ler como ensinar

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Revista Voz das Letras Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 3, II Semestre de 2005. Ler – como ensinar? Ms. Elvira Lima Professora da UnC – Concórdia Resumo Trata de um estudo sobre a leitura, especialmente questionando se a leitura exige, como diz Jouve, uma certa competência, um saber mínimo, e se os professores tanto se queixam que tudo fazem para ensinar a ler, mas os resultados não são animadores, não seria hora de perguntar sobre o ensino de leitura da Educação Básica: que dimensões do processo da leitura está considerando? E ainda: qual política de leitura as escolas de Educação Básica de Concórdia e região estão adotando? Assim, discute a política de leitura da região de abrangência da Universidade do Contestado. LEITURA O jornal Zero Hora, de 09 de setembro de 2003, traz no seu caderno “Reportagem Especial” a manchete: “Brasileiro lê sem entender”. O subtítulo da reportagem afirma: “levantamento divulgado ontem aponta que 67% da população têm dificuldade para dominar plenamente a escrita e a leitura”. Esses dados preocupam especialistas ligados ao MEC e às universidades do país. Como sou professora de Língua Portuguesa, desde a década de 80, e durante esses anos venho trabalhando com capacitação para professores em Santa Catarina, muito discurso que denota preocupação com a leitura tenho ouvido. Frases deste tipo me acompanham: “nosso aluno não lê”, “eles não sabem escrever”; “precisamos de técnicas para aplicar em sala de aula para fazer nosso aluno gostar de ler”; “tenho feito de tudo, mas o que muitos escrevem é ilegível”... Porque o discurso persuade, muitos professores esforçam-se no sentido de promoverem o hábito da leitura. Mas as notícias sobre o desempenho de egressos da educação básica em redações no vestibular denotam que nossos jovens ainda precisam aprender a ler. Assim, parece que o esforço foi em vão e que ainda não se descobriu a “fórmula” do ensinar a ler, se é que é disto que a escola precisa. Ângela Kleiman (Pontes,2000, p. 07) revela o que ainda está muito presente nos discursos dos professores de educação básica, quando falam das dificuldades que seus alunos apresentam em relação à leitura: “meus alunos não gostam de ler”. A autora de “Oficina de Leitura – teoria e prática” diz que muitos professores “nunca tiveram uma aula teórica sobre a natureza da leitura, o que ela é, que tipo de engajamento intelectual é necessário, em quais pressupostos de cunho social ela se assenta.”

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Page 1: Ler   como ensinar

Revista Voz das Letras

Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 3, II Semestre de 2005.

Ler – como ensinar? Ms. Elvira Lima

Professora da UnC – ConcórdiaResumo

Trata de um estudo sobre a leitura, especialmente questionando se a leitura exige, comodiz Jouve, uma certa competência, um saber mínimo, e se os professores tanto se queixam quetudo fazem para ensinar a ler, mas os resultados não são animadores, não seria hora de perguntarsobre o ensino de leitura da Educação Básica: que dimensões do processo da leitura estáconsiderando? E ainda: qual política de leitura as escolas de Educação Básica de Concórdia eregião estão adotando? Assim, discute a política de leitura da região de abrangência daUniversidade do Contestado.

LEITURA

O jornal Zero Hora, de 09 de setembro de 2003, traz no seu caderno “Reportagem

Especial” a manchete: “Brasileiro lê sem entender”. O subtítulo da reportagem afirma:

“levantamento divulgado ontem aponta que 67% da população têm dificuldade para

dominar plenamente a escrita e a leitura”. Esses dados preocupam especialistas ligados

ao MEC e às universidades do país. Como sou professora de Língua Portuguesa, desde a

década de 80, e durante esses anos venho trabalhando com capacitação para

professores em Santa Catarina, muito discurso que denota preocupação com a leitura

tenho ouvido. Frases deste tipo me acompanham: “nosso aluno não lê”, “eles não sabem

escrever”; “precisamos de técnicas para aplicar em sala de aula para fazer nosso aluno

gostar de ler”; “tenho feito de tudo, mas o que muitos escrevem é ilegível”...

Porque o discurso persuade, muitos professores esforçam-se no sentido de

promoverem o hábito da leitura. Mas as notícias sobre o desempenho de egressos da

educação básica em redações no vestibular denotam que nossos jovens ainda precisam

aprender a ler. Assim, parece que o esforço foi em vão e que ainda não se descobriu a

“fórmula” do ensinar a ler, se é que é disto que a escola precisa.

Ângela Kleiman (Pontes,2000, p. 07) revela o que ainda está muito presente nos

discursos dos professores de educação básica, quando falam das dificuldades que seus

alunos apresentam em relação à leitura: “meus alunos não gostam de ler”. A autora de

“Oficina de Leitura – teoria e prática” diz que muitos professores “nunca tiveram uma aula

teórica sobre a natureza da leitura, o que ela é, que tipo de engajamento intelectual é

necessário, em quais pressupostos de cunho social ela se assenta.”

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Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 3, II Semestre de 2005.

Saber até que ponto falta teoria sobre a natureza da leitura aos professores de

Língua Portuguesa da Escola de Educação Básica da região de abrangência da

Universidade do Contestado parece-nos um questionamento possível e necessário,

considerando-se os discursos dos professores e alguns dados obtidos em pesquisas na

Universidade nestes últimos anos.

Coordenamos uma pesquisa, na Universidade do Contestado – campus de

Concórdia – SC, no último mês de janeiro, para saber o desempenho em redação de

alunos ingressantes. Obtivemos o seguinte resultado: de 34 redações de candidatos que

se inscreveram para vaga como alunos especiais, 22 (vinte e dois) textos receberam nota

menor do que 7,0 ou seja 64,70% não atingiram o conceito C. Isto só veio a confirmar o

que já notamos em correções de vestibulandos em anos anteriores.

Há sete anos trabalho na Universidade do Contestado – campus de Concórdia -

SC, como professora de Literatura Brasileira no Curso de Letras e de Língua Portuguesa

nos Cursos de Ciências Biológicas, Enfermagem e outros. Durante este tempo vimos

colhendo informações junto a nossos calouros quanto ao seu desempenho em leitura,

deduzido pelos seus trabalhos de paráfrases e resenhas críticas.

É possível afirmarmos que a maioria desses alunos se sente à vontade em

debates orais, ainda que freqüentemente distorçam fatos ou promovam outras discussões

que fogem à real intenção dos textos lidos em classe. As atividades de escrita são

recebidas com resistência, ou seja, muitos não gostam de escrever; e ainda: seus textos

demandam do professor um árduo trabalho de revisão. Há vários alunos que precisam de

aulas extraclasse, para revisão de seus textos, os quais apresentam sérios problemas,

por falta de coerência, coesão e respeito à ortografia do português.

Concordamos com Ângela Kleiman quando diz: “ um primeiro passo para a

formação de leitores é a sedução, tornando a atividade de leitura o mais atraente

possível... no entanto, as estratégias de aproximação ao texto são inúmeras, exigindo

diversos graus de engajamento cognitivo por parte do leitor.”1

Em resposta à pergunta “O que é a leitura?”2, Vincent Jouve, além de conceituar

as condições da atividade leitora, afirma que a leitura “é uma atividade de várias facetas”,

envolvendo vários processos, tais como: neurofisiológico, cognitivo, afetivo,

1 Contribuições teóricas para o desenvolvimento do leitor – teorias de leitura e ensino. In: Leitura eanimação cultural: repensando a escola e a biblioteca. Org. por Tânia M. K. Rösing & Paulo Becker,Passo Fundo:UPF, 2002, p. 27.2 A leitura. Tradução Brigitte Hervor. – São Paulo: Editora da UNESP, 2002, p.17 – 22.

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Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 3, II Semestre de 2005.

argumentativo, simbólico. É de Jouve também a afirmação de que o ato de leitura é um

ato solitário e o processo de leitura adotado depende do nosso objetivo com o texto.

O ensino de estratégias de leitura, que embora não suficientes para realizar o ato

de ler, são necessárias no ensino de leitura. Ângela Kleiman diz que as estratégias de

leitura:

“podem ser inferidas a partir da compreensão do texto, que por sua vez é inferidaa partir do comportamento verbal e não verbal do leitor, isto é do tipo de respostasque ele dá a perguntas sobre o texto, dos resumos que ele faz, de suasparáfrases, como também da maneira como manipula o objeto.” 3

Jouve4, baseando-se na síntese de Gilles Thèrien (por uma semiótica da leitura),

considera a leitura um processo com cinco dimensões, sendo: neurofisiológico, cognitivo,

afetivo, argumentativo, simbólico.

Nenhuma leitura é possível sem um perfeito funcionamento do aparelho visual e do

cérebro. Já neste estágio, a leitura é um ato subjetivo, pois que o movimento do olhar não

é linear e o espaço de memória do leitor oscila entre oito e dezesseis palavras. Diz Jouve,

repetindo o que assinala Richaudeau, quando o autor não respeita princípios de

legibilidade, deslizes semânticos podem ocorrer. Então o texto escrito, pode não ser o

texto lido.

No processo cognitivo, o leitor, depois de decifrar os signos, tenta entender do que

trata o texto. Para isto, é necessário um esforço de abstração. Diferentes atitudes podem

ser estabelecidas, ditadas pela complexidade ou não do texto. Se o texto é um romance,

cuja história prende o receptor, o leitor percorrerá as páginas até saber o final da história.

Se o texto for complexo, o leitor poderá sacrificar a progressão em favor da interpretação.

Em todos os casos, a leitura exige uma certa competência, um saber mínimo para

prosseguir.

Quanto ao terceiro processo citado, o afetivo, Jouve ressalta a importância das

emoções para leitura de ficção. Nosso interesse pelos personagens deve-se às emoções

que eles provocam em nós. A relação leitor/personagem torna-se forte, porque, ao

acompanharmos desilusões ou vitórias dos personagens, razões psicológicas e sociais

entram em jogo.

3 KLEIMAN, Ângela. Oficina de Leitura – teoria e prática. 7ª ed. Campinas – SP, Fontes Ed, 2000, p. 494 JOUVE, Vincent. A leitura. Trad. Brigitte Hervor. São Paulo: Editora UNESP, 2002

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Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 3, II Semestre de 2005.

Se a leitura exige, como diz Jouve, uma certa competência, um saber mínimo, e se

os professores tanto se queixam que tudo fazem para ensinar a ler, mas os resultados

não são animadores, não seria hora de perguntar sobre o ensino de leitura da Educação

Básica: que dimensões do processo da leitura está considerando? E ainda: qual política

de leitura as escolas de Educação Básica de Concórdia e região estão adotando?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JOUVE, Vincent. A leitura. Trad. Brigitte Hervor. São Paulo: Editora da UNESP, 2002.KLEIMAN, Ângela. Oficina de Leitura – teoria e prática. Campinas – SP: Pontes Editorada Unicamp, 2000.LEFFA, Vilson. Aspectos da Leitura – uma perspectiva psicolingüística. Ensaios –CPG Letras – Ufrgs. Porto Alegre- RS: Sagra Luzzatto. 1996.