como narrar uma história: da imaginação à escrita: todos os passos para transformar uma ideia

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Silvia Adela Kohan COMO NARRAR UMA HISTÓRIA Da imaginação à escrita: todos os passos para transformar uma ideia num romance ou num conto A NARRAÇÃO LITERÁRIA AS FONTES PRODUTIVAS O ESTILO PESSOAL O PROCESSO DO RELATO ESCRITO TRABALHAR A IDEIA MODOS DE PLANEJAR UM RELATO O CICLO NARRATIVO POR QUE AS CENAS? ETAPAS DA CONSTRUÇÃO COMO COMEÇA A HISTÓRIA ESCRITA COMO TRABALHAR A TRAMA FORMAS DE NARRAR O RESUMO A AÇÃO O QUE FAZ O NARRADOR SABER DESCREVER CENÁRIOS E ATORES AS TÉCNICAS E O RITMO DIÁLOGO MONÓLOGO AS FUNÇÕES DO TEMPO E DO ESPAÇO ARTIFÍCIOS LITERÁRIOS GUIAS DO ESCRITOR

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Page 1: Como narrar  uma história: Da imaginação à escrita:  todos os passos para transformar  uma ideia

Silvia Adela Kohan

Como narrar uma históriaDa imaginação à escrita: todos os passos para transformar uma ideia num romance ou num conto

A nArrAção literáriA As fontes produtivAs o estilo pessoAl o processo do relAto escrito trAbAlhAr A ideiA Modos de plAnejAr uM relAto o ciclo nArrAtivo por que As cenAs? etApAs dA construção coMo coMeçA A históriA escritA coMo trAbAlhAr A trAMA forMAs de nArrAr o resuMo A Ação o que fAz o nArrAdor sAber descrever cenários e Atores As técnicAs e o ritMo diálogo Monólogo As funções do teMpo e do espAço Artifícios literários

Com

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Contar histórias é próprio do homem. Entretanto, transformar ideias em uma narrativa requer técnica apurada. Em Como narrar uma história a autora explica, passo a passo, como você pode construir um argumento e dar-lhe a devida forma literária por meio de um sentimento, uma sensação, uma imagem ou uma memória.

Com abordagem prática, este volume trata de questões como:

• o trabalho Com as iDEias

• os passos para a Construção Da história

• a Criação DE uma atmosfEra

• as formas narrativas

Todos nós sentimos neces-sidade de contar histórias de vida a alguém, do que nos acontece e o que acontece com os outros. E uma das formas mais comuns de se contar essas histórias é criando narrativas por meio da escrita. No entanto, as hesita-ções e as dúvidas são muito co-muns na hora de escrever, por não conseguirmos nos expressar de forma a contar o fato ocorrido de maneira fidedigna no papel ou em uma mensagem digital.

Essa dificuldade de transfor-mar uma ideia ou um sentimento inicial – uma sensação, uma ima-gem, uma lembrança – em uma história real, um conto ou um ro-mance é corriqueira quando não dominamos e/ou não conhecemos os segredos da narração literária. E é exatamente com a proposta de suprir esse problema que esta obra foi produzida.

A autora oferece aqui di-cas necessárias para a pro-dução de uma boa narrativa e para o domínio da prática. Com o conhecimento e os segredos apresentados, Silvia Adela Ko-han passa ao leitor a sensação de que, depois desta leitura, a escrita narrativa flui com natu-ralidade. Mas, para encontrar a harmonia do seu texto, fazer com que as palavras digam o que você quer que elas digam e conquistar essa naturalidade na escrita, é preciso, acima de tudo, muito planejamento.

a coleção Guias do Escritor oferece manuais práticos destinados a ajudar todos aqueles que desejam dominar a arte da escrita. Com de diversos exemplos e orientações fundamentais, cada volume aborda um tema crucial da criação literária. trata-se, portanto, de uma coleção imprescindível para jovens escritores, redatores, editores, professores e estudantes em geral.

www.editoragutenberg.com.br0800 2831322

SilviA AdelA KohAn é filóloga e autora de numerosos livros sobre técnicas literárias, entre os quais podemos citar Teoria e a prática de uma oficina de escrita (1980), Como escrever um romance (1998), O segredo da criatividade (2003) e Oficina de escrita (2004). Criou em 1975 a Grafein Oficina de Escrita e fundou a revista Es-crita e Edição, da qual é diretora. Silvia também é autora do livro Como escrever diálogos – A arte de desenvolver o diálogo no ro-mance e no conto, que faz parte desta coleção.

outroS títuloS dA coleção

Como escrever diálogosSilvia Adela Kohan Como escrever textos técnicos e profissionaisFelipe Dintel

Guias Do EsCritor

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Silvia Adela Kohan

Como narrar uma históriaDa imaginação à escrita: todos os passos para transformar uma ideia num romance ou num conto

Guias do Escritor

Tradução: Gabriel Perissé

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Copyright desta tradução © 2011 Autêntica Editora/Gutenberg

TíTulo oriGinAlCómo narrar una historia

TrAduçãoGabriel Perissé

rEvisão TéCniCA Cristina Antunes

projETo GráfiCo dE CApA E mioloPatrícia De Michelis

EdiTorAção ElETrôniCAPatrícia De Michelis

rEvisãoAna Carolina Lins

EdiTorA rEsponsávEl Rejane Dias

AutênticA EditorA LtdA./gutEnbErg

rua Aimorés, 981, 8º andar . funcionários30140-071 . Belo Horizonte . mGTel: (55 31) 3222 68 19 Televendas: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.br

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

revisado conforme o novo Acordo ortográfico.

dados internacionais de catalogação na Publicação (ciP) (câmara brasileira do Livro, SP, brasil)

índices para catálogo sistemático: 1. Arte de escrever : Técnica de redação 808

Kohan, silvia AdelaComo narrar uma história : da imaginação à escrita : todos os passos para

transformar uma ideia num romance ou conto / silvia Adela Kohan ; tradução Gabriel perissé. – Belo Horizonte : Gutenberg Editora, 2011. – (Guias do Escritor ; 3)

Título original: Cómo narrar una historiaBibliografia.isBn 978-85-89239-85-1

1. Arte de escrever i. Título. ii. série.

10-07524 Cdd-808

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sumário 1. O atO de cOntar ..............................................................................7

Entreaideiaeaescrita........................................................................................8 Anarraçãoliterária.................................................................................................8 Oestilopessoal...........................................................................................................9 Oprocessodorelatoescrito....................................................................... 10 Osmomentospreliminares......................................................................... 12 Asfontesprodutivas.......................................................................................... 14 Trabalharaideia.................................................................................................... 19 Adificuldademaiscomum......................................................................... 21 Pararedelinear....................................................................................................... 22

2. MOdOs de planejar uM relatO .........................................23 Ociclonarrativo.................................................................................................... 24 Umroteiroútil........................................................................................................ 26 Etapasdaconstrução........................................................................................ 27 Apresentação,nódanarrativaedesenlace................................... 28 Fazerumesquemadefunções................................................................. 29 Elaborareplanejar.............................................................................................. 30 Porqueumdesenvolvimento,enãooutro.................................. 31 Comocomeçaahistóriaescrita.............................................................. 31 Quandoahistóriaseconclui..................................................................... 33

3. cOMO trabalhar a traMa ....................................................35 Formasdenarrar.................................................................................................. 36 Porqueascenas?................................................................................................... 37 Oresumo...................................................................................................................... 38 Aação.............................................................................................................................. 38 Orecursoàsunidades...................................................................................... 39 Desanuviaroclima............................................................................................. 39 Umaproposta........................................................................................................... 41 Diferentestratamentosnarrativosnamesmahistória...... 42 Omesmoargumentotratadodediferentesmodos............. 44

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4. saber descrever cenáriOs e atOres ............................47 Descreve-separacontar................................................................................. 48 Criarumaatmosfera......................................................................................... 50 Astécnicaseoritmo......................................................................................... 51 Torne-seumgrandeobservador............................................................ 53

5. a vOz que narra ..........................................................................55 Oquefazonarrador......................................................................................... 56 Onarradorprotagonista................................................................................ 56 Onarradortestemunha.................................................................................. 59 Onarradoronisciente...................................................................................... 60 Duasmodalidadesopostasdenarrador......................................... 62 Diálogo........................................................................................................................... 62 Monólogo..................................................................................................................... 64

6. O persOnageM é seu aliadO ...............................................67 Suacriação.................................................................................................................. 69

7. as funções dO teMpO e dO espaçO .................................73 Artifíciosliterários.............................................................................................. 74 Principaisobjetivos............................................................................................ 75

8. cOnclusãO ........................................................................................79

nOtas...........................................................................................................83

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1.

o atode contar

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Contar histórias é um ato essencialmente humano. Sentimosnecessidadedecontaroquenosaconteceeoqueacontececomosoutros,tendocomopanodefundoabuscadosentidodavida.Umaformadecontarhistóriasécriarnarrativaspormeiodaescrita.

Noentanto,ashesitaçõessãomuitocomunsnahoradeescrever.Nãosabemoscomocolocarnossasideiasnopapel.Comotransfor-marumaideiaemnarrativaescrita?Oquetemosdefazerparaqueumaideiaouumsentimentoinicial—umasensação,umaimagem,umalembrança—setransformemnumahistória?Comofazerdissotudoumcontoouumromance?

Essasquestõesserãoabordadasnestelivro.

entre a ideia e a escrita

Aonarrarumahistória,partimosdeexperiênciaspessoaisoure-contamoshistóriasqueoutrosviveram.Estasexperiênciassãoreto-madaspeloescritordemodoparcialoutotal,demodoconscienteouinconsciente.Oescritorrecriaarealidadecaóticadavida,amplian-do,reduzindo, inventandooquefornecessárioparaconstruirummundonovoecoerente,comoqualoleitorpossasedeleitar,desdequeahistória(tenhaelaocorridoounão)sejaconvincente.

Masseráopontodepartidadaescritaumaideia—paraalgunssetratadeumarevelação,paraoutros,aideiaéinvasãoaserrecha-çada—,ouprimeiropartimosdeummotivo,umapalavra,umaimagem,esódepoiscomeçamosaentreverseudesenvolvimento?

Asduascoisaspodemacontecer.OescritorespanholJavierMaríasestánogrupodaquelesqueprimeiroprecisamescreverparadepara-remmaistardecomaideiaqueosmotivou.Dizele:

SomentequandotermineideescrevermeuromanceCoração tão brancopercebiquetratavadosegredoedesuapossívelconveniên-cia,dapersuasão,dainstigação,docasamento,aresponsabilidadedesabermosoqueaconteceaonossoredor,daimpossibilidadedesabereadeignorar,adesconfiança,ofalareocalar.*

a narraçãO literária

Uma narração literária é a construção de uma história fictícia(contoouromance)queobedeceaumasériedeconvençõesficcio-nais,elaboradasdetalmodoqueoleitorasintacomoumahistória

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crível,chegandoaesquecer-sedeque,narealidade,estádianteape-nasdepalavrasepersonagensdepapel.

Para elaborar uma narrativa há numerosos pontos de partida eformasdedesenvolvimento.Podemospartirdeumaideiasimplesoucomplexa,esboçadaoucompleta,realouimaginária;talvezdeumarealidadequejávivemos,dealgocomquesofremosoudealgototal-menteinventado,outambémdeumacombinaçãodeelementos,naqualhaverápartesdeumahistóriapessoaledecoisasqueoutraspes-soasviveram;tudoissoenfocadosobaperspectivaquepreferirmos.

Umahistóriapodeserdeflagradade inúmeras formas.Há for-masmelhores,outrasnemtanto,mas,emtodososcasos,umaboahistóriaescritasugerealgoquesuperaoutranscendeoexplícitoouoevidente.

Sevocê,porexemplo,pretendecontarasvicissitudesamorosasdeumcasaldepoisdeteracompanhadoporcertotempoosaltosebaixosdeumrelacionamentoentreduaspessoasdoseucírculodeamizades,eficoumarcadoporcertosaspectosdoquepresenciou,deveráagoraencontrarumsignificadouniversalquepermeietalexperiência,umaintenção,conectadaàideiainicial,quedêsustentaçãoaorelato.Paraisso,umbommétodoéperguntarasimesmosobreessesaspectosqueoimpressionaram,entenderporqueomarcaram,perguntarsobreainquietaçãoqueprovocameomotivamaescreverumanarrativalite-rária;perguntar,enfim,seessaspreocupaçõesqueoassaltampodem,defato,reportaraogênerohumano(essefatoruniversaléindispensá-vel)ouseestãoligadasaumacontecimentoirrelevante(fatoranedóti-co,individual,prescindível).

Ouseja,umanarraçãoliterárianãoéacópiadeumahistóriareal.Precisatranscendê-la.Porissosuaordemcronológicaédiferentedareal,adequando-seaosobjetivosdoescritor.

O estilO pessOal

Dopontodevistaliterárionãoexisteideiaruimouboa.Suaefi-cáciadependerádecomoserátransformadaemrelato,dependendodaformalinguísticaquedermosaosnossospensamentos.Éassimquenasceoestilopessoal.Quantomaisbemdefinidooestilo,commaiornitidezaideiaserápercebida.EscritorescomoFranzKafka,WilliamFaulknereJorgeLuisBorgescriaramestilostãopeculiareseexclusivosqueacabaramabrindocaminhosdeexperimentaçãoparamuitosoutros.

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Nãoéprecisorecorreraumaideiacomplicada.Asmaissimplespossibilitamosmelhoresresultados,contantoqueexistaumahar-moniaentreaquiloquesecontaeomodocomoseconta.ComodizMarioVargasLlosa(1936-),emCartas a um jovem escritor1:

Éaformaquearevestequefazcomqueumahistóriasejaori-ginaloutrivial,profundaousuperficial,complexaousimples,oquedáconsistência,ambiguidadeeverossimilhançaaosper-sonagensoufazdelescaricaturassemvida,marionetes.Estaéoutradaspoucasregrasnoterrenodaliteraturaque,achoeu,não admite exceções: em um romance, os temas em si nadapressupõem,poisserãobonsouruins,atraentesouenfadonhos,exclusivamenteemfunçãodoque façacomelesoescritoraoconvertê-losemumarealidadedepalavrasorganizadassegun-doumacertaordem.

Quando falamosqueumescritor tem“estilo”, estamosnos refe-rindoàsualinguagem,quecorrespondeaoseumododeveresentirascoisas,eaumamusicalidadeinternaqueoautorinfundenotexto.

Paravocêencontraroseupróprioritmo,podefazercomoGaoXingjian,quefalaaogravadoroseutextoedepoisoescutanoes-curo. O escritor está preocupado com a musicalidade, procura osefeitosquenascemdasonoridadedalíngua,darepetiçãodedeter-minadaspalavras.Édesseexercícioquenasceoseuestilo.

O prOcessO dO relatO escritO

Paraescreverumrelatoéprecisoterumahistóriaque,poralgu-marazão,mereçasercontada.Masterumaboaideianãosignificaterumaboahistória,eterumaboahistórianãogarantequeseváescreverumbomrelato.

Poroutrolado,váriasdificuldadescostumamseapresentarquan-dosedáformaaumaideia.Porexemplo,aideiapodesefragmentaremmuitasoutras,oupodeacontecerquesuatransformaçãoemescri-taleveaumresultadomuitopobre.Paraenfrentaressasdificuldadesénecessárioconhecerascondiçõesqueregemoprocesso,condiçõesimprescindíveisparaexerceratarefadoescritor.Éprecisoconheceros“mandamentos”aseremseguidosnahoradesepassardaideiaànarrativaescrita.

Dentreasprincipaiscondiçõesdestaquemos:

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1. Ir do geral ao particular e do particular ao universal: indicar com exatidão o tema e seus componentes.

Oescritordevesabertomaradevidadistânciadesuaexperiênciapessoal,quelheofereceinformaçõesdetodosostiposparaalimentarsuaideia,edesenvolvê-ladeummodotranscendente.Distanciar-sedo“eusoueu”parachegarao“eusououtro”dosescritoresclássicos.

Damultiplicidadeemquevocêestámergulhadopoderáextrairumaexperiênciaparticularqueseráomotorouoalimentodesuanarrativaescrita.

Emborasetratedeexperiênciaspessoais,omundoescritodeveterumsignificadouniversal.Essaéachaveparaatingiroleitor.

2. Ir da totalidade ao mundo narrado: compor a intriga.Detodasasideiaspossíveis,umaseráescolhidacomofiocon-

dutor, que se transformará ao longo do processo criativo. Seránecessárioconcretizarosencadeamentosquevãocomporoen-redo,suaintensidadeeseusmomentosdetensãooumudança.Omaterialseráselecionadotendoemvistaumobjetivoclaroparaconferircredibilidadeeinteresseaorelatoficcional.

3. Unir argumento e forma: trabalhar o enredo.Contarumahistóriaimplicatransmitirumasériedeinformações

sobreacontecimentos,personagensoumomentosespecialmenteim-portantesousignificativosdopontodevistadequemescreve.

Paraqueahistórianarradasejacaptadaporumleitor,eparaquemuitosoutrosse interessemporela,vocêdevearticularasinformações contidas no relato, atribuindo-lhe um valor espe-cial (e universal, para ser lido em diferentes lugares e épocas),medianteumaurdiduraargumentativaquecorrespondaàformapertinenteparaessahistóriaemparticular.

Ascombinaçõesquevocêrealizarcomosmateriaisdarãoori-gemàformainteriordaobranarrativa.Oescritordevecombinaredistribuiromateriallinguísticoemvistadeumconjunto,expe-rimentandonovasformasdeapresentarahistória,comointuitodeatingirotomcorreto.

Delimite a sua ideia, concretize a história a narrar e per-gunte a si mesmo se prefere um enredo uniforme ou des-contínuo e fragmentado para desenvolver essa ideia que se transformará num relato.

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Os MOMentOs preliMinares

Ospassosimediatamenteanterioresàescritadahistóriapodemaparecer sem que você os procure ou, por outro lado, podem serprevistoseprogramados.Ospassossãobasicamenteestes:

estímulo impulsionador

Muitosochamam“inspiração”,masnãoconsisteemalgodeca-rátermágico.Trata-sedoresultadodapredisposiçãoparacriar,deumaenergiaquedominaoescritoredeveserexpelida.

Podenascerdeumsonho,daleituradeumlivroouumjornal,daobservaçãodeumapessoaoudeumpersonagemdecinema.Mastambémpodeseralgoquejáexistiaemsuamenteederepentebrotaecomeçaaassumirumadeterminadaforma.

Valiosasjazidasparaoescritorderomancesecontossãoaspai-xõesouossentimentosextremosquevocêtenhaexperimentadoemcertosmomentosdavida,porforçadealgumanecessidadeíntima,umacarência,umainquietação.

Usa-semuitasvezesametáforadopartoparadefiniraproduçãodeumaideiaescrita,sua“colocação”nopapel.Parirrequerumaespe-ra.Apressaresseprocessopodelevaraumaborto.Comaideiaocorrealgosemelhante.Adiferençaéquenãopodehaverumaesperapassivanocasodacriaçãoliterária.Pode-seprovocaraapariçãodaideiame-dianteatividadesquedespertemanecessidadedetrazê-laàluz,tan-toparadesenvolveraideiainicialquantoparasuperarosbloqueios(umaideiaquedeixadeserinteressantedepoisdealgumaspáginasouquandosimplesmentenãosesabecomocontinuarahistória).

Emresumo,épossívelprovocaroestímulo,masdemodoalgumdevemosforçá-lo.

Quando você perceber um sentimento intenso, um impul-so emocional, eis o momento de escrever. Leve sempre com você um pequeno caderno de anotações e não se canse de registrar coisas, mesmo que lhe pareçam banais. Anote tudo: objetos percebidos, sensações, descrições...

documentação

Asfichasdedocumentaçãosobreamatériaatratareosesboçospréviosàescritadefinitiva são instrumentosquecostumamfacili-taratarefa.Muitosescritoressedocumentamdurantelongotemposobreaspectosque,aproveitadosounãomaistarde,conhecerãocom

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suficiente familiaridade, permitindo-lhes criar para o leitor o am-biente em que vivem os personagens, nos seus mínimos detalhes,aindaquenãoodescrevanotexto.

Adocumentaçãoconsisteemreunirdetalhesespecíficossobreasituaçãoadesenvolverparaacriaçãodeumahistóriaverossímil.Porexemplo, seumescritorquer incluirumenvenenamentona trama,convémconheceromaiornúmeropossíveldeprodutos, indicaçõesdeuso,efeitos,etc.Sedesejatransmitircertaatmosfera,énecessárioconfeccionaruminventáriodeodores,sabores,tiposdeplantas,coresdocéu,etc.Àmedidaquerecolhemmaisdados,algunsescritoresvãorefazendotrês,quatro,cincovezesosseusrascunhos.

Nãocomeceaescreverotextodefinitivoantesdesabercomoserãoosseuspersonagens:vestimenta,estatura,idade,suaformadepensarefalar,classesocialaquepertencem.Bemcomoolugarnoqualosfatossedarão:aparência,matizes,móveiseobjetosquehouvernosespaçosfechados,oqueexistenosespaçosexteriores,etc.Etambémemqueépocaahistóriavaisepassarequemseráonarrador.

Vocêpodeguardarasinformaçõesemfichas,intituladascomostemasatratar:“conteúdodeumacozinha”,“espéciesdebosques”,“ar-masdefogo”,etc.Nessatarefa,osdicionáriostemáticosespecializadosserãodegrandeutilidade,fornecendoinformaçãoabundante.PatrickO’Brian,autordealgunsdosmelhoresromancesnáuticosjáescritos,criouparasimesmoumaexperiênciadenavegaçãoquenãopossuía;jamaisnavegou,nãosabiafazersequerumnódemarinheiro.Contu-do,profissionaisdomarleemereleemseuslivros.

Adocumentaçãopodeigualmenteproduzirideias.Oconteúdodasfichaspoderálheoferecernovoscaminhosquandovierummo-mentodeestagnação.

Nenhumadocumentação,porém,serárealmenteútilsenãoforalgoentranhável.Ouseja,adocumentaçãoajudarádopontodevistatécnicoouinformativo,contantoquevocêpossavivenciarosdadosrecolhidosesenti-loscomoossentemospersonagensqueconcebeu.

De posse do tema e da base argumentativa, você deve documentar-se: fazer suas observações, ler, pesquisar so-bre o tema. Embora você não chegue a utilizar toda a documentação recolhida, é imprescindível conhecer por-menorizadamente o mundo ficcional que construiu.

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base argumentativa

Nabaseargumentativaopera-seumauniãoentreestímuloim-pulsionadoredocumentação.

Éahoradeconceberumahistóriacoerente,umanarraçãocro-nológicadosfatosprincipais,amatériareforçadapeladocumentaçãorecolhidaquevocêvaitrabalharatélheconferirumsentidoparticular.

Enfatizemos,porém,quenãoéconvenientedesenvolverabaseargumentativaapartirdalógica,massimdasemoçõesqueumahis-torieta,umaideiaouumavisãolhesuscitam,gerandoesseargumen-to.Aslacunasdeverãoserpreenchidasporsuaexperiênciadevida,maisdoqueporseusraciocínios.

Vocêpodepartirdeumincidente,sabercomclarezacomoseráahistóriaatéumdeterminadopontoe,depois,paraencontrarnovassaídaseiremfrente,formularalgumashipóteses.Poderáaplicaraconhecidafórmula“oqueaconteceriase...”,deGianniRodari,comaqualvocêimaginarádiferentesvariantesdosfatosapartirdoúltimoqueescreveueescolheráamaisadequada.Oideal,nessecaso,seráescolherarespostaqueosseussentidosperceberemcommaisforça,tornandoahistóriamaisconvincente.

Um argumento não é a narrativa literária. É a base da intriga, uma história que transpassa seus sentidos e que você poderá organizar numa trama, desmontando-a e conferindo-lhe a forma que preferir.

as fOntes prOdutivas

Éevidentequeasideias,venhamdeondevierem,sejamespontâ-neas,sejammotivadas,surgemdeumprocessointerior.

OescritorespanholGustavoMartínGarzoassociaoencontrodaideiacomaatitudedeumladrãoaventureiro:

Aconteceantesdevocêescrevereenquantovocêescreve.Masoprimeiromomentoéaqueleemquevocê,derepente,recebeumaespéciedechamado,umavisodequeexistealialgodevaliosoparavocê,algoqueéprecisopegarelevarcomvocêparaoutrolugar.Édifícilexplicar.Gostodeusarametáforadoladrão.Maspensonumladrãoquesaíssepararoubarsemaideiaexatadoqueesti-vesseprocurando.Quenãovaiàprocuradedinheiro,algocom

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quepudessecompraroutrascoisasequeumdeterminadosistemaconsideraoparadigmadovalor.Oladrãodequefaloprocuraalgocomoutrotipodevalor,umvalorsecretoemisterioso.Seriaumla-drãoqueentranumacasaguiadopelaintuição,pelopressentimen-to,semsabermuitobemoqueprocura,masquesabereconheceroqueprocuravaquandofinalmentedeparacomalgovalioso.*

Deondevêmas ideiasquepodemseroprimeiro impulsoparaescrevermosumahistória?Qualéabasesobreaqualumahistóriasesustentaouprosseguedepoisquevocêcomeçouaescrevê-la,deixan-do-ainterrompidanumdeterminadoponto?

Entreoutrasfontes,existemessas:

de um episódio vivido

Amaisinsignificantesituaçãopodelevarvocêaescreverumromance.PatriciaHighsmithcontavaque,certavez,umascriançasinvadi-

ram,gritando,oseulocaldetrabalho.Inicialmenteelaficoubastantechateada,masdepoisescreveuahistóriadeumarquitetoconstante-menteperturbadoporumascriançasquedebochamdele.Asituaçãofoicrescendoemsuaimaginação.Asrelaçõesentreascriançaseopro-tagonistasecomplicam.Nofinal,elasacabammatandooarquiteto.OcontosechamaOs bárbaros.

Sugestão:presteatençãoatodososincidentesqueafetemseues-tadodeânimo,anoteoqueaconteceueoquevocêsentiu.Comotempo,aquelassensaçõesganharãocorpoesetornarãooiníciodeumalongahistória.

da imprensa

Sevocêlêcomoumdetetive,àcaçadeumobjetivo,aimprensadiáriacontémnumerosassugestõesparanarrarumahistória.Entreasnotíciascompiladasvocêpodeselecionarasquelhetrazemrecor-daçõesouremetemvocêaumlocal,aalgumpersonagem,ouqueoferecemdadosparaumahistória.

AorigemdeLolita,segundorelatouoautor,VladimirNabokov,estánumjornal:

Tantoquantomerecordo,o frêmito inicialde inspiração foidealgumaformaprovocado,demaneiraumtantomisteriosa,porcertoartigodeumperiódico,creioquedoParis-Soir,so-breummacacodozoológicodeParis,oqual,apósseradestrado

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