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LILIANE ALMEIDA CARNEIRO
Estudo prospectivo sobre a dinâmica da evolução clínica e
imunológica da infecção canina por Leishmania (Leishmania)
infantum chagasi em área endêmica de leishmaniose visceral no
estado do Pará
São Paulo
2016
LILIANE ALMEIDA CARNEIRO
Estudo prospectivo sobre a dinâmica da evolução clínica e imunológica da
infecção canina por Leishmania (Leishmania) infantum chagasi em área
endêmica de leishmaniose visceral no estado do Pará
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências
Departamento:
Patologia
Área de Concentração:
Patologia Experimental e Comparada
Orientadora:
Profª. Drª. Marcia Dalastra Laurentti
São Paulo
2016
Autorizo a reprodução parcial ou total desta obra, para fins acadêmicos, desde que citada a fonte.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
(Biblioteca Virginie Buff D’Ápice da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo)
T.3351 Carneiro, Liliane Almeida FMVZ Estudo prospectivo sobre a dinâmica da evolução clínica e imunológica da infecção
canina por Leishmania (Leishmania) infantum chagasi em área endêmica de leishmaniose visceral no estado do Pará / Liliane Almeida Carneiro. -- 2016.
93 f. : il. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina Veterinária e
Zootecnia. Departamento de Patologia, São Paulo, 2016.
Programa de Pós-Graduação: Patologia Experimental e Comparada. Área de concentração: Patologia Experimental e Comparada. Orientador: Profª. Drª. Marcia Dalastra Laurentti.
1. Leishmaniose visceral canina. 2. Imunidade celular. 3. Imunidade humoral. 4. Evolução clínica. I. Título.
ERRATA CARNEIRO, L. A. Estudo prospectivo sobre a dinâmica da evolução clí nica e imunológica da infecção canina por Leishmania (Leishmania) infantum chagasi em área endêmica de leishmaniose visceral no estado do Pará. 2016. 93 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
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Ficha catalográfica
Resumo
93 f.
93 f.
91 f.
91 f.
Abstract 93 f. 91 f.
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome: CARNEIRO, Liliane Almeida
Título: Estudo prospectivo sobre a dinâmica da evolução clínica e imunológica da infecção canina por Leishmania (Leishmania) infantum chagasi em área endêmica de leishmaniose visceral no estado do Pará
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências
Aprovado em:__/__/__
Banca Examinadora
Prof.Dr._________________________________________________________
Instituição:______________________Julgamento:_______________________
Prof.Dr._________________________________________________________
Instituição:______________________Julgamento:_______________________
Prof.Dr._________________________________________________________
Instituição:______________________Julgamento:_______________________
Prof.Dr._________________________________________________________
Instituição:______________________Julgamento:_______________________
Prof.Dr._________________________________________________________
Instituição:______________________Julgamento:_______________________
DEDICATÓRIA
À minha filha, Amanda, razão da minha vida.
À minha mãe, Ney, pelo constante apoio e amor.
AGRADECIMENTOS
Aos meus avós, Nazaré e Belúcio, por terem me dado à oportunidade de
estudar e me ensinarem o valor de uma boa educação.
Ao João Carlos, por existir e me fazer experimentar um grande amor.
Ao Dr. Fernando Tobias Silveira, pelos constantes ensinamentos, pela
oportunidade de trabalhar sob a sua orientação e por ter acreditado em mim.
À Dra. Marcia Dalastra Laurenti, que me aceitou como aluna, mesmo eu
estando longe, e acreditou que seria possível fazer um bom trabalho.
Às amigas, pesquisadoras do laboratório de Leishmanioses “Dr. Ralph
Lainson” do Instituto Evandro Chagas, Marliane Campos e Luciana Lima, pela
colaboração, constante apoio, confiança e inesquecíveis momentos compartilhados.
À Rosely de Jesus e Raimundo Nonato, técnicos do laboratório de
Leishmanioses, colegas, amigos e colaboradores na nossa eterna “Equipe cão”, pelo
constante e irrestrito apoio em todas as atividades.
Às colegas, amigas e parceiras de muito trabalho, Aline Imbeloni, Manoella
Vaz e Mika Aihara, do Centro Nacional de Primatas, pelos incansáveis momentos de
trabalho e também de descontração.
À amiga, pesquisadora do Instituto Evandro Chagas, Livia Casseb, pela
importante colaboração com as análises estatísticas.
A toda equipe do laboratório de Leishmanioses “Dr. Ralph Lainson”, que
sempre me recebeu bem e me ajudou quando necessário.
Ao diretor do Instituto Evandro Chagas, Dr. Pedro Fernando da Costa
Vasconcelos, por todo o apoio logístico, estruturação física e financeira, além da
confiança depositada no meu trabalho, me dando oportunidade de crescer.
Ao Laboratório de Patologia e Moléstias Infecciosas (LIM-50) do
Departamento de Patologia da FMUSP, pela oportunidade de desenvolver minha
tese junto à eles.
Finalmente, ao Senhor meu Deus, por mais uma conquista alcançada, muito
obrigada.
RESUMO
CARNEIRO, L. A. Estudo prospectivo sobre a dinâmica da evolução clínica e imunológica da infecção canina por Leishmania (Leishmania) infantum chagasi em área endêmica de leishmaniose visceral no estado do Pará. [Prospective study on the dynamics of clinical and immunological evolution of canine infection by Leishmania (Leishmania) infantum chagasi in an endemic area of visceral leishmaniasis in the state of Pará]. 2016. 93 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Leishmaniose visceral canina (LVC) é um dos problemas de saúde pública mais
importantes da América Latina, pois geralmente precede a doença humana, a
leishmaniose visceral americana (LVA), causada pela Leishmania (L.) infantum
chagasi. No presente estudo prospectivo analisou-se durante período de dois anos a
prevalência, incidência e dinâmica da evolução clínico-imunológica da infecção
canina pela L. (L.) i. chagasi em uma coorte de 316 cães mestiços que vivem em
área endêmica de LVA no município de Barcarena, Pará, Amazônia Brasil, pelo uso
combinado do teste de imunofluorescência indireta (RIFI-IgG) e de
hipersensibilidade tardia (RIM), bem como a pesquisa do parasita pela aspiração do
linfonodo poplíteo para o diagnóstico da infecção. A reatividade para RIFI e RIM
reconheceu três diferentes perfis de resposta imunológica: (I) RIFI (+) / RIM (-) (81
cães), (II) RIFI (-) / RIM (+) (17 cães), e (III) RIFI (+) / RIM (+) (13 cães),
proporcionando uma prevalência global da infecção de 35,1% (111/316). Desta
forma, a prevalência específica do perfil I (25,6%) foi superior as dos perfis II e III,
5,4% e 4,1%, respectivamente. Além disso, a frequência destes perfis entre 111
cães infectados mostrou que a taxa de 73% do perfil I também foi maior do que os
dos perfis II (15,3%) e III (11,7%). A prevalência da infecção de acordo com as
faixas etárias revelou que a taxa de 27,5% do grupo ≥1ano <7 anos foi maior do que
as de <1 ano (5,3%) e ≥7anos (2,2%), respectivamente. Por outro lado, a incidência
global da infecção foi de 5,7% cães / mês (5,4% perfil I, 0,3% perfil II e 0,0% perfil
III). No entanto, observou-se uma progressiva diminuição nas taxas de incidência
nos seguintes pontos de tempo: seis (3,6% cães / mês), doze (1,7% cães / mês) e
vinte e quatro (0,4% cães / mês) meses do estudo. Além disso, a incidência da
infecção de acordo com os grupos etários demonstraram que a taxa de 6,6% cães /
mês no grupo <1 ano foi maior em comparação com as de 5,3% e 3,3% cães / mês
nos grupos ≥1ano e <7 anos, e <1 ano, respectivamente. O diagnóstico
parasitológico da infecção foi confirmado em 19% (21/111) no estudo da
prevalência, sendo a maioria dos cães (85,7%) do perfil I, onde 61,1% eram
sintomáticos e 38,9% assintomáticos. Entre o restante (14,3%), o diagnóstico foi
associado ao perfil III, sendo 66,6% assintomáticos e 33,3% sintomáticos. No
levantamento da incidência, o diagnóstico foi confirmado em 11% dos cães, todos
pertencentes ao perfil I, sendo 60% assintomáticos e 40% sintomáticos. Com
relação ao estado clínico de todos os 179 cães diagnosticados infectados durante o
período de dois anos, observou-se que entre 145 (81%) cães do perfil I, 82% eram
assintomáticos e 18% sintomáticos; entre os 21 (11,7%) cães do perfil II, todos
(100%) eram assintomáticos; e entre 13 (7,3%) cães do perfil III, 84,6% eram
assintomáticos e 15,4% sintomáticos. Além disso, observou-se que a conversão do
estado clínico assintomático ao sintomática foi registado principalmente em cães do
perfil I (40,2%) do que aqueles dos perfis II (5,8%) e III (9%). Por outro lado, apenas
3,2% dos cães do perfil I [RIFI (+) / RIM (-)] converteu resposta RIM (+), enquanto
80% de cães do perfil II [RIFI (-) / RIM (+)] converteu resposta RIFI (+). Por fim,
demonstrou-se que 100% dos óbitos por LVC ocorreu entre os cães do perfil I,
sendo 85,7% na prevalência e 14,3% na incidência. Considerando todos esses
resultados, parece razoável que a interação entre parasita e resposta imune canina
é suportada principalmente pelo perfil imunológico claramente vulnerável, o perfil I
[RIFI (+) / RIM (-)], o qual não oferece qualquer resistência ao parasita, tornando o
cão altamente susceptível à infecção.
Palavras-chave: Leishmaniose visceral canina. Imunidade celular. Imunidade
humoral. Evolução clínica.
ABSTRACT
CARNEIRO, L. A. Prospective study on the dynamics of clinical and immunological evolution of canine infection by Leishmania (Leishmania) infantum chagasi in an endemic area of visceral leishmaniasis in the state of Pará. [Estudo prospectivo sobre a dinâmica da evolução clínica e imunológica da infecção canina por Leishmania (Leishmania) infantum chagasi em área endêmica de leishmaniose visceral no estado do Pará]. 2016. 93 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
Canine visceral leishmaniasis (CVL) is one of the most important public health
problems in Latin America because it usually precedes human disease, American
visceral leishmaniais (AVL), being caused by Leishmania (L.) infantum chagasi. In
the present prospective study it was analyzed during two years period the
prevalence, incidence and dynamics of the clinical-immunological evolution of canine
L. (L.) i. chagasi-infection in a cohort of 316 mongrel dogs living in endemic area of
AVL in Barcarena municipality, Pará State, Amazonian Brazil, by the combined use
of the indirect fluorescence antibody test (IFAT-IgG) and delayed-type
hypersensitivity (DTH), as well as the parasite research by the popliteal lymph node
aspiration for the diagnosis of infection. The IFAT and DTH reactivity recognized
three different immune response profiles: (I) IFAT(+)/DTH(−) (81 dogs), (II)
IFAT(−)/DTH(+) (17 dogs), and (III) IFAT(+)/DTH(+) (13 dogs), providing an overall
infection prevalence of 35,1% (111/316). In this way, the specific prevalence of
profile I 25,6% was higher than those of profiles II 5,4% and III 4,1%. Moreover, the
frequency of these profiles among 111 infected dogs showed that the rate 73% of
profile I was also higher than those of profiles II 15,3% and III 11,7%. The infection
prevalence according to the age groups revealed that the rate 27,5% of ≥1year
<7years was higher than those of <1year 5,3% and ≥7years 2,2%, respectively. On
the other hand, the overall incidence of infection was 5,7% dogs/month (5,4% profile
I, 0,3% profile II and 0,0% profile III). However, it was noted a progressive decreasing
in the incidence rates at the following time-points: six (3,6% dogs/month), twelve
(1,7% dogs/month) and twenty four (0,4% dogs/month) months of the study. In
addition, the infection incidence according to the age groups demonstrated that the
rate 6,6% dogs/month of <1year was higher compared to those of 5,3% and 3,3%
dogs/month of ≥1year and <7years, and <1year, respectively. The parasitological
diagnosis of infection was confirmed in 19% (21/111) at the prevalence survey, being
most dogs (85,7%) of the profile I, 61,1% symptomatic and 38,9% asymptomatic
ones. Among the remainder 14,3%, the diagnosis was associated to the profile III,
66,6% in asymptomatic and 33,3% in symptomatic dogs. At the incidence survey, the
diagnosis was confirmed in 11% of dogs, all from the profile I, 60% asymptomatic
and 40% symptomatic ones. With regards to clinical status of all 179 infected dogs
diagnosed during two years period, it was observed that among 145 (81%) dogs from
the profile I, 82% were asymptomatic and 18% symptomatic ones; among 21 (11,7%)
from the profile II, all (100%) were asymptomatic; and among 13 (7,3%) from the
profile III, 84,6% were asymptomatic and 15,4 % symptomatic ones. Besides this, it
was noted that the clinical conversion from asymptomatic to symptomatic status was
principally recorded in dogs from the profile I (40,2%) than those from the profiles II
(5,8%) and III (9%). By the other side, only 3,2% dogs from the profile I
[IFAT(+)/DTH(−)] converted DTH(+) response, while 80% dogs from the profile II
[IFAT(−)/DTH(+)] converted IFAT(+) response. At last, it was demonstrated that 100% of
death by CVL occurred amongst dogs from the profile I, being 85,7% from the
prevalence and 14,3% from the incidence. Taking together all these results, it seems
reasonable that interaction between parasite and canine immune response is
principally supported by immunologic profile clearly vulnerable, the profile I
[IFAT(+)/DTH(−)], which does not offer any resistance to parasite, became the dog
highly susceptible to infection.
Keywords: Canine visceral leishmaniasis. Cellular immunity. Humoral immunity.
Clinical course.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará .......................................... 35
Figura 2 - Coleta de sangue através de punção da veia safena lateral do cão
............................................................................................................. 39
Figura 3 - Aspiração do linfonodo poplíteo do cão ............................................... 39
Figura 4 - Teste intradérmico de Montenegro ...................................................... 41
Figura 5 - Prevalência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil ...................................... 44
Figura 6 - Distribuição dos perfis imunológicos da infecção canina por L. (L.)
i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, por
ocasião da prevalência ........................................................................ 45
Figura 7 - Prevalência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a
faixa etária ........................................................................................... 46
Figura 8 - Incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana
do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil .................................................... 47
Figura 9 - Incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana
do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a faixa etária ..... 49
Figura 10 - Distribuição dos perfis imunológicos da infecção canina por L. (L.)
i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de
acordo com a faixa etária ..................................................................... 50
Figura 11 - Diagnóstico parasitológico da infecção canina por L. (L.) i.
chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil ............. 51
Figura 12 - Avaliação clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o
perfil imunológico, por ocasião da prevalência .................................... 52
Figura 13 - Avaliação clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o
perfil imunológico, por ocasião da incidência ...................................... 53
Figura 14 - Evolução clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o
perfil imunológico, por ocasião da prevalência .................................... 55
Figura 15 - Evolução clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o
perfil imunológico, por ocasião da incidência ...................................... 55
Figura 16 - Taxas totais da conversão clínica dos cães assintomáticos em
sintomáticos dos perfis imunológicos .................................................. 56
Figura 17 - Conversão sorológica (RIFI-IgG) e da reação intradérmica de
Montenegro (RIM) na infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o
perfil imunológico, por ocasião da prevalência e incidência ................ 57
Figura 18 - Evolução para o óbito devido à infecção canina por L. (L.) i.
chagasi, outros agravos e perdas, por ocasião da prevalência, na
vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil ................................ 60
Figura 19 - Evolução para o óbito devido à infecção canina por L. (L.) i.
chagasi, outros agravos e perdas, por ocasião da incidência, na
vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil ................................ 60
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 18
2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................ 22
2.1 LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA .......................................................... 22
2.1.1 Aspectos gerais .......................................................................................... 22
2.1.2 Ciclo biológico ............................................................................................ 22
2.1.3 Patogênese ................................................................................................. 24
2.1.3.1 Aspectos imunológicos ................................................................................. 24
2.1.3.2 Formas clínicas............................................................................................. 26
2.1.4 Métodos de Diagnóstico ............................................................................ 26
2.1.4.1 Diagnóstico parasitológico ............................................................................ 27
2.1.4.2 Diagnóstico Sorológico ................................................................................. 28
2.1.4.3 Teste Intradérmico de Montenegro ............................................................... 29
2.1.5 Estratégias de controle de leishmaniose visceral ................................... 29
2.1.6 Tratamento da leishmaniose visceral canina ........................................... 31
3 MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................... 35
3.1 Área .............................................................................................................. 35
3.2 População do estudo ................................................................................. 36
3.3 Desenho do estudo .................................................................................... 36
3.4 Critérios de identificação da infecção canina .......................................... 37
3.5 Critérios de avaliação clínica da infecção ................................................ 37
3.6 Coleta de amostras de tecido .................................................................... 38
3.7 Critérios para definição de óbito por LVC ................................................ 39
3.8 Procedimento dos testes imunológicos ................................................... 40
3.9 Procedimento do exame parasitológico ................................................... 41
3.10 Análise dos dados ...................................................................................... 41
3.11 Aprovação do Comitê de Ética no Uso Animal ........................................ 42
4 RESULTADOS ............................................................................................. 44
4.1 Prevalência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil ................................................................ 44
4.2 Distribuição dos perfis imunológicos da infecção ca nina por L. (L.) i.
chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasi l, por ocasião
da prevalência ............................................................................................. 45
4.3 Prevalência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a f aixa etária .............. 45
4.4 Incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil ................................................................ 46
4.5 Incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a f aixa etária .............. 47
4.6 Distribuição dos perfis imunológicos da infecção ca nina por L. (L.) i.
chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasi l, de acordo
com a faixa etária ........................................................................................ 49
4.7 Diagnóstico parasitológico da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na
vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil ..................................... 50
4.8 Avaliação clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de aco rdo com o perfil
imunológico ................................................................................................ 51
4.9 Evolução clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de aco rdo com o perfil
imunológico ................................................................................................ 53
4.10 Conversão sorológica (RIFI-IgG) e da reação intradé rmica de
Montenegro (RIM) na infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de aco rdo com o perfil
imunológico ................................................................................................ 56
4.11 Evolução para o óbito devido à infecção canina por L. (L.) i. chagasi,
outros agravos e perdas na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará,
Brasil ............................................................................................................ 58
5 DISCUSSÃO ................................................................................................ 62
6 CONCLUSÃO ............................................................................................... 76
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 78
ANEXO ......................................................................................................... 91
18
1 INTRODUÇÃO
A leishmaniose visceral (LV) é uma zoonose que atinge populações dos cinco
continentes, sendo conhecida, na América Latina, como Leishmaniose Visceral
Americana ou Calazar Neotropical. De acordo com a Organização Mundial de Saúde
(OMS) a leishmaniose é uma das seis endemias mundiais que afetam cerca de dois
milhões de pessoas a cada ano. Estima-se que a prevalência das diferentes formas
clínicas da enfermidade no mundo ultrapassa 12 milhões de casos, e que cerca de
360 milhões de pessoas vivem em área de risco, sendo uma das doenças
emergentes mais relevantes em todo o mundo, chegando a 98 % de mortalidade em
casos humanos não tratados (ALVAR et al., 2006; WHO, 2008).
A LV é causada por protozoário pertencente à ordem Kinetoplastida, família
Trypanossomatidae, gênero Leishmania (ROSS, 1903). A principal forma de
transmissão do parasito para o homem e outros hospedeiros mamíferos é pela
picada e inoculação de formas parasitárias por fêmeas de dípteros da família
Psychodidae, subfamilia Phebotominae, conhecidos genericamente por
flebotomíneos (GONTIJO; MELO, 2004), cuja espécie de maior importância
epidemiológica no Brasil é Lutzomyia longipalpis (LAINSON, 2010).
Em relação ao protozoário, Lainson e Rangel (2003, 2005) baseados em
diferenças observadas por meio de técnicas moleculares têm usado a nomenclatura
Leishmania (L.) infantum infantum e Leishmania (L.) infantum chagasi, sugerindo
que a separação taxonômica dos parasitos poderia ser ao nível de subespécie. Por
outro lado, Dantas-Torres (2006), acredita que Leishmania chagasi e Leishmania
infantum devem ser consideradas espécies sinônimas, sem que haja mudança no
nome ao nível de subespécie, pois isso implicaria em toda uma re-classificação do
gênero Leishmania. Contudo, segundo Shaw (2006), de acordo com o códico da
Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica, o nome Leishmania
(Leishmania) infantum chagasi é absolutamente correto, razão pelo qual será
adotado neste trabalho.
19
No cão doméstico (“Canis familiaris”), a infecção por L. (L.) i. chagasi causa a
leishmaniose visceral canina (LVC), uma zoonose parasitária amplamente difundida
em países da América Latina (SILVEIRA; CORBETT, 2010). Do ponto de vista
epidemiológico, a LVC é considerada mais importante que a doença humana, devido
a sua maior prevalência e pelo fato de que tanto os cães assintomáticos como os
sintomáticos são igualmente infecciosos para o flebotomíneo vetor (LAURENTI et
al., 2013).
Até recentemente, a doença era considerada rural, típica de ambientes
silvestres, mas hoje pode ser também contraída em zonas suburbanas e urbanas.
Atualmente, surtos e epidemias de LVC têm sido observados em grandes centros
urbanos no Brasil, tais como: Recife (PE), Natal (RN), Brasília (DF), Belo Horizonte
(MG), Rio de Janeiro (RJ), Três Lagoas (MS), Baurú (SP) e Araçatuba (SP) (SILVA
et al., 2001; FRANÇA-SILVA et al., 2003; SÃO PAULO, 2003; BRASIL, 2006;
DANTAS-TORRES, 2006; RIBEIRO, 2007).
Neste contexto, o cão apresenta grande importância na manutenção do ciclo
do parasito, por representar o principal reservatório doméstico de L.(L.)i. chagasi,
estando a ocorrência da infecção humana, fortemente associada à LVC. A infecção
canina geralmente precede o aparecimento de casos humanos, sendo ainda, mais
prevalente que a doença humana (CAMPINO, 2003).
A alta prevalência da LVC em áreas endêmicas para LVA, o intenso
parasitismo cutâneo nos cães, bem como, a precedência da LVC em relação à
doença humana, destacam o importante papel do cão na epidemiologia da LVA
(BADARÓ et al., 1996; COURTENAY et al., 2002; MORENO; ALVAR, 2002;
GIUNCHETTI et al., 2006).
No Brasil, o programa de controle da leishmaniose visceral (PCLV), da
Fundação Nacional de Saúde (FNS, MS), consiste em três tipos de ações:
diagnóstico e eliminação dos cães infectados, assintomáticos ou sintomáticos,
visando reduzir a fonte de infecção para o flebótomo vetor; diagnóstico e tratamento
precoce dos indivíduos doentes; e combate ao vetor em área onde há casos
humanos. Porém, diversos estudos tem questionado a efetividade destas ações,
pois o impacto na transmissão humana é limitado e possui alto custo (TESH, 1995;
PARANHOS-SILVA et al., 1996). A produção de uma vacina contra a LVC constitui
20
consenso, entre os pesquisadores, para o controle da doença humana (MORENO;
ALVAR, 2002; REITHINGER; DAVIES, 2012). No momento, já existe uma vacina
sendo comercializada no Brasil, porém, há dúvidas sobre sua eficácia no controle da
transmissão da infecção. Neste sentido, o cão vacinado pode apresentar resistência
ao desenvolvimento da doença, porém, pode também permanecer como fonte de
infecção para o vetor, do mesmo modo que o cão infectado assintomático. Por esta
razão, são necessários estudos visando aperfeiçoar o conhecimento da resposta
imune do cão infectado para o controle desta zoonose (ALVAR et al., 1994;
GUARGA et al., 2002).
Considerando a exposição acima, não há duvida quanto à importância da
identificação de marcadores de resistência e susceptibilidade na LVC, com base no
perfil da resposta imune contra a infecção por L. (L.) i. chagasi, em combinação com
dados clínicos e parasitológicos, o que já foi alvo de trabalho prévio do nosso grupo
de pesquisa (SILVEIRA et al., 2012). Neste sentido, o presente trabalho objetivou
ampliar nosso entendimento sobre esses parâmetros em cães infectados por L. (L.)
i. chagasi na Amazônia brasileira, focando não só na prevalência e incidência, mas,
principalmente, na evolução clínico-imunológica da infecção, buscando respostas
para questões pontuais na interação do parasito com a resposta imune do cão, tais
como, conversão clínica, sorológica, imune celular (hipersensibilidade tardia; reação
intradérmica de Montenegro), e evolução para o óbito, na expectativa de contribuir
com novas estratégias de controle, terapias e candidatos a vacinas contra a doença.
22
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA
2.1.1 Aspectos Gerais
A Leishmaniose Visceral Canina (LVC) é uma doença sistêmica severa cujas
manifestações clínicas são intrinsecamente dependentes do tipo de resposta
imunológica expressa pelo animal infectado. O quadro clínico dos cães infectados
apresenta um espectro de características clínicas que varia do aparente estado
sadio a um severo estágio final (BRASIL. 2006).
Desde 1908, quando relataram pela primeira vez na Tunísia a presença de
formas amastigotas em canídeos domésticos (NICOLLE, 1908) e no Brasil quando
observaram intenso parasitismo cutâneo em cães e raposas do Ceará (DEANE;
DEANE, 1955) os cães têm sido considerados como importantes reservatórios no
ciclo doméstico da leishmaniose visceral (LV).
Fatos como a alta prevalência da doença canina em áreas endêmicas para
leishmaniose visceral, o intenso parasitismo cutâneo apresentado por esses
animais, bem como, por preceder a ocorrência da doença em humanos, destacam o
importante papel do cão na epidemiologia da LV (BADARÓ et al., 1996;
COURTENAY et al., 2002; MORENO; ALVAR, 2002; GIUNCHETTI et al., 2006).
2.1.2 Ciclo Biológico
Durante o repasto sanguíneo em um hospedeiro vertebrado infectado, o
flebotomídeo ingere macrófagos parasitados por formas amastigotas de Leishmania
sp. Estas sofrem divisão binária, multiplicação e diferenciação em formas
23
paramastigotas, as quais colonizam o esôfago e a faringe do vetor, onde
permanecem aderidas ao epitélio pelo flagelo. Diferenciam-se em formas
promastigotas metacíclicas, que são as formas infectantes. O ciclo biológico
completa-se com a picada do flebótomo infectado e subsequente inoculação de
formas promastigotas do parasita na pele e⁄ou corrente sanguínea de um novo
hospedeiro vertebrado. As formas infectantes são liberadas na epiderme do
hospedeiro e fagocitadas por células do sistema mononuclear fagocitário. No interior
dos macrófagos diferenciam-se em formas amastigotas, que se multiplicam
intensamente por divisão binária. Os macrófagos, repletos de amastigotas, tornam-
se desvitalizados e rompem-se liberando essas formas, que serão fagocitadas por
novos macrófagos em um processo contínuo. Ocorre então a disseminação
hematogênica e linfática para outros tecidos ricos em células do sistema
mononuclear fagocitário (IKEDA-GARCIA; MARCONDES, 2007). Após os
acontecimentos citados acima, a infecção dissemina-se para os linfonodos, o baço e
a medula óssea dentro das primeiras horas.
Peters et al. (2008) realizaram um experimento onde colocaram fêmeas do
inseto Phlebotomus duboscqi portadoras de Leishmania major, capaz de infectar
animais de laboratório, para se alimentarem na orelha de camundongos. Com o uso
de um microscópio, os autores acompanharam o combate aos parasitas e
observaram que tão logo o sistema imunológico dos roedores identificou a invasão,
os neutrófilos se deslocaram até a região da picada. Em pouco mais de meia hora,
os neutrófilos já haviam internalizado a maior parte dos parasitas e tentavam destruí-
los com um banho de enzimas digestivas. Como vivem por apenas umas poucas
horas, os neutrófilos são digeridos pelos macrófagos. Esses pesquisadores
verificaram que após a morte dos neutrófilos, parasitas vivos se aproximavam dos
macrófagos, nos quais se alojavam e se reproduziam. Esta equipe de estudiosos
chamou esta estratégia de cavalo-de-Tróia. Para esses autores, é provável que esse
mesmo mecanismo permita a Leishmania (L.) i. chagasi penetrar nos macrófagos,
gerando danos no fígado, no baço e na medula óssea e, debilitando o sistema de
defesa.
24
2.1.3 Patogênese
2.1.3.1 Aspectos Imunológicos
A resposta imunológica desencadeada por um agente infeccioso é
dependente de vários fatores, como sua antigenicidade, carga parasitária e sistema
imunológico do hospedeiro, sendo, portanto, a apresentação clínica da doença uma
consequência dessas interações (SANTOS-GOMES et al., 2002).
Leishmania sp. são protozoários que se multiplicam inicialmente em
macrófagos na porta de entrada das formas parasitárias. Se o hospedeiro não gera
uma resposta imune protetora eficaz, os parasitos podem disseminar-se da pele em
fagócitos mononucleares atingindo a medula óssea, o baço, linfonodo e fígado,
causando uma doença crônica (STRAUSS-AYALI; BANETH, 2001).
A infecção por Leishmania pode ter evolução diferente em indivíduos
geneticamente distintos, e o curso da infecção é determinado pela natureza da
resposta imune inata e adaptativa do hospedeiro (DAY, 2007; SOLANO-GALLEGO
et al., 2000).
Com relação ao perfil imunológico do cão, existem alguns registros dos
mecanismos de proteção e susceptibilidade à doença (MORENO; ALVAR, 2002).
Evidências experimentais e clínicas indicam que a resolução das infecções por
Leishmania é dependente de células T, e mediada por macrófagos ativados
(BARBIÉRI, 2006). Os macrófagos e as células dendríticas infectadas atuam como
células apresentadoras de antígenos ativando linfócitos (CD4+) Th1 e Th2. Havendo
a ativação das células Th1 ocorrerá a produção de citocinas pró-inflamatórias, tais
como interleucina-2 (IL-2), inferferon-gama (IFN-y) e fator de necrose tumoral (TNF),
as quais aumentaria a eficiência das células fagocíticas e de linfócitos citotóxicos,
desencadeando resposta imune protetora e baixos títulos de anticorpos anti-
Leishmania (PINELLI et al., 1994; RODRIGUÉZ-CORTES et al., 2007). Dessa forma,
cães que apresentam resposta imune protetora mediada por células são capazes de
controlar a infecção e permanecem assintomáticos.
25
Quando cães infectados por Leishmania (L.) i. chagasi desenvolvem
acentuada resposta imune humoral, esta não apresenta efeito protetor quanto a
progressão da doença (LOPEZ et al., 1996; MORENO; ALVAR, 2002; RODRIGUÉZ-
CORTES et al., 2007). Essa resposta é caracterizada pela produção aumentada de
citocinas anti-inflamatórias, tais como: Interleucina (IL) 4, 5, 6, 10 e 13, as quais
desencadeiam a proliferação de células B e produção de imunoglobulinas
(MORENO; ALVAR, 2002; RODRIGUÉZ-CORTES et al., 2007). Strauss-Ayali,
Baneth e Jaffe (2007) mostraram que uma resposta imune com perfil Th1 e Th2
ocorrem na infecção por Leishmania (L.) i. chagasi, e sugerem que a elevação inicial
dos níveis de IL-4 pode ter um papel na persistência do parasito, mesmo na
presença de níveis elevados de IFN-y. Assim, cães naturalmente infectados, que
apresentam um perfil não protetor, produzem citocinas do perfil Th1/Th2, altos títulos
de anticorpos e evoluem para a forma clínica sintomática. No caso dos cães que
desenvolvem a doença, ocorre uma depleção das regiões de células T dos seus
órgãos linfoides, enquanto as zonas de células B destes órgãos proliferam. A
excessiva proliferação de células B e macrófagos resulta em hepatomegalia,
linfadenomegalia generalizada e hipergamaglobulinemia (FEITOSA et al., 2000;
STRAUSS-AYALI; BANETH, 2001).
Um importante dano causado pela hipergamaglobulinemia é a produção de
grande quantidade de imunocomplexos circulantes que, uma vez depositados na
parede dos vasos sanguíneos, resulta em processos inflamatórios em diferentes
órgãos (LOPEZ et al., 1996; BANETH, 2006; RODRIGUÉZ-CORTES et al., 2007).
Os macrófagos, além de realizarem fagocitose, reparo e cicatrização tecidual,
agem como células apresentadoras de antígenos no início da resposta imune e
afetam o curso da doença secretando interleucina 1 (IL-1), 6 (IL-6),12 (IL-12) e fator
de necrose tumoral (TNF), os quais aumentam a eficiência das células fagocíticas e
de linfócitos citotóxicos (ROITT et al., 1993; ENGWERDA et al., 2004; BARBIÉRI,
2006).
Outras células também desempenham importante papel na infecção causada
pela Leishmania sp. As celulas de Langerhans são essenciais na indução da
resposta imune específica por serem responsáveis pelo transporte de parasitas aos
linfonodos regionais, local onde esta resposta se inicia. Os leucócitos
26
polimorfonucleares (PMN) participam da fagocitose dos parasitas e, em conjunto
com imunoglobulinas e sistema complemento, possuem ação leishmanicida
(LAURENTI et al., 1996).
2.1.3.2 Formas clínicas
A LVC pode evoluir a partir de casos assintomáticos a uma doença sistêmica,
que culmina na maior parte em morte. Os sinais clínicos iniciais são hipertrofia do
linfonodo, dermatite periorbital e dermatite nasal que podem difundir. Os pêlos se
tornam opacos e caem, juntamente com onicogrifose e edema das patas. Outros
sinais como febre, apatia, diarréia, hemorragia intestinal, perda de peso,
hepatoesplenomegalia, hiperqueratose, ulceração no nariz, ouvidos e cauda, e
ceratoconjuntivite são freqüentes (GENARO et al., 1988; DIAS et al., 1999).
Podem apresentar, ainda, alterações digestórias, renais, hepáticas, cardio-
respiratórias, locomotoras, neurológicas e oculares (NOLI, 1999; FEITOSA et al.,
2000; SCOTT et al., 2001; FERRER, 2002; ALVAR et al., 2004; BANETH, 2006;
MARCONDES, 2007; SILVA et al., 2007; SONODA, 2007; BANETH et al., 2009;
MARCONDES, 2009).
Problemas no sistema locomotor levam à claudicação, impotência funcional
ou paresia, em decorrência de quadros de poliartrite, polimiosite e até osteomielite.
Eventualmente ulcerações interdigitais e edema de membros também podem causar
dificuldade locomotora (WOLSKCHRIJN et al., 1996; BURACCO et al., 1997;
FEITOSA et al., 2000; MCCONKEY et al., 2002; AGUT et al., 2003; BANETH, 2006;
SILVA et al., 2007; FERRARO, 2009). Muitos autores relatam que cães com
leishmaniose visceral possuem mioatrofia, inicialmente nos músculos das fossas
temporais, seguida, sucessivamente, pelo resto da musculatura do corpo (KONTOS;
KOUTINAS, 1993; KOUTINAS et al., 1999; FEITOSA, et al., 2000).
2.1.4 Métodos de Diagnóstico
27
De um modo geral o diagnóstico da LVC ainda é considerado um problema
para os serviços de Saúde Pública, principalmente pela inexistência de testes com
alta sensibilidade e especificidade (ROSÁRIO et al., 2005), de baixo custo e de fácil
implantação e operacionalização na rotina dos serviços.
2.1.4.1 Diagnóstico Parasitológico
É um procedimento invasivo e inadequado para estudos epidemiológicos em
larga escala, mas comumente considerado padrão-ouro para resultados positivos na
comparação das demais técnicas de diagnóstico. Estes métodos podem apresentar
especificidades que chegam a 100%; entretanto, a sensibilidade é muito variável,
uma vez que a distribuição tecidual do parasita não é homogênea (GONTIJO et al.,
2004).
Formas amastigotas do parasito podem ser observadas em biópsia de pele,
aspirados de linfonodos, medula óssea, baço e biópsia hepática. O material obtido é
corado com corantes de rotina, tais como Giemsa, Wright e Panótico (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2006). Os aspirados de medula e linfonodos são os mais usados pelos
clínicos veterinários para diagnosticar a LVC (SILVA, 2007). Mas esses métodos
podem gerar resultados falso-negativos devido ao baixo número de parasitos
contidos nas amostras, especialmente em cães assintomáticos (GOMES et al.,
2008).
Outros métodos parasitológicos consistem na cultura in vitro de fragmentos de
tecidos ou aspirados e na inoculação em animais de laboratório, principalmente
hamsters. Esses testes não são normalmente empregados na rotina, uma vez que
são necessários alguns meses para se verificar a positividade de uma inoculação.
Juntamente com a análise histopatológica de tecidos infectados, esses métodos
carecem de sensibilidade e aplicabilidade em campo, além de serem bastante
invasivos (QUINNELL et al., 2009).
28
2.1.4.2 Diagnóstico Sorológico
No Brasil, a eliminação de cães infectados é recomendada pelo Ministério da
Saúde como medida de controle da LV, por isso um diagnóstico de baixo custo e
alta confiabilidade é necessário para a triagem desses reservatórios. Com a intenção
de se evitar o uso de métodos invasivos e considerando que a resposta humoral na
LVC é geralmente muito intensa, com altos níveis de imunoglobulinas, o diagnóstico
passou a ser focado em métodos sorológicos. (ALVAR et al., 2004; GOMES et al.,
2008).
Entretanto, os testes sorológicos devem ser interpretados com cautela, uma
vez que não são 100% sensíveis e específicos e falham em detectar cães infectados
no período pré-patente da doença (FERRER et al., 1995). Animais com menos de 3
meses de idade não devem ser avaliados por meio de métodos sorológicos, pois
podem apresentar resultados positivos pela presença de anticorpos maternos
(BRAGA et al., 1998).
Os testes sorológicos de Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI) e
Ensaio Imunoenzimático (ELISA) representam os principais instrumentos usados no
sorodiagnóstico da LVA humana e canina, uma vez que são empregados nos
programas nacional e estadual de vigilância e controle da LVA (PVCLVA) para
identificação de reservatórios infectados (CAMARGO-NEVES et al., 2006;
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Entretanto, apesar da doença estar associada,
habitualmente, a apenas uma espécie de parasito, L. (L.) i. chagasi – o que,
teoricamente, deveria facilitar a padronização de um antígeno específico para ser
usados nesses testes –, ainda hoje não existe um consenso na literatura
especializada quanto ao emprego de um antígeno para o uso no sorodiagnóstico da
LVA humana e canina (LAURENTI, 2009).
A comparação da reatividade entre as técnicas de RIFI e ELISA no
sorodiagnóstico da LVA canina no Estado do Pará, utilizando amastigotas de L. (L.)
i. chagasi preparadas no Instituto Evandro Chagas, por aposição de fragmentos de
baço de hamster infectado cronicamente, e os kits da Biomanguinhos® mostrou
soropositividade de 8,5% pela RIFI Biomanguinhos® e 0% pela RIFI com
29
amastigotas, diferença estatisticamente significante. O ELISA Biomanguinhos®
mostrou reação positiva em 4,2% das amostras (p<0,05). Considerando que na área
estudada não há relatos da ocorrência de LVA humana e canina, ao contrário da
situação da leishmaniose tegumentar americana, a qual tem elevada incidência,
concluiu-se que o teste da RIFI utilizando amastigotas de L. (L.)i. chagasi como
antígeno foi mais específico, pois não apresentou qualquer resultado falso positivo.
É possível que as taxas de 8,5% e 4,2% de soropositividade obtidas com a RIFI e
ELISA Biomanguinhos®, respectivamente, representem reações cruzadas de cães
infectados com leishmanias dermatrópicas (DE JESUS et al., 2003).
2.1.4.3 Teste Intradérmico de Montenegro
Os cães que têm uma infecção progressiva manifestada como doença têm
uma resposta celular deprimida para antígenos de Leishmania expressos por
nenhuma resposta celular aparente ou pouca resposta em ensaios de estimulação
celular, enquanto estiverem clinicamente saudáveis os cães infectados são
considerados "resistentes”, devido à presença de uma resposta celular demonstrável
(BANETH et al., 2008). O teste intradérmico, é o ensaio que avalia a resposta celular
anti-Leishmania e que pode ser utilizado para prever a susceptibilidade ou
resistência à infecção em um futuro próximo (DOS-SANTOS et al., 2008). No
entanto, este teste está disponível somente em pesquisa laboratorial e precisa de
uma maior padronização (MAIA; CAMPINO, 2008).
2.1.5 Estratégias de controle da leishmaniose visce ral
O controle da LV tem contado com a detecção e o tratamento de casos
humanos, pulverização de inseticida residual e remoção da fonte de infecção com a
eutanásia de cães infectados. O tratamento da infecção canina não é considerado
30
um método útil de controle, devido à elevada taxa de fracasso do tratamento,
embora o tratamento em massa ter sido associado com um declínio na incidência
em um estudo observacional (GRADONI et al., 1988).
Onde o número de casos tem sido alto, uma combinação de eutanásia dos
cães e pulverização de inseticida foi relatado por ter sido bem sucedida, por
exemplo, na China e em algumas regiões do Brasil (ZHI-BIAO, 1989). No entanto, o
aumento do número de casos humanos no Brasil, apesar da eutanásia de um
grande número de cães infectados e a pulverização de inseticida, tem levado a uma
reavaliação dos métodos de controle (COSTA; VIEIRA, 2001; OLIVEIRA et al.,
2008).
Costa (2011) afirma que, apesar de ser uma medida muito controversa, o
governo brasileiro abate cães soropositivos regularmente para controlar a LVC. Este
autor apresenta uma revisão crítica, analisando as ações para o controle do
reservatório canino, aventando que não foram encontradas evidências do risco
conferido por cães para os seres humanos, destacando a falta de apoio científico à
política de eliminação dos cães e chamando atenção para uma tendência para
distorção dos dados científicos para o suporte da política de eliminação dos animais.
Conclui ainda que, uma vez que não existem evidências de que o abate de cães
diminui a transmissão da leishmaniose visceral, o programa de eliminação dos cães
deve ser abandonado como estratégia de controle da LVC.
Em 2010, o Ministério da Saúde deu início a um estudo em vinte municípios,
sobre e efetividade da utilização em massa da coleira impregnada com o princípio
repelente e inseticida (deltrametrina a 4%) contra a LVC, o que representa a adoção
da política sugerida pela UIPA (União Internacional Protetora dos Animais) em
representação oferecida ao Ministério Público Federal, que solicitou providências
contra a matança de cães, como medida de controle da LVC. O encoleiramento em
grande escala produz o denominado efeito rebanho, que é a extensão de efeito
protetor também aos não encoleirados, reduzindo - se a força de infecção pela
barreira imposta pela coleira. Além disso, reduz a pulverização de inseticidas,
prejudiciais ao meio ambiente, além de representar gastos bem menores do que os
desprendidos com a eliminação da vida de animais (ORLANDI, 2011).
31
2.1.6 Tratamento da leishmaniose visceral canina
A leishmaniose canina é mais resistente ao tratamento do que a leishmaniose
humana; apenas alguns animais são considerados totalmente curados e as recidivas
são frequentes. Dentre as drogas indicadas, destacam-se o antimoniato de n-
metilglucamina, alopurinol, combinações dos dois, anfotericina B, pentamidina,
aminosidina e miltefosine (SALZO, 2008). Muitos protocolos apresentam significativa
porcentagem de sucesso em redução dos sinais clínicos, mas poucos são avaliados
quanto à cura dos animais tratados (BANETH, 2006). O antimoniato de n-
metilglucamina é o medicamento utilizado como primeira escolha na terapêutica da
leishmaniose humana. É eficaz no tratamento da leishmaniose cutânea,
mucocutânea e visceral, provocando uma regressão rápida das manifestações
clínicas e hematológicas da doença, bem como a esterilização do parasita (RATH et
al., 2003).
Segundo Ribeiro (2007), até a década de 1990 acreditava-se que o
tratamento da LVC não era viável, devido à sua elevada toxicidade. Os primeiros
relatos de sucesso no tratamento da LVC no Brasil registram a utilização de
antimoniato de n-metilglucamina pela via intra-venosa (RIBEIRO, 2007). Desde
então, novas drogas têm sido produzidas com vistas à obtenção de melhores índices
de cura. Entretanto, ainda não existe protocolo terapêutico altamente efetivo, que
permita a reintrodução segura dos animais no domicílio, sem riscos de infecção para
os proprietários e contactantes (RIBEIRO, 2007).
O mecanismo de ação dos antimoniais pentavalentes como o antimoniato de
n-metilglucamina, se baseia no bloqueio do metabolismo do parasita por meio da
inibição da enzima fosfofrutoquinase, enzima chave da gluconeogênese, o que leva
o parasita à morte (RIBEIRO, 2007). Este autor cita que no Brasil, a produção do
antimoniato de n-metilglucamina é distribuída exclusivamente para o Ministério da
Saúde (MS), não havendo, portanto, disponibilidade do produto para uso em cães.
Dessa forma, é proibido o uso desse produto para o tratamento da LVC, quando o
mesmo for de distribuição do MS; diferentemente da Europa, onde o mesmo é
32
distribuído para uso veterinário, como terapêutica da LVC. Na Espanha, o
antimoniato de n-metilglucamina é o medicamento de eleição para o tratamento da
LVC. Este é utilizado como solução injetável (Glucantime®). Não há indícios que o
uso deste medicamento veterinário venha a prejudicar o uso da versão humana do
medicamento, pois a sua longa utilização na Espanha não demonstrou isto
(BARRETTO, 2006).
A melhor via de aplicação é a subcutânea, que alcança o maior nível sérico
cinco horas após a administração, mantendo níveis terapêuticos durante doze horas.
Recomenda-se aplicação subcutânea em locais alternados, seguida por compressas
mornas, para minimizar o desconforto e a formação de edemas (RIBEIRO;
MICHALICK, 2001). É contra-indicado para animais com nefropatias, pois é
nefrotóxico e possui excreção renal. Seus efeitos secundários podem se manifestar
sob forma de febre, tosse, mialgia, artralgias, alterações gastrintestinais, apatia,
inapetência, alterações hepáticas e renais e, com menor frequência,
cardiotoxicidade, uveíte ou ceratoconjuntivite, consideradas reações alérgicas ao
parasita (RIBEIRO, 2007). Ribeiro e Michalick (2001) recomendam doses variando
entre 50 a 75 mg/kg, duas vezes ao dia (BID), pela via subcutânea, durante 21 a 30
dias.
O alopurinol tem mecanismo de ação que consiste na incorporação ao RNA
do parasita, alterando sua síntese protéica, inibindo sua multiplicação e,
posteriormente, levando-o à morte. Tem baixa toxicidade, é utilizado por via oral e
pode ser administrado isoladamente ou combinado a outros fármacos. Embora de
baixa toxicidade, tem sido relatados febre, leucopenia, distúrbios cutâneos e
elevações de enzimas de baixa intensidade. A dose recomendada é de 10 a 20
mg/kg BID, via oral, apresentando boa disponibilidade no cão (RIBEIRO;
MICHALICK, 2001). Barretto (2006) citou que pesquisas realizadas na Espanha,
obtiveram resultados negativos no xenodiagnóstico de 85% dos cães tratados com a
associação de antimoniais e o alopurinol.
As tentativas de tratamento da LVC, por meio de drogas tradicionalmente
empregadas, como o antimoniato de n-metilglucamina, o alopurinol, cetoconazol,
fluconazol, miconazol, itraconazol e anfotericina B, têm tido baixa eficácia. Com
relação ao antimoniato de n-metilglucamina, a dosagem recomendada para o
33
tratamento canino é aproximadamente dez vezes maior que o recomendado para o
tratamento humano. O uso rotineiro de drogas em cães induz à remissão temporária
dos sinais clínicos, não previne a ocorrência de recidivas, tem efeito limitado na
infectividade de flebotomíneos e leva ao risco de selecionar parasitas resistentes às
drogas utilizadas. Portanto, para este autor, o tratamento canino não tem
apresentado eficácia e nem diminuído a importância do cão como reservatório da
leishmania (LUNA, 2004).
Uma Portaria Interministerial baixada pelo Governo Federal, de número 1.426,
de 11 de julho de 2008, proíbia os médicos veterinários de realizarem tratamento da
LVC em cães infectados ou doentes, com produtos de uso humano ou não
registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Esta
conduta interministerial se opõe há alguns trabalhos científicos, que vem
demonstrando que os cães em tratamento apresentam, pela prova de
imunohistoquímica de pele, sucessivos resultados negativos, não oferecendo riscos
para a saúde pública. E é com base em conhecimentos como este que a
leishmaniose visceral canina é tratada em diversos países. Na Europa, por exemplo,
um laboratório comercializa o Glucantime® veterinário específico para uso em cães,
outro laboratório lançou, o Milteforan® (esta empresa aguarda resposta para o seu
pedido de registro deste medicamento no Brasil), e uma empresa de produtos
veterinários possui na sua linha de alimentos sob prescrição médico veterinária, uma
ração, específico para cães com LVC. Por estes motivos, esta portaria gerou uma
situação de conflito entre os respectivos ministérios e a Associação Nacional de
Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (ANCLIVEPA) (BARRETTO, 2008b), o
que levou esta portaria a ser revogada em janeiro de 2013 pelo Tribunal Regional
Federal da 3ª Região.
A inexistência de tratamento efetivo para a cura total da doença canina, e a
polêmica sobre a eliminação indiscriminada dos cães infectados, tornam urgente a
adoção de novas estratégias, como por exemplo, a produção de uma vacina efetiva
contra a LVC (SCHIMMING; PINTO; SILVA, 2012).
35
3 MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Área
Este estudo foi conduzido na vila Santana do Cafezal, localizada às margens do
rio Cafezal, município de Barcarena (01o30’21’’S 48o37’36’’W), no nordeste do
Estado do Pará, estando a uma altitude de 15 metros em relação ao nível do mar. O
município é um importante pólo industrial, onde é feita a industrialização,
beneficiamento e exportação de caulim, alumina e alumínio, e a economia tem base
na agricultura, mas também avança com as indústrias instaladas na cidade. O clima
é tipicamente equatorial, com temperatura média de 28oC e alta umidade. A estação
chuvosa nessa região é de cerca de 2.500 mm ou mais, cujo período vai de janeiro a
junho. A floresta primária da região já foi quase totalmente destruída, restando
apenas plantações em meio à floresta secundária. Aproximadamente, 70% dos
habitantes residem em área de terra firme e o restante em área de várzea, área de
vegetação baixa inundada duas vezes ao dia pelas águas do rio Cafezal (SILVEIRA
et al. 2009) (Figura 1).
Figura 1 - Vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará
Fonte: Google Maps, adaptado (https://www.google.com.br/maps/@-1.5406389,-48.7635587,11z)
36
3.2 População do estudo
A população do estudo consistiu de uma coorte de 316 cães de raça não
definida, sendo 172 (54,4%) machos e 144 (45,6%) fêmeas, com idades variando
entre 6 meses e 15 anos, com média de 2 anos e 3 meses, caracterizando uma
população relativamente jovem.
3.3 Desenho do estudo
Considerando que o presente estudo objetivou analisar a prevalência e a
incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi, assim como, a dinâmica da
evolução clínica e imunológica da infecção, foi necessário realizar um estudo
prospectivo com o propósito de acompanhar uma coorte de 316 cães em área
endêmica de LVA durante período de dois anos (agosto/2012-julho/2014). Desse
modo, visando o diagnóstico laboratorial da infecção, foram realizadas a reação
intradérmica de Montenegro (RIM), a reação de imunofluorescência indireta (RIFI-
IgG), e o exame parasitológico em todos os cães selecionados para avaliação da
prevalência, assim como, das três incidências subsequentes aos 6, 12 e 24 meses
do estudo. Assim sendo, para avaliação das três incidências, estes procedimentos
laboratoriais só foram realizados naqueles animais negativos na prevalência e nas
duas incidências (6 e 12 meses). Neste sentido, nos cães com reatividade para a
RIM, a qual está relacionada ao caráter imune-genético de resistência contra a
infecção (DOS SANTOS et al., 2008), este procedimento não foi realizado
novamente nos mesmos animais nas intervenções subsequentes, já que foi
assumido que este caráter imune-genético é permanente para toda a vida. Além
disso, nos cães com reatividade para ambos os testes, apenas a RIFI-IgG foi
realizada novamente, já que esta não necessita injetar nova carga antigênica como
na RIM. Finalmente, nos cães com reatividade somente pela RIFI-IgG, a qual, ao
contrário da RIM, representa um estado imune-genético de susceptibilidade à
37
infecção, foi necessário a realização dos dois testes nas avaliações subsequentes
objetivando analisar a evolução das duas respostas imunes, humoral (RIFI-IgG) e
celular (RIM). Com respeito ao exame parasitológico, este procedimento só foi
repetido enquanto o resultado era negativo.
Objetivando um melhor entendimento da dinâmica da evolução clínico-
imunológica nos cães infectados, sintomáticos e assintomáticos, a população foi
estratificada em três grupos etários: i) menores (<) de 1 ano, ii) maiores ou igual (≥)
a 1 ano e menores (<) de 7 anos, iii) maiores ou igual (≥) a 7 anos, consistindo de
70, 234 e 12 animais, respectivamente.
3.4 Critérios de identificação da infecção canina
Considerando que a RIFI-IgG evidencia resposta imune humoral
(susceptibilidade) e a RIM resposta imune celular (resistência) (PINELLI et al., 1994;
MAIA; CAMPINO, 2008), a definição de caso canino da infecção por L. (L.) i. chagasi
foi assumida com a presença de reatividade para um ou ambos os testes
imunológicos, associados ou não à positividade do exame parasitológico.
Desse modo, foi assumido que reações sorológicas (RIFI) a partir do título 80
(IgG) e reações intradérmicas (RIM) formando pápulas ou indurações ≥ 5 mm de
diâmetro foram consideradas positivas (“cut-off”) para RIFI-IgG e RIM,
respectivamente (DE JESUS et al., 2003; BALEEIRO et al., 2006; PINHEIRO et al.,
2009).
3.5 Critérios de avaliação clínica da infecção
Antes da realização dos procedimentos (RIM e RIFI-IgG) com vistas ao
diagnóstico laboratorial da infecção canina por L. (L.) i. chagasi, é importante
salientar que todos os cães passaram por avaliação clínica em todas as etapas
38
deste estudo, tanto no momento da prevalência, como também, das incidências aos
6, 12 e 24 meses, buscando-se identificar possíveis sinais que pudessem ser
relacionados à infecção. Desse modo, foram considerados assintomáticos os
animais que não apresentaram sinais suspeitos de LVC, e sintomáticos àqueles que
manifestaram sinais clínicos (MANCIANTI et al., 1988). Os principais sinais
considerados na avaliação foram os seguintes: alopecia e ulcerações na pele,
conjuntivite, onicogrifose, perda de peso, apatia, anorexia, caquexia, fraqueza, e
linfadenopatia (MOREIRA et al., 2007). A avaliação clínica de cada animal foi
registrada em ficha clínica elaborada para este fim (Anexo A) e executada por
profissional médico veterinário. Desse modo, embora esta abordagem clínica pareça
de valor limitado, o seu emprego tem sido frequentemente observado em
investigações de natureza clínico-imunológica para caracterizar o espectro clínico da
infecção canina por L. (L.) infantum ou L. (L.) i. chagasi nos continentes europeu e
americano, respectivamente (CARDOSO et al., 2007; ALVES et al., 2009; REIS et
al., 2009; MOREIRA et al., 2010; SANTARÉM et al., 2010).
3.6 Coleta de amostras de tecido
Antes da coleta dos tecidos, sangue venoso e aspiração do linfonodo poplíteo, os
cães eram contidos fisicamente, em seguida, eram feitas punção na veia cefálica ou
veia safena lateral para obtenção de sangue venoso (2,0 ml) e posterior separação
do soro para ser armazenado a -200C até a realização da RIFI-IgG, e a aspiração do
linfonodo poplíteo para ser feita a comprovação parasitológica da infecção por meio
da semeadura em meio de cultura Difco B45 (WALTON et al., 1977) (Figuras 2 e 3).
39
Figura 2 - Coleta de sangue através de punção da veia safena lateral do cão
. Fonte: Arquivo pessoal
Figura 3 - Aspiração do linfonodo poplíteo do cão
Fonte: Arquivo pessoal
3.7 Critérios para definição de óbito por LVC, outr os agravos e perdas
Para definição de óbito devido à infecção canina por L. (L.) i. chagasi, foi
considerado cão preferencialmente sintomático, apresentando sinais clínicos
sugestivos da doença, com resultado sorológico (RIFI-IgG) fortemente positivo (≥
640), RIM negativo e, no caso de animais cujo estado clínico era assintomático, que
o óbito tenha ocorrido há, pelo menos, quatro meses após o diagnóstico
(CARNEIRO, observação pessoal). Nesse sentido, do total de 38 cães que foram ao
óbito durante o estudo, faz-se importante mencionar que 31 (81,5%) foram
40
resgatados pelos agentes comunitários de saúde (ACS) do programa saúde da
família (PSF) do município, submetidos à necropsia e posterior exame
imunohistoquímico das vísceras (baço e fígado) com anticorpo policlonal contra
Leishmania sp., cujo resultado confirmou a etiologia leishmaniótica em 28 (90,3%),
conforme trabalho prévio (LIMA et al., 2010). Entretanto, nos três cães cujo resultado
foi negativo pelo exame imunohistoquímico, assim como, pela RIFI (IgG) e RIM, foi
assumido que o óbito deva ter ocorrido por outro agravo. Além disso, nos casos em
que o animal não foi mais localizado, por mudança de endereço do proprietário ou
outro motivo, foi considerado como perda definitiva do estudo.
3.8 Procedimentos dos testes imunológicos
A realização da RIM seguiu os mesmos procedimentos técnicos descritos por
Baleeiro et al. (2006), porém, no presente projeto foi usado antígeno, espécie-
específico, de L. (L.) i. chagasi (MCAO/BR/2003/M22697/Barcarena, estado do
Pará) constituído de formas promastigotas de fase estacionária de cultivo
(RPMI1640), na concentração de 4 x 107/0.1 ml, ou seja, 40 vezes mais concentrado
do que o antígeno usado em humanos (SILVEIRA et al., 1991, 1998). As formas
promastigotas do parasito foram fixadas com solução de mertiolate (1/10.000), razão
pela qual foi usada como controle do antígeno uma dose igual de solução de
mertiolate (1/10.000) para ser injetada, intradermicamente, na face interna da coxa
oposta de cada animal. A leitura das reações intradérmicas nos animais foram feitas
após 48 horas da injeção, e as reações com eritema e/ou induração ≥ 5 mm de
diâmetro foram consideradas positivas (Figura 4).
A realização da RIFI se baseou em experiência prévia (DE JESUS et al.,
2003), a qual demonstrou que o antígeno de formas amastigotas de L. (L.) i. chagasi
apresentou maior sensibilidade e especificidade do que os antígenos de
promastigota de Leishmania sp. e antígeno de L. major dos kits comerciais para RIFI
e ELISA, respectivamente, utilizados atualmente como padrão. Em resumo, o
antígeno de forma amastigota foi impregnado na superfície da lâmina da RIFI
41
através da impressão de pequenos fragmentos de fígado e baço de “hamster”
(Mesocricetus auratus) infectado com o parasito (CRESCENTE et al., 2009;
SILVEIRA et al., 2009).
Figura 4 - Teste intradérmico de Montenegro
Fonte: Arquivo pessoal
3.9 Procedimento do exame parasitológico
Para evidenciação do agente etiológico da infecção canina por Leishmania (L.) i.
chagasi, foi realizada punção aspirativa do linfonodo poplíteo de cada animal
examinado, cujo conteúdo foi utilizado para fins de isolamento do parasito em meio
de cultura Dfico B45 (WALTON, 1977).
3.10 Análise dos dados
Os dados obtidos foram analisados estatisticamente pelo percentual simples, a
fim de serem obtidas as taxas de prevalência e incidências (6, 12 e 24 meses). Os
resultados foram tabulados e confrontados pelo teste do Qui-quadrado (χ2), cujos
escores amostrais foram mensurados admitindo-se nível de significância (α) de 0,05
para rejeição da hipótese de nulidade (p≤ α) implementado pelo programa Bio-Estat
42
5.0 (AYRES et al. 2007); para valores menores que cinco foi implementado o teste
G. Em ambos os testes, quando as tabelas de contingência apresentavam somente
um grau de liberdade, foi aplicada a correção de Yates e Teste-G (Williams),
respectivamente.
Os dados da evolução clínica foram analisados também pelo teste Atuarial, que
consiste na observação do grupo de cães em períodos divididos de tempo
constante, o qual nos forneceu ao final um número que corresponde ao tempo
provável para que um cão assintomático pudesse desenvolver sintomas. Para isso,
utilizamos as três colunas de dados, onde número de doentes correspondeu ao
número de animais soropositivos nas incidências, a coluna ocorrências
correspondeu ao número de animais que converteram de assintomáticos para
sintomáticos, e os animais censurados foram aqueles excluídos do estudo ou que
foram a óbito, implementado pelo programa Bio-Estat 5.0 (AYRES et al., 2007).
Para as variáveis de evolução a óbito, foi aplicado o quociente do Risco Relativo
(RR) a fim de obter a proporção de incidência de óbitos nas populações caninas dos
diferentes perfis de resposta imunológica, admitindo para significância estatística p
valor <0,05 e intervalo de confiança 95% (IC95%) do RR não incluindo a unidade,
implementado pelo programa Bio-Estat 5.0 (AYRES et al., 2007).
Os gráficos foram elaborados pelo programa GraphPadPrism 6.0 para Windows
(GraphPad software, San Diego, CA, USA) e pelo Microsoft Office Excell 2007.
3.11 Aprovação do Comitê de Ética de Uso Animal (CE UA)
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo e pela
Comissão de Ética no Uso de Animais do Instituto Evandro Chagas.
44
4 RESULTADOS
4.1 Prevalência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil
A prevalência total da infecção canina foi de 35,1% (111/316), porém,
considerando-se os casos diagnosticados somente pela RIFI-IgG (perfil imunológico
I: RIFI+/RIM-) foi de 25,6% (81/316), enquanto que somente pela RIM (perfil
imunológico II: RIFI-/RIM+) foi de 5,4 (17/316), e por ambos os testes (perfil
imunológico III: RIFI+/RIM+) foi de 4,1% (13/316) (Figura 5).
Figura 5 - Prevalência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil. *(p) = <0.0001
45
4.2 Distribuição dos perfis imunológicos da infecçã o canina por L. (L.) i.
chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasi l, por ocasião
da prevalência
A distribuição dos perfis imunológicos da infecção por ocasião da prevalência
(111 cães infectados em 316 examinados) revelou que o perfil I (RIFI+/RIM-) (73%)
foi mais frequente (P<0.05) que os perfis II (RIFI-/RIM+) (15,3%) e III (RIFI+/RIM+)
(11,7%) (Figura 6).
Figura 6 - Distribuição dos perfis imunológicos da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, por ocasião da prevalência. *(p) = <0.0001
4.3 Prevalência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a f aixa etária
Considerando a faixa etária dos cães portadores da infecção por L. (L.) i.
chagasi, foi visto que a prevalência da infecção na faixa ≥1ano <7anos foi de 27,5%
46
(87/316), maior (P< 0,05) que aquelas observadas nas faixas <1ano de 5,3%
(17/316), e ≥7 anos de 2,2% (7/316) (Figura 7).
Figura 7- Prevalência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a faixa etária. *(p) = <0.0001
4.4 Incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil
A primeira incidência da infecção, estimada aos seis meses do estudo, foi de
3,6% cães/mês (45 casos novos/205 cães não infectados da prevalência), estando
representada por 3,4% cães/mês (42/205) somente pela RIFI-IgG (perfil I), sendo
maior (P< 0,05) que aquela de 0,2% cães/mês (3/205) somente pela RIM (perfil II),
não havendo nenhum caso diagnosticado por ambos os testes (perfil III). Por outro
lado, a distribuição desses perfis revelou, novamente, uma frequência maior
(P<0.05) do perfil I (93,3%-42/45) sobre o perfil II (6,7%-3/45) (Figura 8).
A segunda incidência da infecção, estimada aos 12 meses do estudo, foi de 1,7%
cães/mês (16 casos novos/158 cães não infectados resultantes da primeira
incidência), sendo representada por 1,6% cães/mês (15/158) diagnosticados
somente pela RIFI-IgG (perfil I), também maior (P< 0,05) que aquela de 0,1%
47
cães/mês (1-158) somente pela RIM (perfil II), não havendo nenhum caso
diagnosticado por ambos os testes (perfil III). A distribuição dos perfis mostrou,
igualmente, maior (P<0.05) frequência do perfil I (93,7%-15/16) sobre o perfil II
(6,3%-1/16) (Figura 8).
A terceira incidência da infecção, estimada aos 24 meses do estudo, foi de 0,4%
cães/mês (sete casos novos/136 cães não infectados resultantes da segunda
incidência), sendo também de 0,4% cães/mês (7/136) somente pela RIFI-IgG (perfil
I), confirmando ser o perfil com a maior frequência da infecção (Figura 8).
Assim sendo, a incidência geral da infecção canina por L. (L.) i. chagasi no
período foi de 5,7% cães/mês (5,4% cães/mês/perfil I, 0,3% cães/mês/perfil II e 0,0%
cães/mês/perfil III). Por outro lado, considerando-se as estimativas pontuais,
percebeu-se que houve um declínio progressivo (P<0.05) na incidência da infecção
observada aos seis (3,6% cães/mês), 12 (1,7% cães/mês) e 24 meses (0,4%
cães/mês) do estudo (Figura 8).
Figura 8 - Incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil. *(p) = <0.0001
4.5 Incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a f aixa etária
48
Considerando a faixa etária dos cães portadores da infecção, notou-se que, por
ocasião dos seis primeiros meses do estudo, a incidência da infecção na faixa etária
<1ano, de 4,8% cães/mês (13 casos novos/45 cães não infectados), foi maior (P<
0.05) que aquelas obtidas nas faixas ≥ 7anos, de 3,3% cães/mês (um caso novo/5
cães não infectados), e ≥1ano <7anos, de 3,1% cães/mês (26 casos novos/141 cães
não infectados) (Figura 9).
No período seguinte, de seis a doze meses do estudo, a incidência maior (P<
0.05) da infecção foi observada na faixa ≥1ano <7anos, 1,9% cães/mês (13 casos
novos/115 cães não infectados), seguida da faixa <1ano, 1% cães/mês (dois novos
casos/32 cães não infectados), enquanto na faixa ≥7 anos, não registro de casos
novos da infecção (Figura 9).
No terceiro período do estudo, de 12 a 24 meses, a incidência da infecção na
faixa <1ano, de 0,8% cães/mês (3 novos casos/30 cães não infectados), foi maior
(P< 0.05) que aquela na faixa ≥1ano <7anos, de 0,3% cães/mês (4 casos novos/102
cães não infectados), enquanto não houve registro de casos da infecção na faixa de
≥7anos (Figura 9).
Desse modo, a incidência geral da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na faixa
de <1ano, 6,6% cães/mês, foi maior (P<0.05) que aquelas nas faixas de ≥1ano
<7anos, 5,3% cães/mês, e de ≥7anos, 3,3% cães/mês (Figura 9).
49
Figura 9 - Incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a faixa etária
4.6 Distribuição dos perfis imunológicos da infecçã o canina por L. (L.) i.
chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasi l, de acordo com
a faixa etária
A distribuição geral dos perfis imunológicos da infecção, segundo a faixa de
idade dos cães, mostrou que o perfil I apresentou frequência maior (P< 0.05) de
cães na faixa etária ≥1ano <7anos (79%), seguida da faixa <1ano (14,8%) e, da
faixa ≥7anos (6,2%). No caso do perfil II, mais uma vez a frequência maior (P< 0.05)
de cães foi detectada na faixa etária ≥1ano <7anos (64,8%), seguida da faixa <1ano
(23,5%) e, da faixa ≥7anos (11,7%). Finalmente, em se tratando do perfil III, a faixa
etária ≥1ano<7 anos somou também a frequência mais alta (P< 0.05) de cães com
este perfil (92,3%), seguida da faixa de <1ano (7,7%), não havendo registro de cães
na faixa ≥7anos (Figura 10).
50
Figura 10 - Distribuição dos perfis imunológicos da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com a faixa etária. *(p) = <0.0001
4.7 Diagnóstico parasitológico da infecção canina p or L. (L.) i. chagasi na vila
Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil
O diagnóstico parasitológico da infecção canina possibilitou a confirmação
etiológica da infecção em 19% (21/111) dos cães diagnosticados por ocasião da
prevalência, a maioria (85,7%) portadores do perfil I, dos quais 61,1% (11/18) eram
sintomáticos (P< 0.05) e 38,9% (7/18) assintomáticos. Nos 14,3% restantes, a
confirmação etiológica da infecção foi feita nos cães do perfil III, sendo 66,6% (2/3)
assintomáticos (P< 0.05) e 33,3% (1/3) sintomáticos. Por ocasião da incidência, o
diagnóstico parasitológico da infecção foi confirmado em 11% (5/45) dos casos
novos, sendo quatro na primeira incidência e um na segunda, todos (100%)
portadores do perfil I, 60% (3/5) assintomáticos (P< 0.05) e 40% (2/5) sintomáticos
(Figura 11).
51
Figura 11 - Diagnóstico parasitológico da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil. *(p) = <0.0001; + (p) = <0.05
4.8 Avaliação clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o p erfil imunológico
Por ocasião da prevalência, foi observado que, dos 81 cães portadores do perfil I,
74% (60/81) eram assintomáticos (P< 0.05) e 26% (21/81) sintomáticos; dos 17 cães
portadores do perfil II, 100% (17/17) eram assintomáticos e, portanto, nenhum
sintomático; dos 13 cães portadores do perfil III, 84,6% (11/13) eram assintomáticos
(P< 0.05) e 15,4% (2/13) sintomáticos. Desse modo, os três perfis imunológicos da
infecção geraram, por ocasião da prevalência, uma taxa de 79,3% (88/111) de cães
assintomáticos, maior (P< 0.05) que aquela de 20,7% (23/111) de cães sintomáticos
(Figura 12).
No momento da primeira incidência, estimada aos seis meses do estudo, foi
observado que, dos 42 cães portadores do perfil I, 92,8% (39/42) eram
assintomáticos (P< 0.05) e 7,2% (3/42) sintomáticos; dos três cães portadores do
52
perfil II, 100% (3/3) eram assintomáticos e, consequentemente, nenhum sintomático;
não houve caso diagnosticado por ambos os testes (perfil III) (Figura 13).
Por ocasião da segunda incidência, observada aos 12 meses do estudo, notou-
se que, dos 15 cães portadores do perfil I, 86,7% (13/15) eram assintomáticos (P<
0.05) e 13,3% sintomáticos (2/15); enquanto 100% (1/1) dos cães portadores do
perfil II eram assintomáticos; além disso, não houve registro de caso do perfil III
(Figura 13).
Por último, durante a terceira incidência, determinada aos 24 meses do estudo,
percebeu-se que, dos sete cães portadores do perfil I, 100% (7/7) eram
assintomáticos, não havendo registro de casos dos perfis II e III da infecção (Figura
13).
Figura 12 - Avaliação clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o perfil imunológico, por ocasião da prevalência. *(p) = <0.0001
53
Figura 13 - Avaliação clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o perfil imunológico, por ocasião da incidência. *(p) = <0.0001
4.9 Evolução clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do
Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o p erfil imunológico
Este parâmetro de avaliação considerou o tempo que um cão infectado
assintomático, com diagnóstico da infecção por ocasião da prevalência e da
incidência, portador de um dos três perfis imunológicos: I (RIFI+/RIM-), II (RIM+/RIFI-
) ou III (RIFI+/RIM+), levou para converter-se sintomático até o final do período de
dois anos do estudo. Evidentemente, os cães infectados sintomáticos e aqueles não
infectados, eventualmente sintomáticos por razão de outras patologias, não foram
incluídos nesta análise. Entretanto, antes de apresentarmos os resultados desta
avaliação, faz-se importante lembrar que o número de cães para esta análise variou
por razão da necessidade da eliminação dos animais com diagnóstico parasitológico
positivo da infecção, independentemente do estado clínico do animal.
Desse modo, considerando-se, inicialmente, os cães com diagnóstico da
infecção por ocasião da prevalência, faz-se importante salientar que, dos 60 animais
54
assintomáticos do perfil I, sete foram eliminados por conta do diagnóstico
parasitológico positivo, quatro na prevalência e três ao final dos seis primeiros
meses do estudo, restando, portanto, 53 cães para esta avaliação. Neste sentido, foi
observado que, dos 53 cães assintomáticos do perfil I, 5,7% (3/53) converteram-se
sintomáticos durante os seis primeiros meses que sucederam a prevalência, outros
11,3% (6/53) após 12 meses, e mais 3,8% (2/53) depois de 24 meses, totalizando
uma taxa de conversão clínica de 20,8%. Por outro lado, dos 17 cães assintomáticos
do perfil II, 5,8% (1/17) tornaram-se sintomáticos depois de 24 meses do estudo, e
dos 11 cães assintomáticos do perfil III, 9% (1/11) converteram-se sintomáticos após
12 meses (Figura 14). Assim sendo, foi possível observar uma taxa de conversão
maior (P< 0.05) nos cães do perfil I (20,8%) comparada com aquelas dos perfis II
(5,8%) e III (9%) durante os dois anos do estudo. Além disso, observou-se, também,
que os poucos cães assintomáticos dos perfis II (1) e III (1) levaram período maior
de tempo, 24 e 12 meses, para converterem-se sintomáticos do que aqueles do
perfil I, os quais apresentaram sinais da conversão clínica da infecção em todas as
avaliações, aos 6, 12 e 24 meses do estudo.
Por outro lado, com relação aos 45 cães diagnosticados durante a primeira
incidência, 42 eram do perfil I, sendo 39 assintomáticos e três sintomáticos,
entretanto, três dos assintomáticos foram eliminados por motivo do diagnóstico
parasitológico positivo, ficando somente 36 para esta avaliação, dos quais, 11,1 %
(4/36) tornaram-se sintomáticos depois de 18 meses. Ao contrário, dos três cães do
perfil II, todos (100%) permaneceram assintomáticos até o final do estudo (Figura
15).
Por último, considerando-se os 16 cães diagnosticados na segunda incidência,
notou-se que, dos 13 assintomáticos do perfil I, um foi eliminado com diagnóstico
parasitológico positivo, ficando 12 para esta avaliação, dos quais apenas 8,3%
(1/12) tornaram-se sintomáticos até o final do estudo. Com relação ao único cão
assintomático do perfil II, notou-se que esse animal conservou seu estado clínico até
o final do estudo (Figura 15).
Em resumo, comparando-se as taxas totais da conversão clínica dos cães
assintomáticos em sintomáticos dos perfis I, II e III, verificou-se que a taxa do perfil I
(40,2%) foi maior (P< 0.05) que aquelas dos perfis II (5,8%) e III (9%) (Figura 16). De
55
outro modo, significa dizer que um cão assintomático do perfil I possui chance de
desenvolver sintomas em um período de 1,4 semestres, enquanto um cão
assintomático do perfil II possui chance de desenvolver sintomas em um período de
4,5 semestres.
Figura 14 - Evolução clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o perfil imunológico, por ocasião da prevalência. *(p) = <0.0001
Figura 15 - Evolução clínica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o perfil imunológico, por ocasião da incidência. *(p) = <0.0001
56
Figura 16 - Taxas totais da conversão clínica dos cães assintomáticos em sintomáticos dos perfis imunológicos. *(p) = <0.0001
4.10 Conversão sorológica (RIFI-IgG) e da reação in tradérmica de Montenegro
(RIM) na infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal,
Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o perfil imu nológico
Dos 81 (73%) cães do perfil I (RIFI+/RIM-) diagnosticados na prevalência (111
casos da infecção), apenas 3,7% (3/81) converteram à RIM(+), sendo dois ao final
dos seis primeiros meses do estudo e um depois de 24 meses. Neste caso, todos os
animais faziam parte da faixa etária ≥1 ano <7 anos e, antes da conversão, dois
apresentavam títulos sorológicos (RIFI-IgG) de 320-640 (reator moderado) e um
≥1280 (reator forte) (Figura 17).
Dos 17 (15,3%) cães do perfil II (RIM+/RIFI-) diagnosticados na prevalência (111
casos da infecção), a maioria (82,3%-14) converteu a reação sorológica (RIFI-IgG),
sendo 11 ao final dos seis primeiros meses e três nos seis meses subsequentes (12
meses), com títulos sorológicos de diferentes amplitudes: 6 (42,8%) com título forte
(≥1280), 5 (35,7%) com título moderado (320-640), e 3 (21,5%) com título fraco (80-
160). Nesta situação, 64,3% dos cães eram na faixa etária ≥1 ano <7 anos, 28,5%
<1 ano, e 7,2% ≥7 anos (Figura 17).
57
Dos 42 (93,3%) cães do perfil I diagnosticados na primeira incidência (45 casos
da infecção), apenas 2,4% (1/42) converteram a RIM(+) após os seis primeiros meses
do estudo, sendo único cão da faixa etária ≥1 ano <7anos, com título sorológico
(IgG) ≥1280 (reator forte) (Figura 17).
Dos três (6,6%) cães do perfil II diagnosticados na primeira incidência (45 casos
da infecção), 66,6% (2/3) converteram a reação sorológica (RIFI-IgG) após os seis
primeiros meses do estudo, com títulos sorológicos (IgG) de 80-160 (reação fraca),
sendo os dois animais da faixa etária ≥1 ano <7 anos (Figura 17).
Dos 15 (93,8%) cães do perfil I diagnosticados na segunda incidência (16 casos
da infecção), nenhum converteu à RIM(+) até o final do estudo, assim como, o único
(6,2%) animal do perfil II não converteu a reação sorológica até o final do estudo
(Figura 17).
Figura 17 - Conversão sorológica (RIFI-IgG) e da reação intradérmica de Montenegro (RIM) na infecção canina por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil, de acordo com o perfil imunológico, por ocasião da prevalência e incidência. *(p) = <0.0001
58
4.11 Evolução para o óbito devido à infecção canina por L. (L.) i. chagasi,
outros agravos e perdas na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará,
Brasil
Considerando-se, inicialmente, os 60 cães assintomáticos do perfil I na
prevalência, sete foram eliminados por conta do diagnóstico parasitológico positivo,
quatro na prevalência e três ao final dos seis primeiros meses, restando 53 para esta
análise. Assim sendo, observou-se que 15,1% (8/53) morreram durante os seis
primeiros meses; mais 15,1% (8/53) ao fim de 12 meses, enquanto nenhum óbito
ocorreu nos últimos 12 meses, restando, ao final de dois anos, 69,8% (37/53) dos
cães assintomáticos.
Por outro lado, dos 21 cães sintomáticos do perfil I na prevalência, 11 foram
eliminados com diagnóstico parasitológico positivo, dez após a prevalência e um
após os seis primeiros meses, sobrando 10 animais para esta avaliação. Assim
sendo, observou-se que 50% (5/10) morreram durante os seis primeiros meses,
mais 30% (3/10) ao fim de 12 meses, enquanto nenhum animal morreu nos últimos
12 meses, restando somente 20% (2/10) dos cães sintomáticos. Portanto, o óbito no
grupo sintomático (80%-8/10) foi maior (P<0.05) que no grupo assintomático (30,2%-
16/53) (Figura 18), assim como, a sobrevida de cães vivos foi maior (P<0.05) no
grupo assintomático (69,8%-37/53) do que no sintomático (20%-2/10).
Com relação aos 17 cães assintomáticos do perfil II na prevalência, não foi
observado nenhum óbito neste grupo associado à LVC, porém, 23,5% (4/17)
evoluíram para o óbito por causa desconhecida, restando 76,5% (13/17) ao final do
estudo. Desse modo, excluídas as mortes de causa desconhecida (4), 100% (13)
dos cães assintomáticos do perfil II permaneceram vivos até o final do estudo
(Figura 18).
Em se tratando dos 13 cães do perfil III na prevalência, 11 (84,6%) eram
assintomáticos e dois (15,4%) sintomáticos; dos 11 assintomáticos, dois foram
eliminados por conta do diagnóstico parasitológico positivo e um morreu de causa
desconhecida, todos aos 12 meses do estudo, restando oito (72,7%) animais ao final
de 24 meses. Por último, dentre os dois sintomáticos, um foi eliminado por conta do
59
diagnóstico parasitológico positivo e o outro morreu de causa desconhecida, não
havendo possibilidade de análise mais conclusiva deste grupo (Figura 18).
Portanto, o óbito canino devido à infecção por L. (L.) i. chagasi na prevalência
correspondeu a 38% (24/63) de cães exclusivamente do perfil I, sendo mais
frequente (P<0.05) nos cães sintomáticos (80%) do que nos assintomáticos (30,2%),
enquanto a sobrevida nos assintomáticos (69,8%) foi maior (P<0.05) que nos
sintomáticos (20%).
Com relação aos 42 cães portadores do perfil I na primeira incidência, 92,8%
(39/42) eram assintomáticos e 7,2% (3/42) sintomáticos; dentre os assintomáticos,
três foram eliminados com diagnóstico parasitológico positivo e um morreu de causa
desconhecida, ficando 35 para base de cálculo desta análise, dos quais 5,7% (2/35)
morreram após seis meses, permanecendo 94,3% dos animais. No caso dos três
cães sintomáticos, um foi eliminado com diagnóstico parasitológico positivo,
restando dois, dos quais um (50%) morreu após seis meses, e um (50%) continuou
vivo até o final do estudo. Por outro lado, dos três cães com perfil II, 100% (3/3)
eram assintomáticos e nenhum evoluiu para o óbito. Além destes, não houve
registro de caso do perfil III.
Com respeito aos 15 cães portadores do perfil I na segunda incidência, 86,6%
(13/15) eram assintomáticos e 13,4% (2/15) sintomáticos; dos 13 assintomáticos, um
foi eliminado com diagnóstico parasitológico positivo, restando 12 para esta
avaliação, dos quais nenhum morreu após 12 meses de acompanhamento.
Entretanto, dentre os dois cães sintomáticos, 50% (1/2) morreram ao final de 12
meses de evolução. Por outro lado, o único cão assintomático do perfil II
permaneceu vivo até o final do estudo, não havendo caso do perfil III na segunda
incidência (Figura 19).
Desse modo, o óbito canino na incidência ocorreu, mais uma vez, somente nos
cães do perfil imunológico I, principalmente no grupo sintomático, com frequência
(50%) superior (P<0.05) aquela (4,3%) do assintomático. Por outro lado, foi possível
concluir, ainda, que um cão do perfil I possui 34,2 vezes mais chance de morrer do
que um cão do perfil II, baseado na análise do quociente de Risco Relativo (RR).
Além disto, três dos 31 cães que foram resgatados e examinados eram negativos
para RIFI e RIM, assim como, para o exame imunohistoquímico, razão porque foi
60
excluída a possibilidade do óbito desses animais ser atribuído à LVC. Contudo, do
total (38) de cães que evoluíram ao óbito, sete não foram resgatados para exame,
embora todos apresentassem marcadores da infecção, com a seguinte casuística:
um cão do perfil I, quatro do perfil II, e dois do perfil III.
Figura 18 - Evolução para o óbito devido à infecção canina por L. (L.) i. chagasi, outros agravos e perdas, por ocasião da prevalência, na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil. *(p) = <0.0001; ₓ = óbito por outras causas
Figura 19 - Evolução para o óbito devido à infecção canina por L. (L.) i. chagasi, outros agravos e perdas, por ocasião da incidência, na vila Santana do Cafezal, Barcarena, Pará, Brasil. *(p) = <0.0001
62
5 DISCUSSÃO
Este representa o primeiro estudo de natureza prospectiva que acompanhou uma
coorte de 316 cães (54,4% machos e 45,6% fêmeas, com média de idade de 2 anos
e 3 meses), de raça não definida, sob risco de infecção natural por L. (L.) i. chagasi
em área endêmica de LVA no Estado do Pará, Amazônia brasileira, mais
precisamente no município de Barcarena, por período de dois anos (março/2012-
fevereiro/2014), buscando não somente avaliar a prevalência e a incidência da
infecção, sintomática e assintomática, mas, principalmente, a dinâmica da evolução
clínico-imunológica, na tentativa de encontrar respostas para algumas questões
pontuais sobre a LVC que, até o presente, persistem incógnitas na interação do
parasito com a resposta imune do hospedeiro, o cão doméstico.
Entretanto, antes de adentrarmos propriamente na discussão dos resultados do
presente trabalho, faz-se importante salientar a importância que algumas variáveis
próprias da região amazônica do Brasil, como aquelas ligadas ao ambiente, ao clima
e às condições sócio-econômicas das populações humanas residentes na zona
rural, podem exercer na saúde dos animais domésticos que convivem com o
homem, especialmente o cão doméstico. A título de exemplo, cabe citar o moderado
(0,662) Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município de Barcarena
(PNUD, 2010), no qual, embora exista um importante polo minerador de bauxita do
Brasil, ainda não conseguiu disponibilizar um serviço de saúde e de educação de
níveis satisfatórios, além da sua política econômica que não atende aos anseios de
renda da população, o que, muito possivelmente, se reflete também na qualidade de
vida dos animais domésticos que convivem com o homem nesse lugar. Assim
sendo, faz-se importante dizer que os resultados do presente estudo podem estar
refletindo uma situação clínico-patológica relativa à infecção canina por L. (L.) i.
chagasi diferente daquelas de outras regiões do país, em razão das características
ambientais, climáticas e sócio-econômicas próprias da região amazônica do Brasil.
No tocante aos resultados do presente estudo, deve-se destacar, inicialmente, a
importância da abordagem diagnóstica usada para aferir a questão essencial desta
avaliação, a infecção canina por L. (L.) i. chagasi, sintomática ou assintomática, por
63
meio do uso combinado de dois métodos de imunodiagnóstico específico, a RIFI
(IgG), para avaliação da resposta humoral, e a RIM, para avaliação da resposta de
hipersensibilidade tardia; a primeira, ligada à susceptibilidade à infecção (PINELLI et
al. 1994), enquanto a segunda, ligada à resistência (MAIA; CAMPINO, 2008).
Complementando essa abordagem, foi realizada também a avaliação parasitológica
da infecção por meio da punção aspirativa do linfonodo poplíteo de cada animal.
Desse modo, esta abordagem diagnóstica possibilitou ampliar ao máximo a
capacidade de detecção dos cães portadores da infecção, conforme trabalho prévio
(SILVEIRA et al., 2012), gerando uma prevalência global de 35,1%. Além disso,
possibilitou também gerar três prevalências específicas, de acordo com o perfil
imunológico da infecção canina, ou seja, a prevalência dos casos diagnosticados
somente pela RIFI (IgG), perfil imunológico I (RIFI+/RIM-), de 25,6% (81/316), a
qual, se mostrou maior (P<0.05) que as outras duas: somente pela RIM, perfil
imunológico II (RIFI-/RIM+), de 5,4% (17/316), e por ambos os testes, perfil
imunológico III (RIFI+/RIM+), de 4,1% (13/316).
Com base nos resultados acima, parece evidente a contribuição desta
abordagem diagnóstica no sentido de revelar prevalência de 35,1% superior a outras
duas, 23,5% e 24%, obtidas pelo uso isolado do diagnóstico sorológico (ELISA) de
cães em área endêmica de LVA no nordeste do Brasil, Estados da Bahia e Ceará,
respectivamente (PARANHOS-SILVA et al., 1996; RONDON et al., 2008). Da
mesma forma, a prevalência observada no presente estudo foi maior, também, que a
aquela (16%) estimada pelo uso isolado da RIFI (IgG), cut-off de 1:40, na zona
agreste do Estado de Pernambuco, também no nordeste do Brasil (SANTOS et al.,
2010). Entretanto, foi menor que a prevalência (40,3%) da infecção estimada
também pela RIFI (IgG), cut-off de 1:40, na costa norte do mesmo Estado de
Pernambuco (DANTAS-TORRES et al., 2006), sugerindo que a região costeira
desse Estado possa estar favorecendo uma transmissão mais intensa da infecção
canina do que no agreste. Por último, não caberia omitir a comparação da
prevalência da infecção canina do presente trabalho com a encontrada em outro
trabalho do nosso grupo de pesquisa (SILVEIRA et al., 2012), utilizando a mesma
abordagem diagnóstica e, no mesmo município de Barcarena, Estado do Pará,
porém, em outra área à distância de 20 km, denominada vila Santa Maria, onde foi
64
observada taxa de 43%, claramente superior a do presente trabalho (35,1%).
Contudo, embora a distância (20 km) não pareça significante, o que difere é a
característica ecológica das duas, já que a vila Santa Maria está localizada em área
de terra firme com cobertura vegetal que oferece excelentes condições para a
colonização do flebotomíneo vetor (Lutzomyia longipalpis), enquanto a vila Santana
do Cafezal fica situada às margens do rio Cafezal, onde grande parte da sua área
(~30%) é ocupada por várzea, inundada duas vezes por dia, não oferecendo
condições adequadas para a colonização do vetor e, consequentemente, interferindo
na transmissão da infecção. Desse modo, a diferença entre as taxas de prevalência
da infecção canina nessas áreas pode ser explicada por razão puramente ecológica,
fato que já havia sido observado antes por ocasião de estudo sobre a dinâmica de
transmissão da infecção humana por L. (L.) i. chagasi na vila Santana do Cafezal,
que revelou frequência significativamente maior de casos na área de terra firme do
que na várzea (SILVEIRA et al., 2009). De qualquer modo, faz-se importante
registrar o expressivo potencial desta abordagem diagnóstica na determinação da
prevalência da infecção, minimizando a possibilidade de subestimar a mesma, como
tem sido observado em trabalhos baseados no diagnóstico sorológico isolado
(PARANHOS-SILVA et al., 1996; RONDON et al., 2008; SANTOS et al., 2010).
A outra vantagem desta abordagem diagnóstica diz respeito à possibilidade de
ser contemplada a prevalência específica da infecção, baseada na identificação dos
três perfis imunológicos, a saber: perfil I (RIFI+/RIM-), perfil II (RIM+/RIFI-) e perfil III
(RIFI+/RIM+). Desse modo, comparando-se as taxas observadas entre esses perfis,
notou-se que a prevalência da infecção pelo perfil I (25,6%) foi maior que aquelas
dos perfis II (5,4%) e III (4,1%), respectivamente, fato também observado em
trabalho prévio (SILVEIRA et al. 2012), sugerindo, claramente, que o perfil I parece
representar a expressão mais prevalente da resposta imune do cão contra a
infecção natural por L. (L.) i. chagasi. Além disso, comparando-se também as taxas
de frequência desses perfis entre os 111 casos da infecção por ocasião da
prevalência, percebeu-se, igualmente, que o perfil I foi também mais frequente
(73%) que os perfis II (15,3%) e III (11,7%), confirmando a alta frequência do perfil I
na interação com o parasito sem, contudo, representar uma barreira efetiva contra a
infecção, já que a resposta de anticorpos não tem capacidade de conter a
65
multiplicação parasitária no interior dos macrófagos infectados (REIS et al. 2006;
BANETH et al., 2008; SOLANO-GALLEGO et al., 2009).
Ao contrário, outro aspecto de interesse refere-se à baixa frequência dos perfis II
e III, caracterizados pela presença da resposta de hipersensibilidade tardia (RIM+),
os quais somaram juntos apenas 27% de frequência, evidenciando a fraca
habilidade do cão de desenvolver este tipo de resposta imune celular contra a
infecção. Desse modo, embora não seja clara a existência de dicotomia das
respostas imunes, celular e humoral, na infecção canina por L. (L.) i. chagasi
(BARBIERI, 2006), não há dúvida que a resposta de anticorpo IgG, que caracteriza o
perfil I (RIFI+/RIM-), está mais presente contra a infecção, sintomática ou
assintomática, do que a resposta imune celular.
Com base no pressuposto acima, relativo à inabilidade do perfil I de conferir
proteção contra a infecção canina por L. (L.) i. chagasi, hipótese que também é
sustentada em outros trabalhos relativos ao papel do cão doméstico como
reservatório da LVC (PINELLI et al., 1994; CABRAL et al., 1998; BANETH et al.,
2008), faz-se possível projetar que um número significativo de cães do perfil I sejam
incapazes de controlar a infecção e convertam, no período de um a dois anos, o
estado clínico assintomático em sintomático. Corroborando essa ideia, faz-se
importante registrar que, por ocasião da prevalência, a maioria (85,7%) dos cães
com diagnóstico parasitológico positivo apresentava perfil I, dos quais 61,1%
sintomáticos. Além disso, foi visto também que a taxa de conversão do estado
clínico, assintomático em sintomático, dos cães do perfil I diagnosticados na
prevalência (20,8%) foi maior (P<0.05) que aquelas dos perfis II (5,8%) e III 9%
durante os 24 meses do estudo, confirmando que o risco da conversão clínica é
maior entre os cães portadores da infecção com perfil I (RIFI+/RIM).
No tocante à faixa etária da infecção canina, notou-se que a taxa de prevalência
(27,5%) na faixa ≥1ano <7anos foi mais alta (P< 0,05) que aquelas nas faixas de
<1ano (5,3%) e de ≥7 anos (2,2%), sugerindo que a grande maioria das infecções
acontece após o primeiro ano de vida, quando uma possível proteção da resposta
de anticorpo materno já declinou. Por outro lado, não deve ser desprezada a baixa
prevalência (2,2%) na faixa ≥7 anos, já que esta pode estar sinalizando que a
maioria dos cães infectados na faixa ≥1ano <7anos sucumbe de LVC antes de
66
atingir 7 anos de idade, embora existam evidências sobre a infecção canina por L.
(L.) i. infantum na região do Mediterrâneo (Europa) mostrando que cães infectados
assintomáticos podem levar de três meses até 7 anos para converterem-se
sintomáticos (SOLANO-GALLEGO et al., 2001; OLIVA et al., 2006). Entretanto, faz-
se importante considerar que os fatores climático, ambiental e sócio-econômico nas
duas regiões, Amazônia brasileira e Mediterrânea na Europa, podem estar atuando
de maneira a acelerar o estado clínico-patológico dos cães infectados ou postergar o
declínio da resistência canina à infecção pelo parasito, respectivamente.
Com respeito à incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi nos três
momentos do estudo, aos seis (3,6% cães/mês), 12 (1,7% cães/mês) e 24 meses
(0,4% cães/mês), parece claro ter havido um declínio progressivo na incidência da
infecção ao longo do estudo, sugerindo, a princípio, que a fonte da infecção parece
ter sido reduzida no transcurso do estudo, o que poderia ser explicado não só pela
eliminação de 26 cães com diagnóstico parasitológico positivo, 21 durante a
prevalência, e cinco na incidência, como também, pela morte natural por LVC
observada em 24 cães durante os seis primeiros meses do estudo, assim como, em
mais três durante os seis meses subsequentes, e mais um durante o período final de
doze meses, totalizando 28 cães, todos pertencentes ao perfil I (RIFI+/RIM-). Desse
modo, somando-se os 26 cães eliminados com diagnóstico parasitológico positivo
com os 28 que evoluíram ao óbito por LVC, chega-se ao total de 54 cães que, sem
dúvida, considerando o seu elevado potencial infeccioso para o vetor (Lutzomyia
longipalpis), deixaram de atuar como fonte de infecção na área do estudo,
contribuindo, dessa maneira, para a redução progressiva na incidência da infecção.
Além disso, faz-se importante referir que, considerando-se as duas taxas de
incidência da infecção obtidas aos seis (3,6% cães/mês) e doze meses (1,7%
cães/mês), observou-se incidência no primeiro ano de 5,3% cães/mês, claramente
maior (P< 0,05) que aquela de 0,4% cães/mês observada no segundo ano do
estudo. Entretanto, duas situações podem explicar essa diferença; a primeira,
relacionada ao fato de que, muito provavelmente, a taxa de 3,6% cães/mês
estimada aos seis do estudo pode ter sido influenciada pela infecção pré-patente de
alguns cães não diagnosticados durante a prevalência que só foram diagnosticados
aos seis meses, durante a primeira incidência. A este respeito, cabe lembrar
67
algumas evidências prévias demonstrando o diagnóstico da infecção pré-patente
pela PCR (QUINNELL et al., 2001) e pela RIFI (IgM) (LIMA et al. dados não
publicados) em cães soronegativos (IgG) pelo ELISA e RIFI, respectivamente. A
segunda, diz respeito ao fato de que a taxa de 0,4% cães/mês observada ao final do
segundo ano do estudo parece estar sinalizando que a pronta redução da fonte de
infecção, assumida pela eliminação de 26 cães com diagnóstico parasitológico
positivo, 21 na prevalência e cinco durante a incidência, pode, sem dúvida, ter
refletido na redução da transmissão da infecção canina por L. (L.) i. chagasi, o que
também já foi evidenciado em estudo prévio (DIETZE et al., 1997).
Por outro lado, a comparação da incidência geral da infecção canina por L. (L.) i.
chagasi com dados da literatura torna-se tarefa difícil em razão não só das
diferenças metodológicas para o diagnóstico da infecção, como também, pela
necessidade do seguimento da coorte de cães por determinado período. A título de
exemplo, podemos citar o trabalho de Paranhos-Silva et al. (1998), que usaram o
sorodiagnóstico por ELISA para rastreamento da infecção canina durante período de
18 meses, tendo encontrado incidência geral de 0,5% cães/mês em área endêmica
de LVA no nordeste do Brasil (Jequié, Bahia), revelando-se inferior a encontrada
neste trabalho (5,7% cães/mês), estimada em área endêmica de LVA na Amazônia
brasileira, baseada na combinação do diagnóstico imunológico (RIFI/RIM) com o
parasitológico. Outro exemplo, diz respeito ao trabalho mais recente de Coura-Vital
et al. (2013), que utilizaram uma combinação do diagnóstico molecular (“PCR”) com
sorológico (ELISA) para reconhecimento da infecção canina por L. (L.) i. chagasi
durante 26 meses de estudo, tendo encontrado incidência geral de 5,8% cães/mês.
Desse modo, embora esses autores tenham empregado metodologia (PCR/ELISA)
mais sensível que a empregada no presente trabalho (RIFI/RIM/exame
parasitológico), percebe-se que não houve diferença entre as incidências da
infecção do trabalho citado (5,8% cães/mês) e do presente (5,7% cães/mês), fato
que vem valorizar, principalmente, a reação sorológica (RIFI) empregada neste
trabalho, a qual utiliza antígeno não só espécie-específico de L. (L.) i. chagasi, como
também, estágio específico (amastigotas provenientes da infecção visceral em
“hamster”), o que garante alta especificidade e sensibilidade da reação,
proporcionando um excelente desempenho do diagnóstico sorológico da LVC
68
(SILVEIRA et al., 2012). Em adição, cabe salientar, também, o efeito amplificador
desta abordagem diagnóstica pelo uso combinado da RIM, que, juntamente com a
RIFI, permitiu identificar amplo espectro da resposta imune do cão, representado
pelos três perfis: I (RIFI+/RIM-), II (RIM+/RIFI-) e III (RIFI+/RIM+). Portanto, com
base nos trabalhos consultados, que adotaram metodologia convencional
(PARANHOS-SILVA et al. 1998) e moderna (COURA-VITAL et al., 2013), visando a
incidência da infecção canina por L. (L.) i. chagasi, a impressão que fica é que a
incidência encontrada no presente trabalho (5,7% cães/mês) reflete um importante
estado infeccioso dos cães na área do estudo, sugerindo que o mesmo deve estar
contribuindo para a manutenção da transmissão da infecção na população canina.
De modo semelhante ao tratado na prevalência, não se pode deixar de valorizar,
também, a importância da incidência específica da infecção canina por L. (L.) i.
chagasi, baseada no número de casos novos da infecção em cada perfil
imunológico: I (RIFI+/RIM-), II (RIM+/RIFI-) e III (RIFI+/RIM+). Assim sendo, faz-se
importante registrar que a incidência do perfil I de 5,4% cães/mês mostrou-se
superior (P< 0,05) a do perfil II de 0,3% cães/mês, não havendo registro de casos do
perfil III, confirmando o que já havia sido discutido por ocasião da prevalência da
infecção sobre o papel do perfil I no sentido de representar a expressão mais
presente da resposta imune do cão contra a infecção por L. (L.) i. chagasi. Além
disso, foi possível confirmar, também, que a frequência do perfil I (95,6%) foi
também superior (P< 0,05) a do perfil II (4,4%) entre os casos novos da infecção
durante todo o período do estudo. Portanto, embora não seja correto assumir que a
RIM representa a melhor alternativa para avaliar a imunidade celular no cão,
também não se pode deixar de valorizar que a imunidade humoral, avaliada pela
RIFI (IgG), esteve sempre consideravelmente mais presente nos cães infectados,
sugerindo representar, sem dúvida, o mecanismo da imunidade do cão mais ativo
contra a infecção, embora seja consenso que a imunidade humoral não garante
proteção efetiva contra a infecção (BARBIERI, 2006; REIS et al., 2006; BANETH et
al., 2008; SOLANO-GALLEGO et al., 2009).
Outro aspecto de interesse, diz respeito à incidência da infecção canina por L.
(L.) i. chagasi de acordo com a faixa etária dos animais, a qual revelou que a maioria
dos casos novos da infecção ocorreu na faixa etária <1ano (6,6% cães/mês),
69
seguida da faixa etária ≥1ano <7anos (5,3% cães/mês) e, por último, da faixa etária
≥7 anos (3,3% cães/mês), sugerindo, diferentemente da prevalência, que mostrou
um acumulo maior de casos na faixa etária de ≥1ano <7anos, que a transmissão da
infecção antes do primeiro ano representa um importante acontecimento na vida dos
cães e que deve ser priorizado diante da perspectiva de ser adotada uma estratégia
preventiva por meio de vacina contra a infecção.
Quanto à distribuição dos perfis imunológicos nas diferentes faixas etárias dos
cães infetados, percebeu-se que os três perfis apresentaram-se, de modo geral, com
maior frequência na faixa de ≥1ano <7anos de idade (I: 79%; II: 64,8%; III: 92,3%),
sugerindo ser a faixa que concentra o maior número de casos da infecção,
possibilitando o planejamento de ensaio sobre a evolução clínico-imunológica da
infecção, já que o número representativo de cada perfil será sempre maior que nas
outras faixas etárias.
No tocante ao diagnóstico parasitológico da infecção, faz-se importante registrar
19% de cães positivos na prevalência, sendo a maioria (85,7%) portadora do perfil I,
dos quais 61,1% eram sintomáticos, evidenciando, mais uma vez, o elevado
potencial de susceptibilidade do perfil I à infecção, o que também pode ser
corroborado pela fraca habilidade (3,7%) desses cães de converter a RIM(+) durante
o estudo. Os 14,3% de cães que também contribuíram com o diagnóstico
parasitológico da infecção eram do perfil III, sendo 66,7% assintomáticos e 33,3%
sintomáticos, o que sugere que, embora estes cães tenham conseguido converter a
RIM(+), a sua resposta celular não foi capaz de se sobrepor à ação dominante da
resposta humoral (RIFI+), conferindo certo grau de vulnerabilidade imunológica à
infecção, razão porque o parasito conseguiu, depois de algum período de tempo não
determinado - já que estes cães eram oriundos da prevalência -, escapar dos
mecanismos de proteção da resposta imune e multiplicar-se nos tecidos do cão,
propiciando a confirmação do diagnóstico parasitológico. De qualquer modo, o fato
de ter sido confirmado o diagnóstico parasitológico em cães do perfil III, ainda que
em proporção (14,3%) significativamente menor que no perfil I (85,7%), sugere que
a imunidade humoral do cão parece exercer forte dominância em relação à
imunidade celular, o que parece ter eco na forte expressão do perfil I em todos os
parâmetros de avaliação da infecção canina abordados neste estudo.
70
Por ocasião da incidência, o diagnóstico parasitológico da infecção foi confirmado
em 11% dos casos novos, sendo quatro na primeira incidência e um na segunda,
todos (100%) portadores do perfil I, 60% assintomáticos e 40% sintomáticos. Desse
modo, percebeu-se que, por ocasião da prevalência, quando não era possível
estimar o tempo de evolução da infecção nos animais, a confirmação parasitológica
da infecção esteve fortemente associada aos cães sintomáticos com perfil I,
enquanto que, por ocasião da incidência, quando foi possível confirmar o diagnóstico
parasitológico em cinco cães, 100% estavam associados ao perfil I, porém, ao
contrário da prevalência, a maioria (60%) era assintomática, sugerindo que, embora
a conversão do estado clínico assintomático em sintomático possa levar um tempo
indeterminado, a susceptibilidade à infecção, caracterizada pela confirmação
parasitológica, está fortemente associada ao perfil I, que representa o mecanismo da
imunidade do cão mais ativo contra a infecção.
Com respeito ao estado clínico da infecção canina por L. (L.) i. chagasi, foi visto
que, por ocasião da prevalência, 79,3% (88/111) dos cães infectados eram
assintomáticos e apenas 20,7% (23/111) sintomáticos, o que se mostrou compatível
com achados de outras áreas endêmicas no Brasil (MADEIRA et al., 2004; DANTAS-
TORRES et al., 2006; QUEIROZ et al., 2008), incluindo também os achados - 76%
assintomáticos e 24% sintomáticos - de trabalho recente do nosso grupo de
pesquisa na mesma região (SILVEIRA et al., 2012), e até no Velho Mundo, onde o
agente causal da infecção é a L. (L.) i. infantum (CABRAL et al., 1998; BANETH et
al., 2008; SOLANO-GALLEGO et al., 2009). De outro modo, considerando-se o
número de cães infectados por perfil imunológico, foi visto, também, que a
frequência dos assintomáticos era maior que dos sintomáticos, estando
representada por 74% do perfil I (RIFI+/RIM-), 100% do perfil II (RIM+/RIFI-) e 84,6%
do perfil III (RIFI+/RIM+), sugerindo, a princípio, tratar-se de uma infecção de caráter
benigno, sem maiores complicações para a saúde dos animais. Entretanto, ao ser
examinada especificamente a situação dos cães assintomáticos, foi possível
observar que 68,2% (60/88) pertenciam ao perfil imunológico I, o qual, conforme
discutido anteriormente, está fortemente associado ao caráter de susceptibilidade à
infecção, em razão desse perfil ser sustentado, preferencialmente, pela resposta
humoral, que, sabidamente, não garante resistência contra a infecção (BARBIERI,
71
2006; REIS et al., 2006; PINELLI et al., 1994; CABRAL et al., 1998). Corroborando
esta afirmativa, faz-se importante adiantar que, ao ser examinado o parâmetro
relativo à evolução para o óbito devido à infecção canina por L. (L.) i. chagasi, foi
constatado que 100% dos óbitos na prevalência ocorreram nos animais do perfil
imunológico I, 30,2% dos quais eram assintomáticos. Desse modo, é possível
projetar que, no período de dois anos, pelo menos 30% dos cães assintomáticos do
perfil imunológico I devam evoluir para o óbito, tendo em vista as condições
ambientais, climáticas e sócio-econômicas da zona rural na região amazônica
brasileira.
Por outro lado, quando o estado clínico da infecção canina foi abordado por
ocasião da incidência, observou-se, novamente, que a maioria - 92,6% (63/68) - dos
casos novos da infecção era assintomática, enquanto a minoria - 7,4% (5/68) -
sintomática. Do mesmo modo, quando foi examinado o número de cães infectados
por perfil imunológico, percebeu-se, também, que a frequência dos assintomáticos
foi maior que dos sintomáticos, com 92,3% (59/64) do perfil I (RIFI+/RIM-) e 100%
(4/4) do perfil II (RIM+/RIFI-), enquanto não houve registro do perfil III (RIFI+/RIM+)
na incidência.
Portanto, independentemente do tipo de estudo, transversal ou prospectivo,
haverá sempre uma expectativa de que os cães infectados assintomáticos estejam
sempre em número maior do que os sintomáticos, em razão da conversão clínica
demandar um período de tempo indeterminado para ocorrer, o que pode estar sendo
influenciado pelo perfil imunológico do cão infectado no momento do diagnóstico
inicial. Neste sentido, quando foram avaliados os cães diagnosticados por ocasião
da prevalência, foi possível observar uma taxa de conversão maior (P< 0.05) entre
os cães do perfil I (20,8%) comparada com aquelas dos perfis II (5,8%) e III (9%),
durante os dois anos de seguimento dos animais. Além disso, observou-se, também,
que os poucos cães assintomáticos dos perfis II (1) e III (1) levaram período de
tempo maior, 24 e 12 meses, respectivamente, para tornarem-se sintomáticos do
que aqueles do perfil I, os quais manifestaram sinais clínicos da infecção nos
diferentes momentos da avaliação, aos 6, 12 e 24 meses do estudo, sugerindo que
esses cães haviam adquirido a infecção em diferentes momentos antes da
prevalência. Desse modo, com base nos dados da prevalência, dois pontos
72
precisam ser enfatizados: 1) os cães do perfil I apresentaram predisposição maior do
que os dos perfis II e III no sentido de adoecer, confirmando a impressão prévia de
que o perfil I está fortemente associado ao caráter de susceptibilidade à infecção; 2)
embora os cães dos perfis II e III não estejam totalmente protegidos contra a
infecção, foi demonstrado que o período de tempo para a conversão clínica levou 24
meses no caso do perfil II e 12 do perfil III, sugerindo que a imunidade celular (RIM+)
evidenciada nesses animais parece exercer, se não totalmente, pelo menos, na
grande maioria dos animais, papel protetor temporário contra a infecção.
Por outro lado, quando realizada a avaliação dos cães diagnosticados por
ocasião da incidência, observou-se que 18,2% dos cães assintomáticos do perfil I
tornaram-se sintomáticos, sendo 10,5% depois de 18 meses (após a primeira
incidência) e 7,7% depois de dez meses (após a segunda incidência), a qual não
diferiu daquela (20,8%) observada por ocasião da prevalência, evidenciando, mais
uma vez, o potencial patogênico do perfil I no curso da infecção canina por L. (L.) i.
chagasi. Ao contrário desse resultado, notou-se que, 100% dos cães do perfil II,
permaneceram assintomáticos até o final do estudo, confirmando que a imunidade
celular (RIM+) evidenciada nesses animais parece exercer papel protetor contra a
infecção.
Em resumo, comparando-se as taxas acumuladas (prevalência e incidência) da
conversão clínica dos cães assintomáticos em sintomáticos nos perfis I, II e III,
verificou-se que a taxa do perfil I (39%) foi maior (P< 0.05) que aquelas dos perfis II
(5,8%) e III (9%), sinalizando que os cães portadores do perfil imunológico I têm
33,2% mais chances de adoecer do que os cães portadores do perfil II, e 30% do
que os do perfil III, respectivamente. Além disso, foi possível concluir, também, que
um cão assintomático do perfil I possui chance de desenvolver sintomas em um
período de 1,4 semestres, enquanto um cão assintomático do perfil II possui chance
de desenvolver sintomas em um período de 4,5 semestres.
A conversão sorológica (RIFI+) ou da reação intradérmica de Montenegro (RIM+)
a partir do perfil imunológico do cão infectado, foi outro parâmetro que possibilitou
uma melhor compreensão da evolução clínico-imunológica da infecção canina.
Assim, considerando-se os resultados a partir da prevalência, foi visto que apenas
3,7% dos cães do perfil I (RIFI+/RIM-) converteram a RIM(+) (dois depois dos seis
73
primeiros meses e um após 24 meses), todos na faixa etária de ≥1 ano <7 anos,
com títulos sorológicos de 320-1280 (IgG), confirmando a fraca capacidade reativa
desses animais de responder, do ponto de vista da imunidade celular, efetivamente
contra a infecção. Entretanto, de certa forma inesperada, notou-se que 82,3% dos
cães do perfil II (RIM+/RIFI-) converteram a RIFI(+) (11 depois dos seis primeiros
meses e três após 12 meses), a maioria (11) não só com títulos sorológicos (IgG)
moderados ou elevados (320-1280), como também, na faixa de ≥1 ano <7 anos,
evidenciando uma forte predisposição da resposta humoral contra a infecção,
embora estes cães estivessem respaldados por um perfil (II) sustentado pela
resposta imune celular (RIM+/RIFI-), associado a parâmetros de resistência, como
diagnóstico parasitológico negativo, estado clínico assintomático, além de nenhum
ter evoluído para o óbito devido à LVC. Neste sentido, pode-se concluir que, embora
os cães do perfil II possam, em algum momento, converter a resposta sorológica
(RIFI+) assumindo o perfil III (RIM+/RIFI+), esta conversão foi quase desprezível do
ponto de vista do status clínico dos animais, já que apenas 5,8% (um animal)
converteram-se sintomáticos. Além disso, parece claro, também, o papel da
conversão sorológica (RIFI+) na fisiopatogenia da resposta imune do cão (perfil II)
contra a infecção, contribuindo, de forma significativa (mais que o perfil I) na
formação do perfil III (RIM+/RIFI+).
De modo semelhante, quando esta avaliação considerou os casos novos da
infecção por ocasião da incidência, notou-se, mais uma vez, que apenas 1,7% dos
cães do perfil I (RIFI+/RIM-) converteram a RIM(+) (após os seis primeiros meses),
sendo o único cão da faixa etária de ≥1 ano <7anos, com título sorológico elevado
1280 (IgG), reafirmando a inexpressiva capacidade dos cães do perfil I de converter
a resposta imune celular contra a infecção. Por outro lado, observou-se que 50%
dos cães do perfil II (RIM+/RIFI-) converteram a RIFI(+) (após os seis primeiros
meses), com títulos sorológicos (IgG) baixos (80-160), sendo os dois animais da
faixa de ≥1 ano <7 anos, destacando-se que ambos eram assintomáticos e que
mantiveram esse estado clínico até o final do estudo, ratificando o papel protetor da
hipersensibilidade tardia (RIM+) como mecanismo da imunidade celular contra a
infecção.
74
Objetivando avaliar o potencial patogênico da infecção canina por L. (L.) i.
chagasi na deterioração da saúde dos cães, decidiu-se analisar o quanto a infecção
contribuiu com o óbito. Assim sendo, dos 31 cães que evoluíram ao óbito e que
foram resgatados, foi confirmado, pelo exame imunohistoquímico, que 28 (90,3%)
tiveram associação com a infecção, sendo todos (100%) do perfil I, 24 (85,7%)
oriundos da prevalência (80% sintomáticos e 30,2% assintomáticos), e apenas
quatro (14,3%) da incidência (50% sintomáticos e 5,2% assintomáticos), fato que
veio reforçar, definitivamente, a forte associação do perfil I com a susceptibilidade
imunológica à infecção, sendo responsável por 100% dos óbitos comprovados pela
LVC. Em outras palavras, foi constatado que um cão do perfil I possui 34,2 vezes
mais chance de morrer do que um cão do perfil II, baseado na análise do quociente
de Risco Relativo (RR).
Além disto, embora as taxas de mortalidade tenham sido mais evidentes nos
cães sintomáticos do que nos assintomáticos, tanto na prevalência (80% e 30,2%)
como na incidência (50% e 5,2%), fato, de certa forma, já esperado, chamou
atenção também a elevada taxa de mortalidade dos cães assintomáticos na
prevalência (30,2%-16/53), o que evidenciou, de forma relativamente precoce, o
potencial patogênico do perfil I, já que 100% desses cães morreram durante o
primeiro ano do estudo, 50% (8/16) na primeira metade e outros 50% na segunda
metade do ano, assim como, os cães sintomáticos, com 62,5% (5/8) de óbitos na
primeira metade e 37,5% (3/8) na segunda metade do ano.
Além disto, fazendo-se uma correlação do número de óbitos com o número de
casos da infecção que, efetivamente, foram acompanhados, excluindo-se os cães
que foram eliminados com diagnóstico parasitológico positivo (26, sendo 21 na
prevalência e cinco na incidência) e os que morreram de etiologia desconhecida (10,
sendo seis na prevalência e quatro na incidência), verificou-se mortalidade de 32,1%
(27/84) na prevalência, superior àquela de 6,8% (4/59) na incidência, revelando que
a infecção canina por L. (L.) i. chagasi pode ser responsabilizada por significativo
número de perdas nas áreas endêmicas de LVA no Brasil e em muitos países da
América Latina.
76
6 CONCLUSÃO
Com base nos diferentes parâmetros usados no presente trabalho para
avaliação da evolução clínico-imunológica da infecção canina por L. (L.) i. chagasi,
tais como, conversão clínica, sorológica, imune celular (hipersensibilidade tardia;
reação intradérmica de Montenegro), e evolução para o óbito, é factível dizer que a
interação do parasito com a resposta imune do cão está sustentada, principalmente,
por um perfil imunológico francamente vulnerável à infecção, aqui referenciado como
perfil I (RIFI+/RIM-), caracterizado pela presença da resposta sorológica (RIFI-IgG) e
ausência da resposta imune celular (RIM+), o que não oferece quase nenhuma
resistência ao parasito, tornando o cão altamente susceptível à infecção.
78
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