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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LITERATURA COMPARADA Rio de Janeiro / 2009 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Conteudista Conteudista Neuza Maria de Souza Machado

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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE

COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

LITERATURA COMPARADA

Rio de Janeiro / 2009

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

ConteudistaConteudistaNeuza Maria de Souza Machado

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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB.

Universidade Castelo Branco - UCBAvenida Santa Cruz, 1.631Rio de Janeiro - RJ21710-255 Tel. (21) 3216-7700 Fax (21) 2401-9696www.castelobranco.br

Un3l Universidade Castelo Branco

Literatura Comparada / Universidade Castelo Branco. – Rio de Janeiro: UCB, 2009. - 68 p.: il.

ISBN

1. Ensino a Distância. 2. Título.

CDD – 371.39

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Apresentação

Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de gradu-

ação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, consequentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profi ssional. Nossos funcionários e nosso corpo docente es-peram retribuir a sua escolha, reafi rmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.

Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhe-cimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.

Seja bem-vindo(a)!Paulo Alcantara Gomes

Reitor

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Orientações para o Autoestudo

O presente instrucional está dividido em duas unidades programáticas, cada uma com objetivos defi nidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito.

Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades com-plementares.

A Unidade 1 corresponde aos conteúdos que serão avaliados em A1.

Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das duas unidades.

Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas.

A carga horária do material instrucional para o autoestudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.

Bons Estudos!

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Dicas para o Autoestudo

1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.

2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções.

3 - Não deixe para estudar na última hora.

4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.

5 - Não pule etapas.

6 - Faça todas as tarefas propostas.

7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina.

8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a autoavaliação.

9 - Não hesite em começar de novo.

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SUMÁRIO

Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 09

Contextualização da disciplina ................................................................................................................... 11

UNIDADE I

LITERATURA COMPARADA: HISTÓRICO

1.1 - Literatura Comparada (histórico): recenseamento de Rogel Samuel ................................................. 131.2 - Literatura Comparada: olhar crítico-comparativo de Marius François Guiard (trechos do livro) ..... 171.3 - Literatura Comparada: ponto de vista de Tânia Franco Carvalhal ..................................................... 231.4 - Literatura Comparada: ponto de vista de Sandra Nitrini .................................................................... 271.5 - Literatura Comparada no Brasil ......................................................................................................... 281.6 - Textos poéticos para comparação ....................................................................................................... 31

UNIDADE II

CONTISTAS BRASILEIROS MODERNOS E PÓS-MODERNOS

2.1 - O Regional: Afonso Arinos, Monteiro Lobato, Coelho Neto, Hugo de Carvalho Ramos, ValdomiroSilveira e Simões Lopes Neto ...................................................................................................................... 402.2 - O Urbano: Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio, Antônio de Alcântara Machado eSérgio Sant’ Anna ....................................................................................................................................... 412.3 - O Exótico: Hilda Hilst, Murilo Rubião, Roberto Drummond e Sônia Coutinho ............................... 432.4 - O Psicológico: Machado de Assis, Osman Lins, Autran Dourado e Clarice Lispector ...................... 442.5 - O Existencial: Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles ................................................................. 462.6 - O Feminino: Helena Parente Cunha e Nélida Piñon .......................................................................... 462.7 - O Social: Mário de Andrade, João Antônio e Rubens Fonseca .......................................................... 472.8 - Textos fi ccionais ................................................................................................................................. 482.9 - Propostas de pesquisa e trabalhos comparativos ................................................................................ 64

Referências bibliográfi cas ........................................................................................................................... 66

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9Quadro-síntese do conteúdo programático

UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS

I - LITERATURA COMPARADA: HISTÓRICO1.1 - (Literatura Comparada (Histórico): recenseamento de Rogel Samuel1.2 - Literatura Comparada: olhar crítico-comparativo de Marius François Guiard (trechos do livro)1.3 - Literatura Comparada: ponto de vista de Tânia Franco Carvalhal1.4 - Literatura Comparada: ponto de vista de Sandra Nitrini1.5 - Literatura Comparada no Brasil1.6 - Textos poéticos para comparação

II - CONTISTAS BRASILEIROS MODERNOS E PÓS-MODERNOS2.1 - O Regional: Afonso Arinos, Monteiro Lobato, Coelho Neto, Hugo de Carvalho Ramos, Valdomiro Silveira e Simões Lopes Neto2.2 - O Urbano: Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio, Antônio de Alcântara Machado e Sérgio Sant’ Anna2.3 - O Exótico: Hilda Hilst, Murilo Rubião, Roberto Drummond e Sônia Coutinho2.4 - O Psicológico: Machado de Assis, Osman Lins, Autran Dourado e Clarice Lispector2.5 - O Existencial: Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles2.6 - O Feminino: Helena Parente Cunha e Nélida Piñon2.7 - O Social: Mário de Andrade, João Antônio e Rubens Fonseca2.8 - Textos fi ccionais2.9 - Propostas de pesquisa e trabalhos comparativos

• Levar ao aluno informações teórico-comparativas que defi nem historicamente as situações de textos literários confrontados — brasileiros e estrangeiros — chamando a atenção para aspectos que os tipifi -quem e que possam orientar as suas leituras;

• Possibilitar ao estudioso da Literatura Compara-da a faculdade de analisar e confrontar as obras-de-arte literárias nacionais em relação às estrangeiras e reconhecer (comparativamente) a Natureza Criativa do Fenômeno Literário Brasileiro.

• Levar ao aluno informações histórico-compa-rativas que defi nem as situações de textos literários brasileiros confrontados — regionais, urbanos, exó-ticos, psicológicos, existenciais, femininos e sociais — e seus respectivos autores, chamando a atenção dos analistas e/ou intérpretes para aspectos que os tipifi quem e que possam orientar as suas leituras;

• Possibilitar ao estudioso da Literatura Compa-rada a faculdade de conhecer, analisar e confrontar e interagir com os textos literários nacionais e reco-nhecer (comparativamente) a Natureza Criativa do Fenômeno Literário Brasileiro.

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11Contextualização da Disciplina

A disciplina Literatura Comparada visa proporcionar uma visão comparativa de autores vários, cotejando escritores nacionais, portugueses e de outras nacionalidades, a partir de linhas temáticas previamente defi nidas (linhas escolhidas: Regional, Urbana, Exótica, Psicológica, Existencial, Feminina e Social). O outro ponto a que se dirige esta disciplina visa oferecer ao discente (do Curso de Letras do EAD da Universidade Castelo Branco) a oportunidade de elaborar sua escolha (para pesquisas posteriores) de textos literários para compara-ção, sejam tais textos cotejados entre os próprios autores nacionais, ou nacionais em contraponto com autores estrangeiros, ou, excepcionalmente, confrontamento de textos estrangeiros.

Este conhecimento de Literatura Comparada, como já foi afi rmado e reafi rmado nos Instrucionais de Teoria da Literatura, se somará aos conhecimentos adquiridos em cursos anteriores, pois, além de explorar todas as possibilidades e fundamentos da Ciência da Literatura — uma vez que os Estudos Comparativos de Literatura são também uma ramifi cação desta Ciência — continuará a exercer a sua principal função pedagógica, qual seja, continuar a oferecer ao discente as condições de se disciplinar a estudar, sempre com maior empenho, e continuar a desenvolver o senso crítico no intuito de prosseguir em estudos posteriores.

As informações, contidas nesta disciplina, tendem a provocar no aluno a continuação do gosto pelo cresci-mento intelectual e levá-lo a pesquisas posteriores, desenvolvendo e ampliando o seu conhecimento ao longo do tempo.

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13UNIDADE I

LITERATURA COMPARADA: HISTÓRICOLITERATURA COMPARADA: HISTÓRICO

1.11.1 - Literatura Comparada (Histórico): Recenseamento de Rogel Samuel

“Estudos de literatura comparada hoje são realizados pelas novas teorias, com as da estética da recepção e outras pós-estruturalistas (...). Neste capítulo, vamos expor os fundamentos e a história da literatura com-parada”. SAMUEL, Rogel. “Literatura Comparada”. Novo Manual de Teoria Literária. 4. edição revista e aumentada. Petrópolis: Vozes, 2007: 117-124.

Comecemos com a ideia da literatura universal.

O termo literatura universal foi divulgado por Go-ethe, aproximadamente entre 1820 e 1830. O poeta percebia quatro fases da cultura dos povos. 1a fase: idílica; 2a fase: social e cívica (equivalendo ao espíri-to de certas ideias de Rousseau); 3a fase: mais gene-ralizada (sociedade organizada); e 4a fase: universal, que seria o apogeu, o máximo e o utópico.

A universalidade seria, para Goethe, o resultado de um processo dinâmico, histórico (não-natural), insis-tindo na comunicação entre os povos, comunicação conseguida através de esforços conscientes, numa su-cessão em progresso. Os motivos, segundo Goethe, seriam a compreensão e a curiosidade, a capacidade de assimilação, de abertura, de tolerância, para a sín-tese ou harmonização fi nal, para um conjunto fi nal, para a união dos homens cultos.

Após a morte de Goethe verifi cou-se uma crescente politização da literatura e da fi losofi a. No Manifes-to do Partido Comunista, de Marx-Engels (1848), se fala, textualmente, do que hoje conhecemos como “globalização” e “literatura universal”:

Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os paí-ses. Para desespero dos reacionários, ela retirou da indústria sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São suplantadas por novas in-dústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, indústrias que não empregam mais maté-rias-primas nacionais, mas sim matérias-primas vindas das re-giões mais distantes, cujos produtos se consomem não somente no próprio país, mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades que reclamam para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolve-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto à produção material quanto à produção intelectual.

As criações intelectuais de uma nação tornaram-se proprieda-de comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais, nasce uma literatura universal.

Na França, a partir de Mme. de Staël (De l’Allemagne, 1814) a literatura comparada se desenvolveu sob in-fl uência do positivismo e da fi lologia. Interessou-se pela sociologia o estudo comparativo. Saint-Simon e Taine estabeleceram a norma vigente: raça (mas no sentido de espírito, como o espírito francês, a alma inglesa etc.), o meio e o momento histórico. Raça, para Taine, diz René Wellek na História da crítica moderna (vol. 4), é o “espírito de um povo” revelado por sua literatura (não se trata de “racismo”; nem de raça no seu sentido antropológico, como raça negra, raça branca etc.).

Houve, na França, além das contribuições de Mme. de Staël, a presença de Ampère (Curso de literatu-ra francesa, 1846), de Sismondi (De la littérature du Midi de l’Europe — literatura provençal, espanhola, italiana e catalã).

Os cursos de literatura comparada começam no iní-cio do século XIX. Villemain (1829) proferiu um cur-so sobre a infl uência dos escritores franceses no es-trangeiro. Mas só em 1897 tais cursos passam para as universidades: Joseph Texte foi seu primeiro titular, cujo propósito era “fornecer dados para uma psicolo-gia das raças e dos homens”. O catalisador da litera-tura universal seria a literatura comparada.

No fi m do século XIX, apareceram Gaston Paris e Ferdinand Brunetière.

Gaston Paris defi niu a literatura comparada como nova ciência que se interessa pelo folclore, pela mi-tologia e pela história do espírito. E Brunetière, na conferência “La littérature européenne” defi ne a li-teratura comparada com referência aos seus valores estéticos.

No entre-guerras, Baldensperger funda o Instituto de Literatura Moderna e Comparada. E em 1925, no Co-légio de França, abre-se a cadeira de literatura com-parada, através da transformação da fi lologia clássica. O primeiro titular foi Marcel Bataillon, que se inte-

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14ressou pela América Latina, escrevendo uma História das literaturas meridionais e da América Latina.

Finalmente, em 1931, aparece o livro de Van Tie-ghem, La Littérature Comparée.

Para Van Tieghem, a literatura comparada consiste em analisar as infl uências ocorridas entre duas literaturas (somente), no que se refere aos seguintes problemas:

a) gêneros e estilos (genealogia);b) temas, tipos e lendas ou mitos (tematologia); c) ideias e sentimentos (mentalidades);d) sucessos e infl uências (doxologia, que na teologia

patrística era a exaltação e o elogio de Deus; dóxa era a fama; a repercussão, o sucesso, a opinião) trata da recepção, da repercussão;

e) fontes (cronologia);f) intermediários (mesologia: de méson, entre meios,

entre dois polos).

Para Van Tieghem a literatura comparada, ao con-trário da literatura nacional e da ciência da literatura, não examinaria o valor estético, mas a historicidade, a infl uência e o empréstimo.

A historiografi a enfocava a posição do romance La nouvelle Héloïse dentro do romance francês do sé-culo XVIII. A literatura comparada examinava as relações de Richardson com Rousseau. A literatura geral (littérature generale) estudava “o romance sen-timental na Europa sob a infl uência de Richardson e Rousseau”.

Para Van Tieghem, “a literatura comparada é também um encaminhamento em direção a um conhecimento mais geral, o da ‘história literária internacional”.

A literatura comparada especula sobre “as relações binárias, entre dois elementos somente”, e estes ele-mentos podem ser obras, escritores, grupos de obras, ou de homens, e mesmo literaturas inteiras. Tais re-lações se referem à “substância ou à forma da obra de arte”. A observação de relações binárias entre um emissor e um receptor (com, às vezes, indicação de um transmissor). Tais estudos nascem da necessidade de compreender a infl uência ou a transmissão (de gê-neros, de “estilos”, de ideias e de sentimentos). (...)

Claude Pichois e A.A.-A. Rousseau, autores de A li-teratura comparada (Madri, 1969), veem a literatura na interdependência das relações interliterárias, inter-culturais e interdisciplinares (história da literatura ge-ral: tópica, gêneros, períodos etc; história das ideias: fi losofi a, artes etc; estruturalismo literário: tematolo-gia, fi guras, tipos, tradução etc.). Veem também a au-tonomia da literatura como forma de expressão. Seu método é o da comparação, como método heurístico, para analisar as normas literárias gerais. Objetivam

a compreensão (a hermenêutica), através da conside-ração de fenômenos internacionais, de conhecimento das funções fundamentais do fato literário.

Rüdger (1971) prefere estudar (comparar) várias literaturas nacionais, analisando elementos como metáforas e gêneros. Estabelece relacionamentos históricos e sociais, fazendo uma história comparada da literatura (não uma história da literatura compara-da). Vê a literatura como fenômeno uno e indivisível (regional e historicamente). Seu critério de valoriza-ção é o “decoro”, isto é, a adequação entre assunto e expressão, o logro estético, a efi ciência histórica. Combina métodos fi losófi cos, analíticos e sintéticos. Procura uma compreensão mais adequada da obra de arte literária, pesquisa inter-relacionamentos.

Finalmente, a estética da recepção, praticada por Jauss, estuda a literatura do ponto de vista de quem recebe (escritor ou público) e será descrita depois.

Segundo Wellek, os pronunciamentos programá-ticos de Van Tieghem e de outros malograram. Ele diz que não se pode distinguir um estudo de lite-ratura geral de um de literatura comparada. Para Wellek só há a literatura (assim como há a filoso-fia, a música). As diferenças linguísticas que dis-tinguem as diversas literaturas nacionais não che-gam a isolá-las. Os estudos de literatura comparada são, também, estudos de crítica literária, em que a forma assume o papel primordial. A forma expres-sa um conteúdo histórico inseparável, e comparar as formas de manifestação significa comparar os conteúdos significados.

Bastante contraditórias têm sido as conclusões de alguns congressos internacionais de literatura com-parada. Alguns pesquisadores proclamam ali a sua vitalidade e expansão, enquanto outros apontam para seu desaparecimento, através de uma certa crise de identidade.

Isso fi cou patente no XV Congresso da Associação de Literatura Comparada Internacional, realizado na Universidade de Leiden, em Leiden, Holanda, de 16 a 22 de agosto de 1997, que teve a participação de pesquisadores do mundo inteiro, com seiscentas ma-nifestações.

O presidente da Associação, Gerald Gillespie (de Stanford), dedicou a sua Mesa-Redonda a este tema. O pesquisador de Bloomington Henry H. H. Remak expressou a opinião de que a infl uência dos moder-nos estudos literários, desde os anos sessenta, estão dissolvendo gradualmente a literatura comparada no domínio de outras ciências sociais, e ameaçando seus padrões, que são difíceis de dominar, com a maestria necessária, como o sufi ciente conhecimento de vários

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15idiomas estrangeiros e da inteira complexidade, for-ma e conteúdo das literaturas nacional e mundial.

De acordo com Remak, a literatura comparada de-veria ser reduzida “a novamente ser o que tradicional-mente foi”, ou seja, as suas áreas de estudo e aquelas tarefas conhecidas da literatura comparada de sem-pre, mas de acordo com a complexidade interdiscipli-nar contemporânea.

Douwe W. Fokkema (de Utrecht) sugeriu que a li-teratura comparada deveria ser o estudo da dissemi-nação social e geográfi ca dos textos literários, suas convenções e leituras, que ele relaciona com a socio-logia, além dos procedimentos de compreensão dos textos (aqui relacionados com a ciência cognitiva), e da posição e do papel da comunicação literária em seus vários ambientes sociais e culturais (aqui conec-tado com estudos culturais).

Em oposição a Remak, David Damrosch, da Uni-versidade de Columbia, falou a favor de soluções práticas do problema, o que não é tão simples. Ele acredita que mais pessoas deveriam assistir aos con-gressos, com “espírito interdisciplinar”, e que se de-veriam formar grupos de funcionamento menores, in-ternacionais, que dedicassem seu tempo a projetos de curto prazo, nos períodos históricos pequenos, entre projetos de alcances maiores.

O principal tema do Congresso de Leiden foi Literatu-ra como memória cultural. Sobre isso falou o conheci-do crítico Jonathan Culler. Acerca deste tema, disseram também alguns que o estudo da memória cultural revela movimentos importantes no desenvolvimento da litera-tura comparada, devido à infl uência do novo historicis-mo, do feminismo, da teoria do discurso, da psicanálise, das teorias pós-coloniais e do pós-estruturalista.

A literatura comparada não vê a literatura como área autônoma da cultura — continuam eles — penetrada quase exclusivamente por valores estético-artísticos e espirituais, mas enxerga a literatura como expressão humana que, além do reconhecimento de sua natureza específi ca (fi cção, poética), é entrelaçada com redes de várias culturas, sociedades, instituições, idiomas, ideologias e lutas. A literatura é penetrada por tensões entre passado e presente, o central e o marginal, o es-tabelecido e o proibido, o documentário e o fi ctício, o público e o suprimido. O tema do congresso indicou que essas características da literatura se parecem com outros meios de expressão, como o ritual, o mito, a arte, o fi lme e a história, que estabelecem, preservam uma identidade, uma tradição dominante de uma certa cultura ou sociedade, infl uências de suas mudanças, das características monolíticas ou pluralistas e das re-lações das políticas externas com outras comunidades e culturas.”

VOCABULÁRIO ONOMÁSTICO (por ordem de entrada no texto de Rogel Samuel):

GOËTHE - Johann Wolfgang Goëthe – Nasceu em Francfort-sur-le-Main, em 1749, e faleceu em Weimar, em 22 de março de 1832. Um dos maiores gênios da hu-manidade. (...) Entre o grande volume das suas realiza-ções literárias, podem destacar-se: Goetz de Berlinchein-gen (1773), Werter (1775), inspirado em seu infeliz amor por Carlota Buff, Ifi gênia em Táurida (1779), Egmont (1778), Hermann e Dorothea (1798), Fausto (primeira parte, 1808), Fausto (segunda parte, 1813). (Conferir: DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE BIOGRAFIAS (G-L). São Paulo: Formar, s/d. Vol. 3: 479 - 480).

MARX - Karl Marx – Nasceu a 05/05/1818 em Treves, Prússia, e faleceu a 14/03/1883, em Londres. Filósofo e escritor. (...) Desde cedo demonstrou possuir ideias ino-vadoras, eminentemente liberais. Abandonando seu país, foi viver em Paris, onde juntamente com Arnould Rud-ge, publicou seus famosos Annales Franco-Allemandes e, a partir de 1844, o jornal socialista Vorwoerts. Em todas estas publicações redigia artigos baseados na fi lo-sofi a hegeliana, defendendo sempre o socialismo, sendo por esse motivo expulso de Paris, indo residir em Bru-xelas onde se fi liou a uma sociedade secreta socialista e lançou as bases para a Associação Democrática Interna-cional. (...) Escreveu grande número de obras, em todas elas pregando o advento de uma renovação da socieda-de, e procurando demonstrar que o mal do mundo era o capitalismo. Em sua obra mestra O Capital, procura provar que o mal do mundo repousa exclusivamente na má distribuição das riquezas. (Conferir: DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE BIOGRAFIAS (M-P). São Paulo: Formar, s/d. Vol. 4: 705).

ENGELS - Friedrich Engels – Nasceu em Barmen, em 28 de setembro de 1820; morreu em Londres, em 05 de agosto de 1895. Sociólogo alemão. Era amigo, colaborador e protetor de Karl Marx. Seus trabalhos, como escritor socialista, são, na maior parte, de caráter crítico. Redigiu com Marx o célebre manifesto às clas-ses trabalhadoras, e que fi cou sendo o evangelho do comunismo. Tendo de fugir para a Inglaterra, devido à tentativa de revoluções em que se envolveu, ali se entregou a ativíssima propaganda socialista, ao lado de Marx. Sua obra está de tal forma entrelaçada com a de Karl Marx que é difícil considerá-la separadamente. Publicaram ambos: A Santa Família ou Crítica à Críti-ca Contra Bruno Bauer e Seus Sócios, A Situação das Classes Trabalhadoras na Inglaterra (1844). (Confe-rir: DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE BIOGRA-FIAS (C-F). São Paulo: Formar, s/d. Vol. 2: 393).

MADAME. DE STAËL - Nasceu em 22 de abril de 1766, em Paris, e faleceu em 14 de julho de 1817, na mesma cidade. Romancista, crítica, ensaísta e poetisa francesa. (...) Tornou-se o seu salão o mais frequen-

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16tado da época, pois aí se reuniam todos aqueles que eram inimigos de Napoleão e que pretendiam estabele-cer na França a monarquia constitucional. Estreia com o livro A Literatura Considerada nas suas Relações com as Instituições Sociais, quando é convidada pelo imperador a deixar o País. Esteve na Alemanha e Itália. Retornou à França somente quando os ingleses vence-ram a Batalha de Waterloo. Publicou então os seus mais famosos livros. (...) Escreveu: A Infl uência das Paixões Sobre a Felicidade dos Indivíduos; Delfi na; Corina; Da Alemanha; Considerações Acerca da Revolução Fran-cesa, publicada postumamente; e Dez Anos de Exílio. (...) Foi personalidade política de destaque na época e deixou numerosa correspondência. (Conferir: DI-CIONÁRIO INTERNACIONAL DE BIOGRAFIAS (Q-Z). São Paulo: Formar, s/d. Vol. 5: 1036 - 1037).

SAINT-SIMON - Claude Henri de Rouvroy, Conde de Saint Simon – (Paris, 1760-1825). Aos vinte anos de idade passou para a América combatendo ao lado de Washington. Pode ser considerado como pai do socialis-mo moderno. (...) Foi um utopista obcecado pela ideia de reorganização social da Europa. Publicou numerosas obras, entre as quais sobressaem: Introdução aos Traba-lhos Científi cos do Século XIX (1808) e Opiniões Literá-rias, Filosófi cas e Industriais (1825). (Conferir: DICIO-NÁRIO INTERNACIONAL DE BIOGRAFIAS (Q-Z). São Paulo: Formar, s/d. Vol. 5: 974 - 975).

TAINE - Hippolyte Adolphe Taine – Filósofo, crítico e historiador francês nascido em 1828, em Vouziers. Morreu na cidade de Paris em 1893. (...) Professou o Positivismo e como tal escreveu [entre outras obras]: Da Inteligência, O Positivismo Inglês, O Idealismo In-glês, Filosofi a da Arte, (...). São célebres as suas His-tórias da Literatura Inglesa e Origens da França Con-temporânea. Juntamente com Renan é um dos maiores mestres das gerações intelectuais de 1860 até 1890. Sua infl uência continuou até nossos dias com seus discípulos Bouget, Sorel e Chevillon. (Conferir: DI-CIONÁRIO INTERNACIONAL DE BIOGRAFIAS (Q-Z). São Paulo: Formar, s/d. Vol. 5: 1050 - 1051).

RENÉ WELLEK - Nasceu em 1903. Professor, in-vestigador e teórico da literatura, tcheco. (Conferir: DICIONÁRIO DE LITERATURA. 3. ed., vol. 3. Porto: Figueirinhas, 1973: 1361).

AMPÈRE - Jean-Jacques Ampère – Nasceu em Lion, em 12 de agosto de 1800, e faleceu em Paris, em 27 de março de 1864. Foi fi lólogo, escritor e his-toriador. Foi também professor de Literatura France-sa do Colégio de França. (Tradução livre obtida do site: www.academie-francaise.fr).

SISMONDI - Jean-Charles Leonard Simonde de Sis-mondi – Nasceu em Genebra, Suíça, em 09 de maio de 1773, e faleceu em 25 de junho de 1842. Escritor,

economista e historiador. Frequentou o salão de Mada-me de Staël. Foi muitas vezes citado por Marx. (Infor-mações obtidas no site: www.encyclopedia.com).

VILLEMAIN - Abel François (1790 - 1870) – His-toriador da literatura e crítico francês. (Conferir: DI-CIONÁRIO DE LITERATURA. 3. ed. vol. 3. Porto: Figueirinhas, 1973: 1360).

GASTON PARIS – Bruno Paulin Gaston Paris – Nasceu em Avenay, em 09 agosto de 1839, e faleceu em Cannes, em 05 de março de 1903. “A exemplo do pai, Paulin Paris, dedicou-se a pesquisas da literatura francesa da Idade Média”. (Conferir: ENCICLOPÉ-DIA DELTA-LAROUSSE. 2. ed. Vol. VII. Rio de Ja-neiro: Delta, 1964: 3439)

FERDINAND BRUNETIÈRE (Toulon, 1849 – Pa-ris, 1906) – Historiador de literatura e crítico francês. (Conferir: DICIONÁRIO DE LITERATURA. 3. ed., vol. 3. Porto: Figueirinhas, 1973: 1238). “Professor e orador ardoroso e combativo, adversário nato do dile-tantismo e da teoria da arte pela arte, representante da crítica dogmática, jactava-se de aplicar o método evo-lucionista à história dos gêneros literários. Sua forte dialética, sua fi rme convicção e suas grandes concep-ções transparecem em Estudos Críticos (oito séries), O Romance Naturalista, Evolução da Poesia Lírica e Manual da História da Literatura Francesa (1899)”. (Conferir: ENCICLOPÉDIA DELTA-LAROUSSE. 2. ed. Vol. VII. Rio de Janeiro: Delta, 1964: 3439 - 3440)

BALDENSPERGER - Fernand Baldensperger

MARCEL BATAILLON - (1895 - ? ) – Professor e historiador literário francês. (Conferir: DICIONÁRIO DE LITERATURA. 3. ed., vol. 3. Porto: Figueirinhas: 1231).

VAN TIEGHEM - Paul Van Tieghem (1871 - 1948) – Historiador literário francês. (Conferir: DICIONÁRIO DE LITERATURA. 3. ed., vol. 3. Porto: Figueirinhas: 1355).

RICHARDSON - Samuel Richardson (1689 - 1761) – Romancista inglês. (Conferir: DICIONÁRIO DE LI-TERATURA. 3. ed., vol. 3. Porto: Figueirinhas: 1332).

ROUSSEAU - Jean Jacques Rousseau – Escritor e fi lósofo francês. Nasceu em Genebra, 23 de junho de 1712, e faleceu nas proximidades de Paris, a 02 de julho de 1778. (...). (Informações obtidas no Site: www.academie-francaise.fr).

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171.21.2 - Literatura Comparada: Olhar Crítico-Comparativo de Marius François Guiard (Trechos do Livro)

GUYARD, Marius François. A Literatura Compa-rada. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1956: 7-100.

Prefácio de Jean-Marie Carré:

“A Literatura Comparada é um ramo da história literária: é o estudo das relações espirituais entre as nações, relações de fato que existiram entre Byron e Púchin, Goëthe e Carlyle, Walter Scott e Vigni, entre as obras, as inspirações, até as vidas de escritores per-tencentes a várias literaturas. (p. 7-8)

Ela não considera essencialmente as obras no seu valor original, mas, dedica-se principalmente às transforma-ções que cada nação, cada autor impõe a seus em-préstimos. Quem diz infl uência diz muitas vezes inter-pretação, reação, resistência, combate. “Nada há de mais original”, escreve Paul Valéry, “nada de mais pes-soal do que se alimentar dos outros. É preciso, porém, digeri-los. O leão é feito de cordeiro assimilado”.

Aliás, talvez, os estudos de infl uência tenham exer-cido atração exagerada. Eles são difíceis de ser diri-gidos e, frequentemente, enganadores. Expomo-nos muitas vezes a querer pesar imponderáveis. É mais segura a história do êxito das obras, da aceitação de um escritor, da sorte de uma grande fi gura, da inter-pretação recíproca dos povos, das viagens e das ilu-sões. Como se veem mutuamente ingleses e france-ses, franceses e alemães etc.

Enfi m, a Literatura Comparada não é Literatura Ge-ral. Pode redundar nela: para alguns, deve-o. Todavia, esses grandes paralelismos (e sincronismos também), tais como o humanismo, o classicismo, o romantismo, o realismo, o simbolismo, correm o risco de serem mui-to esquemáticos, muito extensos no espaço e no tempo, de cair na abstração, no arbitrário ou na nomenclatura. Se a Literatura Comparada pode prepará-los, não pode, entretanto, esperar grandes sínteses. O movimento pro-va-se quando se anda. O necessário é não avançar em ordem dispersa, é disciplinar nossa marcha.” (p.8)

LITERATURA COMPARADA

Marius François Guyard

INTRODUÇÃO (p. 9)

Finalidade: “Expor os métodos e, principalmente, os resultados de uma disciplina ainda pouco conhe-cida do público erudito em geral. Desse modo, sem

delongar em estabelecer a legitimidade da Literatura Comparada, (...) delimitá-la, tanto no aspecto nacio-nal como no “mundial”, para chegar a uma defi nição tão simples e fi el quanto possível.

No aspecto nacional: justapor e comparar duas ou até três obras pertencentes a literaturas diferentes não basta para proceder como comparatista. O inevitável paralelo, de 1820 a 1830, entre Shakespeare e Racine, pertence à Crítica ou à Eloquência. Pesquisar o que o dramaturgo inglês conheceu sobre Montaigne e o que dele transportou para seus dramas, é Lite-ratura Comparada. Bem se vê: a Literatura Com-parada não é comparação. Esta é apenas um dos métodos de uma ciência mal denominada, que mais exatamente se defi niria: HISTÓRIA DAS RELA-ÇÕES LITERÁRIAS INTERNACIONAIS.

RELAÇÕES: a palavra marca um limite no aspecto “mundial”, que estudaria “os fatos comuns a várias literaturas” (Cf.: P. Van Tieghem), haja entre elas de-pendência ou apenas coincidência”. (p.9) // Onde não mais existe “relação”, seja de um homem com um texto, de uma obra com um público, de um país com um viajante, termina o domínio da Literatura Comparada e começa o da pura história das ideias, quando não da retórica.” (p.10)

RELAÇÃO = TRANSMISSÃO

Origens e História

“A Literatura Comparada surgiu, nos seus pri-mórdios, como uma tomada de consciência do cos-mopolitismo literário, unida ao desejo de estudá-la historicamente. A Idade Média Ocidental, unifi cada pela fé cristã e pelo latim, é cosmopolita; um mesmo humanismo une os escritores do Renascimento; es-sas três primeiras épocas cosmopolitas são, portanto, inegavelmente, idades de unidade linguística ou, pelo menos, reconhecem a predominância de uma língua compreendida e amada em toda a parte. Com o Ro-mantismo, pela primeira vez, a afi rmação das origi-nalidades nacionais coincide com a intensidade das relações entre as várias literaturas.” (p.11, fi nal)

SOMENTE NO FINAL DO SÉCULO XIX NAS-CE A LITERATURA COMPARADA COMO DISCIPLINA AUTÔNOMA E ORGANIZADA.

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18“O livro teórico do inglês M. H. Posnett, Comparati-

ve Literature (1886), marca a inauguração ofi cial das pesquisas comparatistas. No mesmo ano, Edouard Rod começa em Genebra seus cursos de História Compara-da das Literaturas. Mais um ano e Max Koch publica, na Alemanha, a sua Revue de Littérature Comparée (1887). A tomada de consciência do cosmopolitismo pelo romantismo une-se à preocupação de utilizar o método histórico e comparativo que, em outros domí-nios – linguística, direito, mitologia –, provara a sua fe-cundidade. Nasceu a Literatura Comparada.” (...).

“Em 1895, Joseph Texte sustenta, a respeito de Jean-Jacques Rousseau et les origines du cosmopolitisme littéraire (Jean-Jacques Rousseau e as origens do cosmopolitismo literário), uma tese que é na França a primeira grande obra do comparatismo científi co. De 1897 a 1904 sucedem-se as diversas edições de Betz e Balldensperger; a segunda, com seus seis mil títulos, demonstra sufi cientemente o grau de progresso da Li-teratura Comparada, em 1904. Daqui em diante, Fer-dinand Baldensperger publicará, durante meio século, uma série de estudos comparatistas, que teremos mais de uma vez ocasião de citar. Com Paul Hazard funda, em 1921, a Revue de Littérature Comparée francesa (Revista de Literatura Comparada) e dirige a cole-ção que aí está radicada. A Literatura Comparada teve realmente, no século XX, seu centro na França. Seu brilhante início na Grã-Bretanha e Além-Reno não teve futuro. A Itália, em compensação, com Bene-detto Croce, Farinelli, Mornigliano, ocupou um lugar mais importante. Hoje (década de 50), na França, esta disciplina é ensinada na Sorbonne e em várias univer-sidades da província.” (op. cit., p.13)

Objeto e Método

“A Literatura Comparada é a História das Re-lações Literárias Internacionais. O comparatista limita-se às fronteiras, linguísticas ou nacionais, e acompanha as trocas de temas, ideias, livros ou sen-timentos entre duas ou várias literaturas. Seu método de trabalho deverá adaptar-se à diversidade de suas pesquisas.” (p.15)

1. O Equipamento do Comparatista

Primeiramente, ele é ou deseja ser historiador: His-toriador das Literaturas // O comparatista deve possuir uma cultura histórica sufi ciente para colocar no seu contexto total os fatos históricos que examina. [Por exemplo: conhecer a história da Espanha e de Portugal à época dos autores examinados].

O comparatista, porém, é o Historiador das Rela-ções Literárias e deve, pois, na medida do possível, conhecer as literaturas de diversos países (necessida-de evidente).

Deve saber onde encontrar as primeiras informações, como organizar a bibliografi a sobre um assunto.

2. O Campo da Literatura Comparada

Sigamos agora o comparatista no caminho que esco-lheu: dessa maneira, objeto e método se esclarecerão mutuamente.

a) Os agentes do cosmopolitismo: Em todas as épocas, livros e homens contribuem para o conhe-cimento das letras e dos países estrangeiros. A Lite-ratura Comparada encontra neles um primeiro objeto de estudo.

1o) Os livros: A Literatura Comparada pode, primei-ramente, certifi car-se do exato conhecimento que um autor, uma classe ou uma época tinha a respeito de sua língua e de uma língua estrangeira. Essa pesquisa oferece um evidente interesse literário: entusiasma-mo-nos frequentemente com um romance traduzido, mas, só o avaliamos realmente lendo-o no original.

- observar o problema da tradução;- observar as obras críticas (fontes de informação);- inventariar os livros, os artigos;- analisá-los, apreciar-lhes o valor, medir-lhes as in-fl uências.

2o) Os homensProcurar conhecer o que o autor conhecia da língua,

do país e dos homens.AUTOR: intérprete de seu país junto a outro;AUTOR: intérprete de uma cultura estrangeira jun-

to à sua pátria.

Métodos do comparatista:- ser um pouco biógrafo;- avaliar a fi delidade de um tradutor;- avaliar a inteligência de um crítico;- avaliar a veracidade de um viajante;- possuir conhecimento da história da literatura que

está sendo avaliada.

b) O destino dos GênerosGÊNEROS (pela ótica da Literatura Compara-

da, relacionada ainda com as normas do Realismo-Naturalismo): nascem, crescem e morrem, às vezes, sem razão aparente.

A História é feita à custa de muitas coisas mortas.Na falta de gêneros, não empregam os romancistas

certos processos, não seguem modas? Simultaneís-mo, monólogo interior, simbólica dos sonhos, são outras tantas fórmulas cujas origens estrangeiras o futuro comparatista poderá pesquisar. A noção de gê-nero, outrora tão importante, apaga-se diante da téc-nica. O romancista, poeta ou dramaturgo, o escritor, doravante, preocupa-se menos em ser fi el às conven-

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19ções de uma forma bem defi nida, do que adotar certa posição diante dos acontecimentos. Seja essa posição a da duração ou da psicanálise, é necessário, para mantê-la, submeter-se a certas regras, e descobrimos que o problema dos gêneros está transposto, mas não abolido. (p.22)

O interesse das pesquisas sobre o destino dos gê-neros é, portanto, histórico, mas também atual. Tais investigações supõem preenchidas duas condições: um gênero bem defi nido e um público nitidamente delimitado no tempo e no espaço.

MÉTODO:

O método consistirá em:

1o) Defi nir o Gênero (pela ótica da Literatura Comparada). Se se trata de uma moda muito vaga, até mesmo de um estilo, a pesquisa está exposta a per-der-se no deserto. Como estudar rigorosamente uma infl uência de estilo, quando, por defi nição, trata-se de textos estrangeiros, o mais das vezes conhecidos em traduções? (p.22)

2o) Fazer a prova do EMPRÉSTIMO. O emprés-timo pode ser direto ou indireto.

* Empréstimo direto: quando Victor Hugo delibera transportar para a cena francesa o drama shakespea-reano.

* Empréstimo indireto: quando os seguidores de Victor Hugo retomam a fórmula. Quanto mais nos distanciamos do primeiro imitador, tanto menos é re-conhecível a imitação, acabando por haver muito de Victor Hugo e nada de Shakespeare em algum drama-turgo romântico sem importância.

3o) Apreciar a ação recíproca do gênero e do au-tor. Se se trata de uma escolha livre, por que a fez o autor? Que enriquecimento ou limitações encontrou nela? Tratando-se de uma moda ou de uma infl uên-cia sofrida, que proveito tirou da necessidade em que estava colocado? Foi esmagado por uma forma tirâni-ca? Explorou-lhe todos os recursos? // Estudar o des-tino de um gênero exige, pois, uma análise rigorosa, um método histórico muito severo, uma verdadeira penetração psicológica (psicologia comparada).

c) O destino dos temas* Todas as grandes literaturas ocidentais têm o seu

Fausto, o seu Dom Juan. De onde provêm esses tipos, que são encontrados em toda parte, esses mitos cuja signifi cação é discutida em cada época, pelos mais diferentes autores? Neste caso, a direção da pesquisa é imprimida pelo assunto e não pela forma.

* Estudar Fausto nos escritores alemães e franceses signifi ca seguir, de Goëthe a Paul Valéry, um tema

essencialmente literário, capaz de ajudar a valorizar ou descobrir traços característicos de psicologia indi-vidual ou nacional.

d) O destino dos autores1. Ponto de partida // A obra de um escritor ou

apenas uma de suas obras;

2. Público // O público poderá ser mais ou menos extenso; // um país; // um grupo; // um escritor. Teremos, dessa maneira, estudos de princípios idênti-cos, mas de extensão e alcance muito diversos.

3. Distinguir cuidadosamente entre: DIFUSÃO, IMITAÇÃO, ÊXITO, INFLUÊNCIA.

- Um best-seller é um livro de êxito, mas sua infl u-ência literária pode ser nula.

- A poesia de Mallarmé teve uma difusão muito res-trita, inspirando, não obstante, inúmeros poetas es-trangeiros. Estudar a difusão, as imitações, o êxito de uma obra é trabalho que requer paciência e méto-do; descobrir uma infl uência é muito mais delicado.

* ESPÉCIES DE INFLUÊNCIA:- Pessoal - (Por exemplo: o culto das obras de Guima-

rães Rosa durante sua vida e postumamente);- Técnica - (Por exemplo: o prestígio do drama shakes-

peareano junto aos românticos franceses);- Intelectual - (Por exemplo: a difusão do espírito vol-

taireano nas estéticas literárias subseqüentes);- Infl uência referente aos TEMAS ou aos QUADROS.

(Por exemplo: o empréstimo de assuntos do teatro espa-nhol por parte dos dramaturgos do século XVII; a moda das paisagens oceânicas na época pré-romântica).

4. Os métodos deverão adaptar-se a pesquisas igualmente variadas.

- Conhecimento profundo da obra e do homem cujo destino se estuda;

- Conhecimento do público;- Inventário escrupuloso dos livros, jornais e revistas;- Atenção constante à cronologia;- Prudente distinção entre infl uência e êxito e en-

tre as diferentes espécies de infl uência quando da exposição das conclusões.

e) FontesPor uma dialética inversa, pode-se considerar um

escritor não mais como emissor, mas como recebedor de infl uência e descobrir suas fontes estrangeiras.

ATENÇÃO: Problematiza-se aqui o mistério da CRIAÇÃO. O empréstimo e/ou infl uência nem sempre poderá ser visto como sinal de falta de cria-tividade do escritor. (Neuza Machado)

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20Movimento de ideiasIdeias ou correntes de sensibilidade. O jogo das

infl uências torna-se muito difícil de acompanhar e é através de vários países ou várias literaturas que o comparatista deve seguir o movimento que pretende estudar.

Não confundir coincidência e infl uência. A coin-cidência pode ser instrutiva e acrescentar à história de cada literatura um sentido do relativo que lhe falta quando ela se isola.

f) Interpretação de um país (p.28)Cada povo atribui aos outros caracteres mais ou me-

nos duradouros, cuja veracidade cede, muitas vezes, à lenda. Por exemplo: um cançonetista desejoso de rimar a qualquer preço pode dar origem a uma reputa-ção. Todos na França sabem que “les portugais / sont des gens gais” (os portugueses são pessoas alegres – trocadilho francês). Há, amiúde, causas mais pro-fundas: um francês não tem a mesma predisposição que um alemão para gostar e compreender os mesmos traços do caráter inglês. Na elaboração destes tipos nacionais, a literatura desempenha um papel decisi-vo. (Por exemplo: opiniões de determinados autores sobre determinados países). Estudar o nascimento e o desenvolvimento dessas interpretações de um país constitui uma das tarefas da Literatura Comparada.

1o) Por uma literatura estrangeira (Por exemplo: Como os argentinos veem os brasileiros? Que traço se lhes atribuem? E vice-versa?) // A Literatura Compa-rada pode ajudar dois países a operar uma espécie de psicanálise nacional. Conhecendo melhor a origem de seus mútuos preconceitos, cada qual se conhecerá melhor e será mais indulgente com o outro, que nutriu prevenções análogas às suas. (p.29)

2o) Por um autor estrangeiro. A interpretação de um país estrangeiro pelo autor:

* Mais do que descobrir em sua obra as infl uências sofridas, mais do que observar o que um autor deve a um outro estrangeiro, o comparatista deverá olhar:

- Como ele descobriu o país?- Como ele aprendeu a língua?- Como travou amizades? * Depois, quando voltou a seu país:- Que aspectos do outro país deu a conhecer e por

que esses e não outros? * Se por acaso falar em infl uências, fazê-lo de for-

ma positiva:- realçar o caráter da obra;- levar em conta a cronologia;- o êxito da obra e do autor;- as interpretações particulares.

ATENÇÃO: Se uma obra, de uma dada época, se refl ete positivamente numa obra bem posterior, as infl uências são admissíveis. Aquelas não retiram da nova obra seu caráter ímpar. (Neuza Machado)

ASSUNTO PRINCIPAL DA LITERATURA ASSUNTO PRINCIPAL DA LITERATURA COMPARADA: COMPARADA: SEMELHANÇASEMELHANÇAS E E DIFERENÇASDIFERENÇAS ENTRE ENTRE

DOIS TEXTOS LITERÁRIOSDOIS TEXTOS LITERÁRIOS

Relações de Contato

“Depois de haver examinado as possibilidades e as li-mitações teóricas da Literatura Comparada em geral, é preciso estudar a extensão de seu campo de investigação, os enfoques permitidos e os problemas enfrentados.

Para por em ordem os materiais de que dispõe o com-paratismo, foi proposto um método de classifi cação que não parece completamente satisfatório. Segundo Van Tieghen, a totalidade dos problemas abarcados pela dis-ciplina comparatista se pode classifi car tendo em conta a posição do autor ou de sua obra, em relação com o processo de transmissão que forma o objeto do estudo.

Segundo Van Tieghem:• Estudar a extensão de seu campo de investigação;• Estudar os enfoques permitidos;• Estudar os problemas enfrentados.

TRANSMISSÃO Relação

TRANSMISSÃO Meio de infl uenciar

TRANSMISSÃO O autor pode servir de emis-sor (se é ele quem serve de modelo ou de fonte)

EMISSOR É aquele que serve de modelo ou fonte

MODELO Escritor ou obra ou personagem ou tema (por exemplo: O escritor Machado de Assis; as obras de Guimarães Rosa; Dom Quixote, de Miguel de Cervantes; o Mito do Eterno Retorno)

FONTE Escritor ou obra = fonte para outros escritores

RECEPTOR Em suas obras captam-se as infl uên-cias ou as repercussões de ações contidas no modelo.

RECEPTOR/EMISSOR Escritores que captam e retransmitem

AGENTE DE TRANSMISSÃO (OU INTERME-DIÁRIO) Quando o autor apenas serve de enlace (entre a fonte e o seu próprio narrador-imitador)

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21Esta ótica é interessante e particulariza com sufi -

ciente claridade as possíveis atitudes do autor, desde o ponto de vista comparatista; de modo que nos ser-viremos dela (da ótica) mais de uma vez. Mas isto é insufi ciente para assegurar uma boa divisão dos pro-blemas e uma classifi cação coerente das matérias que se comparam. Com efeito, pelo menos dois dos três termos indicados por Van Tieghem estão presentes em cada estudo de Literatura Comparada. Esta moda-lidade não se ocupa só com o receptor, por exemplo, mas, ao mesmo tempo, com o transmissor ou com o emissor, senão com os dois de uma vez. Por outra parte, a matéria do comparatismo não é o autor ou sua obra, mas sabemos que, no fi nal, são estes que re-sultam classifi cados, se seguimos este caminho. Mas, como justamente o indicava Van Tieghem, o que inte-ressa é o mesmo processo de transmissão ou, como o chamamos acima, de RELAÇÃO.

Se se tomam em consideração as possibilidades que se oferecem à comparação literária, se poderá esta-belecer que esta (a comparação literária) conhece e estuda três classes de relações.” (p. 75)

RELAÇÕES DE CONTATO Contato literário individual;

RELAÇÕES DE INTERFERÊNCIA Interpe-netração múltipla de ideias ou de correntes;

RELAÇÕES DE CIRCULAÇÃO Presença de um tema que circula ao longo das épocas ou das literaturas.

RELAÇÕES DE CONTATO“Supõe a presença de uma espécie de equação, cujos

termos de comparação têm por condição a de perten-cer a duas literaturas nacionais: de modo que se pode falar, neste caso, de literatura pluri-nacional ou, se se prefere, de fontes e de infl uências.

Também é necessário esclarecer que novas divisões não contêm nada de revolucionário, e que é a mesma que se vem respeitando pelo uso e que foi indicada mais de uma vez, em formas diferentes.

Por exemplo:Pierre Moreau (1960) propõe representar por “linhas

verticais” (linhas paradigmáticas) o que chamamos de RELAÇÕES DE CONTATO.

LINHAS VERTICAIS = RELAÇÕES DE CONTATO = LINHAS PARADIGMÁTICAS

RELAÇÕES DE CONTATO Relações literá-rias entre autores ou obras, em que intervem em um, o outro dos dois termos da relação, se não, nos dois de

uma vez, a ideia de aportação ou de contato pessoal e individual. // Prevê a presença de um emissor, ou de um transmissor, ou de um receptor individual.

Possibilidades para investigação comparatista no âmbito das relações de contato:

CATEGORIAS:1o) Distinção entre a verdadeira comparação de

obras literárias, e a que prevê, em um dos dois extre-mos de sua equação, obras não literárias, que produ-zem ou que surgem da literatura.

2o) Documentos comparatistas. // Intercâmbios cultu-rais que apenas têm por objeto (ou fi nalidade) documen-tar a existência real do intercâmbio. A mesma ideia de documentar indica já que os testemunhos a que se recor-re não estão solicitados (aclarados, esclarecidos) devido a sua categoria literária, mas só como documentos. Estes testemunhos pertencem às categorias: viagens ou rela-ções de viagem; leituras e estudo de línguas; intermediá-rios”. (continuar a pesquisa, pp. 76 em diante (op. cit.))

LINHAS SINTAGMÁTICASLINHAS CRUZADAS = RELAÇÕES DE

CIRCULAÇÃO

ATENÇÃO: Os alunos deverão estar atentos às diversas nomenclaturas (diversos termos)

RELAÇÕES DE CONTATO (p. 86)

A relação dos contatos literários:Compreende a tradução, a imitação e a infl uência de

uma fonte, de um modelo ou de um autor.

O estudo das traduções é mais facilmente acessível para o investigador principiante. Nada mais simples que colher uma boa bibliografi a, a espanhola por exemplo, e ir fi chando todas as traduções impressas, e, inclusive, as manuscritas (de Molière, por exemplo). O resultado será uma bibliografi a das traduções (de Molière) para o espanhol, cuja utilidade é inegável. Este tipo de traba-lho não é comparatista, mesmo sendo útil.

A tarefa do comparatista consiste em determinar o interesse e a signifi cação da tradução, tendo em conta sua coincidência com uma moda ou sua oposição à mesma, o interesse generalizado ou o interesse singu-lar, o compromisso cultural ou o profi ssional, a con-genialidade ou a oposição do tradutor a seu autor.

Outras tarefas:

- Analisar os procedimentos do tradutor;

- Seus conhecimentos de língua e de ambientação geral;

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22- Seus problemas e suas soluções;

- Seus extrapolamentos e sua fi delidade;

- Seu servilismo e sua personalidade;

- A signifi cação dos matizes que captou e a explicação histórica e cultural de seu enfoque e de sua interpretação;

- Estudar em conjunto o resultado do encontro de duas personalidades e, através delas, de duas culturas diferentes, e a nova ressonância adquirida pela obra original em sua nova forma desnacionalizada.

RELAÇÕES DE CONTATO (p. 91 a 100)Estudar com atenção:INFLUÊNCIA ≠ CoincidênciaINFLUÊNCIA ≠ DifusãoINFLUÊNCIA ≠ ÊxitoINFLUÊNCIA ≠ Sorte

A infl uência, em termos de Literatura Comparada, tem duas acepções diferentes:

1ª) A que indica a soma das relações de contato de toda classe, que se podem estabelecer entre um emis-sor e um receptor.

Exemplos:- O estudo da infl uência de Goëthe na França;- As traduções francesas de Goëthe;- As imitações;- Os contatos pessoais;- As críticas;- Estudos publicados na França sobre Goëthe e suas

obras.

A infl uência de Goëthe é o mesmo que o total de relações de contato que se podem assinalar entre Goëthe e a literatura francesa. De certa forma, esta acepção da palavra coincide com a difusão; mas a confusão não é possível.

A noção de infl uência agrega um matiz qualitativo e um enfoque crítico dos problemas.

DIFUSÃO É a materialidade das relações de contato, a sua quantidade e o modo de documentá-la.

DIFUSÃO É uma função estatística do compa-ratismo.

INFLUÊNCIA É FUNÇÃO LITERÁRIA.

2a) Acepção de INFLUÊNCIA:Mais restringido que o primeiro;Mais encoberto;Mais obscurecido pela esfera maior da noção pri-

meira.

INFLUÊNCIA Resultado artístico autônomo de uma relação de contato.

RELAÇÃO DE CONTATO Conhecimento di-reto ou indireto de uma fonte por um autor.

“Enquanto resultado autônomo, nos referimos, com esta expressão, a uma obra literária, produzida com a mesma independência e com os mesmos procedimentos difíceis de analisar, mas fáceis de reconhecer intuitiva-mente, da obra literária em geral, ostentando personali-dade própria, representando a arte literária e as demais características próprias de seu autor, mas em que se reconhece, ao mesmo tempo, em grau que pode variar, consideravelmente, a folha de contato antes assinalada.

Até certo ponto, a infl uência pode se confundir com a imitação, assim como, em sua outra acepção, confun-dia-se, em parte, com a difusão. Neste caso, o matiz que diferencia as duas noções é que a imitação refere-se a detalhes materiais (dentro da pouca materialidade da obra literária), a rasgos de composição, a episódios, procedimentos ou imagens bem determinados.

INFLUÊNCIA Denuncia a presença de uma transmissão menos material, mas difícil de signifi car, cujo resultado é uma modifi cação da “forma mentis” e da visão artística ou ideológica do receptor.

Exemplo de INFLUÊNCIA SUBJETIVA: A infl u-ência de La Fontaine em Iriarte é evidente, mesmo que não seja possível citar um só rasgo de imitação.

Para exemplifi car claramente:Marivaux deve muito, como autor cômico, à arte

dramática de Calderón de La Barca, mas não foi pos-sível provar, com documentos, nem assinalar textos precisos que autorizem a ideia de um empréstimo di-reto. Existe, sem dúvida, uma técnica poética e dra-mática de Marivaux, que é inconfundível dentro do teatro francês, e que apresenta mais de um ponto em comum com a técnica do poeta espanhol. Ambos têm igual e exagerada confi ança no que um chama Los empeños de un acaso, e o outro Les jeux de l’amour et du hazard. Ambos o deixam todo ao cuidado de um azar, concebido como um princípio geométrico, chamado a pôr ordem em tudo, com uma força co-ordenadora tão precisamente geométrica, que chega a ser sua mesma contradição. Ambos propõem im-possíveis, para solucioná-los pelos mesmos meios rigorosamente simétricos, que parecem obedecer ao

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23capricho e à fantasia, quando, na realidade, tudo re-sulta perfeitamente ordenado e conduzido até o fi m. No fi m, a disposição geométrica dos assuntos e dos personagens se associa, em ambos os casos, com uma fantasia verbal, com uma graça, com um estro poético igualmente inconfundíveis.

Se houve infl uência, isto supõe a existência de uma relação de contato, e por conseguinte, de um contato material de Marivaux com a obra de Calderón.

Por outro lado, a infl uência não é como a tradução, que se identifi ca a si mesma. // Não é como a imita-ção, que se reconhece por meio de um simples cotejo de textos.

Quando não há provas:A INFLUÊNCIA só pode ser comprovada por meio

de análises intrínseca e comparativa. // Naturalmen-te, é preferível possuir provas históricas.

Se estamos seguros de sua existência, ou se damos por averiguado o que não o é, resulta que a infl uên-cia de Calderón sobre Marivaux, que se pode explicar pelo contato com o poeta espanhol e por sua frequen-tação e admiração, ou seja, sua técnica dramática con-siderada como um arreglo simétrico e confi ado em aparência de azar.

A infl uência não é algo palpável que se denuncia a si mesma, como a tradução ou a imitação, e que não se impõe com evidência como única solução possível.

Dentro de um método, o estudo das infl uências se pode enfocar de vários modos, segundo os critérios que se queiram aplicar ao assunto.

Podem-se tomar em consideração, indiferentemente:- Os agentes da transmissão literária;- A materialidade do sentido ou do recebido;- A natureza ou o gênero literário do transmitido, que

pode variar entre os dois extremos da transmissão.

Do ponto de vista dos agentes de transmissão, deve-se ter em conta a existência, naquilo que até agora

chamamos de equação comparatista, de um EMIS-SOR e de um RECEPTOR.

EMISSOR ORIGINAL Casos de traduçãoEMISSOR MODELO Casos de imitaçãoEMISSOR FONTE Casos de infl uência

Sobre o problema da terminologia na Literatura Comparada:

A tradução e a imitação têm nomes próprios, mas quando se trata de infl uência não tem. Não há nenhum nome particular para indicá-la.

O VERDADEIRO OBJETODO ESTUDO COMPARATIVO:

É aquela parte da obra e das concepções de um autor que se transmite, se adota e se assimila na

obra de um outro autor.

Infl uências detectáveis:

RELAÇÕES DE CONTATO:

Quando um dos termos da equação comparatista é uma obra literária determinada; quando, por conse-guinte, o passar de uma literatura a outra supõe a exis-tência deste misterioso processo, desta elaboração ao cabo da qual o bem artístico ou cultural próprio de uma literatura foi trasladado e apropriado por uma literatura diferente, então as relações de contato adquirem sua verdadeira signifi cação, e o histórico cede à prioridade, ao comparativo e ao crítico. Neste caso, o objeto do es-tudo já não interessa como documento, mas como obra de arte. A fi nalidade do estudo não é a comparação, mas a determinação dele (do estudo) como comparação, ou seja, das modalidades e dos matizes da transmissão. Enfi m, se se nos permite representar estas ideias por meio de uma linguagem não de todo apropriada, mas talvez mais expressiva, o método de investigação já não é análise quantitativa, mas a qualitativa”.

1.31.3 - Literatura Comparada: Ponto de Vista de Tânia Franco Carvalhal

(Conferir: CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura Com-parada. São Paulo: Ática, 1986 (Série Princípios): 5 - 88)

Literatura Comparada: Os Primórdios

Na Babel do Comparativismo

“À primeira vista, a expressão “literatura compara-da” não causa problemas de interpretação. Usada no singular, mas, geralmente, compreendida no plural,

ela designa uma forma de investigação literária que confronta duas ou mais literaturas.

No entanto, quando começamos a tomar contato com trabalhos classifi cados como “estudos literários comparados”, percebemos que essa denominação acaba por rotular investigações mais variadas, que adotam diferentes metodologias e que, pela diversi-fi cação dos objetos de análise, concedem à literatura comparada um vasto campo de atuação.

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24Paralelamente a um denso bloco de trabalhos, que

examinam a migração de temas, motivos e mitos1 nas diversas literaturas, ou buscam referências de fontes e sinais de infl uências, encontramos outros que comparam obras pertencentes a um mesmo sistema literário ou investigam processos de es-truturação das obras. A diversidade desses estudos acentua a complexidade da questão.

Além disso, a difi culdade de chegarmos a um consen-so sobre a natureza da literatura comparada, seus obje-tivos e métodos, cresce com a leitura de manuais sobre o assunto, pois neles encontramos grande divergência de noções e de orientações metodológicas. Muitos fo-gem a essas questões. Outros dão conta das tendências tradicionalmente exploradas sem problematizá-las. Al-guns tendem a uma conceituação generalizadora. E há ainda os que preferem restringir a determinados aspec-tos o alcance dos estudos literários comparados.

Como se vê, não é fácil caminhar nessa “babel”.

E o sentido da expressão “literatura comparada” complica-se ainda mais ao constatarmos que não existe apenas uma orientação a ser seguida, que, por vezes, é adotado um certo ecletismo metodológico. Em estudos mais recentes, vemos que o método (ou métodos) não antecede à análise, como algo previa-mente fabricado, mas dela decorre. Aos poucos torna-se mais claro que literatura comparada não pode ser entendida apenas como sinônimo de “comparação”.

Antes de tudo, porque esse não é um recurso exclu-sivo do comparatista. Por outro lado, a comparação não é um método específi co, mas um procedimento mental que favorece a generalização ou a diferen-ciação. É um ato lógico-formal do pensar diferen-cial (processualmente indutivo) paralelo a uma atitude totalizadora (dedutiva).

Comparar é um procedimento que faz parte da es-trutura de pensamento do homem e da organização da cultura. Por isso, valer-se da comparação é hábito gene-ralizado em diferentes áreas do saber humano e mesmo na linguagem corrente, onde o exemplo dos provérbios ilustra a frequência de emprego dos recursos.

A crítica literária, por exemplo, quando analisa uma obra, muitas vezes é levada a estabelecer confrontos com outras obras de outros autores, para elucidar e para fundamentar juízos de valor. Compara, então, não apenas com o objetivo de concluir sobre a nature-za dos elementos confrontados mas, principalmente, para saber se são iguais ou diferentes. É bem verdade

1 ATENÇÃO: No texto (nos parágrafos) de Tânia Franco Carvalhal, não há palavras grifadas em negrito. Os grifos são de responsabilidade da conteudista deste Instrucional. O objetivo de tais sinalizações é chamar a atenção do estudioso de Literatura Comparada para o conhecimento (ou reconhecimento) de terminologias especialíssimas e particulares, diferentes das inúmeras nomenclaturas das diversas Teorias e Críticas Literárias.

que, na crítica literária, usa-se a comparação de forma ocasional, pois nela comparar não é substantivo.

No entanto, quando a comparação é empregada como recurso preferencial no estudo crítico, conver-tendo-se na operação fundamental da análise, ela pas-sa a tomar ares de método — e começamos a pensar que tal investigação é um “estudo comparado”.

Pode-se dizer, então, que a literatura comparada compara não pelo procedimento em si, mas porque, como recurso analítico e interpretativo, a comparação possibilita a esse tipo de estudo literário uma explora-ção adequada de seus campos de trabalho e o alcance dos objetivos a que se propõe.

Em síntese, a comparação, mesmo nos estudos com-parativos, é um meio, não um fi m.

Mas, embora ela não seja exclusiva da literatura com-parada, não podendo, então, por si só defi ni-la, será seu emprego sistemático que irá caracterizar sua atuação.

No entanto, ainda que já se esteja tentando abrir clareiras no emaranhado das defi nições, não convém adiantá-las. Espera-se que elas surjam naturalmente das considerações posteriores.

Vamos, agora, retroagir na trajetória dos estudos comparados para que se possa compreender como a expressão “literatura comparada” começou a ser empregada, que signifi cados foi adquirindo, até se difundir amplamente com as acepções que hoje lhe damos”. (CARVALHAL, 1986: 5-7)

Breve História

“O surgimento da literatura comparada está vincula-do à corrente de pensamento cosmopolita que caracte-rizou o século XIX, época em que comparar estruturas ou fenômenos análogos, como fi nalidade de extrair leis gerais, foi dominante nas ciências naturais.

Entretanto, o adjetivo “comparado”, derivado do la-tim compatativus, já era empregado na Idade Média.

Em 1598, Francis Meres utiliza-o no título de seu Discurso comparado de nossos poetas ingleses com os poetas gregos, latinos e italianos, e vamos tam-bém encontrá-lo em designações de obras dos séculos XVII e XVIII. Em 1602, William Fulbecke publica Um discurso comparado das leis e, logo depois, sur-ge a Anatomia comparada dos animais selvagens, de autoria de John Gregory.

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25Mas é, sem dúvida, no século XIX que a difusão do ter-

mo realmente se dará, sob a inspiração das Lições de ana-tomia comparada, de Cuvier (1800), da História compa-rada dos sistemas de fi losofi a, de Degérand (1804), e da Fisiologia comparada (1833), de Blainville.

Frequentemente, portanto, nos títulos de obras cientí-fi cas e caracterizando-lhes a orientação, a comparação se transfere para os estudos literários por uma espécie de contágio. Na obra Da Alemanha (1800), de Mme. de Stäel, a inclinação ao estabelecimento de analogias não só norteará o espírito da investigação como estará presente no subtítulo: “Da literatura considerada em suas relações com as instituições sociais”. (CARVALHAL, 1986: 7)

Em Território Francês

Embora empregada amplamente na Europa para estudos de ciências e linguística, é na França que mais rapidamente a expressão “literatura compara-da” irá se fi rmar. Ali o emprego do termo “literatu-ra” para designar um conjunto de obras era aceito sem discussão desde o seu aparecimento, com essa acepção, no Dictionnaire philosophique, de Voltai-re, enquanto na Inglaterra e na Alemanha a palavra “literatura” custou mais a ganhar esse conceito.

Já em 1816, os autores Noël e Laplace publicam uma série de antologias de diversas literaturas, sob o rótulo geral de Curso de literatura comparada. Apesar do título, trata-se apenas de uma coletânea de trechos escolhidos, sem nenhuma preocupação em confrontá-los.

Parece ter sido Abel-François Villemain quem se encarregou de divulgar a expressão, usando-a nos cursos sobre literatura do século XVIII que ministrou na Sorbonne em 1828-1829. Em sua obra Panorama da literatura francesa do século XIII, emprega vá-rias vezes não só a combinação “literatura compara-da” como ainda “panoramas comparados”, “estudos comparados” e “história comparada”. Também J.J. Ampère, em seu Discurso sobre a história da poesia (1830), refere-se à “história comparativa das artes e da literatura” e reemprega o termo no título da obra de 1841, História da literatura francesa na Idade Mé-dia comparada às literaturas estrangeiras. É graças a Ampère que a expressão ingressa na órbita da crítica literária, via Saint-Beuve, que faz o elogio fúnebre desse autor na Revue dês Deux Mondes, consideran-do-o o fundador da “história literária comparada”.

No entanto, para que se complete a descrição do contexto fran-cês, no qual se consolida em defi nitivo a inclinação comparati-vista aplicada à literatura, há que acrescentar a esses dois nomes o de Philarète Chasle, que, em 1835, se encarrega de formular alguns princípios básicos do que considerava ser uma “história literária comparada (...).” (CARVALHAL, 1986: 8-10)

Em Outros Países

Na Alemanha, parece ter sido Moriz Carrière quem adota, pela primeira vez, a expressão “vergleichende Literaturgeschichte” (história comparativa da litera-tura), depois difundida como “vergleichende Litera-turwissenschaft” (ciência comparativa da literatura). A intenção de Carrière, que se ocupou da evolução da poesia, era a de integrar a literatura comparada à História Geral da Civilização. (...).

Na Inglaterra, cabe a Hutcheson Macaulay Posnett a primazia do uso da expressão, em1886, num livro teórico, intitulado Comparative Literature.

Na Itália, De Sanctis lecionará literatura comparada em Nápoles a partir de 1863.

Já os Estados Unidos esperarão [sic] a virada do sé-culo para verem surgir os estudos comparados, sendo criados Departamentos de Literatura Comparada nas universidades de Columbia (1899) e Harvard (1904). Tendo adotado, inicialmente, as orientações france-sas, o comparativismo norte-americano será marcado depois pelos estudos de Irving Babbitt.

Em Portugal há que referir, depois do “precursor” Teófi lo Braga, o estudo “literatura comparada e crí-tica de fontes” de Fidelino de Figueiredo, inserido em seu livro A crítica literária como ciência (1912), como trabalho pioneiro no enfoque da questão meto-dológica.” (CARVALHAL, 1986:11)

Literatura Comparada e Literatura Geral

Indiferente aos locais onde se expandiu, a literatura comparada preservou a denominação com que os fran-ceses a divulgaram, mesmo sendo imprecisa e ambí-gua. Por isso, muitas vezes sofre a competição da ex-pressão “literatura geral”, também de uso corrente em francês e em inglês, com a qual é frequentemente as-sociada. Estão ambas, por exemplo, nas denominações de associações de comparativistas (veja-se a “Société Française de Littérature Generale et Comparée”) ou de publicações especializadas, como Cahiers de Littéra-ture Generale et Comparée, caracterizando uma atua-ção conjunta de estudiosos das duas disciplinas.

A distinção entre as duas expressões tem constitu-ído ponto de discussão permanente. Alguns autores consideram a literatura geral como um campo mais amplo, que abarcaria o dos estudos comparados. Ou-tros, como René Wellek e o francês Etiemble, não es-tabelecem diferença entre elas.

A denominação “literatura geral” também é associada à da “literatura mundial”, mais conhecida pelo termo Wel-tliteratur, cunhado por Goëthe em 1827. Embora tenha se prestado a várias interpretações, esse termo foi utiliza-

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26do por Goëthe em oposição à expressão “literaturas na-cionais”, para ilustrar sua concepção de uma literatura de “fundo comum”, composta pela totalidade das grandes obras, espécie de biblioteca de obras-primas. Mas, além desse signifi cado, podemos entender ainda o termo, de acordo com o pensamento de Goëthe, como a possibi-lidade de interação das literaturas entre si, corrigindo-se umas às outras.” (CARVALHAL, 1986: 11 - 12)

As Inovações Metodológicas

“René Welleck insiste na concepção de literatu-ra comparada como uma atividade crítica, conside-rando-a mesmo como sinônimo de crítica literária e opondo-se, frontalmente, àqueles que estabeleciam limites entre as duas, distinguindo investigação de fontes da análise crítico-interpretativa dessas mesmas fontes. (...) Welleck se diferencia de seus colegas com-parativistas por refl etir amparado em diversas noções do literário, que afi na com orientações teóricas para as quais o texto é o objeto central das preocupações.

As perspectivas ditas “clássicas” em literatura compa-rada se moldaram, sem dúvida, de acordo com os princí-pios vigentes no século XIX: historicismo e transferência de métodos de outras ciências para o estudo da literatura. O chamado positivismo literário vira o século e adentra os primeiros decênios deste, perpetuando na crítica lite-rária como no comparativismo a inclinação historicista e a atenção voltada para a fi gura do autor. Pode-se, então, entender a substituição do biografi smo do século XIX por um psicologismo vigoroso nas primeiras décadas do século XX. (...)” (CARVALHAL,1986: 42 - 43)

Teoria Literária e Comparativismo

“As relexões sobre a natureza e o funcionamento dos textos, sobre as funções que exercem no sistema que in-tegram e sobre as relações que a literatura mantém com outros sistemas semióticos (legado formalista que os es-truturalistas do Círculo de Praga se encarregaram de levar adiante) abriram caminho para a reformulação de alguns conceitos básicos da literatura comparada tradicional.

Entre as diferentes contribuições, foram utilíssimas as noções de Iuri Tynianov sobre a evolução literária, de Jan Mukarovsky sobre a função estética e sobre a arte como fato semiológico. (...)

Foram eles que estabeleceram a noção geral da lingua-gem poética como um sistema, isto é, um conjunto de re-lações entre o todo e suas partes. Ao rejeitarem o estudo da gênese, que se apoiava na sociologia e na biografi a, postu-laram o princípio da imanência da obra: esta é um produto que deve ser estudado em si mesmo e do qual é necessário analisar a construção. Consideravam o texto um sistema fechado, do que cabia efetuar a análise interna.

Privilegiando a imanência, os formalistas não evi-taram o risco de uma análise estática, que favorecia o conhecimento e a consequente descrição do texto

literário, mas deixava de examinar as relações que ele estabelecia com elementos extratextuais, limitando o alcance interpretativo dos estudos. (...)

As relações entre a literatura e as outras artes encon-tram no campo dos estudos semiológicos, nas relações que os sistemas sígnicos travam entre eles, novas possi-bilidades de compreensão para essas correspondências. Embora os comparativistas tradicionais não incluam no campo de atuação da literatura comparada a relação en-tre literatura e outras artes, situando-a no âmbito geral da história da cultura, os comparativistas americanos a incorporam às suas preocupações. Ulrich Weisstein, por exemplo, em sua difundida Introduccón a la literature comparada, dedica a essa questão um capítulo intitu-lado “Iluminação recíproca das artes”, e, mais recente-mente, Franz Schmitt-Von Mühlenfels assina o capítulo “La literatura y otras artes” do livro de Manfred Schme-ling, Teoria y praxis dela literatura comparada (1984). (...) ” (CARVALHAL, 1986: 45 - 49)

Imitação X Invenção

“A noção de intertextualidade abre um campo novo e sugere modos de atuação diferentes ao comparativista. Do “velho” estudo de fontes para as análises intertextuais é só um passo. Mas essa é uma travessia que signifi ca para o comparativista engavetar os antigos conceitos (e pre-conceitos) e adotar uma postura crítico-analítica que seus colegas tradicionais evitavam. Principalmente, as novas noções sobre produtividade dos textos literários compro-metem a também “velha” concepção de originalidade.

Além disso, a tradição já não pode mais ser vista como um fl uir natural e linear (a terminologia básica do estudo clássico de fontes dava a entender tal noção ao empre-gar as expressões imagens aquáticas e fl uidas, correntes, vertentes). Ao contrário, a tradição se desenha menos so-bre as continuidades (a reprodução do “mesmo”) do que sobre as rupturas, os desvios das diferenças. Moderna-mente, o conceito de imitação ou cópia perde seu caráter pejorativo, diluindo a noção de dívida antes fi rmada na identifi cação das infl uências. Além disso, sabemos que a repetição (de um texto por outro, de um fragmento em um texto etc.) nunca é inocente. Nem a colagem nem a alusão e, muito menos, a paródia. Toda repetição está carrega-da de uma intencionalidade certa: quer dar continuidade ou quer modifi car, quer subverter, enfi m, quer atuar com relação ao texto antecessor. A verdade é que a repetição, quando acontece, sacode a poeira do texto anterior, atuali-za-o, renova-o e (por que não dizê-lo?) o re-inventa.

Toda apropriação é, em suma, uma “prática dissol-vente”. Tomo a expressão de empréstimo a David Arri-gucci Júnior que, em Achados e perdidos (1979), imita o procedimento de “pastiche” empregado por Manuel Bandeira e faz o mesmo com a obra do poeta. O recur-so não é novo, utilizou-o Marcel Proust e muitos outros autores. A imitação é um procedimento de criação lite-rária. Sabiam-no os clássicos, que estimulavam a imi-tação como prática necessária, tanto que a converteram em norma. (...)”. (CARVALHAL, 1986: 53 - 54)

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27Um Exemplo de Intertextualidade: Drummond

As noções que examinamos até aqui modifi cam, sem dúvida, nossa atitude de leitor diante dos textos literários. Sabemos que sua legibilidade será maior se os articularmos com os textos esparsos ou fragmentos perdidos que eles recuperam para consumo próprio.

O conhecimento do que chamaríamos seus “arquéti-pos”, portanto, amplia os signifi cados que lhes possa-mos atribuir. Desse modo, ao lermos um texto, estamos lendo, através dele, o gênero a que pertence e, sobretudo, os textos que ele leu (aí não exclusivamente literário).

Para exemplifi car, vejamos como procedeu Carlos

Drummond de Andrade com Gonçalves Dias, em “Nova canção do exílio”. (...).

Sabemos que o poema de Gonçalves Dias é possivelmen-te uma das “fontes” de inspiração mais constantes na lite-ratura brasileira. Affonso Romano de Sant’Anna comenta a apropriação de “Canção do exílio” por Cassiano Ricar-do, por Oswald de Andrade e pelo próprio Drummond, em “Europa, França e Bahia”. A lista não pararia aí: há Murilo Mendes, Mário Quintana e ainda outros, inclusive um pro-sador que se aventura na métrica e compõe sua “Canção do exílio”, Dalton Trevisan, em Carnaval de sangue.

Mas a intenção não é aqui de rasteio. É de leitura inter-textual. Vemos que um poema lê outro e queremos saber como e por quê. (...)”. (CARVALHAL, 1986: 54 - 55)

1.41.4 - Literatura Comparada: Ponto de Vista de Sandra Nitrini

(Conferir: NITRINI, Sandra. Literatura Compara-da. São Paulo: USP, 2000: 19 - 290).

Origens

“Uma das tarefas mais difíceis é delimitar o campo da disciplina Literatura Comparada, pois seus conteúdos e objetivos mudam constantemente, de acordo com o espaço e o tempo. Por isso, qualquer tentativa de se buscar sua compreensão deve contemplar, necessaria-mente, pelo menos, alguns meandros de sua história.

As origens da literatura comparada se confundem com as da própria literatura. Sua pré-história remonta às literaturas grega e romana. Bastou existirem duas li-teraturas para se começar a compará-las, com o intuito de se apreciar seus respectivos méritos, embora se esti-vesse ainda longe de um projeto de comparatismo ela-borado, que fugisse a uma mera inclinação empírica.

Tal tendência perdurou e foi se aperfeiçoando até o século XIX, sem dúvida, o marco temporal de sua ins-tituição como uma atitude intelectual mais cultivada e, também, como uma disciplina acadêmica no contexto europeu. Ao que tudo indica, a expressão “literatura comparada” derivou de um processo metodológico aplicável às ciências, no qual comparar ou contrastar servia como um meio para confi rmar uma hipótese.

Por outro lado, a visão cosmopolita do século XIX incentivou viagens e encontros entre grandes pensado-

res e intelectuais da época, tais como Mme. De Staël, Goëthe e Saint-Beuve, entusiastas da necessidade de um contato frequente com as literaturas estrangeiras. Foi nesse clima que Abel Villemain, Jean-Jacques Ampère e Philarète Chasles iniciaram, respectiva-mente, em 1828, 1830 e 1835, o ensino da literatura comparada nas universidades francesas. (...).

Em sua aula inaugural, “Littérature étrangère com-parée”, Philarète Chasles procurou defi nir o objeto da literatura comparada nos seguintes termos:

Deixe-nos avaliar a infl uência de pensamento sobre pensamen-to, a maneira pela qual povos transformam-se mutuamente, o que cada um deles deu e o que cada um deles recebeu; deixe-nos avaliar também o efeito deste perpétuo intercâmbio entre nacionalidades individuais: como, por exemplo, o espírito bem afastado do norte permitiu-se, fi nalmente, ser penetrado pelo espírito do sul; o que era a magnética atração da França pela Inglaterra e da Inglaterra pela França; como cada divisão da Eu-ropa dominou em alguma época seus estados irmãos e em outros tempos foi submetida por eles; o que tem sido a infl uência da Alemanha teológica, da Itália artística, da França vigorosa, da Espanha católica, da Inglaterra protestante; como as nuanças ricas do sul misturaram-se com a profunda análise de Shakes-peare; como o espírito romano e italiano embelezou e adornou o credo católico de Milton; e, fi nalmente, a atração, as simpatias, a vibração constante de todos esses pensamentos vividos, amados, exaltados, melancólicos e refl exivos — alguns espontaneamente e outros por causa do estudo — todos submetendo-se a infl uên-cias que receberam como presente e todos, por sua vez, emitindo novas imprevistas infl uências para o futuro!2

Como se pode observar a palavra-chave (...) é “in-fl uência”, conceito que ocupará um importante lugar

2 Nota 3 de Sandra Nitrini: Chasles apud Bassnett, 1993, p. 13.

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28na literatura comparada como instrumento teórico e como direção dos estudos comparatistas, sobretudo, da primeira metade do século XX e que, também, será alvo de profundas críticas a partir dos anos 50.

Ao se referir ao espírito de uma nação ou de um povo e sugerir que é possível delinear-se como o mesmo pode infl uenciar o escritor de uma outra cultura, Phila-rète Chasles o faz, numa das primeiras tentativas de de-fi nir a literatura comparada, sob o signo de uma pintura idealista da harmonia literária internacional, bem em consonância com a mentalidade cosmopolita da época, cultivada para contrabalançar as tendências acerca das interiorizações, próprias de um contexto de criação de nações. Convém lembrar que o termo “literatura com-parada” surgiu justamente no período de formação das nações, quando novas fronteiras estavam sendo erigidas e a ampla questão da cultura e identidade nacional es-tava sendo discutida em toda a Europa. Portanto, desde suas origens, a literatura comparada acha-se em íntima conexão com a política.” (NITRINI, 2000: 19 - 21)

Ponto de Partida: Paul Van Tieghem

Se retrocedermos algumas páginas na história da lite-ratura comparada, e folhearmos o manual de Paul Van Tieghem, La littérature comparée, publicado em 1931, veremos que ele contém um capítulo cujo título é “Prin-cípios e Métodos Gerais”. No âmbito de um estudo sobre literatura comparada, as ideias deste importante comparatista francês, embora em grande parte ultrapas-sadas, devem ser revistas em razão de um rastreamento histórico, para compreendermos seu estado atual, so-bretudo se nos circunscrevermos à literatura comparada como disciplina. Como tal, ela é, sem dúvida, invenção dos franceses. (...).” (NITRINI, 2000: 23 - 24)

Relação dos Capítulos do Livro de Sandra Nitrini:

Capítulo 1: Percursos Históricos e Teóricos• Origens (p. 19-23);• Ponto de partida: Paul Van Tieghem (p. 23-27);• Outras defi nições (p. 27-32);• Metodologia da tendência francesa (p. 32-34);• René Wellek e o comparativismo americano (p. 34-36);• Legitimidade e alcance humano da literatura com-

parada (p. 36-39);• O comparativismo de René Etiemble (p. 39-44);• O comparativismo do leste europeu (p. 44-54);• A crise da literatura comparada nos anos 80 (p. 54-59);• Uma crise no comparativismo universal? O com-

parativismo pós-europeu (p. 59-63);• O comparativismo latino-americano (p. 63-89);• O paradigma tipológico e genético-contatual dos

anos 80 (p. 59-104);• A teoria do polissistema (p. 104-117);• Uma disciplina indisciplinada (p. 117-123).

Capítulo 2: Conceitos Fundamentais• Preâmbulo (p. 125-126);• Infl uência, imitação e originalidade (p. 126-157);• Intertextualidade (p. 157-167);• Da infl uência à recepção (p. 168-182).

Capítulo 3: Literatura Comparada no Brasil• Panorama (p. 183-194);• Antônio Cândido, um comparatista dialético

(p. 194-211);• Outros ângulos de visão (p. 211-227);• Um repertório dos anos 60 e 70 - Em busca de

estratégias comparatistas (p. 227-274);• Considerações fi nais (p. 274-290).

1.51.5 - Literatura Comparada no Brasil

“Como dizia Ruth Benedict, não se deve montar um Frankenstein cultural, feito de pedaços tomados isoladamente a culturas quaisquer. Do mesmo modo, não se pode, por exemplo, fazer literatura comparada tomando (digamos) a função do dinheiro em Macha-do de Assis, em Dostoiévski e em Balzac, e efetuar um confronto puro e simples, pois seria produzir um Frankenstein crítico. É preciso considerar a obra de Machado como um todo e ver de que maneira o di-nheiro funciona nela. Certamente funcionará de ma-neira diversa nas de Dostoiévski e Balzac, vistas tam-bém como totalidades em que ele se insere. Só a partir daí será possível proceder a comparação”. (Antônio Cândido, In: NITRINI, Sandra. Literatura Compara-da. S. P.: USP, 2000: 183 - Epígrafe do cap. 3)

“Os anos 80 foram decisivos para o estatuto ins-titucional da literatura comparada no Brasil. Em 1986, foi criada em Porto Alegre a Associação Brasileira de Literatura Comparada — Abralic — por ocasião do I Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada. A Universidade Fede-ral do Rio Grande do Sul acolheu também o I Congresso da Associação Brasileira de Literatu-ra Comparada, em 1988. Ainda nessa década, a Universidade Federal de Minas Gerais foi sede de dois simpósios de literatura comparada. Convém lembrar também a publicação do livro Literatura Comparada, de Tânia Franco Carvalhal, em 1986, numa coleção de divulgação, destinada a estudos universitários.

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29Tais dados circunstanciais cristalizam um momento

importante da história da institucionalização da lite-ratura comparada no Brasil, cujas origens situam-se entre 1950 e 1960, quando foi introduzida no curri-culum dos cursos de Letras. Inicialmente, nas univer-sidades dos estados da Guanabara e São Paulo, graças às sugestões e aos esforços dos professores La Fayet-te Cortes e Antônio Cândido, respectivamente. Tal iniciativa foi seguida, depois, por outras instituições.

Essas informações demasiado factuais nos permitem ver que a institucionalização da literatura comparada no Brasil ocorreu justamente nos anos em que vozes contrárias à direção da chamada “escola francesa” começavam a se fazer ouvir; entre as quais, as mais conhecidas foram aquelas que se manifestaram no II Congresso da Associação Internacional de Literatura Comparada, em Chapel Hill, em 1958.

Antes da introdução da literatura comparada, como disciplina, na Universidade já havia, entretanto, in-formalmente, muito estudo nesse campo. Afrânio Peixoto desenvolveu atividade nesse sentido, sobre-tudo porque foi o introdutor do conceito de pré-ro-mantismo em nossos estudos literários, situando em razão dele as poesias de José Bonifácio e Borges de Barros, em estudo que publicou em 1940.

A primeira tese de literatura comparada na Univer-sidade de São Paulo (USP), Origens e Evolução dos Temas da Primeira Geração de Poetas Românticos Brasileiros, foi apresentada por Antônio Sales Cam-pos para concurso à cátedra de Literatura Brasileira, em 1945. Partindo de eixos temáticos como o patriotis-mo, o lirismo religioso, a natureza, as ruinas, o lirismo amoroso, o indianismo e o medievalismo, o autor refaz a história da produção literária da primeira geração de poetas românticos, na perspectiva do mais tradicional comparatismo francês, como se pode inferir do título da tese. Perspectiva plenamente justifi cada pela época em que foi escrita. Nesta tese se aliam a historiogra-fi a literária e a busca das fontes e infl uências, sempre comprovadas por meio do cotejo de textos.

(...).

Outro estudioso que se dedicou à literatura compara-da nos anos 40 foi Fidelino Figueiredo, que publicou no único número da Revista USP um alentado artigo de cunho comparatista, “Shakespeare e Garrett”, di-recionado pela idéia de que o “desenvolvimento his-tórico e episódio particular” de cada literatura ocorre no contexto da “solidariedade geral”, que é “a base da crítica comparativa e da literatura comparada”.

(...)

Em 1949, apareceu um livro voltado para um públi-co universitário: Literatura Universal. Esboço geral de uma história comparada das literaturas, de J. D. Le-

oni (professor da PUC de São Paulo e da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras do Instituto Mackenzie). Com intenções declaradamente didáticas, este autor se propôs a buscar um caminho intermediário entre a crí-tica histórica e a crítica estética para fazer seu “esboço geral de uma história comparada das literaturas”, mar-cando sua posição crítica com relação aos “estudos de literaturas comparadas” da primeira metade de nosso século [século XX], submetidos exageradamente aos limites das indagações da crítica histórica, embora re-conheça sua utilidade “para o completo conhecimento dos problemas fi lológico-literários”.

(...)

A literatura comparada como um campo específi co de estudos acadêmicos só tomou impulso nos anos 70, com a produção universitária nos cursos de pós-graduação, tanto no âmbito da área de Teoria Literária e Literatura Comparada como no das literaturas estran-geiras da Universidade de São Paulo e de programas de outras universidades, como os da PUC de São Paulo e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nessa época, tomou corpo junto à disciplina de Língua e Li-teratura Francesas da FFLCH da USP o projeto Léryy-Assu, dirigido pela professora Leyla Perrone-Moisés, cujo objeto central era estudar as marcas da França na Literatura Brasileira. Este constitui apenas um dentre muitos casos de interesse pelos estudos comparatistas, no domínio das disciplinas de literaturas estrangeiras.

Ainda nessa época, os cursos de literatura comparada na área de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP fi caram a cargo da professora Onédia Barboza, que pertencia à disciplina de Língua e Literatura Inglesas. Posteriormente, essa mesma área passou a contar com a colaboração dos professores Boris Schnaiderman e Au-rora Bernadini, de Língua e Literatura Russas.

É nessa década, também, que a bibliografi a teórica brasileira sobre literatura comparada inclui um artigo sucinto, porém esclarecedor, sobre o comparatismo: “Conceitos e Vantagens da Literatura Comparada”, de Afrânio Coutinho.

Independentemente de seu estatuto institucional, a literatura comparada existe no Brasil há muito tempo: desde que se começou a refl etir sobre a formação da Literatura Brasileira e sobre a criação de um projeto de literatura nacional. Em outras palavras, desde que os intelectuais e escritores da antiga colônia de Por-tugal começaram a tomar consciência da necessidade de se pôr em busca de sua identidade. (...).

(...)

No âmbito da crítica literária, a literatura comparada também está presente há muito tempo como postura

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30analítica. Um dos mais antigos estudos de literatura comparada no Brasil é o ensaio “Traços de Litera-tura Comparada do Século XIX”, de Tobias Barreto, publicado em 1887, no qual se encontram diferentes análises de vários aspectos dos estudos comparados, de acordo com a orientação do comparatista dinamar-quês George Brandes, lido em tradução alemã. (...)

(...)

João Ribeiro, em Páginas de Estética, dedicou um curto artigo à literatura comparada, em 1905, no qual deixa clara sua opção por explorar as relações entre os estratos culto e popular. (...)

(...)

Quatro anos depois, Almáquio Diniz publicou um artigo pioneiro no Brasil sobre o futurismo e Marinet-ti. Em 1910, lançou um outro artigo sobre esse mes-mo autor. (...)

(...)

Ainda em relação às duas primeiras décadas do sé-culo XX, importa mencionar a passagem do compara-tista francês Paul Hazard, por volta de 1920, pela Aca-demia Brasileira de Letras, onde fez uma conferência sobre as infl uências francesas no nosso romantismo.

José Veríssimo, Augusto Meyer, Brito Broca, Sérgio Milliet, Tristão de Ataíde, Álvaro Lins em diversos mo-mentos de suas obras críticas, Otto Maria Carpeaux em História da Literatura Ocidental e em vários ensaios dispersos, Eugênio Gomes, “o primeiro comparatista propriamente dito na crítica brasileira ... sem nenhum liame universitário nem etiqueta profi ssional”3 em vários trabalhos na imprensa e em Machado de Assis — Infl uências Inglesas (1939) incorporado a Espelho contra Espelho (1949), entre outros, contribuíram de modo especial para a formação de uma tradição crítica direcionada pelo comparatismo. (...).

(...)

Na década de 1960, a bibliografi a teórica dispunha de apenas dois livros ligados à literatura comparada como área de estudos literários sistematizada: a tradu-ção de La Littérature Comparée, de Marius Guyard, e o manual Literatura Comparada, de Tasso da Silvei-

ra, fi liado aos ensinamentos dos franceses. O primei-ro foi publicado em 1956 e o segundo, em 1964.

A pobreza bibliográfi ca em literatura comparada, naquela época, não signifi cava, necessariamente, que os intelectuais brasileiros desconhecessem o que se passava na cena internacional. Mas, como do ponto de vista institucional a literatura comparada no Brasil era recém-nascida, os trabalhos realizados não tinham como fi nalidade questionar nem a “escola francesa” nem a “escola americana” e muito menos construir um “modelo comparatista”, a partir de seu contexto.

(...)

A partir da década de 1970, intelectuais e professores universitários começam a se preocupar com a busca de novos modelos comparatistas. Sublinha-se a necessida-de de se apagar a introjeção colonialista que reconhece como natural a superioridade da literatura matriz ou dos países em condições econômicas mais favoráveis e se propõe o deslocamento do olhar como estratégia de leitura comparatista. É mais adequado ver a si mesmo com os próprios olhos, sem desconsiderar os do outro.

Esta mirada panorâmica serviu apenas como porta de entrada para termos uma idéia do campo imenso a ser explorado também na literatura comparada no Brasil.” (NITRINI: 2000, 183 - 193)

“Antônio Cândido introduziu a literatura compara-da na Universidade de São Paulo em 1962, quando propôs que a disciplina de Teoria Literária se trans-formasse em Teoria Literária e Literatura Comparada, com o objetivo de assegurar um espaço institucional a este domínio dos estudos literários. Fundou e dirigiu um círculo de estudos de Literatura Comparada, de 1962 a 1964, orientando dissertações de mestrado e teses de doutoramento de literatura comparada.

O perfi l comparatista de Antônio Cândido não se li-mita, entretanto, às atividades docentes. Sua vasta obra crítica e histórica oferece refl exões e interpretações que representam profundas contribuições para o pensa-mento comparatista brasileiro e latino-americano. De modo que até o presente não surgiu, entre nós, nenhum estudioso que nos oferecesse uma obra tão ampla, den-sa, coerente e atual como a sua, em termos de uma só-lida contribuição para a literatura comparada no Brasil e na América Latina”. (NITRINI, 2000: 194-195)

3 Nota 27 de Sandra Nitrini: Cf. Candido, op.cit., 1988b, p. 19.

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311.61.6 - Textos Poéticos para Comparação

Canção do Exílio

Gonçalves Dias (Coimbra, julho, 1843, Primeiros Cantos)

Kennst du das Land, wo dieCitronen blühenIm dunkeln die Gold-Orangen glühen,Kennst du es Wohl? Dahin, dahin!Möcht ich ... zielm.4

Minha terra tem palmeiras, (1)

Onde canta o Sabiá, (2) As aves que aqui gorjeiam,Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,Nossas várzes têm mais fl ores,Nossos bosques têm mais vida, (3) Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,Que tais não encontro eu cá;Em cismar, sozinho, à noite,Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morraSem que volte para lá;Sem que desfrute os primoresQue não encontro por cá;Sem qu’inda aviste as palmeiras,Onde canta o Sabiá.

(1) Infl uência do trecho da balada “Mignon”, do poeta alemão Goëthe: “Conheces a região onde fl orescem os limoeiros? / La-ranjas de ouro ardem no verde-escuro da folhagem; / Conheces bem? Nesse lugar / Eu desejaria estar”.

(2) Atenção: “Onde canta o Sabiá” imagem poética; o sabiá canta em laranjeiras, não em palmeiras.

(3) Atenção: No Hino Nacional Brasileiro, há dois versos de Gonçalves Dias.

Canção do Exílio

Casimiro de Abreu (Lisboa, Primaveras, 1859)

Eu nasci além dos mares:Os meus lares,Meus amores fi cam lá!— Onde canta nos retirosSeus suspiros,Suspiros o sabiá.

Oh! Que céu, que terra aquela,Rica e belaComo o céu de claro anil!Que seiva, que luz, que galas,Não exalas,Não exalas, meu Brasil!

Oh! Que saudades tamanhasDas montanhas,Daqueles campos natais!Que se mira,Que se mira nos cristais!

Não amo a terra do exílioSou bom fi lho,Quero a pátria, o meu país,Quero a terra das mangueirasE as palmeirasE as palmeiras tão gentis!

Como a ave dos palmaresPelos aresFugindo do caçador;Eu vivo longe do ninho;Sem carinhoSem carinho e sem amor!

Debalde eu olho e procuro...Tudo escuroSó vejo em roda de mim!Falta a luz do lar paternoDoce e ternoDoce e terno para mim.

Distante do solo amado— Desterrado —A vida não é feliz.Nessa eterna primaveraQuem me dera,Quem me dera o meu país!

4 Citação (epígrafe): versos do poema “Mignon Lied”, de Goëthe. Tradução livre: Conheces o país onde fl orescem as laranjeiras? / Ardem na escura fronde os frutos de ouro... / Tu o conheces? Para lá, para lá eu quisera ir.

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32Hino Nacional Brasileiro (Trecho)

Osório Duque Estrada (1909)

Do que a terra mais garridaTeus risonhos, lindos campos têm mais fl ores;Nossos bosques têm mais vida,Nossa vida no teu seio mais amores.

Canto de Regresso à Pátria

Oswald de Andrade (Pau-Brasil, 1925)

Minha terra tem palmaresOnde gorjeia o marOs passarinhos daquiNão cantam como os de lá.

Minha terra tem mais rosasE quase que mais amoresMinha terra tem mais ouroMinha terra tem mais terra.

Ouro terra amor e rosasEu quero tudo de láNão permita Deus que eu morraSem que volte para lá.

Não permita Deus que eu morraSem que volte pra São PauloSem que veja a Rua 15E o progresso de São Paulo.

Canção do Exílio

Murilo Mendes (Poemas, 1930)

Minha terra tem macieiras da Califórniaonde cantam gaturamos de Veneza. (1) Os poetas da minha terrasão pretos que vivem em torres de ametista,os sargentos do exército são monistas, cubistas, (2) (3)

os fi lósofos são polacos vendendo a prestações.

A gente não pode dormircom os oradores e os pernilongos.Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.

Eu morro sufocadoem terra estrangeira.Nossas fl ores são mais bonitasNossas frutas mais gostosasmas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdadee ouvir um sabiá com certidão de idade!

(1) Gaturamos: pássaros ornamentais.(2) Monistas: adeptos da doutrina fi losófi ca que considera que o conjunto das coisas pode ser reduzido à unidade.(3) Cubistas: representantes da tendência artística européia, surgida no começo do século XX, cujo maior expoente foi o pintor espanhol Pablo Picasso.

Ainda Irei a Portugal

Cassiano Ricardo (Um dia depois do outro)

Nunca fui a Portugal.Não foi por falta de querer.Nem por perder meu lugar,Que este bem guardado está.

Difi culdades de vida...Contratempos de memória...Certas questões de prosódiae outros pequenos abismospostos entre mim e o Atlânticoaté que algum dia eu vá.

Não conheci meu avô.Senão de fotografi a.Não ouvi, senão em sonho,o canto da cotovia.

No entanto, talvez lirismo,─ lirismo da hora H ─ah! que saudade que eu sintode tudo que fi cou lá.

Fui marujo, com certeza,pois tenho alma azul-marinha.Vim pro Brasil tão futuroque nunca soube que vinha.

Hoje caço papagaiose outras aves tagarelasno bojo das caravelasentre o azul e o Deus dará.

Com os olhos do meu avôconheci horizontes novos,gentes de todas as corese os mais variados povosque só em sonhos revejopor nunca ter ido eu lá.

No doloroso retratoque no meu sangue caminhame vieram estas paisagensfi lhas de audaciosas viagens.Condição estranha, a minha.Sinto que sou quase autor

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33da carta de Vaz Caminha.Onde estaria eu agora?meu avô, onde estará?Saudade de Portugalque o coração espezinha.Sem saber se ele me “quere”.Esta saudade que fereMais que as outras quiçá.Sem exílio, nem palmeira ─Onde canta um sabiá...

Saudade assim por herançade coisas que não conheço,chega a ser, quase, esperança...Esperança pelo avesso.Saudade tanto mais gravepor nunca ter ido eu lá.Saudade maior? Não tem.“Não tem”, não ─ senhor, não há.

Canção do Expedicionário (1944)

Letra: Guilherme de Almeida

Você sabe de onde eu venho?Venho do morro, do Engenho,Das selvas, dos cafezais,Da boa terra do coco,Da choupana onde um é pouco,Dois é bom, três é demais,Venho das praias sedosas,Das montanhas alterosas,Dos pampas, do seringal,Das margens crespas dos rios,Dos verdes mares braviosDa minha terra natal.

Por mais terras que eu percorra,Não permita Deus que eu morraSem que volte para lá;Sem que leve por divisaEsse “V” que simbolizaA vitória que virá:Nossa vitória fi nal,Que é a mira do meu fuzil,A ração do meu bornal,A água do meu cantil,As asas do meu ideal,A glória do meu Brasil.

Eu venho da minha terra,Da casa branca da serraE do luar do meu sertão;Venho da minha MariaCujo nome principiaNa palma da minha mão,Braços mornos de Moema,Lábios de mel de Iracema

Estendidos para mim.Ó minha terra queridaDa Senhora AparecidaE do Senhor do Bonfi m.

Por mais terras que eu percorra,Não permita Deus que eu morraSem que volte para lá;Sem que leve por divisaEsse “V” que simbolizaA vitória que virá:Nossa vitória fi nal,Que é a mira do meu fuzil,A ração do meu bornal,A água do meu cantil,As asas do meu ideal,A glória do meu Brasil.

Você sabe de onde eu venho?É de uma Pátria que eu tenhoNo bojo do meu violão;Que de viver em meu peitoFoi até tomando jeitoDe um enorme coração.Deixei lá atrás meu terreno,Meu limão, meu limoeiro,Meu pé de jacarandá,Minha casa pequeninaLá no alto da coluna,Onde canta o sabiá.

Por mais terras que eu percorra,Não permita Deus que eu morraSem que volte para lá;Sem que leve por divisaEsse “V” que simbolizaA vitória que virá:Nossa vitória fi nal,Que é a mira do meu fuzil,A ração do meu bornal,A água do meu cantil,As asas do meu ideal,A glória do meu Brasil.

Venho do além desse monteQue ainda azula o horizonte,Onde o nosso amor nasceu;Do rancho que tinha ao ladoUm coqueiro que, coitado,De saudade já morreu.Venho do verde mais belo,Do mais dourado amarelo,Do azul mais cheio de luz,Cheio de estrelas prateadasQue se ajoelham deslumbradas,Fazendo o sinal da cruz!

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34Por mais terras que eu percorra,Não permita Deus que eu morraSem que volte para lá;Sem que leve por divisaEsse “V” que simbolizaA vitória que virá:Nossa vitória fi nal,Que é a mira do meu fuzil,A ração do meu bornal,A água do meu cantil,As asas do meu ideal,A glória do meu Brasil.

Europa, França e Bahia (1945)

Carlos Drummond de Andrade (ANDRADE, Car-los Drummond. “Alguma Poesia”. In: Nova Reunião: 19 Livros de Poesia. Rio de Janeiro: José Olympio / Brasília: INL, 1983: 7-8 (Vol. 1)

Meus brasileiros sonhando exotismos.Paris. A Torre Eiffel alastrada de antenas como um

caranguejo. (1)

Os cais bolorentos de livros judeuse a água suja do Sena escorrendo sabedoria.

O pulo da Mancha num segundo. (2) Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas.

Tarifas bancos fábricas trustes craques. (3) Milhões de dorsos agachados em colônias longín-

quas formam um tapetepara sua Graciosa Majestade Britânica pisar.E a lua de Londres como um remorso. (4)

Submarinos inúteis retalham mares vencidosO navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos

arruinados. (5)

Hamburgo, umbigo do mundoHomens de cabeça rachada cismam emrachar a cabeça dos outros dentro de alguns anos. (6)

A Itália explora conscientemente vulcões apagados,vulcões que nunca estiveram acesosa não ser na cabeça de Mussolini. (7)

E a Suíça cândida se oferecenuma coleção de postais de altitudes altíssimas.

Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa.

Não há mais Turquia.O impossível dos serralhos esfacela erotismos pres-

tes a declanchar. (8) (9)

Mas a Rússia tem as cores da vida.A Rússia é vermelha e branca.

Sujeitos com um brilho esquisito nos olhoscriam o fi lme bolchevista e no túmulode Lênin em Moscou parece que um coração enor-

me está batendo, batendomas não bate igual ao da gente... (10)

Chega!Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.Minha boca procura a “Canção do Exílio”?Como era mesmo a “Canção do Exílio”?Eu era tão esquecido de minha terra... (11) Ai terra que tem palmeirasOnde canta o sabiá!

(1) Este verso apresenta uma imagem animalizadora da Torre Eiffel e da máquina que imperou no século XX.

(2) Refere-se ao Canal da Mancha, que separa a França da Inglaterra.

(3) Truste =

- Organização fi nanceira que dispõe de grande poder econômico.

- Associação fi nanceira que realiza a fusão de várias fi rmas em uma única empresa.

(4) “E a lua de Londres como um remorso” = Refere-se ao impe-rialismo britânico, ou seja, ao capitalismo selvagem.

(5) Dolicocéfalos = Tipo humano cuja largura de crânio tem 4/5 do seu comprimento.

(6) Estrofe: Refere-se ao espírito beligerante dos alemães da época.

(7) Refere-se às idéias fantasiosas de Mussolini, idéias fascistas.

(8) Serralhos = haréns.

(9) Declanchar = levantar o véu usado pelas mulheres turcas.

(10) Colocação de sentimentos de culturas diferentes.

(11) Sentimento de amor à Pátria, de ser brasileiro; o poeta, graças ao seu sentimento lírico, gerado pela distância, observa os valores

de sua cultura.

Nova Canção do Exílio (1945)

Carlos Drummond de Andrade (ANDRADE, Car-los Drummond. “Alguma Poesia”. In: Nova Reunião: 19 Livros de Poesia. Rio de Janeiro: José Olympio / Brasília: INL, 1983: 141 - 142. (Vol. 1)

Um sabiána palmeira, longe.Estas aves cantamum outro canto.

O céu cintilasobre fl ores úmidas.Vozes na mata,e o maior amor.

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35Só, na noite,seria feliz:um sabiá,na palmeira, longe.

Onde é tudo beloe fantástico,só, na noite,seria feliz.(Um sabiá,na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida evoltarpara onde é tudo beloe fantástico:a palmeira, o sabiá,o longe.

Uma Canção

Mário Quintana (In: Poemas, 1962)

Minha terra não tem palmeiras...E em vez de um mero sabiá,Cantam aves invisíveisNas palmeiras que não há.

Minha terra tem relógios,Cada qual com sua horaNos mais diversos instantes...Mas onde o instante de agora?

Mas onde a palavra “onde”?Terra ingrata, ingrato fi lho,Sob os céus de minha terraEu canto a Canção do Exílio!

Jogos Florais I

Cacaso (In: Beijo na Boca e Outros Poemas, 1985)

Minha terra tem palmeirasonde canta o tico-ticoEnquanto isso o sabiávive comendo o meu fubá

Ficou moderno o Brasilfi cou moderno o milagrea água já não vira vinhovira diretovinagre

Jogos Florais II

Cacaso (1985)

Minha terra tem palmaresmemória cala-te jáPeço licença poética

Belém capital ParáBem, meus prezados senhoresdado o avanço da horaerrata e efeitos de vinhoo poeta sai de fi ninho.

(será mesmo com esses dois essesque se escreve paçarinho?)

Nova Canção do Exílio

Ferreira Gullar (In: O GLOBO. Prosa e Verso, 02/09/2000)

Minha amada tem palmeirasonde cantam passarinhose as aves que ali gorjeiamem seus seios fazem ninhos

Ao brincarmos sós à noitenem me dou conta de mim:seu corpo branco na noiteluze mais do que o jasmim

Minha amada tem palmeirastem regatos tem cascatae as aves que ali gorjeiamsão comofl autas de prata

Não permita Deus que eu vivaperdido noutros caminhossem gozar das alegriasque se escondem em seus carinhossem me perder nas palmeirasonde cantam passarinhos

Conheces a Região do Laranjal Florido?

Rogel Samuel (www.literaturarogelsamuel.blogspot.com)

“No início da “Canção de Mignon” de Goëthe miste-rioso verso: “Conheces a região do laranjal fl orido?” No original há um “lá”, que se repete (Dahin, dahin), objetivando transcendência que a tradução excelente de João Ribeiro manteve. Um lá (Mignion) que talvez se refere a certo lugar na Itália, diz Eça de Queirós, n’O mandarim. Um lieder de Schubert, de 1816. A terra privilegiada onde o laranjal fl oresce ouro (Citro-nen blühen). Um “lá... bem longe, além”, que aponta para lugar, a princípio paradisíaco, onde o sujeito do poema nos convida a ir, com ele, onde dourados po-mos brilham na escuridão (Gold-Orangen glühen), e no céu azul a brisa, tudo em paz, nada move, nada passa, nem a vida, nem a glória (nem o louro)... Não a conheces tu? Quisera ir-me contigo...

Conheces a região do laranjal fl orido?Ardem, na escura fronde, em brasa os pomos de ouro;No céu azul perpassa a brisa num gemido...A murta nem se move e nem palpita o louro...

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36Não a conheces tu?Pois lá... bem longe, além,Quisera ir-me contigo, ó meu querido bem!

[Kenunust du das Land, wo die Citronen blühen,Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühen?Kenunust du es wohl? Dahin, dahin!Möchtl ich... ziehn.]

A estrofe epígrafe de “A Canção do Exílio”, de Gon-çalves Dias, por isso a transcrevo. Não sei alemão. João Ribeiro, sábio e erudito fi lólogo carioca (1860-1934), também poeta. Hoje esquecido. Não mais edi-tado. Em 1932 escreveu um ensaio sobre göethe. Foi jornalista, catedrático do Pedro II. Soube dar e trans-por o clima da “A Canção de Mignion”.

A casa, sabes tu? Em luzes brilha toda,E a sala e o quarto. O teto em colunas descansa.Olham, como a dizer-me, as estátuas em roda: Que fi zeram de ti, ó mísera criança!Não a conheces tu?Pois lá... bem longe, além,Quisera ir-me contigo, ó meu senhor, meu bem!

Súbito, Göethe introduz, nessa região maravilhosa, fantástica, irreal uma casa! Sólida casa, como deve ser a tradição familiar: “O teto em colunas descan-sa”. Casa paterna, a sala e o quarto, o mais íntimo das forças arquitetônicas do espírito (“sabes tu?”), que olham, falam, veem a desgraça a que fomos reduzidos (“que fi zeram de ti, ó mísera criança?”) não, não a conheço, não a reconheço, a casa de meus pais, no além, no bem longe, aonde o poeta me levou. Meus familiares estátuas tumulares...

Conheces a montanha ao longe enevoada?A alimária procura entre névoas a estrada...Lá, a caverna escura onde o dragão habita,E a rocha donde a prumo a água precipita...Não a conheces tu?Pois lá... bem longe, além,Vamos, ó tu, meu pai e meu senhor, meu bem!

Göethe introduz palavra-chave, palavra grave, pala-vra-montanha, ponto de fuga, de onde a dor se desped-aça: meu “Pai”. Não só pai, mas pai e “senhor”, com os semas que a idéia de senhor nos traz, nos põe, dis-põe, na mesa de leitura, do poder, da Lei. Do nome, do não. Göethe e João Ribeiro têm algo em comum além das “afi nidades eletivas”: a idéia, a ideologia do pai. João Ribeiro não teve pai (faleceu cedo), foi criado pelo avô, “culto e liberal” (diz Afrânio Coutinho). Göethe cultuou o pai, herói. Entre eles se estabeleceu o laço cúmplice da volta ao Pai. Meu pai, cuja língua materna era o alemão, recitava Göethe de memória. Mas a montanha está enevoada, envolvem-se os mis-térios da grandeza... os animais procuram estrada... lá

reside o perigo o dragão! na Caverna escura, indevassável, uterina, se verte a água, da vida, que a prumo se precipita, nas veias do destino. Não conhec-es tu? É lá, lá.”

Soneto 134

Francesco Petrarca (1304 – 1374)

Pace non trovo, e non ho da far guerra;e temo, e spero; et ardo, e son um ghiaccio;e volo sopra ’l cielo, e giaccio in terra;e nulla strigo, e tutto ’l mondo abbraccio.

Tal m’há in pregion, che non m’apre né serra,né per suo mi ritèn né scioglie il laccio;e non m’ancide Amore, e non mi sferrané mi vuol vivo né mi trae dímpaccio.

Soneto 4

Sir Thomas Wyatt (1503 – 1542)

I fi nd no peace, and all my war is done,I fear, and hope. I burn, and freeze like ice.I fl y above the wind, yet can I not arise.And naught I have, and all the world I season.

That loseth nor locketh holdeth me in prison,And hodeth me not, yet can I scape nowise:Nor letteth me live nor die at my devise,And yet of death it giveth me occasion.

Without eyen I see, and withhout tongue I plain:I desire to perish, and yet I ask health:I love another, and thus I hate myself:

I feed me in sorrow, and laugh at all my pain:Likewise displeaseth me both death and life,And my delight is causer of this strife.

Tradução do Soneto 4

Sir Thomas Wyatt (1503 – 1542)

Não encontro paz e, toda a minha luta já está fi nda.Desejo e temo. Ardo, ou esfrio como geloVoo em cima do vento e não levanto.Nada possuo, mas partilho o mundo.

Nada me solta, nada me aprisiona,Não há como escapar, nada me retém.Nem viver nem morrer posso à vontade,Mas motivos de morte me são dados.

Vendo sem olhos, falo sem língua:Querendo perecer, peço saúde:

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37A mim odeio, amando outra pessoa,Me encho de dor e rio desta sina.Desagradam-me a vida, a morte. E mina,Causador do confl ito, o meu prazer.

Soneto 8

Louise Labé (1515/1524 - 1566)

Je vis, je meurs: je me brule et me noye.J’ay chaut estreme en endurant froidure:La vie m’est et trop molle et trop dure.J’ai grands ennuis entremeslez de joye:

Tout à un coup je ris et je larmoye,Et en plaisir maint grief tourment j’endure:Mon bien s’en va, et à jamais il dure:Tout en un coup je seiche et je verdoye.

Ainsi Amour inconstantamment me meine:Et, quand je pense avoir plus de douleur,Sans y penser je me treuve hors de peine.

Puis, quand je croy ma joye estre certeineEt estre au haut de mon desiré heur,Il me remet en mon premier malheur.

Tradução do Soneto 8

Louise Labé (1515/1524 - 1566)

Eu vivo, eu morro. Eu me queimo e afogo.Com extremo calor suporto o frio:De vida mole, ou dura, eu me sacio,Tédio e alegria em mim se alternam logo:

Ao mesmo tempo eu rio e me pranteio,No auge do prazer sofro um tormento:Vai-se-me o bem, perdura o pensamento,Ao mesmo tempo eu enverdeço e enfeio.

Tão inconstante, Amor me desordena:Se me creio sentindo imensa dor,O meu pensar dissolve toda a pena.

E se alegria eu tomo por serena,Pensando estar na mais feliz das cenas,Ele arremete e torna-me ao torpor.

Soneto

Luís de Camões

Tanto de meu estado me acho incerto,Que em vivo ardor tremendo estou de frio;Sem causa, juntamente choro e rio;

O mundo todo abarco e nada aperto.É tudo quanto sinto um desconcerto;Da alma um fogo me sai, da vista um rio;Agora espero, agora desconfi o,Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando;Numa hora acho mil anos, e é de jeitoQue em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,Respondo que não sei; porém suspeitoQue só porque vos vi, minha Senhora.

Soneto

Francisco Rodrigues Lobo

Fermosos olhos, quem ver-vos pretendeA vista dera um preço, se vos vira,Que inda que por perder-vos a sentira,A perda de não ver-vos não se entende:

A graça dessa luz não na compreendeQuem, qual ao Sol, a vós seus olhos vira,Que o cego Amor, que cego deles tira,Com vossos próprios raios a defende.

Não pode a vista humana conhecerQual seja a vossa cor, que a luz forçosaNão ausente mostrar tanta beleza:

Se eu, que em vendo-a ceguei, pude ainda ver,Uma cor vi, porém, cor tão fermosaQue me não pareceu da natureza.

A Uma Ausência

Antônio Barbosa Bacelar (Lisboa, 1610-1663)

Sinto-me, sem sentir, todo abrasadoNo rigoroso fogo que me alenta;O mal que me consome me sustenta,O bem que me entretém me dá cuidado.

Ando sem me mover, falo calado,O que mais perto vejo se me ausenta,E o que estou sem ver mais me atormenta;Alegro-me de ver-me atormentado.

Choro no mesmo ponto em que me rio,No mor risco me anima a confi ança,Do que menos se espera estou mais certo.

Mas, se confi ado desconfi o,É porque, entre os receios da mudança,Ando perdido em mim como em deserto.

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38Aos Afetos e Lágrimas Derramadas na Ausência da Dama d Quem Queria Bem

Gregório de Mattos Guerra (1633 – 1696)

Ardor em fi rme coração nascido;pranto por belos olhos derramado;incêndio em mares de água disfarçado;rio de neve em fogo convertido:

Tu, que em um outro peito abrasas escondido;tu, que em um rosto corres desatado:quando fogo, em cristais aprisionado;quando cristal, em chamas derretido:

Se és fogo, como passas brandamente?Se és neve, como queimas com porfi a?Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois, para temperar a tirania,como quis que aqui fosse a neve ardente,permitiu parecesse a chama fria.

Amor e Medo (Trecho)

Casimiro de Abreu (1839 – 1860)

Quando eu te fujo e me desvio cautoDa luz de fogo que te cerca, oh! bela,Contigo dizes, suspirando amores:“─ Meu Deus! Que gelo, que frieza aquela!”

Como te enganas! Meu amor é chamaQue se alimenta no voraz segredo,E se te fujo é que te adoro louco...És bela ─ eu moço; tens amor ─ eu medo!...

Nel Mezzo del Camin...

Olavo Bilac (1865 – 1918)

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigadaE triste, e triste e fatigado eu vinha.Tinhas a alma de sonhos povoada,E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estradaDa vida: longos anos, presa à minhaA tua mão, a vista deslumbradaTive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partidaNem o pranto os teus olhos emudeceNem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,Vendo o teu vulto que desapareceNa extrema curva do caminho extremo.

Suave Caminho

Mário Pederneiras (1868 – 1915)

Assim... Ambos assim, no mesmo passo,Iremos percorrendo a mesma estrada;Tu ─ no meu braço trêmulo amparada,Eu ─ amparado no teu lindo braço.

Ligados neste arrimo, embora escasso,Venceremos as urzes da jornada...E tu ─ te sentirás menos cansada,E eu ─ menos sentirei o meu cansaço.

E assim, ligados pelos bens supremos,Que para mim o teu carinho trouxe,Placidamente pela vida iremos,

Calcando mágoas, afastando espinhos,Como se a escarpa desta Vida fosseO mais suave de todos os caminhos.

Vocabulário

Urzes = Designação comum a diversas plantas eu-ropeias da família das ericácias; Em Portugal, torgo.

Escarpa = Ladeira íngreme.

Soneto XVII

Guilherme de Almeida (1890 – 1969)

Eu em ti, tu em mim, minha querida,Nós dois passamos despreocupados,Como passa, de leve, pela vida,Um parzinho feliz de namorados.

E assim vou, e assim vais. E assim, unidaÀ minha mão na tua, de braços dados,Assim nós vamos, como quem duvidaQue haja, no mundo, tantos desgraçados.

Um dia, para nós ─ não sei... quem sabe? ─É bem possível que tudo isto acabe,Que sejas mais feliz, que eu fi que louco...

Mas nunca percas, nunca mais, de vistaAquele moço sentimentalistaQue te quis muito e a quem quiseste pouco.

Soneto VIII

Guilherme de Almeida (1890 – 1969)

Por que confi ado estou dos fi ngimentosDe mores bens e de menores danos,

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39Se o de que vive amor são desenganos,Se o que morre são contentamentos?

Ah! Que tornar pudera aos meus tormentosQue em outro tempo tive por tiranos!Que hoje é dias, semanas, meses, anos,Sec’los aquilo que era só momentos.

E vejo a vida assim tão mal devidaAo mal d’amor que tanto bem lhe deveE lhe paga co duro desfavor.

Por que viver d’amor e amar a vida,Se para o bem amar a vida é breve,Se para bem viver é breve o amor?

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40 UNIDADE II

CONTISTAS BRASILEIROS MODERNOSCONTISTAS BRASILEIROS MODERNOSE PÓS-MODERNOSE PÓS-MODERNOS

2.12.1 - O Regional: Afonso Arinos, Monteiro Lobato, Coelho Neto, Hugo de Carvalho Ramos, Valdomiro Silveira e Simões Lopes Neto

“Em alguns contistas, cuja produção aparece no co-meço do século, a matéria rural é tomada a sério, isto é, assumida nos seus preciosos contornos físicos e so-ciais dentro de uma concepção mimética de prosa. É o caso do regionalismo de Valdomiro Silveira, de Si-mões Lopes Neto, de Hugo de Carvalho Ramos, que resultou de um aproveitamento literário das matrizes regionais.” (BOSI, 1996: 207).

Afonso Arinos de Melo Franco

(Paracatu, Minas Gerais, 1868 – Barcelona, 1916).

Obras:• Pelo Sertão, 1898;• Os Jagunços, 1898;• Lendas e Tradições Brasileiras, 1917;• O Mestre de Campo, 1918;• Histórias e Paisagens, 1921.(BOSI, 1996: 207).

Afonso Arinos é o primeiro escritor regionalista de real impor-tância a considerar nesse período. Histórias e quadros sertanejos constituem o grosso de seu livro Pelo Sertão. Não se lhe pode negar brilho descritivo, não obstante a minudência pedante e não raro preciosa da linguagem (...) (BOSI, 1996-1999: 209).

Monteiro Lobato, José Bento

(Taubaté, São Paulo, 1882 – São Paulo, 1948).

Obras:• Urupês, 1918;• Cidades Mortas, 1919;• Negrinha, 1920;• O Macaco que se fez Homem, 1923;• O Presidente Negro ou O Choque das Raças, 1926.(BOSI, 1996: 215).

“O papel que Lobato exerceu na cultura nacional transcende de muito a sua inclusão entre os con-tistas regionalistas. Ele foi, antes de tudo, um in-telectual participante que empunhou a bandeira do

progresso social e mental de nossa gente.” (BOSI, 1996-1999: 215).

Hugo de Carvalho Ramos

(Goiás, Estado de Goiás, 1895 – Rio de Janeiro, 1921).

Obras:• Tropas e Boiadas, 1917;• Obras Completas, 1950.(BOSI, 1996-1999: 215)

A vida dos tropeiros goianos encontrou seu narrador no malogra-do Hugo de Carvalho Ramos, jovem hipersensível que morreu suicida aos vinte e seis anos. Seus contos, reunidos em Tropas e Boiadas, revelam plena aderência aos mais variados aspectos da natureza e da vida social goiana que reponta vigorosa em toda parte, não obstante certa estilização preciosa a que, aliás, difi cil-mente poderia subtrair-se o adolescente inseguro recém-vindo da província para a Capital (BOSI, 1996: 215).

Valdomiro Silveira

(Goiás, Estado de Goiás, 1895 – Rio de Janeiro, 1921).

Obras:• Os Caboclos, 1920;• Nas Serras e nas Furnas, 1931;• Mixuango, 1937;• Leréias. Histórias Contadas por Eles Mesmos, 1945.(BOSI, 1996-1999: 211)

“Valdomiro Silveira compartilha com Afonso Arinos o mérito de ter iniciado em nossas letras uma prosa regional ao mesmo tempo patética e veraz. De velha cepa paulista, caipira de coração e cultura, este juiz e homem público sem mácula consagrou o melhor de seu talento na expressão do meio caboclo, logrando alcançar efeitos de aderência à vida e ao falar sertane-jo em verdade admiráveis.” (BOSI, 1996: 211)

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41Simões Lopes Neto, João.

(Pelotas, Rio Grande do Sul, 1865 – Pelotas, 1916).

Obras:• Cancioneiro Guasca, 1910;• Lendas do Sul, 1913;• Contos Gauchescos, 1926;• Casos do Romualdo, 1952.(BOSI, 1996: 212)

“João Simões Lopes Neto é o patriarca das letras gaúchas. Dentro do quadro global do regionalismo antemodernista é nele que se reconhece imediatamen-

te um valor que transcende à categoria em que a his-tória literária sói fi xá-la. É o artista enquanto homem que tem algo de si a transmitir, ainda quando pareça fazer apenas documentário de uma dada situação cul-tural. Seus contos fl uem num ritmo tão espontâneo, que o caráter semidialetal da língua passa a segundo plano, impondo-se à verdade social e psicológica dos entrechos e das personagens.

O caso do tropeiro que perdeu numa barranca as tre-zentas onças de ouro do patrão é narrado com a singe-leza de um conto ao pé do fogo, mas as imagens que nele campeiam atestam a força pessoal de um estilo que domina a própria matéria.” (BOSI, 1996: 212)

2.22.2 - O Urbano: Machado de Assis, Lima Barreto, João do Rio, Antônio de Alcântara Machado e Sérgio Sant’Anna

“Antes dos modernos, Lima Barreto e Graça Aranha tinham sido os últimos narradores de valor a dinami-zar a herança realista do século XIX. Com o advento da prosa revolucionária do grupo de 22 (Macunaíma, Memórias Sentimentais de João Miramar, Brás, Be-xiga e Barra Funda), abriu-se caminho para formas mais complexas de ler e de narrar o cotidiano. Houve, sobretudo, uma ruptura com certa psicologia conven-cional que mascarava a relação do fi ccionista com o mundo e com seu próprio eu. O Modernismo e, num plano histórico mais geral, os abalos que sofreu a vida brasileira em torno de 1930 (a crise cafeeira, a Re-volução, o acelerado declínio do Nordeste, as fendas nas estruturas locais) condicionaram novos estilos fi ccionais marcados pela rudeza, pela captação direta dos fatos, enfi m por uma retomada do naturalismo, bastante funcional no plano da narração-documento que então prevaleceria.” (BOSI, 1996: 389)

Machado de Assis, Joaquim Maria.

(Rio de Janeiro, RJ, 1893 – Rio de Janeiro, 1908).

Obras:• Contos Fluminenses, 1870;• Ressurreição, 1872;• Histórias da Meia-Noite, 1873;• A Mão e a Luva, 1874;• Helena, 1876;• Iaiá Garcia, 1877;• Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881;• Histórias Sem Data, 1884;• Quincas Borba, 1892;• Várias Histórias, 1896;• Páginas Recolhidas, 1899;• Dom Casmurro, 1900;

• Esaú e Jacó, 1904;• Relíquias da Casa Velha, 1906;• Memorial de Aires, 1908.(BOSI, 1996: 174)

“(...) o diálogo “Filosofi a de um par de botas”, em que as classes e os ambientes do Rio imperial estão vistos por baixo e em tom de galhofa, pois são velhas botas lançadas à praia que contam as andanças dos antigos donos até serem recolhidas por um mendigo; o “Elogio da Vaidade”, feito por ela mesma, embrião da psicologia explorada nas Memórias, além de con-junto de fi nos retratos morais à La Bruyère. Enfi m, a passagem de uma fase a outra entende-se ainda melhor quando lidos alguns poemas das Ocidentais [poemas], já parnasianos pelo sóbrio do tom e pela preferência dada às formas fi xas: em “Uma Criatura”, em “Mundo Interior” e no célebre “Círculo Vicioso”, uma linguagem composta e fatigada serve à expressão de um pessimismo cósmico que toca Schopenhauer e Leopardi pelo retorno ao mito da Natureza madrasta (imagem central no “Delírio” de Brás Cubas):

Sei de uma criatura antiga e formidável,Que a si mesma devora os membros e as entranhasCom a sofreguidão da fome insaciável...............................................................................

Nas árvores que rebenta o seu primeiro gomoVem a folha, que lento e lento se desdobra,Depois a fl or, depois o suspirado pomo

Pois essa criatura está em toda a obra:Cresta o seio da fl or e corrompe-lhe o fruto;E é desse destruir que as suas forças dobra.

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42Ama de igual amor o poluto e o impoluto;Começa e recomeça uma perpétua lida,E sorrindo obedece ao divino estatuto.Tu dirás que é a Morte: eu direi que é a Vida. (Uma

Criatura)”.

(BOSI, 1996: 178)

Lima Barreto, Afonso Henriques

(Rio de Janeiro, RJ, 1881 – Rio de Janeiro, 1922).

Obras:• Recordações do Escrivão Isaias Caminha, 1909;• Triste Fim de Policarpo Quaresma, 1915;• Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, 1919;• Numa e Ninfa, 1923;• Bagatelas, 1923;• Os Bruzundangas, 1923;

Obras de Lima Barreto (publicadas a partir de 1956), inclusos os livros citados e mais: Histórias e Sonhos (contos); Coisas do reino do Jambon (sátira); Feiras e Mafuás (artigos e crônicas); Vida Urbana (artigos e crônicas), Marginalia (artigos e crônicas), Impres-sões de Leitura (crítica), Diário Íntimo (memórias), O Cemitério dos Vivos (memórias), Correspondência, 2 vols., todos pela Editora Brasiliense, de São Paulo. (BOSI, 1996: 316-317)

“A biografi a de Lima Barreto explica o húmus ide-ológico da sua obra: a origem humilde, a cor, a vida penosa de jornalista pobre e de pobre amanuense, aliadas à viva consciência da própria situação social, motivaram aquele seu socialismo maximalista, tão emotivo nas raízes quanto penetrante nas análises.

É verdade que se apresentaram contradições na ideo-logia de Lima Barreto: o iconoclasta de tabus detestava algumas formas típicas de modernização que o Rio de Janeiro conheceu nos primeiros decênios do século: o cinema, o futebol, o arranha-céu e, o que parece grave, a própria ascensão profi ssional da mulher! Chegava, às vezes, a confrontar o sistema republicano desfavo-ravelmente com o regime monárquico no Brasil.

Mas essas contradições também já foram aclara-das: Lima Barreto viera da pequena classe média suburbana, e como suburbano reagia em termos de conservantismo sentimental. Poderíamos fi liar a sua xenofobia a um natural instinto de defesa étnico. E, quanto a ojeriza pelos homens e pelos processos da República Velha, explica-se ainda mais naturalmente pela sua aversão às oligarquias que tomaram o poder em 1889.” (BOSI, 1996: 316-318)

João do Rio – João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto

(Rio de Janeiro, 05 de agosto de 1881 – Rio de Ja-neiro, 23 de junho de 1921)

Obras:• As Relações do Rio, 1904;• O Momento Literário, 1905;• A Alma Encantadora das Ruas, 1908;• Era Uma Vez..., 1909;• Cinematographo (crônicas cariocas), 1909;• Fados, Canções e Danças de Portugal, 1910;• Dentro da Noite, 1910 (disponível para leitura e

download, em www.dominiopublico.gov.br);• A Profi ssão de Jacques Pedreira, 1911;• Psicologia Urbana, 1911;• Vida Vertiginosa, 1911;• Portugal D’Agora, 1911;• Os Dias Passam, 1912;• A Bela Madame Vargas, 1912;• Eva, 1915;• Crônicas e Frases de Godofredo de Alencar,

1916;• Pall-Mall Rio: O Inverno Carioca de 1916;• Nos Tempos de Venceslau, 1917;• Sésamo, 1917;• A Correspondência de Uma Estação de Cura,

1918;• A Mulher e os Espelhos, 1919;• Na Conferência da Paz, 1919;• Adiante! Paris, 1919;• Ramo de Loiro: Notícias em Louvor, 1921;• Rosário da Ilusão, 1921;• Celebridade, Desejo, 1932 (edição póstuma).

Antecipando “as transformações trazidas pelo ma-nifesto modernista e a Semana de 22”, sua obra cons-titui-se no “mais fértil material sobre a cidade do Rio de Janeiro nas duas primeiras décadas deste século [século XX], interessando igualmente a historiadores, antropólogos, urbanistas e folcloristas”.

(João Carlos Rodrigues. In: www.cervantesvirtual.com/portal/FBN/biografi as)

Antônio Castilho de Alcântara Machado

(São Paulo, 1901 – Rio de Janeiro, 1935).

Obras:• Pahté Baby, 1926;• Brás, Bexiga e Barra Funda, 1927;• Laranja da China, 1928;

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43• Anchieta na Capitania de São Vicente, 1928;• Mana Maria, 1936 (romance inacabado; edição

póstuma);• Cavaquinho e Saxofone, 1940 (edição póstuma);• Novelas Paulistanas, (1961, Editora José Olym-

pio; reúne a obra de fi cção de Alcântara Machado).(BOSI, 1996: 374)

“Voltado para a vida da sua cidade, Alcântara Macha-do soube ver e exprimir as alterações que trouxera à rea-lidade urbana um novo personagem: o imigrante. O en-xerto que o estrangeiro, sobretudo o italiano, signifi cava para o tronco luso-tupi da antiga São Paulo produzira mudanças de costumes, de reações psicológicas e, natu-ralmente, uma fala nova a espelhar os novos conteúdos.

É nos contos de Brás, Bexiga e Barra Funda que se vão encontrar exemplos de uma ágil literatura citadi-na, realista (aqui e ali impressionista), que já não se via desde os romances e as sátiras cariocas de Lima Barreto.” (BOSI, 1996: 374)

Sérgio Sant’Anna

(Rio de Janeiro, 1941)

Obras:• O Sobrevivente (contos), 1969;• Notas de Manfredo Rangel, Repórter (contos),

1973;• Confi ssões de Ralfo (romance), 1975;• Simulacros (romance), 1977;• Circo (poema), 1980;• Um Romance de Geração (teatro), 1981;• O Concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro

(contos), 1982;• Junk-Box (poesia), 1984;• A Tragédia Brasileira (romance-teatro), 1984;• Amazona (novela), 1986;• A Senhorita Simpson (contos), 1989;• Breve História do Espírito (contos), 1991;• O Monstro (contos), 1984;• Um Crime Delicado (romance), 1997;• O Voo da Madrugada (contos), 2003.

2.32.3 - O Exótico: Hilda Hilst, Murilo Rubião, Roberto Drummond e Sônia Coutinho

Hilda de Almeida Prado Hilst

(Jaú, São Paulo, 21/04/1930 – Campinas, 04/02/2004)

Obras:• Presságio (poesia), 1950;• Balada de Alzira (poesia), 1951;• Balada do Festival (poesia), 1955;• Roteiro do Silêncio (poesia), 1959;• Trovas de Muito Amor Para Um Amado Senhor

(poesia), 1959;• Ode Fragmentária (poesia), 1961;• Sete Cantos do Poeta Para o Anjo (poesia), 1962;• Poesia (1959-1967), 1967;• A Possessa (teatro), 1967;• O Rato no Muro (teatro), 1967;• O Visitante (teatro), 1968;• Auto da Barca de Camieri (teatro), 1968;• O Novo Sistema (teatro), 1968;• Aves da Noite (teatro), 1968;• O Verdugo (teatro), 1969;• A Morte do Patriarca (teatro), 1969;• Fluxo-Floema (fi cção), 1970;• Qadós (fi cção), 1973;• Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão (poesia), 1974;• Ficções, 1977;• Poesia (1959-1979), 1980;• Tu Não te Moves de Ti (fi cção), 1980;• Da Morte. Odes Mínimas (poesia), 1980;• Cantares de Perda e Predileção (poesia), 1980;

• A Obscena Senhora D (fi cção), 1982;• Poemas Malditos, Gozosos e Devotos (poesia), 1984;• Com Meus Olhos de Cão e Outras Novelas (fi cção),

1986;• Sobre a Tua Grande Face (poesia), 1986;• Amavisse (poesia), 1989• Alcoólicas (poesia), 1990;• O Caderno Rosa de Lory Lambi (fi cção), 1990;• Contos D’Escárnio / Textos Grotescos (fi cção), 1990;• Cartas de um Sedutor (fi cção), 1991;• Bufólicas (poesia), 1992;• Do Desejo (poesias), 1992;• Rútilo Nada (fi cção), 1993;• Cantares do Sem Nome e de Partidas (poesia), 1995;• Estar Sendo Ter Sido (fi cção), 1997;• Cascos e Carícias – Crônicas Reunidas (1992 -

1995), 1998;• Do Amor (poesia), 1999.

(Conferir: www.hildahilst.com.br)

Murilo Rubião

(Silvestre Ferraz, hoje, Carmo de Minas, MG, 01/06/1916 – BH, 1991)

Obras:• O Ex-Mágico (contos), 1947;• A Estrela Vermelha (contos), 1953;

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44• Os Dragões e Outros Contos, 1965;• O Pirotécnico Zacarias, 1974;• O Convidado (contos), 1974;• A Casa do Girassol Vermelho (contos), 1978;• O Homem do Boné Cinzento e Outras Histórias

(contos), 1990.

(Conferir: www. ufmg.br)

Roberto Francis Drummond

(Ferros, MG, 21/12/1933 – Belo Horizonte, 21/06/2002)

Obras:• A Morte de DJ em Paris, 1971;• O dia em que Hernest Hemingway morreu, 1978;• Sangue de Coca-Cola, 1980;• Quando fui morto em Cuba, 1982;• Hitler manda lembranças, 1984;• Ontem à Noite era Sexta-Feira, 1988;• Hilda Furacão, 1991;• Inês é morta, 1993;• O Homem que Subornou a Morte e Outras Histórias,

1993;• Magalhães: Navegando Contra o Vento, 1994;• O Cheiro de Deus, 2001;• Dia de São Nunca à Tarde (publicação póstuma);

• Os mortos não dançam valsa (publicação póstuma);• O Estripador da Rua G (publicação póstuma pela

Fundação de Cultura de Belo Horizonte);• Uma Paixão em Preto e Branco (publicação pós-

tuma das melhores crônicas de Roberto Drummond sobre o Clube Atlético Mineiro).

(Conferir: http://pt.wikipedia.org)

Sônia Coutinho

(Bahia, 1939)

Obras:• Nascimento de Uma Mulher (contista), 1966;• Uma Certa Felicidade, 1976;• Os Venenos de Lucrecia (contos), 1978;• O Último Verão de Copacabana, 1985;• O Jogo do Ifá, 1980;• Atire em Sofi a, 1989;• O Caso Alice (romance) 1991;• Rainhas do Crime, Ótica Feminina no Romance

Policial (ensaio), 1994;• Os Seios de Pandora, Uma Aventura de Dora Dia-

mante, 1998.

(Conferir: www.geocities.com)

2.42.4 - O Psicológico: Machado de Assis, Osman Lins, Autran Dourado e Clarice Lispector

“Se o veio neo-realista da prosa regional parece ter-se exaurido no decênio de 50 (salvo as obras de escritores consagrados ou em estréias tardias), continua viva a fi c-ção intimista que já dera mostras de peso nos anos 30 e 40. Escritores de invulgar penetração psicológica, como Lygia Fagundes Telles, Antônio Olavo Pereira, Aníbal Machado, José Cândido de Carvalho, Fernando Sabino, Josué Montello, Dalton Trevisan, Autran Dourado, Otto Lara Resende, Adonias Filho, Ricardo Ramos, Carlos Heitor Cony e Dionélio Machado têm escavado os con-fl itos do homem em sociedade, cobrindo com seus con-tos e romances-de-personagem a gama de sentimentos que a vida moderna suscita no âmago da pessoa. E o fl uxo psíquico tem sido trabalhado em termos de pesqui-sa no universo da linguagem na prosa realmente nova de Clarice Lispector, Maria Alice Barroso, Geraldo Ferraz, Louzada Filho e Osman Lins, que percorrem o caminho da experiência formal.” (BOSI, 1996: 388)

Machado de Assis

(Rio de Janeiro, RJ, 1893 – Rio de Janeiro, 1908).

Obras:• Contos Fluminenses, 1870;• Ressurreição, 1872;• Histórias da Meia-Noite, 1873;• A Mão e a Luva, 1874;

• Helena, 1876;• Iaiá Garcia, 1877;• Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881;• Histórias Sem Data, 1884;• Quincas Borba, 1892;• Várias Histórias, 1896;• Páginas Recolhidas, 1899;• Dom Casmurro, 1900;• Esaú e Jacó, 1904;• Relíquias da Casa Velha, 1906;• Memorial de Aires, 1908.

(BOSI, 1996: 174).

“Machado teve mão de artista bastante leve para não se perder nos determinismos de raça ou de sangue que presidiriam aos enredos e estofariam as digressões dos naturalistas de estreita observância. Bastava ao criador de Dom Casmurro, como aos moralistas franceses e ingleses que elegeu como leitura de cabeceira, obser-var com atenção o amor-próprio dos homens e o ar-bítrio da fortuna [sorte] para reconstruir na fi cção os labirintos da realidade. Pois, se a refl exão se extraviasse pelas veredas da ciência pedante do tempo, adeus aquele humor de Machado que joga apenas com os signos do cotidiano...” (BOSI, 1996: 180)

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45Osman da Costa Lins

(Vitória de Santo Antão, PE, 05/07/1924 – São Paulo, 08/07/1978)

Obras:• O Visitante, 1955;• Os Gestos, 1957;• O Fiel e a Pedra, 1961;• Lisbela e o Prisioneiro, 1961;• Marinheiro de Primeira Viagem, 1963;• Nove Novena, 1966;• Guerra do “Cansa Cavalo”, 1967;• Capa Verde e o Natal, 1967;• Avalovara, 1973;• Guerra Sem Testemunha, 1974;• Santa, Automóvel e Soldado, 1975;• Lima Barreto e o Romanesco, 1975;• A Rainha dos Cárceres da Grécia, 1976;• Do Ideal e da Glória – Problemas Inculturais

Brasileiros, 1977.

“O escritor pernambucano mostrou-se sensível à notação psicológica no romance O Visitante (1955) e nos contos ma-duros e exemplares de Os Gestos (1957); ascendeu à fusão de clima regional (sem pitoresco...) e a sondagem interior na pro-sa densa de O Fiel e a Pedra, romance (1961); e experimen-tou, nas “narrativas” de Nove Novena (1966) as virtualidades de uma fi cção complexa, não raro hermética, mas realmente nova: pela consciência construtiva, pelo uso de símbolos grá-fi cos que abrem e pontuam o monólogo interior; enfi m, pela tensão metafísica que supera o nível psicológico “médio” e meridiano e desvenda nexos mais íntimos e dinâmicos entre o eu, o outro e os objetos.” (BOSI, 1996: 422).

Autran Dourado, Waldomiro Freitas

(Patos de Minas, MG, 1926)

Obras:• A Barca dos Homens, 1961;• Uma Vida em Segredo, 1964;• Ópera dos Mortos, 1967;• O Risco do Bordado, 1970;• Os Sinos da Agonia, 1974;• Armas e Corações, 1978;• As Imaginações Pecaminosas, 1981;• A Serviço Del-Rei, 1984;• Ópera dos Fantoches, 1995;• Confi ssões de Narciso.

(BOSI, 1996: 422 e http://pt.wikipedia.org).

“A refi nada arte de narrar de Autran Dourado (A Barca dos Homens, 1961, Uma Vida em Segredo, 1964, Ópera dos Mortos, 1967, O Risco do Bordado, 1970, Os Sinos da

Agonia, 1974, Armas e Corações, 1978) move-se à força de monólogos interiores que se sucedem e se combinam em estilo indireto livre até acabarem abraçando o corpo todo do romance, sem que haja, por isso, alterações nos traços propriamente verbais da escritura. Assim, embora a matéria pré-literária de Autran Dourado seja a memória e o sentimento, a sua prosa afasta-se dos modelos intimistas que marcavam o romance psicológico tradicional. Mas deste não se distancia quanto aos componentes léxicos e sintáticos, apesar de um ou outro regionalismo, um ou outro arcaísmo que fi zeram certa crítica falar em “infl uên-cia” de Guimarães Rosa, perto do qual Autran Dourado é um prosador ortodoxo.” (BOSI, 1996: 422-423)

Clarice Lispector

(Tchetchelnik, Ucrânia, U.R.S.S., 1926 – Rio de Janeiro, 1977)

Obras:• Perto do Coração Selvagem, 1944;• O Lustre, 1946;• A Cidade Sitiada, 1949;• Alguns Contos, 1952;• Laços de Família, 1960;• A Maçã no Escuro, 1961;• A Legião Estrangeira, 1964;• A Paixão Segundo G. H., 1964;• Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, 1969;• Felicidade Clandestina, 1971;• A Imitação da Rosa, 1973;• Água Viva, 1973;• Onde Estiveste de Noite?, 1974;• A Hora da Estrela, 1977;• Para Não Esquecer, 1978;• Um Sopro de Vida, 1978;• A Bela e a Fera, 1979.

(BOSI, 1996: 423)

“Há na gênese dos seus contos e romances tal exacer-bação do momento interior que, a certa altura do seu itinerário, a própria subjetividade entra em crise. O es-pírito, perdido no labirinto da memória e da autoanálise, reclama um novo equilíbrio. Que se fará pela recupe-ração do objeto. Não mais na esfera convencional de algo-que-existe-para-o-eu (nível psicológico), mas na esfera da sua própria e irredutível realidade. O sujeito só “se salva” aceitando o objeto como tal; como a alma que, para todas as religiões, deve reconhecer a existência de um Ser que a transcende para beber nas fontes da sua própria existência. Trata-se de um salto do psicológico para o metafísico, salto plenamente amadurecido na consciência da narradora: Além do mais a “psicologia” nunca me interessou. O olhar psicológico me impacien-tava e me impacienta, é um instrumento que só traspassa. Acho que desde a adolescência eu havia saído do estágio do psicológico (Paixão..., p. 26).” (BOSI, 1996: 424)

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462.52.5 - O Existencial: Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles

Clarice Lispector

(Tchetchelnik, Ucrânia, U.R.S.S., 1926 – Rio de Janeiro, 1977)

“Abre-se a Paixão Segundo G. H. e leem-se, em epí-grafe, estas palavras de Bernard Berenson: Uma vida completa pode acabar numa identifi cação tão absoluta com o não-eu que não haverá mais um eu para morrer.

E a obra toda é um romance de educação existencial. Nos livros anteriores Clarice Lispector se abeirava do mundo exterior como quem macera a afetividade e afi a a atenção: para colher atmosferas e buscar signi-fi cações raras, mas ainda numa tentativa de absorver o mundo pelo eu. O monólogo de G. H., entrecortado de apelos a um ser ausente, é o fi m dos recursos habi-tuais do romance psicológico.” (BOSI, 1996: 424)

Lygia Fagundes Telles

(São Paulo, 19/04/1923)

Obras:• Porão e Sobrado (contos), 1938;• Praia Viva (contos), 1944;• O Cacto Vermelho (contos), 1949;

• Ciranda de Pedra (romance), 1955;• Histórias do Desencontro, 1958;• Verão no Aquário (romance), 1963;• Histórias Escolhidas (contos), 1964;• O Jardim Selvagem (contos), 1965;• Antes do Baile Verde (contos), 1970;• As Meninas (romance), 1973;• Seminário dos Ratos (contos), 1977;• Filhos Pródigos (contos), 1978;• A Disciplina do Amor (contos), 1980;• Mistérios (contos), 1981;• As Horas Nuas (romance), 1989;• Venha ver o pôr-do-sol e outros contos, 1991;• A Noite Escura e Mais Eu (contos), 1995;• Invenção e Memória (contos), 2000;• Durante aquele estranho chá: perdidos e achados

(contos), 2002.

(Conferir: BOSI, Alfredo. História Concisa da Li-teratura Brasileira. 34. ed. São Paulo: Cultrix, 1996: 420 e http://pt.wikipedia.org).

“Lygia Fagundes Telles fi xa, em uma linguagem límpida e nervosa, o clima saturado de certas famílias paulistas cujos descendentes já não têm norte; mas é na evocação de cenas e estados e estados de alma da infância e da adolescência que tem alcançado os seus mais belos efeitos.” (BOSI, 1996: 420)

2.62.6 - O Feminino: Helena Parente Cunha e Nélida Piñon

Helena Parente Cunha(Salvador, BA, 1930)

Obras:• Corpo do Gozo (poemas), 1960;• Jeremias, a palavra poética, 1979;• Maramar, 1980;• Os Provisórios, 1980;• O Lírico e o Trágico em Leopardi, 1980;• A Mulher no Espelho, 1985;• Cem mentiras de verdade, 1985;• O outro lado do dia, 1995;• Mulheres Inventadas - I, 1996;• A Casa e as Casas, 1996;• Mulheres Inventadas – II, 1997;• Vento ventania vendaval, 1997;• As doze cores do vermelho, 1998.

(Conferir: http://pt.wikipedia.org).

Nélida Piñon

(Rio de Janeiro, RJ, 03/05/1937)

Obras:• Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, 1961;• Madeira feita de cruz, 1963;

• Tempo das Frutas, 1966;• Fundador, 1969;• Sala de Armas, 1973;• Tebas do meu coração, 1974;• A Força do Destino, 1977;• A Casa da Paixão, 1977;• O Calor das Coisas, 1980;• A República dos Sonhos, 1984;• A doce canção de Caetana, 1987;• O pão de cada dia: fragmentos, 1994;• A roda do vento (infanto-juvenil), 1996;• Até amanhã, outra vez, 1999;• Cortejo do Divino e Outros Contos Escolhidos, 2001;• O presumível coração da América (ensaio), 2002;• Vozes do Deserto, 2004;• Aprendiz de Homero (ensaio), 2008;• O ritual da arte (ensaio), inédito.

(Conferir: http://pt.wikipedia.org)

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472.72.7 - O Social: Mário de Andrade, João Antônioe Rubens Fonseca

Mário de Andrade(Mário Raul de Morais Andrade)

(São Paulo, S.P. 1893 - 1945)

Obras:• Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (poesia)

1917;• Paulicéia Desvairada (poesia) 1922;• A Escrava que não é Isaura, 1925;• Primeiro Andar (contos), 1926;• Losango Cáqui ou Afetos Militares de Mistura com

os Porquês de eu Saber Alemão (lirismo), 1926;• Amar, Verbo Intransitivo (romance), 1927;• Clã do Jabuti (poesia), 1927;• Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (rapsódia),

1928;• Compêndio de História da Música, 1929;• Remate de Males (poesia), 1930;• Modinhas Imperiais, 1930;• Música, Doce Música, 1933;• Belasarte (contos), 1934;• O Aleijadinho e Álvares de Azevedo (ensaios), 1935;• A Música e a Canção Popular no Brasil (ensaio),

1936, dentre outros.

Mário de Andrade legou também aos pósteros “uma riquíssima correspondência”. (BOSI, 1996: 346 - 347)

Mário de Andrade “faz saltar aos olhos a babel de retalhos coloridos em que se transformava a pacata e provinciana São Paulo. Agora, encruzilhada das velhas famílias bandei-rantes com os milhares de italianos, alemães, sírios, e judeus aqui chegados desde os fi ns do século XIX, a cidade mudara de fi sionomia e passara a ser um núcleo industrial com um operariado numeroso e uma classe média em crescimento. A nova situação afetara as relações humanas, os costumes e, sobretudo, a linguagem. Mário esteve entre os primeiros a incorporar à poesia pregões ítalo-paulistanos, chegando mesmo a compor textos bilíngues.” (BOSI, 1996: 350)

João Antônio Ferreira Filho

(São Paulo, SP, 27/01/1937 – Rio de Janeiro, RJ, 31/10/1996)

Obras:• Malagueta, Perus e Bacanaço, 1963;• Leão-de-chácara, 1975;• Malhação do Judas Carioca, 1975;• Lambões de caçarola, 1977;• Calvário e Porres do Pingente Afonso Henriques

Lima Barreto, 1977;• Ô Copacabana, 1978;

• Casa de Loucos, 1978;• Dedo-duro, 1982;• Meninão do caixote (coletânea), 1984;• Abraçado ao meu rancor, 1986;• Zicartola e que tudo mais vá para o inferno, 1991;• Guardador, 1992;• Patuléia, 1996;• Sete vezes rua, 1996;• Dama do Encantado, 1996.

(Conferir: http://pt.wikipedia.org)

Rubens Fonseca, José

(Juiz de Fora, MG, 11/05/1925)

Obras:• Os prisioneiros, 1963;• A coleira do cão, 1965;• Lúcia McCartney, 1967;• O homem de fevereiro ou março, 1973;• O caso Morel, 1973;• Feliz Ano Novo, 1975;• O cobrador, 1979;• A grande arte, 1983;• Bufo & Spallanzani, 1986;• Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, 1988;• Agosto, 1990;• Romance negro e outras histórias, 1992;• O selvagem da ópera, 1994;• O buraco na parede, 1995;• Histórias de amor, 1997;• E do meio do mundo prostituto só amores guardei

ao meu charuto, 1997;• A confraria dos espadas, 1998;• O doente Molière, 2000;• Secreções, excreções e desatinos, 2001;• Pequenas criaturas, 2002;• Diário de um fescenino, 2003;• 64 Contos de Rubem Fonseca, 2004;• Mandrake, a bíblia e a bengala, 2005;• Ela e outras mulheres, 2006;• O romance morreu, 2007.

(Conferir: http://pt.wikipedia.org)

“Há os que submetem percepções e lembranças à luz da análise materialista clássica, dissecando os motivos (em geral, perversos) dos comportamentos de seus personagens que ainda trazem a marca de tipos sociais. É o caso de Ru-bem Fonseca, que vem dos anos 60 e demonstrou força e fôlego nas páginas cruéis de O Caso Morel (1973), A Gran-de Arte, romance policial na linha do brutalismo ianque (1983), Bufo & Spallanzani (1986) e, sobretudo, Agosto (1990), relato dos eventos que precederam o suicídio de Getúlio Vargas misturado com fl ashes da vida privada tanto de seus admiradores quanto de seus desafetos: quase-crôni-ca política, quase-romance.” (BOSI, 1996: 436 - 437)

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482.82.8 - Textos Ficcionais

O ESPELHO

Machado de Assis

Esboço de uma nova teoria da alma humana

Quatro ou cinco cavalheiros debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a dis-paridade dos votos trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa fi cava no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. En-tre a cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas pestanejavam, através de uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco investigadores de coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo.

Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram qua-tro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem, calado, pensando, cochilan-do, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cin-quenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a forma po-lida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafi ns e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna. Como desse esta mes-ma resposta naquela noite, contestou-lha um dos pre-sentes, e desafi ou-o a demonstrar o que dizia, se era capaz. Jacobina (assim se chamava ele) refl etiu um instante, e respondeu:

— Pensando bem, talvez o senhor tenha razão.

Vai senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três mi-nutos, mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos. Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma dis-cussão tornou-se difícil, senão impossível, pela mul-tiplicidade das questões que se deduziram do tronco principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, — uma conjetura, ao menos.

— Nem conjetura, nem opinião, redarguiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como sa-bem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me ca-lados, posso contar-lhes um caso de minha vida, em

que ressalta a mais clara demonstração acerca da ma-téria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas...

— Duas?

— Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... Espantem-se à vontade, podem fi car de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fl uido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; — e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafi sicamente falan-do, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma ex-terior daquele judeu eram os seus ducados; perdê-los equivalia a morrer. "Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Vejam bem esta frase; a perda dos ducados, alma ex-terior, era a morte para ele. Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...

— Não?

— Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São al-mas enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tar-de uma provedoria de irmandade, suponhamos. Pela minha parte, conheço uma senhora, — na verdade, gentilíssima, — que muda de alma exterior cinco, seis vezes por ano. Durante a estação lírica é a ópera; cessando a estação, a alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um baile do Cassino, a rua do Ouvidor, Petrópolis...

— Perdão! Essa senhora quem é?

— Essa senhora é parenta do diabo, e tem o mesmo nome; chama-se Legião... E assim outros mais casos. Eu mesmo tenho experimentado dessas trocas. Não as relato, porque iria longe; restrinjo-me ao episódio de que lhes falei. Um episódio dos meus vinte e cinco anos...

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49Os quatro companheiros, ansiosos de ouvir o caso

prometido, esqueceram a controvérsia. Santa curiosi-dade! Tu não és só a alma da civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de outro sabor que não aquele pomo da mitologia. A sala, até há pouco ruidosa de física e metafísica, é agora um mar mor-to; todos os olhos estão no Jacobina, que conserta a ponta do charuto, recolhendo as memórias. Eis aqui como ele começou a narração:

— Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de ser nomeado alferes da Guarda Nacional. Não imagi-nam o acontecimento que isto foi em nossa casa. Mi-nha mãe fi cou tão orgulhosa! Tão contente! Chamava-me o seu alferes. Primos e tios, foi tudo uma alegria sincera e pura. Na vila, note-se bem, houve alguns despeitados; choro e ranger de dentes, como na Escri-tura; e o motivo não foi outro senão que o posto tinha muitos candidatos e que esses perderam. Suponho também que uma parte do desgosto foi inteiramente gratuita: nasceu da simples distinção. Lembra-me de alguns rapazes, que se davam comigo, e passaram a olhar-me de revés, durante algum tempo. Em com-pensação, tive muitas pessoas que fi caram satisfeitas com a nomeação; e a prova é que todo o fardamento me foi dado por amigos... Vai então uma das minhas tias, D. Marcolina, viúva do Capitão Peçanha, que morava a muitas léguas da vila, num sítio escuso e solitário, desejou ver-me, e pediu que fosse ter com ela e levasse a farda. Fui, acompanhado de um pajem, que daí a dias tornou à vila, porque a tia Marcolina, apenas me pilhou no sítio, escreveu a minha mãe dizendo que não me soltava antes de um mês, pelo menos. E abraçava-me! Chamava-me também o seu alferes. Achava-me um rapagão bonito. Como era um tanto patusca, chegou a confessar que tinha inveja da moça que houvesse de ser minha mulher. Jurava que em toda a província não havia outro que me pusesse o pé adiante. E sempre alferes; era alferes para cá, alferes para lá, alferes a toda a hora. Eu pedia-lhe que me chamasse Joãozinho, como dantes; e ela abanava a cabeça, bradando que não, que era o "senhor alfe-res". Um cunhado dela, irmão do fi nado Peçanha, que ali morava, não me chamava de outra maneira. Era o "senhor alferes", não por gracejo, mas a sério, e à vista dos escravos, que naturalmente foram pelo mes-mo caminho. Na mesa tinha eu o melhor lugar, e era o primeiro servido. Não imaginam. Se lhes disser que o entusiasmo da tia Marcolina chegou ao ponto de mandar pôr no meu quarto um grande espelho, obra rica e magnífi ca, que destoava do resto da casa, cuja mobília era modesta e simples... Era um espelho que lhe dera a madrinha, e que esta herdara da mãe, que o comprara a uma das fi dalgas vindas em 1808 com a corte de D. João VI. Não sei o que havia nisso de ver-dade; era a tradição. O espelho estava naturalmente muito velho; mas via-se-lhe ainda o ouro, comido em parte pelo tempo, uns delfi ns esculpidos nos ângulos

superiores da moldura, uns enfeites de madrepérola e outros caprichos do artista. Tudo velho, mas bom...

— Espelho grande?

— Grande. E foi, como digo, uma enorme fi neza, porque o espelho estava na sala; era a melhor peça da casa. Mas não houve forças que a demovessem do propósito; respondia que não fazia falta, que era só por algumas semanas, e fi nalmente que o "senhor alferes" merecia muito mais. O certo é que todas es-sas coisas, carinhos, atenções, obséquios, fi zeram em mim uma transformação, que o natural sentimento da mocidade ajudou e completou. Imaginam, creio eu?

— Não.

— O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tar-dou que a primitiva cedesse à outra; fi cou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me falava do homem. A única parte do cidadão que fi cou comigo foi aquela que en-tendia com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes acreditar, não?

— Custa-me até entender, respondeu um dos ouvintes.

— Vai entender. Os fatos explicarão melhor os sen-timentos: os fatos são tudo. A melhor defi nição do amor não vale um beijo de moça namorada; e, se bem me lembro, um fi lósofo antigo demonstrou o movi-mento andando. Vamos aos fatos. Vamos ver como, ao tempo em que a consciência do homem se oblite-rava, a do alferes tornava-se viva e intensa. As dores humanas, as alegrias humanas, se eram só isso, mal obtinham de mim uma compaixão apática ou um sor-riso de favor. No fi m de três semanas, era outro, total-mente outro. Era exclusivamente alferes. Ora, um dia recebeu a tia Marcolina uma notícia grave; uma de suas fi lhas, casada com um lavrador residente dali a cinco léguas, estava mal e à morte. Adeus, sobrinho! Adeus, alferes! Era mãe extremosa, armou logo uma viagem, pediu ao cunhado que fosse com ela, e a mim que tomasse conta do sítio. Creio que, se não fosse a afl ição, disporia o contrário; deixaria o cunhado e iria comigo. Mas o certo é que fi quei só, com os poucos escravos da casa. Confesso-lhes que desde logo sen-ti uma grande opressão, alguma coisa semelhante ao efeito de quatro paredes de um cárcere, subitamente levantadas em torno de mim. Era a alma exterior que se reduzia; estava agora limitada a alguns espíritos boçais. O alferes continuava a dominar em mim, em-bora a vida fosse menos intensa, e a consciência mais débil. Os escravos punham uma nota de humildade

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50nas suas cortesias, que de certa maneira compensa-va a afeição dos parentes e a intimidade doméstica interrompida. Notei mesmo, naquela noite, que eles redobravam de respeito, de alegria, de protestos. Nhô alferes, de minuto a minuto; nhô alferes é muito bo-nito; nhô alferes há de ser coronel; nhô alferes há de casar com moça bonita, fi lha de general; um concerto de louvores e profecias, que me deixou extático. Ah ! Pérfi dos! Mal podia eu suspeitar a intenção secreta dos malvados.

— Matá-lo?

— Antes assim fosse.

— Coisa pior?

— Ouçam-me. Na manhã seguinte achei-me só. Os velhacos, seduzidos por outros, ou de movimento próprio, tinham resolvido fugir durante a noite; e as-sim fi zeram. Achei-me só, sem mais ninguém, entre quatro paredes, diante do terreiro deserto e da roça abandonada. Nenhum fôlego humano. Corri a casa toda, a senzala, tudo; ninguém, um molequinho que fosse. Galos e galinhas tão-somente, um par de mu-las, que fi losofavam a vida, sacudindo as moscas, e três bois. Os mesmos cães foram levados pelos escra-vos. Nenhum ente humano. Parece-lhes que isto era melhor do que ter morrido? Era pior. Não por medo; juro-lhes que não tinha medo; era um pouco atrevi-dinho, tanto que não senti nada, durante as primeiras horas. Fiquei triste por causa do dano causado à tia Marcolina; fi quei também um pouco perplexo, não sabendo se devia ir ter com ela, para lhe dar a triste notícia, ou fi car tomando conta da casa. Adotei o se-gundo alvitre, para não desamparar a casa, e porque, se a minha prima enferma estava mal, eu ia somente aumentar a dor da mãe, sem remédio nenhum; fi nal-mente, esperei que o irmão do tio Peçanha voltasse naquele dia ou no outro, visto que tinha saído havia já trinta e seis horas. Mas a manhã passou sem vestí-gio dele; à tarde comecei a sentir a sensação como de pessoa que houvesse perdido toda a ação nervosa, e não tivesse consciência da ação muscular. O irmão do tio Peçanha não voltou nesse dia, nem no outro, nem em toda aquela semana. Minha solidão tomou pro-porções enormes. Nunca os dias foram mais compri-dos, nunca o sol abrasou a terra com uma obstinação mais cansativa. As horas batiam de século a século no velho relógio da sala, cuja pêndula tic-tac, tic-tac, feria-me a alma interior, como um piparote contínuo da eternidade. Quando, muitos anos depois, li uma poesia americana, creio que de Longfellow, e topei este famoso estribilho: Never, for ever! — For ever, never! confesso-lhes que tive um calafrio: recordei-me daqueles dias medonhos. Era justamente assim que fazia o relógio da tia Marcolina: — Never, for ever!— For ever, never! Não eram golpes de pêndula,

era um diálogo do abismo, um cochicho do nada. E então de noite! Não que a noite fosse mais silenciosa. O silêncio era o mesmo que de dia. Mas a noite era a sombra, era a solidão ainda mais estreita, ou mais larga. Tic-tac, tic-tac. Ninguém nas salas, na varanda, nos corredores, no terreiro, ninguém em parte nenhu-ma... Riem-se?

— Sim, parece que tinha um pouco de medo.

— Oh! Fora bom se eu pudesse ter medo! Viveria. Mas o característico daquela situação é que eu nem sequer podia ter medo, isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um bo-neco mecânico. Dormindo, era outra coisa. O sono dava-me alívio, não pela razão comum de ser irmão da morte, mas por outra. Acho que posso explicar assim esse fenômeno: — o sono, eliminando a ne-cessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma interior. Nos sonhos, fardava-me orgulhosamente, no meio da família e dos amigos, que me elogiavam o garbo, que me chamavam alferes; vinha um amigo de nossa casa, e prometia-me o posto de tenente, outro o de capitão ou major; e tudo isso fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-se com o sono a consciência do meu ser novo e único -porque a alma interior perdia a ação exclusiva, e fi cava dependente da outra, que teimava em não tornar... Não tornava. Eu saía fora, a um lado e outro, a ver se descobria algum sinal de regresso. Soeur Anne, soeur Anne, ne vois-tu rien venir? Nada, coisa nenhuma; tal qual como na lenda francesa. Nada mais do que a poeira da estrada e o capinzal dos morros. Voltava para casa, nervoso, desesperado, estirava-me no canapé da sala. Tic-tac, tic-tac. Levantava-me, passeava, tamborilava nos vidros das janelas, assobiava. Em certa ocasião lembrei-me de escrever alguma coisa, um artigo po-lítico, um romance, uma ode; não escolhi nada de-fi nitivamente; sentei-me e tracei no papel algumas palavras e frases soltas, para intercalar no estilo. Mas o estilo, como tia Marcolina, deixava-se estar. Soeur Anne, soeur Anne... Coisa nenhuma. Quando muito via negrejar a tinta e alvejar o papel.

— Mas não comia?

— Comia mal, frutas, farinha, conservas, algumas raízes tostadas ao fogo, mas suportaria tudo alegre-mente, se não fora a terrível situação moral em que me achava. Recitava versos, discursos, trechos lati-nos, liras de Gonzaga, oitavas de Camões, décimas, uma antologia em trinta volumes. Às vezes fazia gi-nástica; outra dava beliscões nas pernas; mas o efeito era só uma sensação física de dor ou de cansaço, e mais nada. Tudo silêncio, um silêncio vasto, enorme, infi nito, apenas sublinhado pelo eterno tic-tac da pên-dula. Tic-tac, tic-tac...

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51— Na verdade, era de enlouquecer.

— Vão ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, des-de que fi cara só, não olhara uma só vez para o espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contra-dição humana, porque no fi m de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com o fi m justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a fi gura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, som-bra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que anda-va; receei fi car mais tempo, e enlouquecer. - Vou-me embora, disse comigo. E levantei o braço com gesto de mau humor, e ao mesmo tempo de decisão, olhando para o vidro; o gesto lá estava, mas disperso, esgarçado, mutilado... Entrei a vestir-me, murmurando comigo, tossindo sem tosse, sacudindo a roupa com estrépito, afl igindo-me a frio com os botões, para dizer alguma coisa. De quando em quando, olhava furtivamente para o espelho; a imagem era a mesma difusão de linhas, a mesma decomposição de contornos... Continuei a ves-tir-me. Subitamente por uma inspiração inexplicável, por um impulso sem cálculo, lembrou-me... Se forem capazes de adivinhar qual foi a minha idéia...

— Diga.

— Estava a olhar para o vidro, com uma persistên-cia de desesperado, contemplando as próprias feições derramadas e inacabadas, uma nuvem de linhas sol-tas, informes, quando tive o pensamento... Não, não são capazes de adivinhar.

— Mas, diga, diga.

— Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do es-pelho, levantei os olhos, e...não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a fi gura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfi m, a alma exte-rior. Essa alma ausente com a dona do sítio, dis-persa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho. Imaginai um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver, depois começa a ver, distingue as pessoas dos objetos, mas não conhece individualmente uns nem outros; en-fi m, sabe que este é Fulano, aquele é Sicrano; aqui está uma cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do sono. Assim foi comigo. Olhava para o es-pelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticula-

va, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alfe-res, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fi m de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir...

Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas.

(Machado de Assis. “O Espelho”)

O ESPELHO

Guimarães Rosa

— Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, de-sânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, um tanto à parte de todos, pe-netrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja na verdade — um espe-lho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcen-dente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.

Fixemo-nos no concreto. O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refl etem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente imudado, do qual lhe dão imagem fi el. Mas — que espelho? Há os “bons” e “maus”, os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fi dedignidade? Como é que o senhor, eu, os res-tantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as fotografi as o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas objeções análogas, seus resultados apoiam antes que desmen-tem a minha tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográfi cos os índices do misterioso. Ainda que tirados de imediato um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigí-vel, distraídos das coisas mais importantes. E as más-caras, moldadas no rosto? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expres-são, o dinamismo fi sionômico. Não se esqueça, é dos fenômenos sutis que estamos tratando.

Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a um tempo, ver o rosto de outra e sua refl exão no espelho. Sem sofi sma, refuto-o o experimento, por sinal ainda

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52não realizado com rigor, careceria de valor científi -co, em vista das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Tente, aliás, fazê-lo, e terá notáveis sur-presas. Além de que a simultaneidade torna-se impos-sível, no fl uir de valores instantâneos. Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, de-feitos com que cresceram e a que se afi zeram, mais e mais. Por começo, a criancinha vê os objetos inver-tidos, daí seu desajeitado tactear; só a pouco e pouco é que consegue retifi car, sobre a postura dos volumes externos, uma precária visão. Subsistem, porém, ou-tras pechas, e mais graves. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógi-ca, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então?

Note-se que meus reparos limitam-se ao capítulo dos espelhos planos, de uso comum. E os demais — côncavos, convexos, parabólicos — além da possibi-lidade de outros, não descobertos, apenas, ainda? Um espelho, por exemplo, tetra ou quadridimensional? Parece-me não absurda, a hipótese. Matemáticos es-pecializados, depois de mental adestramento, vieram a construir objetos a quatro dimensões, para isso uti-lizando pequenos cubos, de várias cores, como esses com que os meninos brincam. Duvida?

Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfi ança, quanto ao meu são juízo. Fiquemos, po-rém, no terra-a-terra. Rimo-nos, nas barracas de diver-sões, daqueles caricatos espelhos, que nos reduzem a monstrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos — e nas curvas de um bule tem-se sofrível espelho convexo, e numa colher brunida um côncavo razoável — deve-se a que primeiro a humanidade mi-rou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, lameiros, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto si mesmo não se visse... Sim, são para se ter medo, os espelhos.

Temi-os, desde menino, por instintiva suspeita. Também os animais negam-se a encará-los, salvo as críveis excepções. Sou do interior, o senhor também; na nossa terra, diz-se que nunca se deve olhar em es-pelho às horas mortas da noite, estando-se sozinho. Porque, neles, às vezes, em lugar de nossa imagem, assombra-nos alguma outra e medonha visão. Sou, porém, positivo, um racional, piso o chão a pés e pa-tas. Satisfazer-me com fantásticas não-explicações? — jamais. Que amedrontadora visão seria então aquela? Quem o Monstro?

Sendo talvez meu medo a revivescência de impres-sões atávicas? O espelho inspirava receio supersticio-

so aos primitivos, aqueles povos com a ideia de que o refl exo de uma pessoa fosse a alma. Via de regra, sabe-o o senhor, é a superstição fecundo ponto de par-tida para a pesquisa. A alma do espelho — anote-a — esplêndida metáfora. Outros, aliás, identifi cavam a alma com a sombra do corpo; e não lhe terá esca-pado a polarização: luz—treva. Não se costumava ta-par os espelhos, ou voltá-los contra a parede, quando morria alguém da casa? Se, além de os utilizarem nos manejos da magia, imitativa ou simpática, videntes serviam-se deles, como da bola de cristal, vislum-brando em seu campo esboços de futuros fatos, não será porque, através dos espelhos, parece que o tempo muda de direção e de velocidade? Alongo-me, porém. Contava-lhe...

— Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei... Explico-lhe: dois espelhos — um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma fi gura, perfi l humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele ho-mem, causava-me ódio e susto, eriçamento, espavor. E era — logo descobri... era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?

Desde aí, comecei a procurar-me — ao eu por detrás de mim — à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio. Isso, que se saiba, antes ninguém tentara. Quem se olha em espelho, o faz par-tindo de preconceito afetivo, de um mais ou menos falaz pressuposto: ninguém se acha na verdade feio: quando muito, em certos momentos, desgostamo-nos por provisoriamente discrepantes de um ideal estético já aceito. Sou claro? O que se busca, então, é verifi car, acertar, trabalhar um modelo subjetivo, preexistente; enfi m, ampliar o ilusório, mediante sucessivas novas capas de ilusão. Eu, porém, era um perquiridor im-parcial, neutro absolutamente. O caçador de meu pró-prio aspecto formal, movido por curiosidade, quando não impessoal, desinteressada; para não dizer o urgir científi co. Levei meses.

Sim, instrutivos. Operava com toda a sorte de as-túcias: o rapidíssimo relance, os golpes de esguelha, a longa obliquidade apurada, as contra-surpresas, a fi nta de pálpebras, a tocaia com a luz de repente ace-sa, os ângulos variados incessantemente. Sobretudo, uma inembotável paciência. Mirava-me, também, em marcados momentos — de ira, medo, orgulho abatido ou dilatado, extrema alegria ou tristeza. Sobreabriam-se-me enigmas. Se, por exemplo, em estado de ódio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, o ódio refl ui e recrudesce, em tremendas multiplicações: e o senhor vê, então, que, de fato, só se odeia é a si mes-mo. Olhos contra os olhos. Soube-o: os olhos da gen-te não têm fi m. Só eles paravam imutáveis, no centro

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53do segredo. Se é que de mim não zombassem, para lá de uma máscara. Porque, o resto, o rosto, muda-va permanentemente. O senhor, como os demais, não vê que seu rosto é apenas um movimento deceptivo, constante. Não vê, porque mal advertido, avezado; diria eu: ainda adormecido, sem desenvolver sequer as mais necessárias novas percepções. Não vê, como também não se veem, no comum, os movimentos translativo e rotatório deste planeta Terra, sobre que os seus e os meus pés assentam. Se quiser, não me desculpe; mas o senhor me compreende.

Sendo assim, necessitava eu de transverberar o em-buço, a travisagem daquela máscara, a fi to de devas-sar o núcleo dessa nebulosa — a minha vera forma. Tinha de haver um jeito. Meditei-o. Assistiram-me seguras inspirações.

Concluí que, interpenetrando-se no disfarce do rosto externo diversas componentes, meu problema seria o de submetê-las a um bloqueio “visual” ou anulamen-to perceptivo, a suspensão de uma por uma, desde as mais rudimentares, grosseiras, ou de inferior signifi -cado. Tomei o elemento animal, para começo.

Parecer-se cada um de nós com determinado bicho, relembrar seu facies, é fato. Constato-o, apenas; longe de mim puxar à bimbalha temas de metempsicose ou teorias biogenéticas. De um mestre, aliás, na ciência de Lavater, eu me inteirara no assunto. Que acha? Com caras e cabeças ovinas ou equinas, por exemplo, basta-lhe relancear a multidão ou atentar nos conhecidos, para reconhecer que os há, muitos. Meu sósia inferior na escala era, porém — a onça. Confi rmei-me disso. E, então, eu teria que, após dissociá-los meticulosamente, aprender a não ver, no espelho, os traços que em mim recordavam o grande felino. Atirei-me a tanto.

Releve-me não detalhar o método ou métodos de que me vali, e que revezavam a mais buscante aná-lise e o estrênuo vigor de abstração. Mesmo as eta-pas preparatórias dariam para aterrar a quem menos pronto ao árduo. Como todo homem culto, o senhor não desconhece a Ioga, e já a terá praticado, quando não seja, em suas mais elementares técnicas. E, os “exercícios espirituais” dos jesuítas, sei de fi lósofos e pensadores incréus que os cultivam, para aprofun-darem-se na capacidade de concentração, de par com a imaginação criadora... Enfi m, não lhe oculto haver recorrido a meios um tanto empíricos: gradações de luzes, lâmpadas coloridas, pomadas fosforescentes na obscuridade. Só a uma expediência me recusei, por medíocre senão falseadora, a de empregar outras substâncias no aço e estanhagem dos espelhos. Mas, era principalmente no modus de focar, na visão par-cialmente alheada, que eu tinha de agilitar-me: olhar não-vendo. Sem ver o que, em meu rosto, não passa-va de reliquat bestial. Ia-o conseguindo?

Saiba que eu perseguia uma realidade experimental, não uma hipótese imaginária. E digo-lhe que nessa operação fazia reais progressos. Pouco a pouco, no campo-de-vista do espelho, minha fi gura reproduzia-se-me lacunar, com atenuadas, quase apagadas de todo, aquelas partes excrescentes. Prossegui. Já aí, porém, decidindo-me a tratar simultaneamente as ou-tras componentes, contingentes e ilusivas. Assim, o elemento hereditário — as parecenças com os pais e avós — que são também, nos nossos rostos, um las-tro evolutivo residual. Ah, meu amigo, nem no ovo o pinto está intacto. E, em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões, manifestadas ou latentes, o que ressaltava das desordenadas pressões psicoló-gicas transitórias. E, ainda, o que, em nossas caras, materializa ideias e sugestões de outrem; e os efême-ros interesses, sem sequência nem antecedência, sem conexões nem fundura. Careceríamos de dias, para explicar-lhe. Prefi ro que tome minhas afi rmações por seu valor nominal.

À medida que trabalhava com maior mestria, no excluir, abstrair e abstrar, meu esquema pers-pectivo clivava-se, em forma meândrica, a modos de couve-flor ou bucho de boi, e em mosaicos, e francamente cavernoso, como uma esponja. E es-curecia-se. Por aí, não obstante os cuidados com a saúde, comecei a sofrer dores de cabeça. Será que me acovardei, sem menos? Perdoe-me, o se-nhor, o constrangimento, ao ter de mudar de tom para confidência tão humana, em nota de fraqueza inesperada e indigna. Lembre-se, porém, de Terên-cio. Sim, os antigos; acudiu-me que representavam justamente com um espelho, rodeado de uma ser-pente, a Prudência, como divindade alegórica. De golpe, abandonei a investigação. Deixei, mesmo, por meses, de me olhar em qualquer espelho.

Mas, com o comum correr quotidiano, a gente se aquieta, esquece-se de muito. O tempo, em longo tre-cho, é sempre tranquilo. E pode ser, não menos, que encoberta curiosidade me picasse. Um dia... Descul-pe-me, não viso a efeitos de fi ccionista, infl ectindo de propósito, em agudo, as situações. Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi. Não vi nada. Só o campo, liso, às vácuas, aberto como o sol, água limpíssima, à dispersão da luz, tapadamen-te tudo. Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito. Mas, o invisto. O fi cto. O sem evidência física. Eu era — o transparente contemplador?... Tirei-me. Aturdi-me, a ponto de me deixar cair numa poltrona.

Com que, então, durante aqueles meses de repouso, a faculdade, antes buscada, por si em mim se exerci-tara! Para sempre? Voltei a querer encarar-me. Nada. E, o que tomadamente me estarreceu: eu não via os meus olhos. No brilhante e polido nada, não se me espelhavam nem eles!

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54Tanto dito que, partindo para uma fi gura gradual-

mente simplifi cada, despojara-me, ao termo, até à total desfi gura. E a terrível conclusão: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu um... desalmado? Então, o que se me fi ngia de um suposto eu, não era mais que, sobre a persis-tência do animal, um pouco de herança, de soltos ins-tintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de infl uências, e tudo o mais que na impermanência se indefi ne? Diziam-me isso os raios luminosos e a face vazia do espelho — com rigorosa infi delidade. E, seria assim, com todos? Seríamos não muito mais que as crianças — o espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos, relampejados entre miragens: a esperança e a memória.

Mas, o senhor estará achando que desvario e de-soriento-me, confundindo o físico, o hiperfísico e o transfísico, fora do menor equilíbrio de raciocínio ou alinhamento lógico — na conta agora caio. Estará pensando que, do que eu disse, nada se acerta, nada prova nada. Mesmo que tudo fosse verdade, não seria mais que reles obsessão autossugestiva, e o despropó-sito de pretender que psiquismo ou alma se retratas-sem em espelho...

Dou-lhe razão. Há, porém, que sou um mau con-tador, precipitando-me às ilações antes dos fatos, e, pois: pondo os bois atrás do carro e os chifres depois dos bois. Releve-me. E deixe que o fi nal de meu ca-pítulo traga luzes ao até agora aventado, canhestra e antecipadamente.

São sucessos muito de ordem íntima, de caráter assaz esquisito. Narro-os, sob palavra, sob segredo. Pejo-me. Tenho de demais resumi-los.

Pois foi que, mais tarde, anos, ao fi m de uma ocasião de sofrimentos grandes, de novo me defrontei — não rosto a rosto. O espelho mostrou-me. Ouça. Por um certo tempo, nada enxerguei. Só então, só depois: o tênue começo de um quanto como uma luz, que se nublava, aos poucos tentando-se em débil cintilação, radiância. Seu mínimo ondear comovia-me, ou já es-taria contido em minha emoção? Que luzinha, aquela, que de mim se emitia, para deter-se acolá, refl etida, surpresa? Se quiser, infi ra o senhor mesmo.

São coisas que se não devem entrever; pelo menos, além de um tanto. São outras coisas, conforme pude distinguir, muito mais tarde — por último — num es-pelho. Por aí, perdoe-me o detalhe, eu já amava — já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria. E... Sim, vi, a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto; não este, que o senhor razoavelmente me atribui. Mas o ainda-nem-rosto — quase delineado, apenas — mal emergindo, qual uma fl or pelágica, de nascimento abissal... E era não mais que: rostinho de menino, de

menos-que-menino, só. Só. Será que o senhor nunca compreenderá?

Devia ou não devia contar-lhe, por motivos de tal-vez. Do que digo, descubro, deduzo. Será, se? Apalpo o evidente? Tresbusco. Será este nosso desengonço e mundo o plano — intersecção de planos — onde se completam de fazer as almas?

Se sim, a “vida” consiste em experiência extrema e séria; sua técnica — ou pelo menos parte — exigindo o consciente alijamento, o despojamento, de tudo o que obstrui o crescer da alma, o que a atulha e soterra? De-pois, o “salto mortale”... — digo-o, do jeito, não porque os acrobatas italianos o aviventaram, mas por precisarem de toque e timbre novos as comuns expressões, amorte-cidas... E o julgamento-problema, podendo sobrevir com a simples pergunta: — “Você chegou a existir?”

Sim? Mas, então, está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, num vale de bobagens? Disse. Se me permite, espero, agora, sua opinião, mesma, do se-nhor, sobre tanto assunto. Solicito os reparos que se digne dar-me, a mim, servo do senhor, recente amigo, mas companheiro no amor da ciência, de seus trans-viados acertos e de seus esbarros titubeados. Sim?

(GUIMARÃES ROSA, João. “O Espelho”. In: Pri-meiras Estórias. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969: 71-78 )

Para um estudo comparativo diacrônico sobre a te-mática “espelho”, ler também:

CARROL Lewis (Charles Lutwidge Dodgson). “Aventura de Alice no País das Maravilhas”, “Atra-vés do espelho e o que Alice encontrou lá”. In: Aven-turas de Alice. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. 3. ed. São Paulo: Summus, 1980.

RUBIÃO, Murilo. “O Convidado”. In: O Convida-do [contos]. São Paulo: Ática, 1988: 16 - 25.

COUTINHO, Sônia. O caso Alice.

ATENÇÃO: Pesquisar a temática “espelho” em ou-tros autores, nacionais e estrangeiros.

A SOCIEDADE

Alcântara Machado

— Filha minha não casa com fi lho de carcamano!

A esposa do Conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda disse isso e foi brigar com o italiano das batatas.

Teresa Rita misturou lágrimas com gemidos e entrou no seu quarto batendo a porta. O Conselheiro José Bonifácio limpou as unhas com o palito, suspirou e saiu de casa abotoando o fraque.

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55O esperado grito do cláxon fechou o livro de Henri

Ardel e trouxe Teresa Rita do escritório para o terraço.

O Lancia passou como quem não quer. Quase parando.

A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino.

Uiiiiia-uiiiiia! Adriano Meli calcou o acelerador. Na primeira esquina fez a curva. Veio voltando. Pas-sou de novo. Continuou. Mais duzentos metros. Ou-tra curva. Sempre na mesma rua. Gostava dela. Era a Rua da Liberdade. Pouco antes do número 259-C sabe: uiiiiia-uiiiiia!

— O que você está fazendo aí no terraço, menina?

— Então nem tomar um pouco de ar eu posso mais?

Lancia Lambda, vermelhinho, resplendente, pom-peando na rua. Vestido de Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço.

— Entre já para dentro ou eu falo com seu pai quando ele chegar!

— Ah meu Deus, meu Deus, que vida, meu Deus!

Adriano Melli passou outras vezes ainda. Estranhou. Desapontou. Tocou para a Avenida Paulista.

Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra para gritar:

Dizem que Cristo nasceu em Belém...

Porque os pais não a haviam acompanhado (aben-çoado furúnculo infl amou o pescoço do Conselheiro José Bonifácio). Ela estava achando um suco aquela vesperal do Paulistano. O namorado ainda mais.

Os pares dançarinos maxixavam colados. No meio do salão eram um bolo tremelicante. Dentro do círcu-lo palerma de mamãs, moças feitas e moços enjoados. A orquestra preta tonitroava. Alegria de vozes e sons. Palmas contentes prolongaram o maxixe. O banjo é que ritmava os passos.

— Sua mãe me fez ontem uma desfeita na cidade.

— Não!

— Como não? Sim senhora. Virou a cara quando me viu.

... mas a história se enganou!

As meninas de ancas salientes riam porque os rapa-zes contavam episódios de farra muito engraçados. O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: turururu-turururum!

— Meu pai quer fazer um negócio com o seu.

— Ah, sim?

Cristo nasceu na Bahia, meu bem...

O sujeitinho de óculos começou a recitar Gustave Le Bom, mas a destra espalmada do catedrático o en-gasgou. Alegria de vozes e sons.

... e o baiano criou!

— Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pe-dir a mão da Teresa para o fi lho, você aponte o olho da rua para ele, compreendeu?

— Já sei, mulher, já sei.

(OLIVEIRA, Antônio Castilho Alcântara Machado de. Brás, Bexiga e Barra Funda. In: NOVELAS PAULIS-TANAS. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975: 25)

CARIOCA DA GEMA

João Antônio

Carioca, carioca da gema seria aquele que sabe rir de si mesmo. Também por isso, aparenta ser o mais desinibido e alegre dos brasileiros. Que, sabendo rir de si e de um tudo, é homem capaz de se sentar ao meio-fi o e chorar diante de uma tragédia. O resto é carimbo.

Minha memória não me permite esquecer. O tio mais alto, o meu tio-avô Rubens, mulherengo de tope, bigode frajola, carioca, pobre, porém caprichoso nas roupas, empaletozado como na época, empertigado, namorador impenitente e alegre e, pioneiro, me ensi-nar nos bondes a olhar as pernas nuas das mulheres e, após, lhes oferecer o lugar. Que havia saias e pernas nuas nos meus tempos de menino.

Folgado, fi nório, malandreco, vive de férias. Não pode ver mulher bonita, perdulário, superfi cial e fes-tivo até as vísceras. Adjetivação vazia... E só ideia genérica, balela, não passa de carimbo.

Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais alegre do Rio é a favela. É onde mais se canta no Rio. E, aí,

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56o carioca é desconcertante. Dos favelados nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetá-culos de festa popular do mundo, o Carnaval.

O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona Sul badalada — de Copacabana ao Leblon. Setenta e cin-co por cento da população carioca moram na Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio fi ca mais Rio, a partir das caras não cosmopolitas e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes, inovadoras e universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Perei-ra, a de Nelson Rodrigues, a de Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia fi na, modo atilado de se driblarem os percalços.

Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades; os botequins, universidade. Algumas frases apanha-das lá nessas bigornas da vida, em situações diversas, como aparentes tipos-a-esmo:

“Está ruim pra malandro” - o advérbio até está oculto.

“Quem tem olho grande não entra na China”.

“A galinha come é com o bico no chão”.

“Negócio é o seguinte: dezenove não é vinte”.

“Se ginga fosse malandragem, pato não acabava na panela”.

“Não leve uma raposa a um galinheiro”.

“Se a farinha é pouca o meu pirão primeiro”.

“Há duas coisas em que não se pode confi ar. Quan-do alguém diz “deixe comigo” ou “este cachorro não morde”.

“Amigo, bebendo cachaça, não faço barulho de uísque”.

“Da fruta de que você gosta eu como até o caroço”.

“A vida é do contra: você vai e ela fi ca”.

Como fi losofi a de vida ou não, vivendo numa cidade em que o excesso de beleza é uma orgia, convivendo com grandezas e mazelas, o carioca da gema é um dos poucos tipos nacionais para quem ninguém é gaúcho, paraibano, amazonense ou paulista. Ele entende que está tratando com brasileiros.

(Conferir: OLIVEIRA, Antônio Castilho Alcântara Machado de. Brás, Bexiga e Barra Funda. In: NOVE-LAS PAULISTANAS. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975: 25)

NATAL NA BARCA

Lygia Fagundes Telles

Não quero nem devo lembrar aqui por que me encon-trava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silên-cio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passa-geiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vaci-lante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de com-prido no banco, dirigira palavras amenas a um vizi-nho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo man-to escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma fi gura antiga.

Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fi m da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despo-jada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a em-barcação ia fazendo no rio.

Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acen-di um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

A caixa de fósforos escapou-me das mãos e qua-se resvalou para o. rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

— Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

— Mas de manhã é quente.

Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraor-dinariamente brilhantes. Reparei que suas roupas (po-bres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

— De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

— Quente?

— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

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57Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas.

E respondi com uma outra pergunta:

— Mas a senhora mora aqui perto?

— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje...

A criança agitou-se, choramingando. A mulher aper-tou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exalta-das sobre o xale preto, mas o rosto era sereno.

— Seu fi lho?

— É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêuti-co de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre... Mas Deus não vai me abandonar.

— É o caçula?

Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce.

— É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito... Tinha pouco mais de quatro anos.

Joguei o cigarro na direção do rio e o toco bateu na grade, voltou e veio rolando aceso pelo chão. Alcan-cei-o com a ponta do sapato e fi quei a esfregá-lo de-vagar. Era preciso desviar o assunto para aquele fi lho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

— E esse? Que idade tem?

— Vai completar um ano. — E, noutro tom, incli-nando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado... A últi-ma mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrin-do os braços. E voou.

Levantei-me. Eu queria fi car só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não tinha forças para rompê-los.

— Seu marido está à sua espera?

— Meu marido me abandonou.

Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta porque agora não podia mais parar, ah! aquele sistema dos vasos co-municantes.

— Há muito tempo? Que seu marido...

— Faz uns seis meses. Vivíamos tão bem, mas tão bem. Foi quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, me falou nela fazendo uma brincadeira, a Bila enfeiou, sabe que de nós dois fui eu que aca-bei fi cando mais bonito? Não tocou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me deu um adeus através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver nin-guém falar comigo com aquela tela no meio... Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tar-dinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escoli-nha. Sou professora.

Olhei as nuvens tumultuadas que corriam na mes-ma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem re-lata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o fi lhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo fi lho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confi ante. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsci-ência? Uma certa irritação me fez andar.

— A senhora é conformada.

— Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou.

— Deus — repeti vagamente.

— A senhora não acredita em Deus?

— Acredito — murmurei. E ao ouvir o som débil da minha afi rmativa, sem saber por quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela seguran-ça, daquela calma. Era a tal fé que removia monta-nhas...

Ela mudou a posição da criança, passando-a do ombro direito para o esquerdo. E começou com voz quente de paixão:

— Foi logo depois da morte do meu menino. Acor-dei uma noite tão desesperada que saí pela rua afora, enfi ei um casaco e saí descalça e chorando feito lou-

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58ca, chamando por ele! Sentei num banco do jardim onde toda tarde ele ia brincar. E fi quei pedindo, pe-dindo com tamanha força, que ele, que gostava tanto de mágica, fi zesse essa mágica de me aparecer só mais uma vez, não precisava fi car, se mostrasse só um ins-tante, ao menos mais uma vez, só mais uma! Quando fi quei sem lágrimas, encostei a cabeça no banco e não sei como dormi. Então sonhei e no sonho Deus me apa-receu, quer dizer, senti que ele pegava na minha mão com sua mão de luz. E vi o meu menino brincando com o Menino Jesus no jardim do Paraíso. Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo ao meu encontro e me beijou tanto, tanto... Era tamanha sua alegria que acordei rindo também, com o sol batendo em mim.

Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer alguma coisa, levan-tei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para do-minar o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-o contra o peito. Mas ele estava morto.

Debrucei-me na grade da barca e respirei penosa-mente: era como se estivesse mergulhada até o pes-coço naquela água. Senti que a mulher se agitou atrás de mim.

— Estamos chegando — anunciou.

Apanhei depressa minha pasta. O importante agora era sair, fugir antes que ela descobrisse, correr para longe daquele horror. Diminuindo a marcha, a barca fazia uma larga curva antes de atracar. O bilheteiro apareceu e pôs-se a sacudir o velho que dormia:

— Chegamos!... Ei! chegamos!

Aproximei-me evitando encará-la.

— Acho melhor nos despedirmos aqui — disse atro-peladamente, estendendo a mão.

Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez um movimento como se fosse apanhar a sacola. Ajudei-a, mas ao invés de apanhar a sacola que lhe estendi, antes mesmo que eu pudesse impedi-lo, afas-tou o xale que cobria a cabeça do fi lho.

— Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar agora sem nenhuma febre.

— Acordou?!

Ela sorriu:

— Veja...

Inclinei-me. A criança abrira os olhos — aqueles olhos que eu vira cerrados tão defi nitivamente. E bo-cejava, esfregando a mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem conseguir falar.

— Então, bom Natal! — disse ela, enfi ando a sacola no braço.

Sob o manto preto, de pontas cruzadas e atiradas para trás, seu rosto resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e acompanhei-a com o olhar até que ela de-sapareceu na noite.

Conduzido pelo bilheteiro, o velho passou por mim retomando seu afetuoso diálogo com o vizinho invi-sível. Saí por último da barca. Duas vezes voltei-me ainda para ver o rio. E pude imaginá-lo como seria de manhã cedo: verde e quente. Verde e quente.

(Conferir: TELLES, Lygia Fagundes. Mistérios. )

A PARTIDA

Osman Lins

Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, re-conheço que mudei bastante. Verifi co também que estava afl ito e que havia um fundo de mágoa ou desespero em minha impaciência. Eu queria deixar minha casa, minha avó e seus cuidados. Estava farto de chegar a horas cer-tas, de ouvir reclamações; de ser vigiado, contemplado, querido. Sim, também a afeição de minha avó incomoda-va-me. Era quase palpável, quase como um objeto, uma túnica, um paletó justo que eu não pudesse despir.

Ela vivia a comprar-me remédios, a censurar minha falta de modos, a olhar-me, a repetir conselhos que eu já sabia de cor. Era boa demais, intoleravelmente boa e amorosa e justa.

Na véspera da viagem, enquanto eu a ajudava a arru-mar as coisas na maleta, pensava que no dia seguinte estaria livre e imaginava o amplo mundo no qual iria desafogar-me: passeios, domingos sem missa, traba-lho em vez de livros, mulheres nas praias, caras no-vas. Como tudo era fascinante! Que viesse logo. Que as horas corressem e eu me encontrasse imediatamen-te na posse de todos esses bens que me aguardavam. Que as horas voassem, voassem!

Percebi que minha avó não me olhava. A princípio, achei inexplicável que ela fi zesse isso, pois costuma-va fi tar-me, longamente, com uma ternura que inco-modava. Tive raiva do que me parecia um capricho e, como represália, fui para a cama.

Deixei a luz acesa. Sentia não sei que prazer em contar as vigas do teto, em olhar para a lâmpada. De-

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59sejava que nenhuma dessas coisas me afetasse e irri-tava-me por começar a entender que não conseguiria afastar-me delas sem emoção.

Minha avó fechara a maleta e agora se movia, de-vagar, calada, fi el ao seu hábito de fazer arrumações tardias. A quietude da casa parecia triste e fi cava mais nítida com os poucos ruídos aos quais me fi xava: manso arrastar de chinelos, cuidadoso abrir e lento fechar de gavetas, o tique-taque do relógio, tilintar de talheres, de xícaras.

Por fi m, ela veio ao meu quarto, curvou-se:

— Acordado?

Apanhou o lençol e ia cobrir-me (gostava disto, ain-da hoje o faz quando a visito); mas pretextei calor, beijei sua mão enrugada e, antes que ela saísse, dei-lhe as costas.

Não consegui dormir. Continuava preso a outros rumores. E quando estes se esvaíam, indistintas ima-gens me acossavam. Edifícios imensos, opressivos, barulho de trens, luzes, tudo a afl igir-me, persistente, desagradável — imagens de febre.

Sentei-me na cama, as têmporas batendo, o coração inchado, retendo uma alegria dolorosa, que mais pa-recia um anúncio de morte. As horas passavam, can-tavam grilos, minha avó tossia e voltava-se no leito, as molas duras rangiam ao peso de seu corpo. A tosse passou, emudeceram as molas; fi caram só os grilos e os relógios. Deitei-me.

Passava de meia-noite quando a velha cama gemeu: minha avó levantava-se. Abriu de leve a porta de seu quarto, sempre de leve entrou no meu, veio chegando e fi cou de pé junto a mim. Com que fi nalidade? — perguntava eu. Cobrir-me ainda? Repetir-me conse-lhos? Ouvi-a então soluçar e quase fui sacudido por um acesso de raiva. Ela estava olhando para mim e chorando como se eu fosse um cadáver — pensei. Mas eu não me parecia em nada com um morto, se-não no estar deitado. Estava vivo, bem vivo, não ia morrer. Sentia-me a ponto de gritar. Que me deixasse em paz e fosse chorar longe, na sala, na cozinha, no quintal, mas longe de mim. Eu não estava morto.

Afi nal, ela beijou-me a fronte e se afastou, abafando os soluços. Eu crispei as mãos nas grades de ferro da cama, sobre as quais apoiei a testa ardente. E adormeci.

Acordei pela madrugada. A princípio com tranquili-dade, e logo com obstinação, quis novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo: passava das três. Restavam-me, portan-to, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cin-

co. Veio-me então o desejo de não passar nem uma hora mais naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de amor.

Com receio de fazer barulho, dirigi-me à cozinha, lavei o rosto, os dentes, penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algu-mas palavras... Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?

Ela estava encolhida, pequenina, envolta numa co-berta escura. Toquei-lhe no ombro, ela se moveu, des-cobriu-se. Quis levantar-se e eu procurei detê-la. Não era preciso, eu tomaria um café na estação. Esquecera de falar com um colega e, se fosse esperar, talvez não houvesse mais tempo. Ainda assim, levantou-se. Ra-lhava comigo por não tê-la despertado antes, acusava-se de ter dormido muito. Tentava sorrir.

Não sei por que motivo, retardei ainda a partida. Andei pela casa, cabisbaixo, à procura de objetos imaginários enquanto ela me seguia, abrigada em sua coberta. Eu sabia que desejava beijar-me, prender-se a mim, e à simples ideia desses gestos, estremeci. Como seria se, na hora do adeus, ela chorasse?

Enfi m, beijei sua mão, bati-lhe de leve na cabeça. Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de apro-ximação, decerto na esperança de um abraço fi nal. Esquivei-me, apanhei a maleta e, ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários).

(Conferir: LINS, Osman. Os Gestos. São Paulo: Melhoramentos, 1975: 190-193)

FELIZ ANIVERSÁRIO

Clarice Lispector

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vie-ram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita signifi cava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-mari-nho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçan-do a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mos-trar que não precisava de nenhum deles, acompanha-da dos três fi lhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas en-gomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata.

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60Tendo Zilda — a fi lha com quem a aniversariante

morava — disposto cadeiras unidas ao longo das pa-redes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emude-ceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultraja-da. “Vim para não deixar de vir”, dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo pen-teado, não sabiam bem que atitude tomar e fi caram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês.

Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois. E como Zilda — a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante — e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, fi caram: a nora de Olaria empertigada com seus fi lhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fi la oposta das cadeiras fi ngindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Ola-ria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta.

E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos.

Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, en-chera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos à data, espalhara balões sungados pelo teto em alguns dos quais estava escrito “Happy Birthday!”, em outros “Feliz Aniversário!” No centro havia disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa logo depois do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos brincar no vizinho para não desarrumar a mesa.

E, para adiantar o expediente, vestira a aniversarian-te logo depois do almoço. Pusera-lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabe-ceira da longa mesa vazia, tesa na sala silenciosa.

De vez em quando consciente dos guardanapos colo-ridos. Olhando curiosa um ou outro balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aque-la angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o voo da mosca em torno do bolo.

Até que às quatro horas entrara a nora de Olaria e depois a de Ipanema.

Quando a nora de Ipanema pensou que não suporta-ria nem um segundo mais a situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria — que cheia das

ofensas passadas não via um motivo para desfi tar de-safi adora a nora de Ipanema — entraram enfi m José e a família. E mal eles se beijavam, a sala começou a fi car cheia de gente que ruidosa se cumprimentava como se todos tivessem esperado embaixo o momen-to de, em afobação de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças surpreendidas, enchendo a sala — e inaugurando a festa.

Os músculos do rosto da aniversariante não a in-terpretavam mais, de modo que ninguém podia sa-ber se ela estava alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca.

— Oitenta e nove anos, sim senhor!, disse José, fi -lho mais velho agora que Jonga tinha morrido. — Oi-tenta e nove anos, sim senhora!, disse esfregando as mãos em admiração pública e como sinal impercep-tível para todos.

Todos se interromperam atentos e olharam a aniver-sariante de um modo mais ofi cial. Alguns abanaram a cabeça em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim senhor!, disseram alguns sorrindo timidamente.

— Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era só-cio de José. É um brotinho!, disse espirituoso e ner-voso, e todos riram, menos sua esposa.

A velha não se manifestava.

Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus fi lhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar consti-tuindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.

— Oitenta e nove anos!, repetiu Manoel afl ito, olhando para a esposa.

A velha não se manifestava.

Então, como se todos tivessem tido a prova fi nal de que não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros, de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamen-te, a gordura quente dos croquetes dava um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que não

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61podia comer frituras, eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada, sorrindo.

— Não senhor!, respondeu José com falsa severida-de, hoje não se fala em negócios!

— Está certo, está certo!, recuou Manoel depressa, olhando rapidamente para sua mulher que de longe estendia um ouvido atento.

— Nada de negócios, gritou José, hoje é o dia da mãe!

Na cabeceira da mesa já suja, os copos maculados, só o bolo inteiro — ela era a mãe. A aniversariante piscou os olhos.

E quando a mesa estava imunda, as mães enerva-das com o barulho que os fi lhos faziam, enquanto as avós se recostavam complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil luz do corredor para acender a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho cola-do onde estava escrito “89”. Mas ninguém elogiou a idéia de Zilda, e ela se perguntou angustiada se eles não estariam pensando que fora por economia de ve-las — ninguém se lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer para a comida da festa que ela, Zilda, servia como uma es-crava, os pés exaustos e o coração revoltado. Então acenderam a vela. E então José, o líder, cantou com muita força, entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou surpreendidos, “vamos! todos de uma vez!” — e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês pas-saram a português, e os que haviam cantado em portu-guês passaram a cantar bem baixo em inglês.

Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa, meditava como junto de uma lareira.

Escolheram o bisneto menor que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a chama com um único sopro cheio de saliva! Por um instante bateram pal-mas à potência inesperada do menino que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor — e acendeu a lâmpada.

— Viva mamãe!

— Viva vovó!

— Viva D. Anita, disse a vizinha que tinha aparecido.

— Happy birthday!, gritaram os netos, do Colégio Bennett.

Bateram ainda algumas palmas ralas.

A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco.

— Parta o bolo, vovó!, disse a mãe dos quatro fi lhos, é ela quem deve partir!, assegurou incerta a todos, com ar íntimo e intrigante. E, como todos aprovas-sem satisfeitos e curiosos, ela se tornou de repente impetuosa: — parta o bolo, vovó!

E de súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação, como se hesitando um momento ela toda caísse para a frente, deu a primeira talhada com punho de assassina.

— Que força, segredou a nora de Ipanema, e não se sabia se estava escandalizada ou agradavelmente surpreendida. Estava um pouco horrorizada.

— Há um ano atrás ela ainda era capaz de subir es-sas escadas com mais fôlego do que eu, disse Zilda amarga.

Dada a primeira talhada, como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fi ngidas acotovela-das de animação, cada um para a sua pazinha.

Em breve as fatias eram distribuídas pelos pratinhos, num silêncio cheio de rebuliço. As crianças pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta, acompanhavam a distribuição com muda inten-sidade. As passas rolavam do bolo entre farelos se-cos. As crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas, acompanhavam atentas a queda.

E quando foram ver, não é que a aniversariante já estava devorando o seu último bocado?

E por assim dizer a festa estava terminada. Cordélia olhava ausente para todos, sorria.

— Já lhe disse: hoje não se fala em negócios!, res-pondeu José radiante.

— Está certo, está certo!, recolheu-se Manoel con-ciliador sem olhar a esposa que não o desfi tava. Está certo, tentou Manoel sorrir e uma contração passou-lhe rápido pelos músculos da cara.

— Hoje é dia da mãe!, disse José.

Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua famí-lia. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante fi cou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos.

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62E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus fi lhos e netos e bisne-tos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Ro-drigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intu-mescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os ou-tros, a aniversariante. Oh! O desprezo pela vida que falhava. Como?! Como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obe-diente e independente, ela respeitara; a quem respei-tara e que lhe fi zera fi lhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade se-quer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunis-tas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.

— Mamãe!, gritou mortifi cada a dona da casa. Que é isso, mamãe!, gritou ela passada de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgra-çados se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe, ja-mais compreenderiam o sacrifício que ela fazia. — Mamãe, que é isso! — disse baixo, angustiada. — A senhora nunca fez isso! — acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto dos ou-tros, quando o galo cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu enorme vexame suavizou-se quan-do ela percebeu que eles abanavam a cabeça como se estivessem de acordo que a velha não passava agora de uma criança.

— Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então confessando contrita para todos.

Todos olharam a aniversariante, compungidos, res-peitosos, em silêncio.

Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos — provavelmente já além dos cinquenta anos, que sei eu! — os meninos ainda conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos — ain-da mais fracos e mais azedos — haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas fi nas, com aqueles cola-res falsifi cados de mulher que na hora não aguenta a mão, aquelas mulherezinhas que casavam mal os

fi lhos, que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos — ne-nhum, nenhum de ouro! A raiva a sufocava.

— Me dá um copo de vinho!, disse.

O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão.

— Vovozinha, não vai lhe fazer mal?, insinuou cau-telosa a neta roliça e baixinha.

— Que vovozinha que nada!, explodiu amarga a aniversariante. — Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas!, me dá um copo de vinho, Dorothy! — ordenou.

Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras isen-tas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifes-tava. A festa interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham fi cado cegos, surdos e mudos, com croquetes na mão. E olhavam impassíveis.

Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: as-tuciosamente apenas dois dedos no copo. Inexpressi-vos, preparados, todos esperaram pela tempestade.

Mas não só a aniversariante não explodiu com a mi-séria de vinho que Dorothy lhe dera como não mexeu no copo. Seu olhar estava fi xo, silencioso. Como se nada tivesse acontecido.

Todos se entreolharam polidos, sorrindo cegamen-te, abstratos como se um cachorro tivesse feito pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria, que tivera o seu primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve que retornar sozinha à sua severidade, sem ao menos o apoio dos três fi lhos que agora se misturavam trai-doramente com os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava crítica aqueles vestidos sem nenhum mode-lo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar ves-tido preto com colar de pérolas, o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de economia. Exami-nando distante os sanduíches que quase não tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só comera uma coisa de cada, para experimentar.

E por assim dizer, de novo a festa estava terminada. As pessoas fi caram sentadas benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de si, à espera de alguma coisa a dizer. Outras vazias e expectantes, com um sorriso amável, o estômago cheio daquelas por-carias que não alimentavam mas tiravam a fome. As

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63crianças, já incontroláveis, gritavam cheias de vigor. Umas já estavam de cara imunda; as outras, menores, já molhadas; a tarde cala rapidamente. E Cordélia, Cordélia olhava ausente, com um sorriso estonteado, suportando sozinha o seu segredo. Que é que ela tem? alguém perguntou com uma curiosidade negligente, indicando-a de longe com a cabeça, mas também não responderam. Acenderam o resto das luzes para preci-pitar a tranqüilidade da noite, as crianças começavam a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas que a tensão pálida da tarde. E o crepúsculo de Copacabana, sem ceder, no entanto se alargava cada vez mais e penetra-va pelas janelas como um peso.

— Tenho que ir, disse perturbada uma das noras levantando-se e sacudindo os farelos da saia. Vários se ergueram sorrindo.

A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de cada um como se sua pele tão infamiliar fosse uma armadilha. E, impassível, piscando, recebeu aquelas palavras propositadamente atropeladas que lhe di-ziam tentando dar um fi nal arranco de efusão ao que não era mais senão passado: a noite já viera quase totalmente. A luz da sala parecia então mais amarela e mais rica, as pessoas envelhecidas. As crianças já estavam histéricas.

— Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas profundezas.

Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua última palavra. Com um punho fechado sobre a mesa, nunca mais ela se-ria apenas o que ela pensasse. Sua aparência afi nal a ultrapassara e, superando-a, se agigantava serena. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remé-dio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.

Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance. Cordélia olhou-a estarrecida. E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu — enquanto Rodri-go, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás implorando à velhice ainda um si-nal de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante, enfi m agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez Cordélia quis olhar.

Mas a esse novo olhar — a aniversariante era uma velha à cabeceira da mesa.

Passara o relance. E arrastada pela mão paciente e insistente de Rodrigo a nora seguiu-o espantada.

— Nem todos têm o privilégio e o orgulho de se reu-nirem em torno da mãe, pigarreou José lembrando-se de que Jonga é quem fazia os discursos.

— Da mãe, vírgula!, riu baixo a sobrinha, e a prima mais lenta riu sem achar graça.

— Nós temos, disse Manoel acabrunhado sem mais olhar para a esposa. Nós temos esse grande privilégio disse distraído enxugando a palma úmida das mãos.

Mas não era nada disso, apenas o mal-estar da des-pedida, nunca se sabendo ao certo o que dizer, José esperando de si mesmo com perseverança e confi ança a próxima frase do discurso. Que não vinha. Que não vinha. Que não vinha. Os outros aguardavam. Como Jonga fazia falta nessas horas — José enxugou a testa com o lenço — como Jonga fazia falta nessas horas! Também fora o único a quem a velha sempre aprova-ra e respeitara, e isso dera a Jonga tanta segurança. E quando ele morrera, a velha nunca mais falara nele, pondo um muro entre sua morte e os outros. Esque-cera-o talvez. Mas não esquecera aquele mesmo olhar fi rme e direto com que desde sempre olhara os outros fi lhos, fazendo-os sempre desviar os olhos. Amor de mãe era duro de suportar: José enxugou a testa, he-roico, risonho.

E de repente veio a frase:

— Até o ano que vem!, disse José subitamente com malícia, encontrando, assim, sem mais nem menos, a frase certa: uma indireta feliz! Até o ano que vem, hein?, repetiu com receio de não ser compreendido.

Olhou-a, orgulhoso da artimanha da velha que es-pertamente sempre vivia mais um ano.

— No ano que vem nos veremos diante do bolo ace-so!, esclareceu melhor o fi lho Manoel, aperfeiçoan-do o espírito do sócio. Até o ano que vem, mamãe! e diante do bolo aceso!, disse ele bem explicado, per-to de seu ouvido, enquanto olhava obsequiador para José. E a velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo a alusão.

Então ela abriu a boca e disse:

— Pois é.

Estimulado pela coisa ter dado tão inesperadamen-te certo, José gritou-lhe emocionado, grato, com os olhos úmidos:

— No ano que vem nos veremos, mamãe!

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64— Não sou surda!, disse a aniversariante rude,

acarinhada.

Os fi lhos se olharam rindo, vexados, felizes. A coisa tinha dado certo.

As crianças foram saindo alegres, com o apetite es-tragado. A nora de Olaria deu um cascudo de vingan-ça no fi lho alegre demais e já sem gravata. As escadas eram difíceis, escuras, incrível insistir em morar num prediozinho que seria fatalmente demolido mais dia menos dia, e na ação de despejo Zilda ainda ia dar trabalho e querer empurrar a velha para as noras — pisado o último degrau, com alívio os convidados se encontraram na tranquilidade fresca da rua. Era noite, sim. Com o seu primeiro arrepio.

Adeus, até outro dia, precisamos nos ver. Apareçam, disseram rapidamente. Alguns conseguiram olhar nos olhos dos outros com uma cordialidade sem receio. Al-guns abotoavam os casacos das crianças, olhando o céu à procura de um sinal do tempo. Todos sentindo obscu-ramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais — que palavra? eles não sabiam propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pe-dia para ser vivo. Mas que era morto. Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se desligar dos parentes sem brusquidão.

— Até o ano que vem!, repetiu José a indireta fe-liz, acenando a mão com vigor efusivo, os cabelos ralos e brancos esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, precisava tomar cuidado com o coração. Até o ano que vem!, gritou José eloquente e grande, e sua altura parecia desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam se deviam rir alto para ele ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no escuro. Além de alguns pensarem que felizmente havia mais do que uma brincadeira na indireta e que só no próxi-mo ano seriam obrigados a se encontrar diante do bolo aceso; enquanto que outros, já mais no escu-ro da rua, pensavam se a velha resistiria mais um ano ao nervoso e à impaciência de Zilda, mas eles sinceramente nada podiam fazer a respeito: “Pelo menos noventa anos”, pensou melancólica a nora de Ipanema. “Para completar uma data bonita”, pensou sonhadora.

Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contin-gências, estava a aniversariante sentada à cabeceira da mesa, erecta, defi nitiva, maior do que ela mesma. Será que hoje não vai ter jantar, meditava ela. A morte era o seu mistério.

(Conferir: LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998: 54-57)

• A contribuição de Édipo-Rei, de Sófocles, em Antônio Marinheiro: O Édipo de Alfama, de Bernardo Santareno;

• A contribuição de Anfi trião, de Plauto, em Anfi -trião de Luís Vaz de Camões;

• A contribuição de O Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, em O Auto da Barca do Motor Fora de Borda, de Sttau Monteiro;

• A contribuição da narrativa picaresca do Século XVI em Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida;

2.92.9 – Propostas de Pesquisa e Trabalhos Comparativos

• A contribuição de novelistas ingleses em Dom Casmurro, de Machado de Assis

• As contribuições de obras da Literatura Universal em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa;

• A contribuição de Metamorfose, de Kafka, em A Paixão Segundo GH, de Clarice Lispector;

• As contribuições de obras da Literatura Universal no romance Pós-Moderno/Pós-Modernista de Segunda Geração O Amante das Amazonas, de Rogel Samuel.

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Se você:

1) concluiu o estudo deste guia;2) participou dos encontros;3) fez contato com seu tutor;4) realizou as atividades previstas;

Então, você está preparado para as avaliações.

Parabéns!

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66Referências Bibliográficas

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