistente à independência do Brasil, havia uma grande possibilida-

de de que aquele território que por três séculos pertencera a Portugal se fragmentasse após

a separação de sua antiga metrópole.

REFLEXÃO

Da mesma forma como ocorreu na América Espanhola, em que os antigos vice-reinados foram transfor-

mados em países independentes ao longo do século XIX, a América Portuguesa poderia ter dado lugar a

diferentes países independentes entre si. Por que isso não ocorreu no Brasil? Essa é uma pergunta para a

qual muitos historiadores têm buscado uma resposta.

Uma das respostas possíveis para essa pergunta está associada à atuação de dois homens

proeminentes nesse começo de século: D. Pedro I e

José Bonifácio. Estes puseram em prática, nos primei-

ros anos de governo imperial, um projeto de constru-

ção de um novo vínculo entre essas regiões, a partir do

Centro-Sul do Brasil, e não mais a partir de Lisboa.

Iniciava-se naqueles anos a formação do Império do Brasil.

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60 • capítulo 3

IMAGEM

José Bonifácio

Nesse processo de construção de uma nova unidade política entre as regiões da antiga

América Portuguesa, houve grande resistência. Como já foi estudado, nem todas as regiões

coloniais pretendiam romper com o Império Português e incorporar-se ao novo país em

gestação naquele momento. Em regiões como a Bahia e o Grão-Pará, a incorporação ao Im-

pério do Brasil foi feita por meio do recurso à força: tropas militares foram enviadas por D.

Pedro para lutar contra os descontentes, favoráveis aos revolucionários do Porto.

Para alcançar o objetivo de transformar as desintegradas regiões que compuseram o Brasil

colonial em um todo unificado que constituiria o Império do Brasil, seria necessário um go-

verno forte e centralizador, capaz de impor a sua autoridade às regiões descontentes do novo

império. Assim pensava José Bonifácio de Andrada, um dos principais conselheiros do rei.

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capítulo 3 • 61

COMENTÁRIO

Vamos ver o que o próprio Bonifácio afirmou sobre esse mesmo assunto:

“(...) preguei a independência e liberdade do Brasil, mas uma liberdade justa e sensata debaixo das formas tute-

lares da Monarquia Constitucional, único sistema que poderia conservar unida e sólida essa peça majestosa e

inteiriça de arquitetura social desde o Prata ao Amazonas, qual a formara a mão onipotente e sábia da divindade.”

Desse modo, durante todo o período de governo de D. Pedro, chamado de Primeiro Reinado,

políticas centralizadoras foram adotadas pelo monarca com o objetivo de viabilizar a constru-

ção de um país unificado, cujas fronteiras fossem correspondentes às da América Portuguesa.

COMENTÁRIO

Tudo isso será discutido de forma mais detalhada ao longo deste capítulo. Entretanto, antes de partirmos

para uma análise mais aprofundada sobre os aspectos destacados anteriormente, cabe esclarecer alguns

pontos importantes e pertinentes à nossa reflexão.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a oposição à política centralizadora de

D. Pedro I não apareceu apenas nas regiões ao norte do Império que, desde o processo de

independência, estiveram alinhadas ao Partido Português. Havia diferentes grupos em dis-

puta, com projetos distintos de nação para o Brasil.

Nos momentos imediatamente após o processo de independência já era possível perce-

ber a formação de grupos que discordavam quanto à forma política que o novo país deveria

assumir. Entre todos eles, que vamos descrever melhor adiante, dois se destacavam: o gru-

po encabeçado por José Bonifácio e o grupo liderado pelo jornalista Gonçalves Ledo.

O primeiro, capitaneado por José Bonifácio, defendeu a separação política entre os rei-

nos do Brasil e de Portugal e a adoção da monarquia constitucional.

O outro grupo, liderado pelo jornalista Gonçalves Ledo, também se posicionara favorá-

vel à separação entre os reinos à época da independência, e defendia a monarquia consti-

tucional. Mas, se ambos concordavam nessas questões fundamentais, qual era o ponto de

discordância entre esses dois grupos?

As diferenças entre esses dois grupos, um chamado de aristocratas e o outro de democra-

tas, estavam ligadas à questão da distribuição de poderes entre o Executivo e o Legislativo,

que poderiam dar ao governo de D. Pedro uma feição mais centralizadora ou uma feição

mais descentralizada.

Mas antes de continuarmos nosso raciocínio, vamos compreender um pouco melhor

essas ideias?

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62 • capítulo 3

Aprendemos no capítulo anterior que um dos legados da Revolução

Francesa foi a difusão das ideias liberais por todo o continente europeu.

O movimento que pôs fim ao Antigo Regime na França e que defendia

ideias como a igualdade perante a lei, a limitação do poder do rei por

meio de uma constituição, a separação entre a Igreja e o Estado e a ga-

rantia das liberdades individuais aos cidadãos serviu de inspiração a

inúmeros movimentos semelhantes que ocorreram na Europa e até

mesmo nas Américas ao longo do século XIX.

EXEMPLO

Os casos da Espanha e de Portugal são exemplos de quanto as ideias liberais cir-

culavam pelo continente naqueles anos. De acordo com essas ideias, em governos

constitucionais, as liberdades dos indivíduos seriam mais bem preservadas, pois os

reis deveriam obedecer a uma Constituição, e, portanto, não teriam mais poderes

ilimitados. Os cidadãos, por sua vez, teriam direitos iguais e estariam submetidos ao

mesmo conjunto de regras, independentemente da origem social ou das preferên-

cias pessoais do governante. Nesse formato, ricos e pobres, nobres e burgueses

teriam os mesmos direitos perante a lei.

Outro princípio bastante valorizado era o da separação entre os poderes:

difundido com base na obra do iluminista francês Montesquieu, ele atestava

os benefícios da separação dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário.

Os três poderes seriam independentes entre si e garantiriam a manuten-

ção de um sistema de equilíbrio, em que não haveria excessos de nenhuma

das partes. Ao rei caberia o comando do poder Executivo. Ele executaria a lei e

os projetos aprovados pelo Legislativo.

Os representantes do povo, eleitos por meio do voto, comporiam o poder

Legislativo, que seria exercido em um parlamento, uma assembleia, ou em

órgãos como o senado e as câmaras de deputados. Aos integrantes do poder

Legislativo caberia a elaboração e a votação das leis. O judiciário seria exerci-

do por juízes e demais juristas, responsáveis pela aplicação da lei e pelo julga-

mento daqueles que não as cumprissem.

ATENÇÃO

Na prática, o equilíbrio entre os poderes variava de acordo com a correlação de forças

de cada sociedade: quanto maior a soma de poder que cabia ao Executivo, mais cen-

tralizado seria o governo. Ao contrário, se nesse equilíbrio de poderes prevalecesse o

poder Legislativo, mais descentralizado seria o governo, maior seria a participação dos

representantes do povo e mais autonomia teriam as regiões em relação ao poder central.

Como as ideias vinculadas ao grupo dos democratas contrariavam

o projeto de nação defendido por homens fortes do governo, como José

Bonifácio, e também contrariavam a própria vontade de D. Pedro, seus mem-

CURIOSIDADE

Legado

Patrimônio material ou espiritual que se

deixa para a posteridade.

COMENTÁRIO

Liberdade

Como a liberdade religiosa, a liberdade

de expressão e a liberdade econômica.

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capítulo 3 • 63

bros foram sendo isolados de uma efetiva participação política. Em 1823,

quando se formou no Brasil uma Assembleia Constituinte com o objetivo de

redigir a Constituição a ser jurada por D. Pedro I, os democratas não puderam

participar desse processo.

Mesmo excluídos os democratas, as divergências persistiam quanto à for-

ma que deveria assumir o governo do Brasil: entre os integrantes do Partido

Brasileiro, que no futuro ficariam conhecidos como os liberais moderados,

ainda era forte a defesa da prevalência do poder Legislativo no governo de D.

Pedro. Assim, esse grupo era favorável a um governo mais descentralizado do

que desejava o imperador, com maior participação do povo.

Os homens do povo possuíam plenas condições para o exercício de sua

cidadania no Brasil do século XIX, ou seja, podiam participar da vida política

do país, alguns apenas na condição de eleitores e outros como eleitores e pos-

síveis candidatos aos cargos do Legislativo da época. Voltaremos a esse ponto

quando analisarmos mais detidamente a Constituição de 1824.

Para melhor compreendermos as diferentes visões e posicionamentos

políticos do período, vamos observar a tabela a seguir?

Partido Brasileiro durante o processo de independência

Formado por aqueles que se posicionaram

contra a Revolução do Porto como aqueles

que obtiveram benefícios com o deslocamen-

to da sede do Império para o Rio de Janeiro.

Os absolutistas, que eram contra a submissão

do rei a uma Constituição, também integra-

vam esse grupo naquele momento.

Partido Brasileiro após o processo de independência

Composto tanto por aqueles que defendem

um modelo de monarquia constitucional com

Executivo forte, como é o caso de José Bo-

nifácio, quanto pelos que defendem um go-

verno mais descentralizado, com mais peso

para o poder Legislativo.

Partido Português durante o processo de independência

Do Partido Português faziam parte aque-

les que se identificavam com a Revolução

do Porto e, portanto, eram favoráveis ao

retorno do rei a Portugal e às demais exi-

gências dos revolucionários.

CURIOSIDADE

Povo

É importante ressaltar que, quando fala-

mos de povo, não estamos nos referindo

à população mais humilde, pois, assim

como no caso do conceito de brasilei-

ro, o significado de povo no século XIX

era diferente de seu significado atual.

Naquela época, o termo povo referia-se

apenas à chamada boa sociedade, com-

posta pelos homens livres e proprietá-

rios de terras e de escravos.

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64 • capítulo 3

Partido Português após o processo de independência

Os portugueses que permaneceram no Brasil

e não aderiram à independência, declarando-

se brasileiros, os que defendiam a reunifica-

ção entre os reinos do Brasil e de Portugal

e ainda os absolutistas, que migraram para o

Partido Português após a derrota da Revolu-

ção do Porto em Portugal.

Agora que já conseguimos identificar melhor as mudanças ocorridas

nos partidos Português e Brasileiro após o processo de independência,

vamos retomar o nosso raciocínio?

RESUMO

Como já foi dito nas páginas anteriores, nem todos concordavam quanto à melhor

forma de governo que o Brasil deveria adotar após a sua separação de Portugal:

alguns, chamados de exaltados, defendiam a República, mas não eram muito nume-

rosos e por isso não faziam tanto barulho.

Os absolutistas defendiam a forma de governo em que os poderes

estão todos concentrados nas mãos do rei, e por isso eram contra a mo-

narquia constitucional.

Entre os defensores da Constituição, também havia diferenças: os

democratas eram favoráveis a um governo mais descentralizado, com

predominância do poder Legislativo e acabaram perdendo espaço den-

tro do Partido Brasileiro.

Já os aristocratas, liderados por José Bonifácio, eram favoráveis a um

Executivo forte, um governo centralizado, que permitisse ao monarca

brasileiro impor a sua autoridade e, assim, garantir a unidade do antigo

território português nas Américas.

Para os adeptos dessas ideias, no processo de construção do Império

do Brasil, era necessária a centralização do poder nas mãos do rei. Mas

o que é um Império? Você conhece o significado dessa palavra? Você sa-

beria diferenciar um império de um reino?

Quando analisamos os grandes impérios que existiram ao longo da

história, percebemos que todos eles tinham algo em comum: a sua voca-

ção expansionista. Todos promoveram, ao longo de sua existência, gran-

des e bem-sucedidas expedições militares, conquistando novas terras e

povos, e tornando-se muito poderosos.

REFLEXÃO

Foi assim durante o Império Romano, no Império Português das grandes navega-

ções, e em tantos outros exemplos. Mas se os impérios possuem essa característica,

o que faria do Brasil recém-independente um Império, como sugere o seu nome?

CURIOSIDADE

Democrata

Que professa princípios democráticos.

Democracia

Forma de governo na qual o povo exer-

ce a sua soberania por meio de repre-

sentantes eleitos pelo voto.

CURIOSIDADE

Aristocrata

Pertencente à aristocracia; nobre.

Aristocracia

Governo no qual o poder é monopolizado

por um grupo de pessoas privilegiadas.

CURIOSIDADE

Império

Forma de Estado governada por impe-

rador ou imperatriz; conjunto de países

sujeitos ao poder de um imperador.

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capítulo 3 • 65

De acordo com o historiador Ilmar Mattos, José Bonifácio e o grupo representado por ele,

juntamente com D. Pedro, estavam diretamente envolvidos no processo de construção do

Império do Brasil e para isso precisaram promover uma expansão diferente: no caso brasi-

leiro, a expansão seria “para dentro” do território que um dia compôs a América Portuguesa.

Desse modo, o Brasil do pós-independência não seria um império graças à conquista de terri-

tórios vizinhos, como os da atual Argentina, Paraguai, Uruguai, entre outros exemplos.

O Brasil seria um império porque precisou expandir-se para dentro do antigo território

português, conquistando e trazendo as regiões do Norte e do Sul, não identificadas desde

o início com o projeto de nação pensado no Centro-Sul, para o seio desse novo país em

construção: o Brasil. Era necessário, portanto, fortalecer o poder Executivo, para que o im-

perador pudesse dispor de plenos poderes e, assim, colocar em prática o projeto idealizado

por esse grupo: a construção do Império do Brasil.

Desse modo, o processo de construção do Império do Brasil e, por consequência, da

nação brasileira, a “expansão para dentro”, tem início no governo de D. Pedro I e é possibi-

litada pela ação centralizadora do imperador.

COMENTÁRIO

Para concluir a reflexão sobre os diferentes matizes do pensamento político no pós-independência, sugiro

a observação atenta do significado das palavras aristocrata e democrata. É possível que já possa com-

preender por que esses grupos foram nomeados dessa forma: os democratas foram os que defenderam,

entre os grupos estudados, maior participação do povo na política, enquanto os aristocratas defendiam um

governo mais restrito à participação popular.

Por esse motivo, como vimos, os democratas acabaram apartados de todo o processo de

elaboração da Constituição. Entretanto, mesmo entre os ditos democratas, a defesa da de-

mocracia não era tão evidente, pelo menos da forma como nós entendemos a democracia

atualmente, pois em ambos os formatos a maioria esmagadora da população permanece-

ria impossibilitada de qualquer tipo de participação política.

De toda a forma, as discussões e os desentendimentos entre os constituintes dificulta-

vam o andamento da Assembleia. Como não se chegava a um acordo quanto à distribuição

dos poderes entre o Executivo e o Legislativo, parecia cada vez mais difícil a tarefa de elabo-

ração de uma Constituição para o país. Além do desagrado causado pelo interesse dos in-

tegrantes do Partido Brasileiro na limitação dos poderes do rei, havia ainda outros motivos

de desentendimentos, como a tentativa dos brasileiros de impedir que os portugueses que

não declarassem apoio explícito à independência tivessem direitos políticos.

A Constituição de 1824 e suas repercussões

Diante dessa situação, em novembro de 1823, o Imperador Pedro I, em uma atitude carre-

gada de autoritarismo, fecha a assembleia constituinte e nomeia um Conselho de Estado

para ajudá-lo na elaboração de uma nova Constituição, sem a participação dos membros da

Assembleia, diminuindo sua representatividade.

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66 • capítulo 3

Tendo sido produzida pelo Imperador e pelos conselheiros escolhi-

dos por ele, a Constituição foi outorgada em 1824. Você sabe a diferença

entre as palavras promulgada e outorgada?

Quando uma carta constitucional é elaborada por representantes do

povo eleitos para o exercício do poder Legislativo que lhes compete e o

governante apenas a assina, comprometendo-se a obedecê-la e, ao mes-

mo tempo, aprovando-a, dizemos que a Constituição foi promulgada.

Quando, no lugar, a Carta é imposta ao povo de forma autoritária,

sem que seus representantes tenham participado de sua elaboração, di-

zemos que a Constituição foi outorgada.

E foi assim que ocorreu com a Constituição de 1824: elaborada sem

a participação dos constituintes, ela foi recebida com desagrado por boa

parte dos cidadãos e súditos desse império em construção, que denun-

ciavam o autoritarismo das medidas do imperador.

Além disso, seu conteúdo contrariava os interesses de boa parte dos

integrantes do Partido Brasileiro, bem como daqueles homens e mulhe-

res que ainda resistiam à tentativa de incorporação de suas regiões ao

Império do Brasil.

A balança de equilíbrio na Carta outorgada por D. Pedro I pendia

para os poderes do Executivo, garantindo ao monarca um governo cen-

tralizado, que lhe permitiria dar continuidade ao seu projeto imperial,

como discutimos nas páginas anteriores.

EXEMPLO

Entre as principais características da Carta de 1824, podemos citar:

• A consagração do modelo de monarquia unitarista, na qual o imperador nomeia

os presidentes de província, subordinando-os diretamente à autoridade central.

Isso desagradou algumas regiões, pois foi interpretado como um desrespeito às

autonomias locais;

• A instituição do padroado, segundo o qual a Igreja Católica no Brasil ficava subor-

dinada à autoridade real;

• O sistema eleitoral indireto e censitário, que excluía uma grande parcela da popu-

lação do direito ao voto e a divisão de poderes, não em três, como na teoria de Mon-

tesquieu, mas em três mais um, que estaria acima desses três e que seria exercido

exclusivamente pelo imperador: o Poder Moderador.

Vamos ler alguns trechos originais da Constituição de 1824, para

melhor compreendermos os impactos gerados por ela em toda a socie-

dade da época?

CURIOSIDADE

Autoritário

Diz-se de pessoa que quer ser obede-

cida sem discussão; diz-se de governo

não democrático.

CURIOSIDADE

Promulgar

Tornar público, expedir, publicar ofi-

cialmente.

Outorgar

Conferir, dar. O imperador outorgou-

lhe o título de Barão.

CURIOSIDADE

Federalismo

Forma de governo em que os estados

reconhecem o poder central, mas man-

têm a autonomia de cada um.

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capítulo 3 • 67

Segundo o documento outorgado por D. Pedro:

(...) o Império é a associação política de todos os cidadãos brasileiros; o seu governo é mo-

nárquico, hereditário, constitucional e representativo; são cidadãos brasileiros: os que no

Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos (...) , todos os nascidos em Portugal

e suas possessões, que sendo já residentes no Brasil na época em que se proclamou a

independência (...) , aderiram a esta.

Vejamos como a Constituição de 1824 define o poder moderador:

O poder moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente

ao imperador, (...) para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência,

equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos.

Observe o organograma da Constituição de 1824: ele permite visualizar melhor a estru-

turação político-administrativa imposta pelo imperador com o documento.

Poder moderadorIMPERADOR

Autoritarismo

Nomeia os membros vitalícios do

CONSELHO DE ESTADO

CONSELHOSGERAIS

CÂMARASMUNICIPAIS

Unitarismo

Nomeia os presidentes de

PROVÍNCIA

Nomeia as autoridadeseclesiásticas da

IGREJA OFICIAL CATÓLICAAPOSTÓLICA ROMANA

Padroado

Nomeia e destituios ministros do

PODER EXECUTIVONomeia e suspende

os ministros do

Poder LEGISLATIVO

Aprova ou não asdecisões da

Convoca ou dissolve aCÂMARA DOSDEPUTADOS

Unitarismo

ASSEMBLEIA GERAL

SENADO VITALÍCIONomeia o

PODER JUDICIÁRIO

Baseado no organograma de Ilmar Rohloff de Mattos et al. Brasil — uma história dinâmica, p.22.

As insatisfações e reações à Constituição logo se fizeram sentir: em 1824, mesmo ano de

sua outorga, explodiu um movimento contestatório em uma das regiões de maior ebulição

do império.

EXEMPLO

Palco da Revolução Federalista de 1817 e alinhada aos portugueses durante a Revolução do Porto, Per-

nambuco era um dos exemplos mais fortes de que o projeto de constituição de um novo império comanda-

do a partir do Centro-Sul não seria facilmente implantado, pois a sua aplicação resultaria no sufocamento

das identidades e das autonomias locais.

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68 • capítulo 3

Por isso, em Pernambuco, onde a chama do autogoverno esteve acesa alguns anos an-

tes, a notícia de que o rei nomearia um presidente de província para a região, desconside-

rando a indicação da câmara municipal local, foi o estopim para o início do movimento

nomeado de Confederação do Equador.

Entre as lideranças do movimento, que pretendia separar-se do Império do Brasil e for-

mar um novo país composto por uma confederação de estados da qual fariam parte as pro-

víncias da Bahia até o Grão-Pará, estavam o mestiço Natividade Saldanha e frei Joaquim do

Amor Divino Rabelo e Caneca, mais conhecido como frei Caneca.

IMAGEM

Frei Caneca

A outorga de uma Constituição vista como autoritária e o desrespeito à autonomia local

reavivou os pendores federalistas da região, comprometendo o projeto unificador do im-

perador D. Pedro I. A essa tentativa de secessão o imperador reagiu com firmeza, enviando

tropas e militares que conseguiram derrotar os descontentes.

ATENÇÃO

É importante ressaltar que também foi importante para a vitória das tropas enviadas pelo imperador o apoio

dado a elas por um grupo formado por proprietários de terras e de escravos, e também pelos comerciantes

portugueses, para quem as ideias de liberdade e de igualdade propagadas pelo grupo eram um sinal peri-

goso, pois poderiam colocar em risco a “manutenção da ordem” em sua região.

A reação desencadeada a partir da capital do império, com o apoio de grupos locais, en-

terrou novamente o sonho federalista acalentado nas províncias do Norte do império: frei

Caneca, símbolo da resistência local, foi fuzilado, a mando do governo, em 1825.

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capítulo 3 • 69

A crise do Primeiro Reinado

A essa altura, você já deve ter percebido que a tarefa de governar e de,

ao mesmo tempo, promover a unidade política do Brasil recém-inde-

pendente não foi nada fácil para o imperador: acusado de autoritarismo

pelo grupo que mais tarde seria conhecido como o dos liberais modera-

dos, D. Pedro enfrentava ainda a oposição daqueles que lhe acusavam

de privilegiar os interesses portugueses, concedendo a eles benefícios e

vantagens das quais a população local não desfrutava.

Aliás, é sempre importante ressaltar que, nos primeiros anos após

a emancipação política do Brasil, cresceu imensamente o sentimento

antilusitano entre a população, ainda impactada pelas divergências que

resultaram na separação entre os reinos do Brasil e de Portugal.

ATENÇÃO

Isso não quer dizer que o antilusitanismo de parte da população significasse o

fortalecimento do nacionalismo, do sentimento de pertença à nação brasileira.

Na verdade, o processo de constituição da identidade nacional bra-

sileira teve início no período pós-independência e esteve em curso ao

longo do século XIX, encontrando-se consolidado apenas em meados e

fins desse século. A oposição aos portugueses ocorreu, em muitos casos,

por causa do controle desse grupo sobre o comércio local em algumas

regiões do Império, o que criava conflitos e ressentimento da população

local em relação aos portugueses, sobretudo àqueles que não declara-

ram apoio explícito à causa da independência.

Desse modo, as críticas à postura centralizadora e autoritária do Im-

perador, somadas ao descontentamento causado pelos supostos privilé-

gios concedidos por ele aos portugueses, em um momento de marcado

sentimento antilusitano, contribuíram para fragilizar o governo de D.

Pedro I, pois abalavam a sua popularidade.

Esse quadro foi agravado pelo envolvimento do imperador em dois

conflitos bélicos: a guerra da Cisplatina e as disputas ligadas à sucessão

do trono português.

CURIOSIDADE

Você sabia que a região correspondente ao atual Uruguai foi parte do Reino, e poste-

riormente do Império do Brasil por aproximadamente onze anos, entre 1817 e 1828?

Durante o período Joanino, a região da Cisplatina foi incorporada ao

Reino do Brasil com o nome de Banda Oriental. Em 1825, teve início na

região um movimento liderado por uruguaios desejando a separação do

Império governado por D. Pedro I e a incorporação da região à Argentina.

CURIOSIDADE

Antilusitano

Diz-se daquilo ou daquele que é contra

os portugueses.

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70 • capítulo 3

O Brasil reagiu decretando guerra ao vizinho portenho, em um conflito que terminou

três anos depois com a decretação da independência da região, que deu origem à Repúbli-

ca Oriental do Uruguai, em 1828. O envolvimento do Brasil no conflito provocou inúmeras

críticas ao imperador, em razão da sobrecarga de impostos cobrados pelo império para

custear a participação do país nessa guerra.

A outra razão para o endividamento do governo brasileiro causava ainda mais revolta

entre a população: com a morte de D. João VI, teve início em Portugal a disputa pelo trono

português envolvendo a filha de D. Pedro, D. Maria da Glória, que era a sucessora legítima

ao trono, e o irmão de D. Pedro, D. Miguel.

Disposto a intervir em favor da filha no conflito dinástico português, D. Pedro enviou re-

cursos e mobilizou esforços para garantir a sua posse, contribuindo para acirrar ainda mais

os ânimos no grupo dos brasileiros, cada vez mais insatisfeito com as ações do imperador.

ATENÇÃO

Todos esses elementos reunidos potencializaram o clima de tensão e de oposição ao governo de D. Pedro

I que, pressionado, reagiu de forma inesperada: abdicou ao trono do Império do Brasil em favor de seu filho

mais velho, à época com cinco anos, e retornou ao continente europeu para disputar com o irmão o trono a

que tinha direito hereditário. Em 1831, nove anos após o início de seu reinado no Brasil, D. Pedro retornava

a Portugal, mas deixava o poder nas mãos de seu herdeiro, o futuro D. Pedro II.

O Segundo Reinado

D. Pedro II reina, mas não governa: o período regencial

Vejamos o que afirma o historiador José Murilo de Carvalho sobre o período da história do

Brasil conhecido como Segundo Reinado, que vai do ano de 1831 até o ano de 1889.

COMENTÁRIO

Entre 1831 e 1889, o Brasil consolidou sua independência, garantiu a unidade da antiga colônia portu-

guesa, definiu suas relações com os países vizinhos no rio da Prata, fundou uma monarquia constitucional

representativa, manteve a liberdade de imprensa e a competição partidária, deu os primeiros passos na

industrialização e, embora muito lentamente, livrou-se do trabalho escravo [...].

A afirmação acima já nos permite entrever alguns dos aspectos marcantes do período

em que D. Pedro II governou o Brasil: em seu reinado, houve inúmeras rebeliões populares

e elitistas, que puseram em risco o projeto de construção de um Brasil unificado, como so-

nhara seu pai. Houve também nesses anos:

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capítulo 3 • 71

O acirramento das tensões entre o Brasil e a Inglaterra.

A consolidação do processo de construção da nação brasileira.

As disputas envolvendo liberais e conservadores pelo protagonismo na política nacional.

A decretação da proibição do tráfico de escravos.

O envolvimento do Brasil na Guerra do Paraguai.

A abdicação de D. Pedro I, reagindo às pressões vindas principalmente do grupo dos

brasileiros, que deram origem aos chamados liberais moderados, pegou a todos de surpre-

sa: mesmo os críticos mais impiedosos do imperador provavelmente não esperavam uma

decisão tão drástica de sua parte.

Após um primeiro momento de surpresa e, em alguns casos, de festejos e hostilidades

em relação aos portugueses, percebeu-se que a saída do imperador deixava o governo sem

um comando. Isso porque, seu filho mais velho, o próximo na linha de sucessão, tinha na

época apenas cinco anos. Diante desse quadro, o congresso reuniu-se para eleger uma re-

gência trina que, como o nome sugere, seria composta de três governantes responsáveis

pela condução política do país até que o imperador tivesse idade para assumir o comando

do Império do Brasil.

ATENÇÃO

Ressalte-se que a forma de governo do país permaneceu sendo uma monarquia, e que D. Pedro, àquela épo-

ca apenas uma criança, já reinava, mas ainda não tinha condições de governar, sendo, portanto, necessária a

organização de um governo regencial nesse ínterim.

D. Pedro II aos 12 anos

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72 • capítulo 3

RESUMO

No início deste capítulo, discutimos de forma muito cuidadosa como o rei D. Pedro I e o aristocrata José

Bonifácio pretendiam, após o processo de independência, fazer do Brasil um Império constituído pelas

mesmas regiões que no passado compunham a América Portuguesa.

Para que isso ocorresse, foi necessário o que o historiador Ilmar Rohloff de Mattos chamou de “expansão

para dentro”, e que poderia ser traduzido na integração das demais regiões pertencentes ao antigo Império

português ao novo país que se formava a partir do Centro-Sul do Brasil.

É bem verdade que essa integração nem sempre ocorreu de forma voluntária ou natural: algumas regiões

demonstraram resistência à sua inclusão nesse novo Império, e foi necessário o uso da força para garantir

que o projeto imperial de D. Pedro obtivesse êxito.

Vimos também que a política centralizadora do imperador, muitas vezes criticado pelo seu autoritarismo,

esteve diretamente relacionada ao interesse na promoção de unidade política entre essas regiões distintas

e distantes do Brasil pós-independência. Como é possível imaginar, passados apenas nove anos da for-

malização da independência do Brasil, o projeto de nação assumido por D. Pedro ainda estava em curso: o

que mantinha as regiões do império do Brasil unidas era, justamente, a força centrípeta que vinha do Rio

de Janeiro, em decorrência da política centralizadora do imperador.

Ora, com a abdicação de Pedro I, como evitar o perigo de fragmentação do território brasileiro? Como sufo-

car o desejo tão evidente em algumas regiões de maior autonomia local? Como garantir a “manutenção da

ordem” na ausência de um governo forte? Essas são as questões que terão de ser enfrentadas pela elite

senhorial que assumiu o controle político da nação após o retorno de D. Pedro a Portugal.

A ausência do rei possibilitará o crescimento do grupo político favorável a uma maior

descentralização do poder e, com uma estrutura política mais descentralizada, o Império

do Brasil tornou-se mais vulnerável às inúmeras revoltas que estouraram de Norte a Sul do

país, algumas de caráter separatista, colocando a unidade do país em risco.

Por fim, o medo de que essas revoltas “levassem à anarquia”, ou seja, provocassem a

dissolução do império e a alteração sua estrutura social, baseada na grande propriedade

e na escravidão, levou os membros das elites, que se dividiam em liberais e conservadores

e tinham divergências políticas, a chegarem a um acordo, em meados do século XIX, já no

governo de Pedro II. Por essa razão, a alternância entre os gabinetes liberal e conservador

e a semelhança na forma como ambos governavam será a prova de que chegara ao fim o

período de disputas internas.

Em tais circunstâncias, o país entrava em uma nova fase, marcada pela estabilização po-

lítica e pela consolidação do sentimento de pertencimento à nação brasileira. A identidade

nacional já aparecia, fortalecida pelo surgimento de uma História pátria, de uma língua

portuguesa distinta daquela falada na antiga metrópole, enriquecida pelos vocábulos de

origem indígena e pela própria literatura romântica indianista, que exaltava as virtudes do

índio, o símbolo legítimo da brasilidade.

Nesse mesmo processo, em que, na intenção de se constituir uma identidade nacional

para o Brasil, a herança indígena foi ressaltada, e houve o apagamento da herança africana,

pois em uma sociedade profundamente marcada pela escravidão, a cultura africana era

vista como um elemento negativo, a ser descartado, consciente ou inconscientemente.

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capítulo 3 • 73

REFLEXÃO

Entretanto antes de discutirmos melhor o Brasil de meados do século XIX, vamos analisar mais de perto o

chamado Período Regencial?

Com a partida do rei de volta a Portugal (1831), tinha início no Brasil um momento de

intensa instabilidade: de um lado, absolutistas, liberais moderados e exaltados discutiam

e disputavam o controle político do país; de outro, manifestações explícitas de antilusita-

nismo resultavam em cenas de violência e aumentavam o clima de tensão em toda a parte.

À medida que chegava a notícia da abdicação nas províncias mais distantes, aumenta-

vam consideravelmente os conflitos vivenciados entre portugueses e a população local, e os

ânimos daqueles que sempre defenderam mais autonomia regional se exaltavam.

Já nos primeiros anos de período regencial, houve inúmeras revoltas populares, deixan-

do claro que o momento político vivido no Brasil daqueles anos era delicado.

Foi nesse contexto que o grupo dos liberais moderados, integrantes do Partido Brasilei-

ro durante o Primeiro Reinado, ganhou maior destaque na política nacional, e conseguiu

aprovar medidas que resultaram na descentralização do governo, garantindo maior auto-

nomia às regiões e comprometendo a possibilidade de o governo central reagir com força

às tantas revoltas que marcaram esse período.

A tabela ajuda a compreender melhor a composição partidária durante todo o perí-

odo regencial.

LIBERAIS EXALTADOS“FARROUPILHAS”

1831-1834

PROGRESSISTAS

REGRESSISTAS

PARTIDO LIBERAL

PARTIDO CONSERVADOR

LIBERAIS MODERADOS“CHIMANGOS”

RESTAURADORES

1835-1837 1837-1870

Naquele contexto, o próprio clima era mais suscetível à vitória dos grupos favoráveis à

descentralização, pois o tempo em que o imperador impunha uma política centralizadora

ainda estava muito vivo na memória daqueles homens, que poucos anos antes faziam forte

oposição ao que consideravam as medidas autoritárias do rei.

No entanto, a defesa de uma estrutura política mais descentralizada não significava que

os liberais questionassem a ordem social em que viviam. Ao contrário, a manutenção da or-

dem pública e o perigo da fragmentação do país estiveram entre as maiores preocupações

do grupo. Assim, é nesse contexto que é criada, ainda em 1831, a GuardaNacional.

Os comandantes da Guarda, chamados de Coronéis, eram, em muitos casos, aqueles

que já possuíam o controle político de suas regiões, sendo a eles concedida maior autono-

mia, ou seja, menor intervenção do governo central na resolução de conflitos locais.

Do ponto de vista do ambiente político provocado pela abdicação, o formato mais des-

centralizado assumido pela guarda estava de acordo com as demais ações que marcaram a

primeira fase do período regencial. Em 1834, houve nova vitória do grupo dos liberais mo-

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74 • capítulo 3

derados: três anos após o retorno de D. Pedro a Portugal, era aprovada

uma reforma constitucional, a única em todo o Império que tornaria a

estrutura política do país mais descentralizada.

COMENTÁRIO

Nas palavras de José Murilo de Carvalho:

“A Constituição foi reformada em 1834 por um Ato Adicional votado pela Câmara,

que recebera para isso mandato especial dos eleitores. Foi a única reforma constitu-

cional feita durante o Império. O Ato Adicional concedeu às províncias assembleias

e orçamentos próprios e deu a seus presidentes poderes de nomeação e transfe-

rência de funcionários públicos, mesmo quando pertencentes ao governo geral. O

novo sistema só não era plenamente federal porque os presidentes (de província)

continuavam a ser indicados pelo governo central”.

Além das medidas já relatadas, que garantiam às regiões mais auto-

nomia em relação ao poder central, outro importante elemento que ga-

rantia ao imperador o poder de controlar mais de perto as regiões e pro-

víncias imperiais foi abolido pelo Ato Adicional: o ConselhodeEstado.

REFLEXÃO

Além disso, é importante lembrar que o próprio poder moderador, por ser de uso

exclusivo do monarca, não vigorava durante o período regencial. Por todos esses

motivos, o governo da regência teve como característica marcante o menor controle

do poder central sobre as regiões integrantes do Império do Brasil e isso possibilitou

o surgimento e o fortalecimento de inúmeras revoltas de Norte a Sul do país, como

é possível observar na tabela.

PROVÍNCIA

CABANAGEM

NOME DATA LÍDERES FATOS CAUSAS PRINCIPAIS

SABINADA

BALAIADA

PARÁ

BAHIA

MARANHÃO

1833-36

1837-38

1833-41

DR. SABINOÁLVARES

MANUEL "BALAIO",RAIMUNDO GOMES,

COSME

MALCHER,VINAGRE,ANGELIM

REVOLTA DOS LIBERAIS CONTRA O PRESIDENTE

NOMEADO PELO GOVERNO REGENCIAL; SITUAÇÃO DE MISÉRIA DOS CABANOS.

DOMÍNIO SOBRE BELÉM DURANTE UM ANO E LUTAS NO INTERIOR; MORTE DE 40% DA

POPULAÇÃO DA PROVÍNCIA.

INSATISFAÇÃO COM AS AUTORIDADES IMPOSTAS

PELA REGÊNCIA.

INSATISFAÇÃO COM O PRESIDENTE NOMEADO

PELA REGÊNCIA E REVOLTA DE VAQUEIROS,

FAZEDORES DE BALAIOS E ESCRAVOS FUGIDOS.

ORGANIZAÇÃO DA REPÚBLICA BAHIENSE.

CONQUISTA DA VILA DE CAXIAS; ANISTIA AOS

REVOLTOSOS.

CURIOSIDADE

Guarda Nacional

É inspirada no modelo francês das milí-

cias cidadãs, segundo o qual as respon-

sabilidades pela garantia da ordem pú-

blica deveriam ser repassadas a quem

tinha muitos motivos para preservá-la:

os proprietários de terras e de escravos.

CURIOSIDADE

Conselho de Estado

O Conselho de Estado era formado por

políticos indicados pelo próprio Impe-

rador. Suas inúmeras atribuições pos-

sibilitavam um controle mais efetivo do

monarca sobre os mais variados aspec-

tos de seu governo, contrariando os de-

sejos de maior autonomia tão evidentes

em algumas regiões.

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capítulo 3 • 75

PROVÍNCIANOME DATA LÍDERES FATOS CAUSAS PRINCIPAIS

MALÊS

FARROUPILHA

BAHIA

RIO GRANDEDO SUL

1835

1835-1845

ESCRAVOS MALÊS

BENTO GONÇALVES;GIUSEPPE

GARIBALDI.

REAGINDO À DURA REPRESSÃO ÀS PRÁTICAS

RELIGIOSAS ENTRE OS ESCRAVOS, OS MALESES

PLANEJAVAM UMA INSURREIÇÃO, QUE FOI DESCOBERTA ANTES DE

SUA EFETIVAÇÃO.

ALTOS IMPOSTOS, EXIGÊNCIA DE MUDANÇAS POLÍTICAS, EXEMPLO DAS REPÚBLICAS PLATINAS.

DURA REPRESSÃO AO CONFLITO, RESULTANDO

NA PUNIÇÃO DE 500 PESSOAS, DAS QUAIS 16 FORAM CONDENADAS À MORTE E TRÊS FORAM

REALMENTE EXECUTADAS.

FUNDAÇÃO DAS REPÚBLICAS DE PIRATINI E JULIANA; ANISTIA AOS

REVOLTOSOS.

As revoltas regenciais detalhadas na tabela anterior são as mais estu-

dadas e divulgadas nos livros de História, mas não foram as únicas: hou-

ve inúmeros casos de rebeliões, algumas de caráter separatista, outras

desejando o federalismo e algumas até mesmo defendendo o retorno de

D. Pedro, como foi o caso da revolta dos Cabanos, que, curiosamente, foi

uma rebelião popular e conservadora.

Não houve unidade de interesses ou dos grupos sociais envolvidos

nessas revoltas. Houve casos de movimentos protagonizados por escra-

vos e libertos, como nos malês; houve rebeliões de caráter nitidamente

popular, como a Balaiada, e houve também rebeliões de caráter elitista,

como foi a Farroupilha.

Todas elas, no entanto, deixaram uma impressão clara aos homens

da época: a descentralização política era perigosa, pois poderia levar à

anarquia e até mesmo à fragmentação do território brasileiro.

REFLEXÃO

A essa altura, você pode estar se perguntando: o que esses homens veem como

anarquia?

Para a “boa sociedade”, ou seja,

aqueles que faziam jus às duas

pré-condições à cidadania no

Brasil imperial, os homens livres

e proprietários de terras e de es-

cravos, a anarquia seria uma al-

teração da estrutura social do

país que pudesse por em risco

aquilo que era visto como essen-

cial para a manutenção da or-

dem: a propriedade escrava.

CURIOSIDADE

Anarquia

Sistema politico com base na ausência

de toda forma de Estado ou governo.

Desordem ou confusão causada pela

ausência de autoridade.

Sociedade brasileira - pintura de Debret

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76 • capítulo 3

Ainda que em nenhuma das rebeliões regenciais a existência da escravidão no país te-

nha sido questionada, pairava entre a elite senhorial o fantasma do haitianismo: o medo

de uma rebelião escrava que fugisse ao controle e que redundasse no fim da escravidão era

imenso, e esteve na raiz da mudança de rumos tomada pelo governo a partir de então: tinha

início o chamado regresso conservador.

O regresso conservador e a antecipação da maiori-dade de D. Pedro

“Fui liberal, então a liberdade era nova para o país, estava nas aspirações de todos, mas não

nas leis, não nas ideias práticas; o poder era tudo, fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto

da sociedade; os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram [...]”.

A afirmação acima é de Bernardo Pereira de Vasconcelos, membro da elite senhorial

formado em Coimbra e deputado por Minas Gerais. Vasconcelos, apesar de ter pertencido

ao grupo dos liberais, favoráveis à descentralização ocorrida após a abdicação de D. Pedro,

afinal é de sua autoria o projeto de lei do Ato Adicional, agora se posicionava ao lado daque-

les que ficarão conhecidos como os conservadores.

O sentimento de que a estrutura social brasileira, patriarcal e ancorada na escravidão,

pudesse estar em risco uniu antigos opositores no desejo de reforma: mesmo Evaristo da

Veiga, símbolo liberal, defendia ajustes no governo regencial para a garantia da ordem.

ATENÇÃO

Assim, após a renúncia do regente Feijó e sua substituição pelo conservador Pedro de Araújo Lima, inicia-

va-se o chamado regresso conservador, em que foram tomadas medidas visando à retomada do controle

mais estreito do governo central sobre as regiões imperiais, evitando assim a possibilidade de fragmen-

tação e de “anarquia”. Nesse sentido, em 1840, foi aprovada no parlamento a lei interpretativa do Ato

Adicional, que diminuía os poderes dos presidentes de província.

Percebendo o ambiente favorável aos conservadores, e temendo a sua exclusão do jogo

político imperial, os liberais reagiram de forma talvez inesperada: passaram a defender a

antecipação da maioridade de D. Pedro, que completaria 18 anos em 1843. A alta popula-

ridade do jovem imperador garantiu o sucesso da proposta e, em um clima de festas, foi

aprovada pela assembleia geral, ainda em 1840, a maioridade do imperador que, em re-

conhecimento pelo apoio a ele prestado, formou seu primeiro gabinete com políticos li-

berais. Já no ano seguinte, no entanto, os conservadores retornavam ao poder, aprovando

mais duas leis de caráter centralizador.

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capítulo 3 • 77

Em uma delas foi recriado o Conselho de Estado, garantindo ao rei a

prerrogativa da nomeação do presidente do conselho e dos ministros

que conduziriam a política nacional. Na outra, reformava-se o Código

do Processo Criminal, garantindo o controle do Executivo sobre a po-

lícia e o Judiciário. Rapidamente, o imperador, auxiliado pelo gabinete

conservador que retornava à cena política, recolocava o país no rumo

da centralização e da unidade, o que garantiria, a seu ver, a ordem e a

estabilidade necessárias para o Império do Brasil.

Nesse processo, houve resistências: ao longo da década de 1840,

ocorreram algumas reformas ligadas aos liberais, sendo a mais conheci-

da delas a Revolta da Praieira, ocorrida na sempre resistente Pernambu-

co. Em meados da década de 1850, entretanto, já não havia mais riscos

sérios à unidade e estabilidade do país: seria o período áureo da chama-

da conciliação.

Antes disso, porém, o imperador enfrentou um cenário de marcadas

disputas entre liberais e conservadores. Utilizando-se das prerrogativas

que lhe cabiam como decorrência do Poder Moderador, D. Pedro II pro-

movia a alternância periódica no poder entre liberais e conservadores,

dissolvendo a câmara sempre que necessário.

Dessa forma, o monarca pretendia fazer uma espécie de mediação

ou de arbitramento entre os dois grupos e, assim, evitar a desestabiliza-

ção política do império.

RESUMO

Já afirmamos anteriormente que, apesar das divergências entre liberais e conserva-

dores, os dois grupos não discordavam naquilo que era considerado o essencial: a

manutenção de uma estrutura social estratificada, patriarcal e escravocrata.

Alguns historiadores atribuem essa relativa homogeneidade dos

grupos à sua formação: entre liberais e conservadores era grande o nú-

mero de bacharéis formados em Coimbra, que partilhavam valores co-

muns e convicções semelhantes. Para outros, o temor de uma revolução

social que alterasse a estrutura escravista e da propriedade da terra era o

grande fator de unidade entre os dois grupos.

COMENTÁRIO

Seja pelo primeiro motivo, seja pelo segundo — ou mesmo por ambas as razões —,

é certo que não havia tantas diferenças assim entre Luzias, o apelido dos liberais, e

Saquaremas, como ficaram conhecidos os conservadores.

Em 1848, D. Pedro II tomava mais uma medida visando à consolidação

CURIOSIDADE

Liberal

Quem é partidário do liberalismo.

Liberalismo

Doutrina que preconiza a liberdade políti-

ca ou de consciência, contra a interferên-

cia do Estado. Doutrina que, no setor eco-

nômico, preconiza a liberdade individual e

valoriza a iniciativa privada, em oposição à

intervenção do Estado.

Conservador

Que conserva, que se opõe a mudanças;

contrário a inovações.

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78 • capítulo 3

de uma estrutura política centralizada: naquele ano, foi criado o cargo de

PresidentedoConselhodeMinistros, a ser nomeado pelo imperador. No

Brasil, D. Pedro II acumularia as funções de chefe de Estado e chefe de Go-

verno, o que lhe garantia pleno controle sobre o processo político nacional.

Além disso, no caso

brasileiro, o conselho de

ministros escolhido pelo

imperador convocava as

eleições. O processo come-

çava “de cima para baixo”

ao contrário do caso inglês,

em que o parlamento, for-

mado por representantes do povo escolhidos por meio do voto, escolhe o Pri-

meiro Ministro.

Na década de 1850, passados cerca de trinta anos do início da cons-

trução do Brasil imperial, já era possível notar os seus resultados: o Bra-

sil dos anos de 1850 era uma nação com relativa estabilidade, sem ris-

cos aparentes de fragmentação e com a identidade nacional fortalecida

por uma vigorosa produção artística e intelectual. Tínhamos, enfim, um

país e uma nação.

EXEMPLO

LITERATURA ROMÂNTICA

O índio era exaltado como símbolo máximo da

nacionalidade brasileira

HISTÓRIA ENSINADA NAS

ESCOLAS

Destacava a trajetória de personagens heroicos

que estimulavam o patriotismo e o orgulho nacional

A LÍNGUA PORTUGUESA

Incorporava vocábulos indígenas e adquiria ca-

racterísticas próprias, diferenciadas do portu-

guês de Portugal

Nesse contexto, foi nomeado pelo imperador o gabinete conservador

que foi considerado um dos símbolos da chamada hegemonia saqua-

rema: formado por Eusébio de Queirós, Paulino José Soares de Sousa e

Joaquim José Rodrigues Torres, este foi o segundo gabinete mais longo

do Segundo Reinado. Nessa gestão, foram tomadas algumas medidas de

suma importância para o Brasil daquele momento: a abolição do tráfico

de escravos e a aprovação da lei de terras.

CURIOSIDADE

Presidente do Conselho de Ministros

O Presidente do Conselho nomearia os

demais ministros, mas não seria o che-

fe do governo, como nos demais países

parlamentaristas.

Por esse motivo, o parlamentarismo implantado por D. Pedro II ficou conhecido como parlamentarismo às avessas.

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capítulo 3 • 79

REFLEXÃO

A esta altura, você deve estar se perguntando como um gabinete conservador foi o responsável pela apro-

vação da lei que proibia o tráfico de escravos, se os conservadores representavam justamente a elite se-

nhorial, proprietária de terras e resistente a quaisquer mudanças que pudessem pôr em risco seu estatuto

e seus privilégios. A resposta a essa pergunta começa na análise das relações entre o Brasil e a Inglaterra.

No Brasil do pós-independência, restaram muitas heranças da longa presença portu-

guesa nas Américas:

EXEMPLO

A LÍNGUA FALADA

A DINASTIA REINANTE

AS COMIDAS TÍPICAS

OS HÁBITOS E COSTUMES

A ORGANIZAÇÃO SOCIOESPACIAL

A RELIGIOSIDADE

Muitos outros exemplos poderiam ser citados. Parte do legado deixado pelos portugueses,

sem dúvida, foi a relação de dependência econômica do Império do Brasil com a Inglaterra.

A condição para que Portugal reconhe-

cesse a independência do Brasil foi o pa-

gamento de uma dívida que, na prática,

significou a transferência de todo o débito

português com a Inglaterra para o Brasil.

A partir de então, o governo brasileiro pas-

saria a sofrer com as constantes pressões

inglesas pela proibição do comércio de es-

cravos no país.

Em 1826, como condição para o reconhecimento inglês da independência do Brasil, foi

assinado um tratado que entraria em vigor em 1831, segundo o qual estaria proibido o trá-

fico de cativos no país. Cinco anos mais tarde, quando o tratado assinado com os ingleses

passaria a valer, o país foi palco de importantes mudanças políticas.

Isso porque, com a abdicação de D. Pedro I, o grupo dos liberais moderados, formado

principalmente por senhores de terras e escravos, assumiu o controle político do país.

Assim, é possível que a lei, em vigor desde 1831, que proibia o tráfico de escravos, não

O fim do comércio de escravos no Brasil traria prejuízos econômicos justamente para o grupo em evidência com a saída do imperador.

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80 • capítulo 3

tenha sido cumprida porque contrariava diretamente os interesses do

grupo que controlava politicamente o país naqueles anos.

Outro motivo para o não cumprimento da lei foi a estrutura descen-

tralizada que assumiu o país nos anos da regência, pois ela dificultava o

controle mais estreito do governo central sobre as províncias do império.

ATENÇÃO

O fato é que, de 1831 a 1850, ao contrário do que determinava a lei, o tráfico de

escravos para o Brasil aumentou ao invés de diminuir. Na década de 1830, o café já

se tornara o principal produto de exportação da economia brasileira, e a expansão da

lavoura cafeeira no Sudeste do país aumentava a demanda por mão de obra escrava.

À Inglaterra, por sua vez, não passou despercebido o fato de que o

tratado assinado pelo Brasil era descumprido: já na década de 1840, au-

mentaram significativamente as pressões vindas daquele país, ao ponto

de ter sido aprovada em solo britânico uma lei que considerava pirataria

os navios que transportassem escravos rumo ao Brasil, e ainda permitia

à marinha inglesa a interceptação de tais embarcações.

A invasão das águas territoriais brasileiras pelos navios ingleses con-

figurava uma evidente violação à soberania nacional, e o governo brasi-

leiro pouco podia fazer para reagir às afrontas do governo inglês, pois

não possuía força militar ou econômica à altura do país europeu.

Assim, quando os conservadores assumiram o governo, em 1848,

uma questão se colocava para eles: como assumir uma posição em re-

lação ao tráfico de escravos que não demonstrasse fraqueza diante das

agressões inglesas? Percebendo o aumento das tensões entre o Brasil e a

Inglaterra e cientes da impossibilidade de o Brasil reagir às pressões bri-

tânicas, os políticos da chamada trindade saquarema decidiram tomar

para si a tarefa de extinguir o tráfico.

Em 1850, aprovaram a LeiEusébiodeQueirós. Dessa vez, o governo

fiscalizaria de perto o cumprimento da lei e, cinco anos após a sua de-

cretação, não aportavam mais navios trazendo escravos no Brasil. A lei,

dessa vez, fora cumprida à risca. No mesmo ano, outra lei muito impac-

tante foi aprovada: a LeideTerras.

Alguns historiadores têm relacionado as duas leis em suas análises.

Tendo sido publicadas no mesmo ano, elas expressam a preocupação

da elite senhorial com relação à disponibilidade de mão de obra para

a lavoura no curso de alguns anos, quando, fatalmente, a escravidão já

teria sido extinta. Isso porque, com o término do tráfico de escravos, a

existência da escravidão no país estava com os dias contados.

CURIOSIDADE

Lei Eusébio de Queirós

Decretava a proibição do tráfico de es-

cravos em todo o território nacional.

CURIOSIDADE

Lei de Terras

A partir da aprovação da Lei de Terras,

a terra tornava-se mercadoria no país,

passando a ser adquirida por meio da

compra, e não mais por meio de doa-

ções, como havia sido o costume em

todo o período da colonização portu-

guesa e nos primeiros anos do Império.

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capítulo 3 • 81

COMENTÁRIO

É importante ressaltar que o gabinete que aprovou e fez cumprir a Lei Eusébio de

Queirós era conservador, e, portanto, estava afinado com os interesses da elite pro-

prietária de terras e de escravos, mais que interessada na manutenção da escravidão.

Na impossibilidade de adiar e resistir às pressões inglesas pelo fim

da escravidão aprovou-se a lei proibindo o tráfico de cativos para o Brasil,

mas, ao mesmo tempo, com a Lei de Terras, garantia-se a disponibilida-

de de mão de obra para a

lavoura no futuro pós-es-

cravidão, pois a transfor-

mação da terra em mer-

cadoria dificultaria, ou

até impediria, o acesso de

ex-escravos a ela como pe-

quenos proprietários.

Do ponto de vista político, os anos de 1850 e 1860 foram anos de es-

tabilidade e de alternância no poder entre liberais e conservadores. As

disputas entre os dois grupos, que marcaram as primeiras décadas do

Segundo Reinado, haviam cedido lugar a um entendimento tácito de

que ambos teriam o seu lugar, ainda que separadamente, no governo

de D. Pedro II.

Essa estabilidade é rompida com o início da guerra mais longa e san-

grenta da História do Brasil: a GuerradoParaguai.

IMAGEM

Guerra do Paraguai — Pintura de Pedro Américo.

Entre os impactos provocados pela Guerra do Paraguai na socieda-

de brasileira, podemos citar: o fortalecimento do sentimento de iden-

tidade nacional, motivado pela reação nacionalista da população aos

Como veremos, a abolição da escravidão significou a libertação, mas não a inclusão social da imensa população escrava do Brasil oitocentista.

COMENTÁRIO

Guerra do Paraguai

Motivada por disputas geopolíticas en-

tre os países da região da bacia do Pra-

ta, Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina,

a participação do Brasil na Guerra do

Paraguai, pela sua duração, pela quanti-

dade de perdas humanas e de prejuízos

econômicos, além dos impactos sociais

dela resultantes, foi de fundamental im-

portância para a derrocada do governo

de D. Pedro II.

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82 • capítulo 3

ataques do Paraguai ao Brasil e também pelo fato de, pela primeira vez,

brasileiros de regiões distantes conviverem e compartilharem o mesmo

cotidiano de luta contra o inimigo estrangeiro.

Isso possibilitou a criação de vínculos concretos entre brasileiros de

todas as regiões do país, contribuindo para solidificar o sentimento na-

cionalista em toda a pátria.

Outras consequências da guerra foram a perda de popularidade do

imperador, o crescimento

de um sentimento corpo-

rativo dentro do exército

e também o crescimento

do movimento abolicio-

nista, que aumentaria as

pressões pelo fim da escravidão. Aliás, esse seria um tema que teria um

impacto significativo na ruptura entre o imperador e um dos grupos so-

ciais que mais lhe deu apoio em todo o seu governo: a elite senhorial e

proprietária de escravos.

A partir da década de 1870, as fissuras na relação da monarquia com a

Igreja, com o exército e com a classe de proprietários de escravos serão mais

uma evidência de que o governo monárquico entrava em crise no país.

Crise e fim do Império do Brasil (1870-1889)

Como já adiantamos, o fim do Império não foi decorrência, unicamente,

de um golpe militar: a Proclamação da República resultou de um longo

processo de desgaste do Império, acentuado em seus últimos vinte anos.

De um lado, o Estado imperial brasileiro foi se incompatibilizando com

sucessivos segmentos da sociedade que compunham suas bases de susten-

tação: Igreja, militares, classe senhorial (a questão religiosa, a questão mili-

tar, a abolição da escravidão). De outro lado, as profundas transformações

ocorridas nas décadas de 1870 e 1880 levaram a um descompasso entre o

poder político e o poder econômico na sociedade imperial.

A partir da década de 1870, ocorreu a ascensão de novosgrupossociais,

que vão reclamar de sua falta de representatividade política no governo

imperial, e vão alterar a tradicional composição de forças que caracteri-

zava essa sociedade. É importante lembrar que a classe tradicionalmente

vinculada ao poder político no império era a elite senhorial, da qual fa-

ziam parte, principalmente, os cafeicultores do vale do Paraíba.

Esses estavam majoritariamente concentrados no Partido Conserva-

dor. O Partido Liberal também era, na maior parte, formado por proprie-

tários rurais, mas de menor porte e voltados para o mercado interno.

Menos de vinte anos após o fim da guerra do Paraguai, a monarquia chegaria ao fim no Brasil.

COMENTÁRIO

Novos Grupos Sociais

Cafeicultores paulistas, classes médias

urbanas.

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capítulo 3 • 83

A classe formada pelos cafeicultores de São Paulo, que no fim do im-

pério já lideravam a produção de café em âmbito nacional, não estava

representada nos dois mais tradicionais partidos políticos do império,

e por isso não tinha poder político à altura de sua importância econô-

mica para o país. De São Paulo, portanto, principalmente de um partido

formado em 1870, o Partido Republicano Paulista, surgiu uma forte e

organizada oposição ao governo de D. Pedro II.

Todos esses fatores, reunidos, ajudam a compreender o que ficou conhe-

cido como um processo de crise de legitimidade da monarquia, que pode ser

explicada pela incapacidade do Estado imperial de articular as velhas e as no-

vas demandas surgidas a partir da ascensão desses novos grupos.

À perda de apoio dos cafeicultoresdovaledaParaíba, somada aos

desgastes do governo com a Igreja e o exército não se seguiu a formação

de uma nova base de sustentação para o imperador: ele perdia apoio das

classes que tradicionalmente lhe deram suporte, sem substituí-los por

novos grupos de apoio.

Fonte: Bia Correa do Lago. O povo comemora o fim da escravidão no Paço.

A reunião de grupos descontentes com a monarquia, como uma parcela

dos militares, da elite paulista e da própria elite senhorial escravista possi-

bilitou a organização de um golpe que pôs fim à monarquia no Brasil.

No entanto, em relação à Proclamação da República, é importante

ressaltar a falta de participação popular efetiva nesse processo.

CURIOSIDADE

Cafeicultores do Vale da Paraíba

Chamados de “Os republicanos do 14 de

Maio”, um dia após a decretação da Lei

Áurea, que aboliu da escravidão no Brasil.

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84 • capítulo 3

COMENTÁRIO

Aristides Lobo, jornalista e futuro ministro do governo republicano, que foi testemunha ocular do dia 15 de

novembro, deixou um depoimento marcante sobre esse dia. Na visão do jornalista, o povo assistiu “a tudo

bestializado, atônito, sem conhecer o que significava”.

Desse modo, mais como o resultado de um longo processo de desgaste do que pela for-

ça das ideias republicanas, chegava ao fim no Brasil, quase setenta anos depois, o governo

monárquico da dinastia dos Bragança. A partir de 1889, teria início do Brasil o longo, tur-

bulento e descontínuo período republicano.

RESUMO

• Nos quase 80 anos de existência do Império do Brasil, muitas coisas aconteceram, a

maior parte delas não tão naturais quanto se pensa: a unidade do território brasileiro foi

resultado de um processo e, ao mesmo tempo, de um projeto: o de construção do Império

do Brasil, a partir do território que um dia pertenceu aos portugueses.

• Esse processo/projeto teve início com D. Pedro I e foi implantado por meio de uma po-

lítica vista como autoritária e centralizadora. Em meados do século XIX, estava consolidada

a unidade e o modelo político monárquico-centralizador, assim como a nacionalidade bra-

sileira, também resultado de um processo.

• Nas relações internacionais, o país teve de lidar com as pressões inglesas pelo fim do

tráfico de escravos, que finalmente foi proibido em 1850. Alguns anos depois, o país se en-

volveria em um conflito de grandes proporções: a Guerra do Paraguai. As consequências do

conflito e a nova composição social do país estiveram diretamente ligadas à crise que pôs

fim ao Império no Brasil.

ATIVIDADE

1. Acerca da Independência do Brasil, é correto afirmar que:

A) Consubstanciou os ideais propostos pela Insurreição de 1817.

B) Instituiu a monarquia como forma de governo, a partir de um amplo movimento popular.

C) Implicou na adoção da forma monárquica de governo e preservou os interesses básicos dos proprietá-

rios de terras e de escravos.

D) Propôs, a partir das ideias liberais das elites políticas, a extinção do tráfico de escravos.

E) Provocou, a partir da Constituição de 1824, profundas transformações nas estruturas econômicas e

sociais do país.

2. A abdicação do Imperador D. Pedro I representou a culminância dos diferentes problemas que caracte-

rizam o Primeiro Reinado, a exemplo do (a):

A) Apoio inglês à política platina do Império.

B) Apoio das províncias à política do Reino Unido implantada por D. Pedro I, após a morte de D. João VI.

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capítulo 3 • 85

C) Conflito entre os interesses dos produtores tradicionais de açúcar e os novos produtores de ouro.

D) Confronto entre os grupos políticos liberais e o governo centralizado e com tendências absolutistas de

D. Pedro I.

E) Crescente participação popular nas manifestações políticas, favorecidas pela abolição do tráfico.

3. A organização do Estado Brasileiro que se seguiu à independência resultou do projeto do grupo:

A) Liberal-conservador, que defendia a monarquia constitucional, a integridade territorial e o regime cen-

tralizado.

B) Maçônico, que pregava a autonomia provincial, o fortalecimento do executivo e a extinção da escravidão.

C) Liberal-radical, que defendia a convocação de uma Assembleia Constituinte, a igualdade de direitos

políticos e a manutenção da estrutura social.

D) Cortesão que defendia os interesses recolonizadores, as tradições monárquicas e o liberalismo econô-

mico.

E) Liberal-democrático, que defendia a soberania popular, o federalismo e a legitimidade monárquica.

4. Como elemento comum à maioria das rebeliões que marcaram o período regencial (1831-1840), des-

taca-se:

A) A oposição ao regime monárquico.

B) A defesa do regime republicano.

C) O repúdio à escravidão.

D) As críticas e a insatisfação em relação ao poder centralizado.

E) O boicote ao voto censitário.

5. A consolidação do Império nas duas primeiras décadas do Segundo Reinado está ligada à(ao):

A) Afirmação do projeto autonomista liberal, pondo fim às Rebeliões Provinciais.

B) Recuperação das lavouras tradicionais, como açúcar, eliminando-se a hegemonia do setor cafeeiro.

C) Conciliação entre liberais e conservadores, para conter o crescente movimento republicano.

D) Hegemonia do projeto político conservador, centralizado e que projetava a Coroa sobre os Partidos.

E) Encaminhamento da abolição, garantindo-se a mão de obra à lavoura através da imigração.

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86 • capítulo 3

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Referências bibliográficas

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DIAS, M. O. S. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005.

FREIRE, A.; MOTTA, M. S.; ROCHA, D. História em curso: o Brasil e suas relações com o mundo ocidental.

São Paulo: Editora do Brasil, 2005.

MATTOS, I. R.; ALBUQUERQUE, L. A. S. Independência ou morte: a emancipação política do Brasil. Rio de

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____________________ Construtores e herdeiros: A trama dos interesses na construção da unidade polí-

tica. In: Almanack Braziliense nº 01, maio 2005. p. 8-26.

____________________ O Tempo Saquarema. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.

MAXWELL, K. A Devassa da Devassa. A Inconfidência Mineira. Brasil e Portugal (1750-1808). Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 2000.

MELLO, E. C. A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: 34, 2004.

____________________________O nome e o sangue: uma parábola genealógica no Pernambuco colonial.

São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

SILVA, A. C. (org). Crise colonial e independência 1808-1830. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

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Ordem Unida: sentido! República Militar

antonio henrique de castilho gomes

14

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88 • capítulo 4

A República Militar

“Na noite quinze reluzente, com a bravura, finalmente, o marechal que procla-

mou foi presidente.” (GRES Imperatriz Leopoldinense – 1989)

Você consegue relacionar esse pequeno trecho de samba enredo

com algum episódio da História do Brasil?

Se você pensou na Proclamação da República, acertou! Mas o que

significa proclamar uma república? No episódio retratado no samba en-

redo, a proclamação da república, significou a mudança da monarquia

para a república.

Aliás, ainda no trecho do samba, podemos identificar algumas in-

formações, vejamos: “na noite quinze reluzente”, refere-se ao fato de

que a proclamação da república no Brasil ocorreu no dia 15, mais espe-

cificamente, no mês de novembro do ano de 1889. E “o marechal que

proclamou foi presidente” nos diz que essa proclamação ocorrida no dia

15 de novembro foi feita por um militar, o Marechal Deodoro da Fonse-

ca, e que este mesmo militar se tornou Presidente da República.

REFLEXÃOEntretanto você deve estar se perguntando: Por que a República foi proclamada?

Por que o Brasil deixou de ser uma Monarquia e se transformou numa República?

Por que o Marechal que proclamou foi presidente? Quem desejava a República?

Neste capítulo, vamos tentar responder, se não todas, pelo menos

algumas perguntas importantes sobre o tema.

RESUMO

Nós já sabemos, porque vimos no capítulo anterior, que a ideia republicana não era

nenhuma novidade no cenário político brasileiro e que a Proclamação da República

estava diretamente ligada ao crescimento de importância do Exército brasileiro,

ocorrido após a Guerra do Paraguai, ao crescimento da importância política dos

grandes produtores de café de São Paulo, que organizavam sua produção com ca-

racterísticas mais modernas, sem a utilização da mão de obra escrava, e ao fim des-

ta mesma escravidão.

4 Ordem Unida: sentido! República Militar

CURIOSIDADE

Monarquia

(do grego: monos – um; arkhein – go-

verno): é uma forma de governo em

que o chefe de Estado é um monarca,

normalmente com o título de Rei ou Rai-

nha (no Brasil o título era de Imperador).

Nas monarquias, o cargo de monarca é

vitalício, quer dizer que dura até a morte

ou a abdicação, quando o próprio mo-

narca abre mão de seu cargo, e heredi-

tário, ou seja, é normalmente passado a

um herdeiro com laços sanguíneos, via

de regra, um filho ou filha.

República

(do latim, res publica, coisa pública): go-

verno no qual o chefe do Estado é eleito

pelo povo ou seus representantes, ten-

do a sua chefia uma duração limitada.

A eleição do chefe de Estado, por re-

gra chamado presidente da república, é

normalmente realizada por meio do voto

livre e secreto. O termo república refere-

se, regra geral, a um sistema de governo

cujo poder emana do povo, em vez de

outra origem, como a hereditariedade

ou o direito divino.

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capítulo 4 • 89

Neste contexto, esses cafeicultores irão se aliar aos militares, enten-

dendo que, para que seus interesses fossem, de fato, atendidos fazia-se

necessária uma mudança radical de regime, estabelecendo-se uma Re-

pública no lugar da decadente Monarquia. Essa aliança fortalecia tan-

to os cafeicultores quanto os militares, e possibilitava que a República

pudesse acontecer sem que as camadas populares participassem desse

processo, e esse era um ponto importante para as elites.

Essa aliança, somada ao isolamento político do império, ocorrido

com a decretaçãodofimdaescravidão possibilitou a proclamação da

República, que teve dois momentos principais: o primeiro, quando o

Marechal Deodoro da Fonseca dava um golpe militar ocupando o Mi-

nistério da Guerra e depondo o Imperador; e outro quando, na Câmara

Municipal do Rio de Janeiro, José do Patrocínio declarava extinta a Mo-

narquia e inaugurava a República.

Após esse evento, instaurava-se um governo provisório chefiado pelo

próprio MarechalDeodoro. Este Governo Provisório iria durar até feve-

reiro de 1891, quando o próprio Deodoro tornar-se-ia o primeiro pre-

sidente eleito (indiretamente é verdade) da República do Brasil, tendo

como vice-presidente o MarechalFlorianoPeixoto, que assumiria o go-

verno em novembro de 1891, após a renúncia do Marechal Deodoro.

Em tão pouco tempo, três governos diferentes, o provisório, o gover-

no do Marechal Deodoro e o governo do Marechal Floriano, todos mili-

tares, por isso chamamos esse período inicial de nossa História repu-

blicana de “República Militar” ou “RepúblicadaEspada”. Vamos agora

estudar um pouco cada um desses governos.

O Governo Provisório

De novembro de 1889 a fevereiro de 1891.

Qual seria o papel deste governo provisório? Basicamente o governo

provisório deveria coordenar as mudanças institucionais necessárias à

transição do regime monárquico para o regime republicano, por meio,

principalmente, da construção de uma nova Constituição e da organiza-

ção das primeiras eleições presidenciais, afinal, uma das características

marcantes de uma república é a escolha do presidente por meio de um

processo eleitoral.

Dentro desse contexto, o presidente provisório proclamou uma série

de decretos que garantiam esta transição, alterando diversos aspectos po-

líticos-institucionais. Destacaremos aqui algumas destas modificações.

O Decreto número 1 estabelecia no Brasil uma República Federativa

de caráter provisório até a convocação do congresso constituinte, que

COMENTÁRIO

Decretação do fim da escravidão

Como vimos no capítulo anterior, os ca-

feicultores do Rio de Janeiro, escravo-

cratas, abandonaram o apoio que davam

ao Império quando este decretou o fim

da escravidão em 1888.

CURIOSIDADEGolpe militar

Tomada do poder efetuada por militares

por medidas ou estratégias que não es-

tão previstas na lei ou na Constituição.

Marechal DeodoroMarechal Floriano Peixoto

Marechal Deodoro e Marechal Floriano

Peixoto eram ambos militares alagoanos.

República da Espada

Por que Espada? Porque a espada fazia

parte do uniforme de gala dos marechais.

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90 • capítulo 4

deveria elaborar uma nova Constituição e, por conseguinte, definir o

formato de República a ser estabelecido no Brasil.

REFLEXÃO

Formato de República? Então não há um só modelo de República? Você deve estar

pensando nisto. De fato, podemos ter algumas diferenças nos modelos republicanos,

uma delas é o tamanho da autonomia que as unidades federativas têm em relação

ao governo federal.

Havia duas correntes muito fortes no Brasil e que remontam ao tem-

po do Império. Uma corrente defendia que os estados deveriam ter mui-

ta autonomia em relação ao governo federal (estes eram os federalistas).

Outra corrente definia uma concentração maior de poder no governo

federal (alguns chamavam essa corrente de unitaristas).

Essa discussão será muito intensa e levará inclusive a um movimen-

to armado conhecido como Revolução Federalista, que trataremos mais

adiante. Além de estabelecer o modelo Federativo, esse decreto extin-

guia as províncias e as transformava em estadosfederados.

Ainda em 1889, estabelecia-se o símbolo do novo estado brasileiro.

Pelo decreto número 4, oficializava-se a nova bandeira.

COMENTÁRIOCuriosamente, a bandeira não apresentava grandes modificações, mantendo sua

estrutura e substituindo os símbolos imperiais por uma esfera representando o céu,

com a frase “Ordem e Progresso”. Essa frase, inspirada pelo positivismo, indica-nos

que a República recém-proclamada se investia de ares de modernidade.

Simbolicamente, a proclamação trazia um significado: com o esta-

belecimento desse novo formato, o Brasil entrava definitivamente na

modernidade, abandonando um passado retrógrado e atrasado.

A República era o novo, o moderno, e o Império, o velho o ultrapassa-

do. Na prática, essa lógica não se traduziu em transformações profundas,

pois velhos problemas permaneciam. Mas fazia-se necessário enterrar o

Império, e essa era a tarefa do governo provisório, sendo que a criação de

novos símbolos era uma estratégia para cumprir este objetivo.

A BANDEIRA DO IMPÉRIO A BANDEIRA DA REPÚBLICA

COMENTÁRIO

Unidades federativas

No Brasil chamamos de estados.

CURIOSIDADEProvíncias

A palavra província tem origem no latim

pro- (em nome de) e vincere (vencer/

dominar/controlar), portanto, para os

romanos, a província era um território

sujeito à jurisdição de um magistrado

que o controlava em nome do governo

central. No tempo presente, algumas

nações utilizam essa expressão para

denominar as partes que compõe o ter-

ritório nacional, equivalendo-se, guarda-

das as diferenças aos estados.

Estados federados

Estado, no sentido de subdivisão ad-

ministrativa, é uma unidade autônoma

(autogoverno, autolegislação e autoar-

recadação) dotada de governo próprio e

Constituição e que, com outros estados,

forma uma federação.

Beneplácito

Estabelecia que as determinações da

Igreja Católica destinadas ao clero e

fiéis católicos, para terem validade no

território de Portugal e posteriormente

no Brasil Império, deveriam receber a

aprovação expressa do monarca.

Padroado

Foi um acordo instituído entre a Santa

Sé e Portugal em que o Papa delegava

ao rei de Portugal o poder exclusivo da

organização e financiamento de todas

as atividades religiosas nos domínios e

nas terras descobertas por portugueses.

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capítulo 4 • 91

Outra ação significativa do governo provisório foi a separação entre Estado e Igreja.

Desde os longínquos tempos da colônia, instrumentos como o Beneplácito e o Padroado

provocavam uma íntima ligação entre a Igreja Católica Apostólica Romana e o Estado (pri-

meiro o Estado Português e depois o Estado Imperial Brasileiro).

O Catolicismo era religião oficial, e os demais credos só poderiam ser manifestados em

cultos domésticos, como previa a Constituição Imperial de 1824, no artigo quinto do seu títu-

lo primeiro: “a Religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império.

Todas as outras Religiões serão permitidas, com seu culto doméstico ou particular em casas

para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.”

Essa separação foi realizada por meio do Decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890, como

vemos em alguns de seus artigos no quadro abaixo:

Art. 1º É prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir leis, regula-

mentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear differenças

entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de

crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas.

Art. 2º A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto,

regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou publicos, que

interessem o exercicio deste decreto.

Art. 3º A liberdade aqui instituida abrange não só os individuos nos actos individuaes, sinão tabem

as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno

direito de se constituirem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem

intervenção do poder publico.

Art. 4º Fica extincto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerogativas.

Art. 6º O Governo Federal continúa a prover á congrua, sustentação dos actuaes serventuarios do

culto catholico e subvencionará por anno as cadeiras dos seminarios; ficando livre a cada Estado

o arbitrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto

nos artigos antecedentes.

Art. 7º Revogam-se as disposições em contrario.

Essa separação entre Estado e Igreja levou ao estabelecimento do casamento civil e do

registro civil de nascimento, etapas da vida do cidadão que ficavam a cabo da Igreja.

Podemos perceber, então, que uma série de modificações na estrutura política e jurí-

dica foi realizada pelo governo provisório. Mas a República havia nascido sob o signo da

modernidade, estampada na sua bandeira pela palavra Progresso.

REFLEXÃOMas afinal de contas o que se queria dizer com a expressão progresso? Se pararmos para pensar, perce-

beremos que essa palavra pode assumir sentidos diversos.

No final do século XIX, progresso significava industrialização, e industrialização era um

dos símbolos da modernidade. Creditava-se à República o “novo” e ao extinto Império o

“velho”. O Estado republicano deveria garantir que o progresso se materializasse, deven-

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92 • capítulo 4

do ele, o Estado, criar as condições para que o Brasil pudesse entrar no

universo das nações modernas. Entretanto o que se tinha era um país

mergulhado em um sistema econômico monetário completamente ar-

caico, sustentado por uma economia agrícola dominada pelo café e por

uma política monetária que não atendia mais as necessidades de uma

economia não mais escravista.

Tentando cumprir este objetivo o então Ministro da Fazenda Rui

Barbosa empreendeu uma política econômica que ficou conhecida por

Encilhamento.

O encilhamento foi uma política econômica fundamentada na ideia

de livre emissão de créditos monetários. Essa medida visava duas coi-

sas básicas: estimular a industrialização e o estabelecimento de novos

negócios. Para garantir essas linhas de crédito e o investimento em in-

dústrias e/ou outros negócios o governo federal foi obrigado a injetar no

mercado uma grande quantidade de dinheiro, emitindo, para isso, uma

enorme quantidade de papel moeda.

Sabemos que o valor da moeda está intrinsecamente ligado a um

equilíbrio entre o volume da riqueza de um país e a quantidade de di-

nheiro circulante. Se o Estado emite uma quantidade de dinheiro, mui-

to maior do que sua riqueza, esse dinheiro passa a não valer exatamente

o que representa, gerando aquilo que chamamos de inflação. O governo

acreditava que esse dinheiro iria gerar uma produção de riqueza signifi-

cativa, o que acabaria por garantir o equilíbrio entre o dinheiro circulan-

te e a riqueza produzida.

O problema é que, como a política de créditos era completamente livre de

controle, não se tinha garantias de que quem recorreu ao empréstimo teria

condições de arcar com o pagamento, ou se de fato iria investir na produção

de riquezas.

Na prática o que se viu foi uma onda de empréstimos que geraram in-

vestimentos pouco eficazes. A maioria das empresas não durava muito

ou sequer iniciava suas atividades. Para piorar, essas empresas tinham

açõesque eram negociadas nas bolsasdevalores, mesmo após encerra-

rem sua curta existência.

Esses fenômenos associados a um clima de euforia, com a onda de

novos negócios e de novos empréstimos, geraram uma especulação na

Bolsa de Valores, que mantinha o preço das ações dessas “empresasfan-

tasmas” em alta.

Entretanto, como toda alta de preços especulativa, chega um mo-

mento em que os preços despencam levando à falência muitos inves-

tidores que perdem tudo. Dessa forma, o que se teve como resultado

prático desta catastrófica política econômica foi uma gigantesca alta

inflacionária, uma onda de falências e um agravamento da já frágil eco-

nomia brasileira.

CURIOSIDADE

Encilhamento

A política econômica de Rui Barbosa foi

chamada de encilhamento, por analogia

à grande confusão e tensão das apos-

tas em corridas de cavalos, cujo ápice

ocorria no momento de aperto da “cilha”,

a tira de couro ou de pano com que se

prende a sela ou a carga sobre o lombo

de uma cavalgadura.

Ações

Representam a menor fração do capi-

tal social de uma empresa, ou seja, é

o resultado da divisão do capital social

em partes iguais, sendo o capital social

o investimento dos donos na empresa,

ou seja, o patrimônio da empresa, esse

dinheiro compra máquinas, paga funcio-

nários etc. O capital social, assim, é a

própria empresa.

Bolsa de Valores

É o mercado organizado onde se ne-

gociam ações e outros instrumentos

financeiros.

Especulação

No mercado de ações pode ser enten-

dido como a valorização de uma ação

baseada em falsas informações.

COMENTÁRIO

Empresas fantasmas

Porque na realidade elas não existiam.

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capítulo 4 • 93

Dessa forma, o gabinete ministerial seria dissolvido no ano de 1891 às vésperas da pri-

meira eleição presidencial, ocorrida em 25 de fevereiro daquele ano, um dia após a promul-

gação da primeira Constituição republicana.

O Código Penal de 1890

Com a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, as lei penais sofreram mui-

tas modificações com o advento de um novo Código Penal. Em 1890 foi promulgado o novo

diploma, por meio de um decreto, o Decreto 847. O teor desse Código bem demonstra o

temor das elites às novas condições sociais ocorridas com a libertação dos ex-cativos. Aliás,

isso fica claro com a criminalização de prática da capoeira em locais públicos.

EXEMPLOEmbora o Código proibisse a imputação de penas infamantes e a pena restritiva de liberdade individual não

pudesse ser superior a 30 anos, uma situação que bem demonstrava sua rigidez era o fato de que previa

possibilidade de criminalizar condutas mesmo a crianças a partir dos nove anos.

Outra situação que demonstra a mentalidade da época está presente no artigo 268, que previa a punição

para o crime de estupro, fazendo-se uma diferenciação de penalização de acordo com a condição “socio-

moral” da mulher — se o estupro fosse cometido contra mulher virgem ou não, mas honesta, a pena para o

acusado seria muito mais severa do que se cometido contra mulher pública ou prostituta.

O adultério permanecia tendo o mesmo tratamento concedido pelo Código do Império, ou seja, incorreria

neste delito a mulher casada que mantivesse relações sexuais com outro homem. Entretanto, o marido

somente cometeria tal crime se estivesse mantendo outra mulher.

Este é o retrato de uma época.

O novo governo de Deodoro da Fonseca

De fevereiro de 1891 a novembro de 1891

Como acabamos de ver, o chefe do governo provisório, Deodoro da Fonseca, acabou

sendo eleito o primeiro Presidente da República. Entretanto, a eleição já apontava al-

guns problemas, em parte causados pelo fracasso da política econômica empreendi-

da durante o governo provisório. Além disso, os cafeicultores paulistas, grupo político

muito forte por conta da riqueza que controlava, já davam sinais de que desejavam as-

sumir o controle político da nação.

Dessa forma, o cenário que definiu o processo eleitoral era bastante complexo. Nos dias

de hoje, quando se está em um ano eleitoral, observa-se aproximações entre políticos buscan-

do alianças para fortalecerem suas candidaturas. Em nossa primeira eleição não foi muito

diferente. Havia uma forte divisão entre os aliados de outrora, os cafeicultores e os militares.

Aliás, nem mesmo os militares estavam coesos, porque um grupo, do qual fazia parte o

Marechal Floriano Peixoto, não via com maus olhos a candidatura de um político civil, um

cafeicultor paulista, para o cargo de Presidente da República.

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94 • capítulo 4

O fato é que duas chapas se formaram, uma primeira tendo o chefe

do governo provisório, Deodoro da Fonseca, como candidato a Presidên-

cia da República e o Almirante Wandenkolk como candidato a vice-pre-

sidente; uma segunda era formada por um civil, representante dos cafei-

cultores paulistas, Prudente de Morais, tendo como vice um militar, o já

citado Marechal Floriano Peixoto.

REFLEXÃO

Contudo, falemos um pouco do processo eleitoral. Como escolhemos nosso Presi-

dente da República hoje em dia? Vamos às urnas e votamos em uma chapa elegen-

do de forma direta o candidato a presidente e seu vice. Pois é, aquela eleição foi

muito diferente. Primeiro por que não foi o povo quem escolheu; foi o que chamamos

de colégio eleitoral.

No entanto quem era o colégio eleitoral dessa primeira eleição? O

congresso constituinte convocado pelo então Chefe do Governo Provi-

sório, para elaborar uma nova Constituição.

Esse congresso se reuniu ainda em 1889, mas seus trabalhos constitu-

cionais só se iniciaram em 1890, mais precisamente em 15 de novembro,

data em que a República comemorava seu primeiro ano de vida. O primei-

ro presidente brasileiro foi eleito de forma indireta. Além disso, a eleição

para presidente e vice-presidente era separada. O que possibilitava que o

presidente eleito viesse de uma chapa e o vice-presidente de outra, como,

aliás, acabou acontecendo. E qual foi o resultado dessas eleições? O pre-

sidente você já sabe, o congresso escolheu o Marechal Deodoro. E o vice

-presidente? Foi eleito o Marechal Floriano Peixoto da outra chapa.

COMENTÁRIO

Curiosamente, o Colégio Eleitoral, em sua maioria, apoiava a candidatura de Pruden-

te de Morais, mas elegeu Deodoro com medo de possíveis represálias do Exército.

O cenário político enfrentado por Deodoro, entretanto, não era sim-

ples: primeiro ele herdara os graves problemas econômicos causados

pelo encilhamento. Segundo, a falta de apoio do congresso inviabilizava

qualquer ação de seu governo. A única fonte de apoio de Deodoro eram

alguns governos estaduais.

Nesse cenário, Deodoro tenta, no início de novembro do mesmo ano

em que foi eleito, fechar o congresso nacional e decretar estadodesítio,

objetivando reformar a Constituição para atribuir mais poderes ao presi-

dente. O golpe fracassa. Militares, liderados pelo Almirante Custódio de

Melo, ameaçam bombardear o Rio de Janeiro, obrigando Deodoro a re-

nunciar em 23 de novembro, encerrando seu curto mandato presidencial.

CURIOSIDADE

Colégio eleitoral

É um grupo de representantes políticos,

escolhidos ou não pela população, que

nos representa e escolhe o presidente.

É o que chamamos de eleições indiretas.

Estado de sítio

Estado de sítio é um estado de exceção,

instaurado como uma medida provisória

de proteção do Estado, quando este está

sob determinada ameaça, como uma

guerra ou uma calamidade pública. Im-

plica na suspensão do exercício dos di-

reitos, liberdades e garantias individuais.

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capítulo 4 • 95

O governo do Marechal Floriano Peixoto

De 1891 a 1894

Após a renúncia do Marechal Deodoro, abriu-se um debate acerca da

sucessão presidencial. Segundo a nova Constituição, caso o cargo de

presidente da república ficasse vago, por qualquer motivo, antes que

se completassem dois anos de mandato, deveriam ser convocadas no-

vas eleições. Como Deodoro ficou no cargo por um período menor do

que um ano, parte da sociedade esperava que fossem convocadas novas

eleições. Entretanto, isso não aconteceu, e é por conta disso que muitos

entendem que a permanência de Floriano Peixoto no poder configurava

um golpe de Estado.

Quais forças políticas apoiavam esse golpe? É fácil reconhecê-las.

Basta lembrar que o Marechal Floriano tinha sido candidato a vice-presi-

dente da república na chapa do cafeicultor paulista Prudente de Morais.

Era desse grupo, o mais forte, tanto política quanto economicamente,

que vinha o apoio ao governo de Floriano. Mas o que esperavam esses

políticos que apoiaram a permanência de Floriano? Esperavam que ele

“pacificasse” o país, para que logo em seguida pudessem governar o país

sem maiores oposições.

Dessa forma, alegando que Floriano teria sido eleito em um formato di-

ferente do que estabelecia a Constituição, as regras de sucessão só teriam

validade para o próximo mandato. Mas o que Floriano teria de pacificar?

Logo após a manifestação de permanência no cargo, Floriano en-

frentou a oposição política de um grupo de militares de alta patente,

que se manifestaram contra essa permanência, exigindo a convocação

imediata de novas eleições.

Esse grupo tornou pública essa posição por meio de um manifesto

que ficou conhecido como Manifesto dos Treze Generais. A reação de

Floriano Peixoto foi bastante dura e já dava sinais de como ele trataria

as rebeliões que se iniciavam. Logo após a publicação do manifesto, o

Presidente Floriano Peixoto exonerou e reformou todos os militares que

assinaram o documento.

Floriano também teve de enfrentar revoltas armadas. Essas revoltas

eram a manifestação prática da forte oposição que Floriano Peixoto so-

fria. Essa oposição se relacionava em parte as insatisfações políticas de

grupos que se sentiam afastados do poder, ou que não viam no estabele-

cimento do regime republicano a resposta aos anseios que os levaram a

pactuar na derrocada da monarquia.

Dessa forma, essas insatisfações em maior ou menor grau foram

diretamente responsáveis pela eclosão desses movimentos, que sacudi-

ram o governo do Marechal Floriano Peixoto. O primeiro desses movi-

mentos armados foi a RevoltadaArmada.

COMENTÁRIO

Constituição

Só para lembrar, a Constituição estabe-

lecia eleições diretas para presidente e

para vice-presidente e as primeiras elei-

ções foram indiretas.

Grupo de militares

Marinha e Exército

CURIOSIDADERevolta da Armada

Para alguns historiadores, a Revolta da

Armada enfrentada pelo Presidente Flo-

riano Peixoto seria a segunda, uma vez

que por ocasião da tentativa de fecha-

mento do Congresso pelo então Presi-

dente Deodoro da Fonseca, o Almirante

Custódio de Melo havia ameaçado bom-

bardear a capital federal caso Deodoro

mantivesse o plano. Esse evento, para

alguns, é chamado de Primeira Revolta

da Armada.

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96 • capítulo 4

Liderada pelo Almirante Custódio de Melo, alguns militares exigiam

a imediata convocação de novas eleições presidências afirmando que o

país deveria retomar o caminho da legalidade. Além disso, havia uma

questão interna às forças armadas: a Marinha sentia-se, desde a procla-

mação da República, desprestigiada politicamente, na medida em que a

própria proclamação teria se dado a partir de um golpe articulado pelo

próprio Exército.

De posse de alguns navios, os revoltosos bombardearam a cidade

do Rio de Janeiro, mas o marechal/presidente não recuou. Conhecido

como o Marechal de Ferro, pela forma dura e autoritária com a qual rea-

gia a tais enfrentamentos, Floriano organizou a defesa do litoral e, con-

tando com o apoio do Exército, conseguiu controlar e vencer a rebelião.

Após a vitória governamental no Rio de Janeiro o almirante Custódio de

Melo migra para o sul onde se aproxima de outro movimento a Revolu-

ção Federalista.

Esse movimento encontra suas origens na instabilidade política do

estado do Rio Grande do Sul e na disputa histórica, que remonta ao tem-

po do império, entre a formação de um Estado descentralizado ou de

um Estado centralizado. Logo assim que assumiu o governo, Floriano

Peixoto exonerou todos os presidentes de províncias que fossem aliados

do antigo governo e nomeou substitutos.

ATENÇÃOÉ nesse contexto que, no Rio Grande do Sul, foi proclamado presidente o político

Júlio de Castilhos, ligado ao governo federal. Além disso, desde a Proclamação da

República, dois grupos políticos disputavam acirradamente o poder naquele estado.

De um lado estava o Partido Republicano, do outro lado estavam os federalistas.

Os primeiros, do qual fazia parte Júlio de Castilhos, eram defensores do

presidencialismo e de um governo centralizado, sendo influenciados pelo

positivismo e apoiados pelo governo federal. Já os segundos eram contrá-

rios ao governo de Júlio de Castilhos, e defensores de um sistema político

mais descentralizado e defendiam, por isso, uma reforma na Constituição.

Os conflitos armados se iniciaram logo após a proclamação de Júlio de

Castilhos e foram marcados por uma vantagem inicial do movimento fede-

ralista que chegou, inclusive, a ocupar a cidade de Desterro, em Santa Cata-

rina, onde se aproximou de Custódio de Melo, líder da Revolta da Armada.

Após as primeiras vitórias, os federalistas foram sendo, pouco a pou-

co, derrotados pelas tropas federais, enviadas pelo Presidente Floriano.

O acordo final de paz, entretanto, só seria firmado no início do governo

de Prudente de Morais, que venceria as primeiras eleições diretas da jo-

vem República Brasileira.

Pelo que observamos, o cenário político desses primeiros anos de

República foram bastante conturbados. Disputas políticas entre civis e

militares, eleições indiretas, renúncia de presidente, posse inconstitu-

CURIOSIDADE

Partido Republicano

Conhecido como chimangos ou pica-paus.

Partido Federalista

Conhecido como maragatos.

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capítulo 4 • 97

cional, crise econômica, revoltas armadas, descontentamento da Mari-

nha. Nem mesmo dentro do próprio Exército, diga-se de passagem, ha-

via uma unidade política explicita.

COMENTÁRIO

“[...] As Forças Armadas não atuavam como um grupo homogêneo diante de uma clas-

se social cujos representantes políticos, afora raras exceções (...), se encontravam uni-

dos. As rivalidades se recortavam entre Exército e Marinha – razão principal da Revolta

da Armada – entre quadros jovens e velhos, entre partidários de Deodoro e Floriano. A

disputa entre os seguidores dos dois chefes, cujos objetivos não eram essencialmente

diversos, demonstra como a unidade do grupo se quebrava diante de lealdades pesso-

ais [...]” (Bóris Fausto. Pequenos ensaios de História da República – 1889 – 1945).

Entretanto, Floriano Peixoto terminava seu mandato cumprindo a

missão que lhe cabia: “pacificando” a república e derrotando os levan-

tes armados. Mas será que de fato a jovem república brasileira estaria de

fato “pacificada”?

A Primeira Constituição Republicana

REFLEXÃOSe prestarmos a atenção no que lemos até agora, perceberemos que, por diversas

vezes, citamos a Constituição republicana. Como já sabemos, Constituição é a lei

máxima de um país e, mais do que isso, é ela quem dá as características que o Esta-

do terá e de que forma serão regulamentadas as relações sociais.

Findado o Império, tornava-se fundamental a organização de uma

nova Constituição. Ao contrário da anterior, que fora outorgada por D.

Pedro I, a nova Constituição seria elaborada pelo congressoconstituinte

e aprovada em sessão deste mesmo congresso.

EXEMPLO

“Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte,

para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promul-

gamos a seguinte [...]” – Preâmbulo da Constituição de 1891.

Entretanto quais seriam as principais mudanças e diferenças existentes

entre o texto da Constituição de 1824 e o texto da Constituição de 1891?

São muitos, a começar pelo formato do Estado, que migrava de uma

monarquia para uma República e pelo nome que adotava esse novo Es-

tado, expresso no início do texto constitucional: “Constituição da Repú-

blica dos Estados Unidos do Brasil”.

CURIOSIDADE

Outorgada

Existem duas formas de fazer valer uma

Constituição. Uma delas é proclamando

-a. Isso ocorre quando ela é escrita por

um grupo de pessoas, que formam uma

assembleia e se submete o texto final

a essa mesma assembleia. Outra forma

é quando ela é outorgada por uma au-

toridade. Ou seja, nomeia-se um grupo

que vai escrevê-la e o chefe do execu-

tivo, sem consultar nenhum instrumento

político faz valer o texto constitucional.

Congresso constituinte

Quando se vai promulgar uma Consti-

tuição democraticamente, um grupo de

pessoas é eleita para escrevê-la. Este

grupo é chamado de Assembleia Cons-

tituinte. Quando o grupo que vai escre-

ver a Constituição acumula a função

legislativa, ou seja, compõe o Congres-

so nacional, chamamos de “Congresso

Constituinte”.

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98 • capítulo 4

Esse nome desde já revela a in-

fluência que o texto sofreria, em al-

guns pontos, da Constituição esta-

dunidense. A influência poderia ter

sido ainda maior, caso o primeiro

presidente tivesse acatado o primei-

ro modelo da Bandeira Nacional:

Já apontamos algumas diferenças, como na relação entre Estado e

Igreja. Veremos mais algumas. Nós falamos muito em eleição, em voto

direto ou indireto. Mas o que determinava a Constituição republicana

em relação ao processo eleitoral e ao direito de voto? A nova Constitui-

ção estabelecia a eleição direta, tanto para o Executivo como para o Le-

gislativo, em um único turno e determinava o voto universal. A Cons-

tituição imperial estabelecia o voto censitário. No caso específico da

Constituição Imperial, como já vimos, o critério era econômico.

Então, podemos afirmar que a Constituição republicana permitiu a

ampliação do eleitorado, ou seja, da população que poderia participar

do processo eleitoral. Entretanto, essa ampliação foi mínima, uma vez

que, embora universal, o direito de votar tinha alguns limites. Vejamos

o que dizia o texto constitucional:

TÍTULO IV

Dos Cidadãos Brasileiros

SEÇÃO I

Das Qualidades do Cidadão Brasileiro

Art 70 — São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem

na forma da lei.

§ 1º — Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as

dos Estados:

1º) os mendigos;

2º) os analfabetos;

3º) os praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino

superior;

4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou co-

munidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra

ou estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual.

Ficaram de fora mulheres e analfa-

betos, só para nos prendermos ao grupo

principal. Isso era um limite grave, na

medida em que, cumprindo todas as exi-

gências, o universo eleitoral girava em

torno de 3% da população brasileira.

CURIOSIDADE

Voto universal

Ocorre quando todos os cidadãos da-

quela nação têm direito de votar.

Voto censitário

É quando se cria condições para que o

indivíduo possa exercer seu direito de

escolha.

É um limite e tanto para a democracia!

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capítulo 4 • 99

É claro que essas limitações interessavam às elites políticas que go-

vernavam o país, na medida em que permitiam um relativo controle so-

bre o voto. Além disso, essa característica influenciou diretamente nas

políticas educacionais, uma vez que interessava a manutenção do anal-

fabetismo, como elemento construtor do controle político.

COMENTÁRIOCuriosamente, a mesma Constituição que limitava a cidadania —, expressa na

participação política por meio do voto — foi responsável por uma ação que au-

mentou o número de cidadãos brasileiros, em um evento que ficou conhecido

como a Grande Naturalização. Como se deu esse fenômeno? Logo após a pro-

clamação foram naturalizados todos os estrangeiros que aqui viviam e que não

manifestassem o direito de não sê-lo.

EXEMPLOA própria Constituição, promulgada em 1891, dizia em seu artigo 69 que seriam ci-

dadãos brasileiros “os estrangeiros, que se encontrando no Brasil aos 15 de novem-

bro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a

Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem.”

Outro aspecto diferencial entre o texto de 1891 e o texto de 1824 se refere à dis-

tribuição de poderes. O texto imperial estabelecia um quarto poder, o Moderador,

de uso exclusivo do Imperador. A nova Constituição extinguia o Poder Moderador,

estabelecendo apenas os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O Poder Legislativo era composto pela Câmara dos Deputados e pelo

Senado. Os membros do Senado perdiam sua vitaliciedade e passavam

a ter um mandato, seguindo o exemplo dos membros da Câmara dos

Deputados. A diferença é que o mandato de um Deputado tinha a du-

ração de três anos e o de um Senador nove. No que diz respeito ao Po-

der Executivo, a Constituição estabelecia um mandato de quatro anos e

proibia a reeleição consecutiva.

Também estabelecia a Cartade1891 que caso o cargo de Presidente

da República ficasse vago antes de completarem dois anos da eleição,

deveriam ser convocadas novas eleições.

Outra característica importante a ser discutida dessa Constituição é

a autonomia que se concede aos estados. Adotando a RepúblicaFede-

rativa como forma e de governo (república) e forma de Estado (federa-

ção) e o Presidencialismo como sistema político, a nova Constituição

dava ampla autonomia aos estados, permitindo que estes contraíssem

empréstimos no exterior, constituíssem forças militares próprias e or-

ganizassem suas próprias constituições, que estariam subordinadas à

Constituição Federal.

Se analisarmos o texto constitucional iremos observar as marcas des-

sa autonomia no Título II em seus diversos artigos. Essas características,

CURIOSIDADE

Vitalício

É aquilo que dura a vida inteira. Quando

dizemos que mandato de um Senador

é vitalício, estamos dizendo que ele só

acaba na morte deste mesmo Senador.

Mandato

Período do exercício das funções atribu-

ídas pelo processo eleitoral. É o tempo

em que um legislador ou um presidente,

ou qualquer outro cargo eleitoral, per-

manece no poder.

República Federativa

É um Estado que possui características

de uma República e de uma Federa-

ção. Ou seja, é um Estado formado pela

união de estados federados que pos-

suem autonomia ampla, mas se subor-

dinam ao Governo Federal.

Presidencialismo

É um sistema de governo onde o Presi-

dente (no caso de Estados democráti-

cos, eleito) acumula as funções de Che-

fe de Estado (representante da nação)

e de Chefe de Governo (aquele que

efetivamente governa).

COMENTÁRIO

Carta de 1891

Como já informado na polêmica envol-

vendo Floriano Peixoto no cargo de Pre-

sidente da República, após a renúncia

de Deodoro.

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100 • capítulo 4

de maior autonomia regional, representam uma vitória dos interesses

locais, principalmente dos grandes estados (Minas Gerais e São Paulo).

Elas serão, inclusive, de fundamental importância na construção de um

modelo político, consolidado após o Governo de Floriano Peixoto e que

perdurou por toda a chamada República Oligárquica (1894/1930), que

ficou conhecida por “coronelismo”.

Implantada a Constituição e findado o governo de Floriano Peixoto,

encerrava-se a primeira etapa da implantação do Regime Republicano,

instaurado no Brasil em 1889. Essa transição Monarquia — República

se cristalizava longe do olhar popular. Se tivéssemos de escolher uma

característica marcante desse processo, certamente seria o afastamento

das massas populares deste processo.

ATENÇÃOTudo foi articuladamente preparado para que a transição ocorresse sem rupturas

radicais. Tratava-se de garantir uma espécie de transição controlada, de modos que

interesses e privilégios das classes dominantes não fossem sequer ameaçados. O

acesso à terra, as relações de trabalho no campo, o controle do voto, o predomínio

das relações pessoais na construção dos laços políticos, são “permanências” que

garantiam a organização de um Estado nos moldes desejados pelas elites econômi-

cas, principalmente a dos grandes estados de Minas Gerais e São Paulo.

Dessa forma, o que vai se construir durante toda a República Velha é

um sistema político/econômico, controlado por um pequeno grupo de

grandes proprietários rurais, enquanto a população, principalmente as

camadas mais pobres, assistia a tudo bestializada.

RESUMO• Os primeiros governos republicanos foram constituídos por presidentes militares;

• Já nos primeiros anos a jovem República enfrentou uma grave crise econômica:

o Encilhamento;

• O período foi marcado por rebeliões armadas: Revolta da Armada e Revolução

Federalista;

• Havia divergências entre as elites agrárias e os militares;

• A Constituição republicana concedia autonomia para os estados, separava o Es-

tado da Igreja, estabelecia o voto universal (mas excluía mulheres e analfabetos) e

direto entre outras coisas;

• A república foi proclamada sem a participação popular;

• Após os governos militares inicia-se um período em que as oligarquias agrárias,

principalmente as cafeeiras, irão controlar o país.

CURIOSIDADE

Elites econômicas

Segundo o dicionário Aurélio, elite é um

grupo de pessoas influentes em uma

dada sociedade, por estarem em posi-

ção de poder acima das demais. Dessa

forma, podemos entender que a expres-

são “elite econômica” se refere a um

grupo de pessoas que ocupam um lugar

de influência política determinada pela

sua posição econômica, ou seja, é o

grupo social que concentra a maior fatia

da riqueza e que por isso pode exercer

influência política.

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capítulo 4 • 101

ATIVIDADE

Questão 1 (ENEM 2010)

I — Para consolidar-se como governo, a República precisava eliminar as arestas, conciliar-se com o pas-

sado monarquista, incorporar distintas vertentes do republicanismo. Tiradentes não deveria ser visto como

herói republicano radical, mas sim como herói cívico religioso, como mártir, integrador, portador da imagem

do povo inteiro. (CARVALHO, J. M. A formação das almas: O imaginário da República no Brasil. São

Paulo: Companhia das Letras, 1990).

II — Ei-lo, o gigante da praça,/O Cristo da multidão! É Tiradentes quem passa/Deixem passar o Titão. (AL-

VES, C. Gonzaga ou a revolução de Minas. In: CARVALHO. J. M. C. A formação das almas: O imaginário

da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990).

A Primeira República brasileira, nos seus primórdios, precisava constituir uma figura heroica capaz de con-

gregar diferenças e sustentar simbolicamente o novo regime. Optando pela figura de Tiradentes, deixou de

lado figuras como Frei Caneca ou Bento Gonçalves. A transformação do inconfidente em herói nacional

evidencia que o esforço de construção de um simbolismo por parte da República estava relacionado:

A) ao caráter nacionalista e republicano da Inconfidência, evidenciado nas ideias e na atuação de Tiradentes.

B) à identificação da Conjuração Mineira como o movimento precursor do positivismo brasileiro.

C) ao fato de a proclamação da República ter sido um movimento de poucas raízes populares, que preci-

sava de legitimação.

D) à semelhança física entre Tiradentes e Jesus, que proporcionaria, a um povo católico como o brasileiro,

uma fácil identificação.

E) ao fato de Frei Caneca e Bento Gonçalves terem liderado movimentos separatistas no Nordeste e

no Sul do país.

Questão 2 (ENEM 2010)

O artigo 402 do Código penal Brasileiro de 1890 dizia: Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agi-

lidade e destreza corporal, conhecidos pela denominação de capoeiragem: andar em correrias, com armas

ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens.

Pena: Prisão de dois a seis meses. (A Negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro: 1850-1890.

Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1994 — adaptado).

O artigo do primeiro Código Penal Republicano naturaliza medidas socialmente excludentes. Nesse con-

texto, tal regulamento expressava:

A) A manutenção de parte da legislação do Império com vistas ao controle da criminalidade urbana.

B) A defesa do retorno do cativeiro e escravidão pelos primeiros governos do período republicano.

C) O caráter disciplinador de uma sociedade industrializada, desejosa de um equilíbrio entre progresso e

civilização.

D) A criminalização de práticas culturais e a persistência de valores que vinculavam certos grupos ao

passado de escravidão.

E) O poder do regime escravista, que mantinha os negros como categoria social inferior, discriminada e

segregada.

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102 • capítulo 4

GABARITO

Questão 1 – C

Questão 2 – D

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, R. S. L.; DIAS, L. S. O samba-enredo vista a História do Brasil. Rio de Janeiro: Ciência Moderna,

2009.

CARONE, E. A República Velha: evolução política. São Paulo: DIFEL, 1971.

CARVALHO, J. M. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Republica que não foi. São Paulo: Cia. das Letras,

1987.

______________________. A formação das almas. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.

FAUSTO, B. Pequenos ensaios de História da República (1889/1945). In: Cadernos CEBRAP. São Paulo.

GERAB, W. J.; ROSSI, W. Indústria e trabalho no Brasil: limites e desafios. São Paulo: Atual, 1997.

LUSTOSA, I. A História do Brasil explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007.

NEVES, M. S.; HEIZER, A. A ordem é o progresso: o Brasil de 1870 a 1910. São Paulo: Atual, 2004.

REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL. Ano 4, número 42. Março de 2009.

TEIXEIRA, F. M. P. História Concisa do Brasil. São Paulo: Global, 2000.

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Café ou leite?

antonio henrique de castilho gomes

15

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104 • capítulo 5

O Café com leite: a política na República Oligárquica

Por que a História resolveu “batizar” a forma de fazer política durante a

chamada República Oligárquica de Política do Café com Leite?

CURIOSIDADEO grande poeta, músico e compositor Noel Rosa, em 1934, ano em que a política do

café com leite já não tinha tanta força assim (estávamos nos primeiros anos da cha-

mada Era Vargas), lançava uma canção que seria um grande sucesso: “Feitiço da Vila”.

Essa canção colocava o bairro carioca de Vila Isabel como um lugar onde se fazia

samba. Mas o que nos interessa é um único trecho dessa composição. Nele Noel faz

referência ao café com leite: “Lá, em Vila Isabel, quem é bacharel não tem medo de

bamba. São Paulo dá café, Minas dá leite, e a Vila Isabel dá samba.”

No capítulo anterior, nós verificamos que a Constituição, ao conce-

der autonomia aos estados acabou favorecendo politicamente as elites

econômicas desses estados.

Além disso, verificamos também que, entre todos os estados, São

Paulo e Minas Gerais, maiores colégios eleitorais e principais econo-

mias, foram os mais favorecidos. No decorrer das três primeiras décadas

do século XX, os dois estados, representados por suas elites econômicas

irão construir e consolidar o controle político do Estado Nacional, inclu-

sive celebrando um acordo (nem sempre cumprido à risca), que estabe-

lecia um revezamento entre o Partido Republicano Paulista e o Partido

Republicano Mineiro, na Presidência da República. Você deve estar se

perguntando: “Partido Mineiro? Partido Paulista?”

De fato, isso pode nos causar algum estranhamento, porque hoje

concebemos os partidos no âmbito nacional, mas, na época, os partidos

eram estaduais e não nacionais. Como o estado de São Paulo era o maior

produtor de café, e o estado de Minas Gerais, o maiorprodutordeleite ,

acabou-se chamando esse acordo político entre as oligarquias paulista e

mineira de “Política do café com leite”.

Entretanto, o que significava na prática essa política? Como ela se

sustentava? Quais os interesses que levaram a constituição desta alian-

ça? Que mecanismos garantiam o funcionamento dela? E os demais es-

tados? Onde entram nesse cenário?

Primeiro precisaremos recordar como essas oligarquias chegaram

ao poder. Então vejamos este ponto.

5 Café ou leite?

CURIOSIDADE

Colégios eleitorais

Colégio Eleitoral – Total de cidadãos com

direito a voto em determinada região.

COMENTÁRIO

Maior produtor de leite

Embora também fosse um grande pro-

dutor de café.

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capítulo 5 • 105

RESUMO

Como vimos no capítulo anterior, a República foi proclamada com base em uma alian-

ça entre as elites agrárias — principalmente os cafeicultores de São Paulo — e os mi-

litares. Após a proclamação da República, essa aliança começou a apresentar proble-

mas e ser palco de disputas entre esses cafeicultores, defensores da transitoriedade

do governo militar, e uma facção dos militares do exército que pretendiam permanecer

mais tempo no governo. Essa disputa, como vimos, ficaria representada na disputa

eleitoral entre o Marechal Presidente Deodoro da Fonseca e o paulista Prudente de

Morais, que seria derrotado nas primeiras eleições presidenciais (indiretas).

Sabemos que, após os conturbados governos do próprio Deodoro e de seu vice, o

também Marechal, Floriano Peixoto, os cafeicultores paulistas chegaram ao poder

com a vitória eleitoral, agora em uma eleição direta, de Prudente de Morais, que se

tornaria o primeiro presidente civil da jovem República Brasileira.

A partir daí começaria a se construir um modelo político sustenta-

do pelos acordos, pelo controle do voto e predomínio das elites agrárias

nos seus respectivos estados, enfim da prática do Coronelismo. Mas o

que é mesmo o Coronelismo?

Essa denominação, na verdade, se remonta a Guarda Nacional, orga-

nização militar criada no Brasil em 1832, durante o período regencial.

Na prática a Guarda Nacional que, na sua criação, estava subordinada a

um grande proprietário rural que recebia o título de Coronel, era o ins-

trumento que fazia valer o poder dessas autoridades locais sobre uma

parcela da população que a ele estava subordinada. Essa subordinação,

que se dava em muitos aspectos, garantia a esse grande proprietário um

controle político absoluto na região onde ele predominava.

COMENTÁRIO

Nas palavras de José Murilo De Carvalho:

A distância entre a lei e a realidade sempre esteve presente no cotidiano da maioria

dos brasileiros. Até a metade do século XX, para quase toda a população rural, que

era majoritária, a lei do Estado era algo distante e obscuro. O que essa população

conhecia, e bem, era a lei do proprietário. Até mesmo autoridades públicas, como ju-

ízes e delegados, eram controladas pelas facções dominantes nos municípios. Havia

o “juiz nosso”, o “delegado nosso”. (Escola de transgressão. In: Revista de História da

Biblioteca Nacional. Ano 4, número 42, março de 2009, p. 20)

Esse controle político, garantido por essa subordinação, ou depen-

dência, se refletia no controle sobre o voto. Na sua região era eleito

quem o Coronel desejasse. Dessa forma, os municípios eram totalmen-

te controlados por esses grandes proprietários, que, pela força ou pela

dependência, tinham sob seu controle os votos necessários para garan-

tir o predomínio político.

CURIOSIDADE

Coronelismo

Para entendermos o funcionamento

político de toda a República Oligárquica

é necessário compreender bem o fun-

cionamento desse modelo político. O

coronel a que se faz referência não é a

patente militar do exército. Nesse caso,

estamos nos referindo ao grande pro-

prietário rural, que também é conhecido

por “coronel”. Você já deve ter visto na

televisão ou lido em algum livro uma per-

sonagem, grande proprietária de terras,

sendo chamada de “Coronel Fulano”!

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106 • capítulo 5

Do coronel a população local dependia para quase tudo.

EXEMPLOEmprego, médico, segurança, são só alguns exemplos de formas de dependência

desta população empobrecida em relação ao chefe político local.

Esses favores muitas vezes eram dados em troca de votos, em uma

prática conhecida como clientelismo, em que o eleitor, uma espécie de

cliente, recebe favores e, em troca, garante que seu voto e de seus fami-

liares serão dados ao Coronel que lhes prestou o serviço. Era uma espé-

cie de troca: o Coronel fazia o “favor” e recebia o voto.

Se prestarmos atenção ao

noticiário político da atualida-

de, observaremos que essa é

uma prática ainda usual, em-

bora seja proibida pela legis-

lação eleitoral em vigor. Mas

essa não era a única forma

de controle eleitoral exercido

pelo Coronel. Outra possibili-

dade era a utilização da força,

o chamado voto de cabresto. Este se manifestava, fosse pela presença dos

jagunços desse coronel nos lugares onde ocorria a votação, fosse pela sim-

ples ameaça ou ainda pelo medo da violência construído no dia a dia.

A coerção eleitoral era facilitada pelo fato das eleições serem abertas

e não secretas. A legislação eleitoral em vigor na época não estabelecia

o voto secreto, ou seja, era possível saber em quem o cidadão tinha vota-

do, o que facilitava a ação coercitiva sobre o voto.

COMENTÁRIODe certo modo, mesmo com mais dificuldades — hoje em dia o voto, como sabemos,

é secreto — ainda temos muitos eleitores que sofrem coerção pela violência na hora

de exercer o direito de voto.

Além dessas formas de corrupção eleitoral, havia fraudes de todos

os tipos. Sessões eleitorais eram fechadas e os jagunços do Coronel vo-

tavam por todos os eleitores daquela zona eleitoral, inclusive pelos mor-

tos. A contagem era realizada sem que ninguém fiscalizasse. Por isso, o

processo eleitoral garantia de todas as formas possíveis que apenas os

candidatos indicados pelos coronéis fossem eleitos.

Esse poder quase absoluto que os coronéis tinham em “seus” mu-

nicípios, de alguma forma significava um problema para o governo fe-

deral, que precisava estabelecer uma relação que lhes garantisse apoio

nas eleições presidenciais. O fato é que as oligarquias cafeeiras preci-

savam estabelecer uma aliança política com estes coronéis, principal-

CURIOSIDADE

Jagunço

Empregado armado que servia de guar-

da-costas de políticos e fazendeiros,

capanga.

Coerção

É o ato de induzir, pressionar ou compe-

lir alguém a fazer algo pela força, intimi-

dação ou ameaça.

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capítulo 5 • 107

mente no nordeste. Esse acordo se consolida no governo do Presiden-

te Campos Sales, por meio de uma aliança que ficou conhecida como

“Política dos Governadores”.

Esse “esquema” funcionava de forma bastante simples, até porque

as divergências que existiam entre o governo federal e o poder dos es-

tados, representados pelos coronéis, não eram ideológicas, o que facili-

tava o acordo. A alma dessa política era a chamada Comissão de Verifi-

cação dos Diplomas dos Eleitos. A essa Comissão, criada no Congresso

Nacional, cabia acatar, ou não, a eleição, tanto do executivo quanto do

legislativo. Ou seja, só seriam diplomados depois que sua eleição fosse

confirmada pela tal Comissão.

Ora, quem controlava essa Comissão? Era o próprio Estado. Dessa

forma, só tomavam posse os candidatos eleitos apoiados pelas oligar-

quias locais. Os que não pertencessem a esses grupos não tomavam

posse, em um movimento que ficou conhecido como “degola”. Para as

elites locais, esse mecanismo, mais do que garantir a eleição de seus

candidatos, demonstrava o reconhecimento, por parte do governo fede-

ral, do poder que esses coronéis tinham em seus estados e municípios.

Dessa forma, o Governo Federal mandava um recado: reconhecia a

autoridade política local, não interferia nos assuntos locais, garantia os

privilégios locais e, em troca, recebia o apoio político na hora da eleição

presidencial. Assim, garantia-se a política do café com leite, porque ela

garantia o predomínio local dos coronéis, como vemos no esquema:

FederalPolítica do café com leite

(MG/SP)

EstadualPolítica dos Governadores

Oligarquias locais

Municipal

Coronéis

Curral

Eleitoral

Comissão de Verificação

Degola

Voto de cabresto Clientelismo

Dessa forma, o controle político eleitoral durante toda a chamada

República Oligárquica esteve nas mãos dos grandes proprietários ru-

rais, mantendo seus privilégios e assegurando uma política econômica

basicamente ruralista. Entretanto, é um erro acreditar que essa hege-

monia não teve seus momentos de crises.

COMENTÁRIO

Diplomados

Quando os eleitos tomam posse de seus

mandatos.

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108 • capítulo 5

Diversos foram os movimentos sociais que ao longo desse período aba-

laram as estruturas do país, como veremos no próximo item.

Movimentos Sociais

Movimentos rurais

Como vimos no item anterior, a base do controle político exercido pelos

grandes latifundiários estava na condição de dependência da imensa

população rural brasileira. No início do século XX, a maior parte da po-

pulação brasileira concentrava-se no campo e convivia com uma realida-

de muito dura.

Ao longo de toda a nossa his-

tória, a propriedade de terras

sempre esteve concentrada nas

mãos de uma pequena parte da

população. A agricultura bra-

sileira sempre foi baseada na

grande propriedaderural, desde os tempos da colônia e, dessa forma,

sempre favoreceu essa concentração.

Fato é que, no início da República, essa imensa massa de campone-

ses sem terra dependiam diretamente dos grandes latifundiários para

garantir o seu sustento.

Esse panorama facilitava o controle político sobre os camponeses,

mas também construía uma paisagem de extremapobreza. Nesse uni-

verso de muita pobreza e de muitas incertezas, surgirão personagens

que apresentarão discursos religiosos de esperança em dias melhores.

Eles comporão um movimento típico do interior do Brasil conhecido

como messianismo. Esse movimento se caracteriza pela presença do

elemento religioso no discurso desses indivíduos, que encontram na ex-

trema pobreza um fértil terreno para sua aceitação. Não foram poucos

os beatos que andavam pelo interior com mensagens de fé e de certeza

de uma vida melhor, aqui ou após a morte.

Desse messianismo irão surgir alguns movimentos importantes

na história brasileira. Alguns desses movimentos romperam a fron-

teira do discurso e se transformaram em realidade concreta, o que

incomodava aos grandes proprietários. Entre esses movimentos dois

merecem destaque: Canudos e Contestado. Vejamos no que consis-

tiu o movimento de canudos.

COMENTÁRIO

Campo

Só no decorrer da década de 1960 é

que a população urbana ultrapassou a

população rural.

CURIOSIDADE

Propriedade rural

Também conhecida como latifúndio.

Extrema pobreza

A extrema pobreza pode ser represen-

tada na figura do boia fria, camponês

sem-terra e sem emprego, que diaria-

mente sai de casa na esperança de

conseguir trabalho.

Não foram poucos os instrumentos legais que favoreceram esse fenômeno.

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capítulo 5 • 109

O movimento de Canudos só se torna possível pela junção das condições

miseráveis em que viviam os camponeses com o surgimento do messianis-

mo. Ainda no final do século XIX, no sertão da Bahia irá surgir a figura do be-

ato Antônio Conselheiro (Antônio Mendes Maciel). Dono de uma fé católica

fervorosa, Antônio Conselheiro viu a família ser perseguida por grandes pro-

prietários, tornou-se órfão de pai ainda jovem e mais tarde foi abandonado

pela esposa. Ele identificava na República a origem de diversos problemas e

anunciava transformações profundas no mundo.

No início dos anos de 1890, ele e seus seguidores ocuparam uma fa-

zenda abandonada às margens do rio Vaza-barris no interior da Bahia,

fundando o que se chamaria de “Arraial do Belo Monte”, também co-

nhecido por Canudos, por conta de uma planta comum na região. Lá

estabeleceram uma agricultura de tipo familiar e artesanato, mas que

trouxe algum desenvolvimento à região.

O discurso de Conselheiro encontrou-se com o desejo de transfor-

mação que o camponês nutria dentro de si. Mas, muito mais do que as

pregações ou profecias do Beato, o que incomodava de fato as elites di-

rigentes da região e do país era a perigosa independência que o arraial

mantinha em relação à estrutura política e econômica predominante no

país. O fato é que Canudos era um exemplo que precisava ser extinto.

No início dos anos de 1890, Conselheiro e seus seguidores ocuparam

uma fazenda abandonada às margens do rio Vaza-barris no interior da

Bahia, fundando o que se chamaria de Arraial do Belo Monte, também

conhecido por Canudos, por conta de uma planta comum na região. Lá

estabeleceram uma agricultura de tipo familiar e artesanato que trouxe-

ram algum desenvolvimento à região.

Iniciaram-se, entretanto, expedições contra o arraial, que, àquela al-

tura, era tratado pelo governo e pela imprensa como um lugar de loucos

e fanáticos. Ao todo foram quatro as expedições enviadas contra o ar-

raial. A cada vitória dos “rebeldes” aumentava o desejo e a necessidade,

para o governo, de aniquilar o arraial. Na quarta expedição, comandada

pelo General Artur de Andrada Guimarães, formada por cerca de oito mil

homens armados, com o que havia de mais moderno no exército brasi-

leiro, o arraial foi definitivamente derrotado e sua população dizimada.

COMENTÁRIO

Nas Palavras de Euclides da Cunha:

“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história resistiu até o esgotamento

completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5,

ao anoitecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram

CURIOSIDADE

Sertão

Os Sertões – Samba de Edeor de Paula,

GRES Em cima da hora, 1976.

“Marcado pela própria natureza / O nor-

deste do meu Brasil / Oh! solitário ser-

tão / De sofrimento e solidão / A terra é

seca / Mal se pode cultivar / Morrem as

plantas, e foge o ar / A vida é triste neste

lugar / Sertanejo é forte / Supera misé-

ria sem fim / Sertanejo homem forte /

Dizia o poeta assim / Foi no século pas-

sado / No interior da Bahia / O homem

revoltado com a sorte / Do mundo em

que vivia / Ocultou-se no sertão / Espa-

lhando a rebeldia / Se revoltando contra

a lei / Que a sociedade oferecia / Os

jagunços lutaram / Até o final / Defen-

dendo Canudos / Naquela guerra fatal.”

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110 • capítulo 5

quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam

raivosamente cinco mil soldados” (Euclides da Cunha. Os Sertões. 1975. p. 476).

Outro movimento semelhante em suas características ao movimen-

to de Canudos foi a Guerra do Contestado. O conflito se assenta nas

mesmas condições de pobreza e dificuldade dos camponeses do confli-

to em Canudos.

Essa região era controlada por latifundiários e começou a ser modi-

ficada em 1908 quando uma empresa britânica (Brazil Railways) iniciou

a construção de uma ferrovia. A empresa foi adquirindo terras na região,

desalojando uma quantidade significativa de famílias. Essa situação só

não foi mais complicada porque ao longo da construção a empresa con-

tratou cerca de 8 mil trabalhadores. Entretanto, finalizada a obra, esses

trabalhadores foram demitidos e se uniram às famílias expulsas de suas

propriedades.

ATENÇÃOÉ nesse quadro desolador que aparece a figura do “monge” José Maria. Cercado

pelo mesmo misticismo que envolvia a figura do Conselheiro, o beato José Maria

ampliou sua fama por se autoproclamar herdeiro de um beato desaparecido anos

antes e que virou lenda, na medida em que estes camponeses aguardavam sua volta

messiânica. Os seguidores do beato ocupavam umas terras que haviam sido cedidas

por um “coronel”.

O desenvolvimento dessa comunidade levou as tropas policiais de

Santa Catarina a expulsarem o grupo que seguiu para terras pertencen-

tes ao estado do Paraná. Essa ocupação foi vista como uma tentativa de

anexação do território por coronéis de Santa Catarina, o que levou o go-

verno federal a enviar tropas para destruir a comunidade. A resistência

foi intensa e a cada derrota a comunidade se reorganizava, só sendo de-

finitivamente derrotada em 1916, com um ataque violento de tropas do

exército brasileiro, deixando cerca de 20 mil mortos.

Operando em outra lógica, mas originário de uma mesma realidade,

temos o cangaço. Esse fenômeno é palco de divergências historiográfi-

cas. Há aqueles que o compreendem dentro de uma lógica que é cha-

mada de banditismo social, enquanto outros o compreendem como um

movimento que não possuía uma ideologia popular e estava mais ligado

aos interesses particulares das lideranças desses bandos.

REFLEXÃOEntretanto, afinal de contas, o que era um cangaceiro? A quem ele estaria ligado?

Quais seus reais interesses?

O fato é que o cangaço foi um movimento independente, tendo

ou não ideologias, o cangaceiro rebelava-se contra a estrutura social

AUTOR

Euclides da Cunha

Nascido no Rio de Janeiro em 1866,

Euclides da Cunha foi engenheiro, mi-

litar, jornalista, escritor. Trabalhou como

correspondente do jornal O Estado de

São Paulo, na guerra de Canudos, onde

escreveu sua principal obra Os Sertões.

Morreu em 1909.

CURIOSIDADE

Guerra do Contestado

A Guerra do Contestado ocorreu em

uma região que foi objeto de disputa

entre as províncias de Santa Catarina e

Paraná desde o século XIX.

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capítulo 5 • 111

vigente. O que o cangaceiro estabelecia era que, em seus domínios, quem mandava

não era o coronel, mas ele. Dessa forma, o cangaço aparecia como uma brecha no con-

trole político do coronel, por isso, eram, muitas vezes, admirados por parte da popu-

lação do interior.

A origem do cangaceiro está na população mais

humilde, mais pobre, vítima da violência e das in-

justiças praticadas pelos coronéis. Dessa forma, ha-

via uma fonte inesgotável de pessoas prontas a ade-

rir ao cangaço. E de fato esse movimento controlou

boa parte do sertão nordestino, submetendo muitas

vezes poderosos coronéis.

Ele quer ser visto, notado respeitado, ou porque é um “benfeitor” ou porque tem auto-

ridade fundada na violência de seus atos.

Esse movimento ficou marcado pela presença de diversos bandos que perambulavam

pelo sertão nordestino, controlando vastas áreas. O cangaço só vai desaparecer, de fato, já

na década de 1930, quando não foi mais capaz de acompanhar o desenvolvimento tecnoló-

gico das armas que as forças policiais e militares utilizavam para seu combate.

EXEMPLO

Dentre todos os bandos, o mais conhecido foi o bando de Lampião e Maria Bonita. De fato, esse bando contava

com a participação de mulheres, na maioria das vezes em condições de igualdade com os homens do bando.

As revoltas urbanas

Se no campo a tensão era construída principalmente pelas péssimas condições de vida dos

camponeses, nos centros urbanos a situação não era muito diferente. As camadas mais po-

bres viviam em um universo de pobreza extrema, cercada de diversos problemas.

Como pano de fundo desse cenário, estava o preconceito racial. A maior parte dessa

população empobrecida e excluída socialmente era formada por negros, ex-escravos ou

descendentes de escravos, que, além da pobreza, sofria com o preconceito racial. O final do

século XIX trazia uma lógica, que invadia o século XX e que estabelecia a mestiçagem como

símbolo de fracasso nacional.

Assim, desde o Império, havia práticas que buscavam embranquecer a sociedade bra-

sileira. A imensa leva de imigrantes europeus, principalmente italianos, que chegara ao

Brasil para substituir a mão de obra escrava, obedecia essa lógica. A grande naturalização

foi outro elemento que tinha como um de seus objetivos essa prática embranquecedora.

Dessa forma, essa população negra, que desde o fim da escravidão ocupava os centros

urbanos, vivia à margem da sociedade. Não tinham acesso à escolaridade, a empregos for-

mais, suas manifestações culturais e religiosas eram proibidas por lei, enfim, eram margi-

nalizados de todas as formas possíveis, muito embora representassem uma parcela signifi-

cativa da população destes grandes centros.

Na capital federal, esse número era bastante significativo, até porque, por ocasião

do fim da escravidão, o Rio de Janeiro era uma das províncias com a maior concentra-

O cangaceiro queria ser visto, identificado, considerado protetor ou ameaça.

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112 • capítulo 5

ção de mão de obra escrava do Império. Assim, o Rio acabou sendo o palco das maiores

tensões urbanas ligadas às questões raciais. Duas merecem destaque: a Revolta da Va-

cina e a Revolta da Chibata.

COMENTÁRIO

A reportagem abaixo lhe causa estranhamento? Ela é de 21 de abril de 2014 e nos diz que houve um

aumento significativo de casos de Dengue. O mosquito Aëdes aegypti, transmissor da dengue, também é

o transmissor da febre amarela, uma das doenças que assolavam a capital federal desde os meados do

século XIX. Ela, a peste bubônica e a varíola produziam um efeito tão devastador, que, alguns países, che-

garam a proibir a vinda de imigrantes e navios cargueiros para o porto do Rio de Janeiro.

Quando algum navio por aqui parava, era obrigado a permanecer em quarentena antes

de aportar em outros países. A pouca infraestrutura e o insuficiente saneamento básico

ajudavam a construir um quadro grave de saúde pública na cidade.

COMENTÁRIOSegundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), em seu documento “Estatísticas do Século

XX”, a população da capital do país à época, o Rio de Janeiro, saltou de 522.651 habitantes, em 1890,

para 1.157.873 habitantes, em 1920.

Esse crescimento populacional aliado à já comentada falta de infraestrutura transfor-

mava a cidade do Rio de Janeiro em um palco de graves problemas sociais. A falta de habi-

tações dignas para as populações mais pobres aumentava ainda mais as condições epidê-

micas em que a cidade vivia.

Todo esse panorama se chocava frontalmente com a ideia de progresso advinda com

a República. Nesse contexto, o Governo Federal do então Presidente Rodrigues Alves no-

meou o Engenheiro Pereira Passos para o governo do Distrito Federal e iniciou uma série

de reformas urbanas, cujo objetivo era modernizar a cidade.

Essas reformas se baseavam nas reformas sofridas pela cidade de Paris em meados do século

XIX e pretendiam introduzir no Brasil a Belle époque, transformando a cidade do Rio de Janeiro

em vitrine da suposta modernidade.

O projeto previa, entre outras coisas, o alargamento de ruas e avenidas do centro, o que

determinava a demolição dos cortiços e zungas, onde habitava a maioria da população em-

pobrecida, majoritariamente negra. Logo, se cumpria dois objetivos claros e indissociáveis

para a lógica que movia tais reformas: modernizar o Rio de Janeiro e retirar do seu centro

as populações negras.

Assim, os cortiços começaram a ser derrubados, e essa população, não tendo para aon-

de ir, iniciou a ocupação dos morros mais próximos do centro da cidade. A grande questão

é que, nos morros, as condições de vida dessa população não eram muito diferentes daque-

las nos cortiços e zungas.

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capítulo 5 • 113

Além dessas reformas, o projeto de modernização da capital federal

pressupunha também a erradicação das epidemias que assolavam a ci-

dade e o maior conjunto de ações ocorreu a partir da nomeação do mé-

dico sanitarista Oswaldo Cruz, que lideraria as ações de combate às epi-

demias. Se por um lado, as reformas urbanas se utilizaram de medidas

autoritárias, como as derrubadas dos cortiços, o combate às epidemias

seguiu o mesmo curso.

EXEMPLOPara conter o avanço da peste bubônica, o governo do Distrito Federal estabeleceu

uma estratégia curiosa: passou a comprar ratos mortos da população, incentivando-a

a iniciar uma verdadeira temporada de caça aos ratos. É obvio que somente a parcela

mais empobrecida participava dessas ações, e por conta disso expunha-se mais ao

risco de contaminação.

Entretanto, o auge do combate às epidemias ocorre com a decreta-

ção da vacinaçãoobrigatória.

A decretação da vacina-

ção obrigatória causou um

elevado grau de descon-

tentamento em diversos

setores da sociedade brasi-

leira. Dentro de uma lógica

autoritária, Oswaldo Cruz,

em nenhum momento, se

preocupou em esclarecer à

população de que se tratava

a vacina.

Aliás, é bom que se diga, a vacinação preventiva era uma novidade na

época não apenas para os mais pobres, mas para a população em geral.

A resistência à vacinação não nasceu nas camadas populares. Para se ter

uma ideia, a Liga Contra a Vacina Obrigatória foi criada pelo Senador Lauro

Sodré e refletia uma insatisfação mais ampla. A questão é que as camadas

mais populares já se apresentavam insatisfeitas com uma série de medidas

autoritárias e antipopulares tomadas pelo governo no decurso das ações da

reforma urbana. Por isso, quando as lideranças da Liga convocaram um co-

mício contra a vacinação, a presença popular foi inevitável.

Curiosamente, as lideranças da Liga não se fizeram presentes no

evento que acabou sendo duramente reprimido pelas forças policiais.

Esse confronto acabou se espalhando por toda a cidade. Depredações

de bondes, de estabelecimentos públicos, formação de barricadas, tiros

ocorreram em todo o centro da cidade ao longo de uma semana. Diante

da situação, o governo revogou temporariamente a vacinação obrigató-

ria e conteve as manifestações.

CURIOSIDADE

Vacinação Obrigatória

Lei nº 1.261, de 31 de outubro de 1904

O Presidente da Republica dos Estados

Unidos do Brazil:

Faço saber que o Congresso Nacional

decretou e eu sancciono a lei seguinte:

Art. 1º A vaccinação e revaccinação

contra a variola são obrigatorias em

toda a Republica.

Art. 2º Fica o Governo autorizado a re-

gulamenta-la sob as seguintes bases:

a) A vaccinação será praticada até o

sexto mez de idade, excepto nos casos

provados de molestia, em que poderá

ser feita mais tarde;

b) A revaccinação terá logar sete annos

após a vaccinação e será repetida por

septennios;

c) As pessoas que tiverem mais de seis

mezes de idade serão vaccinadas, ex-

cepto si provarem de modo cabal terem

soffrido esta operação com proveito

dentro dos ultimos seis annos;

Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1904,

16º da Republica.

Fonte: http://www2.camara.leg.

br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-

1261-31-outubro-1904-584180

A vacinação obrigatória se transformava,assim, em mais uma das inúmeras ações autoritárias estabelecidas pelo governo e que atingiam a população.

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114 • capítulo 5

ATENÇÃO

É importante que se diga que pior do que a vacinação obrigatória eram as péssimas

condições de vida das camadas mais pobres, que serviram de combustível para a

explosão que se deu com a decretação. Assim sendo, é preciso observar a revolta

não apenas como um movimento de resistência à vacinação obrigatória, mas como

uma manifestação de descontentamento popular frente a uma série de medidas

autoritárias que não respondiam aos desejos das camadas mais empobrecidas, que

permaneciam excluídas no cenário nacional.

Outro movimento vinculado às questões sociais e raciais ocorrido na

Capital Federal foi a Revolta da Chibata.

REFLEXÃO

Mas se a escravidão foi extinta em 1888, por que em 1910 surgiria uma revolta com

esse nome?

Simples, embora a escravidão estivesse extinta, a marinha brasileira

ainda manteve os castigos corporais como punição disciplinar. Curiosa-

mente, essa prática havia sido extinta um ano após a Proclamação da Re-

pública, mas reintroduzida pelo decreto 328 de abril de 1890. Associado

ao castigocorporal estava às péssimas condições de trabalho dos mari-

nheiros, da má alimentação aos baixos salários, passando pelas longas

jornadas de trabalho.

Esse quadro era ainda pior para os marinheiros que trabalhavam

nas condições insalubres das casas de máquinas. A maioria desses ma-

rinheiros era negra, o que tornava a chibata um castigo físico e moral,

pois remetia à condição de escravo, abolida desde 1888.

Foi nesse contexto que surgiu a Revolta da Chibata. Após um duro castigo

aplicado a um marinheiro, João Cândido, também marujo, lidera um grupo

que vai tomar o comando do “Minas Gerais”, moderno encouraçado da mari-

nha, onde servia o líder do movimento.

Entretanto não parou por aí: outros navios também foram toma-

dos. Após manobrarem os navios e apontarem seus canhões para a

cidade do Rio de Janeiro, os marinheiros enviaram uma carta ao go-

verno federal exigindo, entre outras coisas, o fim dos castigos corpo-

rais e a anistia a todos os envolvidos no levante. Diante da situação,

o responsável pelo governo federal, Hermes da Fonseca, atendeu às

reivindicações dos revoltosos, decretando o fim dos castigos corpo-

rais e garantindo anistia aos revoltosos.

CURIOSIDADE

Chibata

Você sabe o que é uma “chibata”? O di-

cionário define chibata como uma vara

fina e comprida, ou como uma tira fina

de couro usada para bater, ou ainda

como um chicote. A chibata era um ins-

trumento de tortura utilizado contra es-

cravos na punição mais comum aplicada

a eles, a chibatada.

COMENTÁRIOcastigo corporal

O decreto em questão estabelecia a pe-

nalidade de 25 chibatadas em caso de

falta grave.

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capítulo 5 • 115

ATENÇÃO

Depois de encerrado o conflito, entretanto, e com os navios já em poder da marinha, o

Presidente da República autorizou a prisão e expulsão das lideranças do movimento.

João Cândido foi preso com mais 17 marinheiros nas masmorras da Ilha das Cobras,

sendo posteriormente julgado e absolvido, mas jamais reintegrado à Marinha.

Canudos, Contestado, Cangaço, Vacina, Chibata, todos esses movi-

mentos nos revelam uma profunda insatisfação com as condições pre-

cárias a que estavam submetidas às camadas populares, seja no campo,

seja na cidade. As transformações que o Brasil experimentava traziam à

tona questões viscerais, que de alguma forma pressionavam o sistema.

Se na prática tais movimentos não conseguiram subverter definitiva-

mente a ordem estabelecida, pelo menos revelavam que essa não era a

República dos sonhos de todos.

IMAGEM

Jornal do Brasil — Wikipédia

Economia cafeeira e primeiras indústrias

Não é uma novidade republicana a importância do café na economia na-

cional. Desde o Segundo Reinado que o café se tornara o principal pro-

duto da economia nacional. Durante toda a República Velha, essa reali-

dade permanecerá inalterada. A grande diferença é que o grande centro

produtor não será o Rio de Janeiro, mas o Oeste paulista, muito embora

essa migração também tenha ocorrido durante o Segundo Reinado.

CURIOSIDADE

Revolta da Chibata

Esta é a letra da música composta em

1975, por João Bosco e Aldir Blanc, e

retrata com bastante clareza a Revolta

da Chibata. Apresentada aqui com sua

letra original e com as partes censura-

das à época de seu lançamento entre

parênteses.

Há muito tempo nas águas da Guana-

bara / O dragão do mar reapareceu /

Na figura de um bravo marinheiro (fei-

ticeiro) / A quem a história não esque-

ceu / Conhecido como o almirante (na-

vegante) negro / Tinha a dignidade de

um mestre-sala / E ao navegar (acenar)

pelo mar com seu bloco de fragatas (na

alegria das regatas) / Foi saudado no

porto pelas mocinhas francesas /Jo-

vens polacas e por batalhões de mulatas

/ Rubras cascatas jorravam das costas

/ dos negros pelas pontas das chiba-

tas (santos entre cantos e chibatas) /

Inundando o coração de toda tripulação

(do pessoal do porão) / Que a exemplo

do marinheiro (feiticeiro) gritava então /

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias

/ Glória à farofa, à cachaça, às baleias /

Glória a todas as lutas inglórias / Que

através da nossa história / Não esque-

cemos jamais / Salve o almirante negro

(navegante negro) / Que tem por mo-

numento / As pedras pisadas do cais /

Mas faz muito tempo.

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116 • capítulo 5

REFLEXÃO

Como sabemos, as Oligarquias cafeeiras paulistas tem um papel fundamental na ruptura com a monarquia e

a construção da República. Mas o que significa dizer que o café é o principal produto da economia brasileira?

Observemos as tabelas que se seguem:

VALE DO PARAÍBA

OESTE PAULISTA

2 737 639

796 617

VALE DO PARAÍBA

OESTE PAULISTA

2 074 267

8 300 063

77,5

22,5100

100

1854

188820,0

80,0

ANO REGIÃO ARROBAS DE CAFÉ %

COMÉRCIO EXTERIOR DO BRASIL - PRINCIPAIS PRODUTOS EXPORTADOS(% SOBRE O TOTAL DA EXPORTAÇÃO)

1821-18301831-18401841-18501851-18601861-18701871-18801881-18901891-19001901-19101911-19201921-19301931-1940

DECÊNIOS

30,124,026,721,212,311,89,96,01,23,01,40,4

AÇÚCAR

0,50,61,01,00,91,21,61,52,83,63,24,1

CACAU

2,51,91,82,63,03,42,72,22,42,62,11,6

FUMO

20,610,87,56,218,39,54,22,72,12,02,413,9

ALGODÃOEM PLUMA

0,10,30,42,33,15,58,015,028,212,12,61,0

BORRACHA

13,67,98,57,26,05,63,22,44,36,24,64,4

COUROSE PELES

-0,50,91,61,21,51,21,32,93,02,71,7

ERVA-MATE

18,443,841,448,845,556,661,564,551,353,069,652,4

CAFÉ

86,889,888,290,990,395,192,393,695,285,588,679,5

TOTAL

Se observarmos a primeira tabela, verificaremos como a produção paulista supera a

produção do estado do Rio de Janeiro, localizada na região do Vale do Paraíba.

Olhando para a segunda tabela, iremos observar a participação da produção cafeeira

no total das exportações brasileiras, comparando-a com a participação de outros produtos

primários. Só para termos uma ideia da importância do café nesse cenário, basta perceber

que, entre os anos de 1890 e 1930, a participação do café ficou entre 51% e 69%.

Isso é de uma importância muito significativa. No decênio 1921/1930, o café represen-

tava cerca de 70% do total de nossas exportações.

EXEMPLOSó para exemplificar, era dessa importância que vinha a força política dos grandes produtores de café.

Desse modo, o café acabava sendo o principal gerador de divisas, dólares que o Brasil utilizava para suprir

suas necessidades exportadoras.

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capítulo 5 • 117

Para se ter uma ideia, o Brasil chegou a ser responsável por 75% da

distribuição mundial de café. O país era grande importador de produtos

industrializados, bens de consumo não duráveis, e, mesmo com uma

geração de riquezas considerável, principalmente vinda do café, a eco-

nomia brasileira mantinha sua característica agrário-exportadora, o que

resultava, muitas vezes, em uma balançacomercialdesfavorável.

Aliás, a dívida externa brasileira era um problema, tanto que, no

governo do Presidente Campos Salles, foi posto em prática um plano

econômico que ficou conhecido por funding-loan. Esse plano foi uma

decorrência dos problemas gerados pela política do encilhamento, que

estudamos no capítulo anterior.

Na prática, o funding-loan foi um novo empréstimo para saldar dívi-

das anteriores e dar uma folga à economia brasileira com o objetivo de

reorganizá-la. Esse empréstimo, de cerca de dez milhões de libras, feito

a banqueiros ingleses, tinha condições especiais de pagamento: uma

carência de três anos e um prazo de dez anos. Entretanto havia algumas

exigências, a mais significativa é que o governo dava como garantia de

pagamento todas as nossas rendasalfandegárias.

O fato é que mesmo com a riqueza do café, as condições de nossa

economia eram muito precárias. Os cafeicultores e outros proprietários

de terras eram ricos, mas a economia brasileira, nem tanto.

RESUMOAlém de tudo o que já falamos acerca da importância do café, vale lembrar que ele

era o maior gerador de empregos, diretos ou indiretos, e acabava incentivando o

desenvolvimento de outras atividades econômicas que a ele estavam ligadas. O café

era tão importante para a economia nacional que o governo, que era controlado pe-

los produtores de café, criou um mecanismo de proteção do preço do café.

Entretanto, você deve se perguntar por que um produto tão impor-

tante e tão lucrativo precisava de um sistema de controle de produção?

Por várias razões a produção cafeeira estava sujeita a crises de superpro-

dução, e esse tipo de crise não é nada boa. Você sabe que a lei da oferta

e da procura regulamenta o preço das coisas em uma economia liberal.

Se tivermos pouca quantidade de um determinado produto no mercado

e uma procura muito grande, seu preço aumenta, ou seja, se a procura é

maior do que a oferta haverá alta de preço.

No entanto, quando ocorre o contrário e temos uma oferta grande de

um dado produto associada a uma procura pequena, o preço cai. Quan-

do temos uma superprodução de qualquer produto, a tendência é que

tenhamos maior oferta do que procura, o que vai fazer que esse produto

tenha uma queda de preço.

O café, como já dissemos, era suscetível a essas crises de superpro-

dução. Como a maior parte da produção era destinada ao mercado ex-

terno, qualquer problema na economia dos países consumidores de

CURIOSIDADE

Balança comercial

Todos os países vendem produtos para

outros países, o que nós chamamos de

exportação, e também compram pro-

dutos de outros países, que chamamos

de importação. Balança comercial é a

relação entre o volume de riqueza con-

seguido com as exportações e o volume

gasto com as importações. Dizemos que

a balança comercial de um país é favo-

rável quando a riqueza conquistada com

as exportações é maior que a riqueza

gasta com as importações. Quando

acontece o contrário dizemos que a ba-

lança comercial é desfavorável, o que é

um problema.

Se a balança comercial se mantém

sempre desfavorável, o país começa a

contrair dívida em cima de dívida, o que

vai trazendo uma série de problemas

econômicos.

Funding-loan

É uma expressão da língua inglesa que

significa empréstimo, financiamento.

Carência

Tempo para iniciar o pagamento.

Rendas Alfandegárias

Impostos arrecadados com as exporta-

ções.

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118 • capítulo 5

nosso café (Inglaterra e EUA, eram os principais), a compra era suspensa

e ficávamos com toneladas de café acumulados no porto.

Além disso, como o café dava muito lucro, havia uma tendência a

produzir cada vez mais. Dessa maneira, para garantir o preço e os lucros

dos cafeicultores, o governo se comprometia a comprar o excedente de

café e a queimá-lo, caso fosse necessário, em um acordo que ficou co-

nhecido como “Convênio Taubaté”.

Com isso, o governo federal garantia os lucros dos cafeicultores. O

governo contraía empréstimos, gastava dinheiro público para garantir

os lucros de uma pequena parcela da sociedade. Como isso era possível?

Não podemos nos esquecer de que eram os cafeicultores que governa-

vam o país.

ATENÇÃOAlém de todas as questões que explicam a importância do café no cenário da eco-

nomia nacional, gerador de divisas, gerador de empregos diretos e indiretos, respon-

sável pelo desenvolvimento de outras atividades econômicas, e outras tantas que

sequer comentamos, o café teve uma importância significativa no nascimento das

nossas primeiras indústrias. É claro que isso é uma expressão exagerada, porque já

havia algumas indústrias no Brasil, desde o século XIX, mas é na segunda década do

século XX que aparece um número significativo de indústrias.

A maior parte dessas novas indústrias vai se concentrar em São Paulo

porque lá estava a maior produção cafeeira, e, portanto, a maior concen-

tração de capital. Desse modo, foram os capitais gerados pela economia

cafeeira que em parte financiaram o aparecimento dessas indústrias.

Como já dissemos, o Brasil impor-

tava quase tudo que consumia, em

termos de produtosindustrializados,

principalmente o que chamamos de

bens de consumo não duráveis.

Essas importações vinham prin-

cipalmente da EuropaedosEstadosUnidos. Com a eclosão da Primei-

ra Guerra Mundial, em 1914, esses países suspenderam esse comércio.

Consequentemente, o Brasil precisou passar a produzir esses bens de

consumo a fim de substituir parte das exportações, daí o nome de “in-

dústrias de substituição”.

No entanto, permanecíamos um país majoritariamente agrário-ex-

portador. Essas indústrias eram pequenas e concentradas principal-

mente no eixo Rio de Janeiro/São Paulo, com predominância do estado

de São Paulo.

CURIOSIDADE

Capital

Riqueza investida na geração de mais

riqueza. Podem ser diversas formas de

riqueza: dinheiro, equipamento e até

produtos, desde que utilizados para ge-

rar mais capital.

COMENTÁRIOProdutos industrializados

Produtos que utilizamos no dia a dia e

que possuem um tempo de utilização

relativamente pequeno — vidros, roupas,

chapéus etc.

Europa e dos Estados Unidos

A Inglaterra era uma parceira econômi-

ca histórica.

Esse crescimento industrial está ligado à Primeira Guerra Mundial.

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capítulo 5 • 119

CONCENTRAÇÃO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL

CONCENTRAÇÃO %

SÃO PAULO 15,9 31,5 45,4

GUANABARA 30,2 20,8 17,0

RIO DE JANEIRO 7,6 7,4 5,0

MINAS GERAIS 4,4 5,6 6,5

RIO GRANDE DO SUL 13,5 11,1 9,8

DEMAIS ESTADOS 28,4 23,6 16,3

1907 1919 1939REGIÕES

CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: HUCITEC, 1976. Apud: GERAB, William Jorge; ROSSI, Waldemar. Indústria e Trabalho no Brasil. São Paulo: Atual, 1998. p. 69.

DISTRIBUIÇÃO SETORIAL DO PIB BRASILEIRO, 1910-1950 (%)

ANO

*INCLUI O GOVERNO

AGRICULTURA INDUSTRIA SERVIÇOS*

1910 35,8 14,0 50,2

1920 32,0 17,1 50,9

1930 30,6 16,5 52,9

1940 25,0 20,8 54,2

1950 24,3 24,1 51,6

Como podemos observar nas tabelas anteriores, há um relativo crescimento da participa-

ção do setor industrial no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro na década da guerra (1910),

embora a participação preponderante ainda seja do setor agrícola, tendo esse crescimento se

concentrado nos estados de São Paulo (principalmente) e Minas Gerais, justamente os dois

principais estados no cenário político e econômico nacional.

Se esse crescimento não nos colocou na estrada rumo ao universo das nações indus-

trializadas, foi suficientemente significativo para transformar a paisagem urbana dessas

principais cidades, trazendo para o cenário político novos atores, que serão responsáveis

por transformações significativas da República brasileira.

O Código Civil de 1916

A busca pela elaboração de uma legislação civil brasileira foi uma luta que começara já

no Império, logo após a elaboração do Código Comercial, e se estendeu pela República. O

país ainda estava submetido às ultrapassadas normas das Ordenações Filipinas, e foram

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120 • capítulo 5

precisos quase cem anos após a Independência para que ganhasse uma

legislaçãoàalturadosnovostempos.

O Código Civil de 1916 reproduziu, como não poderia deixar de ser,

as concepções predominantes ao final do século XIX e início do século

XX, ou seja, refletia o ambiente liberal-conservador que marcava a so-

ciedade brasileira daquele período. Por isso, seria injusto afirmarmos,

como fazem alguns, que se tratou de uma legislação ultrapassada.

É bem verdade que hoje, diante do novo diploma civil de 2002, a

maior parte desses entendimentos realmente pode ser considerada ul-

trapassada, já que baseados no individualismo então reinante. No en-

tanto, na época em que foi introduzida foi uma legislação em consonân-

cia com seu tempo, adotando, pela primeira vez no Brasil, concepções

capitalistas, principalmente no que diz respeito ao direito de proprieda-

de e à liberdade de contratar.

O movimento operário

Você sabe o que é um sindicato e conhece sua importância na história

da classe trabalhadora? A nossa atual Constituição, em seu artigo 7º,

estabelece um rol ampliado de direitos para os trabalhadores. O movi-

mento operário, organizado em sindicatos é um dos responsáveis pela

conquista e manutenção desses direitos, que só foram garantidos pela

primeira vez na Constituição de 1934.

RESUMOPois bem, vamos conhecer um pouco mais dessa história. No item anterior, verificamos

que, por causa da Primeira Guerra Mundial e graças aos capitais acumulados pela

produção cafeeira, o Brasil teve um crescimento na produção industrial relativamente

importante, e que esse crescimento também foi acompanhado pelo aumento de uma

categoria social que se tornava cada vez mais importante, a classe trabalhadora.

No início do século XX, a memória da escravidão ainda era muito re-

cente. Não podemos nos esquecer de que a escravidão só foi abolida le-

galmente em 1888. Entretanto, sabemos que a forma como a classe mais

abastada se relacionava com a classe trabalhadora ainda trazia vícios da

época da escravidão: basta lembrar a origem da revolta da chibata.

À vista disso, as condições de trabalho do operariado brasileiro eram

muito precárias, assemelhando-se às condições experimentadas pelos

operários ingleses no século XVIII:

EXEMPLO

Longas jornadas de trabalho (quase sempre em torno das 16 horas)

COMENTÁRIO

Legislação à altura dos novos tempos

Antes de ter sido codificado, foi objeto

de encomenda a vários grandes juristas

da época: Teixeira de Freitas, Nabuco

de Araújo, Visconde de Seabra, Felício

dos Santos, Coelho Rodrigues. Entre-

tanto, sua elaboração ficou ao encargo

de Clóvis Beviláqua, jovem (o que seria

fator de desconfianças na época)

jurista da famosa Escola do Recife.

Embora tenha começado seu trabalho

em 1899, o texto final somente viria a

ser aprovado como Código Civil brasi-

leiro em 1916, após muitos debates e

emendas, o que leva, inclusive, a que

alguns considerem ser mais correto

dizer que se trata de uma obra coletiva.

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capítulo 5 • 121

Falta de segurança (os acidentes eram constantes e mutilações e

mortes eram frequentes)

Ausência da seguridade social (o que garantiria a remuneração em

caso de doença, mutilações ou morte)

Não existência de aposentadoria

Trabalho infantil

Remuneração diferenciada por gênero (a mulher sempre tinha salá-

rios inferiores)

Acontece que muitos dos trabalhadores das indústrias brasileiras

eram imigranteseuropeus, onde essas condições já haviam sido abolidas!

Dessa forma, esses trabalhadores não trouxeram apenas sua força de tra-

balho, trouxeram também sua história de lutas por direitos.

É neste contexto, crescimento da produção industrial e da classe

operária, fabril e urbana, que aparecerão as primeiras manifestações de

trabalhadores reivindicando melhores condições de trabalho. Esses tra-

balhadores reuniam-se em sindicatos e eram profundamente influen-

ciados por uma ideologia bastante forte na Europa, principalmente na

Itália: o Anarquismo.

A estratégia de luta e organização desses sindicatos se sustentava

em diversos elementos, mas as greves e paralizações associadas a uma

formação da consciência do trabalhador com base na educação desses

mesmos trabalhadores eram os mais importantes. Dessa maneira, os

anarquistas esperavam reverter às condições de trabalho em curto pra-

zo e, segundo sua lógica, eliminar toda e qualquer forma de opressão,

inclusive o Estado e a divisão da sociedade em classes sociais.

Para difundir suas ideias, os anarco-sindicalistas criaram diversos

jornais, como O livre pensador, A terra livre, A lanterna e muitos outros.

Na medida em que o movimento operário crescia, crescia também a pre-

ocupação do Estado. Desacostumado em lidar com movimentos popu-

lares, o Estado sempre reagia com violenta repressão, basta lembrarmos

o desfecho da Guerra de Canudos e do Contestado!

Por isso, desde 1907, havia uma lei que permitia a expulsão de es-

trangeiros envolvidos com manifestações ou movimentos operários. A

partir do ano de 1917, ano da primeira grande greve, o número de es-

trangeiros expulsos do país se elevou significativamente e a repressão

crescia na mesma proporção que o movimento operário.

COMENTÁRIO

Imigrantes europeus

No estado de São Paulo a maioria era

de origem italiana.

Anarco-sindicalistas

Nome que faz referência aos partici-

pantes dos sindicatos orientados pelo

anarquismo.

Lei

Lei Adolfo Gordo

CURIOSIDADE

Anarquismo

Essa doutrina, contrária a qualquer forma

de dominação ou controle, influenciou o

movimento operário na década de 1910,

sendo responsável pela deflagração das

greves de 1917, 1918 e 1919. Esses

trabalhadores desejavam conquistar

muitas coisas, mas de forma mais ime-

diata melhores condições de trabalho.

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122 • capítulo 5

COMENTÁRIO

É do presidente Washington Luís (1926/1930) a frase “a questão operária é uma questão de política”.

Essa frase revela a intolerância e a violência que marcariam toda a repressão ao movimento.

No entanto, é bom que se diga, muitos direitos foram conquistados, muito embora,

como já dissemos, tais direitos só se consolidariam da década de 1930. A influência do

anarquismo junto ao movimento operário brasileiro entrou em decadência no início da

década de 1920, mais especificamente em 1922, quando foi fundado o Partido Comunista

do Brasil, que passou a centralizar a direção do movimento operário.

A fundação do Partido Comunista é resultado de orientações partidas da III Interna-

cional Comunista, organismo internacional, criado na União Soviética para incentivar e

apoiar possíveis revoluções proletárias (operárias) no mundo todo, a partir de 1919.

ATENÇÃOÉ importante ressaltar que além das conquistas de direitos, que foram muitas e significativas, o movimento

operário, com suas greves, trazia para o cenário nacional uma nova força política, que estava fora das re-

gulamentações e acordos que predominavam na República dos Coronéis e que teria importância vital no

destino da jovem república brasileira: a classe operária (fabril e urbana).

A Semana de Arte Moderna

Você já viu essa imagem? Ela é um importante

quadro de uma grande artista brasileira: Tarsila

do Amaral. Você já ouviu falar dela? Ela está li-

gada a um importante movimento: o Modernis-

mo. Esse movimento tem um importante marco

dentro da sua História, a Semana de 22, ou Se-

mana de Arte Moderna de 1922, ocorrida em

São Paulo, no Teatro Municipal. Nesse evento,

poetas, escritores, pintores, músicos e outros

tantos artistas puderam expor suas produções

artísticas tornando público uma movimento que

já era pensado e concebido há alguns anos.

Fonte: Wikipedia

Contudo, de onde vinha a influência para esse movimento que rompia com o Classicis-

mo da arte brasileira, apresentando soluções artística revolucionárias e apresentando uma

temática nacional, mas de um Brasil desconhecido? Vinha dos movimentos vanguardistas

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capítulo 5 • 123

europeus do pós-Primeira Guerra. Esse evento sacudiu

a Europa, jogando por terra um modelo artístico cen-

trado em uma lógica sociocultural que naufragava com

a guerra.

De certa forma, essas influências encontraram um

panorama perfeito para a sua difusão no Brasil em uma

jovem intelectualidade descontente com os modelos

arcaicos da arte e da sociedade brasileira. Curiosamen-

te, paralelo a esse sentimento e a essas influências, vi-

nha o desejo de romper com os padrões clássicos europeus que eram amplamente difun-

didos no Brasil. Basta lembrar que o modelo de reforma urbana que norteou as chamadas

reformas Pereira Passos foi a reforma de Paris.

O Brasil da República Velha tinha herdado o desejo de ser um país europeu, branco e

europeu. O modernismo apresenta uma arte que rompe com esses modelos ao apresentar

um país mestiço, e representar em suas temáticas o trabalhador, o mulato, o pobre.

REFLEXÃONo entanto, você deve estar se perguntando: mas qual a relação entre esse movimento artístico e o cená-

rio de transformações que se desenhava desde a segunda metade da década de 1910? Quais os desdo-

bramentos desse movimento para os destinos da república brasileira?

Pode parecer que não há nenhuma ligação entre esses contextos, mas as ligações são

profundas. Primeiro porque o modernismo apresenta uma leitura do país, completamente

divergente daquela apresentada pelas elites dominantes.

EXEMPLOPor exemplo, se até então dominava o desejo de europeização, valorizando o que vinha de fora, o moder-

nismo propunha um olhar para as entranhas do país.

Propunha-se um movimento de releitura, sob o olhar

de nossas tradições daquilo que nos chegava de fora, como

apresentado por Oswald de Andrade no Manifesto Antropo-

fágico. Se o cenário intelectual brasileiro da República Velha

via na mestiçagem um sinal de fracasso, com já vimos, os

modernistas determinavam nosso caráter mestiço como singularidade.

Segundo, porque ao propor todas estas releituras o movimento modernista rompia com

a sociedade tradicional brasileira e seu modelo político, propondo novos modelos, sociais,

políticos e culturais. Por isso, o movimento de 22 apresentava as contradições de uma dé-

cada em que ficava claro que o modelo político, econômico e social, já não dava mais conta

da complexidade que avançava na sociedade brasileira.

As vanguardas europeias nascem no desejo de romper com uma sociedade que terminava com a guerra.

A República Velha dava sinais de cansaço.

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124 • capítulo 5

O Tenentismo

Como estamos vendo, muitas coisas estão mudando, seja no campo

social, no econômico, no artístico, temos muitas mudanças que repre-

sentam inovações em um quadro que parece não estar pronto para es-

sas inovações. Entretanto, a crise não se mostra somente em razão das

“novidades”. Ela também parte de dentro do próprio sistema. É nesse

contexto que ocorre uma rebelião dentro de parte do exército.

Como assim? Parte do exército? O Exército então não era uma insti-

tuição coesa. Desde a proclamação da República, em 1889, que o exér-

cito apresentava setores divergentes. Basta lembrar que nas primeiras

eleições, aquelas indiretas, anteriores à Constituição de 1891, havia dois

candidatos militares, em chapas distintas.

Parte do Exército, a jovem oficialidade, recém-saída da escola de for-

mação de Oficiais de Realengo, majoritariamente oriundos das camadas

médias urbanas, entendia que o Exército havia traído, em parte, os ideais

que o haviam levado a assumir um papel preponderante na Proclamação

da República, e que, ao longo dos anos, o Exército teria assumido um pa-

pel subserviente aos interesses dos grandes proprietários rurais.

Para esses jovens oficiais, a maioria tenentes e capitães, era neces-

sário que o Exército se reorganizasse para novamente ficar a frente dos

projetos políticos de desenvolvimento e modernização da sociedade

brasileira como um todo. Esses jovens oficiais eram mais sensíveis aos

anseios e apelos das camadas médias e também das tropas, segmentos

que mais sofriam com os problemas econômicos da nação. Assim, os

tenentes, como ficaram conhecidos os participantes desse movimento,

reivindicaram reformas dentro do exército e dentro do sistema político

eleitoral brasileiro.

O grupo defendia a moralização política e o combate à corrupção. Na

prática, os tenentes exigiam algumas mudanças interessantes, como o

fim do voto de cabresto, o estabelecimento de eleições secretas e a refor-

ma do sistema público de ensino.

Mas como esse movimento ganhou a forma de luta armada? Em

um momento mais conturbado, mais especificamente na eleição de

Artur Bernardes, os tenentes apoiaram o candidato de oposição Nilo

Peçanha. Uma campanha direcionada às populações urbanas, que ti-

nha sua importância política cada vez maior, não foi suficiente para

que Nilo Peçanha fosse eleito.

O controle sobre o processo eleitoral, como vimos, era por demais

poderoso, e Artur Bernardes, mineiro, candidato das velhas oligarquias,

era conduzido à Presidência da República. Mas se você pensa que com

a “vitória” eleitoral de Artur Bernardes o movimento diminuiria suas

ações, enganou-se. Após a publicação, em um jornal, de uma carta (fal-

sa) ofensiva ao Exército, atribuída ao candidato eleito, diversas unida-

des do Exército tentaram um levante, mas a oposição dentro do próprio

COMENTÁRIO

Tenentes

Daí o nome Tenentismo dado ao movi-

mento.

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capítulo 5 • 125

Exército, liderada por oficiais do alto escalão, comprometidos com o sis-

tema, impediu que o levante de fato acontecesse.

Após o fechamento do Clube Militar e da prisão de seu presidente,

o Marechal Hermes da Fonseca, acusado de interferir nos interesses

políticos das elites agrárias pernambucanas, o levante aconteceu. Tro-

pas invadiram o Forte de Copacabana e atacaram o Quartel General do

Exército. Entretanto, a maior parte dos envolvidos no levante desistiu e

abandonou a resistência.

Cercados por tropas legalistas fiéis ao comando militar, 18 membros

do movimento decidiram sair e enfrentar as tropas, marchando pela

praia de Copacabana, em um episódio que ficou conhecido como “Os

18 do Forte de Copacabana”. O saldo foi que de todos os que permane-

ceram na marcha apenas dois sobreviveram. Mesmo com a derrota do

movimento, o Governo de Artur Bernardes permaneceu sob um clima de

tensão, o que o levou a passar a maior parte do seu mandato governando

sob Estado de Sítio.

Em 1924, sob a liderança de Juarez Távora, Joaquim Távora e Eduar-

do Gomes, os tenentes pegaram em armas no estado de São Paulo, pre-

tendendo formar um governo provisório e eleger uma nova Assembleia

Constituinte. Após intensos conflitos, os tenentes rumaram em direção

ao sul do país, encontrando-se no Paraná com uma coluna revoltosa vin-

da do Rio Grande do Sul, liderada por Luiz Carlos Prestes.

A fusão desses dois grupos deu origem à chamada Coluna Prestes,

que pretendia estender a luta contra o governo por todo o território na-

cional. Entre 1925 e 1927, a coluna percorreu perto de 24 mil quilôme-

tros e participou de diversos combates contra tropas federais e contra

jagunços dos coronéis, sem perder um único participante.

Em 1929, os principais líderes da Coluna exilaram-se na Bolívia. O

Tenentismo não chegou a concluir ou alcançar seus objetivos, mas teria

participação ativa no movimento que marcaria o fim da chamada Repú-

blica Velha.

A crise da Oligarquia

Esse cenário de crise iniciado na década de 1910 e que se ampliou de

forma intensa na década seguinte, vai encontrar no ano de 1929 um con-

texto internacional gravíssimo. Se as próprias condições políticas que

foram construídas ao longo desses anos já tornavam os processos eleito-

rais complexos, a crise mundial, começada nos Estados Unidos no ano

de 1929, tornou-os insustentáveis.

E de que crise estamos falando? Estamos nos referindo à crise do ca-

pitalismo mundial, iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova

Iorque. O crescimento econômico desenfreado experimentado pela

economia estadunidense nos anos que se seguiram ao final da Primeira

COMENTÁRIO

Ao longo desses anos

Movimento operário, modernismo, te-

nentismo etc.

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126 • capítulo 5

Guerra Mundial, associado ao caráter extremamente liberal do modelo

econômico, levou a economia daquele país a uma crise de superprodu-

ção sem precedentes na História do capitalismo.

Sem possibilidade de escoar sua produção, a economia paralisou.

Demissões em massa, falências e fome constituíram-se em caracterís-

ticas marcantes de um período que ficou conhecido pelo nome de a

“Grande Depressão”. Rapidamente a crise tornou-se internacional na

medida em que as economias europeias estavam ligadas intimamente

à economia estadunidense.

ATENÇÃOEntretanto de que forma essa crise se relaciona com o Brasil? Simples. O maior

consumidor do nosso café eram os Estados Unidos acompanhados pela Europa.

Com a crise, a compra do café brasileiro foi suspensa, mergulhando o país numa

grave crise do setor cafeeiro. O presidente da República do período, o fluminense

radicado em São Paulo, Washington Luiz, já vinha empreendendo uma política eco-

nômica dura, a fim de controlar os graves problemas econômicos que se arrastavam

por décadas no Brasil.

A crise mundial que deflagrava a crise no setor cafeeiro obrigou a me-

didas ainda mais duras. Dessa forma, o Partido Republicano Paulista de-

cidiu lançar a candidatura de outro cafeicultor de São Paulo: Júlio Pres-

tes. Ora, pela lógica do café com leite, o candidato a ser lançado seria o

Governador de Minas Gerais, Antonio Carlos. Vendo-se preterido pelo

poderoso Partido Republicano Paulista, Antonio Carlos aproximou-se

das chamadas oligarquiasdissidentes, mais especificamente oriundas

do Rio Grande do Sul e da Paraíba.

Essa aliança entre as oligarquias mineira, paraibana e gaúcha ficou

conhecida como Aliança Liberal. Para presidência foi indicada a candi-

datura do governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, tendo como

candidato a vice-presidente o paraibano João Pessoa.

Durante a campanha eleitoral, a Aliança Liberal realizou diversos co-

mícios por diversas capitais estaduais, sempre com um discurso voltado

para os desejos das camadas urbanas, principalmente a classe operária.

Além disso, havia propostas de reformas jurídicas que iam ao encontro

do desejo dos Tenentes, como o estabelecimento do voto secreto e do

voto feminino e a criação de uma justiça eleitoral, objetivando acabar

com o grave problema da corrupção.

Entretanto, apesar do apoio conseguido entre as camadas urbanas,

a aliança liberal foi derrotada pela gigantesca máquina eleitoral contro-

lada pelos grandes coronéis. Os principais líderes da aliança haviam se

comprometido a acatar o pleito eleitoral, mas parte da aliança, princi-

palmente alguns oriundos do Tenentismo, defendia a tomada do poder

pela luta armada. Esses grupos cresciam e conseguiam apoio em diver-

sos setores populares.

COMENTÁRIO

Oligarquias dissidentes

Na prática, era o que havia de oposição.

São grupos políticos de estados que,

de alguma forma, sentiam-se despres-

tigiados e com pouca ou nenhuma

participação política. Não se trata de

uma oposição radical, mas de divergên-

cias dentro do próprio sistema.

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capítulo 5 • 127

De fato, havia por parte das elites econômicas o

temor de um movimento revolucionário mais radical,

o que levou o Governador Antonio Carlos a defender

a tese de que era necessário “fazer a revolução, antes

que o povo a fizesse”.

Quando o ex-candidato a vice-presidência pela

Aliança Liberal, João Pessoa, foi assassinado, por dis-

putas locais pelo poder, a “Revolução” se materializou.

Tropas gaúchas lideradas por Góes Monteiro marcharam em direção ao Rio de janeiro para

derrubar o Presidente Washington Luiz e estabelecer um governo provisório. O ex-candida-

to à presidência pela Aliança Liberal, Getúlio Vargas, assumia a liderança do Movimento.

Quando os gaúchos chegaram ao Rio de Janeiro, sem disparar um único tiro, encontraram

Washington Luiz deposto e preso, junto com o candidato eleito Júlio Prestes, por uma junta

militar que entregaria o governo provisório nas mãos de Getúlio Vargas, inaugurando uma

nova fase da História republicana do país.

RESUMO• Política do café com leite foi o nome pelo qual ficou conhecido o modelo político predominante na Repú-

blica Velha, a partir do governo de Prudente Moraes. Esse modelo se caracterizava pela subordinação do

indivíduo a um grande proprietário e no controle do voto (coronelismo);

• Durante toda a República Velha, a economia era predominantemente agrícola, tendo o café como prin-

cipal produto de exportação;

• O Convênio Taubaté era uma política protecionista que objetivava manter os lucros dos cafeicultores, em

caso de crises no setor;

• A República Velha foi palco de Revoltas Populares motivadas pelas precárias condições de vida no

campo e na cidade e por questões raciais (Guerra de Canudos, Guerra do Contestado, Cangaço, Revolta

da Vacina e Revolta da Chibata);

• Com a Primeira Guerra Mundial, a economia brasileira sofreu um pequeno surto industrialista (indústrias

de substituição);

• O crescimento da classe operária e das classes médias urbanas iniciou um processo de contestação do

modelo político e social da República Velha;

• O movimento operário brasileiro se fortaleceu ao longo da década de 1910 e 1920;

• A semana de arte moderna trouxe para o cenário cultural brasileiro novos paradigmas e novas formas de

expressão que também revelavam descontentamento com o modelo social e político do período;

• A crise mundial de 1929 produziu uma grave crise no setor cafeeiro, que se desdobrou em uma crise

política levando ao rompimento da política do Café com Leite e a “Revolução de 1930”.

Dessa forma, o temor de uma revolta popular levou ao engajamento das lideranças políticas da Aliança Liberal.

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128 • capítulo 5

ATIVIDADE

Questão 1 (ENADE — 2011)

Com o advento da República, a discussão sobre a questão educacional torna-se pauta significativa nas

esferas dos Poderes Executivo e legislativo, tanto no âmbito Federal quanto no Estadual. Já na Primeira

República, a expansão da demanda social se propaga com o movimento da escola novista; no período

getulista, encontram-se as reformas de Francisco Campos e Gustavo Capanema; no momento de crítica e

balanço do pós-1946, ocorre a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

em 1961.

É somente com a Constituição de 1988, no entanto, que os brasileiros têm assegurada a educação de

forma universal, como um direito de todos, tendo em vista o pleno desenvolvimento da pessoa no que se

refere a sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O artigo 208 do texto constitucional prevê como dever do Estado a oferta da educação tanto a crianças

como àqueles que não tiveram acesso ao ensino em idade própria à escolarização cabida.

Nesse contexto, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

A relação entre educação e cidadania se estabelece na busca da universalização da educação como uma

das condições necessárias para a consolidação da democracia no Brasil.

PORQUE por meio da atuação de seus representantes nos Poderes Executivos e Legislativo, no decorrer

do século XX, passou a ser garantido no Brasil o direito de acesso à educação, inclusive aos jovens e

adultos que já estavam fora da idade escolar.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As duas são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira.

B) As duas são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira.

C) A primeira é uma proposição verdadeira, e a segunda, falsa.

D) A primeira é uma proposição falsa, e a segunda, verdadeira.

E) Tanto a primeira quanto a segunda asserções são proposições falsas.

Questão 2 (ENEM 2011)

Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas, nas quais

se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de

benfeitor. No plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os votos de cabresto, que

resultam, em grande parte, da nossa organização econômica rural.

(LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976 — adaptado)

O coronelismo, fenômeno político da Primeira República (1889-1930), tinha como uma de suas principais

características o controle do voto, o que limitava, portanto, o exercício da cidadania. Nesse período, esta

prática estava vinculada a uma estrutura social:

A) Igualitária, com um nível satisfatório de distribuição da renda.

B) Estagnada, com uma relativa harmonia entre as classes.

C) Tradicional, com a manutenção da escravidão nos engenhos como forma produtiva típica.

D) Ditatorial perturbada por um constante clima de opressão mantido pelo exército e polícia.

E) Agrária marcada pela concentração da terra e do poder político local e regional.

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capítulo 5 • 129

GABARITO

Unidade II - Capítulo 5

Questão 1 – A

Questão 2 – E

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Terra em transe — A Era Vargas

paulo jorge dos santos fleury

16

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132 • capítulo 6

“Façamos a revolução antes que o povo a faça”

Essa frase, atribuída a Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, presidente

do estado de Minas Gerais no período compreendido entre 1926 e 1930,

refletia o estado de ânimo reformista de segmentos das elites políticas

brasileiras por ocasião do final da década de 1920.

Vamos então relembrar, conforme foi visto no capítulo anterior, o

que foi a década de 1920 para a República e para a sociedade brasileiras.

Os anos 1920: permanências, tensões e expectativas

A década de 1920, no Brasil, foi marcada por agitações políticas que se

desenvolveram no quadro das transformações que atingiram a econo-

mia e a sociedade do país e que prenunciavam o esgotamento do arranjo

político-institucional do Estado brasileiro, baseado na chamada políti-

cadosgovernadores.

Em termos gerais, o cenário social, político e econômico dos anos

1920 e que se constituiu no pano de fundo da crise final da República

Velha e da eclosão da “Revolução” de 1930, pode ser descrito a partir das

seguintes condições:

Maior visibilidade dos setores médios urbanos, fenômeno que se veri-ficou especialmente após a Primeira Guerra Mundial.

Processos de sucessão presidencial marcados por ajustes, contradi-ções e desgastes entre as oligarquias estaduais e no interior dessas oligarquias, abrindo-se com isso a possibilidade de dissidências em relação ao arranjo institucional da “política dos governadores”.

A eclosão do tenentismo que, a partir de 1922, foi responsável por uma intensa agitação política, que se expressou por meio de vários movimentos insurrecionais, como a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922, a Revolução de 1924, em São Paulo, a Revolta do Encoura-çado São Paulo, a formação da Coluna Prestes.

A crise que atingiu o capitalismo mundial em 1929 e que produziu efeitos severos na economia brasileira e a derrota da Aliança Liberal nas eleições de 1º de março de 1930 ajudaram a construir o cenário que levaria à crise final da República Velha e à Revolução de 1930.

6 Terra em transe — A Era Vargas

CURIOSIDADE

Política dos governadores

A liderança da política dos governadores,

até 1930, foi exercida pela burguesia ca-

feeira de São Paulo em articulação com

as oligarquias dos demais estados da fe-

deração (especialmente Minas Gerais e

Rio Grande do Sul).

CONCEITO

Vacância

Estado do que está vago, desocupado

(lugar ou cargo).

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capítulo 6 • 133

CURIOSIDADE

Oligarquias

De acordo com o Dicionário de Política, publicado pela editora da Universidade de Brasília, o termo oligar-

quia significa etimologicamente “governo de poucos”. Para os filósofos gregos, em muitos casos, o termo

oligarquia tem um significado muito específico, significado esse marcado por uma “carga” ética negativa.

Platão nos diz que a oligarquia é o tipo de constituição baseada no patrimônio, em que os ricos governam

e os pobres são excluídos do exercício do poder.

Segundo Aristóteles e sua distinção entre formas puras e viciadas de Constituição, a oligarquia, como

“governo dos ricos”, se apresenta como a forma viciada da aristocracia, que seria o “governo dos melhores”.

Isócrates deplora as oligarquias e os regimes baseados na prepotência, aprovando, em contrapartida,

os regimes baseados na igualdade e as democracias. Tal concepção negativa manteve-se na tradição do

pensamento político posterior ao período grego clássico. Ainda que o termo oligarquia não corresponda

a uma forma específica de governo, ele pode ser entendido como um arranjo social e/ou político em que

o poder supremo encontra-se nas mãos de um grupo limitado de indivíduos, com tendências a se fechar

em si mesmo, ligados entre si por vínculos de sangue ou por vínculos gerados por interesses diversos, que

desfrutam de privilégios particulares, se utilizando de todos os meios disponíveis pelo poder para a conser-

vação de tais privilégios, dentre eles destacando-se o exercício do poder político.

Afinal, como se desencadeou a Revolução de 1930?

As origens imediatas do movimento “revolucionário” de 1930 podem ser encontradas

no processosucessório do presidente Washington Luís.

CURIOSIDADEProcesso sucessório

O processo sucessório na República Velha (diretrizes fixadas nos artigos 41 a 46 da Constituição de

1891). Os mandatos dos chefes do Poder federal, durante o período da República Velha, eram de quatro

anos, sem direito à reeleição para um mandato subsequente. Se houvesse a vacância da presidência da

República, a regra sucessória era bastante clara: se a vacância ocorresse antes do final do segundo ano

de mandato, novas eleições deveriam ser convocadas, e, se a vacância ocorresse nos dois últimos anos do

mandato, o vice-presidente o concluiria.

Assumindo no último ano de mandato, o vice-presidente não poderia se candidatar ao mandato seguinte.

As eleições ocorriam a cada quatro anos, no dia 1º de março, e a posse em 15 de novembro do mesmo

ano de ocorrência do processo eleitoral.

A década de 1920 foi marcada pelos mandatos

dos seguintes presidentes: entre os anos de 1920

e 1922, a presidência da República foi ocupada por

Epitácio Pessoa, eleito para completar o mandato

de Rodrigues Alves que, por sua vez, fora eleito para

o mandato de 1918 a 1922 e faleceu antes de to-

mar posse, acometido da gripe espanhola. Em tempo:

Rodrigues Alves já havia ocupado a presidência da

República no período de 1902 a 1906.Epitácio Pessoa Rodrigues Alves

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134 • capítulo 6

O sucessor de Epitácio Pessoa foi Artur Bernar-

des, que ocupou a presidência de 1922 a 1926.

Período difícil, marcado por várias revoltas tenen-

tistas, o que levou Artur Bernardes a governar

praticamente sob estado de sítio. Ainda durante

esse mandato, foi promovida uma reforma consti-

tucional em 1926.

O sucessor de Artur Bernardes foi Washington

Luís que governou de 1926 a 1930. Seu mandato

foi marcado por uma relativa estabilidade política. Seu sucessor, Júlio Pres-

tes, foi eleito em 1º de março de 1930 e deveria assumir a presidência em

15 de novembro de 1930. Todavia, isso não aconteceu.

Depois de um mandato relativamente estável, nada poderia prever a ocorrência de uma

cisão entre as elites políticas dos principais estados (S. Paulo, Minas e Rio Grande do Sul).

Entretanto, a insistência de Washington Luís na candidatura de Júlio Prestes, presidente

do estado de São Paulo, ao comando do Executivo federal, rompendo um possível acordo

sucessório com Minas Gerais, abriu caminho para que mineiros e gaúchos firmassem um

acordo, possibilitando a articulação de uma chapa de oposição pelo então presidente do

estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, o que deu origem a uma série

de desentendimentos que levariam a toda movimentação política que resultaria no fim

da República Velha.

As oposições à candidatura oficial de Júlio

Prestes, reunidas na Aliança Liberal, depois de

intensas negociações, lançaram a chapa Getú-

lio Vargas-João Pessoa. Tal composição da cha-

pa de oposição refletia a necessidade de se ofe-

recer uma posição de destaque ao Rio Grande

do Sul em um possível novo cenário político na-

cional que pudesse a vir se configurar com a vi-

tória da Getúlio Vargas-João Pessoa nas eleições

que iriam se realizar em 1º de março de 1930.

RESUMOA campanha eleitoral da chapa de oposição buscou promover o ideário da Aliança Liberal que refletia as

aspirações das oligarquias regionais não diretamente vinculadas ao núcleo cafeeiro, ao mesmo tempo em

que buscava sensibilizar os setores médios urbanos.

Da vitória do candidato oficial ao movimento revolucionário

Transcorridas as eleições em 1 de março de 1930, a vitória coube ao candidato oficial, Jú-

lio Prestes, que sucederia a Washington Luís em 15 de novembro do mesmo ano. Deve-se

lembrar de que tanto a candidatura oficial como a oposicionista se valeram dos tradicionais

Washington Luís

Artur Bernardes

Júlio Prestes

Getúlio Vargas João Pessoa

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capítulo 6 • 135

recursos de “fabricação” de votos (fraudes eleitorais) que haviam sido em-

pregados durante os processos sucessórios anteriores.

A definição da vitória da candidatura oficial, parecia se constituir no

marco de encerramento da existência da Aliança Liberal. A aceitação dos

resultados eleitorais (ainda que fraudados) era comportamento “clássi-

co” dos grupos que participavam do jogo político da República Velha.

Entretanto, dessa vez, nem todos nas fileiras oposicionistas aceitaram o

resultado das eleições. Começou a se formar a ideia de que poderia ha-

ver uma alternativa ao resultado que deu a vitória à candidatura de Júlio

Prestes. Uma alternativa armada. Alguns políticos mais jovens, pertencentes

à Aliança Liberal, passaram a defender a adoção dos procedimentos que

eram característicos das revoltas tenentistas. Importantes líderes políticos

da Aliança Liberal eram ou haviam sido adversários figadais dos tenentes.

Não obstante, um acordo acabou sendo fechado entre os tenentes (com

exceção de Luís Carlos Prestes) e lideranças da Aliança Liberal.

EXEMPLO

Artur Bernardes, ex-presidente, tinha combatido com bastante severidade as revoltas

tenentistas ocorridas durante seu mandato, tendo ficado co-

nhecido como o perseguidor da Coluna Prestes. João Pessoa,

candidato à vice-presidência na chapa aliancista, havia sido

promotor militar, tendo levado a cabo acusações contra mui-

tos dos militares que participaram dos levantes da década de

1920. Osvaldo Aranha, ainda que fosse um político jovem,

destacou-se na luta contra as insurreições tenentistas no Rio

Grande do Sul.

Apesar das adesões e dos acordos firmados em

torno de uma “solução armada”, a conspiração não conseguia avançar

de maneira objetiva até meados de 1930, quando então um evento “não

programado” veio alterar o rumo dos acontecimentos. Esse evento foi

o assassinato de João Pessoa, candidato à vice-presidência na chapa da

Aliança Liberal, perpetrado por seu inimigo político, João Dantas, em

uma confeitaria do Recife.

Esse crime provocou grande comoção no país e foi habilmente explorado

pela oposição no sentido do desenvolvimento de uma articulação revolucio-

nária que colocasse em prática a “alternativa armada” à sucessão de Wa-

shington Luís.

CURIOSIDADE

Revoltas tenentistas

Tenentismo foi o nome dado ao movi-

mento político-militar, e à série de rebe-

liões de jovens oficiais de baixa e média

patente do Exército Brasileiro no início

da década de 1920, descontentes com

a situação política do Brasil.

Propunham reformas na estrutura de

poder do país, entre as quais se des-

tacam o fim do voto de cabresto, insti-

tuição do voto secreto e a reforma na

educação pública.

O movimento tenentista não conseguiu

produzir resultados imediatos na estru-

tura política do país, já que nenhuma

de suas tentativas teve sucesso, mas

conseguiu manter viva a revolta contra o

poder das oligarquias, representada na

Política do café com leite. No entanto, o

tenentismo preparou o caminho para a

Revolução de 1930, que alterou definiti-

vamente as estruturas de poder no país.

Osvaldo Aranha

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136 • capítulo 6

Nessas articulações pós-assassinato de João Pessoa, os ganhos consegui-

dos pelos militares, especialmente pelo Exército, foram significativos. O co-

mando geral das operações militares ficou a cargo do então tenente-coronel

Góis Monteiro, que, apesar de alagoano de nascimento, tinha sua carreira

vinculada ao Rio Grande do Sul. Durante os anos 1920, longe de ser um

revolucionário, Góis Monteiro foi um militar legalista que sempre havia se

situado na oposição aos movimentos tenentistas, tendo combatido a coluna

Prestes em sua passagem pelos estados do Nordeste. Mas, naquele mo-

mento, Góis Monteiro optou por apoiar o movimento revolucionário que iria

se desencadear em outubro de 1930.

A revolução foi deflagrada em 3 de outubro de 1930 em Minas Gerais

e no Rio Grande do Sul, enquanto no Nordeste o movimento se iniciou

no dia 4 de outubro, sob a liderança do tenente Juarez Távora, tendo

como centro de operações a Paraíba.

A situação do Nordeste rapidamente tendeu favoravelmente aos

revolucionários e, no Sul, a expectativa girava em torno do avanço das

tropas gaúchas sobre o território de São Paulo. Todavia, no dia 24 de

outubro, os generais Tasso Fragoso, Menna Barreto e Leite de Castro e

o almirante Isaías Noronha depuseram o presidente Washington Luís,

formando uma junta governativa provisória.

ATENÇÃO

Entretanto, diante da pressão das manifestações populares no Rio de Janeiro e das

tropas sediciosas vindas do sul, a junta provisória desistiu de sua intenção de continuar a

exercer o poder e o transmitiu a Getúlio Vargas no dia 3 de novembro de 1930, que se

tornava chefe do Governo Provisório. Em 11 de novembro, foi promulgado o decreto

no 19.398 que dava perfil institucional aos poderes discricionários desse cargo.

Com o movimento revolucionário de 1930, nasceria um novo tipo de

Estado, que, segundo o professor Boris Fausto, iria se mostrar diferente

do Estado oligárquico, não somente pela centralização ou por um maior

grau de autonomia, mas também em função dos seguintes elementos: a

atuação econômica voltada gradativamente para os objetivos de promover

a industrialização, a atuação social, tendente a dar algum tipo de proteção

aos trabalhadores urbanos, incorporando-os, a seguir, a uma aliança de

classes promovida pelo poder estatal e o papel central atribuído às Forças

Armadas — em especial o Exército — como suporte de criação de uma

indústria de base e, sobretudo, como fator de garantia da ordem interna.

CURIOSIDADE

Poderes discricionários

Trata-se de uma prerrogativa de que

dispõe a administração pública de levar

adiante certos atos administrativos com

liberdade para fixar o conteúdo de tais

atos e a conveniência e oportunidade

de sua aplicação. A discricionariedade

pode ser entendida, então, como a liber-

dade que a administração pública tem

para agir nos limites firmados pela lei.

A discricionariedade não pode ser con-

fundida com arbitrariedade, já que esta

corresponde ao agir que extrapola os

limites legais, tornando o ato perpetrado

nestas condições, pela Administração

Pública, ilegal.

EXEMPLO

Medidas de controle

A promulgação do Código dos interven-

tores em agosto de 1931 é um exemplo

das medidas de controle. Empréstimos

externos não poderiam ser contraídos

pelos estados sem a expressa autori-

zação do poder central. Os gastos com

serviços da polícia militar deveriam se

manter ou no limite ou abaixo do pata-

mar de 10% das despesas correntes.

Os estados foram proibidos de dotar

suas polícias de artilharia e de aviação,

o que significava dizer que os estados

não podiam armar suas polícias em pro-

porção superior à do Exército.

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capítulo 6 • 137

RESUMO

Um dos resultados políticos mais significativos do movimento revolucionário de 1930 foi o afastamento da

oligarquia paulista do centro do poder. Tal deslocamento, todavia, não significou que os setores sociais que

se encontravam articulados e/ou associados aos vitoriosos de 30 tivessem condições de ocupar tal posi-

ção para legitimar o novo regime ou para solucionar a crise econômica.

O período do Governo Provisório - de 1930 a 1934

O Governo Provisório foi marcado, desde o seu início, por intensas disputas entre os gru-

pos que tinham participado das forças revolucionárias, especialmente, da Aliança Liberal.

Essas disputas giravam em torno de dois temas básicos: a duração do governo provisório e

o modelo de Estado a ser implantado no Brasil.

Medidas de caráter intervencionista e

centralizador, inspiradas nas demandas

de setores tenentistas, foram tomadas nos

primeiros tempos do Governo Provisório.

Entre elas podemos destacar a criação do

Sistema de interventórias que se consti-

tuiu em um instrumento fundamental de

controle da política local pelo poder cen-

tral. No lugar de presidentes/governadores eleitos, associados às elites dominantes locais,

os estados passaram a ser governados por interventores, nomeados e subordinados direta-

mente ao Presidente da República, sendo que os primeiros interventores eram vinculados

ao movimento tenentista.

EXEMPLO

Algumas concessões foram feitas por Getúlio a forças políticas locais. O caso mais emblemático dessas

concessões diz respeito àquelas feitas ao estado de São Paulo. Cinco substituições foram realizadas, em

um período de menos de dois anos, na interventória do estado por pressão das elites paulistas.

RESUMO

Entretanto, ao mesmo tempo em que concessões eram feitas a algumas elites políticas locais, medidas de

controle e de cerceamento da autonomia dos estados eram tomadas por Getúlio. O objetivo de tais medi-

das de controle sobre as polícias estaduais era o combate às exacerbações federalistas (derivadas da or-

dem constitucional de 1891) por meio da redução do poder de fogo das oligarquias regionais.

Pode-se dizer que, nos primeiros anos do Governo Provisório, ocorreu o fenômeno da “militarização” das interventórias.

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138 • capítulo 6

Além de medidas políticas e administrativas de caráter centralizador e intervencionista,

o Governo Provisório promoveu importantes investimentos nas áreas social e trabalhista.

Vejamos alguns desses investimentos.

• Ainda em novembro de 1930, pouco depois da posse de Vargas como Chefe do Governo

Provisório, foram criados o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública por meio do

decreto nº 19.402, de 14.11.1930 e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio por meio do

decreto nº 19.433, de 26.11.1930, este último conhecido como Ministério da Revolução.

• Entre 1931 e 1934 e, mais precisamente, durante a gestão de

Salgado Filho à frente do Ministério do Trabalho (de 1932 a 1934),

foram sancionadas numerosas leis que tratavam da regulação

das condições de trabalho dos que se encontravam no mercado

de trabalho (leis trabalhistas) e das questões que tratavam do am-

paro àqueles que, temporariamente ou definitivamente, se afas-

tavam do mercado de trabalho (leis previdenciárias). Assim, entre

os decretos e leis que foram sancionados neste período de 1931 a

1934, podemos destacar:

A regulamentação da jornada de trabalho no comércio e na indústria em oito horas diárias.

A regulamentação do trabalho do menor e da mulher.

A adoção da lei de férias.

A regulação da sindicalização das classes patronais e operárias pelo decreto-lei nº 19.770, de 19

de março de 1931.

A institucionalização da Carteira de Trabalho e Previdência Social pelo decreto-lei nº 21.175, 21 de

março de 1932 e sua regulamentação pelo decreto nº 22.035, de 29 de outubro de 1932.

A criação das Comissões Mistas de Conciliação e Justiça pelo decreto-lei nº 21.396, de 12 de maio

de 1932 e das Juntas de Conciliação e Julgamento pelo decreto-lei nº 22.132, de 25 de novembro

de 1932.

A criação do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos pelo decreto nº 22.872, de 29

de junho de 1933.

A criação do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários pelo decreto nº 24.272, de

21 de maio de 1934.

A criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões dos trabalhadores em trapiches e armazéns pelo

decreto nº 24.274, de 21 de maio de 1934.

A criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões dos operários estivadores pelo decreto nº 24.275,

de 21 de maio de 1934.

A criação do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários pelo decreto nº 24.615, de 9

de julho de 1934.

A construção da institucionalidade social e trabalhista na Era Vargas durante o Governo

Provisório tem algumas observações importantes.

Salgado Filho

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capítulo 6 • 139

Vamos conhecê-las a seguir:

Em novembro de 1930, a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio revelou um novo

projeto em que o Estado brasileiro passaria a regulamentar e fiscalizar as relações entre capital e

trabalho no país.

Em 12 de dezembro de 1930, o Governo Provisório promulgou o decreto nº 19.482 (a chamada “lei

dos 2/3”) que, entre outras providências, exigia, em seu artigo 3º, que todos os indivíduos, empre-

sas, associações, companhias e firmas comerciais, que explorassem, ou não, concessões do Go-

verno Federal ou dos governos estaduais e municipais, ou que, com esses governos contratassem

quaisquer fornecimentos, serviços ou obras, ficariam obrigadas a demonstrar perante o Ministério

do Trabalho, Indústria e Comércio, em um prazo de 90 dias, contados da data da publicação desse

decreto, que ocupavam, entre os seus empregados, de todas as categorias, dois terços, pelo menos,

de brasileiros natos.

A primeira lei de regulamentação da sindicalização da Era Vargas (decreto-lei nº 19.770, de 19 de

março de 1931) estabeleceu que as associações de empregados e empregadores devessem se

organizar por ramos de produção econômica (unidade sindical), ao mesmo tempo em que o sindi-

cato passou a ser considerado como órgão consultivo e de colaboração com o Estado, garantindo

os benefícios da legislação social, a ser implementada, apenas para os trabalhadores sindicalizados.

A implementação da Carteira de Trabalho, em 1932 (decreto nº 22.035, de 29 de outubro de

1932), permitiu ao Ministério do Trabalho um maior controle sobre a população trabalhadora e,

nesse mesmo ano, o governo reconheceu as profissões que poderiam legalmente existir.

As Comissões Mistas de Conciliação destinavam-se a dirimir os dissídios coletivos, tendo caráter

conciliatório e arbitral, sendo que, as decisões jurisdicionais ficavam a cargo do ministro do trabalho

— tais comissões eram paritárias e organizadas onde existissem sindicatos de patrões e emprega-

dos, presididas por magistrados, advogados ou funcionários públicos.

Já as Juntas de Conciliação e Julgamento eram competentes para os dissídios individuais, sendo

tais juntas compostas por um presidente, nomeado pelo Ministério do Trabalho, e por dois vogais,

representantes das classes patronal e laboral. A lei definia a instância única trabalhista, ainda que o

ministro do trabalho tivesse prerrogativa de avocar (de “chamar” para si) processos.

O perfil crescentemente centralizador e intervencionista do Governo Provisório gerou

uma insatisfação crescente entre setores oligárquicos, inclusive entre aqueles dissidentes

que haviam apoiado a Revolução de 1930. Por sua vez, os tenentes buscavam se organizar

em termos nacionais, reafirmando seu apoio ao Governo Provisório, criticando duramente

o federalismo das oligarquias e defendendo a concepção de um governo forte, opondo-se,

assim, a uma reconstitucionalização do país que eles (os tenentes) consideravam prematura.

Além da rearticulação das oligarquias regionais que passaram a reivindicar o fim do

regime discricionário implantado com a Revolução de 1930 e de uma aliança, por vezes

incômoda, com os tenentes, Vargas teve de lidar também com uma crescente insatisfação

nas Forças Armadas que se encontravam fragilizadas e fragmentadas politicamente diante

da subversão hierárquica causada pela presença dos tenentes rebeldes no poder.

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140 • capítulo 6

Pressionado por agitações, crises nos ambientes civil e militar, Vargas

optou por dar início ao processo de reconstitucionalização do país,

apesar da oposição dos setores revolucionários do movimento tenen-

tista. Para tanto, fez editar um Código Eleitoral, promulgado através do

decreto no 21.076 de 24 de fevereiro de 1932.

Esse código eleitoral, além de regulamentar o alistamento dos elei-

tores e as eleições em âmbito federal, estadual e municipal, trazia algu-

mas inovações bastante significativas:

A implantação do sufrágio universal direto e secreto.

A extensão do direito do voto a todos os brasileiros, maiores de 21 anos,

alfabetizados, sem distinção de sexo.

O estabelecimento da representação proporcional para todos os órgãos cole-

tivos de natureza política do país - tal procedimento garantia que as minorias

teriam representação no Legislativo.

O estabelecimento da representação classista que foi regulada pelo decreto

22.653 de 20 de abril de 1933 e que determinava a eleição de quarenta

congressistas como representantes de empregadores e empregados, esco-

lhidos através de eleição realizada por seus sindicatos ou por associações

profissionais.

A criação da Justiça Eleitoral composta por um Tribunal Superior no Distrito

Federal, por Tribunais Regionais em todas as capitais dos estados e por juízes

eleitorais nas comarcas e nos distritos, aos quais passou a caber a condução

do alistamento dos eleitores, a direção dos pleitos e da apuração eleitoral,

assim como a proclamação dos eleitos, retirando definitivamente de órgãos

do Legislativo a faculdade de fiscalizar as eleições e de reconhecer os can-

didatos eleitos.

Sob aégide do Código Eleitoral de 1932, foram realizadas as eleições

para a Assembleia Nacional Constituinte (fixadas para 3 de maio de

1933, por meio do decreto nº 21.402, que criou também a Comissão que

deveria elaborar o anteprojeto da futura Constituição e em relação ao

qual deveriam se desenvolver os trabalhos da Assembleia Constituinte).

A promulgação do Código Eleitoral de 1932 representou, na verdade,

a disposição do Governo Provisório em atender às demandas pela cons-

titucionalização que vinham de São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul.

Permaneciam, porém, as dúvidas, sobretudo em São Paulo, acerca da

convocação das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte e da

disposição do governo em controlar os tenentes.

CURIOSIDADE

Sem distinção de sexo

Voto feminino - O artigo 2º do Código Elei-

toral de 1932 estabelecia que era eleitor o

cidadão maior de 21 anos, sem distinção

de sexo, e que estivesse alistado de acordo

com os seus dispositivos. Portanto, o Códi-

go Eleitoral de 1932 foi o primeiro dispo-

sitivo legal brasileiro a tratar do voto femi-

nino. Segundo esse código, em seu artigo

119, o título de eleitor convertia-se em um

documento essencial ao desempenho de

funções ou de empregos públicos, ou para

o exercício de profissões em que fosse

exigida a nacionalidade brasileira, ou ainda

para a comprovação da identidade em to-

dos os casos exigidos por lei, decretos ou

regulamentos.Tais disposições não se apli-

cavam, todavia, aos cidadãos residentes no

estrangeiro, ou domiciliados no Brasil, há

menos de um ano, nem aos homens maio-

res de sessenta anos, nem às mulheres

em qualquer idade. Isso significa dizer que,

apesar de o código de 1932 firmar que a

condição de eleitor era indistinta para ho-

mens e mulheres, não havia a obrigatorie-

dade do alistamento e do exercício do voto

para as mulheres de qualquer idade.

Representação classista

Um detalhe a respeito da representação

classista prevista no Código Eleitoral de

1932 e regulamentada pelo decreto nº

22.653 de 20 de abril de 1933: dos 40

congressistas que comporiam a “bancada

classista”, 20 seriam representantes dos

empregadores e 20 dos empregados. En-

tre os 20 representantes dos empregado-

res, seriam computados três representan-

tes das profissões liberais, e, entre os 20

representantes dos empregados, seriam

computados dois representantes dos fun-

cionários públicos.

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capítulo 6 • 141

Após alguns incidentes, como o empastelamento do jornal Diário Carioca,

pró-constitucionalização e as mortes de quatro rapazes que participavam

de uma tentativa de invasão à sede de um jornal tenentista em São Paulo,

os ânimos se acirraram e, em 9 de julho de 1932, eclodiu em São Paulo a

Revolução Constitucionalista contra o governo federal.

Mesmo com o desequilíbrio entre as forças federais e as forças pau-

listas, a luta se arrastou por quase três meses e terminou com a derro-

ta militar de São Paulo. Apesar de derrotadas as forças de São Paulo, a

questão da reconstitucionalização do país defendida pelas elites paulis-

tas vingou, e, após meses de debates que se seguiram às eleições para

a Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição foi promulgada em

16 de julho de 1934.

No dia seguinte à promulgação da nova Constituição (ou seja, no dia

17 de julho de 1934), ocorreu a eleição para a Presidência da República

que se realizou de forma indireta pelos constituintes, tendo sido Getúlio

Vargas eleito para um mandato de quatro anos, sem direito à reeleição.

A eleição de Vargas se fez à custa deconcessões, já que outros candida-

tos se apresentaram ao pleito indireto (como Borges de Medeiros, Góis

Monteiro, Artur Bernardes, Afrânio de Mello Franco).

Com o término dos trabalhos da Assembleia Constituinte, encerra-

va-se a fase do Governo Provisório e Vargas exerceria o poder como pre-

sidente legitimamente eleito.

Entre os principais aspectos que merecem destaque na análise da

Constituição de 1934, podemos destacar:

A Constituição de 1934 recepcionou o constitucionalismo social de Weimar

(Constituição Alemã de 1919), fixando em nosso ordenamento jurídico os

direitos sociais, sob a forma de preceitos norteadores da legislação traba-

lhista (presentes no § 1º, do artigo 121 do texto constitucional) — na verda-

de, a Carta de 1934 seguiu as tendências de incorporação de dispositivos

de proteção social que se encontravam presentes em constituições como a

Constituição Mexicana de 1917, a própria Constituição Alemã anteriormente

citada e a Constituição Republicana Espanhola de 1931.

Na esteira da constitucionalização dos preceitos norteadores da legislação

trabalhista, a Carta de 1934 previa a implantação da Justiça do Trabalho

(artigo 122) para dirimir as questões, regidas pela legislação social, entre em-

pregados e empregadores, não devendo se aplicar a essa Justiça, entretanto,

o que se encontrava disposto no capítulo IV, referente ao Poder Judiciário.

O texto constitucional de 1934 propunha um Estado um pouco mais li-

beral e um pouco menos centralizado do que desejava Vargas — ficava

assegurado o regime federativo, restringindo-se, contudo, a autonomia

financeira dos estados.

CONCEITO

Égide

O que serve de amparo, defesa, proteção.

EXEMPLOConcessões

Entre as concessões feitas por Vargas

podemos destacar medidas de claro

sentido “eleitoreiro”, como a decretação

da anistia a todos os que haviam parti-

cipado da Revolução Constitucionalista

de 1932 (por meio do decreto 24.297

de 28 de maio de 1934) e a suspensão

da censura à imprensa através de uma

lei concluída em 14 de julho de 1934.

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142 • capítulo 6

Foi mantida a divisão tripartite dos poderes, sendo que o Executivo foi fortalecido com uma maior

capacidade para decretar o estado de sítio, ainda que a bancada liberal na Assembleia Constituinte

tivesse logrado garantir a supremacia do Legislativo no sistema político — conservou-se o mandato

de quatro anos para o presidente da República, sem direito à reeleição e a figura do vice-presidente

foi abolida.

Instituiu-se o mandado de segurança como garantia de defesa de direito certo e incontestável

que estivesse ameaçado ou que fosse violado por ato claramente inconstitucional de qualquer

autoridade, o habeas corpus se conservou em sede constitucional e mantiveram-se os direitos e as

garantias individuais que constavam do texto constitucional de 1891.

O Legislativo manteve-se bicameral, apesar de certo esvaziamento das prerrogativas do Senado

Federal em matéria legislativa, o que de certa forma foi compensado com a atribuição de funções

de perfil mais federativo, tais como a promoção da coordenação dos poderes federais entre si, a

manutenção da continuidade administrativa, a guarda da Constituição, a colaboração na elaboração

de leis e a prática de atos que fizessem parte de sua competência — de acordo com o artigo 22

desta Constituição, o Poder Legislativo era exercido pela Câmara dos Deputados, com a colabora-

ção do Senado Federal.

Uma interessante competência atribuída ao Senado pela Carta de 1934 consistia na fiscalização

da legalidade dos regulamentos expedidos pelo Poder Executivo e na suspensão da execução dos

dispositivos ilegais — tal competência dizia respeito não somente a uma função política, mas tam-

bém a uma função jurisdicional.

Fixou-se a obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto para os homens maiores de 18 anos e

para as mulheres maiores de 18 anos, quando exercessem função pública remunerada.

(O intervencionismo do Estado em temas de natureza econômica e social ficou contemplado no

capítulo sobre a Ordem Econômica e Social) A União foi autorizada a monopolizar determinadas

indústrias ou atividades econômicas por força do interesse público, ao mesmo tempo em que con-

dicionou o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da

energia hidráulica à autorização ou concessão federal — estabeleceu-se uma separação entre a

propriedade do solo e a propriedade das riquezas do subsolo.

A Constituição de 1934 teve uma vigência efêmera – cerca de três anos após a entrada

em vigor desta constituição, ela era substituída pela carta constitucional de 1937, que, na

verdade, segundo Francisco Campos, teve valor puramente histórico.

Se, para Paulo Bonavides e Paes de Andrade, a Constituição de 1934 teve uma vigência de curta

duração por se mostrar dúbia, uma verdadeira colcha de retalhos, marcada por indecisões e ambi-

guidades, de acordo com a professora Ângela Maria de Castro Gomes, pesquisadora da Fundação

Getúlio Vargas (FGV), a Carta de 1934 se mostrou inovadora em muitos aspectos, configurando-

se como “um marco de compromissos e também de dissensões” e como um documento jurídico

de difícil caracterização.

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capítulo 6 • 143

RESUMO

Assim, ao mesmo tempo em que incorporou alguns dos principais anseios e propostas do movimento te-

nentista e das pequenas bancadas, a Constituição de 1934 foi marcada pelos princípios liberais e demo-

cráticos defendidos pelas oligarquias do Centro-Sul do país.

O período do Governo Constitucional de 1934 a 1937

Com a promulgação da constituição de 1934 e o fim do regime discricionário do Governo Pro-

visório, o país voltou à normalidade institucional-democrática — com a anistia proclamada pela

Constituição, muitos dos participantes da Revolução Constitucionalista de 1932 retornaram do

exílio, sendo recebidos, em muitos casos, com grandes manifestações populares.

As esperanças de que o país viveria em um regime democrático, firmado no texto cons-

titucional de 1934 se mostraram frustradas já que, aproximadamente três anos após a pro-

mulgação da Carta de 1934, seria implantado o regime autoritário do Estado Novo.

Em outubro de 1934 ocorrerameleições para a Câmara dos Deputados e para as Assem-

bleias Constituintes dos Estados, cujos membros procederiam as eleições indiretas para

os governos estaduais e para os representantes no Senado, além de terem de elaborar as

constituições estaduais em um prazo de, no máximo, quatro meses.

CURIOSIDADEEleições

As eleições de outubro de 1934 foram turbulentas, tendo havido conflitos no Pará, Maranhão, Rio Grande do

Norte, Santa Catarina e Rio de Janeiro e, em muitos estados, os interventores foram derrotados (dos 21 inter-

ventores somente nove foram eleitos governadores, destacando-se Armando de Sales Oliveira em SP, Flores

da Cunha no RS, Benedito Valadares em MG, Juraci Magalhães na BA e Carlos de Lima Cavalcanti em PE).

A partir da restauração da ordem legal e democrática, a participação política foi estimu-

lada e os movimentos sociais se fortaleceram. Várias greves ocorreram no Rio de Janeiro,

em São Paulo, no Rio Grande do Norte e em Belém, destacando-se as paralisações em ser-

viços públicos: comunicações, transportes, bancos.

Organizações políticas não partidárias de direita (Ação Integralista Brasileira — AIB) e

de esquerda (Aliança Nacional Libertadora — ANL) se tornaram expressivas e alcançaram

grande capacidade de mobilização em nível nacional.

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144 • capítulo 6

AIB

Havia sido criada em 1932, dirigida por Plínio Salgado, era uma or-

ganização paramilitar, inspirada no fascismo italiano, orientada por

um nacionalismo e moralismo extremados e combatia os partidos

políticos existentes, defendendo a integração plena da sociedade e

do Estado, cuja representação se faria por meio de uma única e forte

agremiação: a própria AIB.

ANL

Foi criada em março de 1935 e se inspirava nos modelos de frentes

populares que se constituíam na Europa para impedir o avanço do

nazismo e do fascismo — era composta por comunistas, socialistas

e liberais desiludidos com os rumos assumidos pelo regime oriundo

da Revolução de 1930 (além de importantes lideranças tenentistas

como Miguel Costa, Hercolino Cascardo, Agildo Barata) e defendia a

implantação da reforma agrária, das liberdades públicas e preconizava

a luta anti-imperialista, tendo como presidente de honra o ex-tenente,

e agora líder comunista, Luís Carlos Prestes.

Com a emergência das primeiras manifestações de pressão políticas das novas forças

sociais organizadas, o governo Vargas organizou a repressão em duas frentes:

A repressão policial voltada, principalmente, contra a classe operária e que se estendeu posterior-

mente a jornalistas, intelectuais e parlamentares de oposição.

A implantação de uma legislação de exceção (lei nº 38 de 4 de abril de 1935 ou Lei de Segurança

Nacional) que suprimiu uma série de liberdades democráticas e definiu como crimes contra a ordem

política e social, entre outros:

• a provocação de animosidade nas classes armadas;

• a incitação do ódio entre classes sociais;

• a propaganda subversiva;

• a greve de funcionários públicos;

• a organização de associações ou de partidos com o objetivo de subverter a ordem política e social.

Em julho de 1935, a ANL, com sedes espalhadas por todo o território nacional e tendo

arregimentado milhares de simpatizantes, foi colocada na ilegalidade depois do discurso

proferido por Prestes, em 5 de julho, e, a partir de agosto de 1935, começou a organizar, na

clandestinidade, um movimento armado com o objetivo de derrubar Vargas e implantar

um governo popular.

CURIOSIDADE

Clandestinidade

Na clandestinidade, a ANL, como movimento de massas, começou a esvaziar e passou a ser controlada

pelo PCB e por Prestes, que intensificou os contatos com antigos camaradas, demonstrando a clara inten-

ção de continuar a luta iniciada pela Coluna.

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capítulo 6 • 145

No dia 23 de novembro de 1935, o movimento que ficaria conhecido

como Intentona Comunista, teve início em Natal, no 21º Batalhão de

Caçadores, espalhando-se para o Recife (onde o foco da rebelião foi o

29º Batalhão de Caçadores) e para o Rio de Janeiro, onde a rebelião es-

tourou no dia 27 de novembro no 3º Regimento de Infantaria e seguido

por rebeldes da Escola de Aviação Militar.

O episódio do levante comunista de 1935 foi um fracasso e abriu ca-

minho para amplas medidas repressivas por parte do governo, ao mes-

mo tempo em que intensificou a escalada autoritária que já se verificava

desde a promulgação da constituição de 1934. Veja alguns exemplos.

Em 25 de novembro de 1935, durante a insurreição comunista, o governo já

havia pedido a decretação do estado de sítio por 60 dias.

Em janeiro de 1936 foi criada a Comissão Nacional de Repressão ao Comu-

nismo e que se destinava a investigar a participação de funcionários públicos e

de outras pessoas em atos ou crimes contra as instituições políticas e sociais.

Em 21 de março de 1936, o governo promulgou um decreto que equiparava

“comoção interna” com o estado de guerra (essa equiparação encontra-se

firmada no artigo 1º do decreto nº 702, de 21 de março de 1936), suspen-

dendo todas as principais garantias previstas no artigo 113 da Constituição.

Ao longo do ano de 1936, o Congresso aprovou todas as medidas excepcio-

nais solicitadas pelo Poder Executivo e a partir do decreto de 21 de março

de 1936, o “estado de comoção interna”, equiparado ao estado de guerra, foi

prorrogado sucessivamente até junho de 1937 — em março de 1937 a polí-

cia invadiu o Congresso e prendeu cinco deputados que eram considerados

simpatizantes da ANL.

A chefia de polícia do Distrito Federal, a cargo do ex-tenente, Filinto Müller

(que havia sido expulso da Coluna Prestes) teve seus poderes consideravel-

mente ampliados, especialmente para calar os opositores de Vargas.

Em fins de outubro de 1936 começou a funcionar o Tribunal de Segurança

Nacional que havia sido criado pela lei nº 244 de 11 de setembro de 1936

(e inicialmente incorporado à Justiça Militar, sendo dela desvinculado pelo

decreto-lei de 20 de dezembro de 1937), e que, a princípio, se destinava a

julgar os comprometidos na insurreição de 1935, mas que se transformou

em órgão permanente de repressão aos opositores de Getúlio e que existiu

durante todo o Estado Novo.

Com o desencadeamento do processo sucessório e com a definição

das candidaturas verificou-se um arrefecimento do ambiente repressivo

e o pedido de prorrogação do estado de guerra foi negado pelo Congres-

so. Mas não havia qualquer disposição por parte de Getúlio Vargas e de

seus principais apoiadores em deixar o poder por força do resultado das

eleições, uma vez que nenhuma das três candidaturas era confiável aos

olhos do governo.

CURIOSIDADE

O estado de guerra

Estado de guerra e estado de comoção

interna — Os estados de exceção se

apresentavam, propositadamente, tipifi-

cados de maneira imprecisa. Por exem-

plo, com relação ao estado de guerra,

o artigo 161 da Constituição de 1934

estabelecia que tal condição implicaria

na suspensão das garantias constitucio-

nais que pudessem prejudicar direta ou

indiretamente a segurança nacional. No

caso do estado de comoção interna, tal

condição de exceção seria implementa-

da, de acordo com o artigo 1º do decreto

nº 702, de 21 de março de 1936, quan-

do ocorressem tentativas de subversão

das instituições políticas e sociais.

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146 • capítulo 6

OBJETIVOS

Ao longo de 1937, o Governo Federal promoveu intervenções, com o objetivo de apa-

rar algumas arestas consideradas indesejáveis em alguns estados e no Distrito Fede-

ral cujo prefeito, Pedro Ernesto, foi destituído por, possivelmente, estar associado à

ANL – no Exército, vários oficiais legalistas foram afastados dos comandos militares.

Em setembro de 1937, veio a público um suposto plano de uma in-

surreição comunista, o famoso PlanoCohen, cujos efeitos de sua divul-

gação levaram o Congresso a aprovar o estado de guerra e a suspensão

das garantias constitucionais por 90 dias.

Entre os efeitos da divulgação do Plano Cohen, podemos destacar a

retomada de um clima político golpista com a aprovação do estado de

guerra e da suspensão das garantias constitucionais pelo prazo de noven-

ta dias e a federalizaçãodaBrigadaMilitargaúcha pelo comandante do

III Exército, general Daltro Filho, tirando de Flores da Cunha, importante

liderança política do Rio Grande do Sul que se opunha a Vargas, o instru-

mento de resistência a um golpe que pudesse ser perpetrado por Getúlio.

Por ocasião do final do mês de outubro, o deputado Negrão de Lima,

portando uma carta do governador de Minas Gerais, Benedito Valada-

res, escrita em nome de Getúlio Vargas, percorreu os estados do Nor-

deste com a missão de conseguir o apoio dos governadores da região

para um golpe de Estado, o que levaria ao cancelamento das eleições

presidenciais que se realizariam em 1938 e à dissolução da Câmara dos

Deputados e do Senado. Essa proposta não contou com a adesão de Ju-

raci Magalhães, governador da Bahia e de Carlos de Lima Cavalcanti, go-

vernador de Pernambuco.

Em 9 de novembro, Armando de Salles Oliveira, um dos candidatos à suces-

são presidencial, encaminhou um manifesto aos chefes militares apelando

para que não permitissem o golpe de Estado. No entanto, em 10 de novem-

bro de 1937, tropas da polícia militar cercaram o Congresso, impedindo a

entrada dos parlamentares. À noite, Getúlio comunicou à nação, pelo rádio,

que o país estava iniciando uma nova fase política, ao mesmo tempo em que

anunciou a entrada em vigor de uma nova Constituição, elaborada por Fran-

cisco Campos, iniciando-se assim a ditadura do Estado Novo — o Congresso

foi dissolvido e, a 13 de novembro, 80 membros do Congresso dissolvido

levaram solidariedade a Getúlio.

CURIOSIDADE

Plano Cohen

O que foi o Plano Cohen?

Aparentemente, seria um documen-

to contendo uma situação imaginária,

mostrando como se desenvolveria uma

insurreição comunista e como ocorreria

a reação dos integralistas diante dela. O

autor do documento seria alguém chama-

do Cohen (nome de origem claramente

judaica). Na realidade, a história desse

plano ainda guarda muitos aspectos obs-

curos. Em setembro de 1937, um oficial

do Exército, integralista, capitão Olímpio

Mourão Filho, foi surpreendido, datilogra-

fando, no prédio do Ministério da Guerra,

um plano de um levante comunista. Esse

documento, de alguma forma, passou dos

integralistas para o comando do Exército

e em 30 de setembro foi divulgado no

programa radiofônico Hora do Brasil e

parcialmente publicado nos jornais.

Federalização da Brigada Militar

O que significou, na prática, a federaliza-

ção da Brigada Militar?

Na prática, essa medida representava a

exacerbação da intervenção do gover-

no federal nos assuntos internos dos

estados, ainda que, pelo artigo 167 da

Constituição Federal de 1934, as polí-

cias militares estaduais (o que era o caso

da Brigada Militar do Rio Grande do Sul)

fossem consideradas reservas do Exér-

cito. Apesar dessa condição, as polícias

militares encontravam-se sob o coman-

do dos governadores. Com a federaliza-

ção, entretanto, a Brigada Militar do Rio

Grande do Sul passou ao comando do III

Exército, tirando do governador Flores da

Cunha a capacidade armada de resistir a

um provável golpe de Estado que se avi-

zinhava e que acabou acontecendo.

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capítulo 6 • 147

O período da Ditadura do Estado Novo (de 1937 a 1945) e a Constituição de 1937

O golpe do Estado Novo impôs uma Constituição que ficaria conhecida como Polaca em vir-

tude de sua identificação com a Carta polonesa (1935). Entretanto, essa constituição sofreu

também a influência da Constituição portuguesa salazarista de 1933, da Carta del Lavoro (a

legislação social italiana fascista de 1927), além da Constituição gaúcha de 1891 (marcada

pelo positivismo de Júlio de Castilhos).

A Carta Constitucional do Estado Novo teve existência apenas nominal. Para Bonavides e Paes de

Andrade, se a Constituição de 1937 não pode ser rotulada de forma categórica como uma Cons-

tituição nominal, ou seja, uma Constituição dotada de um texto meramente formal, não se pode

deixar de constatar que grande parte dela permaneceu inaplicada, exceção feita aos dispositivos

autoritários que se prestavam às demandas imediatas do poder.

Em entrevistas concedidas ao jornal carioca, Correio da Manhã, em março de 1945,

Francisco Campos, reconhecido como o principal autor do texto da Carta de 1937, dizia que

a constituição tinha um caráter puramente histórico, uma vez que a determinação, prevista

em seu artigo 187 de que deveria ser submetida a um plebiscito nacional, nunca foi concre-

tizada. E, uma vez que o plebiscito nunca foi realizado, a vigência da Carta até a realização

da consulta seria provisória. Sem a realização do plebiscito que deveria ter ocorrido em até

seis anos a partir do início do mandato do presidente Vargas, ou seja, a partir de 1937, sua

aprovação definitiva não ocorreu, tornando-se, portanto, inexistente.

Apesar de apresentar certa convergência ideológica com a Constituição Polonesa de

1935, para Francisco Campos, a Constituição brasileira de 1937 (outorgada) não pode ser

considerada uma constituição fascista já que nela encontravam-se capitulados, como cri-

mes de responsabilidade do presidente da República, os atos que atentassem contra a exis-

tência da União, contra a Constituição, contra o livre exercício dos poderes políticos, contra

a probidade administrativa, contra a guarda e emprego do dinheiro público e contra a exe-

cução das decisões judiciárias (art. 85). Segundo Francisco Campos, como uma constitui-

ção poderia ser fascista prevendo crimes de responsabilidade do presidente da República?

De acordo com Boris Fausto, a chave da compreensão do Estado Novo encontrava-se

nas “disposições finais e transitórias” da Constituição de 1937. Com a dissolução do Con-

gresso, Vargas tinha o poder para expedir decretos-leis relacionados a todos os assuntos de

responsabilidade do governo federal. Pelo artigo 186 das “disposições finais e transitórias”,

o estado de emergência era declarado em todo o país, com a suspensão de todas as liberda-

des civis formalmente garantidas pela própria Constituição. Em outro preceito transitório

que teve vigência indefinida, ficava o governo autorizado a aposentar funcionários civis e

militares, se assim fosse do interesse do serviço público ou da conveniência do regime.

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148 • capítulo 6

CURIOSIDADE

Durante todo o período Estado Novo, Getúlio Vargas exerceu o poder por meio dos decretos-leis, uma vez

que não ocorreram nem o plebiscito que daria existência definitiva à Constituição de 1937, nem as elei-

ções para o Parlamento que deveriam acontecer após o plebiscito.

Com o Estado Novo e com a aplicação de alguns dispositivos da Constituição de 1937,

a tendência centralizadora que já se verificava alguns meses após a Revolução de 1930 se

realizou plenamente. O princípio da separação e da independência dos poderes foi elimi-

nado, ficando a competência dos poderes condicionada aos interesses do Presidente da

República.

Os estados passaram a ser governados por interventores que, por sua vez, a partir de um

decreto-lei de abril de 1939, passaram a ser controlados por um departamento administra-

tivo, do qual dependiam a expedição do orçamento e os decretos–leis dos interventores. O

Senado foi extinto e, em seu lugar, surgiria um Conselho Federal formado por represen-

tantes eleitos pelas assembleias estaduais e por dez membros diretamente nomeados pelo

Presidente da República. A sucessão presidencial ocorreria por meio de eleições indiretas,

por um Colégio Eleitoral composto por representantes da Câmara dos Deputados, do Con-

selho Federal, das Câmaras Municipais e de um Conselho da Economia Nacional.

A questão federativa e o Estado Novo

Ainda que a Constituição de 1937 firmasse a natureza federativa do Estado brasileiro (artigo 3º),

a hipertrofia da União limitou consideravelmente a autonomia dos estados-membros da federação.

Como exemplo das limitações impostas pela Carta de 1937 e pelo regime do Estado Novo,

devemos lembrar que, de acordo com o artigo 9º dessa mesma Constituição, O Governo Fe-

deral poderia intervir nos estados, mediante a nomeação pelo Presidente da República de um

interventor, que assumiria no estado as funções que, pela sua Constituição, competiriam ao

Poder Executivo, ou as que, de acordo com as conveniências e necessidades de cada caso, lhe

fossem atribuídas pelo Presidente da República. Além disso, os próprios interventores eram

controlados por um departamento administrativo responsável pela análise e pela aprovação

ou rejeição da proposta de orçamento e dos decretos-leis dos interventores.

Havia nesse texto constitucional um claro silêncio sobre os partidos políticos e não se

verifica qualquer referência à Justiça Eleitoral. Os direitos e as garantias individuais foram

mantidos (artigo 122) e fixou-se a possibilidade de legislação específica prescrever a pena

de morte para os crimes capitulados nos subitens do item 13, do artigo 122, — para deter-

minados crimes de natureza política como o atentado contra a soberania, contra a integri-

dade do território nacional, contra a ordem social estabelecia e para os crimes de homicí-

dio cometidos com extremos de perversidade.

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capítulo 6 • 149

Foram mantidos, na Carta de 37, todos os preceitos norteadores da

legislação social e trabalhista (artigo 137) que já haviam sido firmados

anteriormente na Constituição de 1934 e no que se referia aos dispositi-

vos relacionados à organização familiar, podemos destacar:

a manutenção da indissolubilidade do casamento (artigo 124);

a responsabilização direta da família, com a colaboração do Estado, com rela-

ção à educação (artigo 125);

e o estabelecimento da igualdade entre filhos legítimos e naturais (artigo

126), remetendo a efetivação desta medida para uma futura legislação infra-

constitucional, o que não aconteceu.

O Departamento de Imprensa e Propaganda e a nova institu-cionalidade social e trabalhista do Estado brasileiro

A configuração da nova institucionalidade social e trabalhista do Estado

brasileiro, iniciada logo após a vitória da Revolução de 1930 com a im-

plementação de uma legislação social e previdenciária durante a fase do

Governo Provisório continuou a se desenvolver durante o período do Es-

tado Novo, associada agora à criação da imagem de Getúlio Vargas como

o protetor dos trabalhadores, como o “paidospobres”.

Ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) foram atribuídas

funções relacionadas à produção/patrocínio de literatura social e polí-

tica, programas, filmes publicitários do governo, informações, notícias

para o cinema, rádio, imprensa. Além disso, o departamento era res-

ponsável pela proibição da entrada no país de publicações consideradas

nocivas aos interesses brasileiros, atuava junto aos correspondentes es-

trangeiros para evitar que fossem disseminadas informações, imagens

negativas que pudessem prejudicar a imagem do Brasil no exterior e

pela transmissão diária do programa Hora do Brasil que, até os dias de

hoje, se constitui em instrumento de propaganda e de divulgação das

ações e das obras do governo.

Vargas, o “protetor dos trabalhadores”, o “pai dos pobres”

Para que se firmasse a figura de Vargas no imaginário popular como

protetor dos trabalhadores, como “pai” dos pobres, recorreu-se a várias

cerimônias com a presença da população (por exemplo, as comemora-

ções do 1º de maio, no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro e no

Pacaembu, em São Paulo) e ao uso intensivo dos meios de comunicação

da época. A partir de 1942, o então ministro do trabalho, Alexandre Mar-

condes Filho, passou a realizar palestras semanais na Hora do Brasil,

durante as quais era contada a história da implementação da legislação

social, explicando o alcance e o objetivo das leis sociais e trabalhistas

CURIOSIDADE

Pai dos pobres

Para a construção dessa imagem, foi

criado o Departamento de Imprensa e

Propaganda (que se constituiu em um

verdadeiro “ministério da propaganda”)

por meio do decreto-lei nº 1.915, de 27

de dezembro de 1939.

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150 • capítulo 6

por meio da apresentação de casos con-

cretos e se dirigindo a públicos determi-

nados (aposentados, mulheres, pais de

menores trabalhadores, imigrantes).

Da continuidade da configuração da institucionalidade social e traba-lhista no Estado Novo, iniciada no período do Governo Provisório.

Alguns dos principais marcos da institucionalidade social e trabalhista do Estado brasilei-

ro firmados durante o período do Estado Novo foram:

A implantação do salário-mínimo que ocorreu por meio da lei nº 185, de 14 de janeiro de 1936 e do De-

creto-lei nº 399, de 30 de abril de 1938 que regulamentou a aplicação da lei anterior — a partir da imple-

mentação do salário-mínimo, passou a existir um valor mínimo de remuneração, diferenciado por regiões.

A implantação de uma nova lei tratando da regulamentação da sindicalização (decreto-lei nº 1.402,

de 05 de julho de 1939).

A organização da Justiça do Trabalho dada pelo decreto-lei nº 1.237, de 2 de maio de 1939 e o

início de seu funcionamento em 1 de maio de 1941.

Criação do Imposto Sindical e das normas de sua aplicação e recolhimento por meio do decreto-lei

nº 4.298, de 14 de maio de 1942.

A implantação da Consolidação das Leis do Trabalho pelo decreto-lei de nº 5.452, de 1 de maio

de 1943.

Criação do Instituto dos Serviços Sociais do Brasil pelo decreto-lei nº de 7 de maio de 1945 (Lei

Orgânica dos Serviços Sociais do Brasil).

Na verdade, a Constituição de 1937 teve uma vigência mitigada ao longo de um período

que se caracterizou por apresentar duas fases bem distintas:

PRIMEIRAA primeira, marcada pela ascensão e a consolidação da ditadura do

Estado Novo em consonância com a vaga autoritária e fascista que

varreu a Europa nos anos 1930 e início da década de 1940.

SEGUNDA

A segunda, caracterizada pela crescente dissonância entre o regime do

Estado Novo e a mudança nos rumos da Segunda Guerra Mundial, que

se verificou com a entrada dos Estados Unidos no conflito a partir de

1941, com a contenção do avanço das forças do Eixo (tanto na frente

oriental europeia, como no “teatro” da guerra no Pacífico) e com o rea-

linhamento do Brasil no esforço de guerra contra as potências do Eixo.

Com tais ações, a imagem de Vargas foi sendo fixada como guia, como amigo, como pai, como dirigente benevolente dos brasileiros, particularmente dos trabalhadores.

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capítulo 6 • 151

O enfraquecimento e a derrocada do Estado Novo

A queda do Estado Novo se constituiu em um processo lento, iniciado com a edição do Ato

Adicional de 28 de fevereiro de 1945 e concluído com o afastamento de Getúlio Vargas do

poder em 29 de outubro de 1945.

Durante esses nove meses, a ambiência sociopolítica brasileira foi marcada por intensa

agitação — questões fundamentais e urgentes emergiram nesse período, a saber:

Concessão de anistia

Realização de eleições presidenciais

O “queremismo” (continuidade de Getúlio Vargas no poder)

A convocação da Assembleia Constituinte

As questões citadas aprofundaram de maneira significativa as divisões entre forças si-

tuacionistas e oposicionistas, por sua vez, divididas em grupos civis e militares. Somente a

questão sucessória conseguiu unir as forças antagônicas ao governo no momento em que

Vargas articulava sua continuidade à frente do poder.

Uma digressão importante - o papel do exército no período de 1930 a 1945

O Exército se constituiu na principal força impulsionadora da Revolução de 1930, movi-

mento armado que iria derrubar a ordem oligárquica da Primeira República. Apesar do

protagonismo do Exército na superação da República Velha, a consolidação de sua força

política foi dificultada no período imediatamente posterior à Revolução de 1930, sendo

necessárias três grandes crises, ocorridas ao longo dessa década, para que se definisse o

fortalecimento organizacional e institucional do Exército, o que levaria a instituição a se

converter na guardiã do Estado Novo.

Os dois líderes responsáveis pelo processo reformista do Exército ao longo da década

de 1930 foram:

Góis Monteiro (ministro da Guerra entre 1934 e 1935 e Chefe do Estado Maior do Exército de

1937 a 1943).

Eurico Gaspar Dutra (ministro da Guerra entre 1937 e 1945).

Esses dois generais conseguiram transformar o Exército em uma organização coesa, politicamen-

te homogênea e socialmente permeável às classes alta e média da população.

Para o Exército, a história da década de 1930 foi a história da eliminação de correntes re-

formistas e esquerdistas (nesse último caso, eliminação consolidada após Revolta Comunista

de 1935) e do afastamento dos generais da ge-

ração da Primeira República, dentre os quais

muitos simpatizaram com a Revolução Cons-

titucionalista de São Paulo de 1932. Além dis-

so, em função das sucessivas crises político-

militares que marcaram os anos 1930,

Getúlio foi convencido a promover o fortalecimento da organização das Forças Armadas

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152 • capítulo 6

CURIOSIDADE

Ao final da década de 1930, antes do início da Segunda Guerra Mundial, graças à ação de Góis Monteiro

e de Dutra, o Exército se mostrava como uma organização muito mais disciplinada, purificada ideológica e

politicamente, com recursos garantidos no orçamento nacional, com efetivos ampliados de 38 mil para 90

mil homens, contando com o serviço militar obrigatório (para formação de reservas) e com controle pleno

sobre as forças policiais estaduais.

Após o golpe de 1937 que implantou o Estado Novo, os militares (especialmente os do Exército)

passaram a ser os principais fiadores da ordem social e do desenvolvimento do regime estado-

novista — com a repressão das forças de esquerda, do movimento integralista e das oligarquias

regionais, tornou-se difícil estabelecer uma clara distinção entre Forças Armadas e o Estado. Com

o término da guerra, coube às Forças Armadas o papel protagonista no processo que levaria à

queda de Getúlio Vargas e ao fim do Estado Novo, ao mesmo tempo em que foram os avalistas

da solução para a crise que se configurou a partir do apoio que várias forças sociais (inclusive o

Partido Comunista) deram à continuidade do poder getulista.

A partir de 1942, tanto na Europa como no Pacífico, o avanço das forças do Eixo come-

çou a ser detido na frente oriental do “teatro” europeu (Batalha de Stalingrado) e no “te-

atro” da guerra no Pacífico (batalha de Midway), o que sinalizava uma clara reversão das

condições que marcaram o início da Segunda Guerra Mundial.

Com o avanço das tropas aliadas na Europa e no Pacífico, trazendo consigo a clara pers-

pectiva da derrota do nazifascismo europeu e do Império japonês, o Estado Novo varguista

começou a dar sinais de esgotamento, especialmente a partir do segundo semestre de 1944.

Já em 24 de outubro de 1943, veio a público o Manifesto dos Minei-

ros, no qual personalidades, como Afonso Arinos, o ex-presidente Artur

Bernardes, Milton Campos, Pedro Aleixo, Virgílio de Melo Franco, pro-

punham que se instalasse no Brasil um verdadeiro regime democrático

que pudesse dar segurança econômica e bem-estar ao povo brasileiro.

Dentro do governo, Osvaldo Aranha mostrou-se francamente

favorável à abertura democrática e com o fechamento da Socieda-

de dos Amigos da América pelo chefe de polícia, Coriolano de Góis,

entidade para a qual Aranha havia sido convidado para ser vice-pre-

sidente, fez com que o ministro das Relações Exteriores pedisse de-

missão do cargo. Verificou-se também um progressivo afastamento do general Góis Mon-

teiro em relação ao Estado Novo, um de seus idealizadores e alicerces militares — sendo

responsável pelo encaminhamento da saída de Getúlio do poder.

A imprensa burlava frequentemente a censura, condição que revela um indicador se-

guro da perda de força dos regimes autoritários. Em 22 de fevereiro de 1945, José Américo,

ex-ministro de Getúlio e ex-candidato à Presidência da República nas abortadas eleições de

1938, em entrevista ao jornal carioca O Correio da Manhã, criticava o Estado Novo e afirmava

que a oposição já tinha candidato que era o brigadeiro Eduardo Gomes.

Afonso Arinos

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capítulo 6 • 153

Em 28 de fevereiro de 1945, Getúlio baixou o Ato Adicional nº 9 à Carta de 1937 que

determinava um prazo de 90 dias para a marcação da data das eleições — editou-se assim o

Código Eleitoral (decreto nº 7.586 de 28 de maio de 1945 — lei Agamenon) que regulava o

alistamento e as eleições, estabelecendo a data de 2 de dezembro de 1945 para a eleição do

Presidente, do Conselho Federal e da Câmara dos Deputados e a data de 6 de Maio de 1946

para a realização das eleições para as assembleias legislativas (art. 136).

Por esse tempo, Getúlio declarava que não seria candidato à presidência enquanto, den-

tro do governo, gestava-se a candidatura do general Dutra, ainda Ministro da Guerra, em

oposição à candidatura de Eduardo Gomes.

Todavia, para que se pudessem realizar as eleições previstas para o dia 2 de dezembro,

havia a necessidade da criação de partidos, organização política que havia deixado de exis-

tir no Brasil por força da implantação do regime do Estado Novo.

Assim, ao longo do ano de 1945, foram criados os três grandes partidos que dominariam

o cenário político brasileiro até 1964: o PSD (Partido Social Democrático), a UDN (União De-

mocrática Nacional) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro):

PSD (Partido Social Democrático) – surgido a partir da “máquina” do Estado, sob os auspícios da buro-

cracia, dos interventores nos estados e do próprio Getúlio.

UDN (União Democrática Nacional) – formada em abril de 1945, tem suas origens no Manifesto

dos Mineiros de 1943 e na antiga oposição liberal, continuadora da tradição dos partidos democrá-

ticos estaduais, organizou-se em torno da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes.

PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) – fundado em setembro de 1945, sob a égide de Getúlio, do

Ministério do Trabalho e da burocracia sindical, tendo como objetivo reunir os trabalhadores em

torno da política getulista.

O PCB (Partido Comunista Brasileiro) veio apoiar o governo Vargas, com base em orientação vinda

de Moscou de que os partidos comunistas deveriam apoiar os governos de seus países que fizes-

sem parte da frente antifascista, fossem esses governos democráticos ou ditatoriais. Isso explica

o apoio de Prestes ao governo Vargas que, em abril de 1945 estabelecera, pela primeira vez, rela-

ções diplomáticas com a URSS — verificou-se maior aproximação dos comunistas em relação ao

governo quando, em junho de 1945, um decreto-lei do governo visava o controle dos monopólios e

de práticas monopolistas, prevendo inclusive a desapropriação, pelo presidente da República, das

empresas envolvidas em atos nocivos ao interesse público.

Em meados de 1945, trabalhistas ligados a Getúlio, com o apoio dos comunistas, deram

início à campanhadoQueremismo, defendendo a instalação da Assembleia Constituinte com

Getúlio no poder — tudo indicava que Getúlio pretendia manter-se como ditador ou como pre-

sidente eleito, esvaziando, ao longo do tempo, as candidaturas de Dutra e de Eduardo Gomes.

Diante da radicalização e do crescimento do movimento queremista, Vargas, em 10 de

outubro de 1945, baixou um decreto antecipando as eleições estaduais para 2 de dezembro.

Por esse decreto, os interventores deveriam, em um prazo de 20 dias, outorgar as consti-

tuições estaduais. Caso os interventores quisessem se candidatar aos governos estaduais,

deveriam se desincompatibilizar de seus cargos até 30 dias antes das eleições.

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154 • capítulo 6

CURIOSIDADE

Campanha do Queremismo

Queremismo foi um movimento político surgido em maio de 1945 com o objetivo de defender a perma-

nência de Getúlio Vargas na presidência da República. A expressão se originou do slogan utilizado pelo

movimento: "Queremos Getúlio".

Tudo indicava que Vargas sairia extremamente fortalecido dessas eleições, realizadas

sob a égide de seu governo. Todavia, diante de tal possibilidade, as articulações conspirató-

rias se intensificaram, tendo à frente o general Góis Monteiro e o candidato do PSD, general

Dutra. Toda essa articulação conspiratória contava com o aval do então embaixador norte

-americano no Brasil, Adolf Berle.

Vargas acabou sendo deposto não por conspiração externa, mas pelo jogo político interno que

teve, no afastamento de João Alberto do cargo estratégico de Chefe de Polícia do Distrito Federal

e em sua substituição pelo irmão de Vargas, Benjamin Vargas, o motivo imediato para sua depo-

sição — corria o boato que, ao assumir a chefia da Policia do Distrito Federal, Benjamin prenderia

todos os generais que estivessem conspirando contra o regime.

Dutra ainda tentou um compromisso, solicitando ao presidente que voltasse atrás na

nomeação — com a recusa de Vargas, Góis Monteiro mobilizou as tropas, forçando Vargas

à renúncia, o que fez com que essa transição para o regime democrático, bancada pelos mi-

litares, especialmente por um personagem que havia participado ativamente da Revolução

de 1930 (Góis Monteiro), mantivesse muitas continuidades com o regime anterior.

Com a queda de Vargas, os militares e a oposição liberal, assim como os dois candidatos à presi-

dência (Eduardo Gomes e Dutra), acordaram que o poder deveria ser entregue, temporariamente,

ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.

RESUMOA Era Vargas foi uma etapa das mais conturbadas de nossa história republicana que teve suas origens em

um processo revolucionário (a Revolução de 1930).

Foi profundamente influenciada pela conjuntura internacional da década de 1930 e da primeira metade

da década de 1940.

Representou também um momento de modernização/racionalização da máquina do Estado que o trans-

formariam no grande agente fomentador das políticas públicas voltadas para a superação do atraso do

capitalismo brasileiro (uma modernização autoritária, diga-se de passagem) e de configuração de uma

institucionalidade social e trabalhista que marca nossa sociedade até os dias de hoje.

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capítulo 6 • 155

ATIVIDADE

Questão 1

Segundo a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, Ângela Maria de Castro Gomes, “poucos períodos

na História do Brasil produziram desdobramentos tão duradouros, importantes e ambivalentes como o dos

oito anos que cobrem o período conhecido como Estado Novo (1937-1945)”. Assim, com relação à ambi-

ência jurídico-político-institucional dessa etapa da Era Vargas, é correto afirmar que:

A - Uma das características mais marcantes do regime do Estado Novo diz respeito à radicalização da na-

tureza federativa do Estado brasileiro, uma vez que, pela constituição de 1937, os municípios adquiriram a

condição de entes federativos, dotados de ampla autonomia em relação aos estados e em relação à União.

B - Apesar do perfil autoritário do regime estado-novista, as eleições para a renovação periódica da Câma-

ra dos Deputados e do Senado foram mantidas regularmente durante os oito anos de sua vigência, o que

contribuiu, decisivamente para limitar os poderes de Getúlio Vargas à frente do Executivo federal.

C - A continuidade do processo de configuração da nova institucionalidade social e trabalhista do Estado

brasileiro durante o período do Estado Novo, processo este iniciado nos primeiros tempos do Governo

Provisório, esteve associada à produção da imagem de Getúlio Vargas como protetor dos trabalhadores,

como o pai dos pobres.

D - Tal como nas constituições anteriores (as de 1824, 1891 1934), a Carta de 1937 contemplava a

intervenção do Estado na economia e nas questões de natureza social, tendo sido firmado em seu texto, o

rol de preceitos que nortearam a produção da legislação social e trabalhista no Brasil desde, pelo menos,

a proclamação da República.

E - Ainda que a ordem constitucional de 1937 tivesse se configurado em um ambiente de exercício pleno

da democracia, as questões de natureza social e trabalhista foram colocadas em um segundo plano, visto

que a lógica liberal, assumida em sua plenitude por Vargas e por seus assessores, se constituiu em con-

siderável obstáculo à adoção de políticas de intervenção estatal tanto na economia, como na área social.

Questão 2

No que se refere à construção da institucionalidade social e trabalhista da Era Vargas, podemos afirmar que:

I - A criação do Ministério do Trabalho, que ocorreu logo após a vitória da Revolução de 1930, revelou um

novo projeto jurídico-político-institucional em que o Estado brasileiro passaria a regulamentar e fiscalizar

as relações entre capital e trabalho no país.

II - Durante a gestão do Salgado Filho (1932 a 1934), à frente do Ministério do Trabalho, foram sanciona-

das numerosas leis que tratavam da regulação das condições de trabalho dos que se encontravam no mer-

cado de trabalho (leis trabalhistas) e das questões que tratavam do amparo àqueles que, temporariamente

ou definitivamente, se afastavam do mercado de trabalho (leis previdenciárias).

III - A implementação da Carteira de Trabalho, em 1932 (Decreto nº 22.035, de 29 de outubro de 1932),

permitiu ao Ministério do Trabalho um maior controle sobre a população trabalhadora.

Após analisar cada uma das afirmativas acima (verificando se elas estão CORRETAS ou ERRADAS), assi-

nale qual alternativa melhor reflete o resultado de sua análise:

A - Todas as afirmativas estão erradas.

B - Todas as afirmativas estão corretas.

C - Somente a afirmativa I está errada.

D - Somente a afirmativa II está correta.

E - Somente a afirmativa III está errada.

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156 • capítulo 6

Questão 3

As constituições brasileiras de 1934 e de 1937 foram produzidas no contexto do reordenamento socio-

político-econômico resultante do movimento revolucionário de 1930, que rompeu, em grande parte, com o

modelo republicano da chamada República Velha, ao mesmo tempo em que refletiram em seus textos as

tendências antiliberais que marcaram o ambiente político da Europa na década de 1930 e que produziram

efeitos notáveis sobre as sociedades latino-americanas. Assim, no que se refere a alguns dos principais

aspectos dessas duas cartas constitucionais, é correto afirmar que:

A - Pela carta de 1934, o Poder Legislativo era exercido pela Câmara dos Deputados, com a colaboração

do Senado Federal, o que significou uma redução das atribuições legislativas da casa congressual repre-

sentativa da Federação.

B - Pela Constituição de 1937, o presidente da República compartilhava seu poder com o Conselho Fe-

deral nas funções de coordenação da atividade dos órgãos representativos e de promoção ou orientação

da política legislativa.

C - A constituição de 1934 manteve os princípios formais fundamentais da organização do Estado bra-

sileiro presentes na primeira constituição republicana de 1891, como a divisão quadripartite dos poderes

independentes e coordenados entre si e o regime representativo.

D - O texto constitucional de 1937 definia que os governos estaduais seriam exercidos por governadores

eleitos por meio de eleições diretas.

E - No que se refere a temas de natureza social e trabalhista, somente foram incorporados pela Constituição

de 1937, já que os constituintes que produziram o texto de 1934 se omitiram com relação a tais questões.

Questão 4

Em discurso pronunciado na Assembleia Nacional Constituinte, em 20 de julho de 1934, Getúlio Vargas

não escondeu o descontentamento com a nova Constituição. De acordo com ele, a Constituição de 34,

diferentemente daquela que fora promulgada em 1891, enfraquecia os elos da Federação, anulava, em

grande parte, a ação do presidente da República, cerceando-lhe os meios imprescindíveis à manutenção

da ordem, ao desenvolvimento normal da administração, estimulando as forças armadas à prática do fac-

ciosismo partidário, subordinando a coletividade, as massas proletárias e desprotegidas ao bel-prazer das

empresas poderosas e colocando o indivíduo acima da comunhão de interesses da sociedade. Levando-se

em consideração as críticas perpetradas por Vargas, nesse discurso, em relação ao texto da Constituição

de 1934 e o curto tempo de sua vigência, é correto afirmar que:

A - A Carta de 34 destoa completamente dos principais objetivos que nortearam a Revolução de 1930,

já que manteve os mesmos princípios liberais de organização do Estado que orientaram a elaboração do

primeiro texto constitucional republicano.

B - Apesar do fortalecimento do Poder Executivo, no texto da constituição de 1934 ficou assegurado o

predomínio do Poder Legislativo no sistema político, que deveria se constituir em um inibidor do avanço

do Executivo.

C - As críticas de Vargas se referem à total ausência das temáticas da proteção social e da proteção às

relações trabalhistas nesta constituição, o que dificultaria a continuidade da organização socioprodutiva

capitalista no Brasil.

D - Apesar das tensões políticas que marcaram o período de vigência dessa ordem constitucional, sua

substituição pelo texto de 1937 ocorreu por meio dos trabalhos de uma assembleia revisora que, reunida a

partir do final de 1936, elaborou as emendas ao texto de 34, emendas que serviram para o aprimoramento

dessa carta e que acabaram por compor a Constituição de 1937.

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capítulo 6 • 157

E - Por ter sido outorgada, a carta de 34 previa uma organização do Estado brasileiro com características

bastante semelhantes àquelas de alguns dos textos constitucionais que regiam os regimes fascistas euro-

peus do período, especialmente no que dizia respeito à organização partidária, já que a primeira constitui-

ção da Era Vargas previa a organização de um partido único capaz de dar sustentação ao governo.

Questões discursivas

Questão 1

Analise a seguinte afirmativa: A Constituição de 1937 sofreu poderosa influência da Carta de 1891 e de

seus aspectos liberais e individualizantes, e sua aplicação regular se deveu à implantação do regime do

Estado Novo caracterizado pela intensa atividade legislativa e pela descentralização político-administrativa.

Essa afirmativa está CORRETA ou ERRADA? Justifique.

Questão 2

Quais eram os dispositivos presentes no Código Eleitoral de 1932 que refletiam as reivindicações do pro-

grama dos revolucionários de 1930, especialmente as reivindicações dos tenentes?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Brasileira - Volume III (o Brasil Republicano), tomo 2 (Sociedade e instituições - de 1889 a 1930), São Paulo:

Difel, 1985.

_________. História do Brasil. 14. ed. São Paulo: Edusp, 2012.

FERREIRA, M. M.; PINTO, S. C. S. A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930. In: FERREIRA, Jorge; DEL-

GADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs). O Brasil Republicano - o tempo do liberalismo excludente (da Procla-

mação da República à Revolução de 1930). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

FORJAZ, M. C. S. Tenentismo e política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

GOMES, A. M. C. Estado Novo: ambiguidades e heranças do autoritarismo no Brasil. In: ROLLEMBERG, Denise;

QUADRAT, Samantha Viz (orgs.). A construção social dos regimes autoritários: legitimação, consenso e con-

sentimento no século XX - Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

NETO, L. Getúlio (1930-1945) - do governo provisório à ditadura do Estado Novo. São Paulo: Companhia das

Letras, 2013.

OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Estado Novo - ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

PANDOLFI, D. Os anos 1930 - as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida

Neves (orgs). O Brasil Republicano - o tempo do nacional-estatismo (do início da década de 1930 ao apogeu

do Estado Novo). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

RIBEIRO, D. Aos trancos e barrancos - como o Brasil deu no que deu. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

VILLA, M. A. A história das constituições brasileiras - 200 anos de luta contra o arbítrio. São Paulo: Leya, 2011.

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A entrada é uma rua antiga estreita e torta: da Democracia à Ditadura

eduardo ferraz felippe

17

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160 • capítulo 7

A Constituição Democrática de 1946

Como uma vista panorâmica, o período entre 1945 e 1964 são anos de

continuidades e rupturas frente à época em que Vargas esteve no poder.

A modernização da máquina do Estado, ocorrida durante o período var-

guista, continuou.

A queda do presidente Getúlio Vargas, em 1945, abriu espaço para

uma nova onda democrática no país. Mais uma vez, a deposição de um

presidente tinha sido feita por intermédio dos militares, assim como a

Revolução de 1930 que colocou o próprio Vargas no poder. Entretanto,

a oposição ao Estado Novo era fruto da insatisfação de setores, tanto da

elite brasileira quanto das camadas populares.

Vargas tentou articular a sua continuidade no poder. Suas primeiras

ações possibilitaram a fundação de dois partidos políticos:

• O Partido Social Democrático (PSD), associado aos interesses con-

servadores agrários e aos interventores varguistas;

• E o partido trabalhista brasileiro (PTB), vinculado à estrutura tra-

balhista do Estado varguista.

Além disso, possibilitou que o Partido Comunista Brasileiro (PCB)

retornasse ao usufruto de toda a sua autonomia política. Contudo, os

militares retiraram Vargas do poder, justamente para evitar o risco do

continuísmo político.

As eleições de 1945 ocorreram em clima de legalidade jurídica. Por

meio de uma aliança do PSD e do PTB, o general Eurico Gaspar Dutra

venceu as eleições com 55% dos votos, contra o candidato da União

Democrática Nacional (UDN), Brigadeiro Eduardo Gomes, que repre-

sentava os setores liberais.

Principais características da Constituição de 1946

Entre os principais pontos introduzidos pela nova Constituição, desta-

cam-se os seguintes:

Tendência restauradora das linhas da Constituição de 1891, com as inova-

ções (aproveitáveis) de 1934, principalmente no que se refere à proteção

aos trabalhadores, à ordem econômica, à educação e à família.

CURIOSIDADE

Eurico Gaspar Dutra

Eurico Gaspar Dutra era militar e seu

governo foi voltado para a manutenção

da ordem legal e por uma aproximação

gradual, no plano internacional, com os

Estados Unidos da América. No gover-

no Dutra, houve a elaboração de uma

nova Constituição, alinhada aos princí-

pios democráticos, e que tinha por obje-

tivo a estabilização política. Foi conside-

rado um marco jurídico importantíssimo

no período, pois, com ela, há o retorno

das liberdades civis, bem como dos di-

reitos políticos, tão limitados na ditadura

Vargas. Portanto, vamos analisá-la com

um pouco mais de calma.

7 A entrada é uma rua antiga estreita e torta: da Democracia à Ditadura

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capítulo 7 • 161

CURIOSIDADE

Guerra fria

Conflito de ordem política, militar, tec-

nológica, econômica, social e ideológica

ocorrido entre 1948 e 1991 entre Es-

tados Unidos da América e União So-

viética e seus respectivos aliados. Cabe

considerar que não houve o confronto

militar direto entre essas nações, os em-

bates entre o bloco capitalista e o bloco

socialista foram direcionados para as

zonas periféricas.

Restabelecimento das eleições diretas para presidente, governadores e

prefeitos.

O mandato presidencial foi fixado em cinco anos, mantida a proibição da

reeleição para cargos executivos.

As atribuições do Congresso foram fortalecidas, principalmente aquelas que

dizem respeito à inspeção das ações do Executivo. Nesse sentido, todas as

medidas administrativas ou de política econômica do governo (mesmo as de

curto prazo) teriam de receber a autorização do Congresso Nacional.

Foi restaurado o princípio federalista, estabelecendo-se a divisão de atri-

buições entre a União, os estados e os municípios, sendo que aumentada a

autonomia Municipal.

No que se refere aos direitos eleitorais, seguiu as diretrizes expressas no

Código Eleitoral de 1932 — verdadeiro marco revolucionário sobre o tema

no país —, mas extinguiu a bancada profissional, presente na Carta de

1934, e ampliou a obrigatoriedade do voto feminino, antes restrita às mu-

lheres que exercessem cargo público remunerado.

No âmbito das liberdades civis, reestabeleceu a liberdade de associação,

crença e de cultos religiosos, manifestação de pensamento, sendo que a

censura só poderia ocorrer em espetáculos voltados para a diversão pública;

No plano social, a Constituinte optou por uma postura mais conser-

vadora. O direito de greve, por exemplo, foi aprovado por meio de um

texto genérico que reconhecia o direito, mas deixava para o Congresso

uma futura regulamentação, que terminou por não vir.

Todas as medidas propostas na Constituição favoreciam um mo-

vimento de alinhamento gradual do país aos interesses da sociedade

capitalista. Dessa forma, era apenas uma questão de tempo para que

houvesse o diálogo cada vez mais aberto entre a presidência do país e os

representantes do capitalismo norte-americano.

Eram os primeiros anos da Guerra Fria, sendo que a guerra ideológica se

intensificava em todo o mundo. A divisão do mundo em:

• de um lado, o bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos da América e;

• do outro lado, o bloco socialista liderado pela União Soviética, teve impac-

to imediato no Brasil.

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162 • capítulo 7

O Partido Comunista do Brasil, posto na legalidade após a Cons-

tituição de 1946, tinha como seu líder Luís Carlos Prestes e estava em

franco crescimento desde as eleições ocorridas em 1947. No entanto,

em virtude do quadro internacional do pós-guerra, passou a ser cada

vez mais atacado pelos congressistas e representantes dos outros par-

tidos. Os comunistas eram acusados de estarem a serviço de Moscou e

conspirando contra os interesses nacionais.

ATENÇÃO

Ainda em 1947, os deputados do PCB tiveram seus mandatos cassados. Esse ato

político, no âmbito de um cenário de Guerra Fria, representou o alinhamento por

completo do Brasil ao bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos.

Em termos econômicos, o país saiu da Segunda Guerra Mundial com

uma reserva de valores alta. Entretanto, a má aplicação desses recursos

disponíveis fez com que, já em fins de 1947, a população brasileira pas-

sasse a sentir os efeitos da perda do valor da moeda.

Com o intuito de equilibrar as finanças públicas, Dutra lançou o

PlanoSalte que, em termos gerais, visava a atuar em áreas básicas da

infraestrutura do país, propiciando condições de crescimento, ao mes-

mo tempo em que buscaria o equilíbrio econômico. O plano foi um

fracasso e provocou grande desvalorização da moeda nacional, sendo

que ao fim do seu mandato, as reservas cambiais baixaram a quase um

décimo do que eram após a Segunda Guerra Mundial. Nessa época, o

Presidente Dutra já havia perdido o apoio popular. Entretanto, seu par-

tido, o PSD, mais uma vez aliado ao PTB, preparava o cenário para o

retorno daquele que nunca havia saído de cena: Getúlio Vargas.

O Segundo Governo de Getúlio Vargas

Mesmo tendo vencido nas urnas, foi neces-

sário manter um diálogo com os militares

para afastar qualquer desconfiança referen-

te a um possível rompimento com a ordem

democrática. Vargas não conseguiu o apoio pleno da cúpula militar,

mas a visão nacionalista tinha a simpatia dos militares.

Contudo, não foram os militares o principal grupo contrário a Vargas. A im-

prensa da época, em sua maior parte, apresentava uma posição hostil ao go-

verno Vargas, em virtude das posições autoritárias no Estado Novo. Diferente-

mente dos militares, os grandes empresários dos meios de comunicação não

acreditavam que Vargas tivesse se convertido aos princípios democráticos.

CURIOSIDADE

Plano Salte

Sigla formada pelas iniciais de Saúde,

Alimentação, Transportes e Energia.

CURIOSIDADE

Nacionalismo

Esse conceito não deve ser desvincu-

lado de outros conceitos, como Nação

e Estado. O nacionalismo deve ser en-

tendido como uma atitude mental que

associa atitudes individuais e nação. No

caso Vargas, a economia estava voltada

para a defesa dos interesses nacionais

e da diminuição do envio de divisas ao

exterior.

Getúlio Vargas retomou o poder em 1951.

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capítulo 7 • 163

Um problema agravava ainda mais a situação do presidente: a Guerra

Fria. No plano internacional, a década de 1950 foi palco de uma série de

eventos que demonstravam que o mundo passava por um processo de cres-

cente tensão. Os comunistas tinham acabado de conquistar a China (1949),

e no ano seguinte eclodia a Guerra da Coreia (1950-1953).

No âmbito internacional, o anticomunismo havia se fortalecido

nos Estados Unidos da América com a eleição de Eisenhower, em 1953.

Ocorreu uma ampla perseguição a artistas e intelectuais comunistas por

meio das falas do senador Joseph McCarthy. Muitos foram os artistas

perseguidos por esse político, dentre eles, o mais famoso foi Charles

Chaplin, que teve seu passaporte confiscado e morreu fora dos Estados

Unidos da América, na Suíça.

O Brasil viveu essa divisão ocorrida em todo o mundo entre comu-

nistas e anticomunistas. Contudo, em nosso país, os grupos de direita

combatiam não somente o comunismo, mas também o nacionalismo.

Em virtude das medidas econômicas tomadas por Vargas, ele passou

a ser, cada vez mais, associado aos interesses nacionalistas por alguns

membros da imprensa.

Em fins de 1951, Vargas enviou ao Congresso projeto de criação de uma

empresa para cuidar do petróleo. A medida foi aprovada em 1953, criando-

se a Petrobras como uma empresa estatal de economia mista, detentora do

monopólio de pesquisa, exploração e refinação do Petróleo no Brasil.

CURIOSIDADE

A campanha “O Petróleo é nosso” motivou diversos setores da sociedade. Maria

Antonieta Leopoldi, em seu Política e interesses na industrialização brasileira, afir-

ma que, como ocorria em outros países da América Latina, a sociedade civil optou

por um modelo energético que excluía as companhias estrangeiras de petróleo da

exploração e refino do material. O debate em torno do petróleo ganhou um tom

apaixonado que atravessou o governo Dutra, até terminar por constituir a Petrobras.

EXEMPLO

A charge explicita como estava sendo veiculada a

imagem da divergência política entre os setores na-

cionalistas em cartazes de pequena circulação as-

sociadas aos defensores da nacionalização. Perceba

que, nessa imagem de 1952, o monopólio estatal é

explicitamente defendido, não somente nas conven-

ções de petróleo, mas em outros âmbitos da socie-

dade brasileira. Na charge, o monopólio estatal é a

arma do Brasil contra a presença dos grupos estrangeiros.

CURIOSIDADE

Joseph McCarthy

Os efeitos das perseguições do Macar-

thismo permanecem até dias atuais. Na

cerimônia do Oscar de 1999, o diretor

Elias Kazan, ganhador de uma estatue-

ta, teve de lidar com os protestos con-

trários de intelectuais que não o perdoa-

ram pela colaboração com os processos

promovidos por McCarthy em suas co-

missões contra comunistas.

CURIOSIDADE

Charles Chaplin

Sir Charles Spencer Chaplin, mais co-

nhecido como Charlie Chaplin (Lon-

dres, 16 de abril de 1889 — 25 de de-

zembro de 1977), foi um ator, diretor,

produtor, humorista, empresário, escri-

tor, comediante, dançarino, roteirista e

músico britânico. Chaplin foi um dos

atores mais famosos da era do cinema

mudo, notabilizado pelo uso de mímica

e da comédia pastelão. É bastante co-

nhecido pelos seus filmes: O Imigran-

te, O Garoto, Em Busca do Ouro (este

considerado por ele seu melhor filme),

O Circo, Luzes da Cidade, Tempos Mo-

dernos, O Grande Ditador, Luzes da

Ribalta, Um Rei em Nova Iorque e A

Condessa de Hong Kong.

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164 • capítulo 7

A partir da campanha “O Petróleo é nosso”, o governo Vargas passou a ter como um de

seus nortes da política econômica a conjunção entre nacionalismo e estatização. Todavia,

aumentou a oposição ao governo Vargas, justamente nos grupos em que ele anteriormente

encontrava maior apoio, ou seja, nos trabalhadores.

Em 1953, quando a inflação corroía os salários, os operários têxteis foram os primeiros

a parar pedindo restituição do poder de compra de seus salários. Logo, outras categorias

descontentes se juntaram a eles, como a dos ferroviários e a dos gráficos. No final, 300 mil

operários haviam entrado em greve.

Apesar de não terem conseguido o aumento buscado, as greves serviram não apenas para

aumentar o nível de organização dos trabalhadores, mas também para levar à demissão o mi-

nistro do Trabalho, substituindo-o por um novo ministro: João Goulart, aliado político pró-

ximo a Vargas e, como veremos mais adiante, importante personagem da história brasileira.

A greve contribuiu para criar o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que pode ser concebida

como um embrião do que viria a ser o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).

Em termos de percurso histórico, Vargas gozava, até os primeiros anos de 1950, de uma

grande popularidade. O projeto nacionalista de Vargas estava voltado especialmente para a

elaboração de um parque industrial nacional. Seu objetivo político-econômico era dotar o

Brasil de certa autonomia diante do capital internacional, mesmo que a ele não se opusesse

de modo pleno. Na verdade, a intenção de Vargas era encontrar autonomia de modo que o

Estado nacional não perdesse o controle frente ao capital internacional.

Apesar de a proposta agradar diversos setores

da sociedade, Vargas não conseguia concretizar seu

programa. Os principais motivos foram a escassez

de capital nacional disponível, assim como a pouca

disposição dos Estados Unidos em ampliar o envio de

recursos ao Brasil. Sem o apoio externo e sem a possi-

bilidade de investimento interno, Vargas direcionou

sua atenção para as reivindicações dos trabalhadores

em busca de apoio político.

Dessa maneira, o governante passou a se distanciar dos dois grupos que se opunham às

suas posições políticas e econômicas:

• os militares e;

• a imprensa.

Na imprensa, um inimigo destacava-se – Carlos Lacerda. Os principais ataques de La-

cerda eram dados pelas acusações de corrupção que, segundo o jornalista, atingia toda a

administração pública.

CURIOSIDADE

A relação não era apenas conflituosa com a imprensa. Como afirma Alzira Alves de Abreu: “Para divulgar

as realizações de seu governo, Vargas incentivou a criação da Última Hora, jornal inovador, que introduziu

uma série de técnicas de comunicação de massa até então desconhecidas no Brasil.”

Nesse sentido, a greve de 1953 marcou a mudança de direcionamento político de Vargas para sua aliança com os trabalhadores.

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capítulo 7 • 165

Diante desse cenário, Vargas cada vez mais buscava apoio nas classes

trabalhadoras. O ministro do Trabalho, João Goulart, apresentou uma

proposta de aumento de 100% do salário mínimo. A imprensa atacou

fortemente o governo, acusando a medida de populista e voltada para o

atendimento equivocado de demandas da população, resultando, daí, a

demissão de João Goulart.

Essa reação de Vargas foi, entretanto, meramente política. Na

data simbólica de 1º de maio, ele mesmo autorizou o aumento do

salário mínimo em 100%. Com essa medida, Vargas consagrava sua

aliança com os trabalhadores e reforçava, dia a dia, sua imagem de

Vargas como o “pai dos pobres”. Contudo, por outro lado, essa me-

dida fortaleceu as ações dos antigetulistas que passaram a pedir a

intervenção dos militares.

Houve maior polarização dos diversos setores da sociedade. De um

lado os partidários de Vargas, de outro, os antigetulistas. Após o aten-

tadodaRuaTonelero, Vargas estava com uma imagem extremamente

fragilizada, tanto entre a população, quanto em relação aos grupos po-

líticos que possuíam posturas radicalmente contrárias. Vargas se suici-

dou em 24 de agosto de 1954, gerando imensa comoção nacional. Esse

gesto político teve um efeito profundo em relação aos seus opositores,

obrigados a assumir uma postura defensiva.

As análises históricas consideram que o suicídio de Vargas retardou

a tomada do poder pelos militares em mais de dez anos. O suicídio foi

um gesto político de profundo impacto na vida social do país.

O industrialismo de JK

Conforme vimos, o suicídio de Getúlio Vargas marcou o fim de sua presen-

ça física no âmbito da política; contudo, não representou o fim da influên-

cia de sua personalidade no destino do país. A partir da década de 1930,

houve uma profunda mudança no que diz respeito às bases do desenvol-

vimento, ao modelo econômico adotado, à participação do Estado na eco-

nomia e ao controle

sindical e social.

O gráfico ao lado

mostra o crescimen-

to da população em

espaços urbanos des-

de a década de 1940.

A progressiva am-

pliação da concentra-

ção populacional nos

CONCEITO

Populista

O termo populismo tem sido utiliza-

do para designar a política getulista e

de outros governos latino-americanos

como o peronismo e o cardenismo. As

principais características seriam a pre-

sença de um líder que manipularia as

massas e de outro uma massa que se

deixaria manipular.

CURIOSIDADE

O atentado da Rua Tonelero

Ocorreu na noite de 5 de agosto de

1954, quando Carlos Lacerda levou um

tiro no pé e seu segurança pessoal, Ru-

ben Vaz, foi assassinado. Gregório For-

tunato, segurança de Vargas, foi o man-

dante. Esse evento teve impacto direto

no suicídio do então presidente.

250

200

150

Milhõ

es de

habit

antes

*Projeção da ONU

100

50

01940

12,9 28

,3

18,3 33

,2

31,3 38,8

38,6

80,4

111

35,8

138

31,8

237,7

16,3

52,1

41,1

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2050*

POPULAÇÃO RESIDENTE, POR SITUAÇÃO DO DOMICÍLIO — BRASIL — 1940/2000

Fonte: Tendências demográficas, 2000. IBGE, 2001

Urbana Rural

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166 • capítulo 7

espaços urbanos foi fruto de uma série de fatores e não pode ser expli-

cada facilmente. Contudo, essa mudança está profundamente atrela-

da às mudanças iniciadas no governo Getúlio Vargas e nas alterações

feitas por Juscelino Kubitschek.

Juscelino Kubitschek e João Goulart, respectivamente presidente e

vice-presidente, venceram as eleições por meio de uma coligação en-

tre o PSD e o PTB. Entretanto, não foi tão simples alcançarem seus

cargos. Houve a tentativa de um golpe militar que impediria que Jus-

celino assumisse a presidência da República, mas o mesmo fracassou.

Após assumir a presidência, a ênfase de seu governo foi a questão da

infraestrutura econômica e o desenvolvimento do país. A promessa era a

de desenvolvimento de 50 anos em cinco. A estrutura técnico-industrial

já estava montada e era uma das principais heranças do governo Vargas.

O governo de JK ficou conhecido como o governo da estabilidade e do

desenvolvimento. Muitas mudanças ocorreram tanto no que se refere à

área econômica quanto no plano da cultura. A estabilidade política foi

conseguida por meio da aliança política entre dois grandes partidos da

época: PSD/PTB. Muitos ponderam que JK possuía um espírito conci-

liador e capaz de contornar crises políticas com habilidade. Ele criou o

Conselho do Desenvolvimento e apresentou o seu Plano de Metas.

CURIOSIDADE

Plano de Metas

Impulsionado por um ideal desenvolvimentista, ele estipulou 30 metas para acabar

com os gargalos de crescimento da economia do país. A 31º meta seria a metassín-

tese, ou seja, a construção de uma nova capital para o país — Brasília.

ATENÇÃO

Importante destacar que o Programa de Metas de JK foi elaborado com base em

estudos da economia brasileira, realizados desde a década de 1940, e tinham por

objetivo eliminar os “pontos de estrangulamento” da economia brasileira.

Para que o programa de metas fosse desenvolvido com maior ve-

locidade e precisão, JK criou o que ficou conhecido como uma ad-

ministração paralela, estabelecendo novos canais burocráticos que,

dentro da legalidade, tentava evitar a morosidade típica da máquina

administrativa tradicional, de forma a possibilitar a concretização do

Programa de Metas.

CURIOSIDADE

Venceram as eleições

O movimento 11 de novembro foi um

contragolpe militar, liderado pelo Ge-

neral Lott, para garantir que Juscelino

Kubitschek assumisse a presidência da

República que havia conquistado por

meio de votação nas urnas.

CURIOSIDADE

Desenvolvimentismo

Proposição econômica que considerava

a intensificação da industrialização, con-

dição indispensável para que os países

em desenvolvimento, então chamados

de Terceiro Mundo, conseguissem alcan-

çar o desenvolvimento dos países do Pri-

meiro Mundo. A industrialização ocorre-

ria sob o comando do Estado, associado

ao capital privado nacional e estrangeiro.

IDEIA

Como sugestão, assista ao filme:

Os anos JK – uma trajetória política.

Direção: Silvio Tendler. Produção: Terra

Filmes. Brasil, 1980. 110 min., son., col.,

35mm.

Sinopse: O filme aborda a História do

Brasil — a eleição de JK, o nascimento

de Brasília, o sucessor Jânio Quadros

que renúncia, a crise política, o golpe

militar e a cassação dos direitos polí-

ticos de Juscelino. O foco é a trajetó-

ria política de Juscelino Kubitschek, o

“presidente bossa nova”, popular entre

os artistas, que propunha aceleração

no desenvolvimento do País rumo à

modernidade e a ocupação de um lu-

gar entre as potências mundiais.

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capítulo 7 • 167

Assim, existiam os chamados grupos executivos de trabalho, dota-

dos de autonomia orçamentária e liberdade para contratar o pessoal ne-

cessário ao desenvolvimento da Meta a ser realizada.

Veja abaixo os grupos criados e os seus respectivos anos:

GRUPO ANO DE CRIAÇÃO

Grupo executivo da indústria automobilística (Geia) 1956

Geicon, da indústria naval 1959

Geimape, de maquinaria pesada 1959

A questão automobilística era central nos planos de JK, visto que a in-

tegração rodoviária era um tema estrutural da organização e da integra-

ção nacional por meio da unidade nacional promovida pelas rodovias.

Essas propostas tiveram o protagonismo de um órgão criado pelo

governo: o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), vinculado

ao Ministério da Educação e Cultura. O Iseb pode ser considerado

o órgão ministerial mais importante do projeto “nacional-desenvolvi-

mentista”. Como afirma a historiadora Alzira Alves de Abreu, o grupo

de intelectuais que o criou tinha como objetivos o estudo, o ensino e

a divulgação das ciências sociais, voltados à análise e à compreensão

crítica do Brasil para a promoção do desenvolvimento nacional.

Também é criado no período (1959), a Superintendência do Desen-

volvimento do Nordeste — Sudene. A institucionalização dessa superin-

tendência foi uma forma de intervenção no Nordeste de modo a promo-

ver e coordenar o desenvolvimento da região. Importantíssimo destacar

que a criação da Superintendência envolveu a definição geográfica do

que se compreendida como Nordeste e que estariam submetidos à ação

governamental: os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do

Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, mas também par-

te de Minas Gerais (região do Polígono das Secas).

O crescimento da diferença entre o Nordeste e o Centro-Sul do

Brasil fez com que, mesmo com a industrialização, houvesse a neces-

sidade de intervenção direta do Estado por meio da conjunção entre

planejamento e investimento. Como causa imediata da criação do ór-

gão deve-se citar a seca de 1958, que aumentou o desemprego rural e

o êxodo da população.

A meta com maior destaque e considerada a principal por JK foi

Brasília. A construção da nova capital representava um antigo so-

nho já inscrito no imaginário político da nação brasileira. Em 19 de

CONCEITO

Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb)

Para os intelectuais do Iseb, o Brasil só

poderia ultrapassar sua fase de subde-

senvolvimento pela intensificação da in-

dustrialização, baseada em uma política

nacionalista capaz de levar à emancipa-

ção e à plena soberania. Contudo, essa

política nacionalista não deveria evitar a

cooperação nacional, mas utilizá-la a fa-

vor do desenvolvimento da nação.

CURIOSIDADE

Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb)

Foi um órgão criado em 1955, vinculado

ao Ministério de Educação e Cultura, do-

tado de autonomia administrativa, com li-

berdade de pesquisa, de opinião e de cá-

tedra, destinado ao estudo, ao ensino e à

divulgação das ciências sociais. O Insti-

tuto funcionou como núcleo irradiador de

ideias e tinha como objetivo principal a

discussão em torno do desenvolvimen-

tismo e, a princípio, a função de validar

a ação do Estado, durante o governo de

Juscelino Kubitschek.

Foi extinto após o golpe militar de 1964.

CURIOSIDADE

Sudene

A Sudene, a partir de 1964, passou a ser

incorporada pelo Ministério do Interior, e

sua desativação ocorreu em 2001, em

virtude de escândalos de corrupção e fa-

vorecimento de grupos da região.

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168 • capítulo 7

setembro de 1956 foi sancionada a lei nº 2.874, que criou a Companhia

Urbanizadora da Nova Capital — Novacap.

Para a construção de Brasília foi feito um concurso que teve como

vencedor o projeto de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. A vitória desse

projeto mostrava a intenção do Brasil em se modernizar. Entretanto,

não foi só isso: representava também um projeto voltado para a ocu-

pação do Oeste brasileiro. Enquanto o litoral expressava o passado

colonial e já era densamente populoso, o Oeste ensejava o futuro,

com base em um modelo de exportação de produtos primários. Ha-

via uma política territorial que teria uma peça essencial de sua pro-

posta na região.

De toda forma, o processo de construção de Brasília foi vagaroso

e demandou muita energia, já que necessitava estar concluído ain-

da no mandato de JK. E assim foi em 21 de abril de 1960. Enquan-

to o Juscelino fechava solenemente os portões do Palácio do Catete,

transformando-o em Museu da República, Brasília passava a ser a

nova capital do país.

CURIOSIDADE

No que concerne às relações internacionais, o governo JK vivenciou um aconteci-

mento de importância capital para a redefinição de rumos nas relações entre a Amé-

rica Latina e os EUA: a Revolução Cubana. A partir dela, o governo norte-americano

implementou a Doutrina de Segurança Nacional baseada em um papel ativo dos

militares no cenário político interno dos diversos países da região.

Nesse sentido, por meio de apoio logístico, financeiro e de apoio político internacio-

nal, os EUA facilitaram o surgimento de Estados Civil-Militares em diversos países da

região como o Brasil, Chile, Argentina e Uruguai.

Com relação ao último ano do governo JK, pode-se dizer que ele vi-

venciou experiências limítrofes. Se, por um lado, havia a euforia com

a inauguração de Brasília, por outro, a população estava cada vez mais

insatisfeita com os altos preços cobrados pelos produtos básicos em

mercados e feiras livres.

Como pondera Célia Maria Leite Costa, em seus textos acadêmicos

sobre a eleição de 1960, Jânio Quadros propunha o esgotamento do

estilo político de improvisação do presidente Juscelino Kubitschek, o

que se somou à crise econômica. Desse modo, nas eleições de 1960,

a UDN e seu candidato Jânio Quadros saíram vitoriosos.

CONCEITO

Companhia Urbanizadora da Nova Capital — Novacap

A mudança da capital era um sonho an-

tigo para o país. Ela teve seus primór-

dios na elaboração dada por Francisco

Adolfo de Varnhagen, o Visconde de

Porto Seguro, em seu livro, de 1877: A

questão da Capital: Marítima ou inte-

rior? Isso porque, o Rio de Janeiro, ao

longo do período imperial e do período

republicano, foi palco de inúmeras re-

voltas, o que colocava permanentes in-

terrogações acerca desse espaço como

capital da nação. Além disso, o governo

JK parecia viver uma encruzilhada entre

o Brasil urbano e o Brasil rural. A nova

capital seria a marca definitiva da supe-

ração do atraso que se difundira no país.

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capítulo 7 • 169

O curto governo Jânio Quadros

A campanha eleitoral do presidente Jânio Quadros investiu na relação di-

reta entre o candidato Jânio e os populares. São famosas as músicas sobre

a “vassourinha” de Jânio para afastar a corrupção, seus comerciais volta-

dos para o ataque à inflação e seus lemas como “Jânio Quadros vem aí...”

O resultado foi a vitória expressiva de Jânio Quadros na campanha elei-

toral de 1960, com a maior margem já conseguida em todas as votações já

realizadas até aquele momento. Jânio Quadros era um político carismático,

que conseguia “falar a língua do povo” com imensa facilidade. Por diversas

vezes foi chamado de excêntrico por parte de seus adversários políticos.

Contudo, apesar dessa excentricidade aparente, Jânio Quadros

implementou um estilo de governo profundamente conservador. Al-

gumas ações foram centrais para a construção de sua imagem como

um conservador.

No plano interno, optou por ampliar o controle aos sindicatos, re-

primiu manifestações de estudantes e protestos de camponeses no Nor-

deste. De modo contrário, e de forma surpreendente, foi um dos impul-

sionadores da política externa independente proposta pelo Ministério

de Relações Exteriores de seu governo.

Os dilemas a resolver, entretanto, eram muitos. O governo JK havia

deixado um pesado legado de contas públicas a pagar referentes ao pro-

grama de metas e, especialmente, em relação à Brasília. Em busca de

superar a crise financeira, Jânio Quadros pôs em prática uma política de

austeridade fiscal que se tornou impopular.

Essas medidas foram:

• congelamento de salários;

• restrição ao crédito e;

• corte de subsídios federais para investidores internos.

Houve um impacto direto na desvalorização do cruzeiro, o que am-

pliou a insatisfação de operários e empresários. Além disso, tentou li-

mitar o envio de remessas de recursos para o exterior, o que feriu os in-

teresses da classe dominante de empresários e estrangeiros no Brasil.

CURIOSIDADE

A imprensa, mais uma vez liderada por Carlos Lacerda, ampliou suas críticas ao

governo de Jânio. O cenário tornou-se muito grave quando Jânio resolveu tomar

uma medida ousada para a época: agraciou Ernesto “Che” Guevara com uma con-

decoração, quando este último passou pelo Brasil após uma conferência em Punta

del Este, no Uruguai.

Guevara, ao lado de Fidel Castro, foi uma das figuras mais importan-

tes do movimento nacionalista que promoveu a Revolução Cubana, que

já havia migrado para os rumos socialistas. Esse foi o pretexto para um

CURIOSIDADE

Vassourinha

"Varre, varre, vassourinha..." foi o jingle

da campanha "varre, varre vassourinha,

varre a corrupção", mote usado por Jânio

Quadros, candidato nas eleições para a

presidência do Brasil em 1960. Compos-

ta por Maugeri Neto, a música possuía

apenas uma estrofe, que repetida duas

vezes, continha os seguintes versos:

Varre, varre, varre vassourinha!

Varre, varre a bandalheira!

Que o povo já 'tá cansado

De sofrer dessa maneira

Jânio Quadros é a esperança desse povo

abandonado!

Jânio Quadros é a certeza de um Brasil,

moralizado!

Alerta, meu irmão!

Vassoura, conterrâneo!

Vamos vencer com Jânio!

A música inicia como Vassourinha, fre-

vo do Carnaval de Recife desde 1910 e

uma das mais conhecidas marchinhas,

executada para encerrar o baile. Para re-

forçar a ideia de combate à corrupção na

política , o jingle emprega o som de uma

vassoura várias vezes.

CURIOSIDADE

Ernesto “Che” Guevara

Ernesto Guevara de la Serna, conhecido

como "Che" Guevara (Rosário, 14 de ju-

nho de 1928 — La Higuera, 9 de outu-

bro de 1967) , foi um político, jornalista,

escritor e médico argentino-cubano.

Guevara foi um dos ideólogos e co-

mandantes que lideraram a Revolução

Cubana (1953-1959) que levou a um

novo regime político em Cuba. Ele par-

ticipou até 1965, da reorganização do

Estado cubano, desempenhando vários

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170 • capítulo 7

caloroso discurso de Carlos Lacerda contra Jânio, dizendo o então presi-

dente propunha que no Brasil acontecesse o mesmo que em Cuba.

Praticamente no dia seguinte, Jânio Quadros renunciou ao cargo de

presidente do Brasil. A versão que se popularizou foi a de que Jânio to-

mou essa medida com a intenção de ampliar a mobilização popular e,

consequentemente, retornar ao poder com a autonomia suficiente para

governar de forma mais centralizada.

Contudo, seus planos foram em vão. Não houve a manifestação po-

pular esperada. Em sua carta-renúncia, Jânio ponderou que “forças ter-

ríveis” o teriam forçado a renunciar. Não identificou precisamente quais

seriam essas forças, mas deviam ser associadas ou a alguns políticos da

UDN e militares, no âmbito interno, ou ao capital norte-americano, no

âmbito externo.

CURIOSIDADE

Revolução Cubana

A Revolução Cubana foi um movimento armado e guerrilheiro que culminou com a

destituição do ditador Fulgencio Batista de Cuba, no dia 1 de janeiro de 1959, pelo

Movimento 26 de Julho liderado pelo então revolucionário Fidel Castro .

O termo Revolução Cubana é genericamente utilizado como sinônimo do castrismo,

governo autoritário, mas que em sua origem notabilzou-se pela implantação de uma

série de programas assistencialistas sociais e econômicos, notadamente alfabeti-

zação e acesso a saúde universal. O apoio soviético depois do movimento armado

enfatizou seu caráter anticapitalista e também antiamericano para posteriormente

alinhar o país com o chamado bloco socialista. Todavia, essas características ficaram

claras apenas depois da revolução, não sendo o seu foco inicial, segundo alguns

historiadores, que alegam que o rumo comunista foi tomado após a oposição dos

Estados Unidos ao golpe de Fidel Castro.

João Goulart e o golpe militar de 1964

A renúncia de Jânio Quadros, ao deixar vago o cargo de presidente da Re-

pública, abriu uma séria crise nos rumos políticos do Brasil. O cargo de-

veria ser ocupado pelo seu vice-presidente João Goulart. No entanto, João

Goulart, mais conhecido como Jango, em sua trajetória política, havia

sido partidário das propostas getulistas, tendo sido, inclusive, ministro

do trabalho do segundo governo Vargas e vice-presidente de Juscelino.

Para as forças conservadoras, Jango era identificado como comu-

nista. No momento da renúncia de Jânio Quadros, Jango se encontrava

em visita à China comunista, o que o identificava ainda mais como um

simpatizante do regime comunista. Enquanto os grupos conservadores

se articularam para impedir a posse de Jango, os grupos legalistas, espe-

altos cargos da sua administração e de

seu governo, principalmente na área

econômica, como presidente do Banco

Nacional e como Ministro da Indústria,

e também na área diplomática, encarre-

gado de várias missões internacionais.

Convencido da necessidade de esten-

der a luta armada revolucionária a todo o

Terceiro Mundo, Che Guevara impulsio-

nou a instalação de grupos guerrilheiros

em vários países da América Latina.

IDEIA

Como sugestão, assista ao filme:

Jango. Direção: Silvio Tendler. Produção:

Caliban Produções Cinematográficas.

Brasil, 1984. 115 min., son., col., S/I.

Sinopse: Rodado em 1984, Jango re-

trata a carreira política de João Belchior

Marques Goulart, presidente deposto

pelos militares em 1º de abril de 1964.

Na obra, Tendler procurou mostrar a po-

lítica brasileira da década de 60, desde

a candidatura de Jânio Quadros, pas-

sando pelo golpe militar, as manifes-

tações da UNE e os exílios. O filme é

narrado pelo ator José Wilker e conta

com depoimentos de Magalhães Pinto,

Aldo Arantes, Raul Ryff, Afonso Arinos

e Francisco Julião, entre outros.

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capítulo 7 • 171

cialmente no Rio Grande do Sul, se articularam para possibilitar a posse

de Jango. O Brasil chegou perto de uma guerra civil.

Os EUA, temendo que o Brasil seguisse o exemplo cubano, fez pressão diplomática para que houvesse uma solução de compromisso.

Nesse sentido, Jango assumiu o cargo de presidente por meio de uma

solução de compromisso proposta pelo deputado Plínio Salgado. Ele

apresentou ao Congresso Nacional uma emenda constitucional esta-

belecendo o regime parlamentarista no Brasil.

Após esmagadora vitória do presidencialismo (com a queda do parla-

mentarismo), Jango tornou a possuir poderes plenos como presidente da

República. O período de parlamentarismo havia sido um período de caráter

transitório, mas em que houve uma ampla organização de forças populares

como a criação, em 1962, do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).

Esse retorno ao presidencialismo dava a Jango maior legitimidade

para passar novas propostas de incremento econômico e político à so-

ciedade brasileira. Esses anos foram de polarização política.

De um lado havia os conservadores que criticavam quaisquer pla-

nos que incorporassem por demais medidas nacionalistas e que tives-

sem em seu centro uma preocupação com as massas, e; do outro lado

havia aqueles que acreditavam que somente medidas econômicas de

caráter nacionalista poderiam fazer com que o país saísse da situação

de crise em que vivia.

Em princípio, as medidas econômicas propostas por João Goulart não

conseguiram agradar nem a um grupo nem a outro. Gradualmente, foi

sendo gerado um profundo descontentamento na população brasileira

com os rumos econômicos do país, visto que a inflação continuava alta.

Na busca por sanar os problemas apresentados, Jango propôs o

PlanoTrienal. Havia uma conjuntura de radicalização ideológica que

motivou um profundo sentimento de anticomunismo nos militares e

o Plano não deu resultados imediatos. Goulart, cada vez mais afastado

dos setores conservadores, ia se afastando também dos grupos políti-

cos ideológicos vinculados ao nacionalismo econômico, que traziam

propostas mais radicais de reforma agrária.

Diante desse cenário, João Goulart propôs o que ficou conhecido

como o Comício das Reformas (ou Comício da Central), que reuniu cer-

ca de 150 mil pessoas. Esse comício foi a expressão da orientação nacio-

nal-reformista adotada pelo presidente João Goulart com o intuito de

mobilizar as massas contra o fato de suas propostas terem sido bloque-

adas no Congresso nacional.

CONCEITO

Parlamentarista

Parlamentarismo é um sistema de go-

verno no qual o chefe de Estado não é

eleito diretamente pela sociedade civil

votante. O Governo responde politica-

mente perante o Parlamento, sendo que

este último pode retirá-lo quando julgar

necessário por meio de um pedido for-

mal ao Congresso.

Esse regime durou de setembro de

1961 até janeiro de 1963, momento

em que houve um plebiscito para avaliar

se Jango deveria ou não continuar exer-

cendo a presidência de forma regulada

pelo Parlamento.

CONCEITO

Presidencialismo

É um sistema de governo no qual o

presidente da república é chefe de

governo e chefe de Estado. Como

chefe de Estado, é ele quem escolhe

os chefes dos grandes departamen-

tos ou ministérios. Juridicamente, o

presidencialismo se caracteriza pela

separação dos poderes: Legislativo,

Judiciário e Executivo.

CURIOSIDADE

Plano Trienal

Voltado para a melhoria das contas pú-

blicas, foi criado o Plano Trienal de De-

senvolvimento Econômico e Social, em

dezembro de 1962, que procurou esta-

belecer regras para o controle do déficit

público e refreamento do crescimento

inflacionário.

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172 • capítulo 7

CURIOSIDADE

Comício das Reformas

O Comício da Central, ou Comício das Reformas, foi um comício realizado no dia 13

de março de 1964 na cidade do Rio de Janeiro, na Praça da República, situada em

frente à Estação da Central do Brasil. Cerca de 150 mil pessoas ali se reuniram sob

a proteção de tropas do I Exército, unidades da Marinha e Polícia, para ouvir a palavra

do Presidente da República, João Goulart, e do governador do Rio Grande do Sul,

Leonel Brizola. As bandeiras vermelhas que pediam a legalização do Partido Comu-

nista Brasileiro e as faixas que exigiam a reforma agrária foram vistas pela televisão,

causando arrepios nos meios conservadores.

OBJETIVOS

Esse comício foi decisivo para os rumos políticos da nação. Foi depois dele que co-

meçou a resposta dos grupos conservadores nacionais. As manifestações contrárias

ao comício se seguiram no país. As mais célebres foram aquelas conhecidas como

“Marcha da Família com Deus e pela Liberdade”. Elas foram organizadas por setores

do Clero e de entidades femininas e congregou setores da classe média contra o

chamado “perigo comunista” e favoráveis à deposição do presidente.

As marchas provocaram um sentimento de apoio aos setores conser-

vadores nacionais. Esse cenário mostrava que João Goulart tinha sérios

opositores nos setores conservadores.

No entanto, o estopim para a mudança ficou conhecido como a Re-

volta dos Marinheiros. Foi o momento em João Goulart apoiou o grupo

de marinheiros, contra a decisão do Ministro da Marinha, Sílvio Mota,

de prender aqueles que participaram da reunião comemorativa do se-

gundo aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais,

entidade considerada ilegal. Jango ganhou apoio dos fuzileiros, o que

demonstrou a polarização dentro das Forças Armadas.

A crise no interior do grupo militar contribuiu para o início do golpe.

Após o ocorrido com os marinheiros e sob os ecos da Marcha da Família, os

militares, com o apoio diplomático dos EUA, passaram a organizar o golpe.

CURIOSIDADE

Revolta dos Marinheiros

A Revolta dos Marinheiros, ou Motim dos Barcos do Tejo, foi um levantamento mili-

tar ocorrido a 8 de Setembro de 1936, protagonizada por centenas de marinheiros,

muitos deles pertencentes à Organização Revolucionária da Armada (ORA), uma

estrutura ligada ao Partido Comunista Português que visava a solidariedade com

as forças republicanas da Espanha e culminou num intenso trabalho de agitação e

manifestações de descontentamento diversos.

CURIOSIDADE

Marcha da Família com Deus e pela Liberdade

Foi o nome comum de uma série de ma-

nifestações públicas ocorridas entre 19

de março e 8 de junho de 1964 no Bra-

sil em resposta à "ameaça comunista"

representada pelo discurso em comício

realizado pelo então presidente João

Goulart em, 13 de março daquele mes-

mo ano. Na data, o mandatário assinou

dois decretos, permitindo a desapropria-

ção de terras numa faixa de dez quilô-

metros às margens de rodovias, ferro-

vias e barragens e transferindo para a

União o controle de cinco refinarias de

petróleo que operavam no país. Além

disso, prometeu realizar as chamadas

reformas de base, uma série de mudan-

ças administrativas, agrárias, financeiras

e tributárias que feriam os interesses da

classe média e da elite, já que haveria

distribuição de terras e bens.

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capítulo 7 • 173

A bordo dos navios Armada Portuguesa NRP Dão, NRP Bartolomeu Dias e NRP Afon-

so de Albuquerque com o objetivo de os levar para o mar e fazer um "ultimatum" ao Go-

verno exigindo o fim das perseguições a militares da Armada e a libertação dos presos.

O Governo teve conhecimento dos preparativos e, ao fim de algumas horas, conse-

guiu dominar a revolta, ordenando a intervenção da aviação contra os navios suble-

vados. O resultado foi a morte de 10 marinheiros, centenas de presos e a expulsão

da Marinha dos elementos ligados às ideias democráticas e comunistas.

Alguns dos detidos foram os primeiros presos enviados para Colónia Penal do Tarra-

fal, para onde partiram a 29 de Outubro daquele ano.

Em 31 de março de 1964, com a movimentação das tropas do General

Olímpio Mourão Filho, no estado de Minas Gerais em direção ao Rio de

Janeiro, deflagrou-se o golpe militar.

RESUMO

Após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil optou pelo alinhamento ideológico

com os EUA.

A constituição de 1946 propunha o fim do Estado Novo e a consolidação dos valo-

res democráticos.

Vargas permaneceu no jogo político, mesmo após o fim do Estado Novo. Sua reelei-

ção em 1951 foi fundamental para a continuação do modelo do nacional-estatismo.

Com o suicídio de Vargas e a presidência de JK, houve o investimento em um mode-

lo desenvolvimentista de economia.

A alta inflação deu a oportunidade da ascensão de Jânio Quadros que não se esta-

bilizou no governo.

Com João Goulart (Jango), o Brasil viveu um período de radicalização política e ide-

ológica que levou ao golpe de 1964.

ATIVIDADE

Questão 1

Enem 1999

“Os 45 anos que vão do lançamento das bombas atômicas até o fim da União Sovi-

ética, não foram um período homogêneo único na história do mundo. [...] Dividem-se

em duas metades, tendo como divisor de águas o início da década de 1970. Apesar

disso, a história deste período foi reunida sob um padrão único pela situação inter-

nacional peculiar que o dominou até a queda da URSS.”

(HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos. São Paulo: Cia das Letras, 1996)

O período citado no texto e conhecido por “Guerra Fria” pode ser definido como

aquele momento histórico em que houve:

IDEIA

Como sugestão, assista ao filme:

O dia que durou 21 anos. Direção:

Camilo Tavares. Produção: N/I. Brasil,

2012. 77 min., son., col., S/I.

Sinopse: Este documentário mostra a

influência do governo dos Estados Uni-

dos no Golpe de Estado no Brasil em

1964. A ação militar que deu início a

ditadura contou com a ativa participa-

ção de agências como CIA e a própria

Casa Branca. Com documentos secre-

tos e gravações originais da época, o

filme mostra como os presidentes John

F. Kennedy e Lyndon Johnson se or-

ganizaram para tirar o presidente João

Goulart do poder e apoiar o governo do

marechal Humberto Castelo Branco.

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174 • capítulo 7

a) Corrida armamentista entre as potências imperialistas europeias ocasionando a Primeira Guerra Mundial.

b) Domínio dos países socialistas do sul do globo pelos países capitalistas do Norte.

c) Choque ideológico entre a Alemanha Nazista/União Soviética Stalinista, durante os anos 30.

d) Disputa pela supremacia da economia mundial entre o Ocidente e as potências orientais, como a China

e Japão.

e) Constante confronto das duas superpotências que emergiam da Segunda Guerra Mundial.

Questão 2

Enem 2008

O Plano de Metas aplicado durante o governo de Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1960, visava a esti-

mular o desenvolvimento econômico brasileiro.

Pela leitura do quadro, conclui-se que um dos objetivos alcançados pelo Plano de Metas foi:

a) Integração das redes de transporte rodoferroviário.

b) Modernização das técnicas de extrativismo mineral.

c) Ampliação dos investimentos na infraestrutura industrial.

d) Expansão dos capitais privados na prospecção de petróleo.

Questão 3

Uespi 2012

Sob a presidência de Juscelino Kubitschek (1955-1961), a nação brasileira assistiu à criação de Brasília,

— considerada, pela UNESCO, patrimônio cultural da humanidade — e vivenciou:

a) Momentos de euforia resultantes, em boa parte, da política desenvolvimentista de incremento à indústria

nacional e aumento do poder aquisitivo da classe média.

b) Importante papel político para a aproximação dos países da América Latina com os Estados Unidos, em

vista da estratégica posição do Brasil no Atlântico Sul.

c) Época de forte repressão política ao operariado e descaso para com a interiorização do desenvolvimento

econômico.

d) Um período predominantemente liberal, em termos econômicos, o que pode ser exemplificado pelo

início da construção da Companhia Siderúrgica Nacional.

e) Uma forte recessão econômica em que a indústria nacional não deu sinais de crescimento e o poder

aquisitivo da classe média caiu.

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capítulo 7 • 175

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Barcelona: Ariel Historia, 2005.

CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

GASPARI, E. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

____________. A ditadura derrotada. O sacerdote e o feiticeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

GOMES, Â. C. A invenção do trabalhismo. Vértice; Rio de Janeiro; JUPERJ, 1988.

LUSTOSA, I. A História do Brasil explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007.

NAVES, S. C. Da bossa nova à tropicália. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

____________. O violão azul: modernismo e música popular. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.

PRESOT, A. Celebrando a Revolução: as marchas da Família com Deus pela liberdade e o golpe de 1964. In:

ROLLEMBERG, D.; QUADRAT, S. A Construção Social dos Regimes autoritários. Legitimidade, consenso e

consentimento no século XX. Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

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Olhos grandes sobre mim — Da ditadura à abertura lenta e gradual

eduardo ferraz felippe

18

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178 • capítulo 8

Conforme vimos, o golpe de Estado que derrubou o governo do pre-

sidente João Goulart instalou o regime militar no Brasil. Ao longo de

todo o período conhecido como ditadura militar, o Brasil foi governador

por cinco generais presidentes: Castelo Branco (1964-1967); Costa e

Silva (1967-1969); Emilio Médici (1969-1974); Ernesto Geisel (1974-

1979) e João Figueiredo (1979-1985).

Antes de iniciarmos a compreensão do Estado jurídico que sustentou o

binômio “segurança e desenvolvimento” durante o período da ditadura ci-

vil-militar, cabe fazermos uma análise do conceito de ditadura militar e

as críticas que atualmente vem recebendo dos autores contemporâneos.

As primeiras alterações na Constituição

Quando ocorreu o golpe militar em 31 de março de 1964, os militares de-

clararam que a sua presença seria apenas provisória, com o intuito de evi-

tar radicalizações políticas que cor-

ressem o risco de levar o Brasil para

os rumos da Revolução Cubana.

Os golpistas mantiveram o Con-

gresso aberto, ainda que ao preço de

numerosas cassações, por entende-

rem que a melhor forma de manter

a ordem era a sua própria permanência no poder. Por isso, após o golpe

militar, a questão passava a ser como montar o aparelho jurídico que

sustentaria os militares no poder.

O primeiro governo militar de Castelo Branco montou uma estrutura

político-jurídica autoritária e criou novas instituições econômicas que

auxiliaram tanto no modo de melhor equilibrar o binômio segurança e

desenvolvimento quanto abriu caminho para as repressões que ocorre-

riam nos governos subsequentes.

Além disso, procurou equilibrar a presença nos grupos governantes

tanto de membros da EscolaSuperiordeGuerra(ESG), como o próprio

presidente Castelo Branco, quanto de políticos ligados às tropas.

A montagem de uma nova estrutura político-jurídica foi o fato mais

destacável do período do governo Castelo Branco. Essa nova estrutura

baseou-se em atosinstitucionais, conhecidos como AI.

O mais conhecido, devido ao caráter repressor e violento, foi o Ato

8 Olhos grandes sobre mim — Da ditadura à abertura lenta e gradual

O processo, contudo, não ficou pouco tempo no poder, e sim 21 anos impostos à nação.

CURIOSIDADE

Escola Superior de Guerra (ESG)

Escola Superior de Guerra (ESG) – Lo-

cal de formação intelectual de grande

parcela dos militares do alto oficialato

das Forças Armadas no Brasil. Ela foi

criada nos moldes do War College nor-

te-americano e congregava civis e mili-

tares voltados para pensar as particula-

ridades do fenômeno da guerra.

CURIOSIDADE

Atos institucionais

Os atos institucionais, segundo o portal

do planalto nacional que versa sobre a

legislação brasileira, foram normas edi-

tadas pelo presidente da República ou

pelo Comandante em chefe do Exérci-

to, que não necessitavam da aprovação

do Congresso Nacional e que se faziam

aplicar imediatamente, modificando a

Constituição. Tiveram validade entre

1964 e 1979, sendo que, atualmente,

não estão mais em vigor.

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capítulo 8 • 179

Institucional nº 5 (AI-5). O primeiro deles, o AI-1, começou a montagem

de uma estrutura que vigoraria até, pelo menos, 1979, quando começou

o processo de anistia.

ATENÇÃO

A partir do AI-1 houve a primeira modificação na Constituição brasileira. Ela perma-

necia em vigor, contudo, manietada pelas modificações estabelecidas pelo primeiro

ato institucional. Essas primeiras modificações diziam respeito imediatamente ao pa-

pel do presidente da República e da votação que o elege. Com base no AI-1 ocorre-

ram outros atos institucionais vinculados a propostas que, cada vez mais, propunham

um maior fechamento político ao regime.

O AI-2, publicado em 1965, dava a exata medida do que estava ocor-

rendo no cenário político brasileiro.

A Constituição continuava tendo validade, mas houve uma modifi-

cação com relação ao processo legislativo e à suspensão de garantias in-

dividuais. As modificações foram ocorrendo de forma paulatina com o

objetivo de dar à população a sensação de que as ações militares de mo-

dificação da Constituição, por meio dos atos institucionais, ocorriam

dentro da legalidade jurídica.

Já o AI-3, publicado em 1966, era um ataque imediato à possibilidade

de que os direitos políticos fossem exercidos de forma plena. Esse ato

institucional estava voltado a tornar indireto o regime de votação daque-

les que exerciam cargos eletivos em dimensões municipais e estaduais.

Todos esses atos foram importantes para consolidar a intenção de

Castelo Branco de criar o aparato jurídico-institucional para os anos

seguintes do regime militar brasileiro. O AI-2 e o AI-3 possibilitaram

prerrogativas autoritárias que foram

conferidas ao Executivo e excluíram

as questões deles decorrentes da

apreciação do Judiciário.

Em 1967, foi promulgada uma

nova Constituição que englobaria

também a Lei de Imprensa e uma Lei

de Segurança Nacional.

A oposição passou a denunciar a “institucionalização da ditadura”

no país.

ATENÇÃO

A Constituição de 1967 reuniu todos os decretos outorgados pelo regime militar desde o

seu início. As críticas ferozes da oposição eram legítimas e explicitavam uma característica

do regime militar brasileiro: a necessidade de institucionalizar como forma de controle.

O novo presidente, após essas leis, passou a gozar de um poder praticamente ilimitado.

CURIOSIDADE

AI-1

O AI-1, publicado em 1964, dispôs o

seguinte: “Modifica a Constituição do

Brasil de 1946 quanto à eleição, ao

mandato e aos poderes do Presidente

da República; confere aos Comandan-

tes-em-chefe das Forças Armadas o

poder de suspender direitos políticos e

cassar mandatos legislativos, excluída

a apreciação judicial desses atos; e dá

outras providências”.

AI-2

AI-2 – “Modifica a Constituição do Brasil

de 1946 quanto ao processo legislativo,

às eleições, aos poderes do Presiden-

te da República, à organização dos três

Poderes; suspende garantias de vitali-

ciedade, inamovibilidade, estabilidade e

a de exercício em funções por tempo

certo; exclui da apreciação judicial atos

praticados de acordo com suas normas

e Atos Complementares decorrentes; e

dá outras providências”.

AI-3

AI-3 – “Dispõe sobre eleições indire-

tas nacionais, estaduais e municipais;

permite que Senadores e Deputados

Federais ou Estaduais, com prévia li-

cença, exerçam o cargo de Prefeito de

capital de Estado; exclui da apreciação

judicial atos praticados de acordo com

suas normas e Atos Complementares

decorrentes.”.

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180 • capítulo 8

Houve uma gradual radicalização, em termos de fechamento polí-

tico do regime, até o Ato institucional n°5 (AI-5). Esse ficou conhecido

pela memória do regime militar como o ato mais violento, pois dizia res-

peito à liberdade de manifestação individual.

Antes de compreendê-lo, cabe considerar o cenário de manifesta-

ções que grassavam no país, após o golpe de 1964.

Resistência e Repressão

A vida política no Brasil passou por uma gradual destruição, ao longo de

todo o período militar. A possibilidade de que os indivíduos exercitas-

sem seus direitos políticos como parte da cidadania no país estava cada

vez mais distante após a outorga dos atos institucionais.

Apesar de vivenciarmos um regime de ditadura militar, houve rea-

ções de todos os tipos contra o regime em vigor. Elas foram um crescen-

do, desde o instante em que ocorreu o golpe militar de 1964, tendo sido

aplainadas por meio da violência possibilitada pelo AI-5.

Os motivos de oposição gravitavam em torno de dois motivos cen-

trais: a severa política de controle das finanças públicas e a suspen-

são das liberdades democráticas. As manifestações contrárias ao re-

gime foram plurais. Elas possuíram um espectro amplo que vai desde

o cinema novo de Glauber Rocha, célebre cineasta brasileiro, até as

peças do teatro do grupo “Opinião”.

As apresentações do Teatro Opinião englobavam peças de protesto e

de resistência, configurando um espaço de estudo e de difusão da dra-

maturgia nacional e popular. O grupo de teatro opinião foi fruto de um

grupo de artistas ligados, inicialmente, ao Centro Popular de Cultura da

UNE (CPC) com o objetivo específico de se tornar um espaço de resistên-

cia estética ao que ocorria no regime militar no período.

Foi produzido o show musical Opinião que, inicialmente, contava

com Zé Keti e Nara Leão, que depois foi substituída por Maria Bethânia

e que teve a direção de Augusto Boal. Desde o seu início, o “Opinião”

abriu espaço para shows de samba e deu espaço para a arte popular faci-

litando a disseminação da cultura periférica.

EXEMPLO

Muitas foram as peças e os textos desse estudo, como Moço em Estado de Sítio, de

Oduvaldo Vianna Filho, Dr. Getúlio, Sua Vida e Sua Glória, de Ferreira Gullar e Dias

Gomes e O Último Carro, de João das Neves.

Talvez o principal veículo de crítica social tenha sido a música. A

existência dos festivais da canção criou o espaço para que toda a revolta

contrária à ditadura militar fosse canalizada para a expressão artística.

IDEIA

Como sugestão, assista ao filme:

Uma noite em 67. Direção: Ricardo Ca-

lil, Renato Terra. Produção: Videofilmes.

Brasil, 2010. 85 min., son., col., S/I.

Sinopse: Final do III Festival da Música

Popular Brasileira da TV Record, 21 de

outubro de 1967. Entre os candidatos,

aos principais prêmios figuravam Chico

Buarque de Holanda, Caetano Veloso,

Gilberto Gil e Mutantes, Roberto Carlos,

Edu Lobo e Sérgio Ricardo, protagonis-

ta da célebre quebra da viola no palco.

Com imagens de arquivo e apresenta-

ções de músicas hoje clássicas, o filme

registra o momento do tropicalismo, os

rachas artísticos e políticos na época da

ditadura e a consagração de nomes que

se tornaram ídolos.

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capítulo 8 • 181

Muitos foram os festivais da canção, contudo o festivaldacançãode

1967 foi um dos que mais se destacou. Nesse festival houve um debate con-

ceitual claramente anunciado entre a música de protesto dos verdadeiros

defensores da música popular brasileira em sua explícita associação com a

vertente política e aqueles vinculados ao iê-iê-iê do rock internacional.

CURIOSIDADE

Festival da canção de 1967

Esse foi o festival que lançou uma das músicas mais famosas de Caetano Veloso “Ale-

gria, Alegria”. Teve como seu vencedor “Ponteiro”, de Edu Lobo. Essa foi uma das primei-

ras aparições do lendário grupo Os Mutantes, que cantaram com Gilberto Gil a música

“Domingo no Parque” — uma mistura que unia guitarra elétrica e violão para falar de

temas do interior do país.

Os festivais da canção tiveram como patrocinador e rede televisiva a

TV Record. Desde o programa O Fino da Bossa, estrelado por Elis Regina,

ocorria o patrocínio e incentivo de artistas diversos.

Apesar do teor político das letras de autores como Chico Buarque,

Milton Nascimento e Caetano Veloso, a crítica social não poderia es-

tar explícita. As letras deveriam utilizar metáforas e mensagens cifra-

das de modo que não corressem o risco de cair nas malhas da censura

da patrulha política.

EXEMPLO

O exemplo mais famoso dessa nova estética musical foi a música “Apesar de

Você”, de Chico Buarque. Quando foi lançada, essa canção teve uma imediata

associação ao tema do amor e da perda. Contudo, aproximadamente depois de

dois meses, as autoridades políticas passaram a recolher exemplares do disco

com a acusação de que a música incitava os ouvintes contra o regime militar que

estava instaurado. Outro exemplo que merece ser destacado é a música “Cálice”,

composta pelo mesmo Chico Buarque e Milton Nascimento, com a sugestiva troca

entre cale-se e cálice, que faziam referência imediata ao silenciamento provocado

pelo controle de expressão proposto pelo regime.

Outra grande inovação foi o surgimento o Tropicalismo. Formado por Caetano Velo-

so, Gilberto Gil, Mutantes, Gal Costa, Rogério Duprat, foi um coletivo que conseguiu

expressar profundas inovações na música brasileira entre 1967 e 1968. A proposta

estética da Tropicália era fugir das posições nacionalistas e esquerdistas que gras-

savam nos domínios da música popular brasileira e que definiam o que poderia ser

concebido como “qualidade musical”.

Os jovens eram os protagonistas das manifestações e dos festivais.

Essa não era apenas uma característica do Brasil, pelo contrário, as ma-

nifestações de maio de 1968 representavam toda a indignação da juven-

IDEIA

Como sugestão, assista ao filme:

Cabra-cega. Direção: Toni Venturi. Pro-

dução: Olhar Imaginário. Brasil, 107

min., son., col., S/I.

Sinopse: Aborda a resistência armada

contra a ditadura brasileira nos anos

1960 e 1970. O filme se inicia ao som

de MPB dos festivais, com imagens de

arquivo. Cavalaria passa, polícia esbra-

veja, indignados marcham. Em meio à

correria, dá para ver no rosto das pes-

soas o orgulho de se opor ao regime.

Mas algumas cenas resgatadas da TV

Tupi, hoje de domínio público, mostram

o corpo já sem vida de Ernesto "Che"

Guevara (1928-1967) escarafuncha-

do na Bolívia. Assim, desde o primeiro

momento a utopia da revolução popular

entra em choque com a realidade da re-

pressão. Na história, o militante Thiago

(Medeiros), baleado no peito no dia em

que viu a sua companheira e amada ser

capturada pela polícia, precisa passar

uns dias no “aparelho” de seu mentor,

Mateus (Jonas Bloch). Lá recupera as

forças e aguarda novas diretrizes. Sozi-

nho, fechado — e silencioso por medo

de ser denunciado — no apartamento,

lhe resta esperar. Mas ficar afastado da

ação, ouvir notícias de camaradas mor-

tos, começa a lhe fazer mal. No deses-

pero Thiago refletirá sobre a sua vida e

o seu engajamento.

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182 • capítulo 8

tude contrária aos reacionários franceses. Além disso, vivia-se um período de reinvenção

das limitações morais entre os jovens o que anunciava um período marcado por transgres-

sões sexuais, assim como novas experiências entre os jovens franceses e, especialmente,

norte-americanos.

O Ato Institucional n°5

Quando a exceção vira regra. Uma década de arbítrio sem freio.

Dentre todos os atos institucionais do Brasil, aquele que é mais lembrado até hoje é o AI-5.

A singularidade desse ato é clara: ele possibilitou a mais violenta legislação para coibir os

atores políticos de expressar sua opinião em toda a História do Brasil.

A ascensão dos escalões da linha dura dentro do exército, com o General Costa e Silva,

sinalizou que haveria a radicalização do controle da liberdade de expressão dentro do regi-

me político da ditadura militar.

O AI-5: “Suspende a garantia do habeas corpus para determinados crimes; dispõe sobre os

poderes do Presidente da República de decretar: estado de sítio, nos casos previstos na

Constituição Federal de 1967; intervenção federal, sem os limites constitucionais; suspen-

são de direitos políticos e restrição ao exercício de qualquer direito público ou privado; cas-

sação de mandatos eletivos; recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas

e das Câmaras de Vereadores; exclui da apreciação judicial atos praticados de acordo com

suas normas e Atos Complementares decorrentes; e dá outras providências”.

De modo conciso, essa é a forma que o texto está explicitado

no site do planalto.

A suspensão do habeas corpus dava a possibilidade de que os

militares e sua política passassem a perseguir qualquer indiví-

duo. Além disso, permitia ao presidente aglutinar em si diversos poderes que, nem mesmo

na fase anterior da ditadura foram tão amplos, especialmente decretar estado de sítio e

intervenção federal fora dos limites constitucionais. Agora, as ações presidenciais concen-

travam poderes quase que ilimitados e estavam acima da Constituição.

Como o presidente era a representação do desejo dos militares, a perseguição política

começou a se acentuar logo após a decretação do AI-5. O endurecimento político levou à

prisão de inúmeros militantes políticos e à expulsão de muitos artistas do país, como Cae-

tano Veloso e Gilberto Gil.

Após o AI-5, houve um recrudescimento da prisão, tortura e morte de discordantes do

regime político instaurado pelos militares.

Grande parte da intelectualidade fugiu do país e teve seus direitos políticos cassados.

O ano de 1968 marcou a polariza-

ção política tanto dos concordantes

com o regime político quanto daque-

les que pregavam a mudança política

radical do país.

O texto do ato institucional é duro.

Muitos brasileiros foram para o exílio como forma de sobreviver aos anos de chumbo.

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capítulo 8 • 183

REFLEXÃO

Se os militares necessitavam manter órgãos de repressão política era porque toda a população estava insatis-

feita? Todos atacavam o regime militar? Não havia grupos em concordância com o regime além dos militares?

Essas perguntas realçam o fato de que o regime militar possuía uma gama de apoiadores que

tinham suas premissas reforçadas em virtude da força do regime político militar em criar consen-

so, especialmente por meio da propaganda política e do Serviço Nacional de Informações (SNI).

Na verdade, a censura aos órgãos de imprensa era

violenta, de modo que a sociedade não ficava sabendo

do que ocorria nos porões da ditadura.

A supressão da garantia do habeas corpus possibilitou

ao regime militar fazer desaparecer pessoas que a ele se

opunham. Até hoje o destino de inúmeros presos durante o regime continua desconhecido.

Durante o governo Médici, apesar da dura repressão política, da tortura instituciona-

lizada e da total falta de liberdade de expressão, o governo fez questão de se aproveitar do

vigor do povo brasileiro.

EXEMPLO

O espetáculo escolhido para o destaque do povo foi o futebol, em especial a Copa do Mundo de 1970. Na

final contra o time da Itália, vencida pelo Brasil, foi exaltada a força do futebol brasileiro e foram cunhadas

algumas propagandas, que associavam o futebol ao presente político do país como no slogan “Ninguém

segura esse país”.

COMENTÁRIO

O lema “Brasil — ame-o ou deixe-o” simbolizava a apropriação da pátria pelos órgãos de segurança.

Amar o Brasil significava concordar com tudo que era feito. Para quem não concordasse, restava o exílio,

a prisão, a tortura ou a morte.

O terceiro presidente militar, Emílio Médici, responsável pelo período mais violento da

repressão, valorizou sua imagem como “homem do povo” ao ressaltar permanentemente

nos meios de comunicação seu apreço pelo futebol. O então presidente fazia questão de

parecer um torcedor como qualquer outro, apenas apaixonado por futebol.

Médici comemora com a taça

Ao mesmo tempo, houve uma intensa exploração midiática da

vitória da seleção brasileira por parte dos órgãos de apoio ao

governo militar no Brasil.

Muitos grupos de resistência partiram para ações armadas e

para a guerrilha, que foi combatida com grande aparato militar.

As violações aos direitos humanos dos presos políticos eram constantes.

O clima interno era de confrontação política.

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184 • capítulo 8

A esta altura, a censura aos meios de comunicação era constante, não havia mais qual-

quer garantia individual constitucional ou respeito aos direitos fundamentais. Para quem

não cresceu no estado democrático de Direito, é difícil imaginar o grau de limitação impos-

to ao pensamento, ao sentimento e aos sonhos de quem cresceu naquela época.

As universidades eram vigiadas e qualquer manifestação de opinião contrária ao governo

militar era perigosa, pois a espionagem e a delação cresceram como ervas daninhas, tornan-

do todos silenciosos e temerosos.

Um elemento de aglutinação da população em torno das propostas do governo militar

foi o conhecido “milagre econômico”. No período entre 1967 e 1973, justamente os anos

mais duros da perseguição política e da vitória do Brasil na Copa do Mundo de 1970, o índi-

ce de crescimento da economia brasileira chegou a níveis nunca antes vistos.

O chamado “milagre” foi fruto da conjunção do lento desenvolvimento de condições

específicas da economia brasileira, ao mesmo tempo em que ocorria um cenário interna-

cional de disponibilização de capitais para empréstimos, que foram contraídos em grande

volume gerando uma dívida externa que levou diversas gerações para ser quitada.

No que se refere às condições específicas da economia brasileira, o período militar

aproveitou-se de uma estrutura econômica baseada na industrialização que já vinha sendo

montada desde o período do primeiro governo Vargas e acelerada no período JK.

A repressão política – Os “Anos de Chumbo”

O aparelho de repressão no Brasil permitia ao poder militar combater as dissidências, in-

clusive reprimindo a guerrilha, cujo auge correspondeu ao período da chamada “Guerrilha

do Araguaia” (1972-1975), em que perto de uma centena de militantes do PCdoB mantive-

ram um foco guerrilheiro esmagado pelo Exército.

Era a fase final de um processo de enfrentamento que começou com a chamada

Guerrilha do Caparaó, localizado na divisa de Espírito Santo e Minas Gerais, sob a lide-

rança do MNR — Movimento Nacional Revolucionário.

O meio urbano não permaneceu imune às ações mais ousadas da guerrilha. Mesmo com

a recusa da direção do Partidão em empreender a luta armada, muitos opositores do regime

militar não aguentavam a falta de “uma luz no fim do túnel” e arriscavam o enfrentamento.

EXEMPLO

Nomes como Carlos Marighella e Carlos Lamarca são exemplares desse momento de guerrilha urbana

realizando ataques a bancos e sequestrando representantes diplomáticos de países capitalistas como

EUA, Alemanha Federal, Japão e Suíça. Principalmente no Governo Médici, por meio da OBAN e dos DOI-

Codis, houve o silenciamento, não apenas de parcela significativa da militância, mas também da população

globalmente falando.

O governo militar reprimiu a luta armada que, em parte inspirada no modelo cubano,

acreditava ser possível deflagrar pelas armas um processo revolucionário.

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capítulo 8 • 185

A abertura lenta e gradual

O governo Geisel (1974-1979) iniciou o mandato prometendo um re-

torno gradual à democracia. Durante a campanha política para a presi-

dência, o presidente Geisel teve de enfrentar concorrentes como Ulisses

Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho, candidatos do MDB.

O candidato vencedor, Ernesto Geisel, do partido da Arena, anunciou

o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II-PND), em busca de equali-

zar o crescimento econômico com a contenção da onda inflacionária.

Contudo, as reformas propostas pelo governo não surtiram o efeito es-

perado. A economia brasileira não conseguia construir as condições

próprias para o seu autossustento, assim como sofreu de forma dura os

efeitos da crise do petróleo.

No cenário internacional, os tempos não eram dos melhores. As

potências internacionais sofriam um momento de retração, causados

especialmente pelos impactos da crise do petróleo, mas também pelo

período de congelamento da Guerra Fria. Tudo isso contribuiu negati-

vamente para o desenvolvimento da economia do país, pois diminuiu o

fluxo de capitais que geralmente era utilizado como forma de acumula-

ção e posterior investimento em diversas regiões do país.

ATENÇÃO

A tentativa de manter o crescimento do país, mesmo após o conhecido “milagre eco-

nômico” ocorrido durante o governo Médici, fez com que Geisel tivesse como efeito

de sua política econômica o aumento da dívida externa e a hiperinflação. Tudo isso

intensificou os problemas monetários, o que deixou um legado de recessão econô-

mica para o seu sucessor João Figueiredo.

Em termos de sua intervenção na infraestrutura do país, Geisel foi

um desenvolvimentista.

EXEMPLO

Como exemplo, podem ser citadas as obras do metrô em São Paulo e Rio de Janeiro

e a busca por novas fontes de energia como o álcool. Além disso, Geisel foi aquele

que construiu grande parte da usina hidrelétrica de Itaipu e, em 1975, assinou o

acordo nuclear com a República Federal da Alemanha sob a alegação de garantir

a autonomia do país na área de energia, embora, na prática, apenas uma das oito

usinas planejada tenha sido posta em pleno funcionamento.

A imagem da ditadura, durante o governo Geisel, sofreu mais um duro

golpe. Em São Paulo, setores mais radicais do regime militar cometeram

atos de extrema violência. O mais conhecido foi o assassinato do jornalista

Vladimir Herzog, nos corredores do II Exército de São Paulo (DOI-CODI).

IDEIA

Como sugestão, assista ao filme:

O ano em que meus pais saíram de

férias. Direção: Cao Hamburger. Pro-

dução: Gullane Filmes. Brasil, 104 min.

Son., col., 35mm.

Sinopse: Com 12 anos, Mauro (Michel

Joelsas) já sabe que a profissão de

arqueiro é a mais solitária dentro de

campo. A responsabilidade é tremen-

da. Transcorre 1970, ano de Copa, e os

pais de Mauro saem de férias. Esse é

o eufemismo para dizer que a ditadura

forçou o casal a se esconder. O garo-

to é deixado em São Paulo com o avô.

O que os pais não esperavam é que o

velho falecesse de repente. Mauro está

prestes a experimentar um pouco da

responsabilidade — e da solidão — de

ser um goleiro nesse jogo da tenebrosa

e incerta época da repressão.

COMENTÁRIO

Ulisses Guimarães

Mesmo tendo a clareza de que não se

tornaria presidente, pois o processo era

ficcional, Ulisses não deixava de acusar

o governo militar de opressão política e

de explicitar os erros em termos de polí-

tica econômica.

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186 • capítulo 8

Todavia, as fotos do incidente, coletadas logo após a

chegada da polícia, estranhamente mostravam seu pes-

coço amarrado a um lençol e com os pés ao chão.

Por ser um jornalista da grande imprensa e em virtu-

de de seu assassinato não ter sido motivado por nenhum

fato de grande relevância, em termos de ação política, a mobilização pública contrária à

ditadura mais uma vez se organizou. Todas as instâncias da sociedade civil se mobilizaram

contra a versão de que Vladimir Herzog havia se suicidado.

EXEMPLO

Um dos exemplos mais significativos desse ato foi a sentença dada pelo juiz que avaliou o caso, Márcio

José de Moraes, no dia 27 de outubro de 1978. Em suas palavras: “Pelo exposto, julgo a presente ação

procedente e o faço para declarar a existência de relação jurídica entre os autores e a ré, consistente na

obrigação desta, indenizar aqueles danos materiais e morais decorrentes da morte do jornalista Vladimir

Herzog, marido e pai dos autores.”

Esse é um dos fatos que até hoje mais ficaram na memória do período da ditadura mi-

litar no Brasil e que significaram um instante de mobilização pública contra o governo de

Ernesto Geisel, ainda na segunda metade da década de 1970.

Ao longo de seu governo, Geisel teve de se equilibrar entre a pressão exercida pelos par-

tidários da linha dura no exército e daqueles membros da sociedade civil que queriam uma

abertura completa e o retorno imediato à democracia. Por isso, seu governo, por vezes, pa-

recia ser um tanto quanto contraditório.

Em alguns momentos, explicitava em ações seu desacordo com os grupos mais linha

dura do exército, como a extinção do AI-5 e o retorno do habeas corpus. Devido o seu con-

trole rígido do regime, não gerou o imediato retorno da democracia, mas pavimentou o

caminho para o processo de anistia dos exilados políticos.

Em termos da política externa do governo Geisel, evitou-se o alinhamento incondicio-

nal frente ao governo norte-americano, inclusive optando pela não renovação do acordo

militar com os EUA em 1977. Reconheceu alguns governos socialistas, como o da China, o

que ampliou as críticas de alguns militares da linha dura do governo. Contudo, foi sucedi-

do por um militar indicado por ele, o que manteve o país com uma linha de abertura políti-

ca interna para a democracia que continuaria o lema implementado por Geisel de abertura

“lenta e gradual” para a democracia.

Aquele que sucedeu Geisel foi João Figueiredo (1979-1985), da Arena. Ao assumir o go-

verno, João Figueiredo afirmou que iria reconduzir o Brasil à redemocratização. A imagem

do governo militar estava manchada tanto pelas permanentes denúncias de que não eram

respeitados os Direitos Humanos no país e pela permanência da prática de tortura, quanto

devido à grave situação eonômica vivenciada pela população.

Já no governo norte-americano de Carter (1977-1981), as divergências com os EUA leva-

ram ao afastamento dos americanos em relação à ditadura no Brasil, apontado, junto com

outras ditaduras sul-americanas, como violador dos direitos humanos.

A crise do petróleo favoreceu o aumento da taxa de juros no mercado internacional, o que

levou à dificuldade de obtenção de crédito do país no mercado externo. O impacto direto veio

Segundo as fontes oficiais da época, o jornalista teria se matado na prisão.

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capítulo 8 • 187

do aumento da dívida externa do país que chegou à marca dos 100 bilhões de dólares em

1982, levando o Brasil a solicitar emprétimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Novamente o economista Delfim Netto foi chamado para dar conta da situação econô-

mica. Ao propor o Plano Nacional de Desenvolvimento III (PND III), Delfim Netto buscava

aquecer a economia, porém o resultado foi modesto e o governo Figueiredo apenas conse-

guiu um fraco desempenho do PIB o que gerou imediata recessão econômica.

As reformas políticas foram aquelas que mais destacaram o governo João Figueiredo.

Em princípio, o governo propôs uma reforma que extinguisse o sistema bipartidário que

grassava no governo.

Poderiam existir novos partidos que marcariam o

cenário político nacional e que representariam opções

oriundas de desejos diversos da sociedade brasileira.

Em 1980, após a aprovação da lei de pluripartida-

rismo, foi fundado o Partido dos Trabalhadores (PT).

O manifesto do PT foi o documento que deu base a um partido classista, socialista e de

luta, um partido sem patrões, só de trabalhadores. A emergência desses novos partidos

políticos vinha atender a desejos de grupos específicos, como os trabalhadores da re-

gião do ABC paulista.

Cabe considerar um outro elemento do tenso jogo político do período. Apesar do

pluripartidarismo explicitar maior abertura para a existência de diversos partidos polí-

ticos e maior liberdade, na verdade ele terminava por esconder uma articulação política

importante por parte do governo militar. Como o MDB era muito conhecido e agregava

em si toda a massa de descontentes com o regime, o pluripartidarismo veio com o in-

tuito de criar diversas legendas políticas de modo a fragmentar a oposição. Nesse caso,

haveria uma identificação não entre os eleitores e a oposição ao regime político, mas

entre os eleitores e aqueles que partidos que pudessem satisfazer os interesses políti-

cos mais imediatos desses eleitores.

Outra medida de fundamental importância foi a anistia dos presos políticos. Lei da

Anistia é a denominação popular da lei nº 6.683, promulgada em de 28 de agosto de 1979,

após uma ampla mobilização social.

A descrição da lei propunha o seguinte:

Art. 1º — É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setem-

bro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes,

crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Ad-

ministração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos

Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais,

punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

A mobilização social para a anistia foi imensa. O Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA)

comandou a campanha pela “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita” que foi coordenada por um

comitê formado por intelectuais, artistas, jornalistas, políticos progressistas, religiosos de

vários credos, sindicalistas e estudantes, no final dos anos 1970. A mobilização gerou tanto

manifestações nas ruas como também ampla campanha que englobava um profundo apa-

rato de propaganda política.

Dessa maneira, deixavam de existir apenas o ARENA e o MDB.

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188 • capítulo 8

Tanto a Lei de Anistia quanto o fim do bipartidarismo político foram centrais para as

mudanças políticas implementadas pelo governo Figueiredo rumo à democratização do

país. Todavia, essas medidas não eram consenso entre os diversos grupos políticos do país.

No âmbito das alas mais radicais do militarismo, havia ampla camada de descon-

tentes que passaram a promover ataques e atentados nas cidades do Brasil, como ex-

plodir bancas de jornal, com o intuito de chamar a atenção para o descontentamento

de parcela dos militares.

EXEMPLO

Entre todos os atentados, um teve relevância destacada: o atentado ao Riocentro. Assim ficou conhecido

o frustrado atentado ao Pavilhão do Riocentro, em 1981, feito por militares descontentes com os rumos

de abertura política. O atentado não atingiu seus objetivos, pois a bomba explodiu dentro do carro em que

elas estavam presentes.

Ao mesmo tempo, esse atentado ficou conhecido como um dos principais equívocos

já realizados pelos grupos dos militares, fossem eles linha dura ou aqueles partidários

da abertura para a democratização seguindo o caminho da institucionalização proposta

pelos militares.

Os primeiros anos da década de 1980 foram marcados, na verdade, por um amplo movi-

mento que mudou os rumos da política no Brasil. Por meio da proposta jurídica do deputado

Dante de Oliveira (PMDB — Mato Grosso), as “Diretas Já”, como ficou conheci da a proposta,

foi um dos movimentos de maior participação política da História do Brasil. O movimento

propunha eleições diretas para presidente da República e teve amplo apoio dos partidos do

PMDB e do PDS, assim como de setores diversificados da população brasileira.

O ano de 1984 foi todo marcado pela campanha

das “Diretas Já”. Por um lado, ocorria novamente a

presença da população nos espaços públicos bus-

cando um objetivo político comum.

Outros nomes também ganharam destaque,

como Luís Inácio Lula da Silva, Osmar Santos, en-

tre outros.

Dois comícios foram emblemáticos. O primeiro ocorrido no Rio de Janeiro, em 10 de

abril de 1984, e o segundo, ocorrido em São Paulo, em 16 de abril — em ambos os casos a

mobilização popular foi intensa reunindo grande multidão.

No dia 25 de abril, o Congresso se reuniu para votar a emenda Dante de Oliveira e a

possibilidade de que a votação voltasse a ser direta para presidente da República ainda

naquele ano.

A população não pôde estar presente à votação. Os militares reforçaram com tanques

a segurança da parte externa do Congresso Nacional temendo manifestações. Apesar de

todas as manifestações, a proposta não foi aprovada em Congresso para aquele ano.

Com o fim de toda mobilização e o resultado negativo, restava ao povo brasileiro acom-

panhar a eleição indireta para o cargo de presidente da República. Os dois candidatos eram

Paulo Maluf (do PDS) e Tancredo Neves (do PMDB). Tancredo Neves conseguiu a maior vo-

tação e derrotou Paulo Maluf.

Uma figura de destaque do movimento das “Diretas Já” foi Ulysses Guimarães, apelidado de “senhor Diretas”.

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capítulo 8 • 189

RESUMO

Após o golpe de 1964 se iniciou o período de ditadura militar, marcado por intensa repressão política aos

grupos divergentes do regime.

Apesar da supressão dos direitos políticos, os anos sobre o regime militar foram anos de profunda criativi-

dade artística tanto no âmbito da música, quanto no teatro e artes plásticas.

A ditadura militar governava especialmente por atos institucionais.

Após o AI-5, que suprimiu as garantias individuais e o direito ao habeas corpus, ampliou-se a repressão

política aos descontentes com o regime, com a institucionalização da perseguição política, prisão, tortura

e morte dos dissidentes.

Muitos brasileiros foram exilados e perderam seus direitos políticos.

Entre 1969 e 1973 a taxa de crescimento econômico do Brasil chegou a níveis altíssimos, com alavan-

cagem em empréstimos internacionais, o que fez com que esse período ficasse conhecido como “Milagre

Brasileiro”.

A partir do governo de Ernesto Geisel, iniciou-se uma abertura “lenta, gradual e segura”.

Houve intensas manifestações populares a favor da anistia dos exilados e presos políticos, que resultaram

na Lei da Anistia.

Houve queda no crescimento econômico do Brasil desde 1973, culminando com os difíceis anos 1980 na

economia brasileira nos quais a dívida externa levou o Brasil a depender do Fundo Monetário Internacional.

Houve forte mobilização popular a favor das “Diretas Já”, mas a Emenda Dante de Oliveira não passou no

Congresso dominado pelo regime militar.

O governo de João Figueiredo foi sucedido por um governo civil, porém eleito de forma indireta.

ATIVIDADE

Questão 1

Enem 2012

Diante dessas inconsistências e de outras que ainda preocupam a opinião pública, nós, jornalistas, estamos

encaminhando este documento ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, para

que o entregue à Justiça; e da Justiça esperamos a realização de novas diligências capazes de levar à

completa elucidação desses fatos e de outros que porventura vierem a ser levantados.

Em nome da verdade. In: O Estado de São Paulo, 3 fev. 1976. Apud. FILHO, I. A. Brasil, 500 anos em do-

cumentos. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

A morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida durante o regime militar, em 1975, levou a medidas como o

abaixo-assinado feito por profissionais da imprensa de São Paulo. A análise dessa medida tomada indica a:

a) Certeza do cumprimento das leis.

b) Superação do governo de exceção.

c) Violência dos terroristas de esquerda.

d) Punição dos torturadores da polícia.

e) Expectativa da investigação dos culpados.

Questão 2

UFF

"Brasil, ame-o ou deixe-o" foi um dos célebres 'slogans' do regime militar, em torno de 1970, época em que

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190 • capítulo 8

o Governo Médici divulgava a imagem do "Brasil Grande" e proclamava o "Milagre Econômico" que faria do

país uma grande potência. Assinale a opção que melhor caracteriza a política econômica correspondente

ao chamado "Milagre".

a) Fusão do capital industrial e do bancário, gerando monopólios capazes de impor preços inflacionários,

dos quais resultaram o crescimento econômico e o aumento do mercado consumidor nos grandes centros

urbanos.

b) Desenvolvimento de obras de infraestrutura, a exemplo de hidrelétricas e rodovias, com base na pou-

pança nacional e no investimento de bancos públicos.

c) Crescimento econômico e aquecimento do mercado de bens duráveis ancorados em políticas salariais

redistributivas e na indexação de rendimentos do mercado financeiro.

d) Elevados investimentos no setor de bens de capital e na indústria automobilística combinados a uma

vigorosa agricultura comercial de médio porte.

e) Incentivo à entrada maciça de capitais estrangeiros combinada ao arrocho salarial, resultando em eleva-

dos índices de crescimento econômico e inflação baixa.

Questão 3

UFMG

A reforma partidária, que implantou o pluripartidarismo no Brasil, no governo Figueiredo, tinha por objetivo.

a) consolidar os resultados das eleições de 1974 que deram ampla vitória ao partido do governo, o PDS.

b) levar os liberais, concentrados no PP, para engrossar as fileiras do PRS e fortalecer o apoio ao governo.

c) quebrar o monopólio que o MDB exercia na oposição fragmentando-o em inúmeros partidos e evitando

a sua ascensão ao poder.

d) revigorar o PDT para que esse pudesse enfrentar o PT nas eleições majoritárias.

e) utilizar os antigos militantes da UDN nos quadros da ARENA para que essa, fundindo-se com o PDS,

vencesse as eleições para governadores.

Questão 4

Mackenzie

O ano de 1968 foi crucial. O movimento estudantil se espalhou por todo o país, sofrendo violenta repressão

do governo. Diante das pressões da sociedade, o governo militar reagiu, decretando:

a) A deposição do Presidente João Goulart, cujo modelo populista de governo dava sinais de esgotamento.

b) O Ato Institucional nº 5, que conferia ao Presidente Costa e Silva poderes totais para reprimir as opo-

sições.

c) A Abertura Democrática, lenta e gradual, que reconduzia o país à democratização.

d) A Anistia, que embora não fosse irrestrita, permitiu o retorno de muitos exilados políticos.

e) A solução parlamentarista, que possibilitou controlar a grave crise institucional em que vivia o país.

GABARITO

Questão 1 – E

Questão 2 – E

Questão 3 – C

Questão 4 – B

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capítulo 8 • 191

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Eu organizo o movimento — O processo de redemocratização do Brasil

marcelo machado costa lima

19

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194 • capítulo 9

O retorno paulatino à normalidade democrática

Redemocratizar. Mais uma vez. Há quem considere que melhor seria se

tivéssemos menos oportunidades de encontrar a expressão “redemo-

cratização” nos estudos de História do Brasil, afinal só se redemocratiza

quem, algum dia, experimentou os benefícios da democracia, mas os

perdeu para os ditadores de plantão.

No decorrer de nossa história tivemos de, algumas vezes, reiniciar a

busca pelos espaços democráticos perdidos para regimes autoritários

que, no uso inadequado do poder, se utilizaram da violência para reduzir

os espaços de participação da cidadania na formação da vontade do Esta-

do. No entanto, se pensarmos pelo lado positivo, ainda bem que sempre

houve a oportunidade de reconquista da democracia e da liberdade.

Entre os historiadores, há alguma divergência de quando ocorreu a

retomada democrática após o Golpe de 1964.

Há quem entenda que tenha sido em 1979, em razão da promulgação da

Emenda Constitucional nº 11, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1979,

e cujo artigo 3º revogava todos os Atos Institucionais e complementares,

incluindo aí o odioso AI-5.

Outros entendem que o processo só tenha realmente se iniciado com o fim do

regime militar e o retorno de um regime de liberdades capitaneado por civis, e

isso só ocorreria com a eleição de Tancredo Neves (que acabou não governando,

como veremos).

No entanto, há ainda uma terceira vertente que entende que essa liberdade civil

almejada somente encontraria bases seguras com o suporte jurídico garantido

pela Constituição de 1988. De toda forma, muitas ações no período entre 1985

e 1989 deixam evidente que o processo de superação do regime ditatorial real-

mente começava a ganhar densidade nesse período.

Nesse sentido, apesar de problemas ainda existentes, houve grandes avanços na

conquista da cidadania e das liberdades públicas, o que nos autoriza a acreditar

que a democracia brasileira avançou e amadureceu no pós-1985 e que não está

condenada a alternar vivências históricas com regimes ditatoriais.

Mais uma vez procurávamos nos reerguer de um período ditatorial,

marcado — como sempre acontece nas ditaduras — por práticas autoritá-

9 Eu organizo o movimento — O processo de redemocratização do Brasil

CONCEITO

Redemocratizar

Redemocratização é o processo de res-

tauração da democracia e do estado de

direito em países ou regiões que pas-

saram por um período de autoritarismo

ou ditadura. A redemocratização pode

acontecer de maneira gradual, onde o

poder restaura os direitos civis lenta-

mente, ou de forma abrupta, como é em

geral o caso quando isso acontece atra-

vés de revoluções.

CONCEITO

Emenda Constitucional

Uma Emenda Constitucional é uma mo-

dificação produzida na Constituição de

um Estado resultando em mudanças

no seu texto. O processo de alteração

em uma Constituição é bem mais difi-

cultoso do que aquele observado para

se modificar uma lei. Isso é natural, já

que a Constituição, como se sabe, é o

documento que possui as normas mais

importantes de um país.

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capítulo 9 • 195

rias e utilização desproporcional e ilegítima da força. O processo político

da bem-vinda redemocratização se acelerou após as grandiosas manifes-

tações havidas em todo o país pelo movimento das Diretas Já, mesmo que

essas manifestações cidadãs não tenham atingido seu objetivo último.

A Emenda Constitucional que permitiria as eleições diretas não foi aprovada (por

poucos votos) por aqueles que tinham o poder de alterar a Constituição e, conse-

quentemente, de autorizar a eleição para a escolha do presidente pelo voto direto

do povo. A verdade é que a população já sinalizara de forma clara que o processo

de redemocratização não era uma reivindicação de parte da classe política, mas

do povo brasileiro. Assim, o movimento pela redemocratização ganhou as ruas e

se tornou irreversível.

É importante, porém, que

tenhamos em vista que quan-

do se afirma que o país passou

por um processo de redemo-

cratização, não podemos ser

otimistas a ponto de achar que

a democracia se instalou de

forma instantânea.

Entretanto, aos poucos, as

conquistas democráticas foram

sendo alcançadas. É o que tentaremos mostrar a partir de agora.

A Era Tancredo... Quer dizer, a Era Sarney

Em 1985, quase um ano após a derrota da Emenda Constitucional que

permitiria o retorno das eleições diretas para o cargo de presidente, o

Brasil elegeu de formaindireta o seu primeiro presidente civil depois de

21 anos de regime militar: Tancredo Neves, político de reconhecida po-

sição de combate à ditadura militar, candidato da Aliança Democrática,

formada pelo PMDB e pelo PFL.

Cabe lembrar que o PFL foi um partido criado a partir de um gru-

po de dissidentes do PDS, que era o partido que, substituindo a an-

tiga Arena, concedeu sustentação política ao último presidente mili-

tar, João Figueiredo, no momento em que o país voltou a adotar um

sistema pluripartidário.

Com ampla força no Congresso Nacional, Tancredo Neves foi eleito pelo Colégio

Eleitoral para ser o próximo Presidente da República, após expressiva vitória de

480 votos a favor contra 180 de seu adversário — o candidato do PDS, o então

Deputado Federal, Paulo Maluf, que encontrava forte rejeição até mesmo entre as

alas mais conservadoras da política nacional.

CONCEITO

Forma indireta

Nas eleições indiretas, as pessoas que

vão exercer mandatos políticos não são

eleitas diretamente pelo povo, mas por

um grupo de pessoas a quem é conce-

dido esse poder de escolha. Ou seja, em

vez de nós escolhermos as pessoas que

supostamente representariam nossas

vontades, elegemos os intermediários

que, como representantes nossos, terão

o poder de escolher. Isso quer dizer que,

para manifestar sua vontade, a sobe-

rania popular têm que passar por dois

intermediários.

CURIOSIDADE

Dissidentes

São aqueles que divergem das opiniões

de outrem ou da opinião geral, ou mes-

mo se separam de uma corporação por

essa divergência.

CONCEITO

Colégio Eleitoral

É um órgão formado por um conjunto de

eleitores com o poder de um corpo deli-

berativo para eleger alguém a um posto

particular. É muito usado em eleições

indiretas.

A redemocratização é sempre um processo de conquistas árduas e difíceis, principalmente para um país que ainda não tem a democracia enraizada em suas tradições históricas.

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196 • capítulo 9

Embora a eleição tenha sido indireta, sem a legitimação pelo voto

direto popular, a verdade é que a escolha de Tancredo Neves contou

com imenso apoio de uma população esperançosa por novos tempos

e sedenta por uma contínua abertura democrática. Por essa razão,

embora a sua eleição não tenha ocorrido pela via direta, não se pode

afirmar que não foi legítima, pois foi defendida pela maioria da po-

pulação, em todo o país.

No entanto, na véspera da posse, Tancredo Neves foi internado no hospital, com

problemas sérios de saúde. José Sarney, seu vice, dissidente do PDS e antigo

membro da Arena, assumiu interinamente. Com a morte de Tancredo Neves, fato

que gerou enorme comoção no país, ainda se discutiu se Sarney poderia, pelas

regras constitucionais vigentes, assumir a Presidência da República de forma de-

finitiva. Essa solução efetivamente acabou ocorrendo, principalmente em razão

da necessidade de se evitar qualquer retrocesso no processo de conquistas do

exercício do poder pelas forças políticas civis.

As graduais reconquistas nos campos da política e das liberdades públicas

Para afastar as naturais desconfianças sobre a sua inegável ligação com

o regime militar, o novo presidente procurou se desvincular das posi-

ções assumidas no passado, buscando demonstrar seu compromisso

com a redemocratização do país.

Para tanto, foram tomadas medidas no decorrer de seu período na

presidência:

Reestabelecimento das eleições diretas para a Presidência da República.

Apoio à legalização de partidos políticos que estavam na clandestinidade, inclu-

sive partidos como PCB e PC do B, cujas ideias de esquerda haviam sido com-

batidas pelo regime militar. Aliás, nesse contexto de reabilitação dos partidos de

esquerda, ocorre, também, a criação do PSB (Partido Socialista Brasileiro).

Retirada gradual dos obstáculos à ampliação das liberdades (de imprensa, de

expressão, de manifestação, entre outras) que, pouco a pouco, vão sendo resga-

tadas e, como veremos mais adiante, serão amplamente protegidas pela Consti-

tuição de 1988.

Retomada da ideia de uma política externa independente, abrindo-se maior diá-

logo com os países da América Latina. Nesse contexto, deve-se ressaltar a apro-

ximação com a Argentina, país com quem tradicionalmente o Brasil mantivera, no

decorrer da sua história, relações distantes e, em alguns momentos, tensas.

CONCEITO

Regime militar

José Sarney foi Presidente da Arena e

um dos parlamentares que votaram con-

tra as eleições diretas.

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capítulo 9 • 197

No âmbito das ações administrativas, abertura de maior espaço para debates (in-

clusive com a promoção de algumas ações) para questões até então marginaliza-

das, como, entre outros, reforma agrária, cultura, política urbana e meio ambiente.

A economia na Era Sarney — o elo fraco da corrente

Se, no âmbito político, o país inegavelmente continuava avançando com

suas reformas democráticas, inclusive iniciando discussões sobre os ru-

mos a serem fixados na Constituição que estava por vir, a verdade é que,

na área econômica, o governo Sarney, por meio de uma série de malfa-

dados planos, foi acumulando fracassos em duas frentes ingratas:

• combater a inflação crescente e;

• atenuar a situação caótica da dívida externa.

O primeiro plano, denominado Plano Cruzado, foi o mais famoso

entre todos aqueles experimentados no período. Seu idealizador foi o

Ministro Dilson Funaro e foi utilizada uma conhecida tática constante-

mente usada por governos assolados pela força destruidora da inflação:

a troca da moeda. Substituía-se a moeda em curso por outra, cortando-

se alguns zeros à direita e, com isso, evidentemente, transmitia-se a

falsa impressão de estarmos diante de uma moeda mais valorizada (ou

moeda mais forte, como se costuma dizer).

No caso em análise, a nova moeda passou a se chamar “cruzado” (o

que por si só explica a escolha do nome dado ao plano) e substituiu o

cruzeiro. Para dar uma ideia da força inflacionária no período, apenas

três anos depois, um novo plano, o PlanoVerão, viria a criar outra nova

moeda (de “cruzado” para “cruzado novo”), suprimindo mais três zeros.

Tempos difíceis para o trabalhador, que via seu salário “derreter” no de-

correr do próprio mês trabalhado.

A principal medida do Plano Cruzado, porém, foi a de congelar

ospreços e os salários. A ausência de um número adequado de ser-

vidores públicos habilitados à fiscalização levou o presidente a con-

vocar populares para uma cruzada cívica (e, certamente, populista).

Entusiasmados, os “fiscais do Sarney” denunciavam abusos, (conse-

guindo, inclusive, levar ao fechamento inúmeros estabelecimentos

em várias localidades do país), mas cometiam outros crimes, como

saques e depredações.

O bom resultado inicial da medida rendeu uma vitória esmagado-

ra do PMDB (agremiação política do Presidente) nas eleições, quando o

partido ganhou praticamente todos os governos estaduais (exceto o de

Sergipe, que, mesmo assim, ficou nas mãos do aliado circunstancial, o

PFL) e a maioria das cadeiras do Congresso. O Plano, porém, se mostrou

ineficaz e a disparada da inflação retirou o apoio popular do governo.

CURIOSIDADE

Plano Cruzado

O Plano Cruzado foi um conjunto de me-

didas econômicas, lançado pelo governo

brasileiro, em 28 de fevereiro de 1986,

com base no decreto-lei nº 2.283, de 27

de fevereiro de 1986, sendo José Sarney

o presidente da República e Dilson Funa-

ro o ministro da Fazenda. Foi o primeiro

plano econômico nacional em larga esca-

la desde o término da ditadura militar.

CURIOSIDADE

Plano Verão

O Plano Verão, instituído em 16 de janei-

ro de 1989, foi um plano econômico lan-

çado pelo governo do presidente brasi-

leiro José Sarney, realizado pelo ministro

Maílson Ferreira da Nóbrega, que havia

assumido o lugar de Bresser Pereira.

Devido à crise inflacionária da década de

1980, foi editada uma lei que modificava o

índice de rendimento da caderneta, promo-

vendo ainda o congelamento dos preços e

salários, a criação de uma nova moeda, o

Cruzado Novo, inicialmente atrelada em

paridade com o Dólar e a extinção da OTN,

importante fator de correção monetária.

CURIOSIDADE

Congelar os preços

O congelamento de preços é uma me-

dida econômica considerada radical, que

proíbe o aumento de preço dos produtos.

Segue a mesma lógica o congelamento

de salários, que proíbe o aumento sala-

rial. São medidas consideradas radicais

utilizadas para o combate de surtos infla-

cionários ou mesmo hiperinflação.

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As tentativas com outros planos econômicos (Cruzado II, Bresser e

Verão) igualmente fracassaram em seus propósitos.

Para esse fracasso, contribuiu o fato de o Brasil, em fevereiro de 1987,

anunciar a moratória dos juros da dívida externa. Com essa decisão, o

Brasil deixou de ter acesso ao crédito internacional, levando a economia

a enfrentar, ao mesmo tempo, dois problemas que configuram verda-

deiros pesadelos para qualquer ministro responsável pela economia:

• inflação e;

• ausência de crescimento econômico.

Junta-se a isso uma política de arrocho salarial (quando os rea-

justes salariais não acompanham a alta do custo de vida) em meio às

perdas do poder de compra do trabalhador em razão das altíssimas

taxas de inflação no período.

RESUMO

Não custa relembrar, ainda, que em razão do inexpressivo crescimento econômico

obtido na época, o período do Governo Sarney (1985-1990) auxiliou para que os

anos 1980 ficassem conhecidos como a “década perdida”. Diante de um quadro

como esse, parece não ser difícil concluir que o governo Sarney chegaria ao fim de

forma melancólica e em grave crise econômica.

CURIOSIDADE

Contexto histórico

Do ponto de vista econômico, as teses do novo liberalismo, conhecidas como “ne-

oliberais”, defendidas por Margareth Thatcher (Primeira-Ministra da Inglaterra entre

1979 e 1990) e por Ronald Reagan (Presidente dos Es tados Unidos entre 1981-

1989), vão se impondo no mundo, defendendo o mínimo de intervenção do Esta-

do nas atividades econômicas como forma de buscar eficiência. No entanto, como

efeito colateral, estabeleceu forte ataque a algumas das principais conquistas dos

trabalhadores por meio de ações como flexibilização dos contratos de trabalho, re-

formas na previdência social e o corte dos subsídios aos programas de assistência

às comunidades mais carentes.

A Constituinte e o exercício da cidadania

Entretanto, uma pergunta repetida entre as pessoas mais esclarecidas era:

CURIOSIDADE

Planos econômicos

Cruzado II

O Cruzado II foi um pacote fiscal que aca-

bou por fornecer uma válvula de escape

para toda a inflação reprimida durante o

congelamento de preços. O Plano preten-

dia controlar o déficit fiscal aumentando a

receita tributária.

Bresser

O Plano Bresser foi plano econômico bra-

sileiro de emergência lançado em 16 de

junho de 1987, através dos Decretos-Lei

2335/87, 2336/87 e 2337/87, pelo

então Ministro da Fazenda Luiz Carlos

Bresser Pereira. O plano Bresser seguiu

o plano Cruzado, que havia fracassado na

tentativa de controlar a inflação.

O Plano Bresser instituiu o conge lamento

dos preços, dos aluguéis, dos sa lários e a

URP (Unidade de Referência de Preços)

como referência monetária para o reajus-

te de preços e salários.

CONCEITO

Moratória

No âmbito do direito internacional públi-

co, moratória consiste em um ato unila-

teral de um Estado quando este declara

a suspensão do pagamento dos juros da

sua dívida externa.

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capítulo 9 • 199

“Como reestabelecer a normalidade democrática sob as bases

de uma Constituição que deu suporte à ditadura?”

Realmente, isso não é possível. Por isso, a resposta somente vem com

a Emenda Constitucional nº 26, de 17 de novembro de 1985, que con-

voca a Assembleia Constituinte, reunida em fevereiro de 1987.

Embora a convocação da Constituinte fosse motivo de comemora-

ção, a emenda foi recebida com alguma dose de decepção e ceticismo,

pois houve movimentos, no seio da sociedade civil organizada, que exi-

giam uma Constituinte exclusiva e não um Congresso Nacional dividi-

do, com dupla função (a de parlamentar e, concomitantemente, a de

constituinte).

Isso porque seria razoável se esperar que, após um regime de exce-

ção, os temas constituintes ganhassem especial relevo nos debates elei-

torais, de forma que as teses, os princípios e os compromissos ligados

ao debate constituinte fossem discutidos e refletidos com a máxima

profundidade. Entretanto, isso não ocorreu na medida desejada, já que,

no mesmo processo eleitoral, houve também eleição para governadores

de Estado, o que inevitavelmente dividiu as atenções dos eleitores.

CURIOSIDADE

Contexto histórico

Em 1986, o mundo surpreendia-se com o anúncio de duas políticas propostas pelo

último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev: a Perestroika e a Glasnost. A

primeira se referia à abertura dos processos econômicos para superar o atraso do

desenvolvimento tecnológico. Já a segunda era o sopro de liberdade de divulgação

do que acontecia na União Soviética: a necessidade de abrir a realidade soviética ao

mundo e também o mundo aos soviéticos.

Mesmo criticados, os trabalhos da Assembleia Nacional Constituin-

te foram instalados em primeiro de fevereiro de 1987, sob a presidên-

cia de Ulysses Guimarães. Historicamente, as constituintes brasileiras

sempre tiveram sua gênese com um anteprojeto norteador, o que não

aconteceu nesta de 1987. Isso acabou por abrir caminho para uma mo-

bilização inédita na história do país.

O Congresso Nacional foi palco de um embate inédito. Mobilizaram-se

trabalhadores, empresários, ruralistas, camponeses magistrados, reli-

giosos (em suas várias vertentes), índios, mulheres, militares, homos-

sexuais, estudantes e tantos outros grupos, que buscavam defender

seus interesses específicos no corpo do texto constitucional.

CONCEITO

Assembleia Constituinte

Os constituintes, ou seja, as pessoas

que seriam responsáveis pela escrita

da nova Constituição do país, foram os

deputados e senadores eleitos em no-

vembro de 1986, naquela famosa elei-

ção em que o Plano Cruzado ajudou os

principais partidos de apoio ao governo,

PMDB e PFL, a obter uma maioria es-

magadora das cadeiras da Câmara e do

Senado. A estes se somaram os sena-

dores remanescentes de 1982, inclusi-

ve os biônicos, eleitos indiretamente, e

que representaram a herança antidemo-

crática do período militar ao processo

constituinte.

CONCEITO

Perestroika

Propunha a reestruturação econômi-

ca, a descentralização das decisões, a

abertura da economia e o fim do mono-

pólio estatal.

Glasnost

Propunha a transparência política, o fim

da ineficiência administrativa, da per-

seguição política e a liberdade de ex-

pressão da população e dos meios de

comunicação.

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200 • capítulo 9

Ressalte-se, ainda, que algumas dessas emen-

das obtiveram mais de um milhão de assinaturas,

o que reforça a tese daqueles que alegam uma par-

ticipação popular sem precedentes na história po-

lítica brasileira.

Para elaborar a espinha dorsal dos trabalhos cons-

tituintes foram criadas oito comissões temáticas:

I Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher

II Comissão da Organização do Estado

III Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo

IV Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Partidos Políticos

V Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças

VI Comissão da Ordem Econômica

VII Comissão da Ordem Social

VIIIComissão da Família, Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da

Comunicação.

Além dessas, todas subdivididas em três subcomissões, criou-se a Comissão de Siste-

matização com a complexa tarefa de conceder organicidade e sistematicidade entre os di-

versos temas. Nessa linha, é muito interessante observar que essa organização temática

acabou, realmente, concedendo (com poucas diferenças) a estrutura de organização dos

temas da atual Carta da República. Se observarmos a Constituição de 1988, veremos que

seus Títulos e Capítulos seguem razoavelmente essa divisão prevista nos trabalhos das

Comissões e Subcomissões Temáticas.

Constituinte: vamos à esquerda ou vamos à direita?

A pergunta fundamental no enfrentamento desse tema é a seguinte:

Como se organizaram as forças políticas no interior da Assembleia Nacional Cons-

tituinte de 1987?

A vitória do PMDB, impulsionada pelo sucesso momentâneo do Plano Cruzado, foi retumbante.

122 emendas populares foram distribuídas, relatadas, discutidas e votadas no longo do processo de produção do texto final.

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capítulo 9 • 201

Nas eleições de 1986, o PMDB e o PFL, seu circunstancial escudeiro

da época, elegeram juntos mais que 75% do total de cargos de deputados

e senadores em disputa, garantindo a essa coalizão a maioria na Assem-

bleia Nacional Constituinte.

Em princípio, esse resultado parecia sinalizar uma Assembleia Na-

cional Constituinte de perfil mais conservador (e, por via de consequên-

cia, uma Constituição igualmente conservadora), dominada pela lógica

governista (lembrando-se que José Sarney, filiado ao PMDB, era o Presi-

dente da República no período).

O fato é que as posições partidárias oposicionistas — entre os quais

o PT, PDT, PC do B, PCB, para citar os mais significativos — não pare-

ciam ter condições de oferecer qualquer resistência às posições políti-

cas defendidas pelo “rolo compressor” PMDB/PFL.

Composição partidária do Congresso Brasileiro, de fev/1987 a set/1988

FEVEREIRO 1988 SETEMBRO 1988

Partidos Cadeiras Porcentagem Cadeiras PorcentagemMudanças de

partido*

PMDB 305 54,6 235 42,0 -70

PFL 134 24,0 125 22,4 -9

PDS 37 6,6 34 6,1 -3

PDT 26 4,7 28 5,0 +2

PTB 19 3,4 29 5,2 +10

PT 16 2,9 16 2,9 0

PL 7 1,3 7 1,3 0

PDC 6 1,1 13 2,3 +7

PC do B 3 0,5 5 0,9 +2

PCB 3 0,5 3 0,5 0

PSB 1 0,2 6 1,1 +5

PMB 1 0,2 1 0,2 0

PSC 1 0,2 0 0 -1

PSDB - - 48 8,6 +48

Outros - - 9 1,6 +9

Total 559 100,0 559 100,0 0

*Número de membros que saíram ou entraram no partido durante o Congresso

Constituinte. Fonte: KINZO, M.D.G.,1993.

Apesar da maioria conservadora, a Constituição foi marcada por uma

profunda polarização social; aquela energia e disposição acumuladas nas

CURIOSIDADE

Coalizão

É um tipo de acordo de cooperação (ver-

bal ou escrito) que, feito entre partidos,

tenta consolidar um objetivo em comum.

CONCEITO

Conservadora

Conservadorismo ou conservantismo

– É um termo usado para descrever

posições político-filosóficas, alinhadas

com o tradicionalismo e a transforma-

ção gradual, que, em geral, se contra-

põem a mudanças abruptas; ou seja,

uma posição conservadora defende a

manutenção da ordem social e política

estabelecida.

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202 • capítulo 9

jornadas pela redemocratização do país não esfriou e parece ter contami-

nado uma aguerrida e organizada bancada de esquerda (PT, PDT, PC do

B, PSB). A busca por maior força no embate político aproximou os consti-

tuintes de perfil de esquerda com os democratas de centro-esquerda, in-

cluindo neste rol vários parlamentares filiados ao próprio PMDB.

Aliás, essa vertente, considerada detentora de um perfil mais pro-

gressista e que se abrigava no PMDB histórico, ainda no decorrer da pró-

pria Constituinte, formou uma importante dissidência que deu origem

a um novo partido: o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira).

Entretanto, se a esquerda se articulou, também as forças conservado-

ras buscaram se agrupar para o embate político que se prenunciava como

incontornável. Esse grupo de características conservadoras se tornou co-

nhecido como “Centrão” e reunia linhas direitistas e centro-direitistas.

Não era difícil correlacionar suas posições àquelas defendidas pelo gover-

no José Sarney, já que era composto, em grande parte, por parlamentares

que tiveram uma ligação mais estreita com o regime político-militar.

Cabe ressaltar, no entanto, que, embora a maioria do PMDB não tenha

se alinhado às propostas do “Centrão”, mais de 40% do partido o fez,

o que representa um dado muito relevante, considerando a força do

partido e a quantidade de parlamentares que possuía.

Por isso, é possível vislumbrar uma rearticulação da antiga Arena em

torno do termo “Centrão”. Como grupo suprapartidário, sob o comando

de Roberto Cardoso Alves (famoso por definir uma forma de condução

política com a frase “fransciscana” — “é dando que se recebe”), fará o

contraponto às posições dos denominados grupos progressistas, com

propostas políticas de cunho conservador.

Nesse sentido, é possível concluir que a elaboração da Constituição

de 1988 foi caracterizada por um quadro de ampla e árdua negociação,

em que algumas das conquistas almejadas pelos grupos de orientação

de esquerda foram sempre muito temperadas (ou mesmo impedidas)

pela posição conservadora do “Centrão”.

Assim, reproduzindo essa disputa, a Comissão Arinos, responsável

pela elaboração do anteprojeto do texto constitucional, e considerada

ideologicamente eclética, recebeu críticas tanto dos setores mais pro-

gressistas da sociedade — afinados com o compromisso de uma Cons-

tituição renovadora —, mas também dos setores conservadores, que

criticaram o texto consolidado, entendendo que as inovações propostas

levariam o país a um perfil “esquerdista”.

RESUMO

De toda maneira, a verdade é que esse entrechoque das correntes representadas

na Comissão trouxe como resultado um texto que, sem abrir mão de ampliação das

CURIOSIDADE

PSDB

Entre os “rebeldes” do PMDB que deram

origem ao novo partido é possível citar no-

mes como os de Fernando Henrique Car-

doso, Afonso Arinos, Mário Covas, José

Richa, Franco Montoro, José Serra, Ge-

raldo Alckmin, Artur da Távola, Aécio Ne-

ves, Arthur Virgílio, Almir Gabriel, Teotônio

Vilela Filho, entre outros de destaque no

âmbito da política nacional do período e,

como veremos, também em momentos

posteriores.

CURIOSIDADE

Centrão

Em sua maioria, os parlamentares que

aderiram ao “Centrão” fizeram parte dos

quadros da antiga Arena, sendo forma-

do por uma frente parlamentar composta

principalmente pelos seguintes partidos:

PFL, PTB (ambos com quase 80% de

suas bancadas), PDS (quase 85% de sua

bancada), PL (com mais de 70% de sua

bancada), além de outros pequenos parti-

dos considerados de orientação direitista

ou de centro-direita.

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capítulo 9 • 203

liberdades públicas (tão vilipendiadas no período autoritário), avançou como nenhu-

ma outro em termos de conquistas sociais.

As críticas dos setores conservadores e a reação progressista

As possíveis repercussões econômicas e orçamentárias advindas das no-

vas conquistas sociais fizeram com que o Presidente da República, José

Sarney, viesse a desferir fortes críticas contra os trabalhos constituintes.

O Presidente alegava que o texto a ser consolidado poderia levar o país

à ingovernabilidade, principalmente pelos custos advindos dos novos

benefícios previstos.

ATENÇÃO

José Sarney, no Discurso à Nação em 26 de julho de 1988:

“Correspondo a minha obrigação de dizer ao povo, portanto, que nós não devemos

esperar que aconteça um sonho irrealizável. [...] Eu espero, portanto, que chegue-

mos a boas soluções. Vamos chegar a boas soluções. Confio no patriotismo dos

constituintes do Brasil. Para o bem do Brasil. E para o futuro de todos nós.”

As críticas foram, no entanto, imediatamente rebatidas pelo Pre-

sidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), Ulisses Guima-

rães, que, respondendo em emocionado discurso transmitido em

rede nacional, afirmou que, pelo contrário, a nova Constituição seria

a guardiã da governabilidade, pois as conquistas sociais por ela pro-

movidas ajudariam no combate à fome, à miséria, à ignorância e à

doença sem amparo.

ATENÇÃO

Ulysses Guimarães em resposta à fala de José Sarney, em Discurso de 27 de julho

de 1988:

“Esta Constituição que o povo brasileiro me autoriza a proclamá-la não ficará como bela

estátua inacabada, mutilada ou profanada. O povo nos mandou aqui para fazê-la, não

para ter medo. Viva a Constituição de 1988! Viva a vida que ela vai defender e semear!”

Embora a parte referente à Ordem Econômica tenha evidenciado

uma roupagem mais liberal, com o fortalecimento da empresa priva-

da, houve quem afirmasse que a Constituição emergente parecia en-

trar em conflito com os novos tempos que se aproximavam, ou seja, a

emergência neoliberal. Aliás, nesse sentido, a União Brasileira de Em-

CONCEITO

Neoliberal

O Neoliberalismo é, de forma sintética,

uma linha de pensamento econômico

que tem por pressupostos a desregula-

mentação da economia, a livre circula-

ção de capitais, as privatizações e a re-

dução de participação do Estado na vida

econômica (Estado Mínimo). É também

conhecido por Consenso de Washing-

ton. Por essa razão, a visão neoliberal

assume a defesa das posições capitalis-

tas, opondo-se às vertentes defensoras

de posições estatizantes e intervencio-

nistas, ideais normalmente vinculados

ao pensamento de esquerda.

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204 • capítulo 9

presários (UBES), a União Democrática Ruralista (UDR) e a Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (FIESP) atuaram de forma conjunta de maneira a reduzir as conquis-

tas trabalhistas e frear a discussão sobre a questão agrária.

CURIOSIDADE

Contexto histórico

Com o desmoronamento do império soviético e a previsível unificação da Alemanha (que ocorreria pouco mais de

um ano após a edição da Constituição com a simbólica “Queda do Muro de Berlim”), o predomínio da supremacia

liberal americana ecoa pelo mundo. Os ideais liberais parecem triunfar e as ideias de esquerda empalidecem,

perdendo parte da força ideológica de outrora. Nessa época, com um artigo publicado em fins de 1989 com o

título de "O fim da história" e, posteriormente, em 1992, com a obra "O fim da história e o último homem", o ame-

ricano Francis Fukuyama teorizou o fim da história, com a supremacia do capitalismo e a democracia burguesa,

com base em uma abordagem que passa por vários grandes filósofos, tais como Platão, Hegel, Kant e Nietzsche.

Com isso, de acordo com as circunstâncias internacionais, o conjunto de conces-

sões feitas aos trabalhadores fazia parecer

que a nova Constituição brasileira já entra-

ria em vigor fora de sintonia com os novos

tempos que emergiam, já que o mundo

tenderia a aderir a uma visão neoliberal.

No entanto, a verdade é que os intensos

embates ocorridos entre a ala progressista

e o “Centrão” não permitiram que a Consti-

tuição assumisse uma ideologia única (mais

socialista ou mesmo mais liberal).

ATENÇÃO

“Pela primeira vez na História do Brasil e talvez do mundo, se fez uma Constituição com a colaboração dire-

ta da cidadania [...]. O Congresso foi durante a Constituinte um grande ponto de encontro de empresários,

sindicalistas, representantes de igrejas, de nações indígenas, professores e estudantes. Foi uma amostra

de todo o Brasil que, tocado pela consciência de que era hora de mudar, veio e pressionou. Se mais não

fizemos, foi porque mais não pudemos” (Fernando Henrique Cardoso).

A Constituição de 1988, a conquista da “Constituição Cidadã”

A nova Carta foi denominada “Constituição Cidadã”, em razão de reafirmar os direitos cas-

sados pela ditadura no decorrer do regime militar. No entanto, a ampla participação dos seg-

mentos sociais certamente levou a outras inúmeras conquistas devidamente estabelecidas

no texto constitucional. Ironicamente, uma das maiores virtudes da nossa Constituição é por

Nesse sentido, os juristas costumam classificar a Constituição de 1988 como “Compromissória”, que seria aquela que busca uma conciliação de diferentes ideologias, buscando equilibrá-las.

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capítulo 9 • 205

muitos apontada como a razão de seu grande defeito: o texto (excessiva-

mente) prolixo, característico das chamadas “constituiçõesanalíticas”.

Na ânsia de garantir o máximo de direitos e garantias, nosso consti-

tuinte foi mais fundo do que provavelmente deveria, tratando os temas

de forma mais minuciosa do que se costuma fazer em uma Constitui-

ção, ou mesmo abordando matérias que não são consideradas típicas de

uma Constituição. Explicando melhor, a verdade é que a nossa Consti-

tuição cuidou de temas que, em geral, em outros países, são tratados

pelo legislador, por meio de leis “comuns”.

Nesse sentido, alguns acusam que houve pretensão a um dirigismo

constitucional, situação bastante criticada ainda nos dias atuais por

três motivos:

Tornou desnecessariamente mais complexo o trabalho dos repre-

sentantes políticos de alterar, por uma via mais simplificada, normas

que tradicionalmente exigem mudanças mais frequentes.

Reduziu o espaço de liberdade das gerações futuras (nossos filhos, ne-

tos, bisnetos), vinculando-o a escolhas políticas feitas por uma geração

ou, pelo menos, dificultando em grau elevado qualquer alteração de rumo.

Acabou por transferir grande poder de decisão ao Poder Judiciário (prin-

cipalmente, ao Supremo Tribunal Constitucional, o mais importante órgão

deste Poder), já que, praticamente, qualquer tema trazido à discussão, de

forma direta ou indireta, guarda relação com a Constituição.

Esse cenário tem algumas consequências óbvias: o excessivo número

de modificações que sofreu e continua sofrendo o texto original da

Constituição. Até meados do ano de 2014, aproximava-se de 80 o

número de Emendas Constitucionais ocorridas desde 1988. É, sem

dúvida, entre virtudes e vícios, o preço que se paga por se ter optado

por um texto tão abrangente e tão detalhista.

A velocidade com que se operam as mudanças (econômicas, sociais

e tecnológicas etc.) no mundo contemporâneo é muito alta e, por isso,

exige uma intervenção do Direito, que deve alterar sua forma de regu-

lação, de maneira a se adequar à nova re-

alidade ou às novas exigências do mundo.

Pelo contrário, o direito deve ser re-

sultado das escolhas do grupo social que

vive essa realidade.

As grandes alterações fáticas e mentais ocorridas na sociedade

brasileira desde a promulgação do texto, bem como alterações de po-

CONCEITO

Constituições analíticas

É, na visão dos constitucionalistas, a

Constituição que cuida de matérias que,

em princípio, poderiam ser abordadas

pela legislação ordinária. É também

denominada como prolixa, pois é muito

extensa, gerando maior necessidade de

modificações no decorrer do tempo, a

fim de atender às mudanças sociais.

CURIOSIDADE

Dirigismo constitucional

A Constituição é quem definiria as políti-

cas públicas e não os representantes do

povo, como deputados e senadores.

O direito não pode “escravizar a realidade”.

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206 • capítulo 9

líticas públicas ou econômicas (lembre-se: o constituinte de 1988 pre-

feriu dar a essas políticas status constitucional, ou seja, tratá-las na

própria Constituição e não nas leis comuns), exigiram uma interven-

ção do constituintederivado.

O Texto Magno e as novas conquistas

A Constituição de 1988 (incluídas as modificações estabelecidas até

os dias de hoje, por via de Emendas Constitucionais), representou, em

várias áreas, grande avanço em relação às Constituições anteriores. Re-

estabeleceu as liberdades públicas, ampliando-as em relação às Consti-

tuições anteriores, assim como avançou de forma bastante intensa nas

áreas sociais. Aliás, essa foi uma das críticas desferidas pelo então Presi-

dente José Sarney, já que os benefícios sociais implicam em ampliação

dos custos aos cofres públicos.

Entre outras conquistas introduzidas pela Constituição de 1988, é

possível destacar as seguintes:

Instituição do chamado Habeas Data, que é considerado um “remédio

constitucional” que permite o cidadão conhecer ou retificar informações

a seu respeito, constantes nos registros e bancos de dados de entida-

des governamentais ou de caráter público.

Criação do Sistema Único de Saúde (SUS), universalizando o serviço

de saúde no Brasil, política pública inédita na história do país pela sua

grande abrangência.

Reconhecimento da função social da propriedade, descaracterizan-

do a possibilidade de que a propriedade venha a ser considerada um

direito absoluto.

Garantia de aposentadoria para trabalhadores rurais sem necessaria-

mente precisarem ter contribuído com o INSS.

Instituição de eleições majoritárias em dois turnos, caso nenhum candi-

dato consiga atingir a maioria dos votos válidos.

Especial proteção ao meio ambiente sadio (hoje considerado um direito

fundamental) não apenas para as atuais gerações, mas para salvaguar-

dar os direitos das gerações futuras.

CURIOSIDADE

Constituinte derivado

Uma Constituição pode sofrer modifica-

ções, pois não é um texto imutável. Ela

deve sofrer as alterações exigidas pelas

circunstâncias. Chama-se, então, consti-

tuinte derivado o ator político que está au-

torizado a fazer tais modificações no texto

constitucional, nos limites que a próprias

regras constitucionais permitirem.

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capítulo 9 • 207

Garantia da demarcação de terras indígenas, em proteção às minorias.

Voto facultativo para cidadãos entre 16 e 18 anos incompletos e tam-

bém para os analfabetos, o que representou significativa expansão da

participação política e do exercício da cidadania.

Maior autonomia aos municípios, de forma a tornar possível mais con-

trole do cidadão em relação às decisões que lhe afetam (quanto mais

perto estiverem de nós aqueles que tomam as decisões, mais podemos

controlá-los).

Fim da censura às emissoras de rádio e TV, filmes, peças de teatro,

jornais e revistas etc.

Na área trabalhista, reconhecimento do direito à greve, liberdade sindi-

cal, diminuição da jornada de trabalho.

Abono de férias com acréscimo de 1/3 do valor do salário, décimo ter-

ceiro salário para aposentados, seguro desemprego.

Embora, como vimos, pairem algumas críticas à Constituição de

1988, a verdade é que ela é resultado de todos os embates históricos e

ideológicos vivenciados na época em que foi escrita.

Essa afirmação lembra-nos bem a lição de Miguel Reale que afirma

ser a norma o resultado da tensão evidente entre a realidade dos fatos que

ocorrem no seio de uma sociedade e os valores que esta mantém. Somos

uma sociedade plural, e nossa história nos conferiu certa “brasilidade”

que nos identifica como um povo cheio de características específicas.

Mesmo que tenha havido quem afirmasse que a Carta de 1988 se

tratava tão somente de um texto dotado de boas intenções (mas com

poucas possibilidades de concretização), a verdade é que seu valor

simbólico e a identificação dos cidadãos brasileiros com os seus ide-

ais conferiram a essa Constituição força normativa suficiente para

avançar o projeto (sem deixar de considerar todas as dificuldades

que um plano como este implica) de uma sociedade mais democráti-

ca, livre e igualitária. O projeto não era perfeito, mas era bom. Faltava

encontrar quem o bem executasse.

IDEIA

Como sugestão, assista aos filmes:

A dama de ferro. Direção: Phyllida Lloyd.

Produção: Pathé. Inglaterra/França,

2011. 105 min., son., col., 35mm.

Sinopse: Trata da vida de uma das prin-

cipais defensoras das políticas neolibe-

rais, Margareth Thatcher, com algumas

passagens que ajudam a compreender

quais os interesses de classe em jogo.

Adeus Lênin. Direção: Wolfgang Becker.

Produção: X-Filme Creative Pool. Alema-

nha, 2003. 121 min., son., P/B, 35mm.

Sinopse: Para entender um pouco o que

significou a reunificação alemã e a cha-

mada Queda do Muro de Berlim.

Constituinte 1987-1988. Direção: Cle-

onildo Cruz. Produção: Tempus Filmes.

Brasil, 2012. 52 min., son., col., S/I.

Sinopse: Constituinte 1987-1988” tem

revelações e relatos inéditos de como

tudo ocorreu. Entre as várias etapas,

o documentário registra episódios do

Governo Sarney e a relação com o

congresso, a elaboração do regimento

interno, a composição dos partidos po-

líticos, a virada regimental com a cria-

ção do centrão, reforma agraria e mo-

vimento sindical. Há também o registro

de quando o PT (Partido dos Trabalha-

dores) votou contra a redação final da

carta e a assinatura do documento, além

de votações e uma analise atual dos en-

trevistados sobre a Constituição.

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208 • capítulo 9

RESUMO

• O primeiro governo civil pós-período militar foi exercido por José Sarney, substituindo Tancredo Neves,

morto poucos dias após sua eleição indireta pelo Congresso Nacional, embora possamos considerar que

o grande apoio popular por ele obtido legitimasse sua escolha.

• Muitas ações ocorridas no período entre 1985 e 1989 deixam evidente que o processo de superação do

regime ditatorial e avanço da democracia realmente começam a ganhar densidade nesse período: expan-

são das liberdades públicas (expressão, imprensa, ir e vir), ampliação dos direitos de cidadania, assunção

de um regime pluripartidário, entre outros.

• No campo econômico, os inúmeros planos do Governo Sarney não foram capazes de fazer o país per-

correr a trilha da normalidade. Com isso, consequências diretas foram hiperinflação, frágil crescimento da

economia brasileira e alta taxa de crescimento da dívida externa.

• Em 1987, ocorreu o início ao processo de escrita da nova Constituição. A Constituinte encarregada de

produzir o novo texto teve grande participação popular, sendo que o pluralismo da sociedade brasileira se

fez refletir, principalmente na luta política travada entre a chamada ala progressista (esquerda, centro-es-

querda) e as denominadas forças conservadoras (direita e centro-direita).

• A Constituição acabou por explicitar o embate de forças entre as posições conservadoras do “Centrão”

e os avanços sociais propostos pela ala progressista da ANC (Assembleia Nacional Constituinte), sendo

nossa Constituição de 1988 considerada “compromissória” por não adotar uma única linha ideológica, mas,

pelo contrário, se caracterizar por alinhavar um grande acordo entre as posições de direita e de esquerda.

• A “Constituição Cidadã”, além de reforçar as garantias e direitos fundamentais relacionados às liberdades

públicas e aos direitos de cidadania, estabeleceu um grande rol de direitos sociais inéditos, bem como novos

direitos denominados “difusos” por pertencerem a toda sociedade, podendo ser exemplificados pelo direito a um

meio ambiente saudável, pelo direito do consumidor, pelo direito ao patrimônio histórico-cultural, entre outros.

• A Constituição recebeu a crítica de ser ampla, abordando muitas temáticas que, em geral, não são en-

frentadas pelo constituinte, mas sim pelo legislador. Isso acarretou certa “judicialização” das questões po-

líticas (fenômeno em atual expansão), pois assuntos comumente enfrentados na esfera do debate político

acabam sendo resolvidos pelo Supremo Tribunal Federal.

ATIVIDADE

Questão 1

Com a volta dos militares aos quartéis e iniciado o processo de redemocratização do Brasil, foi convocada

uma Assembleia Nacional Constituinte para produzir uma nova Constituição que pudesse espelhar esse

novo momento do país. Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada aquela que ficou conhecida por "Cons-

tituição Cidadã" e, em seu texto original, entre outras conquistas previu, como novidade:

a) Ampliação da cidadania com a extensão do direito de voto aos analfabetos e previsão de proteção ao

meio ambiente;

b) Ampliação da cidadania com a extensão do direito de voto aos maiores de 16 anos — voto facultativo;

maior centralização do exercício do poder pela União.

c) Reconhecimento da absolutividade do direito à propriedade; obrigação das empresas estrangeiras man-

terem no mínimo 2/3 de empregados brasileiros.

d) Voto universal obrigatório para maiores de 18 anos (exceto analfabetos, que permaneceram sem direito

a votar); o direito de o presidente baixar decretos com força de lei.

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capítulo 9 • 209

Questão 2

Fuvest 2012

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse nesta segunda-feira [30/5/2012] que o impea-

chment do ex-presidente Fernando Collor de Mello foi apenas um “acidente” na história do Brasil. Sarney

minimizou o episódio em que Collor, que atualmente é senador, teve seus direitos políticos cassados pelo

Congresso Nacional. “Eu não posso censurar os historiadores que foram encarregados de fazer a história.

Mas acho que, talvez, esse episódio seja apenas um acidente que não devia ter acontecido na história do

Brasil”, disse o presidente do Senado. (Correio Braziliense, 30/05/2011.)

Sobre o “episódio” mencionado na notícia acima, pode-se dizer acertadamente que foi um acontecimento:

a) De grande impacto na história recente do Brasil e teve efeitos negativos na trajetória política de Fernan-

do Collor, o que fez com que seus atuais aliados se empenhassem em desmerecer esse episódio, tentando

diminuir a importância que realmente teve.

b) Nebuloso e pouco estudado pelos historiadores, que, em sua maioria, trataram de censurá-lo, impedindo

uma justa e equilibrada compreensão dos fatos que o envolvem.

c) Acidental, na medida em que o impeachment de Fernando Collor foi considerado ilegal pelo Su-

premo Tribunal Federal, o que, aliás, possibilitou seu posterior retorno à cena política nacional, agora

como senador.

d) Menor na história política recente do Brasil, o que permitiu tomar a censura em torno dele, promovida

oficialmente pelo Senado Federal, como um episódio ainda menos significativo.

e) Indesejado pela imensa maioria dos brasileiros, o que provocou uma onda de comoção popular e permitiu

o retorno triunfal de Fernando Collor à cena política, sendo candidato conduzido por mais duas vezes ao

segundo turno das eleições presidenciais.

Questão 3

Leia o texto a seguir.

O ano de 1985 é particularmente confuso; a herança da ditadura cobrará rapidamente a fatura, inflação

alta, descontentamento com a mudança superficial. A morte de Tancredo acaba por dificultar a transição da

Ditadura para Democracia, os genuínos partidos de esquerda, em particular o ainda pequeno PT, Partido dos

Trabalhadores, conseguem significativos resultados nas eleições municipais de prefeitos das capitais.

A resposta vem com a emenda Constitucional nº 26, de 17 de novembro de 1985, que convoca a Assem-

bleia Constituinte a se reunir em fevereiro de 1987, com os deputados e senadores eleitos em novembro

de 1986, somados aos senadores de 1982. Obviamente esta emenda é uma decepção, pois havia um mo-

vimento, no seio da sociedade civil organizada, que exigia uma Constituinte exclusiva e não um congresso

com dupla função. (Extraído de http://arnobiorocha.com.br/2013/05/03/uma-breve-historia-do-proces-

so-constituinte-de-1987/ em 08/05/2014)

Sobre a constituinte de 1987 é possível afirmar:

I) Representou o desejo das classes dominantes de abandonar o poder e abrir espaço político para os

grupos de esquerda e seus respectivos projetos.

II) A ideia de uma Constituinte exclusiva não foi adiante em razão de um consenso absoluto em torno da

ideia de que ter um grupo exclusivo para elaborar a Constituição e outro para formar o Poder Legislativo

poderia significar altos custos aos cofres públicos.

III) Os embates ideológicos havidos entre progressistas e Centrão estabeleceram uma Constituição em

que não se permite extrair uma posição política exclusivamente de direita ou de esquerda.

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210 • capítulo 9

Está(ão) correta(s) as seguintes assertivas:

a) Somente I

b) Somente II

c) Somente III

d) As assertivas II e III

Questão 4

A Era Sarney foi um período interessante da história brasileira, pois mesmo que as políticas econômicas

tenham fracassado reiteradamente, a verdade é que a “sede” de democracia pôde ser sentida no processo

de elaboração da nova Carta. Sobre esse período, marque a resposta adequada:

a) O texto da Constituição de 1988 foi uma vitória do grupo político liderado por José Sarney, pois o Cen-

trão conseguiu afastar as conquistas sociais almejadas pelos grupos progressistas.

b) A Constituição Federal foi elaborada sem grandes embates, pois o povo sabia o que queria e não houve

problemas para, facilmente, se chegar a um consenso.

c) Embora tenha sido criticada por abordar assuntos que não deveria, a Constituição de 1988 representa

uma conquista democrática e aponta para um avanço nas liberdades públicas.

d) Embora a Constituição de 1988 tenha avançado no âmbito das liberdades, não houve avanço nas

áreas sociais.

GABARITO

Questão 1 – A

Questão 2 – A

Questão 3 – C Justificativa: A assertiva I está errada, pois as classes dominantes não possuíam qualquer

intenção de abandonar o poder, mas sim de ali se manter sob outra roupagem. A assertiva II, como o pró-

prio texto aponta, demonstra que havia um grupo que desejava a “constituinte exclusiva”. No que se refere

à assertiva III, a mesma está correta e isso é o que faz de nossa Constituição uma Constituição “compro-

missória”, ou seja, assume compromissos com as duas linhas ideológicas.

Questão 4 – C

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capítulo 9 • 211

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A caminho do futuro: o Estado Democrático de Direito

marcelo machado costa lima

110

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214 • capítulo 10

Precisão de análise

Você já constatou que quando queremos observar uma bela paisagem,

ou mesmo capturar aquela bela visão por meio de uma fotografia, bus-

camos os melhores ângulos e distância a fim de que possamos usufruir

e apreciar melhor a sua beleza? Se nos situamos muito distantes, perde-

mos a precisão (ou até mesmo a visão da paisagem buscada); mas se nos

situamos muito próximos, perdemos a noção de totalidade e os detalhes

que estão no entorno da paisagem e que limitam nosso senso estético.

De qualquer forma, intuitivamente percebemos que a distância e o

ângulo corretos parecem ser aqueles que nos oferecem a oportunidade

de ver de forma mais clara, em maiores detalhes, sem, contudo, perder a

precisão do que tem de ser visto.

Também assim é na história. A proximidade do tempo analisado

faz com que se vá perdendo a precisão de análise. Envolvemo-nos com

nossos próprios sentimentos, e analisamos os fatos e personagens his-

tóricos por uma lente contaminada (ou mais contaminada) pelos “pré-

conceitos” de quem está direta ou indiretamente envolvido com estes.

Estamos começando a analisar um tempo histórico muito próximo

a todos nós. Veremos que boa parte dos personagens que iremos tratar

são personalidades que, no dia a dia, encontramos nos noticiários tele-

visivos, nos jornais, nas revistas, nos rádios, nos blogs etc. Por isso, aos

poucos, estamos abandonando o ofício de historiadores e assumindo

o papel de jornalistas, a fim de dar conta da história do nosso próprio

tempo, com todos os riscos que isso implica.

As eleições de 1989 e o Governo Collor

Após a promulgação da Constituição Cidadã, mais um passo se daria

para a consolidação do regime democrático no Brasil. Após 29 anos sem

direito a escolher seu presidente pela via do voto direto (a última vez te-

ria sido em 1960, com a eleição de Jânio Quadros), o povo brasileiro re-

tornaria às urnas em novembro de 1989, a fim de escolher o Presidente

da República, que dirigiria o país no quinquênio 1990-1995.

Cabe lembrar que a Constituição de 1988, ao tratar do sistema polí-

tico-partidário, reforçou as linhas do pluripartidarismo, uma das pre-

missas fundamentais de um Estado Democrático de Direito. Em um

ambiente de certa euforia democrática, candidataram-se 22 candidatos,

representando as mais variadas correntes ideológicas e vertentes políticas.

10 A caminho do futuro: o Estado Democrático de Direito

CONCEITO

Pluripartidarismo

Sistema pluripartidário, também conhe-

cido como pluripartidarismo ou sistema

multipartidário, é um sistema político no

qual três ou mais partidos políticos es-

tão aptos a disputar o poder, podendo

assumir o controle de um governo de

maneira independente ou em uma coali-

zão. Vale lembrar que no decorrer do re-

gime militar adotou-se o bipartidarismo.

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capítulo 10 • 215

A polarização de forças políticas e a solução conservadora

Os setores conservadores, enfraquecidos pelos sucessivos insucessos da

política econômica do Governo Sarney, não conseguiam encontrar um

nome capaz de gerar a confiança necessária para garantir a vitória no plei-

to e dar continuidade aos seus projetos. Por outro lado, dois partidos mais

identificados com ideais de esquerda viriam a lançar duas influentes figu-

ras políticas que poderiam vir a polarizar a disputa daquela eleição.

De um lado, LuísInácioLuladaSilva, representando o Partido dos

Trabalhadores (PT), detentor de uma base política assentada entre os

trabalhadores e as principais lideranças sindicais do país; de outro lado,

LeonelBrizola, filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), que se

apoiava em sua capacidade retórica, externando um discurso em defesa

de alguns princípios em muitos pontos próximos ao varguismo.

Os setores mais conservadores, temendo uma vitória de algum can-

didato de esquerda e sem conseguir que os tradicionais nomes da po-

lítica se sobressaíssem no cenário eleitoral, após terem tentado lançar

a candidatura do empresário das telecomunicações Sílvio Santos, logo

impugnada pelo Superior Tribunal Eleitoral, passam a apoiar um jovem

e desconhecido político alagoano (menos de 40 anos) de boa aparência,

com um discurso carismático, chamado Fernando Collor de Mello.

“Caçador de Marajás”

Atraindo apoio de diferentes setores da sociedade, o então governador

do estado de Alagoas, Fernando Collor, prometia modernizar a econo-

mia promovendo políticas de cunho neoliberal e a abertura da partici-

pação estrangeira na economia nacional. Ao mesmo tempo, em bem

articulada campanha de marketing, autoproclamava-se o “Caçador de

Marajás”, atacando os altos salários pagos a uma pequena elite de fun-

cionários públicos de Alagoas. Para obter maior adesão da direita e do

empresariado, passou a alertar contra o perigo para o país de uma possí-

vel vitória dos candidatos de esquerda.

CURIOSIDADE

Sarney

O político e escritor brasileiro José Sar-

ney (1930) foi o 31º presidente do Brasil

(1985-1990). Foi também governador

do Maranhão (1966-1971) e senador

pelo mesmo estado (1971-1985). De-

pois de deixar a presidência, foi nova-

mente senador, em 1991, tendo presidi-

do a câmara alta brasileira por três vezes.

CURIOSIDADE

Luís Inácio Lula da Silva

Lula (1945), como é mais conhecido, é

um político, ex-sindicalista e ex-metalúr-

gico brasileiro. Foi o 35º presidente da

República Federativa do Brasil, cargo

que exerceu de 2003 a 2011.

CURIOSIDADE

Leonel Brizola

Brizola (1922-2004) foi lançado na vida

pública por Getúlio Vargas, sendo o úni-

co político eleito pelo povo para governar

dois Estados diferentes (Rio Grande do

Sul e Rio de Janeiro) em toda a história

do Brasil. Exerceu também a presidência

de honra da Internacional Socialista. Sua

influência política no Brasil durou aproxi-

madamente cinquenta anos, inclusive en-

quanto exilado pelo Golpe de 1964, con-

tra o qual foi um dos líderes da resistência.

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216 • capítulo 10

A disputa

No primeiro turno, a disputa entre vários nomes de grande prestígio divi-

diram os votos, de forma que a apuração das urnas deixou a decisão para

um segundo pleito a ser disputado entre FernandoCollor (que vence com

certa folga) e Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, que superara Leonel Brizola

do PDT por uma pequena margem percentual (menos de 1%).

Lembremos que essa foi uma conquista da Constituição de 1988. Se

o candidato não atinge 50% dos votos válidos, contabilizados os votos de

todos os candidatos que disputam, haverá um segundo turno de vota-

ções com a disputa concentrada somente entre o primeiro e o segundo

lugar, evitando que haja um candidato eleito sem a maioria dos votos

(Collor, por exemplo, encontrara adesão de somente 28,5% dos eleitores

no primeiro turno).

O apoio dos terceiros e quarto colocados (Leonel Brizola e Mário Covas

que juntos receberam quase 19 milhões de votos) a Lula fazia antever um

segundo turno muito equilibrado. E assim foi. Na última pesquisa, quase

todos os institutos apontavam empate técnico, sendo que, embora Collor

possuísse pequena vantagem, constatava-se crescente e rápida ascensão

na votação do petista. Porém, no último debate, sentindo-se pressionado

pela possível virada por parte de Lula, Collor de Mello foi mais agressivo e

parece ter revertido a tendência de alta da campanha lulista.

Esse episódio ficou famoso por levantar uma discussão relevante nos

dias de hoje que é aquela que trata sobre o poder de manipulação da mí-

dia em processos eleitorais. Na oportunidade, a Rede Globo foi acusada

pelo PT de ter veiculado em seu telejornal de maior audiência uma edi-

ção do debate em que supostamente teria favorecido o candidato do PRN

(partido sem qualquer expressão no contexto político brasileiro), não ape-

nas no que se referia a escolha dos momentos específicos do debate, mas

também no que diz respeito ao tempo de aparição de cada candidato.

O fato é que mesmo tendo um uma militância atuante e entusias-

mada durante seus comícios e campanha, as ideias de esquerda ainda

assustavam não somente as elites, mas também boa parte de uma clas-

se média e uma classe proletária mais conservadoras. Por outro lado,

o discurso simultaneamente “modernizante” e “moralista” de Collor,

embora contraditório, obteve adesões em todas as classes sociais. Ao fi-

nal, Collor soube utilizar-se com eficiência do significativo espaço a ele

concedido pelas grandes mídias e venceu as eleições com uma diferença

de mais de quatro milhões de votos, atingindo 53% dos votos válidos.

Enfim, o povo escolhia o seu presidente.

A breve “República das Alagoas”

Dá-se início, então, a breve Era Collor (ou “República das Alagoas”, ex-

CURIOSIDADE

Fernando Collor de Mello

Fernando Affonso Collor de Mello

(1949) é um político, jornalista, econo-

mista, empresário e escritor brasilei-

ro. Foi prefeito de Maceió de 1979 a

1982, governador de Alagoas de 1987

a 1989, deputado federal de 1982

a 1986, 32º presidente do Brasil, de

1990 a 1992, e senador por Alagoas

de 2007 até a atualidade.

IMAGEM

“Caçador de Marajás”

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capítulo 10 • 217

pressão utilizada pela mídia para se referir ao Governo Collor). Ao tomar posse no dia 15 de

março de 1990, o Presidente Collor anuncia o seu pacote de modernização administrativa e

revitalização da economia por meio do Plano Collor, que previa, entre outras coisas:

Plano Collor

Retorno do Cruzeiro como moeda em substituição ao Cruzado, em clara tentativa de desvincu-

lar-se aos insucessos da área econômica na Era Sarney;

Congelamento de preços e salários (medida que a história já demonstrara ineficiente, mas que

novamente é experimentada);

Afastamentos e demissões de funcionários públicos, bem como extinção de órgãos públicos,

de maneira a adequar-se a uma das principais regras da bíblia neoliberal da época, ou seja,

reduzir o tamanho do Estado;

Bloqueio de contas correntes e poupanças dos cidadãos e empresas, pelo prazo de 18 meses.

Bloqueio de contas correntes e poupanças

Essa medida, entendida na época como verdadeiro “confisco”, conseguiu assustar tanto

as elites, que lhe haviam dado tanto apoio, como também as classes menos afortunadas.

Começava aí um martírio para Collor. Seu principal objetivo era, tal como nos governos

anteriores, conter a inflação e diminuir as despesas públicas. Porém, essas medidas não

apenas não obtiveram êxito ― produzindo recessão, quebra de empresas e desemprego ―

como, por via de consequência, geraram grande desconfiança e insatisfação na população,

independentemente da classe social.

Na verdade, o governo Collor tentou trilhar uma tendência neoliberal, dando gênese ao

processo de privatização de empresas estatais. Concomitantemente, buscou a redução das

tarifas alfandegárias, de forma a facilitar as importações. Se por um lado essa ação incentivou

a grande indústria nacional a produzir com maior eficiência e a menores custos, procurando

tornar seu produto mais competitivo interna e externamente, por outro lado, gerou uma onda

de falências nas empresas de pequeno e médio porte que não tinham como, rapidamente, se

adequar à nova política econômica e, portanto, competir com os produtos importados.

Após seis meses do lançamento do Plano Collor, o seu insucesso fez nascer o Plano

Collor II. Sem grandes novidades, destacou-se à medida que previa mais cortes no orça-

mento, visando à diminuição ainda maior de despesas. O fracasso dessas medidas leva à

troca de Ministro da área econômica, sem que a mesma surtisse qualquer resultado.

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218 • capítulo 10

A crise econômica e moral do Governo Collor

Para tornar ainda mais crítica a situação do governo, a essa altura come-

çam a surgir denúncias de corrupção na administração do presidente,

estando envolvidas pessoas da sua convivência íntima, como amigos e fa-

miliares. Enquanto o ex-tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias

(mais conhecido como PC Farias), era acusado de tráfico de influência, la-

vagem e desvio de dinheiro, também a primeira-dama se via envolvida em

denúncias de desvio de verba na LBA (Legião Brasileira de Assistência).

O maior impacto adveio da revelação do irmão do presidente, Pedro

Collor, que em entrevista à revista Veja, denuncia os esquemas de cor-

rupção que envolviam o próprio Presidente Fernando Collor. A popula-

ção, já profundamente insatisfeita com a crise econômica e social ge-

rada pelas infrutíferas políticas econômicas do governo, que, inclusive,

lhe havia imposto uma série de sacrifícios desde o início do mandato,

revolta-se contra Collor e seu Governo. Estabelece-se grave a crise na

“República das Alagoas”.

É instalada, então, uma CPI para investigar a participação de Collor no

esquema chefiado por PC Farias. Percebendo-se cercado por tais circuns-

tâncias negativas, Collor tenta salvar seu mandato, pedindo, em discurso

em rede nacional, que os brasileiros fossem às ruas vestidos de verde e ama-

relo em gesto de apoio ao seu governo. A juventude, em significativa parti-

cipação cidadã, atende a apenas parte do pedido: vai às ruas, porém vestida

de preto, com o rosto pintado, e exigindo o impeachment do presidente.

Esse movimento foi muito festejado pelo seu caráter simbólico. Após

tantos anos de ditadura, em que sempre houve repressão à liberdade de

expressão política aos jovens, era a primeira vez que estes promoviam

um movimento político tão engajado, demonstrando que as novas ge-

rações não estavam alienadas da realidade política. Pelo contrário, exi-

giam uma mudança na postura ética de seus governantes. O movimento

se espalha e diversas manifestações ocorrem em todo o país. Prenuncia-

se o fim da Era Collor.

A partir de então, a derrocada é rápida. A Câmara dos Deputados vota

a favor da abertura do processo de impeachment de Collor (441 votos a

favor e 33 contra), autorizando abertura de processo de impeachment no

Senado e, no início de outubro de 1992, o Presidente Collor é afastado até que

o próprio Senado conclua o processo. O vice-presidente ItamarFranco assu-

me provisoriamente o governo e de lá só sairá em 1995 para entregá-lo a seu

sucessor, FernandoHenriqueCardoso.

Entretanto, antes de tratarmos do período Itamar, finalizemos a his-

tória do Presidente Collor. No final de dezembro, dá-se o julgamento no

Senado e, mesmo que Collor tenha renunciado por meio de uma carta,

de forma a tentar evitar o impeachment, o processo teve seguimento e,

CONCEITO

CPI

Você já ouviu falar muito das famosas

CPIs (Comissão Parlamentar de Inqué-

rito), não? Trata-se de uma investigação

conduzida pelo próprio Poder Legislati-

vo, quando este passa a apurar determi-

nados fatos supostamente irregulares.

CURIOSIDADE

Itamar Franco

Itamar Franco (1930-2011) foi um políti-

co brasileiro, 33º presidente da República

(1992-1994), vice-presidente (1990-

1992), senador por Minas Gerais (1975-

1983; 1983-1990 e 2011) e governador

do estado de Minas Gerais (1999-2003).

CURIOSIDADE

Fernando Henrique Cardoso

Fernando Henrique Cardoso (1931) é

um sociólogo, cientista político, filósofo,

professor universitário, escritor e políti-

co brasileiro. Professor emérito da Uni-

versidade de São Paulo (USP), lecionou

também no exterior, notadamente na

Universidade de Paris. Foi funcionário

da Comissão Econômica para a América

Latina e o Caribe (CEPAL), membro do

Centro Brasileiro de Análise e Planeja-

mento (CEBRAP), senador da República

(1983 a 1992), ministro das Relações

Exteriores (1992), ministro da Fazen-

da (1993 e 1994) e o 1º presidente do

Brasil a ser eleito para 2 mandatos con-

secutivos (de 1995 a 1998 e de 1999

a 2002). É comumente chamado pelo

acrônimo de seu nome completo FHC.

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capítulo 10 • 219

antes do término do ano, por 76 votos a favor e 3 contra, Fernando Collor

é condenado à perda do mandato tornando-se inelegível por oito anos.

O que poderia representar mais um caso triste na história do país acaba

por revelar pontos bastante positivos. Pela primeira vez em nossa história,

utilizavam-se as vias institucionais (e não as odiosas e reiteradas medidas

golpistas) para afastar um Chefe de Estado (Presidente da República) de

suas funções. As vias seguidas foram aquelas estabelecidas pelas vias insti-

tucionais, sem a utilização de normas absolutamente estranhas ao ordena-

mento jurídico vigente (como os famigerados “atos institucionais”).

O impeachment do presidente Collor seguira todos os trâmites pre-

vistos pela Constituição, o que reforçava a ideia de que a democracia

brasileira passava com louvor por mais um teste e, aos poucos, ia se con-

solidando e se aperfeiçoando em um quadro verdadeiramente típico de

um Estado Democrático de Direito.

Itamar Franco e o governo de transição

Estamos agora em fins de 1992 e início de 1993, quando Itamar Franco,

vice-presidente no governo Collor, assume de forma definitiva a Presi-

dência da República em substituição ao ex-presidente Collor. Itamar era

um político pouco conhecido em âmbito nacional, mas possuidor, se-

gundo aqueles que com ele conviviam, de algumas características que

neste momento a nação precisaria para fazer o contraponto ao período

político um pouco antes vivenciado: honestidade e simplicidade.

Sem base partidária que pudesse encontrar apoio — embora esti-

vesse filiado ao PMDB desde 1992, quando se desvinculara do PRN de

Collor —, não mantinha com nenhuma agremiação forte vínculo, o que

fez com que levasse para o seu governo muitos conterrâneos de Minas

Gerais. Surge a “República do Pão de Queijo” que substituía, então, a

malsucedida “República das Alagoas”.

Em um primeiro momento, Itamar se notabilizou pela inconstância

de seu temperamento e pela facilidade com que demitia seus ministros

(em dois anos e três meses de governo foram nomeados 61 ministros).

Essa primeira fase do seu governo parecia prenunciar mais um fracas-

so naquele que parecia ser a grande obsessão de qualquer governo que

viesse a administrar o Brasil: o combate à inflação.

Entretanto, em uma segunda fase, duas são as realizações que pa-

recem ganhar maior destaque: os projetos de combate à fome, que co-

meçam a ser levados a sério sob a coordenação do sociólogo Betinho e,

principalmente, a implementação do Plano Real. Este último não ape-

nas estabeleceu a marca de seu governo, mas seus frutos irão beneficiar

em alta escala também Fernando Henrique Cardoso, seu sucessor na

presidência, que, na condição de seu Ministro da Fazenda (foi o quarto

a ocupar a cadeira na breve Era Itamar), foi corresponsável pela implan-

CONCEITO

Impeachment

Impeachment ou impugnação de man-

dato é um termo do inglês que denomi-

na o processo de cassação de mandato

do chefe do poder executivo pelo con-

gresso nacional, pelas assembleias es-

taduais ou pelas câmaras municipais. A

denúncia válida pode ser por crime co-

mum, crime de responsabilidade, abuso

de poder, desrespeito às normas consti-

tucionais ou violação de direitos pétreos

previstos na Constituição. Em vários pa-

íses da Europa, usa-se o termo moção

de censura, pois a origem da moção é

de iniciativa do parlamento, acrescido

do termo político “perda de confiança”,

quando então o parlamento nacional

não confia mais no presidente e respec-

tivo primeiro-ministro, obrigando-o a re-

nunciar junto com todo o seu gabinete.

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220 • capítulo 10

tação e implementação do Plano. Falemos um pouco sobre esse impor-

tante programa de estabilização, o único que obteve sucesso depois de

tantas tentativas malfadadas.

O Plano Real e a estabilização econômica

Itamar Franco, no exercício rotineiro de substituir ministros, deslocou

Fernando Henrique Cardoso do Ministério das Relações Internacionais

para o Ministério da Fazenda, incumbindo-lhe a tarefa de originar um

novo plano de estabilização econômica. Ironicamente, essa escolha é

por muitos considerada o maior acerto de seu mandato.

A finalidade era a de sempre: dar fim à elevada inflaçãobrasileira,

situação que já perdurava por aproximadamente três décadas. Como

observamos até aqui, os pacotes econômicos anteriores tinham em co-

mum, além de medidas como congelamento de preços, o fracasso.

O plano previa a implantação por etapas, sendo que, entre outras

medidas, foram colocadas em prática as seguintes:

Corte de gastos públicos;

Recuperação da receita com combate à evasão fiscal;

Austeridade no relacionamento com estados e municípios, forçando que

esses equilibrassem seus gastos com cortes nos seus orçamentos, de

forma a seguir os moldes do que estava sendo tentado na esfera federal;

Ajustes no sistema bancário estatal;

Privatizações, principalmente de empresas dos setores siderúrgicos, pe-

troquímico e de fertilizantes.

Privatização

As medidas de privatização parecem fazer com que o Governo Itamar

(inicialmente de tendência nacionalista) retome a uma tendência ne-

oliberal iniciada no Governo Collor, e que será um dos pilares da Era

Fernando Henrique: a paulatina privatização das empresas públicas,

consideradas ineficientes.

CURIOSIDADE

Inflação brasileira

1.142.332.741.811.850% foi a infla-

ção acumulada de julho de 1965 a ju-

nho de 1994.

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capítulo 10 • 221

Dizia-se estarem tais empresas submetidas aos interesses corporati-

vos e políticos e, principalmente, de estarem elas vinculadas a um mo-

delo supostamente esgotado, vigente desde a década de 1930, em que o

Estado interviria e atuaria excessivamente nas atividades econômicas.

O Real

Ultrapassada algumas etapas técnicas foi implantada a nova moeda: o

Real. O plano foi um sucesso, dominando a hiperinflação, estabilizan-

do a economia, gerando alto grau de aprovação do Governo Itamar e,

principalmente, concedendo a Fernando Henrique Cardoso (FHC) um

prestígio que o levará à eleição para o cargo de presidente da República

em 1994 e à reeleição em 1998.

ATENÇÃO

Não podemos esquecer que em cumprimento a uma determinação da própria Constitui-

ção, em abril de 1993, foi realizado um plebiscito para a escolha da forma de governo

(República ou Monarquia) e do sistema de governo (Parlamentarismo ou Presidencia-

lismo) no Brasil.

Mesmo tendo havido um grande percentual de ausência, 66% dos eleitores que

estiveram presentes votaram a favor da forma republicana contra 10% favoráveis

à monarquia, sendo que os demais votaram em branco ou nulo. O sistema de go-

verno presidencialista foi o preferido de 55% dos votos, ao passo que o sistema

parlamentarista (preferido por uma representativa ala de políticos) obteve somente

25% dos votos, razão pela qual foi mantido o regime republicano presidencialista.

A Era FHC: o primeiro mandato

Nas eleições de 1994, graças ao sucesso do Plano Real e, ao permanente

medo que as elites nutriam por uma possível eleição do ex-sindicalista

Luís Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso vence, ainda no

primeiro turno (com 54,28 % dos votos), a eleição para assumir o mais

alto cargo do Estado.

Embora Lula tenha apontado irregularidades na eleição, alegan-

do uso da máquina pública (pecado que seus adversários também,

e com maior veemência, o acusarão nas eleições de 2006 e 2010),

a verdade é que a quantidade dos votos, inclusive aquela advinda

das classes mais letradas, não colocava em dúvida a legitimidade do

processo eleitoral.

CONCEITO

Evasão fiscal

Uso de meios ilícitos para evitar o paga-

mento de taxas, impostos e outros tributos.

CONCEITO

Plebiscito

Consulta realizada ao povo antes de uma

lei ser promulgada, de maneira a aprovar

ou rejeitar as opções que estão sendo por

ela propostas.

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222 • capítulo 10

1º mandato: estabilização política e econômica e os ventos neoliberais

Do ponto de vista político, o nome de Fernando Henrique representava uma garantia que o

processo de democratização teria seguimento. Sua biografia indicava um presidente culto,

competente e digno, de tendência socialdemocrata. Aliás, nem mesmo os adversários polí-

ticos duvidariam de suas convicções democráticas.

Entretanto, sob a perspectiva política, não se pode deixar de apontar uma mácula ine-

quívoca no Governo Fernando Henrique: a aprovação de Emenda Constitucional que al-

terava a Constituição para permitir reeleição para os cargos de Chefe do Poder Executivo

(presidente, governador e prefeito).

Os mandatos previstos pela Carta de 1988 eram de cinco anos sem possibilidade de re-

eleição no período subsequente, sendo que a proposta de alteração era no sentido de que

o mandato passasse a ser de 4 anos, porém com a possibilidade de se exercer um outro

mandato subsequente ao primeiro.

A proposta foi considerada uma manobra e, para alguns, um verdadeiro “golpe branco”,

já que a alteração possibilitava ao próprio Fernando Henrique se beneficiar da mesma. Po-

sições mais ponderadas consideravam que, embora a proposta fosse plausível, não poderia

beneficiar o exercente de mandato de Poder Executivo vigente naquele momento. O que se

discutiu mais propriamente naquele momento era menos o aspecto técnico/político (pos-

sibilidade ou não de reeleição), mas, sim, o aspecto ético.

De toda sorte, a proposta de alteração foi aprovada (não sem alguns escândalos sobre

compra de votos) por uma margem pequena de votos, em abril de 1997, permitindo que o

presidente viesse a concorrer à reeleição no ano seguinte. Se é possível afirmar que, sob o

ponto de vista ético, a biografia de FHC saía enfraquecida com esse episódio, o relativo suces-

so da política econômica implementada no primeiro mandato (impulsionado pelo bem-su-

cedido Plano Real) acabou por garantir o segundo mandato, ainda no primeiro turno.

Contudo, deve-se ressaltar que mesmo esse primeiro mandato não passou incólume a

críticas no campo econômico. A acusação da oposição de que os tucanos (o PSDB adota o

tucano como símbolo do partido) teriam optado por uma perspectiva neoliberal prejudi-

cial aos interesses nacionais foi uma constante, principalmente em razão da política de

privatização de empresas públicas (sobretudo nas áreas de telecomunicações, distribuição

de energia elétrica, mineração e financeira).

Todavia, enquanto a estabilidade econômica esteve presente o Governo FHC pôde man-

ter alto seu índice de aprovação junto à população e ao empresariado e, com isso, tranquili-

dade para desenvolver seus projetos. Os problemas começam a surgir mais fortemente no

segundo mandato, quando as eleições já haviam ocorrido.

O segundo mandato FHC: o fim da lua de mel

Os problemas, no entanto, começam a aparecer. Um dos grandes problemas da política eco-

nômica adotada pelo Brasil era a necessidade que se tinha de atrair dólares, a fim de que o

Governo pudesse usá-los para pagamento de compromissos internacionais assumidos (ou

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capítulo 10 • 223

seja, pagamento de dívidas). O investidor sempre procura segurança e

qualquer crise faz com que o capital vá procurar os lugares mais seguros.

No decorrer do segundo mandato, o Brasil teve de conviver com vá-

rias crisesinternacionais, ocasionando momentos de grande instabili-

dade e sucessivas fugas de capital do país (em direção a países com a

economia mais saudável), obrigando a que tivéssemos de recorrer a em-

préstimos externos.

Essas providências levaram o país a adotar medidas drásticas, redu-

zindo gastos públicos, diminuindo investimentos, elevando as nossas já

altíssimas taxas de juros, desvalorizando a moeda, entre outras. O certo

é que essas medidas acabaram por desestimular o consumo interno e,

consequentemente, elevaram o desemprego. Na verdade, todos esses

fatores se inter-relacionam, caracterizando verdadeiro círculo vicioso.

Alguns pontos positivos

De toda maneira, são pontos apontados como positivos do Período FHC

não apenas a continuidade do Plano Real e a manutenção do controle

sobre a inflação, mas também a criação de alguns programas sociais

como o vale-gás e o bolsa-alimentação (posteriormente assimilados

pelo Bolsa família, já na Era Lula) e a Lei de Responsabilidade Fiscal,

que estabeleceu normas de controle de gastos para a União, estados,

municípios e Distrito Federal.

Embora ainda gere muita polêmica, a tão criticada reestruturação do

sistema financeiro brasileiro pela via de um programa conhecido como

PROER (que muito dinheiro custou aos cofres públicos), mais recente-

mente, no decorrer da crise econômico/financeira mundial de 2008, ob-

teve seu reconhecimento até mesmo por opositores de FHC.

No entanto, essas conquistas não se apresentaram como suficientes

para superar a baixa aprovação observada no fim de seu mandato. A baixa

popularidade do Governo FHC contribuiu para que a oposição, mais espe-

cificamente o PT, chegasse ao poder pela via eleitoral, dando a oportuni-

dade para que, mais uma vez, se desse a alternância no exercício do poder.

Lula lá: enfim o metalúrgico chega ao poder

Depois de três derrotas consecutivas, na sua quarta tentativa, o candi-

dato de oposição por excelência do período pós-ditadura chega à pre-

sidência: é o começo da Era Lula. Na eleição de 2002: Luís Inácio Lula

da Silva, pelo PT; José Serra, pelo PSDB; Anthony Garotinho, pelo PSB;

e Ciro Gomes, pelo PPS.

EXEMPLO

Crises internacionais

Apenas para citar algumas das mais

relevantes: a crise asiática em 1997-

1998; a crise russa em 1998-1999;

em 2001, a crise argentina; e os aten-

tados terroristas nos EUA, em 11 de

setembro de 2001.

REFLEXÃO

Para tornar ainda mais crítica a situação,

no ano de 2001, dá-se a ocorrência do

chamado “apagão”, ou seja, uma crise

nacional que afetou o fornecimento e

a distribuição de energia elétrica, atin-

gindo não só a população (que teve de

reduzir o consumo de energia, sob pena

de pagar uma sobretaxa pelo excesso

consumido), mas principalmente a in-

dústria, abalando ainda mais a comba-

lida economia brasileira.

Esses problemas de “apagões” nos leva

a uma reflexão: quando não se enfren-

ta de forma conveniente a negligência

com a ausência de infraestrutura no

país cria-se sempre uma ameaça.

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224 • capítulo 10

Os últimos momentos de campanha foram tensos; menos pela

campanha em si, e mais pela expectativa que uma possível vitória de

Lula gerava junto aos investidores internacionais. O passado ligado

às ideias de esquerda fez com que o chamado “Risco Brasil” dispa-

rasse, e com ele, o já mencionado círculo vicioso mais uma vez se

apresenta: fuga de dólares do país, elevação das taxas de juros e au-

mento da inflação.

De toda forma, nada disso abalou a intenção do povo de conceder uma

oportunidade ao PT de Lula. Diferentemente das duas últimas eleições

anteriores, resolvidas ainda no primeiro turno, desta vez nenhum dos

candidatos atingiu os 50% dos votos válidos, embora Lula tivesse chegado

perto de vencer ainda no primeiro turno. Lula (46,4%) e Serra (23,2%) dis-

putaram o segundo turno e Lula vence com indiscutíveis 61,3% do total

de votos válidos. Inicia-se a Era Lula.

Ganhando a confiança dos investidores internacionais

Ao assumir a presidência, Lula parece ter como desafio maior (antes

mesmo de enfrentar as promessas de campanha: entre elas, o combate

à fome) ganhar a confiança dos investidores internacionais, de forma a

estancar a fuga de dólares do país e conseguir que o Brasil se torne um

lugar atraente para o capital internacional.

Aos poucos, essa situação vai sendo revertida, principalmente quan-

do esses investidores percebem que o discurso esquerdista de outrora

foi cedendo espaço para uma visão política mais pragmática. Aliás, essa

situação já vinha sendo evidenciada quando, no decorrer da Campanha,

em 2002, na denominada Carta ao Povo Brasileiro, Lula já enfatizara

que, além da necessidade de priorizar a questão social, a retomada do

crescimento econômico seria sua prioridade.

A visão do Presidente Lula em 2003, diferentemente daquela do ex-

sindicalista, tinha um caráter mais reformista do que propriamente

revolucionária, e isso agradou também aos setores empresariais. Nes-

sa linha, Lula dá continuidade a diversas políticas econômicas imple-

mentadas por FHC, inclusive indicando um nome (Henrique Meirel-

les) ligado ao PSDB para presidir o Banco Central, o que é aceito pelos

investidores internacionais como um sinal de que não intencionava

uma ruptura com o sistema.

É bem verdade que essa posição gerou, dentro do PT, insatisfação

por parte de alguns elementos ligados a posições mais à esquerda do

que o governo pretendia estar. Petistas históricos afastam-se do gover-

no que, cada vez mais, assume a posição de mediador entre os interes-

ses antagônicos dos diversos setores da nossa sociedade, procurando

CONCEITO

“Risco Brasil”

Indicador que procura estabelecer o grau

de instabilidade econômica do Brasil,

medindo o grau de “perigo” que ele re-

presenta para o investidor estrangeiro.

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capítulo 10 • 225

representar não apenas os anseios dos trabalhadores e das classes mais baixas, mas, con-

tra todas as expectativas, também os interesses dos setores empresariais brasileiros.

Os programas sociais

As políticas sociais se manifestaram de forma contundente e ganharam grande espaço com

a implantação de diversos programas sociais: Bolsa Família, à frente, mas também Fome

Zero e Primeiro Emprego com grande destaque, entre outros.

Essas ações ganham grande visibilidade concedendo imensa popularidade ao presi-

dente e ao PT (cujo crescimento nas eleições municipais de 2004 é significativo).

No entanto, por outro lado, o Bolsa Família gera fortes críticas por parte da oposição,

pois representaria, segundo ela, o maior programa oficial de compra de votos do mundo. O

fato é que, independentemente da polêmica despertada em relação às repercussões eleito-

rais, alguns órgãos internacionais consideraram o Bolsa Família um dos principais progra-

mas de combate à pobreza do mundo.

“Esquema do mensalão”

Em 2005, porém, em meio ao sucesso econômico e à alta popularidade, surge uma série

de escândalos políticos que colocam em risco a estabilidade governamental. É o famoso

“esquema do mensalão”, que tantas repercussões irá causar e que envolve a compra de vo-

tos de deputados no Congresso Nacional. Na verdade, existiria uma imensa estrutura de

corrupção que garantiria o pagamento a deputados e senadores para que estes votassem a

favor das propostas do governo.

Esse escândalo não somente colocou em questão antigas bandeiras da ética e da mo-

ralidade na política, defendidas de forma tão veemente pelo PT no passado, como ampliou,

ainda mais, a desconfiança que o povo depositava na classe política. Para uma democracia re-

presentativa que almeja se consolidar e

ser forte, nada pode ser mais ameaçador

do que a descrença do povo em seus re-

presentantes.

Entretanto, apesar da crise política

e do estrago (não apenas político, mas

também ético) causado pelo escândalo,

a verdade é que os ótimos resultados

alcançados na economia e as bem geridas políticas assistencialistas garantiram a Lula o

sucesso nas urnas e, consequentemente, mais um mandato presidencial. Entre a ética e

a segurança econômica, o povo, embora decepcionado, preferiu não optar por mudanças,

elegendo Lula para o período 2006-2010.

Para uma democracia representativa que almeja se consolidar e ser forte, nada pode ser mais ameaçador do que a descrença do povo em seus representantes.

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226 • capítulo 10

COMENTÁRIO

Lembram-se do início deste capítulo, quando afirmamos que quando se observa de muito perto se perde a

necessária noção do todo? Pois é. Preferimos parar por aqui. Ir adiante no tempo seria arriscar-se mais do

que a cautela aconselha. Lembram-se do que dissemos acerca da análise de fatos históricos próximos ao

nosso tempo? Aqui nos encontramos em uma fronteira perigosa.

Todavia, antes de finalizarmos este capítulo, façamos uma breve e sintética análise no processo de trans-

formação por que passou a produção jurídica no pós-1988.

O direito brasileiro na contemporaneidade: breves notas

O direito brasileiro vem sofrendo muitas mudanças depois da Constituição de 1988. Nem

poderia ser diferente: uma coisa é um regime democrático, de respeito às liberdades, outra

coisa é um direito interpretado para servir a um regime autoritário. Por isso, a Constituição

de 1988 não foi importante somente pelas regras que estão no seu texto. Ela também es-

palha seus valores democráticos, libertários e cidadãos (por intermédio de princípios) por

todas as demais normas do sistema jurídico.

REFLEXÃO

Pense em uma lâmpada amarela acesa projetando sua luz sobre alguns objetos. Ela fará com que todos os

objetos por ela iluminados pareçam amarelados. Agora, troquemos a lâmpada por uma azul, por exemplo. É

evidente que todos os objetos parecerão azulados. Se trocamos por uma lâmpada verde os objetos parecerão

esverdeados e assim por diante.

Também assim é com a nossa Constituição. Ela tem sua própria “personalidade” e faz com que todas as

normas do sistema sejam influenciadas pela sua forma de ser. Se ela busca ser democrática, liberal e com

preocupações sociais, obrigatoriamente o sistema deverá seguir essa direção.

Nem sempre foi assim. Antigamente a Constituição apenas organizava o Estado e esta-

belecia direitos subjetivos (fundamentais). Esse fenômeno é decorrência direta de uma te-

oria que vem sendo cada vez mais reconhecida no Brasil e que se chama “constitucionaliza-

ção do direito”. Ela afirma que todas as normas do sistema jurídico devem ser produzidas

e/ou interpretadas de acordo com a Constituição. Aliás, para ser mais preciso, de acordo

com a Constituição vigente e, no nosso caso, a Constituição de 1988.

PERGUNTA

É possível que você pergunte: mas e o Código Penal de 1940, que ainda está vigente, e foi produzido na

época da Constituição de 1937? Ele deve ser interpretado pela “luz” de qual Constituição? Essas não são

perguntas difíceis de responder: devem ser interpretadas pela “luz” da nova Constituição, a de 1988.

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capítulo 10 • 227

ATENÇÃO

A Constituição de 1988 é que está no comando; é ela quem determina quais os valo-

res que devem predominar em qualquer norma que esteja sendo usada pelos nossos

juízes quando buscam solucionar os casos que lhes são apresentados.

Por isso, não interessa qual a data em que a lei veio ao mundo; embora ela traga ca-

racterísticas do tempo em que foi produzida, se suas normas são reconhecidas como

normas ainda válidas (e você já aprendeu esse conceito), devem brilhar com a cor

(valores) que nossa Constituição der a elas e, portanto, deverá espelhar a imagem

democrática e politicamente liberal da Constituição de 1988.

Sistema jurídico

Não é só o texto constitucional que define se um sistema jurídico é de-

mocrático. Pelo contrário, a leitura deste texto depende muito da reali-

dade fática e dos valores de um tempo histórico específico.

Como já dito algumas vezes também, mesmo que mantenhamos

algumas características (permanências) que construímos no decorrer

da nossa história (isso nos confere uma identidade), a verdade é que o

mundo vem mudando bastante nos últimos tempos.

REFLEXÃO

Depois de termos estudado que o direito brasileiro se apresentou como fruto da histó-

ria de cada tempo, mas também (e simultaneamente) como motor para novas mudan-

ças no âmbito social, devemos lançar um olhar crítico para o tempo em que vivemos

e admitir que para nós, brasileiros, essa é uma época de amplo reconhecimento de

liberdades civis e políticas, de democracia, de pluralismo, de reconhecimento dos di-

reitos de minorias (etnia, religião e língua) e também do que vem sendo denominado

de grupos vulneráveis (gênero, idade, condição social, deficiência, orientação social).

Todas essas visões são amparadas pelos valores que nossa Constitui-

ção emana e, consequentemente, nada mais natural que o sistema jurí-

dico acompanhe essas conquistas. Ora, em um mundo no qual as mu-

danças são cada vez mais velozes, uma das funções do direito moderno

é auxiliar para que essas (mudanças) sigam a direção estabelecida por

alguns dos valores maiores expressos pela Constituição, tais como liber-

dade, igualdade e solidariedade.

COMENTÁRIO

Valores

Nesse sentido, devemos lembrar as lições

de Miguel Reale quando afirma que o di-

reito é tridimensional (fato, valor e norma).

Lembra? Vimos isso no capítulo 9.

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228 • capítulo 10

EXEMPLO

Apenas para efeitos exemplificativos, apresentaremos algumas leis que foram introduzidas em nosso sistema

após a Constituição de 1988 e que bem traduzem essa necessidade de superar permanências históricas in-

compatíveis com o século XXI, bem como criar legislações que nos conectem com esses novos tempos que

surgem. O interessante é observar que são legislações que há bem pouco tempo ou não seriam possíveis, ou

não fariam o menor sentido.

Lei de Biossegurança

Trata a produção e comercialização de organismos geneticamente modificados e a pesquisa com células-tron-

co, dois assuntos polêmicos e que são consequência das novas discussões sobre bioética.

Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)

Cria mecanismos para coibir a discriminação e a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Como se

sabe, a perspectiva machista sempre esteve presente em nossa formação social.

Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012)

Entre outras iniciativas por parte de alguns estados da Federação, obriga universidades, institutos e centros

federais a reservarem para candidatos cotistas metade das vagas oferecidas anualmente em seus processos

seletivos. Vale lembrar que as cotas são um instrumento de ação afirmativa que tenta corrigir a desigualdade de

oportunidades que observamos terem sido estabelecidas no decorrer de nossa formação histórica, concedendo

maiores oportunidades às populações negra, indígena e pobre.

O Estatuto da Criança e do Adolescente ou ECA (Lei nº 8.069/1990)

Visa a adequar a legislação aos princípios da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,

reforçando alguns preceitos determinados pela Constituição de 1988. Na verdade, o ECA, ao estabelecer a pro-

teção integral das crianças e dos adolescentes como prioridade na formulação de políticas públicas, acaba por

reafirmar o dever do Estado, da família e da sociedade em garantir o direito das crianças e dos adolescentes à

liberdade, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à

profissionalização e à proteção do trabalho, protegendo-os contra qualquer forma de exploração, discriminação,

violência e opressão.

Estatuto dos Idosos (Lei nº 10.241/2003)

O objetivo principal é o de assegurar os direitos sociais do idoso, para assim promover sua autonomia,

integração e participação efetiva na sociedade.

Lei Caó (Lei nº 7.716/1989)

Seu objetivo é proteger a igualdade racial e a tolerância religiosa. É considerada o embrião da legislação

que combate os crimes de racismo.

Código de Defesa ao Consumidor ou CDC (Lei nº 8.078/1990)

Lei bastante abrangente que trata das relações de consumo em todas as esferas: civil (definindo as res-

ponsabilidades e os mecanismos para a reparação de danos causados); administrativa (definindo os me-

canismos para o poder público atuar nas relações de consumo); e penal (estabelecendo novos tipos de

crimes e as punições para os mesmos).

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capítulo 10 • 229

Lei da Assistência Social (Lei nº 8.742/1993)

Estabelece os direitos do cidadão a “mínimos sociais” que devem ser providos pelo Esta-

do, por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, de

forma a garantir o atendimento às necessidades básicas.

Legislação ambiental

Trata-se de um complexo normativo dos mais avançados (ao menos, em termos legisla-

tivos) do mundo. Seguem os parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal, sendo

abordada não só por lei federal, mas também por normatizações estaduais e municipais.

Leis de proteção aos deficientes

Principalmente com base no que estabelece a Constituição Federal de 1988, foi sendo

estabelecida ampla rede de normas que visam garantir às pessoas com deficiência o

acesso aos mesmos bens e serviços disponíveis para os demais cidadãos.

Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002)

Representa uma resposta às intensas evoluções das relações sociais ocorridas não

só no Brasil, mas no mundo no decorrer do século XX, em áreas como família, pro-

priedade, personalidade etc.

Legislação de direitos sociais

Complexo normativo muito amplo (com normatizações bem avançada em determinadas

áreas) que estabelecem os marcos para usufruto de direitos como educação, serviço de

saúde, moradia, alimentação, lazer, trabalho, previdência social, entre outros.

Lei da Ficha Limpa

A pressão popular fez nascer o Projeto de Lei de IniciativaPopular, que conseguiu

reunir cerca de 1,3 milhão de assinaturas (aproximadamente 1% do total do eleitorado na-

cional), estabelecendo critérios rígidos e impeditivos a candidatos condenado por órgãos

colegiados do Poder Judiciário, que pretendiam exercer cargos eletivos.

Lei do Marco Regulatório da Internet (Lei nº 12965/2014)

Determina direitos e deveres para os usuários de internet e estabelece

normas para provedores e empresas de tecnologia. Surgiu em resposta

às necessidades dos novos tempos.

COMENTÁRIO

Entre idas e vindas democráticas, esperamos que tenha sido possível observar a ênfase

que se tentou dar ao fato de que um país verdadeiramente democrático só pode ser

construído quando cidadãos autônomos e conscientes lutam por seus direitos de

participação na formação da vontade do Estado.

Diferentemente do que já foi dito por influente historiador, a História não acabou e somos

CONCEITO

Iniciativa Popular

Trata-se de um projeto de lei proposto

pelo povo, conforme as regras estabele-

cidas pela Constituição Federal de 1988.

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230 • capítulo 10

nós os protagonistas do presente e do futuro, buscando concretizar um ideal coletivo, do

qual, admitimos, ainda estamos distantes: a construção de um país livre, igual e ético.

Se a História nos mostra ser uma tarefa áspera superar algumas permanências indese-

jáveis, ela própria tem nos mostrado ser perfeitamente possível superar outras tantas,

sem que isso signifique abrir mão da nossa identidade brasileira, construída em séculos

de vivência histórica.

RESUMO

Veja agora um resumo do capítulo.

O nome de Fernando Collor de Mello foi o escolhido pelas vertentes conservadoras

para representar essa visão nas primeiras eleições presidenciais após o Golpe Militar.

Os casos de corrupção e uma política econômica contestada, que não agrada nem

as elites, nem as classes populares, acabam por levá-lo ao impeachment.

De toda forma, a utilização do instituto do impeachment, regulado pela própria

Constituição, reforça a ideia de que o país, cada vez mais, vê fortalecidas suas

instituições democráticas.

O Governo Itamar Franco (1993-1994) é marcado por dar início à execução do Pla-

no Real, programa que derrotou a inflação no Brasil, depois de tantas malsucedidas

tentativas em governos anteriores.

O sucesso do plano faz com que Fernando Henrique Cardoso, Ministro da Fazenda

na época e que liderou o processo de implantação do referido plano, vença as elei-

ções de 1994 e reeleja-se em 1998.

Após algum sucesso obtido na política econômica, várias crises internas e externas

levam o Brasil a enfrentar turbulentas crises na área econômica, desgastando o

governo e sua política neoliberal.

Com isso, o apoio popular conquistado com o sucesso do Plano Real vai, pouco a

pouco, se esvaindo. De toda maneira, as instituições democráticas e as liberdades

públicas continuaram fortalecendo-se no período.

Inicia-se a Era Lula que, após a desconfiança inicial do empresariado nacional e dos

investidores internacionais com o passado esquerdista, consegue fazer o país alcan-

çar certa estabilidade econômica.

A capacidade de mediar os interesses antagônicos dos diversos setores da nossa

sociedade, além de fazer reviver a ideia do Brasil como país do futuro levam Lula à

reeleição para um novo mandato (2007-2010), mesmo que os escândalos do men-

salão tenham abalado a figura histórica do ex-sindicalista e mais ainda a reputação

de partido ético construída pelo PT, no decorrer da sua história.

A Constituição vai ganhando novas atribuições: não apenas organiza o Estado

e estabelece garantias fundamentais aos cidadãos brasileiros, mas passa a ser

considerada amplificador de valores que irradiam os valores constitucionais por

toda a ordem jurídica.

A esse fenômeno, denominado “constitucionalização do direito”, deve-se o fato de

que as normas da legislação anterior à Constituição passem, cada vez mais, a ser

IDEIA

Resumo

No YouTube você encontra o vídeo “Histó-

ria do Brasil por Bóris Fausto – Redemo-

cratização”. Trata-se de uma ótima revisão

do que vimos até aqui. Por isso, não deixe

de assisti-lo.

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capítulo 10 • 231

interpretadas segundo sua visão, seus valores (principalmente, liberdade, igualdade e solidariedade) e seu

regime (democrático).

Novas e avançadas legislações são produzidas de forma a concretizar, ainda mais, a democracia brasileira, a

cidadania plena e os direitos de liberdade e igualdade exigíveis a um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

ATIVIDADE

Questão 1:

(FGV 2012 — Adaptada) Em julho de 2011, faleceu o ex-presidente Itamar Franco. A respeito da

sua chegada ao poder e do seu governo, é correto afirmar:

a) Venceu Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno das eleições disputadas em 1994, graças ao sucesso

do Plano Real, implementado no governo de Fernando Henrique Cardoso.

b) Venceu Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 1989 e organizou um governo de coalizão nacional, do

qual participaram todos os demais partidos políticos brasileiros, inclusive o PT.

c) Assumiu a presidência após o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello e, com

seu ministro Fernando Henrique Cardoso, implementou o Plano Real.

d) Foi eleito em janeiro de 1985, em eleição direta pelo colégio eleitoral, e organizou um governo de refor-

mas políticas e econômicas que permitiram sua reeleição em 1994.

e) Foi eleito em 1994 devido ao sucesso do Plano Real implementado no governo do presidente Fernando

Henrique Cardoso, do qual participou como ministro da Fazenda.

Questão 2:

Analise as assertivas abaixo que tratam do período pós-ditadura:

I — O Governo Sarney, embora autoritário (resíduo do regime militar) obteve sucesso na área econômica

graças aos cidadãos brasileiros que se incumbiram de ser “fiscais” da política econômica no período Sarney.

II — A Constituinte brasileira foi palco de intensas disputas ideológicas entre grupos denominados “pro-

gressistas” e o “Centrão”, grupo de tendência conservadora, sendo que a Constituição de 1988 acabou por

retratar esse equilíbrio de forças.

III — O Governo Fernando Henrique Cardoso encontrou no processo de privatização de empresas públicas

uma orientação na condução da política econômica de seu governo, considerado por muitos como neoliberal.

IV — O “Mensalão” foi um acontecimento secundário da política nacional e deve ser analisado como um

fato natural, próprio das disputas democráticas.

Representam ideias CORRETAS as seguintes afirmativas:

a) I e II

b) II e III

c) III e IV

d) I e IV

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232 • capítulo 10

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