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LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

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LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941):

O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941):

O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

NATAL/RN

2017

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ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941):

O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção

do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História.

Área de Concentração: História e Espaços.

Linha de Pesquisa: Cultura, poder e representações espaciais.

Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha.

NATAL/RN

2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes –

CCHLA

Antunes, Isa Cristina Barbosa.

Leprosário São Francisco de Assis (1923-1941): o espaço físico e

as práticas médicas / Isa Cristina Barbosa Antunes. - Natal, 2018. 195f.: il. color.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Pós-Graduação em

História.

Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha.

1. Leprosário - São Francisco de Assis - Rio Grande do Norte -

Dissertação. 2. Lepra - Dissertação. 3. História da doença -

Dissertação. I. Rocha, Raimundo Nonato Araújo da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94:614.217(813.2)

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ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941):

O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-

Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada

pelos professores:

_________________________________________

Professor Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha (UFRN)

Orientador

_________________________________________

Professor Dr. Gabriel Lopes Anaya (FIOCRUZ)

Examinador Externo à Instituição

__________________________________________

Professor Dr. Iranilson Buriti de Oliveira (UFCG)

Examinador Externo à Instituição

________________________________________

Professor Dr. Helder do Nascimento Vianna (UFRN)

Examinador Interno

Natal, 28 de agosto de 2017

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AGRADECIMENTOS

A produção deste trabalho contou com a colaboração de muitos amigos, mas quero

iniciar agradecendo a Deus, por ter guiado os meus caminhos e ter me dado perseverança na

conclusão dessa etapa da minha vida acadêmica.

Agradeço infinitamente ao meu orientador, Raimundo Nonato da Rocha, por ter

acreditado na minha proposta de trabalho, por ter me incentivado nos momentos mais difíceis e

por me tratar sempre de forma amigável durante as orientações.

Aos meus familiares, meus pais, Iris Cristina e Miguel de Albuquerque, e minha irmã

Eve Cristina, por ter entendido minha ausência nas reuniões familiares e os momentos de

estresse. Agradeço a compreensão e as palavras de incentivo nos momentos mais complicados.

Não poderia deixar de agradecer aos amigos que formam a base de pesquisa Os

Espaços na Modernidade, Cecil Guerra, Paulo Rikardo Fonseca, Pierre Macedo, Isabel Andrade,

Antônio Macena, Renno, e, em especial, Paulo Vitor Airaghi, por todos os momentos de conversa

e debate sobre as questões relativas à dissertação e pela ajuda na busca das fontes necessárias

para a produção da pesquisa.

Agradeço à Tainá Bandeira da Silva pela disponibilidade de ler o trabalho e contribuir

da melhor maneira possível, como também pela disponibilidade de tempo para conversar e ouvir

os dilemas que eu enfrentava.

Agradeço à Tatiana Barreto pelas conversas, pelos momentos de descontração e

palavras de incentivo.

Não poderia deixar de agradecer também a Luís Felipe, que me ajudou na produção

dos gráficos e das tabelas presentes nesta dissertação.

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RESUMO

Este trabalho objetiva analisar como ocorreu a construção e o funcionamento do Leprosário São

Francisco de Assis, entre os anos de 1923 a 1941. Construído em 1926 e inaugurado oficialmente

no ano de 1929, em uma área distante seis quilômetros da cidade de Natal, este espaço tinha a

função de isolar todos os leprosos notificados no Estado do Rio Grande do Norte. A lepra,

definida atualmente como doença crônica e bacteriológica, de notificação compulsória, durante a

década de 1920 fez parte do grupo das endemias que eram vistas como problema nacional. O

combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi

realizado através do isolamento compulsório dos doentes em leprosário ou colônias agrícolas.

Seguindo a Diretriz Nacional de Combate à Lepra, o Rio Grande do Norte edificou o Leprosário

São Francisco de Assis. Dirigido pelo Médico Varella Santiago, o leprosário foi construído para

oferecer aos doentes uma vida plena, com atividades de trabalho, de lazer e tratamento adequado.

Diante desses apontamentos, questiono: quais as razões para a construção desse isolamento?

Como esse espaço foi estruturado fisicamente? Quem foram os seus internos? Quais as práticas

desenvolvidas nesse espaço? O presente trabalho está baseado na articulação da História da

Doença e da história do Espaço, assim, meu objetivo é investigar as mudanças e permanências

ocorridas no espaço concreto, o Leprosário São Francisco de Assis, desenvolvidas no combate à

lepra. Para responder aos questionamentos propostos, utilizei como fonte: jornais publicados no

período de 1920 a 1950, publicados em diferentes cidades como: Rio de Janeiro, São Paulo,

Recife e Maranhão; documentos oficiais, como Decretos, Resoluções e Mensagem dos

Presidentes do Estado apresentadas na Assembleia Legislativa e documentos clínicos presentes

no arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

Palavras-chave: Leprosário São Francisco de Assis. Lepra. História da doença.

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ABSTRACT

This work aims to analyze how the construction and operation of the Leprosário São Francisco de

Assis, occurred between the years 1923 to 1941. Built in 1926 and officially inaugurated in 1929,

in an area distant six kilometers from the city, this space had the purpose of isolate all lepers

notified in the state of Rio Grande do Norte. Leprosy, currently defined as a chronic and

bacteriological disease, during the 1920’s, part of the group of endemic diseases that were viewed

as a national problem and should be compulsorily notificated. The fight against leprosy, regulated

by Decree No. 16,300, on December 31, 1923, was carried out through the compulsory isolation

of patients in leprosarium or agricultural colonies. Following the national guideline, against the

leprosy, Rio Grande do Norte built the leprosário São Francisco de Assis. Directed by Doctor

Varela Santiago, this Leprosarium was built to offer patients a full life, with activities of work,

leisure and proper treatment. In view of these points I asked what are the reasons for the

construction of this isolation? How was this space structured physically? Who were your

inmates? What are the practices developed in this space? The present work is based on the

articulation of the History of Disease and the history of Space, so my objective is to investigate

the changes and permanences that occurred in the concrete space, the Leprosário São Francisco

de Assis, developed in the fight against leprosy. In order to respond to the proposed questions, I

used as a source: newspapers from 1920 to 1950, published in different cities such as: Rio de

Janeiro, São Paulo, Recife and Maranhão; Official documents, such as Decrees, Resolutions and

Message of Governors presented at the Legislative Assembly; Clinical documents present in the

archive of the Leprosário São Francisco de Assis.

Keywords: Leprosário São Francisco de Assis. Leprosy. History of the disease.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Fotos do Lazarópolis do Prata, primeiro Leprosário do Brasil, 165

inaugurado em junho de 1924

Imagem 2: Fotos da construção de Leprosário São Roque, situado 166

no município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926.

Imagem 3: Foto da vista panorâmica do conjunto hospitalar do Leprosário 167

São Roque, situado no município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926.

Imagem 4: Foto da central telefônica do Leprosário Santo Ângelo, situado 168

no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo.

Imagem 5: Foto das casas destinadas aos casais do Leprosário Santo 169

Ângelo, situado no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo.

Imagem 6: Fotografia do Leprosário São Francisco de Assis, construído 170

no ano de 1925, em Natal.

Imagem 7: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1920 171

Imagem 8: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1930 172

Imagem 9: Ficha clínica de revisão dos pacientes da década de 1940 174

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Número de doentes notificados de lepra durante os anos de 1923 e 1929 46

Quadro 2: Movimento dos internos no Leprosário São Francisco de 70

Assis entre os anos de 1926 a 1930

Quadro 3: Faixa etária dos pacientes isolados no Leprosário São Francisco 88

de Assis entre os anos de 1926 a 1929

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS ....... 32

1.1 O Governo brasileiro e a construção dos leprosários .......................................................... 32

1.2 A atuação do Serviço de Saneamento Rural nos registros da lepra no Rio Grande do Norte.

................................................................................................................................................... 41

1.3 A lepra e a construção do Leprosário São Francisco de Assis nos jornais e nas ações das

políticas públicas ....................................................................................................................... 46

1.4 Os leprosários construídos no Brasil na década de 1920..................................................... 55

1.5 Construção e financiamento do Leprosário São Francisco de Assis. .................................. 60

1.6 Abertura do canteiro de obras do Leprosário São Francisco e Assis e a movimentação dos

seus internos. ............................................................................................................................. 68

1.7 Vila, leprosário ou colônia? ................................................................................................. 75

CAPÍTULO 2 O LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS E OS SEUS INTERNOS 80

2.1 Perfil dos pacientes .............................................................................................................. 81

2.2 Situação social e profissional dos internos ........................................................................ 100

2.3 As famílias isoladas do Rio Grande do Norte. .................................................................. 106

CAPÍTULO 3 AS PRÁTICAS MÉDICAS DESENVOLVIDAS NO LEPROSÁRIO SÃO

FRANCISCO DE ASSIS ........................................................................................................... 113

3.1 O doutor da ciência: Manoel Varella Santiago Sobrinho .................................................. 114

3.2 A entrada dos internos no Leprosário São Francisco de Assis. ......................................... 133

3.3 A prática profilática implantada no combate à lepra no isolamento potiguar. .................. 141

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 151

FONTES ..................................................................................................................................... 158

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 160

ANEXOS .................................................................................................................................... 164

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar como foi criado e mantido, na cidade de Natal, o

Leprosário São Francisco de Assis. Construído em julho de 1926 e inaugurado oficialmente no

ano de 1929, a área que abrigou esse leprosário estava distante seis quilômetros da cidade e tinha

a função de isolar os doentes acometidos pelo mal de Hansen que habitavam o estado do Rio

Grande do Norte. A meta é analisar essa instituição, respondendo as seguintes questões: quais as

razões para a sua construção? Quais as transformações ocorridas no espaço antes e depois da

construção? Quem eram os pacientes que moravam nessa instituição? Quem eram os médicos que

atendiam os pacientes? Quais as práticas desenvolvidas pelos médicos? Quais as bases científicas

para atuação dos médicos? Qual a relação mantida entre médicos e pacientes?

Ao tratar de um tema que, contemporaneamente, ainda é alvo de estereótipos e

preconceitos, torna-se importante ressaltar que, a partir da década de 1970, tem-se usado os

termos “hanseníase” e “hansenianos” para designar a doença e os portadores do Mycobacterium

leprae1. Essa terminologia, que tem sido usada a partir das últimas décadas do século XX,

resultou de uma proposta apresentada por médicos que tinham o objetivo de remover o estigma

que pesava sobre os portadores da doença. Entretanto, ao longo deste trabalho, usarei os termos

“lepra” e “leproso”, por serem mais apropriados ao recorte temporal por mim definido.

O estudo proposto está delimitado ao período compreendido entre 1923 e 1941. A

escolha por 1923 está relacionada ao fato de que nesse ano foi sancionado o Decreto nº 16.300,

de 31 de dezembro de 1923 2. Esse decreto – comumente denominado nos trabalhos acadêmicos

de Regulamento Sanitário – estabeleceu, entre outras diretrizes, a criação nos diversos estados de

leprosários ou colônias agrícolas, com o intuito de isolar os pacientes com lepra. A opção por

1941 ocorreu em razão de nesse ano ter sido aprovado o Decreto nº 3.171, de dois de abril de

1941. Por meio desse decreto, foi criado o Serviço Nacional da Lepra, órgão responsável pela

profilaxia da doença no território brasileiro, e pelo estabelecimento de novas diretrizes para o

combate da lepra.

1 Bactéria causadora da lepra, descoberta em 1874 pelo médico norueguês Gerhard Henrick Armauer Hansen.

2 Esse decreto aprovou o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, que, entre outras medidas,

definiu as regras para a construção dos leprosários e das colônias agrícolas em território brasileiro.

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Em 2013, fui convidada, pelo professor Raimundo Nonato Araújo da Rocha, a

trabalhar como bolsista em um acervo que havia chegado do Leprosário São Francisco de Assis.

Após iniciar esse trabalho de organização da documentação da instituição, alguns

questionamentos surgiram, a saber: quem eram os seus internos, quais os indivíduos escolhidos

para o isolamento, a origem dos doentes; as práticas médicas desenvolvidas – como ocorria o

tratamento, as substâncias químicas utilizadas, os médicos que atuavam na instituição; e a

trajetória do Leprosário São Francisco de Assis – como ocorreu a sua fundação, a sua construção,

e como foi desativado.

Essas questões me inquietaram e me levaram a pesquisar sobre essa instituição

médica. No decorrer da pesquisa e da organização do acervo do Leprosário edificado em Natal,

poucos subsídios surgiram, observei que existia uma escassez de estudos que abarcavam o

processo de profilaxia da lepra, bem como sobre a construção e o funcionamento do Leprosário

São Francisco de Assis.

De um conjunto de questões formuladas, optei por estudar especificamente como

aconteceu a construção do Leprosário São Francisco de Assis, quais as especificidades do prédio

construído, quem eram e como viviam os internos isolados e quais as práticas médicas

desenvolvidas no seio daquela instituição.

Para entender o que levou à construção do Leprosário São Francisco de Assis, se faz

necessário compreender que a lepra era um problema mundial e sua profilaxia seguiu algumas

particularidades no Brasil. A lepra pode ser definida como uma doença crônica,

infectocontagiosa, causada pelo mycobacterium leprae. Durante o século XX, o isolamento em

leprosários ou colônias foi a principal forma de tratamento, apenas com a descoberta da sulfona,

na metade do século XX, o quadro clínico, antes incurável, passou a ser revertido. O isolamento

no Brasil deixou de ser obrigatório apenas em 1987, com a poliquimioterapia3. Devido à

trajetória da doença, o nome lepra foi substituído na década de 1970 por Hanseníase, com o

objetivo de reduzir o estigma causado aos portadores da doença.

Estudar a lepra e os leprosos exigiu uma delimitação da minha investigação em torno

do objeto formulado. Assim, optei por estudar meu objeto a partir do conceito de espaço. Um

aspecto que favoreceu essa decisão foi a minha vinculação ao Mestrado em História da UFRN,

3 A poliquimioterapia consiste na utilização de um conjunto de compostos químicos (Rifampicina, Dapsona e

Clofazimina) voltados para o tratamento da Hanseníase.

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que tem o espaço, em sua dimensão histórica, como área de concentração. Todavia, é necessário

explicitar o sentido que esse conceito ganhará neste trabalho. Considero o espaço como produção

cultural, que ganha significado a partir das práticas instituídas e das simbologias construídas

pelos indivíduos.

Quatro dissertações vinculadas ao Mestrado em História da UFRN se dedicaram a

estudar a relação espaço e saúde: A construção da natureza saudável: Natal, 1900-1930; Maus

ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano; Sair curado para a vida

e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no complexo nosoespacial do hospital da

caridade Juvino Barreto (1909-1927); Curar, fiscalizar e sanear: as ações médico-sanitárias no

espaço público da cidade do Natal (1850/1889). O trabalho A construção da natureza saudável:

Natal, 1900-1930, tem por objetivo compreender as práticas e as representações construídas pelo

saber médico sobre a natureza, em Natal, durante as primeiras décadas do século XX. Em linhas

gerais, pode-se afirmar que Vieira analisa as principais transformações ocorridas no espaço da

cidade a partir dos discursos dos profissionais da saúde. A dissertação de Anaya4 – que tem como

título Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano – apresenta

uma investigação baseada na relação entre epidemias e espaço, especificamente a epidemia da

malária e os pântanos de Natal entre o ano de 1892 e 1932. Seu estudo utiliza a ideia de espaço

epidemiológico, para o autor, as práticas de epidemiológicas definem e ressignificam os espaços.

A dissertação de Silva5 – Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões

de força no complexo nosoespacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto (1909-1927) –

aborda o deslocamento espacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto para o monte Petrópolis,

reconstruindo as visões sobre o hospital e as transformações ocorridas nesse espaço hospitalar a

partir das ideias da ciência médica. A dissertação de Araújo6 – Curar, fiscalizar e sanear: as

ações médico-sanitárias no espaço público da cidade do Natal (1850/1889) – investiga como os

saberes científicos e as ações médicas e sanitárias transformaram o espaço público da cidade do

4 ANAYA, Gabriel Lopes. Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano. 2011. 214f.

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011. 5 SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no

complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em

História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Natal, 2012. 6 ARAÚJO, Avohanne Isabelle Costa de Araújo. Curar, fiscalizar e sanear: as ações médico-sanitárias no espaço

público da cidade do Natal (1850/1889). 2015. 137f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Natal, 2015.

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Natal a partir da análise de três aspectos principais: o exercício médico e farmacêutico, a

fiscalização desenvolvida nos gêneros alimentícios e o ordenamento urbano da cidade.

A construção do Leprosário São Francisco de Assis, em Natal, começou a ser

idealizada no ano de 1925, com o Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros, após

os óbitos registrados entre os anos de 1923 e 1925 e o aumento significativo das notificações

compulsórias. Diante dos dados registrados, o então Diretor do Departamento de Saúde Pública,

Manoel Varella Santiago, ordenou a construção de um espaço médico especializado para receber

os leprosos de acordo com os preceitos médicos modernos.

A partir de um estudo inicial, observei que esse espaço ganhou diferentes nomes e

vários significados durante a sua trajetória institucional. Recebeu o nome de Leprosário, colônia,

colônia agrícola e Hospital Dermatológico José Maciel. No final dos anos 1980, o Leprosário foi

totalmente desativado e algumas dependências foram destruídas. Atualmente, o prédio abriga o

almoxarifado da secretaria de saúde do Estado, sendo uma espécie de depósito. Antes entendido

como símbolo da modernidade, do progresso médico, espaço de diferentes histórias, atualmente

não exerce mais nenhuma simbologia na organização médica e espacial da cidade.

Esse estudo inicial foi realizado a partir da organização do arquivo da instituição

médica. O arquivo do Leprosário São Francisco de Assis conta com um vasto corpo documental

distribuído entre os anos de 1926 a 1998. Os documentos se dividem em dois grupos principais: o

primeiro deles compreende as fichas clínicas dos pacientes, histórico da doença, ficha de

evolução da enfermagem. Já o segundo grupo é composto por uma série de documentos

administrativos do hospital dos anos de 1980 e 1990. A partir da organização desse arquivo,

observei que era importante desenvolver um estudo sobre essa instituição, que marcou as práticas

médicas de combate a uma epidemia e demonstrou o pensamento médico de uma época.

A transformação de um espaço da cidade de Natal em leprosário teve a contribuição

de parcela da sociedade. A primeira ação para a materialização do isolamento foi a formação da

Comissão Central Pró-Leprosário, que se encarregou de angariar recursos para a construção do

edifício. Esses recursos foram obtidos por meio de doações e de festas organizadas por

associações beneméritas da capital, sobretudo as organizações religiosas. Todo o trabalho da

comissão teve o forte apoio dos jornais locais, que apresentavam esse espaço como primordial

para a manutenção da saúde potiguar. Esses elementos demonstravam que o Leprosário São

Francisco de Assis adquiriu significado entre a população como um espaço indispensável para a

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manutenção da saúde da cidade. Dessa forma, o leprosário ganhou significado a partir dos

elementos construídos em torno da sua função, primeiramente como um espaço desejado pela

população, espaço necessário para a manutenção da saúde da sociedade. E espaço significado por

membros da classe médica e da classe política potiguar, como espaço que representava a

materialidade das ideias modernas e inseria o Estado no projeto político de construção de uma

sociedade saudável.

O leprosário foi construído fora dos muros da cidade, com o objetivo de isolar todos

os doentes e proteger a população saudável do terrível mal de Hansen. Esse espaço deveria ficar

fora do cotidiano da cidade e, consequentemente, os seus internos deveriam se manter longe de

qualquer contato com o mundo externo. Os leprosos ficavam restritos ao espaço determinado

pelos muros da instituição e seu cotidiano passava a ser regido pelas regras e práticas

desenvolvidas no interior do isolamento. Com isso, posso afirmar que os internos do Leprosário

São Francisco de Assis vivenciaram e praticaram o espaço do leprosário de diferentes maneiras.

O Leprosário São Francisco de Assis ganhou significado a partir das práticas

desenvolvidas dentro da instituição de forma individual – médicos e internos –, e de forma

coletiva, a partir da construção do discurso de uma sociedade saudável e ideal proclamado nos

jornais e pelas políticas públicas.

Ao conceber o espaço como produção cultural que ganha significado a partir de

práticas instituídas, valho-me das ideias de Michel de Certeau7, para quem o espaço é praticado a

partir das vivências de cada indivíduo. Partindo dessa lógica, procurei identificar no Leprosário

São Francisco de Assis como o espaço foi praticado pelos diferentes sujeitos.

Ao mapear as teses e dissertações sobre a lepra que foram produzidas no Brasil,

percebi que alguns estudos estavam circunscritos a duas grandes abordagens historiográficas:

uma que analisa o estigma causado pela doença nos seus portadores e a outra que discute as

políticas públicas implantadas no combate a essa epidemia. Meu estudo foge a essa dicotomia e

procura investigar a relação entre a História da Doença e a História do Espaço. Nesse sentido,

procurei investigar as mudanças e permanências identificadas em um espaço concreto – o

Leprosário São Francisco de Assis – em razão de práticas nele desenvolvidas com o intuito de

combater uma doença.

7 CERTEAU, Michael. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008

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A saúde, a doença e a lepra na historiografia

Desde os tempos mais antigos, a lepra esteve presente entre a humanidade, sempre

ligada às conotações religiosas. Para entender o estigma dessa doença, analisei a obra de Curi8

que retrata a construção desse estigma. No período medieval, as manchas e as feridas no corpo do

doente eram a concretização do pecado, as marcas da doença eram entendidas como castigos

divinos. Os primeiros registros sobre a lepra são encontrados na Bíblia. Nessas escrituras a

doença apresenta grande ligação com o pecado e com a cura divina, como demonstram as

passagens religiosas. Nesses trechos a salvação é narrada como um ato de misericórdia. O autor

demonstra como essa ligação histórica da lepra com a religiosidade embasou intensamente o

estigma da doença consolidado durante a Idade Média. Esse estudo contribui para entender a

historicidade da doença e o estigma que a lepra causou sobre os seus portadores no Brasil. É

importante ressaltar que durante o período medieval a lepra englobava todas as doenças

dermatológicas, não havia distinção entre as doenças que ocorriam na pele, todas eram

identificadas como lepra.

No Brasil, a lepra foi uma doença que ganhou importância, sendo entendida como um

mal nacional durante o século XX. Devido a isso, foi tema de diversas ações do poder público e

médico. A tese de Costa9 apresenta as primeiras intervenções propostas pelo governo no combate

à lepra através do aparato institucional das leis e dos regulamentos. A autora analisa essa

regulamentação entre os anos de 1894, momento de criação do Laboratório Bacteriológico no

Hospital dos Lázaros, no Rio de Janeiro, e o ano de 1934, quando a Inspetoria de Profilaxia da

Lepra foi desativada. Através desse trabalho, entrei em contato com as primeiras intervenções

governamentais na profilaxia da lepra no Brasil.

Outro trabalho basilar para compreender as políticas públicas de profilaxia da lepra

foi a dissertação de Cunha10

. A autora demonstra como ocorreu a organização das políticas

públicas voltadas ao combate à lepra durante os anos de 1920 a 1945 e retrata como essa

8 CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976). 2002.

231f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Uberlândia,

Uberlândia, 2002. 9 COSTA, Dilma Fátima Avellar Cabral da. Entre ideias e ações: medicina, lepra e políticas públicas de saúde no

Brasil (1894-1934). 2007. 410f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal

Fluminense, Niterói, 2007. 10

CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920 e

1945). 2005. 151. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde,

Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005.

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17

inspetoria atuou. A principal medida profilática de combate a essa doença, segundo o

Regulamento Sanitário de 1923, era o isolamento compulsório dos doentes em colônias ou

leprosários e o acompanhamento médico dos seus familiares. Sem um tratamento específico para

combater o bacilo causador, o isolamento dos doentes foi a principal medida profilática utilizada

no combate à lepra, perdurando até o ano de 1962.

A autora também retrata que várias medidas e acordos foram realizados entre União e

Estado para combater a lepra. Um dos primeiros acordos estabelecidos foi com o estado do Pará,

que inaugurou a primeira colônia agrícola do país, chamada Lazarópolis do Prata, no ano de

1924. Além dessa colônia, outros isolamentos foram construídos no Paraná (O Leprosário São

Roque), e no Rio de Janeiro (o Hospital Colônia Curupaiti). Outros espaços hospitalares

destinados ao isolamento de doentes já existiam no país, construídos ainda durante o século

XVIII, como o Lazareto da Piedade, no Rio de Janeiro, e o Hospital dos Lázaros, na Bahia. É

importante destacar que os lazaretos eram locais de isolamento de diferentes doenças, não existia

uma especialidade médica nesses locais, somente com o Regulamento Sanitário de 1923 a

profilaxia da lepra ganhou instituições específicas.

O Leprosário São Roque foi um dos primeiros isolamentos de leprosos construído

segundo as novas ideias de profilaxia da lepra. Castro11

, em sua dissertação de mestrado,

apresenta a relação estabelecida entre as ideias de modernidade presentes na Primeira República

brasileira e a construção do Leprosário São Roque no Paraná. Este espaço hospitalar, construído

no ano de 1926, tinha como principal característica tornar o isolamento dos doentes prazeroso,

como explicava o Regulamento de 1923. Segundo as ideias presentes nesse regulamento, o

espaço destinado ao isolamento dos leprosos deveria oferecer o tratamento médico aos internos,

mas deveria ser também um espaço apropriado para a realização de diversas atividades. A ideia

era construir uma cidade dentro da cidade. O leprosário contava com oficinas, áreas para a

agricultura, igreja, cinema e outras dependências. Dessa forma, a autora analisa em quais

aspectos esse espaço hospitalar se enquadrava na política modernizadora presente no Brasil nesse

período, observando especialmente a arquitetura do isolamento e os seus espaços. Assim como o

Leprosário São Roque, o Leprosário São Francisco de Assis baseou a sua construção nas novas

ideias científicas que circulavam no Brasil. Esse trabalho contribuiu, entre outros aspectos, para

11

CASTRO. Elizabeth Amorim de. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da Hanseníase na

perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em

Geografia, Universidade Federal de Curitiba, Curitiba, 2005.

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realizar associações sobre os diferentes espaços de isolamento edificados no país.

Ainda sobre as políticas públicas de combate à lepra implantadas no território

brasileiro, o trabalho de doutorado de Maciel12

aborda tais políticas durante os anos de 1941 a

1962. A autora realiza uma extensa análise das políticas sanitárias de combate à lepra implantadas

a partir dos anos 1930 e enfoca as principais transformações ocorridas nos regulamentos, como a

criação do Serviço Nacional de Lepra e o fim da política isolacionista no ano 1962. Ela afirma

que, desde a desativação das inspetorias de profilaxia, instituída com o decreto de 1934, o

combate à lepra deixou de ser prioridade nacional, já que as Diretorias dos Serviços Sanitários

tinham diferentes atribuições nos Estados. O objetivo principal desse órgão era intervir na saúde

como um todo e não atuar exclusivamente no combate a uma doença específica como a lepra.

Somente com a implantação do Plano Nacional de Combate à Lepra a profilaxia contra essa

doença foi novamente direcionada. Esse plano objetivava centralizar e uniformizar as ações de

profilaxia e criar novos leprosários em todo o Brasil.

Outro trabalho importante no entendimento das políticas públicas de combate à lepra,

foi a dissertação de Santos13

. Ele aborda o combate à epidemia da lepra durante o período de

1934 a 1941, a partir da relação estabelecida entre filantropia e profilaxia da lepra muito presente

no Brasil. As ações filantrópicas foram de grande importância para a edificação de isolamentos e

a manutenção destes. Ao analisar a construção do Leprosário São Francisco de Assis, observei a

intensa participação de grupos filantrópicos na edificação do isolamento e na organização de

ações festivas destinadas ao leprosário potiguar.

Os trabalhos expostos até o presente momento, de maneira geral, abordaram as

políticas públicas de combate à lepra instaurada no Brasil a partir do século XX. Esses estudos

construíram o aparato institucional que alicerçou a edificação do Leprosário São Francisco de

Assis e as práticas médicas desenvolvidas nesse espaço médico.

É importante ressaltar que as políticas públicas sanitárias eram baseadas no discurso

científico do período. Oliveira14

apresenta uma análise das ideias e dos discursos higienistas

12

MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas

de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. 13

SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra:

Ministério Gustavo Capanema (1934-1935). 2006. 163 f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da

Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2006. 14

OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Fora da higiene não há salvação: a disciplinarização do corpo pelo discurso

médico no Brasil Republicano. Revista de Humanidades, Natal, MNEME, v. 4, n. 7, p. 14-29, fev./mar. 2003.

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presentes no Brasil nas duas primeiras décadas da República brasileira. Objetivo dos que seguiam

as ideias higienistas era construir cidadãos “ideais” para a sociedade republicana que se

consolidava. Esses discursos estiveram presentes em várias instituições, como Igreja, escolas,

hospitais, e para a sua consolidação foram utilizados diversos dispositivos de poder para

disciplinar o corpo familiar durante as primeiras décadas da República brasileira, entre eles o

discurso médico. Essas ideias sanitaristas também estiveram presentes no espaço doméstico, a

família carecia ser ordenada e higienizada, tanto no intelecto como nos hábitos físicos. Era

necessário “civilizar” a família para “civilizar” a pátria. O higienismo tinha como objeto de

atuação tanto o espaço físico da cidade como os hábitos desenvolvidos pelos seus habitantes.

Segundo esse pensamento científico:

A questão da doença ou de sua reprodução encontrava sempre como chave

explicativa o “meio-ambiente”. Nesta perspectiva, o “meio-

ambiente” era portador e o reprodutor das doenças. A única forma de eliminá-

la era atingindo e transformando este meio. O “meio-

ambiente” era a cidade, que precisava ser trabalhada para sobreviver aos males

que nela se reproduziam15

.

Era necessário controlar o meio ambiente, estabelecer novos serviços sanitários e

instaurar novos padrões de civilidade. As ideias higienistas que nortearam as interferências no

meio ambiente e na estrutura da cidade também foram visualizadas nos espaços hospitalares,

racionalizando o espaço físico e especializando as suas práticas médicas. O combate à lepra no

Brasil seguiu o discurso sanitário e médico de limpar e civilizar a sociedade. Criaram-se espaços

médicos especializados e diretrizes públicas específicas para a profilaxia da lepra.

Ao analisar a trajetória das políticas públicas sanitárias, observei que no período

colonial brasileiro a saúde pública nunca foi tema das ações da corte portuguesa. Nunes16

retrata

em seu trabalho que nesse período já ocorria o combate à lepra, à peste e o controle sanitário em

alguns espaços, como os portos, as ruas, as casas e as praias, mas estas ações tinham como base

controlar apenas o corpo infectado do doente. Somente no século XIX a preocupação do poder

governamental deixou de ter como eixo norteador o corpo do doente e se dedicou a promoção da

saúde, iniciando o processo de medicalização das instituições e dos espaços da cidade. Hospitais,

15

LUZ, Madel. Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituições de saúde (1850-1930). Rio de Janeiro:

Graal, 1982. p. 70. 16

NUNES, Everaldo Duarte. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Revista Ciências e Saúde

Coletiva [on-line], Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 251-264, 2000.

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cemitérios, escolas, quartéis, fábricas e prostíbulos passam a ser objeto da ação do poder

governamental.

Em seu trabalho, Silva17

apresenta que São Paulo e Rio de Janeiro foram as primeiras

cidades a construir um modelo de atenção à saúde pública. Essa preocupação com a saúde da

cidade pode ser verificada na atuação da Santa Casa de Misericórdia, sobretudo na cidade de São

Paulo. A atenção à saúde observada por Silva foi verificada nas transformações realizadas no

atendimento, nos relatórios e nos recursos financeiros destinados à Santa Casa de Misericórdia.

Com o crescimento da cidade de São Paulo, tanto populacional como econômico, as avaliações

de atendimento realizadas pela Santa Casa apontavam um crescimento de enfermos, sendo estes

provenientes de duas classes principais: estrangeiros e pobres. Esses dados significavam um risco

para a saúde da cidade. A presença da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo nos relatórios da

cidade, bem como a verba destinada pela assistência pública do governo a ela, colocava essa

instituição como central no atendimento da assistência pública. Para a autora, a assistência à

saúde realizada nesse espaço hospitalar evidenciava a importância das questões da saúde na

organização das questões da cidade antes que os temas do sanitarismo e da urbanização fossem

vistos como centrais na organização política. A atuação das instituições religiosas no campo da

saúde esteve presente em todas as partes do Brasil, realizando o trabalho que era para ser

desenvolvido pelo Estado.

Diferentemente de São Paulo, Natal não tinha na sua estrutura sanitária a presença da

Santa Casa de Misericórdia, o que permite concluir que o início da atenção à saúde pública foi

mais tardio na cidade potiguar. Estiveram presentes aqui as irmãs de caridade que atuaram em

diferentes espaços médicos, sendo de grande importância no funcionamento do Leprosário São

Francisco de Assis.

Além da presença das instituições religiosas na implantação das políticas de saúde, a

atuação dos médicos sanitaristas foi importante no trabalho de medicalização dos hábitos de

higiene da população. O trabalho de Fonseca18

reconstrói a visão de alguns profissionais que

atuaram no serviço de profilaxia das doenças venéreas no interior dos estados a partir dos anos

1930. Segundo a autora, as reformas na saúde pública influenciaram de forma ativa a formação

17

SILVA, Márcia Regina Barros da. O processo de urbanização paulista: a medicina e o crescimento da cidade

moderna. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 53, p. 243-266, 2007. 18

FONSECA, Cristina M. Oliveira. Trabalhando em saúde pública pelo interior do Brasil: lembranças de uma

geração de sanitaristas (1930-1970). Revista Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 393- 411, 2000.

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dos médicos na década de 1930 e essa geração contribuiu para a construção do aparato

institucional do período republicano. Assim, ela entende que o processo de institucionalização da

saúde pública nesse período possuiu ampla relação com a trajetória pessoal e profissional desse

grupo médico. Compreender o pensamento médico desse período foi importante para

dimensionar o papel desses profissionais na implantação das políticas sanitaristas e na atuação do

combate à lepra.

Outro trabalho importante para compreender a atuação dos médicos, em especial no

combate à lepra, foi a tese de Andrade19

. O autor analisa a trajetória e a atuação de Souza-Araújo,

antes de se tornar um dos grandes leprologistas do Brasil. A análise abarca o início de sua

carreira, as suas nuances dentro da sociedade e as suas possibilidades profissionais, contrariando

a imagem que se construiu sobre esse médico. Souza Araújo foi um dos responsáveis pela

edificação do Lazarópolis do Prata, no Pará, primeira colônia agrícola fundada no Brasil. Assim,

entender o médico Souza Araújo, sua carreira, suas ideias médicas, contribuiu para compreender

o pensamento que embasou a construção dos leprosários do Brasil e em especial o Leprosário São

Francisco de Assis. Neste trabalho, esse espaço de isolamento é entendido como uma instituição

total, como classifica Erving Goffman20

.

Para esse autor, as instituições totais são espaços que impõem uma barreira entre os

internos e o mundo externo, que apresentam um mesmo espaço para todos os aspectos da vida,

com horários fixos e padrões a serem seguidos. Essa característica define as instituições de

isolamento, sejam leprosários, colônias, manicômios ou prisões. Essas instituições também

realizam o que Goffman chamou de mortificação do eu, como descreve no momento da admissão

dos internos.

Obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais,

atribuir números, procurar e enumerar bens pessoas para que sejam guardados,

despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos, distribuir roupas da instituição,

dar instruções quanto a regras [...]21

.

Ao entrar no Leprosário São Francisco de Assis, podemos afirmar que o interno

deixava de ser um membro da sociedade para se transformar em um número, uma porcentagem

19

ANDRADE, Marcio Magalhães de. Capítulos da história sanitária no Brasil: a atuação profissional de Souza

Araújo entre os anos 1910 e 1920. 2011, 210f. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação

Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011. 20

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. 21

Idem, 1974. p. 25.

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22

negativa nos dados de epidemiologia. As instituições hospitalares são entendidas como

instituições totais, já que os internos passam a seguir normas e condutas, eles sofrem diferentes

tipos de enquadramento e mortificação do eu. São instituições onde existe uma rede complexa de

relações sociais, regras e linguagem próprias. Assim, O leprosário é analisado como espaço

complexo de intensa relação entre os internos e entre internos e equipe dirigente, com códigos e

ajustamentos secundários próprios.

Modernidade e cultura política na construção do Leprosário São Francisco de Assis

A República brasileira se estabeleceu em meio a grandes transformações no campo

econômico, político e cultural, advindos da Revolução Industrial e da Revolução Científico-

Tecnológica. Surgiram novos potenciais enérgicos e novas áreas de estudos, sobretudo ligadas à

medicina, como farmacologia, microbiologia e bacteriologia. Os novos processos científicos e as

novas ideias modernizadoras estiveram presentes no discurso da elite política e intelectual

brasileira, desejosa de acabar com qualquer elemento que a conectasse com o antigo regime

político. Durante toda a primeira República brasileira, a elite política interferiu no processo de

organização da cidade, na formação de novos sistemas culturais e da medicalização das doenças e

dos doentes baseada nas ideias de modernização da sociedade brasileira22

. A construção e as

práticas médicas desenvolvidas no Leprosário São Francisco de Assis se inscrevem dentro das

ideias de modernidade implantadas no Brasil. Os discursos médicos colocaram o combate à lepra

como uma das principais ações modernizadoras do período. Dessa forma, o conceito de

modernidade é central para compreender os discursos e práticas realizadas na idealização e na

construção desse espaço médico em Natal durante os anos 1920.

A modernidade tinha como base a transformação das antigas estruturas, políticas,

econômicas e culturais, e a instalação de uma sociedade calcada nas novas ideias científicas,

inspiradas no Darwinismo social, no Positivismo de Augusto Comte e no determinismo de

Lombroso. Essas ideias da modernidade ressignificaram os espaços da cidade e estabeleceram

novas relações entre poder institucional e saber médico. Elas deram o tom do discurso de

22

SEVCENKO, Nicoloau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: SEVCENKO,

Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3.

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23

formação de uma cidade saudável, limpa, isolando o louco, vacinando o doente e expulsando os

desviantes.

O discurso proferido pelo saber médico a partir dos ideais de modernidade foi

incorporado pelo poder político, se fazendo presente em diferentes instituições, como escolas,

portos, feiras, matadouros e espaços hospitalares. Ele interferiu na organização da sociedade, nos

hábitos e nos costumes da população brasileira. O processo de modernização da sociedade,

derivado dos novos saberes médicos e da presença da cientificidade na organização da cidade

contribuíram para a emergência, de diferentes instituições médicas especializadas, como os

leprosários e as colônias. Entendemos esses espaços médicos como intervenção do poder público

no processo de organização da cidade saudável e no estabelecimento de uma nova cultura política

sanitária, baseada nas ideias higienistas e modernizantes.

A aliança entre o poder político e o saber médico ressignificou as práticas médicas,

estabelecendo novas relações entre a doença e a saúde, entre a ciência e a feitiçaria, contribuiu na

construção de espaços especializados e discursos que normatizaram as atividades da vida

cotidiana, as políticas públicas sanitárias e, consequentemente, o combate à lepra. Novas relações

foram instituídas entre saber médico, poder governamental e sociedade, novas práticas foram

estabelecidas nas escolas, nos hospitais, na limpeza pública, no papel das mães e da família.

Estabeleceram-se novas práticas culturais na sociedade brasileira, uma nova cultura, médica,

sanitária e política, foi implantada.

O termo cultura utilizado neste trabalho ganhou diferentes significados nas

abordagens historiográficas. Inicialmente, esteve ligado ao cultivo de vegetais e à criação de

animais e, por extensão, ao cultivo da mente humana. A partir da introdução do termo cultura nos

estudos da antropologia comparada, seu conceito foi ampliado no sentido de entender que não

existe uma única cultura na sociedade, mas culturas que coexistem no mesmo espaço e na mesma

temporalidade.

Segundo Raymond Williams, o termo cultura pode ser entendido como “[...] modo de

vida global distinto, dentro do qual se percebe, hoje, um sistema de significações bem definido

não só como essencial, mas como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade

social”23

. Dessa forma, entendemos que durante o processo de implantação da modernidade

23

WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 13.

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brasileira, uma nova maneira de se relacionar com a doença e com o doente foi implantada a

partir do discurso médico, criando novos espaços, novos estigmas, novas práticas médicas.

Para alguns teóricos da história cultural, as produções realizadas na década de 1970 e

1980 podem ser demarcadas pelo que se intitula de Nova História Cultural. Para Burke24

, essa

Nova História Cultural teve influência da sociologia e da antropologia, das confluências dos

estudos produzidos na Europa e nos Estados Unidos. Essas produções culturais surgiram como

resposta à expansão do sentido de cultura, sendo caracterizada pelo zelo com a teoria. Diferente

de Burke, Roger Chartier afirma que a produção da História Cultural foi desenvolvida a partir da

oposição às abordagens produzidas pela história das mentalidades. Esse seria um termo muito

ambíguo para retratar os elementos psicológicos e os elementos sociais de um determinado

espaço. Além dessa crítica ao termo história das mentalidades, ele também questiona a forma

linear como as produções culturais eram retratadas25

. Para o autor, as produções realizadas antes

dos anos 1980 não tinham unidade, como também não apresentavam elementos metodológicos

suficientes para o embasamento das produções culturais.

Diferentemente de Chartier, Pesavento26

afirma que a Nova História Cultural é um

desmembramento da história social e as suas investigações vêm somar com as abordagens já

presentes, tendo como um dos campos teóricos a representação. Ela entende que a própria

produção da história cultural não passaria de representações de uma determinada sociedade.

Dois conceitos são importantes ao retratar a História Cultural: práticas e

representações. Segundo Barros27

, as práticas culturais são as formas como as diferentes

sociedades reagem a diferentes ações, seja do ponto de vista do aspecto político, econômico ou

social. As práticas seriam

[...] não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade

de ensino, mas também os modos como, em uma dada sociedade, os homens

falam e se calam, e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem,

solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou

recebem os estrangeiros28

.

24

BURKE. Peter. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 25

BURKE. Peter. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 26

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. Revista Estudos

históricos, Rio de Janeiro, v .8, n. 16, p. 279-290, 1995. 27

BARROS, José D’Assunção. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual e seus

diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n. 16, p. 6-38, 2011. 28

Idem, 2011. p. 47.

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25

Com base na definição de práticas culturais, analisar o processo de isolamento dos

leprosos em espaços delimitados e construídos para esse fim a partir da História Cultural consiste

em indagar além dos aspectos relativos à arquitetura, ou ao processo de construção, mas

compreender o discurso proferido sobre esse isolamento, sobre a doença, compreender as práticas

médicas instauradas e quem eram os sujeitos que o integravam e como viviam os doentes.

O segundo conceito, as representações, está estreitamente ligado às práticas. As

representações geram práticas, assim como as práticas geram representações, ou seja, não existem

práticas que não sejam produzidas pelas representações.

A consolidação da classe médica como os grandes salvadores da pátria no século XX,

como formadora da nova sociedade brasileira, foi essencial na consolidação das ideias de

modernização do país e, consequentemente, nas representações construídas em torno da lepra e

da sua profilaxia (baseada no isolamento compulsório dos doentes em leprosários e colônias).

Nesse sentido, podemos dizer que o grupo médico se consolidava na sociedade como um

importante grupo social, com local de fala e atuação bem determinados.

Os discursos médicos, proferidos sobre a necessidade de construção de um leprosário,

a necessidade de exclusão dos leprosos do convívio com o saudável, a presença do saber médico

nas diversas instituições, como escolas e entidades filantrópicas, demarcaram o poder das novas

ideias higiênicas e o poder médico na sociedade, demonstrando a participação dessas instituições

na construção do isolamento em Natal.

O discurso produzido por diferentes grupos e atores sociais durante o combate à

lepra, nas primeiras décadas do século XX, é entendido neste trabalho como uma narrativa

cultural. O combate à doença e a busca pela saúde criaram novas práticas médicas profiláticas e

novos espaços hospitalares, como o Leprosário São Francisco de Assis. Para entender o processo

de edificação do isolamento em Natal, bem como as práticas médicas realizadas nessa instituição,

utilizei o conceito de cultura política. O estudo do político do ponto de vista cultural é importante

porque possibilita compreender os atos dos homens, os sistemas de valores, as crenças, as

normas, as representações da sociedade. O combate à lepra no Brasil fazia parte de um conjunto

de ações políticas que envolvia diferentes atores sociais.

O termo Cultura Política surgiu da aproximação entre os elementos culturais e os

elementos políticos. O alargamento do conceito de cultura possibilitou novas análises baseadas na

abordagem cultural, como as análises políticas. Esse termo foi utilizado pela primeira vez nos

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26

anos 1960, com os trabalhos de Gabriel Almond e Sidney Verba, os estudos tinham como

objetivo compreender os aspectos subjetivos ligados aos ideais políticos presentes nas sociedades

contemporâneas29

.

Jean-François Sirinelli30

define cultura política como um conjunto de símbolos e

códigos, seja em uma tradição política ou um partido. Assim, existem várias culturas políticas em

um mesmo espaço, se relacionando entre si e criando novas culturas e novas ideias. Berstein31

retrata que a cultura política permite adaptar as diferentes complexidades dos comportamentos

humanos dentro da sociedade, já que existe uma pluralidade de culturas políticas convivendo no

mesmo tempo e espaço. A República brasileira, especificamente entre os anos de 1910 a 1930,

pode ser caracterizada pela pluralidade de grupos políticos que atuavam em diferentes espaços,

grupos com culturas políticas diversas que se mesclavam e se adaptavam entre si. O processo de

implantação do leprosário, bem como as práticas de combate à lepra, tornou-se parte do plano de

governo, no qual o saber médico e o poder político se entrecruzavam em Natal. O combate à

epidemia da lepra tornou-se um elemento indispensável para a efetivação das políticas sanitárias

e símbolo da preocupação política do período.

O conceito de cultura política é utilizado neste trabalho para defender a ideia de que a

ação do poder público e o discurso médico, através dos seus agentes, presente nas primeiras

décadas do século XX, possuía uma cultura política própria, proveniente do grupo político que

fazia parte, do conceito de modernidade que defendiam e do local de fala.

As culturas políticas surgem de uma necessidade da social, uma resposta aos

problemas enfrentados. Nas primeiras décadas do século XX, as estruturas sociais brasileira

sofreram transformações importantes na sua forma política, na concepção do que seria uma

sociedade ideal, da relação entre saúde e poder político. Esses elementos propiciaram a

construção de novos elementos culturais, em especial o fortalecimento do poder médico nas

estruturas políticas e o desenvolvimento do conceito de saúde.

As culturas se materializam por meio dos discursos e dos símbolos. O discurso,

como portadores das ideias, da materialização da sua identidade, e os símbolos, no nível dos

gestos e das representações visuais das ideias. Portanto, se faz de grande importância analisar as

29

BARROS, José D’Assunção. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual e seus

diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 12, n. 16, 2011. 30

BERSTEIN, Sérgio. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma história

cultural. Lisboa: Estampa, 1998. 31

Idem, 1998.

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práticas e os discursos presentes nas primeiras décadas na cidade do Natal no processo de

construção e no funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis.

Esse isolamento tornou-se um importante espaço médico da cidade, local de

simbologias e de práticas. O espaço é uma instância que recebe diferentes significados nos

trabalhos científicos, aqui utilizaremos a ideia de espaço como produção cultural, que ganha

significado a partir das práticas instituídas e das simbologias construídas pela sociedade e pelos

seus praticantes. Para Certeau, o espaço é praticado e experenciado pelos indivíduos de diferentes

formas32

. Utilizo a sua ideia de espaço praticado no sentido de afirmar que cada interno vivenciou

o isolamento e experenciou os diferentes espaços da instituição de forma singular. Médicos,

pacientes e funcionários praticaram o espaço e criaram simbologias próprias sobre a instituição

de isolamento.

As cidades são organizadas segundo o discurso dos não praticantes do seu espaço, a

partir da visão dos planejadores, seguindo um plano racional, excluindo do campo de visão

qualquer poluição ou mal que pudesse prejudicar a cidade ideal e a formação de um sujeito único,

modelar. A cidade republicana, baseada nas ideias de modernidade, foi planejada para se

transformar na cidade ideal, limpa, moderna, racional, com indivíduos civilizados. Ela instaurou

uma nova ordem simbólica, uma cidade conceito, com novos espaços. Natal sofreu o processo de

organização do seu espaço, sendo exaltado o que era tido como saudável e excluindo-se o que era

impuro e doente. O Leprosário São Francisco de Assis inseriu-se nessa organização, sendo o

espaço da exclusão dos impuros, dos leprosos.

O Leprosário São Francisco de Assis e as suas fontes

O trabalho de investigação da História situa-se entre o tempo do objeto e o tempo do

investigador33

. Essa afirmação da historiadora Carla Boto leva-me a pensar sobre a produção

histórica e as interferências que essa escrita sofre no tempo e no espaço em que está inserida.

Dessa forma, não é intenção deste trabalho abarcar todos os aspectos relativos ao combate à lepra

no Rio Grande do Norte, mas trata-se de uma produção pertencente ao seu tempo.

32

CERTEAU, Michael. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008. 33

Para mais informações, ler: BOTO, Carla. Nova história e seus velhos dilemas. Revista USP, São Paulo, n. 24, p.

23-33, 1994.

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O campo de investigação da história da saúde e da doença é bastante amplo, com

diferentes abordagens e enfoques, no entanto, as pesquisas referentes à História da Saúde e da

Doença sobre o Rio Grande do Norte ainda se encontram em menor número. Diante das questões

propostas, foi necessário realizar uma pesquisa bibliográfica ampla sobre as trajetórias médicas

no início da República, conhecer outros leprosários construídos no Brasil, se debruçar sobre as

políticas de combate à lepra instauradas em diferentes temporalidades. Essas informações,

obtidas a partir da leitura sistematizada desses temas, foram de grande importância, pois

possibilitaram fechar algumas lacunas deixadas pela documentação a que tive acesso e também

compreender a organização institucional à qual o Leprosário São Francisco de Assis estava

subordinada.

O combate à lepra fez parte da política sanitária nacional, estando presente em todo o

território brasileiro. Assim, a lepra, como outras doenças entendidas como problema nacional,

ganharam uma atenção especial das políticas públicas em diferentes temporalidades, com

inspetoria própria, congressos, notificação compulsória e tratamento específico. Dessa forma, é

importante compreender a construção do aparato institucional elaborado para combater o grande

mal que assolava o país. Diante dessa questão indago: quais eram os órgãos institucionais

presentes nesse período? Quais os regulamentos e leis que organizavam o serviço de combate à

lepra e a instalação do Leprosário São Francisco de Assis? Quais os dados oficiais sobre os

doentes?

Para responder a esses questionamentos, utilizamos um conjunto documental de

natureza administrativa que engloba discursos médicos – participantes da Comissão Pró-

leprosário, principais leprologistas e participantes dos congressos médicos durante os anos de

1923 a 1941; fala dos principais agentes políticos, presidentes do Estado, diretor do

Departamento Nacional de Saúde, diretor do Leprosário São Francisco de Assis e de outras

instituições médicas; leis, decretos e resoluções que demarcaram e regulamentaram o isolamento

dos doentes; mensagem dos Presidentes do Estado do Rio Grande do Norte.

Além do aparato institucional, foi importante compreender os discursos presentes na

construção do Leprosário São Francisco de Assis, observando: quem idealizou; quais os recursos

utilizados; como a sociedade participou dessa construção. Dessa forma, utilizamos os jornais de

diferentes localidades publicados no período entre os anos de 1910 e os de 1950, para

compreender as falas e os discursos retratados pelos médicos e pelo poder público e entender

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como a construção e o funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis foram demonstrados

e enfatizados nesses períodos.

Outro conjunto documental utilizado foram os documentos presentes no arquivo do

leprosário. Esse arquivo conta com uma vasta documentação que compreende um recorte

temporal de 1926 até 1998. A partir do estudo dessa vasta documentação, pude compreender, de

forma mais ampla e aprofundada, funcionamento do hospital e quem eram seus internos.

Esse arquivo apresenta dois tipos de documentos principais: o primeiro deles

corresponde aos documentos administrativos, como dados dos funcionários, transações

financeiras, dieta alimentar dos internos e projetos sociais implantados na instituição. O segundo

grupo de documentos corresponde aos prontuários médicos dos pacientes, que denominei de

prontuários médicos. Esse corpo documental foi objeto de análise deste trabalho. Ele é formado

por uma série de documentos de distintas temporalidades e com diferentes nomenclaturas: ficha

clínica dos pacientes dos anos de 1926 a 1930, que corresponde aos primeiros internos da

instituição. Ela apresenta nome do paciente, idade, local de origem, como contraiu a doença, os

primeiros sintomas, profissão e o resultado do exame da mucosa nasal com o tipo de bactéria que

o indivíduo estava contaminado; fichas clínicas de 1930 a 1960, fichas dos pacientes que foram

internados nesses anos, registram as principais características do doente, nome, idade, altura,

estado civil, situação da doença. Diferente das primeiras fichas, essas possuem a preocupação de

registrar a situação social do indivíduo, o tipo de casa, profissão que exercia e todo o antecedente

familiar do doente.

Além desses documentos, também estão presentes dois tipos de fichas de avaliações

médicas dos doentes produzidas entre os anos 1930 a 1960: O primeiro grupo é formado por um

conjunto de fotografias, o qual demonstra as principais deformidades físicas causadas pela

bactéria e o tipo de tratamento a que o paciente foi submetido. O segundo tipo corresponde às

avaliações realizadas pelos médicos no corpo dos doentes através de desenhos e símbolos que

demonstram o grau e a evolução da incapacidade do corpo.

Por meio do estudo desse corpo documental, pude identificar quem foram os internos

dessa instituição, qual a situação econômica, quem eram os seus familiares, qual o período de

entrada e de saída, quantas fugas foram registradas. Também foi possível investigar as práticas

médicas desenvolvidas no interior do isolamento, observando alguns aspectos como: os

procedimentos para a elaboração do diagnóstico do doente, os exames realizados, os médicos

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presentes nessa instituição, o tratamento desenvolvido, a forma como os enfermos contraíam a

bactéria, os níveis de infecção, os níveis de incapacidade física, o período de permanência na

instituição, altas hospitalares.

Entre os documentos que englobam o que denominei de prontuário médico, também

há fichas de notificação compulsória dos anos de 1920 e 1930. Apesar de ser formada por um

grupo reduzido de fichas, a análise desses documentos possibilitou compreender como ocorria a

notificação dos leprosos no Estado, quais os dados registrados, quem foram os doentes

notificados e quem realizava a notificação dos casos de lepra denunciados.

O arquivo ainda conta com fotografias do período da inauguração das dependências

do Leprosário São Francisco de Assis e das casas ocupadas por alguns internos. A planta baixa do

isolamento datada da década de 1970 apresenta o modelo arquitetônico do leprosário e as várias

interferências arquitetônicas realizadas em suas dependências. Esses documentos foram

utilizados para compreender os elementos físicos presentes no seu edifício, as partes que

formavam o isolamento, como eram as dependências e as suas estruturas.

A análise desse corpo documental também nos apresenta outra questão, as diferentes

nomeclaturas que essa instituição adquiriu durante a sua trajetória. No primeiro momento, foi

chamada de Leprosário, logo após Colônia São Francisco, Colônia Agrícola e Vila São

Francisco. É importante investigar a relação dessas denominações com o tipo de tratamento

realizado, a política nacional de combate à lepra implantada e o conceito médico do isolamento.

Entendemos que todas as fontes utilizadas neste trabalho possuem um local de fala e

uma intencionalidade ao ser produzida. Não existe trabalho de História sem a análise das fontes e

sem as perguntas que o historiador realiza. No processo de análise do material, respeitamos o

local de produção e a sua intencionalidade, já que os documentos históricos são fruto da prática

social da sociedade que o produziu.

O presente trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo, A construção

do Leprosário São Francisco de Assis, aborda a construção do Leprosário São Francisco de

Assis, procurando responder as seguintes questões: qual o local escolhido para instalação do

leprosário? Por quê? Quem financiou a construção? Qual o modelo arquitetônico empregado?

Quais as suas dependências e como foram construídas? Existiam semelhanças entre o Leprosário

São Francisco de Assis e os demais leprosários no Brasil?

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O segundo capítulo, Os internos do Leprosário São Francisco de Assis, discute quem

foram os sujeitos que vivenciaram o isolamento compulsório no Leprosário São Francisco de

Assis. Dessa forma, buscamos compreender quem eram os internos, qual a sua origem, a situação

econômica, a profissão que exercia, quantos anos permaneceram na instituição, quem era a

família, qual o tipo de acomodação tinha no leprosário.

O terceiro e último capítulo, As práticas médicas desenvolvidas no Leprosário São

Francisco de Assis, busca compreender quem foram os profissionais que atuaram no isolamento,

qual o pensamento desses médicos, quais as práticas médicas utilizadas, como ocorria a

identificação dos doentes, de que forma eram realizados os exames, o diagnóstico e a evolução

dos enfermos.

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CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS

Durante a década de 1920, a profilaxia da lepra esteve no centro da política de saúde

nacional, o combate a essa doença baseava-se no isolamento dos doentes em leprosários e

colônias agrícolas. Assim, em vários estados do Brasil, teve inicio o processo de notificação

compulsória dos doentes e a edificação de espaços destinados a isolar os leprosos presentes entre

a população. Diante das diretrizes nacionais de combate ao mal de Hansen, o estado do Rio

Grande do Norte necessitou organizar políticas públicas que o inserisse nas novas ideias

sanitárias, entre elas ações que visassem combater a lepra.

Ao investigar as condições sanitárias e higiênicas do Rio Grande do Norte, verifiquei

que a lepra não estava entre as moléstias historiadas que atingiam fortemente a população. Os

problemas sanitários mais corriqueiros eram as doenças do aparelho digestivo, febre tifoide, febre

amarela, a mortalidade infantil, entre outras. Apesar dessa ausência de um elevado registro de

pessoas contaminadas com o bacilo de Hansen, existiu no Rio Grande do Norte, ainda durante a

década de 1920, um conjunto de ações direcionadas para o combate à lepra, entre elas a

edificação do Leprosário São Francisco de Assis. Diante disso, algumas questões surgiram: como

a política nacional de saúde influenciou as ações e as ideias da política estadual? Quantos

leprosos existiam no Rio Grande do Norte? Como os jornais noticiaram a presença da lepra no

Estado? Como iniciou o processo de edificação do leprosário? Qual o local escolhido para a

prática do isolamento? Quais os recursos financeiros utilizados?

Dessa forma, o capítulo apresenta como objetivo analisar a implantação da política

nacional de combate à lepra, quais os mecanismos utilizados pelo Estado para conhecer e

combater os doentes de lepra. Além disso, analisa o percurso de construção do Leprosário São

Francisco de Assis no Rio Grande do Norte, enfatizando os discursos dos Presidentes de Estado,

o discurso da classe médica potiguar, os estágios da edificação do isolamento e a movimentação

dos seus internos.

1.1 O governo brasileiro e a construção dos leprosários

A lepra começou a ser objeto da atenção sistemática por parte de médicos e do Estado

brasileiro a partir dos anos 1920. Um marco importante desse processo foi a publicação do

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Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 192034

, que criou o Departamento Nacional de Saúde

Pública. Vinculada a esse departamento, foi criada a Inspetoria de Profilaxia da Lepra35

, que

intensificou a campanha contra a doença em todos os estados brasileiros. A construção dos

leprosários nos estados fez parte de um projeto modernizador que vislumbrava a saúde como

essencial na construção de uma sociedade saudável e civilizada. No Rio Grande do Norte,

especificamente, uma das medidas tomadas para o combate à lepra foi a construção, em 1926, do

Leprosário São Francisco de Assis.

No Brasil, desde o século XIX, podem ser identificadas medidas sanitárias, tais

como: a criação de espaços médicos (hospitais e isolamentos); de regulamentos (que

determinaram, por exemplo, a notificação compulsória das doenças transmissíveis (1902) e a

instituição da obrigatoriedade da vacina contra a varíola (1904)); e de alguns órgãos públicos

(tais como a Diretoria Geral de Saúde Pública (1897) e o instituto soroterapêutico Municipal

(1900)36

. Esses órgãos públicos funcionavam sobretudo nas grandes cidades, como o Rio de

Janeiro, e controlavam estaticamente os pacientes e as doenças, além de notificar os enfermos nos

casos de doenças contagiosas. Já nas áreas mais distantes dos centros políticos, como o nordeste

do Brasil, como afirmou Oliveira, as reformas sanitárias tonaram-se mais efetivas durante a

década de 1920.

Comparativamente, os Estados do Nordeste ficariam muito aquém da referência

sanitária que vivenciaram Rio de Janeiro e São Paulo. Mesmo a Bahia, um dos

mais populosos Estados do Nordeste, e visto como um locus tradicional em

educação médica, em virtude da Faculdade de Medicina aí instalada, não teve

uma reforma sanitária expressiva até a década de 20 [...]37

.

Em Natal, particularmente, a adoção dessas medidas era tímida. A precariedade das

condições de saúde estava expressa tanto na ausência de hospitais adequados, quanto na

34

BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920. 35

Inicialmente, essa divisão foi denominada Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas.

Posteriormente, foi transformada em Inspetoria de Profilaxia da Lepra. 36

SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no

complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em

História) – Departamento de História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012, p. 47. 37

OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Fora da higiene não há salvação: a disciplinarização do corpo pelo discurso

médico no Brasil Republicano. Revista de Humanidades, v. 4, n. 7, p. 14-29, fev./mar. 2003.

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inexistência de órgãos que controlassem os dados numéricos sobre as doenças e os enfermos,

desrespeitando o que determinava o Decreto Federal de 190438

.

Por essa linha de pensamento, pode-se inferir que, se nesse período não havia uma

política sistematizada de saúde para o país, não havia também medidas de monitoramento e de

profilaxia para controlar uma doença específica como a lepra. No que concerne especificamente à

lepra, não havia um acompanhamento sistemático da doença, sobretudo, nas pequenas cidades,

como era o caso de Natal. Por essa lógica, que a ausência de registros médicos e de órgãos que

acompanhassem os dados acerca dos doentes pode ter gerado a informação de que não havia

casos de lepra no Rio Grande do Norte antes da década de 192039

.

Há notícias da presença da lepra no território brasileiro desde o período colonial,

sobretudo em São Paulo e Minas Gerais40

. Todavia, até os primeiros anos do século XX, quando

se tornou um problema sanitário nacional, a lepra não era vista como uma grande epidemia,

outras doenças – como a sífilis, a varíola e a tuberculose – causavam mais preocupação às

autoridades. Apesar de haver registros em 190441

de discursos médicos, como o de Osvaldo Cruz,

que defendiam a construção de lugares apropriados para o isolamento e o abrigo dos leprosos,

não existia uma regulamentação que responsabilizasse o Estado por essa ação. Em geral, o que os

médicos defendiam era que os leprosos deveriam ser atendidos pelos setores caridosos da

sociedade. Nesse sentido, é importante afirmar que até a década de 1910 o Movimento Sanitário42

ainda não havia inserido essa epidemia como problema nacional a ser enfrentado pelo Estado43

.

Segundo Cabral, somente com o crescimento alarmante de casos de lepra nos

diversos estados brasileiros, a partir da década de 1920, a epidemia passou a exigir uma política

38

Decreto Federal nº 1.151, de 5 de janeiro de 1904. Esse Decreto Reorganiza os serviços da hygiene administrativa

da União. 39

Os primeiros casos de lepra no Rio Grande do Norte são notificados em 1923. 40

Vários autores se referem à presença dessa doença em diferentes períodos históricos. Entre eles, pode-se citar

CUNHA, Vivian da Silva. Isolados “como nós” ou isolados “entre nós”?. História, Ciências, Saúde –

Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 939-954, out./dez. 2010. 41

O Regulamento Sanitário de 1904 previa o isolamento e a notificação compulsória dos doentes. Entretanto, não

havia nenhuma diretriz sobre quem seria o responsável por tal isolamento. Na prática, a diretriz era letra morta na lei. 42

Por Movimento Sanitário, compreende-se uma série de ações desenvolvidas tanto em âmbito nacional, como em

âmbito estadual, em prol da saúde pública. Sobre o tema, consultar: SANTOS, Luiz A. de Castro. As origens da

reforma sanitária e da modernização conservadora na Bahia durante a Primeira República. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581998000300004>. 43

MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas

de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

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35

para o seu combate44

. A partir de então, alguns grupos da sociedade brasileira passaram a debater

sobre a necessidade de cada estado da União criar instituições (leprosários), para evitar a

convivência dos doentes com as pessoas saudáveis, revelando a falta de um consenso sobre a

necessidade de isolar os pacientes. Esse debate perdurou até a década de 1930 e contou,

basicamente, com duas posições diferentes acerca do isolamento dos doentes.

A primeira posição argumentava em favor do tratamento em pequenas colônias e em

residências, contrapondo-se à ideia de internamento compulsório. Esse posicionamento permitiu

a criação de diretrizes para o combate à lepra e às doenças venéreas na década de 1920. A

segunda interpretação argumentava em favor do isolamento amplo do doente em colônias e

realizado por intermédio da internação compulsória dos doentes. Foi a proposta da segunda

interpretação que se tornou hegemônica no Brasil.

Somente a partir do ano de 1915, diante do aumento dos casos de lepra no território

nacional e a ineficácia do isolamento realizado nos lazaretos45

, o saber médico passou a interferir

na política estatal e a defender a implantação de políticas públicas para combater a lepra. Nesse

período foi instaurada a Comissão de Profilaxia da Lepra, organismo criado pelos médicos com o

objetivo de discutir sobre essa doença e os doentes por ela acometidos e elaborar alternativas para

o problema de combate ao mal de Hansen no Brasil. Essa comissão – idealizada por Belmiro

Valverde, leprologista do Hospital de Lázaros no Rio de Janeiro, e Juliano Moreira – atuou nesse

estado, nos anos de 1915 a 1919. Foi a partir do debate realizado por esse grupo de médicos que a

lepra passou a ser entendida como um grande mal nacional que precisava ser combatido e

exterminado do Brasil.

A Comissão de Profilaxia da Lepra produziu um documento com várias deliberações e

reivindicações, entre as quais, a de que era o Estado responsável pelo combate à lepra. Segundo

Maciel46

, as propostas dessa Comissão – fundamentadas no sanitarismo e na saúde pública –

foram a base do projeto estatal de combate à lepra implantado durante os anos de 1920.

Os debates nessa Comissão giravam em torno de diversas temáticas, tais como, a lepra e o

casamento, lepra e profissão, lepra e imigração e o isolamento dos doentes da lepra, entre outras.

44

CABRAL, Dilma. Lepra, medicina e políticas de saúde no Brasil (1894-1934). Rio de Janeiro: FIOCRUZ,

2013. 45

Espaço utilizado para acomodar os doentes com doenças infectocontagiosas, entre elas a lepra. 46

MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas

de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

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36

Médicos como Juliano Moreira e Fernando Terra, ambos da Sociedade Brasileira de Medicina,

tiveram papel decisivo nesses debates. Defendiam a tese de que a dificuldade de cultivar o bacilo

e, consequentemente, o desconhecimento sobre a sua forma de transmissão, eram fatores

decisivos para a proliferação da doença. Seguindo essa lógica, os médicos passaram a defender o

isolamento compulsório dos doentes como alternativa para evitar a proliferação do mal de

Hansen.

Segundo os médicos, as pesquisas desenvolvidas, naquela conjuntura, sobre a

bactéria, demonstravam que o organismo humano hospedava o bacilo47

da lepra, tornando-se,

assim, o principal responsável pela transmissão da doença. Assim, só com o isolamento dos

hospedeiros, o mal de Hansen poderia ser exterminado do Brasil.

Ainda nos debates da Comissão acerca da transmissão da lepra, o médio Adolpho

Lutz afirmava que apenas o isolamento dos doentes não seria totalmente eficaz, pois a

transmissão da doença ocorria também por meio de mosquitos sugadores. Sendo assim, Lutz

defendia que o isolamento dos doentes necessitava ser realizado em lugares distantes das cidades,

longe da presença de mosquitos transmissores. O jornal A Rua, do Rio de Janeiro, no dia 20 de

novembro de 1915, publicou um texto do médico Plácido Barbosa no qual ele afirmou que o

governo não precisava saber a forma de transmissão da doença, mas sim saber a forma de reduzir

o número de leprosos. O início do combate à lepra no Brasil foi permeado por diferentes

posicionamentos quanto às ideias de transmissão, às ações de combate à disseminação da doença.

No entanto, era consenso entre a classe médica a necessidade de isolar os leprosos em espaços

médicos especializados. Plácido Barbosa afirmou em seu artigo:

[...] O comunicante [Adolpho Lutz] teve por escopo esclarecer a questão do

modo de transmissão da lepra, sem o que, como elle próprio disse, seria

impossível a Comissão orientar o Governo sobre sua conveniente profilaxia; e

em toda a sua oração tomou a peito provar que essa transmissão deve se fazer

por via de mosquitos. O Sr. Dr. Adolpho Lutz disse que se não pode atribuir o

desaparecimento ou decrescimento da lepra, onde elle se deu, a simples isolação

dos leprosos, porque nunca se poude isolar “todos” os doentes de um paiz. Puro

engano. Se ha cousa provada é que a diminuição da lepra na Noruega foi devida

exclusivamente ao isolamento dos leprosos. [...]48

.

47

Bacilos são bactérias em forma de bastonetes. O indivíduo era portador do bacilo Mycobacterium leprae. 48

A RUA, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1915.

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Assim como outros países europeus, a Noruega sofreu, no final do século XIX e início do

século XX, com a presença de novos casos de lepra, principalmente nas suas colônias africanas.

O retorno dessa doença trouxe novos debates sobre sua incurabilidade e suas formas de

transmissão. A forma de controle da lepra foi precedida de vários debates, sobretudo ocorridos

nas duas primeiras Conferências Internacionais de Lepra, ocorridas no ano de 1897, em Berlim,

Alemanha, e a segunda Conferência Internacional de Lepra, 1909, Bergen, Noruega. Nesses

debates o isolamento dos doentes, revestido por um discurso médico e científico, voltou a ser

defendido como única medida profilática para reduzir o número de doentes. Dois modelos de

profilaxia (isolamento) foram apresentados, o modelo norueguês, defendido por Armauer Hansen

e o modelo alemão defendido por Robert Koch49

. Segundo Carolina Oliveira,

Dois modelos de isolamento teriam se destacado: o proposto pela Noruega,

representado por Armauer Hansen, e o proposto pela Alemanha, apresentado por

Robert Koch [um dos fundadores da microbiologia e dos estudos relacionados à

epidemiologia das doenças transmissíveis]. O modelo alemão de combate à lepra

foi desenvolvido em suas colônias africanas, nas últimas décadas do século XIX.

Diferentemente da França, Inglaterra e Noruega, a Alemanha teria desenvolvido

uma forma específica de tratar os seus leprosos. Em 1890, o governo alemão

teria enviado às suas colônias uma comitiva médica, chefiada por Koch, com o

intuito de mapear os casos da doença na região, além de fornecer soluções que

se adequassem aos interesses sociais das colônias e aos interesses econômicos da

metrópole50

.

Pensando em questões econômicas, o modelo proposto pelo alemão Koch defendia o

isolamento dos leprosos em instituições autossustentáveis, que respeitavam a diversidade cultural

e étnica dos internos. Segundo Reinaldo Bechler51

, nos leprosários africanos construídos

seguindo o pensamento alemão, os doentes eram separados pelo sexo e pela etnia. A alimentação

deveria estar adequada aos hábitos, às necessidades e aos gostos dos internos. Nesses

estabelecimentos, a vigilância dos doentes era realizada por um segurança que compunha o grupo

de internos, as visitas e a presença de cônjuge e familiares eram permitidas. O objetivo era

49

Existiam vários modelos de isolamentos de leprosários no mundo, entre os principais podemos destacar o modelo

alemão e o modelo norueguês. 50

OLIVEIRA, Carolina Pinheiro Mendes Cahu de. De lepra à hanseníase: mais que um nome, novos discursos

sobre a doença e o doente: 1950-1970. 2012. 246f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de

Pernambuco, Recife,2012. 51

BECHLER, Reinaldo Guilherme. Muito mais do que isolamento em questão: ciência, poder e interesses em uma

análise das duas primeiras Conferências Internacionais de Lepra: Berlim 1897 e Bergen 1909. Temporalidades,

Minas Gerais, v. 1, n. 2, p. 176-201, ago./dez. 2009.

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montar um isolamento em que o doente se sentisse em um lugar prazeroso e agradável, reduzindo

a possibilidade de fuga.

Já o modelo norueguês tinha como principal característica o isolamento voluntário dos

doentes, por meio de medidas sanitárias e educativas entre a população. O governo investiu na

formação de médicos especialistas em leprologia, entre os principais nomes podemos destacar

Daniel Danielsen e Carl Boeck, que afirmavam a incurabilidade da doença e reforçavam o

isolamento dos doentes como medida profilática. Nesse modelo, o isolamento adquiriu duas

características: o isolamento domiciliar ou o isolamento em leprosários. O primeiro tipo de

reclusão ficava restrito à população mais abastada que pudesse manter financeiramente o doente

sem contato com outros indivíduos. A partir dos estudos desenvolvidos nesse país, e a diminuição

significativa do número de leprosos, a Noruega destacou-se como grande potência científica no

combate à lepra.

Entre os principais críticos desse modelo, destacou-se Robert Koch. Para esse cientista, a

redução do número de doentes de lepra na Noruega representava apenas registros numéricos e

não a cura da doença. Também criticou a responsabilidade estatal na construção e manutenção

dos isolamentos dos leprosos. Apesar das críticas realizadas por Koch, o modelo utilizado no

Brasil, no combate ao mal de Hansen, seguiu os padrões noruegueses. No Brasil, o modelo

adotado de combate à lepra não foi unânime entre os participantes da Comissão de Profilaxia da

Lepra. Entre as principais divergências, estava o isolamento domiciliar dos doentes. Para os

médicos Eduardo Rabello e Oscar da Silva Araújo, esse tipo de isolamento não representava

segurança para os familiares e as pessoas mais próximas do doente. Eles defendiam que o leproso

poderia ser isolado em casa apenas em casos excepcionais e sob uma forte vigilância sanitária na

residência do enfermo. A profilaxia da lepra deveria ser realizada com o isolamento dos doentes

em colônias agrícolas instaladas em uma geografia específica.

A partir das ideias defendidas pela Comissão de Profilaxia da Lepra, foi instituído o

Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, assinado por João Luís, Ministro da Justiça do

governo Artur Bernardes. Esse decreto determinou a obrigatoriedade em território nacional do

isolamento dos leprosos em colônias ou no próprio domicílio.

A assinatura desse documento marcou a fixação de uma diretriz governamental para o

tratamento da Lepra no Brasil. Antes dessa diretriz, a lepra, ao lado de outras doenças, era tratada

em lazaretos que, concebidos como instituições de caridade, foram construídos, em alguns

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39

estados brasileiros, nos séculos XVIII e XIX. Entre os lazaretos construídos nesse período,

destacam-se: Hospital dos Lázaros (posteriormente transformado em Hospital Frei Antônio),

construído no Rio de Janeiro (1741); Hospital dos Lázaros (depois denominado de Hospital) D.

Rodrigo de Meneses, erguido na Bahia (1787); Hospital dos Lázaros de Recife (1789); Asilo São

João dos Lázaros, edificado em Mato Grosso (1815); Asilo do Gavião, erigido no Maranhão

(1870); Hospital dos Lázaros de Sabará, erguido em Minas Gerais (1883). No Rio Grande do

Norte, particularmente, o Lazareto foi construído em 1857 e transformado em Lazareto da

Piedade de Natal em 188252

. Essa instituição tinha a função de recolher e abrigar doentes com

patologias estigmatizadas, tais como tuberculosos, pessoas com distúrbios mentais e pessoas com

doenças venéreas. Diferente do que acontecia em outros lazaretos brasileiros, o Lazareto de Natal

não registrou nenhum caso de lepra entre os seus internos. Como já afirmei, nas fontes53

analisadas, não encontrei, no Rio Grande do Norte, registros de casos de lepra antes de 1923, o

que não significa que não existissem casos da doença entre a população.

Diante do que está sendo discutido, torna-se importante evidenciar como o Decreto nº

16.300/1923 estabelece as normas para o combate à Lepra. Esse decreto dedica exclusivamente à

lepra o seu Título V, Capítulo II, intitulado Prophylaxia Especial da Lepra.54

Ao legislar sobre a

lepra, percebe-se uma intenção, por parte setores do Estado, de encontrar um meio para controlar

a enfermidade. Percebe-se ainda uma preocupação dos gestores públicos em centralizar o

combate à lepra e, assim, evitar que o doente transmita a doença a outras pessoas.

Especificamente, as diretrizes para o tratamento da doença, explicitadas nesse capítulo, são as

seguintes: todos os suspeitos de lepra deveriam ficar sobre vigilância até que o resultado do

exame fosse confirmado; era obrigatória a notificação de todos os doentes; cabia ao médico

informar à família (por intermédio de conversas e de material escrito, elaborado pelo

Departamento de Saúde Pública) as formas de transmissão e de combate da doença; o isolamento

nosocomial dos doentes em instalações fundadas pelo poder público, federal, estadual ou

municipal ou mesmo por iniciativas privadas.

52

SILVA, Fernando de Souza; SIMPSON, Clélia Albino; DANTAS, Rita de Cássia. Reforma psiquiátrica em Natal-

RN: evolução histórica e os desafios da assistência de enfermagem. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool

Drog. (Ed. port.), Ribeirão Preto, v. 10, n. 2, p. 101-109, ago. 2014. 53

Analisei todas as mensagens dos presidentes do Estado enviadas à Assembleia Legislativa entre 1905 e 1930. Só

depois de 1923 é que surgiram as primeiras menções à lepra. 54

BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920.

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40

Esse decreto ainda definiu, no seu Art. 139, que “os estabelecimentos nosocomiaes

[que abrigarão os pacientes de lepra] serão os seguintes: a) colonias agricolas; b) sanatorios ou

hospitaes; c) asylos”. Segundo o próprio documento, todas essas acomodações deveriam seguir as

condições de higiene necessárias para acomodação do doente, sendo preferível a instalação dos

doentes nas colônias agrícolas. Esses espaços constituiriam uma verdadeira Vila de leprosos,

assegurando para o doente uma vida confortável, mas também segurança para a população

vizinha, como o decreto retratou.

A preferência do decreto para que os leprosos fossem instalados em colônias agrícolas era

evidente, conforme determina o Art., 139, § 2º:

Os sanatorios, hospitaes e asylos, só admissiveis quando as condições locaes e

outras o permittirem, ou o reduzido numero de doentes dispensar o

estabelecimento de uma colonia, terão por fim principal multiplicar as casas de

isolamento na medida do possivel, junto dos fócos, afim de facilitar a segregação

dos leprosos. Deverão ser estabalecidos em logares onde, a par das melhores

condições hygienicas, existam amplos logradouros para os isolados55

.

A partir do que determinava o Decreto nº 16.300/1923, surgiram os primeiros leprosários

do Brasil, todos inaugurados antes de 1930. Entre os leprosários inaugurados depois de 1923 e

antes de 1930, destacaram-se56

: o Lazarópolis do Prata, no Pará (1924); o Leprosário São Roque,

no Paraná (1926); o Leprosário Antonio Diogo, construído pela iniciativa privada no Ceará

(1928); o Leprosário Santo Ângelo – construído exclusivamente com verbas estaduais – no

Estado de São Paulo (1928), o Hospital Colônia Curupaiti, no Distrito Federal (1929), e o

Leprosário São Francisco de Assis (1929), no Rio Grande do Norte – construído pelo Governo do

Estado, com auxílio da iniciativa privada e estadual. 57

Portanto, a diretriz nacional estabelecida para o tratamento da lepra está intimamente

ligada à construção, no Rio Grande do Norte, do Leprosário São Francisco de Assis. Essa diretriz

possibilitou ainda a criação de duas outras instituições no estado voltadas para a profilaxia da

lepra: o Preventório Osvaldo Cruz, fundado em 1938, que receberia, para educar, os filhos de

leprosos, e a Sociedade de Assistência aos Lázaros, fundada em 1930, após o fim das atividades

de construção do leprosário. As três intuições foram dirigidas durante alguns anos pelo médico

55

BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920. 56

Nos anexos deste trabalho podem ser encontradas fotografias de todos os leprosários citados no texto. 57

Para mais informações, ler CUNHA, Vivian da Silva. Isolados “como nós” ou isolados “entre nós”?. História,

Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 939-954, out./dez. 2010.

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Manoel Varella Santiago Sobrinho, demarcando a importância desse médico na profilaxia da

lepra no Estado.

1.2 A atuação do Serviço de Saneamento Rural nos registros da lepra no Rio Grande do

Norte

Como já afirmamos anteriormente, o Rio Grande do Norte não apresentava registros de

casos de lepra antes do ano de 1923, diferentemente do que acontecia com outros estados do

Brasil (principalmente São Paulo, Rio de Janeiro e Pará), que já apresentavam números elevados

de casos de lepra e realizavam ações pontuais de combate a essa epidemia.58

Essa disparidade entre Rio de Janeiro, São Paulo e Pará e o Rio Grande do Norte, no que

concerne aos casos de lepra, proporcionou debates diferenciados nos estados. Assim, enquanto, a

Comissão de Profilaxia da Lepra se reunia no Rio de Janeiro para debater o combate à epidemia a

lepra; no Rio Grande do Norte, a preocupação médica e governamental era reduzir as elevadas

taxas de mortalidade infantil registradas anualmente e combater as epidemias que atacavam o

homem do campo, como o impaludismo e as doenças tropicais.59

A partir da década de 1920, o discurso oficial apresentou como principal preocupação o

combate das chamadas doenças venéreas, em especial a sífilis, presente no Estado. A sífilis era

uma doença que causava grande preocupação entre as autoridades políticas, pois deixava sequela

física no indivíduo e, consequentemente, reduziu a força de trabalho disponível para o

enriquecimento do país. O Presidente do Estado, Antônio José de Mello e Souza externou essa

preocupação na mensagem lida na Assembleia Legislativa no ano de 1922:

convencido de que entre nós, no Brasil inteiro, nenhuma entidade mórbida exige

um combate mais enérgico e methodico que as do grupo das chamadas moléstias

venéreas, sobretudo a syphilis, cujos efeitos não só inutilizam o individuo, como

ainda dessoram e enfraquecem as gerações delle oriundas60

.

58

É importante destacar que, conforme é retratado nos próprios documentos oficiais, o Estado não contava com

serviço estatístico funcionando de forma completa. 59

Segundo demonstram os dados, a mortalidade infantil correspondia a cinquenta e cinco por cento do total de

nascimentos registrados. RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura

da primeira sessão da nona legislatura em 01 de novembro de 1916, pelo governador Desembargador Joaquim

Ferreira Chaves. Natal: 1916. 60

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da

décima legislatura em 01 de novembro de 1920 pelo governador Antonio J. de Mello e Souza. Natal: Typ

Commercial,1920, p. 17.

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42

A preocupação com essas epidemias continuou demarcando o discurso oficial no Rio

Grande do Norte, como demonstraram as mensagens dos presidentes do Estado dos anos

seguintes. A lepra não era historiada no discurso oficial e não era registrada nos dados

demográficos do Estado como causa de morte dos indivíduos. Em 1922, as principais doenças

registradas nos obituários eram o paludismo, a tuberculose, a gripe e as febres.

[...] no período decorrido de outubro de 1921 a setembro ultimo, ocorreram 30

mortes por paludismo contra 4 no anno anterior, 31 d grippe contra 12, e 62 de

tuberculose contra 32, isso naturalmente não levando em conta os numerosos

casos de obito sem assistência medica, nos quais portanto quase nunca se pode

verificar a causa. No período apreciado não houve um só caso de morte por

variola, apenas um por febre amarela e um por peste bubônica, contra 26 no

anno anterior. Somente as febres typhicas deram ainda a causa de 17 mortes,

contra 18 no período antecedente61

.

Os casos de lepra, no Rio Grande do Norte passaram a ser conhecidos e notificados

compulsoriamente a partir da atuação do Serviço de Saneamento Rural, implantado no Estado no

ano de 1922, com a ajuda financeira da União. A instalação desse serviço nos Estados fez parte

da reforma da saúde pública e da busca pelo saneamento dos sertões implantado no final do

século XIX e início do século XX. É importante retratar que esse período foi marcado por várias

ações médicas que visavam retirar o sertanejo e o sertão do lugar de abandono a que eram

submetidos pelas ações políticas e de erradicar a proliferação de algumas epidemias. Dessa

forma, iniciou-se um movimento formado pela elite intelectual e políticos voltados para a atenção

à saúde do homem do campo. Entre as principais ações do movimento sanitarista, esteve a

criação dos postos de profilaxia rural, que significaram a presença do Estado na implantação das

políticas de atenção à saúde de forma nacional. 62

No Rio Grande do Norte, a instalação dos postos de profilaxia rural ocorreu em

diferentes áreas da cidade. O primeiro posto de profilaxia rural foi instalado no bairro do Alecrim

e logo depois um subposto no bairro das Rocas, áreas da cidade mais carentes de saneamento.

Logo após, foram inaugurados os postos de Ceará-Mirim e da Penha, seguindo as linhas férreas

61

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da

undécima legislatura em 01 de novembro de 1922 pelo governador Antonio J. de Mello e Souza. Natal: Typ

Commercial,1922, p. 27 e 28. 62

LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade

nacional. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

Page 44: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

43

da Central e da Great Western63

. É importante destacar que os postos de profilaxia foram

instalados com o objetivo de combater, sobretudo as verminoses e a malária, doenças vistas pelo

movimento sanitarista como prioridade nacional. A partir dos dados estatísticos de atendimento

desses postos, foram registrados e conhecidos os primeiros casos de lepra do Estado.

O numero de pessoas matriculadas nos postos desde junho de 1922, quando se

installou o primeiro, era em 30 de setembro ultimo [1923] de 38.721 com

ancylostomose, 44.649 com outras helmithoses, 4.027 com impaludismo, 2.828

com syphilis, 593 com outras moléstias venéreas, 275 com tuberculose, 34 com

lepra e 4.089 com varias moléstias, inclusive 8 casos de leishmaniose64

.

Os postos de profilaxia rural, a partir do seu primeiro ano de atuação, registraram o

atendimento de trinta casos de doentes com lepra no Estado. Número bem inferior quando

comparado ao atendimento às demais doenças que existiam no Rio Grande do Norte, como a

sífilis e a tuberculose. Contudo, esses primeiros números de doentes com lepra já configurava

uma necessidade de atenção por parte do Estado, conforme sugeria a diretriz nacional.

A partir dos dados estatísticos realizados pelo Serviço de Saneamento Rural, em

1923, foram registrados os primeiros casos de morte apresentando como causa a lepra, ao todo,

sete indivíduos morreram com causa de morte registrada como Lepra. No ano de 1923, já se

contabilizava no Estado trinta e quatro contaminados pelo bacilo de Hansen.

A partir do ano de 1924, com o mandato de José Augusto Bezerra de Medeiros, várias

transformações e inovações continuaram a ser realizadas na administração pública do Estado,

entre elas o incremento das questões sanitárias e higiênicas. Entre as principais ações desse

período, posso destacar a criação do Serviço de Profilaxia da Lepra e do Departamento de Saúde

Pública do Estado. Nesse mesmo ano, foi instalado no Estado o Serviço de Profilaxia da Lepra,

responsável pelo acompanhamento dos doentes notificados pelo bacilo de Hansen e os seus

comunicantes. Entre as suas ações, posso destacar: verificação dos casos notificados constatados

através dos exames clínicos, assistência médica a todos os leprosos notificados, aplicação de

remédios e educação higiênica dos doentes. A atuação de combate à lepra, a partir da instalação

63

A REPÚBLICA. Natal, 07 de julho de 1921. 64

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da

undécima legislatura em 01 de novembro de 1923 pelo governador Antonio J. de Mello e Souza. Natal: Typ

Commercial,1923, p. 33.

Page 45: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

44

dessa nova estrutura administrativa, passou a ocorrer em duas diretrizes, o acompanhamento dos

doentes e a prática do uso de remédios específicos.

O Serviço de Profilaxia da Lepra atendeu um grande número de pessoas, como

demonstram os seus registros. “Acham-se matriculados no serviço de 52 doentes, tendo sido

feitas 96 pesquizas do Bacillo especifico. Foram applicadas 845 injeçções medicamentosas e

feitas 597 visitas a domicilio”65

. Diante da atuação do Serviço de Profilaxia da Lepra e dos postos

de profilaxia rural, os indivíduos contaminados com o bacilo da lepra passaram a ser conhecidos

e historiados no Estado. Os casos de lepra registrados aumentaram cinquenta por cento entre o

ano de 1924 e 1925. Segundo o discurso oficial, o Rio Grande do Norte contabilizava cem casos

confirmados de lepra entre a sua população.

De poucos annos a esta parte, está se verifcando o augmento do numero de

leprosos nesta capital e em outros pontos do nosso Estado. O diretor do

Departamento de Saúde calcula, em face dos dados que conseguiu colher, que o

numero dos attingidos pelo terrível mal já sobe a 100 no território norte-

riograndese66

.

O número de pessoas atendidas nos postos de profilaxia rural, a partir do ano de 1925

aumentou substancialmente, sendo atendidas entre primeiro de janeiro a trinta de setembro desse

ano, duzentos e setenta e nove pessoas com suspeitas de lepra. Desses casos analisados, sessenta

e um doentes foram diagnosticados como portadoras do bacilo de Hansen no organismo. Do total

de doentes notificados, foi registrada a saída de cinco doentes para outros estados e a morte de

quatro doentes infectados. Dessa forma, o estado contava com cinquenta e dois leprosos

notificados somente no ano de 1925. Entre os anos de 1923 a 1925, o Rio Grande do Norte

notificou cento e nove doentes, dos quais treze faleceram e permaneceram em tratamento noventa

e um doentes. Esse tratamento apresentado consistia na vigilância do doente e de seus

comunicantes, bem como na utilização de alguns remédios.

Com o incremento da política pública de conhecer e notificar os leprosos presentes no

território do Rio Grande do Norte, no ano de 1926, também foi registrado um elevado número de

65

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da primeira sessão da

décima segunda legislatura em 01 de novembro de 1924 pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:

Typ d’A república, 1924, p. 30. 66

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da

décima segunda legislatura em 01 de novembro de 1925 pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:

Typ d’A república, 1925, p. 36.

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45

pessoas com suspeitas de lepra que procuraram os postos de profilaxia rural. Nesse ano

matricularam-se nos postos trezentos e quarenta e sete pessoas com suspeita de lepra, desse total,

setenta e seis doentes foram diagnosticados de forma positiva. Nesse ano não houve registros nos

obituários do Estado de indivíduos infectados com a bactéria da lepra, assim podemos afirmar

que o Estado do Rio Grande do Norte contava com cento e sessenta e oito casos positivos da

doença ao final desse ano.

Em termos nacionais, a partir do recenseamento realizado nos estados brasileiros,

com exceção de Minas Gerais, no ano de 1926, existiam onze mil infectados em todo o país. No

entanto, para Belisário Penna esse número era bem maior, em torno de trinta e três mil leprosos67

.

Diante desses dados, posso afirmar que, apesar de o Rio Grande do Norte possuir mais de cem

doentes de lepra, esse número, em termos nacionais, não inseria o Estado entre os principais

focos da doença. Sobretudo, se compararmos esses números com a porcentagem de doentes nos

Estado do Pará e do Ceará.

A partir do ano de 1927, o número de matrículas de pessoas suspeitas de casos de

lepra, bem como o número de novos casos confirmados da doença reduziu brutalmente. Em 1927,

foram matriculadas cento e noventa e duas pessoas, sendo registrados onze novos casos positivos

da doença. No ano de 1928, foram matriculados oitenta e um suspeitos de lepra e no ano de 1929

foram matriculados nos postos de profilaxia rural noventa e um suspeitos. Essa redução dos

números de leprosos atendidos nos postos de profilaxia rural pode ser sinalizada devido à ação do

Leprosário São Francisco de Assis, que nesse período já contava com o isolamento de alguns

doentes e com a prática da notificação dos leprosos e dos seus comunicantes. Essa redução nos

registros de novos casos tinha relação com o início do isolamento dos leprosos. Posso inferir que

o ato de isolar os doentes em um estabelecimento específico pode ter gerado medo e receio entre

a população norte-rio-grandense de buscar os postos de profilaxia e mesmo demonstrar marcas da

doença no corpo. Esse elemento pode ter contribuído para reduzir os registros de doentes

atendidos.

Segundo dados oficiais, o Rio Grande do Norte contava, no ano de 1929, com oitenta

e nove doentes de lepra notificados, contudo, a partir dos dados recolhidos nas mensagens dos

presidentes do Estado, até o ano de 1927, o Estado registrou cento e setenta e sete casos de lepra

67

CUNHA, Vivian da Silva. Isolados “como nós” ou isolados “entre nós”?. História, Ciências, Saúde –

Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 939-954, out./dez. 2010.

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46

no seu território. Posso concluir que, no período de inauguração oficial do Leprosário São

Francisco de Assis, o Estado contava com um número considerável de doentes, bem superior ao

proclamado pelo discurso oficial.

O quadro abaixo resume os dados relativos aos atendimentos realizados nos postos de

profilaxia rural referentes aos casos positivos de lepra presentes no Estado entre os anos de 1923

(momento do primeiro registro de casos de lepra presente no discurso oficial) e 1929 (momento

da inauguração oficial do Leprosário São Francisco de Assis).

Quadro 1: Número de doentes notificados de lepra durante os anos de 1923 e 1929

Ano

Matriculados nos

postos de

saneamento

Diagnosticados

como portadores

da lepra

Falecidos tendo

como causa da

morte lepra

Total de

doentes no

estado por ano

1923 34 34 07 27

1924 * 14 02 12

1925 279 61 04 52

1926 347 76 0 76

1927 192 11 01 10

1928 81 * * *

1929 91 * * *

*Dados não disponíveis.

Fonte: Quadro produzido a partir dos dados apresentados nas Mensagens dos presidentes do Estado.

A partir desses dados, observei que os anos de 1925 e 1926 foram os períodos de

maior número de matriculados nos postos de profilaxia rural com suspeita de lepra e,

consequentemente, os períodos de maior notificação de casos positivos da doença. Diante da

constatação do aumento do número de doentes no Estado, entre esses anos, instaurou-se o

discurso, entre membros da classe médica e da classe política, da necessidade de uma ação mais

efetiva no combate à disseminação da lepra no Estado. Seguindo a diretriz nacional, o isolamento

dos doentes de lepra em espaços específicos começou a ser idealizada no Rio Grande do Norte.

1.3 A lepra e a construção do Leprosário São Francisco de Assis nos jornais e nas ações das

políticas públicas

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47

Como já falado anteriormente, o combate à lepra se transformou durante a década

de 1920 numa prioridade nacional, sendo o meio mais eficaz para exterminar esse mal o

isolamento dos doentes em colônias ou leprosários. No Rio Grande do Norte, essa diretriz foi

amplamente defendida por dirigentes políticos e alguns médicos potiguares. Entre os

defensores dessa prática, podemos citar o inspetor de saúde, Octávio Varella. Ao apresentar as

medidas de higiene no jornal A Imprensa, em seis de maio de 1923, o inspetor evidencia a sua

preocupação com os casos de lepra comprovados no Estado e a necessidade de construção de um

pequeno leprosário para receber esses doentes. Ainda segundo o inspetor, o combate a esse mal

deveria seguir duas etapas: no primeiro momento o exame das manchas presentes no corpo e no

segundo momento o isolamento dos doentes infectados pelo mal de Hansen em leprosários.

Natal é a cidade de menor população com o maior número de leprosos. Calcula-

se em cem os casos declarados e conhecidos. O isolamento é a primeira medida,

logo após o exame das manchas denunciadoras do terrível mal. Essencialmente

contaminável a lepra constitue em cada doente um foco de infecção, um núcleo

que irradia a desgraça e a morte68

.

A partir da apresentação das ideias de Octavio Varella nesse jornal, observei que o

número de doentes infectados retratados na matéria era bem maior que o número de doentes

notificados segundo os dados oficiais recolhidos nesta pesquisa. De acordo com o médico, no ano

de 1923, o Estado contabilizava cem casos de lepra conhecidos, já o discurso oficial apresentava

trinta e quatro casos de lepra notificados e conhecidos. A solicitação de uma intervenção médica

sobre os portadores da lepra se aliava a discrepância entre os números dos doentes e ao temor que

a doença provocava na sociedade, irradiadora da desgraça e da morte, como o próprio inspetor de

saúde proclamou.

A necessidade de construção do Leprosário São Francisco de Assis também foi

proclamada em matéria de quinze de junho de 1923. O jornal A Imprensa apresentou a

necessidade de conter os casos de lepra presentes do Estado, a solução apresentada era a

construção do Leprosário São Francisco de Assis. O jornal inseriu essa instituição como uma

medida basilar no combate ao mal que ameaçava a população do Rio Grande do Norte. O

leprosário foi apresentado, na matéria “A profilaxia da lepra”, como o protetor da população

68

A IMPRENSA. Natal, 06 de maio de 1923.

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48

sadia. Era prudente unir todos os esforços necessários para manter a população sadia longe dos

doentes.

Ninguém de boa fe desconhece o nosso empenho em defeza da população desta

Capital tão seriamente ameaçada de contaminação da tremenda moléstia da

lepra. Temos, antes, uma profunda piedade e um sincero dissabor toda vez que

sabemos que a desgraça atingiu aos que são pela morphea atacados. Por isso

redobramos de fervor na defeza dos que ainda não foram tocados de perto pela

horrenda moléstia que se annuncia terrível pela intensidade com que se está

desenvolvendo em Natal. [...] solicitamos o concurso de todos para congregar

esforços em nossa legitima defesa contra o mal ameaçador. O governo federal

acaba de destinar 160 contos para o tratamento da lepra. Em vez de se gastar esta

vultuosa quantia em averiguações do mal, a prudência aconselha um

entendimento entre as repartições hygienicas do Estado e da União, para a

combinação de uma medida basilar a construcção de um leprosário[...]69

.

A partir da análise das matérias publicadas no jornal A Imprensa, no ano de 1923,

destacam-se dois elementos principais. O primeiro, a conotação que os doentes de lepra

adquiriram na sociedade potiguar. As machas no corpo desses doentes eram entendidas como

marcas do próprio mal que eles carregavam, eram retratados nos discursos como fontes

“ambulantes de contágio”, “focos de infecção”, “focos de morte”, “irradiadores da morte e da

desgraça”. Essas expressões evidenciavam o estigma sofrido pelos doentes do mal de Hansen

nesse período, o lugar que deveriam ocupar na sociedade e a necessidade de isolar esses

indivíduos infortunados. O segundo elemento presente no discurso era a relação entre lepra e

religiosidade. Os doentes eram vistos como dignos de pena e de caridade, as expressões “uma

profunda piedade” e “desgraça” representam o universo da caridade em que a profilaxia da lepra

estava inserida, tanto em âmbito estadual como em âmbito nacional. A relação estabelecida entre

a doença e a caridade foi utilizada no discurso médico e político para obter apoio de segmentos

da sociedade para a construção do Leprosário São Francisco de Assis.

Essa visão dos leprosos, como grandes disseminadores do mal e como perigo para a

população saudável, foi proclamada por segmentos da sociedade potiguar por toda a década de

1920. O jornal A República, no dia vinte e um de outubro de 1926, em matéria intitulada “O

perigo da lepra”70

, informava à população potiguar o perigo que os doentes de lepra

representavam para a sociedade e como ocorria a contaminação do bacilo entre os indivíduos

69

A IMPRENSA, Natal, 15 de junho de 1923. 70

A REPÚBLICA, Natal, 21 de outubro de 1926.

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49

doentes e sadios. A matéria reafirmava o doente como hospedeiro do bacilo e como o principal

transmissor do mal a partir das secreções nasais, por meio do sangue infectado e através da

picada do mosquito contaminado, como foi retratado no trecho da matéria transcrita abaixo:

O gérmen responsável pela producção da lepra é o bacillo do Hansen, o qual

passado de um organismo doente para um indivíduo sadio irá determinar, a poz

uma incubação mais ou menos longa, a creação de um novo caso de lepra.

Existindo em grande quantidade os bacillos de Hansen na mucosa nasal dos

morpheticos, este facto constitue um grande perigo para aquelles que daquellas

infelizes creaturas se avisinham [...]71

.

Ainda segundo a matéria, “O perigo da lepra”, eram os leprosos que propagavam o

mal entre a população sadia, sendo indispensável o afastamento desses doentes do convívio

social, mesmo entre pais e familiares. O contato com os doentes contaminados foi exposto como

promiscuidade realizada pela população, a sua segregação deveria ser realizado logo após o

resultado positivo do exame. Esse isolamento deveria ser efetivado em colônias, sendo esses

espaços mais adequados para o convívio dos doentes, ou na ausência dessas, no seu próprio

domicílio. Dessa forma, observamos que as matérias que circularam nos jornais do Estado

propagaram a necessidade de construção do Leprosário São Francisco de Assis, apoiada na ideia

de impedir a disseminação da doença entre a população saudável e colocando os doentes como

fontes de contágio.

Assim como os discursos dos jornais do ano de 1923 retratavam a necessidade de

construção de um isolamento para doentes de lepra notificados, nos discursos oficiais essa

necessidade do Estado de possuir um espaço para isolar os leprosos foi registrada um pouco mais

tarde, no ano de 1925. Na Mensagem à Assembleia Legislativa, o Presidente do Estado José

Augusto Bezerra de Medeiros, afirmou: “O plano da Comissão de Saneamento Rural, há muito

traçado, para dar um cunho de efficiencia absoluta ao serviço de prophylaxia da lepra neste

estado consiste na creação de uma colonia de leprosos, ideia que tem despertado simpatia e

71

A REPÚBLICA, Natal, 21 de outubro de 1926.

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50

adesões”72

. Declarou ainda: “Para evitar a disseminação de moléstia tão terrível, cabe cogitar de

providencias efficazes e promptas”73

.

A partir da mensagem, a construção de um espaço específico para recolher os

indivíduos doentes de lepra estava traçado pela Comissão de Saneamento Rural entre as ações a

serem realizadas pelo poder público no combate à lepra. Esse isolamento era entendido, por essa

comissão, como forma de tornar a profilaxia da lepra mais eficiente, como também seguir as

diretrizes nacionais de saúde pública. Segundo essa mesma mensagem, a ideia de construção de

um leprosário ganhou várias adesões em todo o Estado, tanto entre a classe médica, como entre

alguns membros da sociedade potiguar. Apesar de o discurso oficial apresentar a construção de

uma colônia de leprosos como uma medida há muito tempo traçada pela comissão de saneamento

rural, as ações para efetivação dessa instituição iniciaram somente no ano de 1926.

Segundo o Diretor de Saúde, Manoel Varella Santiago Sobrinho, várias medidas

higiênicas eram necessárias para melhorar as condições sanitárias da cidade, entre elas a criação

de um leprosário. Esse espaço de isolamento, no primeiro momento, recolheria os doentes mais

perigosos para a saúde da população, como afirmou o Diretor de Saúde: “[...] A creação de um

leprosário, que se destine a receber de preferência, pelo menos enquanto não dispuzer de boas

installações, os morpheticos que, pelo seu estado adiantado de doença e de pobreza, mais

perigosos se tornarem às populações municipais do Estado”74

. A partir da fala do Diretor de

Saúde do Estado, posso inferir que o processo de isolamento dos doentes de lepra era uma ação

que necessitava ser realizada de forma urgente, mesmo sem condições físicas adequadas e sem

condições financeiras para tal empreendimento sanitário. O isolamento dos lázaros realizado no

Rio Grande do Norte nos seus primeiros anos, não se efetivou de forma plena e em espaço físico

adequado. Foi realizado em uma construção adaptada, isolando apenas alguns leprosos, aqueles

que ofereciam maior “perigo” à sociedade. Esta ação foi uma resposta política ao crescente

número de casos positivos de lepra que foram notificados no território potiguar, às solicitações de

combate a essa doença empreendidas por segmentos da sociedade e à necessidade de inserir o Rio

Grande do Norte no rol dos estados modernos e higiênicos.

72

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da

décima segunda legislatura, em 01 de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:

Typ d’A República, 1925, p. 41 73

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da

décima segunda legislatura, em 01 de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:

Typ d’A República, 1925, p. 36. 74

Ibidem, 1925, p. 37.

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51

No primeiro momento, a construção de um espaço para isolar os leprosos foi

idealizada em parceria com os estados de Pernambuco, Paraíba e Ceará e com ajuda de recursos

federais75

. Contudo, essa parceria não foi materializada, cada estado construiu o seu próprio

isolamento em diferentes períodos. No Rio Grande do Norte, o isolamento dos leprosos iniciou

no ano de 1926 e foi inaugurado oficialmente pelo governo de Juvenal Lamartine em catorze de

janeiro de 1929.

Diante da necessidade de isolar os leprosos presentes no Rio Grande do Norte, o

desejo do poder público de construir um leprosário no Estado foi reafirmado na mensagem de

1926. O Diretor de Saúde, Varella Santiago, caracterizou como deveria ser o isolamento dos

doentes:

[...] necessidade de fundação de uma colônia de leprosos, que garanta o

isolamento perfeito dos doentes e lhes proporcione meios de tratamento,

conforto e a convivencia entre elles. E esta a única formula, humana e

scientifica, que poderá resolver o mais serio problema sanitário norte-

riograndense76

.

Segundo o diretor, a colônia de leprosos deveria garantir o isolamento perfeito dos

doentes, deixando a população sadia livre do contato com os morféticos e de possíveis meios de

contaminação da doença. Ao mesmo tempo em que a colônia deveria permitir o total isolamento

dos doentes, deveria proporcionar aos internos conforto e tratamento adequado contra o mal que

abatia os indivíduos. Na descrição desse espaço hospitalar, o isolamento dos leprosos baseava-se

nas mais modernas ideias científicas proclamadas no território brasileiro. Dessa forma, a

construção do Leprosário São Francisco de Assis, fez parte de um novo modelo de atenção à

saúde proposto pela política nacional e de um projeto de modernização do Rio Grande do Norte

implantado na década de 1920.

Mesmo com o início do isolamento dos doentes de lepra, novos casos da doença

continuaram a ser notificados e o isolamento desses doentes passou a ser um desejo crescente na

sociedade. No ano de 1927, na mensagem à Assembleia Legislativa, José Augusto Bezerra de

Medeiros, caracterizou os doentes de lepra como velhas fontes de contágio, por onde andam

75

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da

décima segunda legislatura, em 01 de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:

Typ d’A república, 1925. 76

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da

décima segunda legislatura, em 01 de outubro de 1926, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:

Typ d’A República, 1926, p. 72.

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espalham o seu mal e o temor na sociedade potiguar. O medo da transmissão da doença

continuou presente na sociedade potiguar, os leprosos que ainda continuavam livres,

representavam uma ameaça à saúde da cidade. O isolamento desses doentes deveria ser realizado

urgentemente, segundo a fala do Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros.

A apresentação da lepra como perigo nacional, a construção do imaginário em torno

dos doentes como perigo ambulante e o medo construído em torno da transmissão dessa doença,

a partir dos discursos proclamados nos jornais e pelo poder público, serviram de base para a

participação de segmentos da sociedade na construção desse empreendimento médico. Para Curi,

parte do imaginário construído em torno da lepra, bem como a crescente necessidade de

isolamento dos doentes, em locais especializados foi advinda da medicina social implantada no

Brasil.

Com a Medicina Social a idéia de isolar adquire maior rigor e obedece a

princípios científicos, ou seja, envolve o temor do contágio; um mal invisível

que imigra de um homem para outro, difundindo na surdina a terrível doença.

Assim, justifica-se um isolamento mais amplo e exigente, a caça aos doentes e o

esperado consentimento, compreensão e até o auxílio da sociedade [...]77

.

O processo de isolamento dos doentes e a justificativa dessa prática, no Rio Grande

do Norte, seguiram esses elementos descritos por Curi, principalmente o temor do contágio, a

necessidade de acabar com a doença e o auxílio de membros da sociedade na construção do

leprosário. Essa instituição médica significou a eliminação do perigo que atacava a população e

expressou a efetivação dos elementos modernos no território potiguar, no que tange à saúde e à

higiene.

A construção do Leprosário São Francisco de Assis se revestiu de grande caráter

político. A mensagem do Presidente do Estado proferida do ano de 1928 apresenta o Estado

como um dos poucos do Brasil que procuraram resolver o problema da lepra de forma eficaz e

radical78

. No momento da inauguração, esse isolamento foi apresentado como resultado de

grande esforço de todos que o construíram, incluindo o esforço do Estado nessa obra. O jornal

Diário de Pernambuco, no dia quatro de junho de 1929, noticiou a inauguração do Leprosário:

77

CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976).

2002, 231f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. p. 31.

78

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à

Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura em 01 de outubro de 1928.

Natal: Imprensa oficial do Estado, 1928, p. 32.

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53

“No inicio deste anno, quantos visitam o Leprosário, no dia da inauguração dos primeiros grupos

de pavilhões, não poderam calar o enthusiasmo de que se acharam possuídos enaltecendo o

esforço, a dedicação e a operosidade daquelle distincto facultativo”79

.

A construção do Leprosário São Francisco de Assis foi entendida como uma das

grandes obras realizadas pelo Governo do Estado em benefício da saúde da população, tanto do

Governo de José Augusto Bezerra de Medeiros, como no Governo de Juvenal Lamartine. Essa

ideia pode ser materializada a partir dos discursos presentes nos jornais que circulavam na capital

e em outros estados. O Jornal do Recife, na edição de primeiro de janeiro de 1930, retratou o

segundo aniversário do governo Juvenal Lamartine e as benfeitorias realizadas no Estado. O

Presidente do Estado, Juvenal Lamartine, foi descrito como um homem com traços

eminentemente democráticos, moderno, conectado com o seu povo:

O Sr. Juvenal Lamartine levou para o governo um conjuncto de condições que

não deve faltar ao administrador e que já resaltara de uma maneira

singularmente brilhante na pessoa do seu antecessor, o Sr. José Augusto: um

amplo e minucioso conhecimento dos problemas da sua terra80

.

Os governos de José Augusto Bezerra de Medeiros e de Juvenal Lamartine foram

retratados como governos preocupados com a resolução dos problemas da sua terra,

empenhados nas questões sanitárias e nas propostas de modernização do Estado, sobretudo no

combate ao mal de Hansen. O Leprosário São Francisco foi apresentado no mesmo jornal como:

[...] um estabelecimento modelar em todo o paíz, apezar dos recursos do Estado,

naturalmente restrictos. O estabelecimento em questão já conseguiu reunir sob o

seu tecto a quase totalidade da população leprosa do Estado e facto curioso que

bem demonstra a perfeita organização de que está servido, os próprios

indivíduos affectos da moléstia, a começar dos que pertencem as classes mais

elevadas da hierarquia social procuram expontaneamente se recolher a elle, onde

são tratados com a maior solicitude81

.

O isolamento potiguar foi apresentado como um estabelecimento modelo em todo o

país, exaltando-se a ação do Departamento de Saúde Pública na tentativa de isolar todos os

leprosos atingidos pela doença. É importante observar que a matéria do referido jornal relatou a

ação dos próprios doentes em buscar o isolamento para se submeter ao tratamento adequado, fato

79

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, 04 de junho de 1929. 80

JORNAL DO RECIFE, Recife, 01 de janeiro de 1930. 81

JORNAL DO RECIFE, Recife, 01 de janeiro de 1930.

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esse extensivo a todas as classes sociais do Estado. Esse fato apresentado pelo jornal ressalta a

necessidade de inserir o leprosário no conjunto das ações do governo, inserindo o isolamento

como uma edificação importante na manutenção da saúde pública da cidade. Não como um lugar

de reclusão de pobres, mas como um espaço para o tratamento de todos os doentes. O discurso

médico proferido pelos jornais buscava a conscientização dos doentes da necessidade da reclusão.

Seguindo o discurso de exaltação do Leprosário, o jornal A Reforma, na edição de

vinte e sete de julho de 1930, retratou a ação de combate à lepra no Rio Grande do Norte como

pioneira, sendo um dos primeiros estados brasileiros a isolar todos os leprosos identificados no

seu território. Assim descreveu a sua edificação: “[...] construindo um leprosário confortável,

dotado não só de pavilhões grande para homens um para mulheres outro, mas habitações

individuais dando a estas as instalações de hygiene e conforto desejáveis e muitas vezes

superiores às condições de vida em sues lares”. Também exaltou as iniciativas do Governo de

Juvenal Lamartine no campo de combate à lepra: “[...] o leprosário São Francisco de Assis e o

extermínio da lepra no território do estado representa uma das mais proveitosas iniciativas do

governo do Sr. Juvenal Lamartine”82

.

O Leprosário São Francisco de Assis tornou-se um dos isolamentos mais bem

equipados em termos de espaço físico e serviços presentes no Brasil, sobretudo do Nordeste.

Proclamando as características higiênicas do isolamento, o local onde estava situado, as práticas

médicas que direcionavam o seu funcionamento e a presença de um expressivo número de

doentes internados, o consideravam como modelo de isolamento médico. A edificação e o

funcionamento do leprosário trouxeram para o governo de Juvenal Lamartine a imagem de um

homem preocupado com as questões da saúde pública, sobretudo com a lepra.

Segundo o mesmo jornal, o Estado realizava uma dupla profilaxia, o isolamento dos

doentes e o revestimento das dependências do leprosário contra os insetos sugadores, proposto

por Adolph Lutz. Assim, o Estado não realizava apenas a reclusão dos doentes, mas seguia os

principais preceitos científicos que circulavam no Brasil naquele período. O combate à lepra

realizado no Leprosário São Francisco de Assis e a investigação de novos casos inseria o Estado

entre os mais preocupados com a questão da saúde da população e que seguiam os preceitos

modernos.

82

A REFORMA, Rio de Janeiro, 27 de julho de 1930.

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55

1.4 Os leprosários construídos no Brasil na década de 1920

A partir da década de 1920, a Diretriz Nacional de combate à lepra foi baseada no

isolamento dos doentes em colônias agrícolas, com o intuito de estabelecer condições físicas e

sociais para os leprosos manterem uma vida confortável e digna. Seguindo esse parâmetro,

verificamos a construção de alguns leprosários no Brasil durante os anos de 1920. Entre os

principais leprosários e colônias construídos, podemos destacar três: Lazarópolis do Prata,

primeiro leprosário construído no Brasil; Leprosário São Roque, construído dentro das ideias de

modernidade; e Asilo Santo Ângelo, considerado um leprosário modelo.

Esses espaços hospitalares foram construídos seguindo a mesma diretriz nacional do

Leprosário São Francisco de Assis. Dessa forma, é importante compreender as características dos

demais leprosários construídos no Brasil, para analisar as semelhanças e as diferenças existentes

entre esses espaços e o Leprosário do Rio Grande do Norte.

O primeiro modelo de colônia agrícola do país foi construído no Pará, a Lazarópolis

do Prata. Inaugurado em vinte e quatro de junho de 1924, através da parceria ente estado e união,

teve à frente da instituição o médico Souza-Araújo. O Pará contava com um alto número de casos

de lepra notificados entre a sua população, em torno de dois mil leprosos. Diante do número de

indivíduos contagiados, era urgente a necessidade de uma edificação para isolar os doentes. De

acordo com Souza-Araújo, essa colônia, que seria modelo para as demais construções de

isolamento, tinha grandes dimensões, com área de um quilômetro quadrado e com capacidade

para abrigar em torno de trezentos leprosos83

.

A Lazarópolis da Prata, como o seu nome indica, foi construída baseada na ideia de

uma cidade dos lázaros, uma colônia agrícola. A sua administração inicialmente era exercida

pelos próprios leprosos, eles eram os governadores da cidade, com eleição e estatuto próprio.

Aqueles mais abastados possuíam o direito de se isolar nos pavilhões oficiais ou em casas

exclusivas construídas e administradas financeiramente pelo seu dono. Esse isolamento

apresentava uma base semelhante à de um plano urbanístico de cidade, com ruas e prédios bem

distribuídos e ordenados.

83

SOUZA-ARAÚJO, Heraclides Cezar. Lazarópolis do Prata: a primeira colônia agrícola de leprosos fundada no

Brasil. Belém: Departamento Nacional de Saúde Pública, Serviço de Saneamento e Profilaxya Rural, 1924.

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Em São Paulo, os leprosários começaram a ser edificados antes da década de 1920, o

funcionamento desses espaços era baseado na ideia do asilo, sob a responsabilidade da igreja e de

alguns grupos de filantropia. Entre esses locais de isolamento, podemos citar a Santa Casa da

Misericórdia, que atendeu grande parcela dos leprosos do Estado de São Paulo, e o Hospital de

Lázaros, que funcionava na cidade de São Paulo e a partir de 1903 teve como médico responsável

José Lourenço de Magalhães, mas ainda contava com a participação das irmãs da Santa Casa de

Misericórdia.

Além da participação da igreja no combate à lepra, São Paulo também se destaca pela

participação da sociedade no combate a essa epidemia. Entre as principais organizações,

podemos destacar a Associação Protetora dos Morféticos, fundada em 1917, que tinha como

missão prestar caridade aos leprosos que estivessem isolados ou não. Sua ajuda tinha duas

direções principais: a caridade aos doentes infectados e a ajuda à Santa Casa de Misericórdia, de

maneira material e espiritual.

A discussão sobre a fundação de uma colônia de leprosos, como se defendia durante a

década de 1920, teve início em 1918, no Oitavo Congresso Brasileiro de Medicina, ocorrido no

Rio de Janeiro. Apesar de essas ideias terem surgido ainda no ano de 1918, elas apenas foram

materializadas com a inauguração, em três de maio de 1928, do Leprosário Santo Ângelo,

localizado em Mogi das Cruzes.

O Santo Ângelo foi construído baseado na ideia de oferecer todos os serviços

existentes dentro da cidade no espaço do isolamento. Assim, a ideia era construir uma cidade

dentro da cidade. Nesse leprosário, seguiu-se uma estrutura hierarquizada, com disciplina,

trabalho e moralidade entre todos os internos. Segundo a Sociedade de Assistência aos Lázaros e

Defesa contra a Lepra de São Paulo, o Santo Ângelo era um leprosário modelo, um monumento

soberbo em prol dos leprosos que tanto tempo viveram à margem da sociedade.84

Além do Leprosário Santo Ângelo, podemos destacar o Leprosário São Roque,

inaugurado no ano de 1926, no Paraná. A partir dos dois mandatos do Presidente do Estado

Caetano Munhoz da Rocha, várias obras foram realizadas no Estado, entre elas a construção do

Leprosário São Roque, incluindo o combate à lepra como ação efetiva do governo. Construído no

município de Deodoro, atual Piraquara, distante vinte e cinco quilômetros de Curitiba, a sua

84

MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas

de combate à lepra no Brasil (1941- 1962). 2007. 380 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

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57

localização seguiu fatores técnicos e geográficos, como: um número pequeno de habitantes, a

ligação da região com Curitiba pela estrada de ferro, a abundância da água e, por fim, a

ventilação constante da região, além da baixa produtividade dos terrenos e da pouca valorização

da região.

Seguindo as ideias científicas e modernas, o Leprosário São Roque foi edificado a

partir de arquitetura pavilhonar baseada na vigilância e nos preceitos de higiene defendidos nesse

período. A sua estrutura deveria reconstruir os serviços presentes na cidade, proporcionando ao

enfermo condições de morar e, até, trabalhar numa cidade, com atividades de trabalho e

divertimento. Sua estrutura contava com um pavilhão central para atender aos leprosos,

administração, consultórios médicos, salas de trabalho para os internos da instituição, além de

espaço para lazer, áreas destinadas à agricultura, à criação de animais, igreja, cinema, praça e

campo de futebol e de lugares específicos para aposentos particulares. Dessa forma, o princípio

do isolamento era permitir que os internos mantivessem uma vida normal como qualquer outro

indivíduo saudável, o objetivo das instituições de isolamento era criar uma cidade dentro cidade,

assim como implantado no Leprosário Santo Ângelo.85

Caetano Munhoz Rocha, Presidente do governo do Paraná, descreveu o Leprosário

São Roque como um grande pavilhão central que dá acesso às outras dependências, como a

administração, o consultório médico, a sala de curativos e farmácia. Esse mesmo pavilhão

também se ligava com a capela e o refeitório. Outros pavilhões eram destinados às enfermarias,

salas de trabalhos, rouparia, e sala de observação. Também existiam aposentos particulares

distribuídos de acordo com o sexo, a idade e a posição social. O edifício ainda possuía quarenta

grupos de casas para as famílias.86

Além desses elementos, também abrigava no seu conjunto

arquitetônico: água encanada, forno para incineração do lixo, necrotério, fossa séptica. Ocupava

uma área total de cem hectares. O Leprosário São Roque contava com todos os espaços

necessários e indicados para o isolamento dos doentes de lepra.

Desde a sua inauguração, esse leprosário sofreu mudanças nas suas edificações,

inicialmente foi construído para abrigar quinhentos doentes, no entanto, com o processo de

85

CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na

perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f. Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal

do Paraná, Curitiba, 2005. 86

CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na

perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f. Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal

do Paraná, Curitiba, 2005.

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internamento compulsório, chegou a isolar mil e duzentos leprosos aproximadamente. Para

abrigar todos os internos, novas construções foram anexadas, seguindo o modelo pavilhonar e da

vigilância. Para Castro, na estrutura arquitetônica do Leprosário São Roque, a vigilância foi uma

das características mais significativas.

Com um terreno plano e limpo, os edifícios seguiam a predominância da

horizontalidade, da hierarquia e da simetria espacial. Esses elementos, além de simbolizarem o

controle dos internos, exaltavam a dimensão simbólica da organização e do ordenamento,

elementos muito presentes em instituições de isolamento. Pode-se afirmar que a arquitetura era

marcada pela sua funcionalidade, servir à ciência. Os seus traços não apresentavam exageros e

ornamentação.

Assim, como esses isolamentos, o Leprosário São Francisco de Assis foi um dos

edifícios construídos para recolher os leprosos durante os anos de 1920. A sua construção, bem

como alguns elementos do seu conjunto arquitetônico, se diferenciava dos leprosários

mencionados nesse trabalho. Como retratado anteriormente, muitos estados já possuíam

leprosarias destinadas a receber exclusivamente os acometidos pelo mal de Hansen, como era o

caso dos Estados do Pará, Paraná e São Paulo. No Rio Grande do Norte, o Leprosário São

Francisco de Assis foi a primeira experiência de isolamento específica para essa doença.

Sem ajuda do Governo Federal e contando com as doações de parcelas da sociedade

potiguar, a construção do leprosário ocorreu em diferentes etapas. No primeiro momento, no ano

de 1926, a internação dos doentes foi realizada em dois pavilhões do isolamento São Roque. Suas

instalações contava com abastecimento de água e gás, ele abrigou nos seus dois primeiros anos de

funcionamento, aproximadamente catorze internos. As obras iniciais no Leprosário São

Francisco de Assis foram finalizadas em 1928, com a entrega de dez casas edificadas ao lado dos

dois pavilhões já existentes. A estrutura das casas seguia as principais ideias científicas do

período e acomodavam em torno de dois ou três doentes. Nesse período o leprosário tinha

capacidade para isolar cinquenta enfermos.87

Assim, nesse primeiro período, os doentes ficaram

divididos entre os pavilhões e o conjunto de casas.

Somente no ano seguinte, 1929, mais dois grupos de casas foram inaugurados: um

primeiro com cinco casas e o segundo com dez casas, com melhores acomodações e com mais

87

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à

Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura, em 01 de outubro de 1928.

Natal: Imprensa oficial do Estado, 1928.

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59

conforto para os seus moradores.88

O Leprosário São Francisco de Assis não construiu todas as

suas edificações ao mesmo tempo, o seu conjunto arquitetônico sofreu intervenções em diferentes

períodos, até a inauguração oficial, como também recebeu novos conjuntos de casas e serviços

durante as décadas 1930 e 1940. Assim, como nos demais leprosários, Leprosário São Roque e

Santo Ângelo, o isolamento potiguar contou com a presença de uma arquitetura pavilhonar,

sobretudo para abrigar os serviços administrativos da instituição, a presença de esgoto próprio,

cemitério, capela, atividades de lazer para os internos, bem como atividades voltadas para o

trabalho, mas também contou com a presença de grupos de casas para isolar os leprosos,

reconstituindo a configuração de uma cidade.

O Diretor de Saúde, Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho, justifica a utilização

desse tipo de edificação no isolamento dos leprosos:

Em vez de prédios custosos para muitos doentes, o Departamento de Saúde tem

preferido construir pequenos grupos de casas, occupadas sempre por um numero

reduzido de doentes, os quaes, por se sentirem assim mais a vontade, melhor

suportarão a vida de isolamento. Nesse caso elles tem mais razão para se

supporem habitantes de uma villa do que doentes de um isolamento89

.

Como apresentado, o modelo de isolamento proposto para o Leprosário São

Francisco de Assis seguiu o modelo defendido pelo Departamento Nacional de Saúde, um

isolamento que possibilitasse ao doente um convívio prazeroso e agradável e seguisse os

preceitos da ciência moderna. A arquitetura das casas e dos pavilhões deveria conter os elementos

da modernidade urbana: setorização, conforto ambiental (insolação, ventilação), funcionalidade,

racionalidade.90

Os serviços presentes nessa instituição hospitalar também deveriam seguir os

preceitos modernos, como a presença do abastecimento de água, de esgoto e de luz elétrica,

elementos indispensáveis para o convívio sadio do homem republicano. Também contou com a

presença de telefone, sala de jogos, leitura e aparelho de rádio, elementos simbólicos da

modernidade que se inseria no cotidiano dos habitantes da cidade.

88

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia

Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930. 89

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia

Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930,

p. 68. 90

CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na

perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f. Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal

do Paraná, Curitiba, 2005. p. 60.

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Assim, o isolamento dos doentes seguiu o modelo humanitário de colônias com a

presença de residências, oficinas, áreas destinadas à agricultura e à criação de animais, igreja,

cinema, praça e campo de futebol. Tinha o aspecto e a organização de uma verdadeira cidade,

onde os doentes, resignados da sua moléstia, procuravam refazer suas vidas dentro de seus muros.

1.5 Construção e financiamento do Leprosário São Francisco de Assis

A necessidade de construção de um espaço para isolar os leprosos do Estado e a

ausência de recursos financeiros para empreender tal obra caracterizaram o funcionamento e a

edificação do Leprosário São Francisco de Assis. Como medida emergencial, o Diretor de Saúde

Pública, Varella Santiago, propôs que inicialmente o isolamento dos leprosos fosse realizado em

espaço pequeno, sem grandes instalações físicas. Para tal fim, foi escolhido o antigo Isolamento

São Roque. A mensagem do Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros,

pronunciada em 1926 demonstrou essa necessidade:

Já em 1926, o Diretor do Departamento de Saúde Pública julgou conveniente

arranjar um estabelecimento, mesmo modesto, onde podessem ser isolados os

morphetico indigentes que, naquella época, ameaçavam a collectividade. Foram

escolhidos para esse fim dois pavilhões antigos do Estado, situados no kilometro

6, da Great Western, e que por muito tempo serviram de isolamento a

variolosos.91

O Isolamento São Roque foi construído no ano de 1911, no município que

correspondia a Macaíba, e tinha o objetivo de isolar os doentes de varíola, contudo, essa

instituição não foi não foi utilizada no combate à epidemia, devido à inexistência de casos

durante o ano de 1910. Esse espaço médico foi apresentado como: “[...] em logar apropriado a

dois kilometros da cidade, com 6 enfermarias, água encanada, exgottos e luz a gaz acetylene,

dispondo de um pavilhão separado para o zelador [...]”92

. Seguindo as normas higiênicas

necessárias e os preceitos da geografia médica, esse isolamento apresentava os principais

elementos higiênicos, como água encanada, esgoto próprio, estrutura de pavilhões para receber os

91

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à

Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura, em 01 de outubro de 1928.

Natal: Imprensa oficial do Estado,1928, p. 31. 92

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da

sétima legislatura, em 01 de novembro de 1911 pelo governador Alberto Maranhão. Natal: Typ. D’A República,

1911, p. 11.

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doentes; e geográficos, ficava distante do centro da cidade, com árvores frutíferas, longe de áreas

alagadas, para abrigar os doentes do mal de Hansen. Esse isolamento foi utilizado para abrigar o

primeiro grupo de leprosos isolados no Rio Grande do Norte.

O isolamento dos doentes de lepra no Rio Grande do Norte foi iniciado no ano de

1926, com a reclusão do primeiro grupo de internos formado por três indivíduos que estavam em

estágio avançado da doença e representavam perigo à saúde da população. Após a instalação

desse primeiro grupo de leprosos, várias diretrizes foram traçadas para a construção definitiva do

Leprosário São Francisco de Assis. A primeira delas foi à compra do sítio localizado próximo ao

Isolamento São Roque. Esse terreno pertencia ao jovem Rodrigo Ribeiro Resende e, no dia treze

de março de 1926, foi comprado pelo Governo do Estado no valor de seis contos e quinhentos

mil réis. A compra do terreno foi intermediada pela tutora do menor, sua mãe, Joana Coelho. O

pagamento do terreno foi realizado de forma parcelada, no ato da compra, o Governo do Estado

pagou a quantia de dois contos e quinhentos mil reis, sendo dividido o resto da quantia em duas

prestações, de dois contos de reis.93

Segundo a escritura de compra e venda do sítio, o terreno era cercado e composto de

casa de vivenda, árvores frutíferas e outras benfeitorias. Ele possuía cento e vinte dois metros nos

lados norte e sul, do lado leste apresentava vinte e oito metros e do lado oeste vinte e dois metros

de comprimento. A partir da descrição presente na escritura, o sítio apresentava todas as

características apropriadas para a instalação do isolamento dos leprosos.

Com a compra do terreno efetivada, o jornal O Paiz, de vinte de novembro de 1926,

na coluna Carta do Rio Grande do Norte, apresentou a notícia de construção do Leprosário, no

município de Macaíba, e a atuação do estado no combate ao mal de Hansen. Para a construção

desse empreendimento, o engenheiro Omar O’ Grady, participante da Comissão Central Pró-

leprosário, foi o responsável pela produção da planta. O jornal retratou:

[...] o governo do Estado, sempre interessado por todos os problemas que visam

o bem-estar colletivo, já cedeu, para a instalação dessa utilíssima instituição,

uma valiosa propriedade agrícola situada no municipio de macayba, tendo o

engenheiro Omar O’ Grady levantado a respectiva planta, que recebeu a

approvação unanime da commissão [...]94

.

93

Informações presentes na escritura pública de compra e venda do terreno, registrada em 13 de março de 1926, no

livro 125, translado 1º, folhas 77 a 79 no primeiro oficio de notas. 94

O PAIZ, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1926.

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Após a compra do terreno foi instaurada a Comissão Central Pró-leprosário,

retratada pelo jornal O País, na mesma coluna Carta do Rio Grande do Norte, de vinte de

novembro de 1926, como “[...] uma comissão das figuras mais eminentes da administração

pública e das classes ditas conservadoras incumbidas de angariar donativos e de promover os

meios de realização da humanitária iniciativa [...]”95

. A comissão foi dirigida pelo médico

Manoel Varella Santiago (Diretor do Departamento de Saúde) e formada por Augusto Leopoldo

(Vice-governador do Estado), Waldemar Antunes, Theotonio Freire (Juiz municipal e federal),

Felippe Guerra (Procurador Geral do Estado), Monsenhor Alves Landin, Coronel José Lagrega,

Coronel João Galvão Filho e Omar O’ Grady (Intendente de Natal)96

. Como evidenciado, a

Comissão Central Pró-leprosário, contou com membros que exerciam ou tinham exercido

importantes funções no campo político e econômico do Estado. Para uma tarefa tão importante,

no que diz respeito à saúde pública do Estado, os membros da comissão representavam a

importância do empreendimento.

A comissão realizou diversas reuniões e festas para angariar fundos e organizar a

construção do isolamento, como demonstrou o jornal A República, no dia oito de outubro de

1926. O jornal noticiou a reunião realizada pela comissão, no Instituto Histórico e Geográfico do

Rio Grande do Norte, com o objetivo de conseguir fundos para a fundação do Leprosário São

Francisco de Assis de forma mais rápida possível.97

Após a construção do Leprosário, a

Comissão Central Pró-Leprosário foi substituída pela Sociedade de Assistência aos Lázaros e

Defesa contra a Lepra98

, tendo à frente o médico Manoel Varella Santiago Sobrinho.

As fontes disponíveis não permitiram responder a todas as perguntas surgidas durante

a pesquisa, mas posso indicar que o antigo Isolamento São Roque foi utilizado para abrigar os

primeiros grupos de leprosos, já que o Estado não contava com recursos suficientes para arcar

com a construção de um novo espaço que abrigasse os doentes e a União não disponibilizou

ajuda financeira para esse empreendimento inicialmente. A construção do Leprosário ocorreu

durante três anos, iniciada em 1926 e inaugurada no ano de 1929. Durante esse período de

construção, novos internos foram recolhidos anualmente de forma crescente no interior do

95

O PAIZ, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1926. 96

A REPÚBLICA, Natal, 24 de abril de 1926. 97

A REPÚBLICA, Natal, 08 de outubro de 1926. 98

Durante a pesquisa não foi possível realizar investigações sobre a Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa

contra a Lepra, principalmente no que diz respeito ao papel dessa instituição no processo de internamento dos

leprosos e na manutenção do combate à lepra no Estado.

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isolamento. Dessa forma, posso concluir que o local utilizado para a construção do Leprosário

São Francisco de Assis foi o mesmo utilizado para abrigar o primeiro grupo de internos, o antigo

Isolamento São Roque. Além disso, não observei nas fontes analisadas a menção à transferência

de doentes de lepra para outro edifício hospitalar. Dessa forma conclui-se que o antigo

Isolamento São Roque foi incluído no conjunto arquitetônico do Leprosário São Francisco de

Assis, abrigando, após a inauguração oficial, o setor administrativo da instituição médica.

A construção do Leprosário São Francisco de Assis, como já falado anteriormente,

estava inserida nas ideias de modernidade presentes nesse período, a saúde dos indivíduos estava

no centro das questões nacionais. A saúde da população deixava de ser uma questão individual

para se transformar em uma questão coletiva, de formação da identidade nacional, como retrata

Hochman. O processo de industrialização, a crescente urbanização e o crescimento populacional

produziu uma sociedade onde as doenças (epidemias) constituíam-se em elos de interdependência

social. A doença, antes vista como problema individual, passou a ser julgada como problema

coletivo e como tal passível das ações de políticas públicas nacionais99

. As ações sanitárias

tinham como base impedir o contato do homem com o micróbio, o indivíduo doente com o

indivíduo saudável, para isso o discurso médico criou uma série de medidas direcionadas para a

educação dos hábitos coletivos e individuais. Nesse sentido, dois elementos podem ser

destacados na construção do Leprosário São Francisco de Assis: a participação de segmentos da

sociedade na construção do isolamento e o discurso proclamado nos jornais da necessidade de

construção do leprosário para o bem da saúde do Estado.

A partir das ideias retratadas por Hochman, o micróbio (no caso da lepra, a bactéria

Mycobacterium leprae) e a possibilidade de contágio tornavam todos os membros da sociedade

indissociáveis. Assim, a preocupação com as epidemias (os doentes) estava baseada na ameaça

que esses portadores pudessem causar a saúde da sociedade. Dessa forma, segmentos da

sociedade e os jornais passaram a defender a construção do isolamento potiguar para os leprosos

como uma ação de saúde coletiva.

A construção do Leprosário São Francisco foi permeada de simbologias políticas e

identificava as ações de um grupo específico presente no Estado. A escolha do local para a sua

construção, como a seleção dos membros que formaram a comissão dessa construção, era

99

HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. São Paulo: Hucitec,

1998.

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permeada por questões políticas e discursivas. Apesar das questões financeiras terem sido um

fator importante para determinar o primeiro local do início do isolamento dos leprosos, a sua

construção definitiva foi determinada também por outros fatores como: a área geográfica, longe

do centro urbano da cidade, com árvores e boa circulação dos ventos; e a identificação dessa

instituição com o principal centro econômico e político do Estado.

A construção do Leprosário foi financiada pelas doações realizadas, de forma

individual ou através de eventos e coletas, em festas organizadas para esse fim. De acordo com o

jornal A República, foram realizados vários eventos, para arrecadar fundos destinados à

construção do Leprosário São Francisco de Assis, entre os anos de 1926 e 1928. Entre os

principais grupos que atuaram no financiamento do isolamento dos leprosos, identificaram-se três

grupos principais, a saber: as alunas da Escola Doméstica, a Congregação Mariana de Moços e a

Cruzada Feminina. Entre os principais eventos, o jornal A República, de cinco de agosto de 1926,

retratou a coleta de fundos realizada pela Congregação Mariana de Moços em algumas cidades

do Estado:

Em favor do Leprosário s. Francisco de Assis, a Congregação Marianna de

Moços promoveu, ante-hontem, uma collecta, cujo producto será applicado nas

obras dessa importante instituição. Seguindo directamente a Ceará-mirim, onde

percorreram algumas ruas recolhendo donativos, dali tonaram a Extremoz,

demorando algumas horas durante o maior movimento da festividade100

.

O deslocamento da associação foi realizado pela Estrada de Ferro Central do Rio

Grande do Norte, entre as vilas e as cidades de Extremoz e Ceará-Mirim, demonstrando a

participação de diversos segmentos da sociedade nessa empreitada de acabar com o mal de

Hansen no Estado. Ainda o mesmo jornal, em outubro de 1926, noticiou outra festividade em

prol da construção do leprosário com a participação da Congregação Mariana de Moços e das

alunas da Escola Doméstica:

Realiza-se amanhã, às 19 1/2 horas, no Theatro Carlos Gomes, o certame litero-

musical, promovido pela Congregação Mariana de Moços, com o concurso de

todas as classes, em homenagem a S. Francisco de Assis, no seu 7º centenário e

em beneficio do Leprosário, sob seu patrocínio. O programa attraente que damos

abaixo, é o melhor sucesso a brilhante comemoração, que nos vae proporcionar

momento de espiritualidade e nos dar ensejo de contribuir para uma obra pra

100

A REPÚBLICA, Natal, 05 de outubro de 1926.

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todos os títulos digna de colaboração de todos. [...] A porta haverá bolsas para

receber os donativos em favor do leprosário101

.

Além da realização da coleta de donativos realizada no Festival Literário no Teatro

Carlos Gomes, o jornal noticiou a venda de flores em benefício da construção do Leprosário

promovida pelas meninas da Escola Doméstica e da Escola de Comércio. Outras doações e

festivais foram realizados durante os anos de construção do Leprosário São Francisco de Assis. O

jornal O Imparcial, no dia vinte e cinco de janeiro de 1929, com a matéria “Belo gesto da

Caravana feminina”, noticiou a ação da Cruzada Feminina no município de Ceará-Mirim e a

arrecadação dessa organização de dez contos de réis para a construção do isolamento de

leprosos.102

A partir das informações presentes nos jornais mencionados acima, observei que as

congregações religiosas foram de grande importância para a materialidade da construção do

Leprosário São Francisco de Assis. Para Curi, essa relação estabelecida entre a caridade e o

combate à lepra presente no século XIX deixou de pertencer ao espaço exclusivo da piedade. Por

meio dos discursos médicos, as ações filantrópicas aderiram a ideia de cuidar e zelar pela saúde

da cidade e da sociedade. Conforme esse autor:

[...] Surge então uma filantropia que desenvolvia uma prática um pouco mais

sistemática e que operava com uma base conceitual medicalizada e secularizada,

reatualizando o medo que sempre revestiu a lepra através da noção de contagio,

embasando-se para isso na teoria microbiana das doenças103

.

A ação filantrópica na atenção e profilaxia dos leprosos também foi presente em

outros estados, em São Paulo, por exemplo, podemos citar a Associação Protetora dos

Morféticos, instituída no ano de 1917. Essa associação tinha como papel abrigar e amparar os

leprosos e os seus familiares. A atuação das organizações civis no combate à lepra foi observada

na construção do isolamento e na ajuda do seu funcionamento. A partir das fontes investigadas,

não foi visualizada, no Rio Grande do Norte, a presença dessa associação específica – Associação

101

A REPÚBLICA, Natal, 03 de outubro de 1926. 102

O IMPARCIAL, Maranhão, 25 de janeiro de 1929. 103

CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976).

2002, 231f. Dissertação (Departamento de História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. p.

82.

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Protetora dos Morféticos, embora o Estado tenha contado com a participação da Sociedade de

Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, instituída no ano de 1930.

A partir das doações e dos recursos financeiros disponíveis, o Leprosário São

Francisco foi construído em etapas. Segundo Câmara Cascudo, o primeiro grupo de casas foi

inaugurado em catorze de janeiro de 1929, o segundo grupo de residências foi inaugurado em

vinte e seis de abril de 1929 e o último grupo de casas foi entregue somente em cinco de janeiro

de 1930.104

A construção do Leprosário não ocorreu de maneira única, as suas dependências e os

seus melhoramentos foram construídos de forma paulatina. O jornal Correio Paulistano, de trinta

de abril de 1930105

, noticiou as novas construções realizadas no isolamento dos leprosos, como

instalação de usina elétrica, construção privativa para o abrigo das irmãs de caridade, aparelho de

rádio e diversão para os isolados. Outro jornal que noticiou as novas instalações do Leprosário

São Francisco de Assis foi o Jornal do Commercio do Estado do Amazonas, de doze de outubro

de 1930. Na coluna Estados, retratou a atuação do Rio Grande do Norte no combate à lepra e as

novas edificações presentes no isolamento, como uma escola e o bangalô destinado a abrigar as

irmãs de caridade:

No leprosário da Villa de São Francisco de Assis foi inaugurada uma escola para

as crianças alli installadas, obra do dr. Varella Santiago, director geral do

departamento de saúde pública. Além da escola será dada a benção pelo bispo D.

Marcolino Dantas ao bungalow destinado a residência das irmãs de caridade, sob

cuja direcção têm de ficar os negócios internos do leprosário. O Bungalow está

construído em terreno neutro; é um prédio muito confortável, servindo

perfeitamente aos fins a que se destina106

.

Diante das notícias apresentadas pelos jornais, conclui-se que as dependências

internas do leprosário só foram finalizadas durante a década de 1930. Os internos recolhidos

antes desse período, sobretudo durante os três primeiros anos de funcionamento, foram isolados

sem a infraestrutura adequada para o tratamento dos doentes e sem seguir os preceitos médicos

vigentes.

A partir da menção à edificação da escola, que poderia ser destinada à educação dos

adultos e aos mais jovens, posso inferir que o leprosário nos seus primeiros anos de

104

CARDOSO, Rejane (Coord.). 400 nomes Natal. Natal: Prefeitura Municipal do Natal, 2000. (Coleção Natal 400

anos). 105

CORREIO PAULISTANO, São Paulo, 30 de abril de 1930. 106

JORNAL DO COMMERCIO. Coluna Os Estados, Amazonas, 12 de outubro de 1930.

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funcionamento internava todos os doentes notificados com o bacilo, independentemente da idade

que o indivíduo apresentava no momento do isolamento. A presença da escola no leprosário

correspondia à ideia do médico Varella Santiago de construir um espaço médico que

proporcionasse aos internos acomodações modernas, higiênicas e que reconstituísse a vida

cotidiana de todos os leprosos. Além da presença da escola, a construção do bangalô, exclusivo

para as irmãs de caridade, representava a ideia do perigo do contágio para as pessoas sadias e a

relação estabelecida no Estado entre saúde e caridade. A presença das religiosas na administração

interna dos estabelecimentos de saúde era característica marcante no Estado.

A construção do Leprosário São Francisco, diferente dos leprosários construídos em

outros estados do Brasil, que contou com ajuda financeira da União, ocorreu a partir da

organização de alguns setores da sociedade potiguar. O apoio financeiro do Governo Federal

efetuou-se somente depois dos anos de 1930, os recursos federais auxiliaram na construção de

melhorias físicas no edifício do isolamento, como revela o Diretor de Saúde, Dr. Armando China:

“o governo federal, por sua vez acaba de dispender a importância de duzentos contos de réis as

construções de outros pavilhões; em número de quatro, dotando, destarte, o estabelecimento de

recursos mais amplos [...]”107

.

As festas e as doações para a construção desse isolamento foram revestidas com a

ideia de caridade, de auxílio. O combate à lepra em leprosários e colônias agrícolas estava

inserido nas ideias científicas e sanitárias como uma diretriz nacional. Mas, a responsabilidade de

combater a lepra foi compartilhada com a sociedade, sobretudo com as ordens religiosas, já que

foram as principais responsáveis por grande parte dos eventos realizados na cidade destinados à

arrecadação de fundos voltados para a construção do Leprosário São Francisco de Assis.

Além da presença das organizações religiosas, as doações ao leprosário continuaram

existindo de forma individual ao longo do seu funcionamento, como noticiou o jornal A ordem de

quatro de janeiro de 1940: “enviou nos O Sr. Rosendo Fernandes, proprietário no município de

Caraubas, a importância 100$000, para, por nosso intermédio, ser entregue como auxilio ao

Leprosário São Francisco de Assis desta capital”108

. Mesmo após a inauguração do isolamento, as

doações destinadas ao Leprosário continuaram a ocorrer, demonstrando que o Estado não tinha

107

A RAZÃO, São Paulo, 10 de maio de 1938. 108

A ORDEM, Natal, 04 de janeiro de 1940.

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recursos financeiros suficientes para manter a instituição e realizar as melhorias adequadas na sua

estrutura.

1.6 Abertura do canteiro de obras do Leprosário São Francisco e Assis e a movimentação

dos seus internos

Como já retratado anteriormente, o início da construção do Leprosário ocorreu no ano

de 1926. Apesar de novas casas terem sido edificadas apenas em 1928 e nos anos de 1930,

considero o ano de 1926 como início das obras, pois os dois antigos pavilhões utilizados para o

isolamento de variolosos receberam reformas e adequações para isolar o primeiro grupo de

internos. Os primeiros internos foram isolados entre julho e outubro desse ano, no total de três

doentes: Jorge Friscle, natural da França, internado em vinte de julho de 1926; e Bento Gomes de

Oliveira, nascido no município de Macaíba, internado em quatro de outubro de 1926.109

Desses

três internos um faleceu, ficando a instituição com apenas dois doentes nesse primeiro ano de

funcionamento.

O primeiro interno do Leprosário São Francisco de Assis, Jorge Friscle, era natural da

França, com quarenta e um anos no momento da internação. De acordo com a ficha clínica da

instituição, o interno apresentava sintomas muito evidentes da doença no seu corpo, com feição

leonina, zonas de anestesia nos braços e nas pernas. A presença das características da doença

evidentes no seu corpo, especialmente no seu rosto, identificava o doente entre a população,

transmitindo medo e terror aos que conviviam com o leproso. Ainda segundo relato presente na

sua ficha, exercia a profissão de mecânico no interior do Estado, para onde viera em busca de

tratamento na instituição. Esse relato demonstra o preconceito e o estigma que o doente sofria

entre a população. Foi notificado pelo Serviço de Saneamento Rural em três de novembro de

1925. Permaneceu no isolamento poucos meses, faleceu em cinco de novembro de 1926.

O segundo interno do Leprosário São Francisco de Assis não foi identificado no

momento da produção do trabalho. O terceiro doente isolado no ano de 1926, Bento Gomes de

Oliveira, natural de Macaíba, foi internado em quatro de outubro de 1926. A situação do estado

da moléstia não foi especificada, nem a realização do exame da mucosa nasal foi registrada. O

109

Dados obtidos nas fichas clínicas dos internos presentes no arquivo do Leprosário São Francisco de Assis. Por

ausência da ficha clínica do segundo indivíduo isolado no Leprosário, não foi possível identificar o doente, seu

período de internamento e seus sintomas.

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que a ficha clínica retratou foi a ausência do indivíduo no extremo norte do país. Tal informação

exalta a preocupação com a epidemia que existiu nessa região. Apesar da ausência de registro do

grau da infecção do doente, o seu corpo indicava a presença da doença, seja através de manchas

ou mesmo de zonas de anestesia. Faleceu no leprosário, em vinte e nove de abril de 1927.

Os três primeiros internos do Leprosário São Francisco de Assis, assim como foi

retratado pelo Diretor de Saúde Pública, Manoel Varella Santiago Sobrinho, estavam em estado

avançado da doença, não permanecendo no isolamento após a finalização da construção.

No segundo ano de funcionamento da instituição, em 1927, foram internados doze

doentes, totalizando catorze doentes internos residentes nos dois pavilhões. Assim como ocorreu

no ano de 1926, os internos isolados no leprosário apresentavam elementos da moléstia no seu

corpo, com zonas de anestesia e infiltrações nos pés e mãos, presença de manchas no corpo e

erupções na pele. Esses elementos podem ser averiguados a partir do número de óbitos

registrados entre os internos nesse período. Dos doze indivíduos que entraram no isolamento, seis

faleceram na própria instituição no período de um ano. A alta mortalidade dos doentes pode ser

explicada por dois motivos: o primeiro fator seria o estado avançado dos doentes no período da

internação; a segunda causa seria a estrutura do isolamento, sem condições físicas e médicas para

atender ao tratamento dos doentes, aliada à solidão da reclusão.

O número reduzido de internos no leprosário era bem diferente dos dados inscritos

nos outros isolamentos do Brasil, que registraram mais de cinquenta internos no início dos

isolamentos, como o Leprosário São Roque e o Leprosário Santo Ângelo. Com o início das obras

de construção do Leprosário São Francisco de Assis, o ano de 1928 foi marcado pelo maior

número de internamentos na instituição. No final desse ano, trinta e sete novos pacientes

chegaram ao Leprosário São Francisco de Assis. Segundo os dados registrados, ao final desse

ano, o leprosário tinha trinta e sete internos, com oito falecidos.

Após a inauguração oficial do estabelecimento e a entrega de conjunto de casas, o

número de internos dobrou, entrando na instituição sessenta doentes nesse primeiro ano. Dessa

forma, ao final desse ano, o Leprosário contava com oitenta nove doentes, dos quais vinte haviam

falecido, permanecendo na colônia sessenta e seis internos no ano de 1929. Já nos anos de 1930,

a entrada de novos internos decresceu, sendo registrada a entrada de apenas dezoito doentes110

. A

110

Dados obtidos nas fichas clínicas dos internos presentes no arquivo do Leprosário São Francisco de Assis e nas

mensagens dos presidentes do Estado dos anos de 1929 e 1930.

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partir dessas informações, podemos construir os seguintes dados sobre os primeiros cinco anos de

funcionamento do isolamento potiguar:

Quadro 2: Movimento dos internos no Leprosário São Francisco de Assis entre os anos de 1926 a 1930

Ano Entrada de pacientes

na instituição

Óbitos registrados

por ano

Evasão de

internos

Total de

internos

1926 03 01 ** 02

1927 12 04 ** 08

1928 37 08 ** 29

1929 60 12 03 45

1930 18* 08* ** 10

*Dados registrados até 30 de junho de 1930.

** Não foram registrados casos de evasão nesses anos. Fonte: Mensagem dos presidentes do Estado e Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

Dessa forma, ao final dos anos 1930, o leprosário contava com noventa e cinco internos,

já que um dos internos evadidos foi capturado e internado novamente no Leprosário111

. Todos os

internos, com exceção de três doentes, foram submetidos à prova do laboratório do exame da

mucosa nasal dos indivíduos e grande parte dos internos tinha elementos da morfeia no seu

corpo, com zonas de anestesias e infiltrações em braços, mãos e pés e apresentavam manchas na

pele.

Dos cento e trinta internos que haviam sido isolados na instituição até a década de

1930, oitenta e nove eram homens e quarenta e um eram mulheres. Assim, metade da população

do Leprosário São Francisco de Assis era do sexo masculino. Esses internos eram provenientes

de diferentes municípios do estado, contudo a maior incidência de internos era de Natal, Macaíba,

Ceará-Mirim, São José de Mipibu, São Gonçalo e Mossoró.

É importante destacar que, segundo a fala oficial, o isolamento ocorria com

facilidade, muitos doentes procuravam o leprosário de forma espontânea, sobretudo as famílias

mais abastadas da sociedade potiguar. O jornal A Reforma, de vinte e sete de julho de 1930,

retratou: “Não tem o governo encontrado relutância por parte dos enfermos recolhidos ao

leprosário, collocando-se ao abrigo do mundo muitas vezes hostil para esses desafortunados”.

111

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima

terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929.

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Tanto no discurso oficial como no discurso emitido nos jornais, o isolamento dos leprosos no

estado ocorria de forma espontânea entre todas as classes sociais, sem relutância por parte dos

doentes. Contudo, durante a pesquisa não foi identificado o registro de leprosos com condições

sociais abastadas. As famílias de destaque a que se faz referência, o discurso oficial do Presidente

do Estado, eram indivíduos que foram internados nos últimos grupos de casa construídos no ano

de 1929, com estrutura mais confortável, os chamados pensionistas. E sobre o isolamento

espontâneo por parte dos doentes, nem sempre foi efetivado, como pode ser verificado na evasão

de alguns internos.

A construção do Leprosário São Francisco de Assis foi noticiada pelos jornais e

colocada na pasta dos governos do Estado como uma obra de caráter humanitário e social para o

desenvolvimento da saúde pública. Após dois anos da inauguração oficial do isolamento e as

transformações implantadas no campo da política nacional e potiguar, o leprosário deixou de

receber novos internos em 1931 por decisão do interventor Irineu Joffily112

. A ação do interventor

foi retratada pelo correspondente do jornal Diário de Noticias em treze de janeiro de 1931 com a

seguinte manchete “Irineu Joffily solta os leprosos!”.

Causou a maior indignação nesta capital o acto do Sr. Irineu Joffily mandando

que regressem para os municípios do interior, vários leprosos que se

encontravam internatos nesta capital. Toda a população condemna a insensatez

da medida, sobretudo porque o Leprosario São Francisco de Assis, há pouco

construido, com os maiores sacrificios, está apparelhado para receber todos os

pestosos do Estado113

.

A ação do interventor foi descrita como um gesto atentatório ao bom senso e à

população do estado, caprichoso e de insensatez. Toda a ação do poder público no processo de

internamento dos leprosos foi desfeita pelo interventor do Estado, contrariando a política da

112

Com a Revolução, os governantes estaduais são depostos. No Rio Grande do Norte, começa uma disputa pelo

poder, onde a Aliança Liberal do Estado fica dividida em torno dos nomes de Café Filho e de Silvino Bezerra Neto

para o governo. Para resolver a questão, foi instituída uma Junta Governativa Militar que garantiu a ordem pública e

consolidou a mudança de poder. Sendo, por fim, escolhido para presidente provisório do Estado, o Dr. Lindolfo

Câmara. Porém, como o mesmo estava ausente, foi substituído interinamente pelo Dr. Irineu Joffily, que cuidou de

reformar os costumes políticos, apurando e instaurando inquéritos de atos políticos ocorridos na Velha República,

além de tentar reduzir as despesas e o corpo de funcionários. Joffily fundou também a Legião Revolucionária, que

tinha como objetivo garantir as instituições e restaurar os princípios republicanos. Disponível em:

<http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria_de_cultura/DOC/DOC000000000113081.PDF>. 113

DIÁRIO DE NOTICIAS, Rio de Janeiro,13 de Janeiro de 1931.

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saúde nacional que durante o governo provisório continuou as diretrizes de combate à lepra

utilizadas desde o Regulamento Sanitário do ano 1923.

Várias ações contrárias ao gesto do interventor foram realizadas tanto em âmbito

estadual como em âmbito nacional, sobretudo, ações ligadas às entidades de auxílio aos leprosos.

O Jornal de dezessete de janeiro de 1931 retratou a ação da Federação Brasileira pelo progresso

Feminino no Segundo Congresso Internacional Feminista, na tentativa de reativação do

isolamento potiguar. Segundo o jornal, a comissão da Federação: apresentou por último a moção

da Sra. Allice Tibiriçá114

, pedindo a reabertura do leprosário São Francisco de Assis no Rio

Grande do Norte, onde se acharam abrigados 95 por cento dos leprosos existentes naquele

Estado.115

A partir da documentação pesquisada, suponho que o Leprosário São Francisco de

Assis não foi inteiramente desativado durante o ano de 1931. O leprosário isolava quantidade

considerável de internos, alguns isolados há alguns anos, outros recém-chegados. Os internos

reclusos não tinham condições de voltar ao convívio pleno da sociedade, pelo medo do contágio e

pelo estigma que a doença provocava. Mesmo com a proibição da internação de novos internos,

muitos leprosos continuaram morando nessa instituição nesse período. Além desse fator, a

documentação presente no arquivo da instituição retrata que o isolamento recebeu novos internos,

sobretudo no ano de 1934. A partir das pesquisas realizadas nas fichas clínicas do isolamento, o

leprosário fichou em torno de cinquenta doentes entre os anos de 1930 e 1933. Não é possível

afirmar se todos os registrados pela instituição foram recolhidos, mas posso afirmar que apesar da

ordem do interventor Irineu Joffily, o Leprosário São Francisco de Assis não foi desativado.

O aumento no número de internos após o ano de 1934 tem profunda ligação com a

política nacional implantada após o Governo Provisório. Nesse período, a atuação de

regulamentação da lepra continuou a cargo da Inspetoria de Profilaxia da Lepra, mesmo com a

criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), ainda em novembro de 1930. Não

houve nenhum plano nacional voltado ao campo da saúde, as mudanças realizadas pelo regime

varguista priorizaram os temas do trabalho, da educação e da cultura. Durante esse período as

prioridades no campo da saúde não diferiram das propostas de política pública da década de

1920, os problemas sanitários continuavam sendo a febre amarela, que atingiu várias cidades, a

114

Alice de Toledo Ribas, pelo casamento Tibiriçá, foi uma importante figura na organização de instituições

destinadas à profilaxia da lepra no Brasil. 115

O JORNAL, Rio de Janeiro, 17 de julho de 1931.

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malária no interior do país, o aumento significativo dos casos de lepra e a existência da

tuberculose nas cidades.

As ações do governo na profilaxia da lepra nesse período do Governo Provisório

foram bem pontuais. Somente a partir do ano de 1932, o Governo Federal passou a fornecer

auxílios financeiros regulares aos governos estaduais com a finalidade de construção ou

manutenção dos leprosários, uma tentativa de regularizar os auxílios financeiros fornecidos pela

União116

. Ainda do ponto de vista estrutural, as principais transformações realizadas no ano de

1934 foram instituídas pelo Ministro Gustavo Capanema. Entre as principais medidas, posso

destacar a criação da Diretoria dos Serviços Sanitários (implantada no lugar do Serviço de

Saneamento Rural) e iniciou-se o processo de uniformização das diretrizes de profilaxia da lepra.

Assim, no plano nacional ficou determinada a construção de leprosários em todos os estados,

bem como o isolamento compulsório efetivo dos doentes notificados. A política de combate à

lepra ficou baseada no que se chamou de “tripé”: leprosários, dispensários e preventórios, ativa

até a década de 1960. Dessa forma, a política implantada de combate à lepra no ano de 1935 não

diferiu do modelo empregado durante o final dos anos de 1920 no Brasil.

O Leprosário São Francisco de Assis, a partir da introdução do novo plano nacional,

recebeu novas edificações em 1936, foram construídos dois novos pavilhões, como noticiou o

jornal Diário de Notícias em primeiro de abril de 1936: “serão inaugurados, proximamente, dois

novos pavilhões no leprosário São Francisco de Assis, para melhor conforto dos hansenianos ali

recolhidos”117

. O Leprosário São Francisco de Assis, na década de 1930, recebeu novas

edificações seguindo o modelo de pavilhonar – estrutura arquitetônica diferente da proposta por

Manoel Varella Santiago Sobrinho. Nesse período, o isolamento foi formado por dois tipos de

edificação, casas e pavilhões para os internos.

Até o ano de 1933, o leprosário isolou aproximadamente 100 leprosos dos 160

doentes que existiam no estado.118

Esses números continuaram aumentando devido à política de

notificação de novos casos e o isolamento compulsório dos doentes. Em carta de vinte de outubro

de 1936 do Dr. Varella Santiago enviada a Souza-Araújo, o médico potiguar informou que: dos

duzentos e cinquenta leprosos internados na Colônia São Francisco de Assis, entre o período de

116

CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920

e 1945). 2005. 142 f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da

Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005. 117

DIÁRIO DE NOTICIAS, Rio de Janeiro, 01 de abril de 1936. 118

DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 14 de março de 1933.

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vinte de julho de 1926 a vinte de outubro de 1936, faleceram cento e três leprosos, existindo

cento e vinte e três doentes hospitalizados e dezoito ainda se encontravam livres. Para o Dr.

Varella Santiago, o número de doentes desconhecidos não chegava a cinquenta. Perante os dados

do Diretor do Departamento de Saúde Pública, Souza-Araújo informou que, entre os anos de

1926 até 1933, foram fichados no estado 181 leprosos, dos quais não deviam existir mais de 150

doentes até o ano de 1933.119

De acordo com o Censo Leprológico, realizado pelo doutor Silvino Lamartine no

Estado durante o ano de 1936, Souza-Araújo afirmou que o número dos doentes era o seguinte:

cento e oitenta dois doentes notificados e conhecidos, cento e quarenta e dois leprosos isolados na

Colônia São Francisco de Assis e uma estimativa de duzentos e cinquenta doentes infectados com

o mal de Hansen em uma população de aproximadamente novecentos e um mil habitantes120

.

Percebe-se que os dados sobre o número de doentes infectados que não eram conhecidos divergia

nesse período entre os médicos, o que permite inferir que, apesar do esforço das classes médicas

e políticas de identificar todos os doentes do estado, muitos indivíduos e a sua própria família

ocultavam sintomas e doentes presentes na sua casa.

Apesar de existir uma política de isolamento compulsório dos doentes infectados e

um esforço dos gestores e de membros da classe médica para realizar o isolamento de todos os

doentes infectados, o número de pessoas infectadas pelo mal de Hansen crescia entre a população

potiguar. A política de isolamento realizada no leprosário continuou durante as décadas de 1930 e

de 1940, no ano de 1938, o isolamento já contava com aproximadamente cento e cinquenta e

quatro doentes internados.121

O gráfico abaixo demonstra o número de internos registrados no Leprosário São

Francisco de Assis no momento do isolamento durante todo o seu período de funcionamento.

119

SOUZA-ARAÚJO. A lepra e as organizações anti-leprosas no Brasil em 1936. Rio de Janeiro: Memórias do

Instituto Osvaldo Cruz, 1937. 120

Idem, 1937. 121

A RAZÃO, São Paulo, 10 de maio de 1938.

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Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

Como identificado a partir dos dados analisados e das fontes disponíveis, a internação

dos doentes de lepra no Leprosário São Francisco de Assis ocorreu de forma mais efetiva nos

anos de 1920 a 1940. Ao final do ano de 1930, o Leprosário possuiu um número elevado de

internos, totalizando cento e oitenta dois internos. Esses dados revelam que a política de combate

à lepra no Estado foi efetivada com o isolamento compulsório dos doentes no Leprosário São

Francisco de Assis. O internamento ocorreu de forma mais intensa no momento de implantação

do Plano Nacional de Combate à Lepra a partir do ano de 1935. Ainda de acordo com os dados

colhidos nesta pesquisa, observei que a partir das décadas de 1950 e 1960, o internamento dos

doentes é bem inferior às demais décadas. Essa redução dos números de doentes constitui

importante tema para pesquisas futuras.

1.7 Vila, leprosário ou colônia?

O isolamento dos doentes do mal de Hansen no Rio Grande do Norte recebeu várias

nomenclaturas durante o seu período de funcionamento, entre eles podemos destacar: Leprosário

São Francisco de Assis, Colônia São Francisco de Assis e Vila São Francisco de Assis. As

denominações recebidas pela instituição retrataram a concepção de isolamento que foi seguida e

as práticas médicas realizadas nesse espaço hospitalar. O nome leprosário ou lazareto foi

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utilizado para designar um espaço hospitalar de isolamento de leprosos ou de pessoas que

apresentassem qualquer tipo de problemas na pele. Já a denominação colônia pode ser entendida

como um espaço de reclusão de doentes com infraestrutura semelhante às cidades, formada por

espaços para atividades físicas, cemitério, capela, atividades profissionais, escola e outras

instalações. O termo vila, segundo o Dicionário Aurélio, significa “povoação, de categoria

inferior à cidade e superior à de aldeia” 122

. Essas três definições (leprosário, colônia e vila)

estiveram presentes na história do Leprosário São Francisco de Assis, definindo o seu tipo de

isolamento, a sua arquitetura e as práticas médicas desenvolvidas no interior do isolamento.

No primeiro momento, especificamente até o ano de1929, o isolamento para leprosos

no Rio Grande do Norte, foi chamado de Leprosário São Francisco de Assis, por médicos, pelos

jornais e na documentação oficial da instituição. Essa nomenclatura se relacionou com dois

elementos principais: a estrutura arquitetônica do isolamento e a concepção profilática praticada.

O isolamento era formado por dois pavilhões divididos por sexo, sem atividades de lazer e

trabalho para os doentes, sem a presença de médicos ou outros profissionais, a sua função era

isolar e retirar os leprosos do convívio da sociedade. Não existia nenhum tipo de prática

profilática, como visitas médicas e utilização de remédios, os doentes ficavam reclusos no

isolamento, sem qualquer tipo de esperança de voltar ao convívio com os demais.

A partir da construção de novas instalações, principalmente da edificação de grupos

de casas durante o ano de 1928, o nome leprosário foi substituído por Colônia São Francisco de

Assis, sobretudo na fala dos líderes políticos e da classe médica. Contudo, essa nomenclatura só

se tornou presente na documentação administrativa do espaço hospitalar a partir do ano de 1930.

O modelo de isolamento dos leprosos baseado nas colônias agrícolas foi sugerido por

Osvaldo Cruz, em relatório apresentado em 1904, para ele o caráter crônico da lepra e a sua lenta

evolução exigiam um tipo de isolamento apropriado em que os leprosos desenvolvessem

atividades de diferentes naturezas. Para Castro, os médicos e os líderes políticos pensavam essas

intuições como lugares em que os internos pudessem ter uma vida semelhante à das pessoas

sadias. Essas instituições, “[...] ao mesmo tempo em que preservariam a população sadia, trariam

dignidade e respeito ao doente obrigado à segregação, proporcionando dentro de seus muros uma

122

AURÉLIO. Dicionário do Aurélio on-line. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/vila›>. Acesso em:

03 out. 2017.

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vida completa”123

. Assim, a proposta nacional era isolar os leprosos, não mais em leprosários,

mas em colônias agrícolas que permitissem ao interno uma vida minimamente condizente com a

vida anterior que possuía.

A partir das Diretrizes Nacionais de combate a lepra , o Leprosário São Francisco de

Assis sofreu diferentes intervenções físicas, adequando-se às normas e aos preceitos médicos

propostos. No momento inicial o isolamento contava com apenas dois pavilhões, com a expansão

territorial, novas edificações foram realizadas no sentido de garantir ao interno uma vida

completa mesmo estando dentro de uma instituição médica. O isolamento dos doentes que antes

era realizado nos antigos pavilhões do Isolamento São Roque foi substituído por grupos de casas,

que, segundo o Diretor do Departamento de Saúde, Varella Santiago, a ideia desse tipo de

construção era proporcionar aos internos uma sensação de habitar uma vila, uma cidade. A partir

da estrutura física de grupos de casa e do discurso do seu diretor, o Leprosário São Francisco de

Assis recebeu a denominação de Vila São Francisco de Assis, como retratou o Dr. Varella

Santiago Sobrinho em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em três de julho de mil

novecentos e vinte e nove: “[...] o nome do Leprosário que concorreria para lembrar-lhes o mal

de que são victimas, substitui pelo de Villa. Realmente, é esta a denominação mais própria pois o

seu aspecto nada tem de hospitalar, mas de aprazíveis confortáveis vivendas”124

.

Seguindo Varella Santiago, a denominação leprosário, antes utilizada para designar a

instituição de isolamento, referenciava o grande mal e o infortúnio que os indivíduos estavam

designados a viver. Para o médico, o nome vila seria a denominação mais correta, já que o

isolamento para ela não constituía uma instituição hospitalar, mas era a própria casa e a cidade

desses indivíduos leprosos.

O isolamento e a organização dos internos nas edificações do leprosário seguiram

esse conceito de criar uma vila de leprosos. Foram edificados três grupos de casas, o primeiro

grupo com dez casas com capacidade de abrigar dois ou três internos. Já os dois grupos de casas

inaugurados após o ano de 1929 eram formados por duas unidades, também destinadas a grupos

de internos ou famílias. A ideia do grupo de casas era recriar a disposição física de uma cidade,

os internos ocupavam as suas próprias casas, e não apenas um quarto ou uma cama, como ocorria

123

CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na

perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f. Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal

do Paraná, Curitiba, 2005. p. 59. 124

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.

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no hospital de isolamento. A ideia era que o interno desenvolvesse o sentimento de pertencer ao

lugar como morador e não como um cativo.

Além dos aspectos físicos das acomodações dos doentes, o leprosário contava com

outras instalações e serviços que objetivavam recriar o aspecto de cidade. Entre eles, posso citar a

presença de cemitério, sistema de esgoto, cinema, escola profissional, bangalô para as irmãs de

caridade, igreja, creche, telefone, sala de jogos, sala de leitura e aparelho de rádio, espaços

destinados para o lazer dos doentes. Esses elementos que foram instaurados no leprosário tinham

dupla função: a primeira função era dotar o isolamento de todos os elementos da cidade moderna,

com a presença da luz elétrica, de rádio, telefone. Elementos que caracterizavam os novos tempos

e a modernidade. Além da presença desses elementos, a própria acomodação dos internos refletia

essa preocupação com os novos preceitos científicos e higiênicos do período. A mensagem do

Presidente do Estado de 1928 apresentou as instalações físicas do leprosário como construções de

primeira qualidade, com piso de concreto revestido de mosaico, com instalações sanitárias

individuais.125

Ainda no sentido de tornar o isolamento uma cidade com todas as suas características,

implantou-se algumas atividades manuais. Os internos eram incentivados a trabalhar no interior

do isolamento, como se pode observar nesta mensagem do Presidente do Estado: “O diretor do

serviço procura sempre dar occupação aos seus enfermos válidos e essas occupações consistem,

sobretudo na cultura dos terrenos do estabelecimento”126

. Ainda sobre o trabalho realizado na

colônia, o Diretor, o Dr. Varella Santiago, afirmou que: “Há uma área para os trabalhos agrícolas

onde os que foram homens do campo cultivam como se estivessem nas fazendas, revertendo-se o

produto do seu trabalho em beneficio do Leprosário”127

.

A partir da documentação analisada, o trabalho realizado no leprosário era geralmente

agrícola, somente a partir dos anos de 1930, foram instaladas oficinas para o ensino rudimentar

de atividades profissionais. Esses cursos abrangiam o curso rudimentar de letras e oficinas de

sapateiro, barbeiro, funileiro e marceneiro. Até a finalização desta pesquisa, não foi possível

identificar quem eram os professores dessa escola e como funcionava o ensino no interior da

125

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à

Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura, em 01 de outubro de 1928.

Natal: Imprensa Oficial do Estado, 1928, p. 32. 126

RIO GRAND E DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia

Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930,

p. 68. 127

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.

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instituição, se todos os internos participavam e se existiam oficinas específicas para mulheres e

para homens. A partir da realização dessas atividades, o Dr. Varella Santiago defendia a

nomenclatura de Vila São Francisco de Assis, já que oferecia a seus internos elementos materiais

e imateriais necessários a sua vivência, bem como uma estrutura “confortável” e “prazerosa”.

No entanto, o Leprosário São Francisco de Assis, apesar de oferecer diversos

serviços, lazer e trabalho aos seus doentes, continuava sendo uma instituição total, como

designado por Goffman.128

Era um local de reclusão de indivíduos que ameaçavam a

comunidade, com normas rígidas, condutas uniformes e vigilância. Apesar de o diretor dessa

instituição defender a denominação de vila para o isolamento potiguar, a partir do ano de 1936, o

modelo arquitetônico utilizado para construir novas acomodações para os leprosos utilizou o

modelo pavilhonar. Essa estrutura arquitetônica caracterizava-se por uma série de edificações

isoladas com a função de abrigar as atividades desenvolvidas no seu interior, diferindo da

estrutura utilizada no início da sua edificação.

Dessa forma, as diferentes denominações recebidas ao longo da trajetória do

Leprosário São Francisco de Assis representaram a trajetória dessa instituição, que adquiriu

diferentes aspectos, estrutura física, concepções e objetivos médicos. Este espaço não possuiu

uma trajetória uniforme ao longo do seu período de funcionamento, assim como os seus internos

não vivenciaram o isolamento da mesma forma.

Ainda de acordo com a ideia de que o Leprosário enquanto instituição adquiriu

características diferentes, referentes à sua estrutura e as suas práticas médicas, é importante

compreender quem eram os internos que formavam essa instituição de isolamento, quem eram os

indivíduos que davam vida e ditavam as trajetórias da instituição. Assim, é importante

compreender os atores sociais que formavam e praticavam o espaço do Leprosário São Francisco

de Assis. Os próximos capítulos deste trabalho abordam os atores sociais que tiveram as suas

vidas marcadas pelo isolamento.

128

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.

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CAPÍTULO 2: O LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS E OS SEUS INTERNOS

O combate à lepra instituído pelo Decreto n º16.300, de trinta e um de dezembro de

1923, instaurou duas diretrizes principais contra a proliferação dessa moléstia: o isolamento em

colônias e o isolamento domiciliar. Esse último tipo de reclusão seguia algumas prerrogativas tais

como: condições de higiene adequadas, condições financeiras de manter o afastamento da

sociedade e condições financeiras de arcar com o tratamento. Assim, pode-se sugerir que somente

os leprosos de classe social mais baixa eram recolhidos nos leprosários e colônias. Entretanto, na

Mensagem do Presidente do Estado, Juvenal Lamartine, proferida no dia primeiro de outubro de

1929, foi evidenciado pelo mesmo a existência de número considerável de doentes que

procuravam a instituição de forma espontânea, dado verificado principalmente, entre as famílias

de destaque da sociedade potiguar129

. O discurso oficial evidenciava que o isolamento era um

espaço que os doentes buscavam por iniciativa própria e que alguns segmentos da sociedade

estavam presentes nessa instituição. Contudo, a partir das análises realizadas na documentação do

Leprosário, observei que os enfermos eram provenientes de diferentes classes sociais, mas que

existia uma presença marcante de doentes menos desfavorecidos economicamente. A história da

instituição foi marcada por evasões e internações compulsórias por parte do Estado e existiu um

imaginário expressivo sobre os doentes de lepra no seio da sociedade potiguar.

Diante desses elementos, questiona-se: quem eram os internos que compunham o

Leprosário São Francisco de Assis nessas duas primeiras décadas de funcionamento? De quais

classes sociais eram procedentes? Existia um perfil dos internos? De quais lugares eram

procedentes? Quem foram os pacientes evadidos? Algum indivíduo recebeu alta da instituição?

Existiam famílias isoladas no Leprosário São Francisco de Assis?

O Leprosário São Francisco foi edificado em diferentes temporalidades, como

afirmado anteriormente, os seus primeiros grupos de internos foram recolhidos entre os anos de

1926 e 1928, momento em que o leprosário ainda estava em processo de construção, seu espaço

era limitado apenas aos edifícios do antigo Isolamento São Roque. Após a inauguração oficial,

em 1929, novos grupos de casas foram edificados, novos internos foram isolados na instituição e

foi realizada a instalação sistemática de novos serviços. Diante dessas transformações novas

129

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima

terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929.

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inquietações emergiram, como: entre esses dois períodos de construção do Leprosário, houve

mudanças nas características dos internos? Como os leprosos eram isolados? Quais as

características das enfermidades dos doentes? Essas foram perguntas que surgiram ao conhecer a

trajetória do Leprosário São Francisco de Assis.

Dessa forma, objetiva-se neste capítulo caracterizar quem eram os leprosos isolados

no Leprosário São Francisco de Assis, examinando os seguintes elementos: origem dos doentes, a

profissão que exerciam, a naturalidade, a idade que possuíam no momento da internação, a

composição da família, a data do falecimento, quantos anos permaneceram no leprosário, como

descobriram os primeiros sintomas. Para este estudo, utilizou-se como fonte as fichas clínicas

presentes no Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis, produzidas entre os anos de 1926 a

1936. O trabalho apresenta como recorte temporal a trajetória do leprosário entre os anos de 1926

a 1941, contudo, para o estudo dos internos dessa instituição foi necessário reduzir a

temporalidade da pesquisa. Esse recorte foi necessário em detrimento do número de internos que

foram isolados no leprosário. É importante destacar que o presente estudo compõe uma pequena

parcela do número de internos do Leprosário São Francisco de Assis. O isolamento funcionou até

a década de 1980 e atendeu aproximadamente setecentos indivíduos em todo o seu período de

atuação130

.

2.1 Perfil dos pacientes

Como já apresentado, neste trabalho o perfil dos internos no Leprosário São

Francisco de Assis foi construído a partir dos dados coletados nas fichas dos pacientes131

. Essas

fichas eram preenchidas no momento da internação dos doentes e os acompanhavam durante todo

o tratamento. As novas informações, os novos exames e as apreciações médicas eram

continuamente registrados. Nesses documentos eram anotados os seguintes dados dos leprosos:

as principais informações sobre os locais da doença no corpo paciente; o estado de evolução da

enfermidade (manchas, úlceras, feridas, nódulos, obstrução nasal, face leonina, dormência, mão

em forma de garra, problemas nas articulações, queda dos supercílios); as queixas dos pacientes;

130

Muitas lacunas ainda existem sobre a história do Leprosário São Francisco de Assis. Os dados dos indivíduos

atendidos pelo isolamento foram provenientes dos registros clínicos presentes no arquivo do hospital. 131

De 1926 a 1930, a ficha do paciente era chamada de Ficha Clínica. A partir de 1931, até a década de 1970, esse

documento passou a ser denominado de Ficha Clínica e Epidemiológica.

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as observações do médico que realizava o exame clínico; um histórico das relações mantidas

entre o paciente com outros leprosos; e, finalmente, uma descrição de como surgiram os

primeiros sintomas da enfermidade no indivíduo.

Considerando que o processo de isolamento foi iniciado em 1926, que, em 1929,

ocorreu uma ação das autoridades para construir uma cidade no interior do Leprosário e, que, em

1936, foram construídos novos pavilhões (diferentes das casas, conforme havia planejado o

médico Varella Santiago para os leprosos); optou-se, neste trabalho, por analisar as fichas dos

pacientes entre 1926 e 1936, os primeiros dez anos de funcionamento da instituição. A ideia foi

identificar o perfil dos pacientes, percebendo as mudanças e permanências na profilaxia da lepra

no Estado.

Nos dois primeiros anos do Leprosário São Francisco de Assis, foram internados

treze pacientes, dos quais só foi possível ter acesso à ficha clínica de oito deles. Nesse período, os

internos apresentaram perfil semelhante, eram quase exclusivamente compostos por homens com

idade superior aos trinta anos e casados. Permaneceram pouco tempo no isolamento, falecendo

em média após um ano de reclusão. Apresentavam sintomas semelhantes, como dormência e

infiltrações nas extremidades do corpo. É importante destacar que esses doentes, isolados nesses

primeiros anos, eram notificados e conhecidos pelo Serviço de Profilaxia Rural, como

demonstram os exames bacteriológicos.

Em 1926, primeiro ano de funcionamento do Leprosário, nenhuma mulher foi isolada

na instituição. Só em 1927, aparece oficialmente a primeira mulher – Ana Fernandes Lima132

,

cinquenta anos, casada e moradora da cidade de Natal – diagnosticada com a lepra.

Acompanhada pelo Serviço de Profilaxia Rural desde o ano de 1925, a paciente foi internada em

catorze de janeiro de 1927 e permaneceu na instituição por nove anos, falecendo em nove de

fevereiro de 1933.

Segundo o Diretor de Saúde do Estado, o médico Manoel Varella Santiago, os

primeiros internos indicados para o isolamento seriam os doentes em estado mais avançado da

doença e os indigentes presentes na cidade133

. Na ficha clínica observei que a paciente se queixa

apenas de uma sensação forte de calor no corpo e vermelhidão em algumas regiões. Não há

132

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 06. 133

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da

décima segunda legislatura, em 01 de outubro de 1926, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:

Typ d’A República, 1926.

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qualquer menção sobre o estado avançado da enfermidade no corpo da doente, concluindo-se que

não havia motivos, referentes ao quadro médico, para uma internação no isolamento ainda em

processo de construção. Além da ausência de sintomas graves, os anos de permanência da interna

indicam que a mesma gozava de certo grau de saúde ao comparar o seu período de permanência

com os demais internos isolados nesse período. Por que ela teria sido internada no isolamento?

As fontes não permitiram uma conclusão definitiva sobre a internação de Ana

Fernandes Lima, mas alguns indícios podem ser formulados. A presença de Ana Fernandes no

isolamento pode ter sido fruto do processo de higienização da cidade, que ocorria desde o início

do século XX, cujo objetivo era excluir todos os elementos indesejáveis da sociedade, inclusive

os indivíduos que apresentassem comportamentos fora dos padrões estabelecidos.

A partir de 1928, o perfil dos internos sofreu modificações em relação à presença

feminina no estabelecimento médico. Novas mulheres entraram na instituição, mas esse número

ainda foi bastante reduzido se comparado ao número de homens isolados. No final desse ano, o

Leprosário contava com aproximadamente seis internas e catorze internos.

Diferente do quadro clínico de Ana Fernandes Lima, essas internas apresentavam

sintomas avançados da infestação da doença no corpo. Entre as internas estavam a paciente Joana

Batista, internada no Leprosário com oito anos de idade, Adalgisa Varela Barca134

, internada com

quinze anos, e Ana Vieira da Silva135

, internada com vinte e seis anos. Dessas três internas,

apenas Ana Vieira da Silva apresentava mutilações no corpo, o que significava que tinha estado

avançado da doença. Ana Vieira da Silva foi notificada pelo Serviço de Profilaxia Rural desde o

ano de 1923, assim era uma doente conhecida desde os primeiros anos do isolamento, mas não

foi isolada. Esse dado corrobora os indícios suscitados sobre a paciente Ana Fernandes Lima.

Todas essas três mulheres tiveram uma vida curta no isolamento, falecendo antes de

1930. A partir da análise dos dados, constata-se que as mulheres que foram isoladas durante o

ano de 1928 apresentavam quadros clínicos avançados de infecção e tinham uma faixa etária

inferior aos trinta aos de idade.

Diferente das características internas femininas, os homens isolados no Leprosário

São Francisco de Assis apresentavam uma faixa etária superior aos quarenta anos de idade. É

importante destacar que se verificou também a presença de internos com idade superior aos

134 LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 17. 135

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 18.

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sessenta anos, como os leprosos Luiz Dantas136

, Joaquim Francisco de Oliveira137

e Idalino da

Costa138

. Todos eles permaneceram pouco tempo na instituição, falecendo durante o ano de 1928,

indicando que apresentavam quadros avançados da doença. Contudo, entre os internos também se

identificou pacientes com idade inferior aos quinze anos, entre eles, Antônio de Lima139

,

internado aos treze anos, e Raimundo Ponciano140

, internado aos doze anos. Apenas Raimundo

Ponciano, no momento do isolamento, apresentava sintomas graves, entre eles a queda do pelo

dos supercílios.

A presença desse sintoma no corpo do indivíduo contribuía para a manutenção do

imaginário da população sobre a lepra e a consequente exclusão do convívio pleno com a

sociedade. Assim, o isolamento pode ter sido para Raimundo Ponciano um elemento de liberdade

e o fim do preconceito e do estigma provocados pela doença.

Ainda sobre esses dois internos, destaca-se que eram moradores da cidade de Natal,

indicando que o isolamento dos doentes era realizado de forma ativa na capital e que nesta cidade

existia uma vigilância maior no que diz respeito às práticas de higienismo e de combate à lepra.

Esse elemento pode ser visualizado na fala do Presidente do Estado, Juvenal Lamartine,

veiculada no jornal Diário de Pernambuco em seis de maio de 1927. O Presidente do Estado

(Juvenal Lamartine) retratou o desamparo das populações do interior, onde a superstição e os

velhos preconceitos concorriam para a falta de higiene dessa população141

. Assim, segundo

retratou o presidente do Estado, as zonas mais distantes da capital ainda necessitavam de uma

maior atenção das ações de saúde pública, em parte devido à falta de educação e de higiene. Essa

falta dos serviços de saúde também contemplava a ausência de vigilância e notificação dos casos

suspeitos de lepra que ocorriam na zona mais distante do centro político. Ainda sobre esse

assunto, ao analisar os doentes internados no leprosário que eram acompanhados pelo Serviço de

Profilaxia Rural nesses primeiros anos, ao total de cinco, observei que todos eles eram

provenientes de lugares que tinham postos de profilaxia, como as cidades de Ceará-Mirim e

Natal.

136

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 35 137

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 22 138

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 14. 139

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 26 140

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 08 141

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, 06 de maio de 1927, p. 2.

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85

Os internos isolados nesses três primeiros anos de isolamento tinham como

característica o falecimento precoce. Esse dado corrobora a ideia de que o Leprosário São

Francisco de Assis, nos seus primeiros anos de funcionamento, tinha o objetivo de recolher os

leprosos que colocavam em risco a saúde da cidade e de seus habitantes. Posso inferir que dentro

do isolamento não existia nenhum plano profilático para esses internos, o seu objetivo não era

curar os doentes, mas apenas recolher das cidades os doentes mais graves.

Assim, posso concluir que o perfil dos internos do Leprosário São Francisco de Assis

entre os anos de 1926 a 1928 era formado majoritariamente por homens entre trinta e cinco a

cinquenta anos de idade. Nesse período as mulheres não foram maioria significativa, totalizando

oito internas de diferentes faixas etárias. Os pacientes isolados nos dois primeiros anos ficavam

pouco tempo na instituição, em torno de seis meses. Esse perfil não se repetiu com os internos

isolados no ano de 1928, os doentes já permaneceram mais tempo na instituição, alguns ficando

isolados por mais de três anos.

Esse quadro sofreu modificações com a inauguração oficial do Leprosário São

Francisco de Assis, no ano de 1929, principalmente no que se referiu à presença das mulheres na

instituição. Neste ano, o leprosário contabilizou a internação de vinte e quatro mulheres e vinte e

quatro homens, deixando de existir uma prevalência da presença masculina no interior do

isolamento. Dessas vinte e quatro mulheres, observei a existência de mulheres mais velhas, acima

dos quarenta anos de idade, seguindo o perfil registrado nos primeiros anos de funcionamento.

Apenas quatro mulheres isoladas durante o ano de 1929 tinham idade inferior a vinte anos, Maria

Lourdes Lins, internada aos dez anos, Maria Alice de Barros, internada aos dezessete anos,

Gonçala Amanda Conceição internada aos dezoito anos, e Maria de Lourdes da Conceição,

internada com dezesseis anos. Apresentavam sintomas como: feridas, infiltrações e manchas em

algumas partes do corpo, no entanto, a história da presença da moléstia na vida dessas mulheres

foi bem diferente.

Gonçala Ana da Conceição foi internada em vinte e seis de fevereiro de 1929, aos

dezoito anos de idade, natural do município de Macaíba. O seu primeiro sintoma (infiltrações no

nariz) surgiu em janeiro de 1929, após um mês foi recolhida no isolamento.142

Maria de Lourdes

da Conceição entrou no leprosário após dez meses da descoberta dos primeiros sintomas, ferida

142

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 60.

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no pé esquerdo e surgimento de algumas manchas no corpo. Nunca esteve no Pará143

, ao

contrário de Maria Alice Barros, nascida em Belém em vinte e seis de abril de 1911.144

Chegou a Natal acompanhando sua família, em 1922. Após um ano de sua chegada à

cidade, surgiram os primeiros sintomas, como feridas e manchas no corpo. Com o surgimento dos

sintomas, procurou o Serviço de Profilaxia Rural, realizando o exame da mucosa nasal no ano de

1924. Quatro anos após a descoberta da doença, foi internada no Leprosário São Francisco de

Assis, falecendo no ano de 1932. Já Maria de Lourdes Lins de Oliveira, foi internada somente em

dezembro de 1929, pelos seus pais, com apenas dez anos de idade. A presença da lepra surgiu

logo após o seu nascimento, com manchas avermelhadas no corpo que desapareciam após alguns

dias. No entanto, essas mesmas manchas voltaram a ocorrer na perna e se estenderam para os

membros superiores, levando-a ser internada no Leprosário São Francisco de Assis,

diagnosticada com lepra. Sua estadia no isolamento não foi longa. Recebeu alta após um ano da

sua entrada, mas logo retornou à instituição, em quinze de outubro de 1932, com treze anos de

idade.145

Essas mulheres com percursos de vida diferentes se encontraram no interior do

leprosário, sendo marcadas pela presença da lepra em suas vidas. Elas dividiram os mesmos

espaços e os problemas de viver em uma sociedade marcada pelo isolamento da família e pelo

estigma provocado pela doença. Segundo Curi, o estigma é um termo utilizado para designar a

marca provocada por uma doença na vida dos indivíduos. Assim, a sociedade brasileira do início

do século XX, excluía os indivíduos portadores da lepra dos espaços de convivência da cidade. A

exclusão dos doentes era uma prática normatizada, principalmente pelo saber médico.

[...] ninguém sofreria repreensão ou críticas por isolar um leproso, ou por se

recusar a tocá-lo por suprimir-lhes as ligações afetivas e familiares, estes eram

comportamentos “normais” que se inseriam socialmente de forma normatizada e

ali encontravam amplo apoio e sedimentação146

.

As características do perfil masculino não diferiram muito do perfil feminino no ano

de 1929, sobretudo em relação à faixa etária em que os doentes eram isolados. Dos vinte e quatro

homens internados na instituição, prevaleceu a faixa etária entre vinte e quarenta anos, mas

143

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 57. 144

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 62. 145

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105. 146

CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976).

2002, 231f. Dissertação (Departamento de História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. p.

44.

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também se verifica a presença de homens acima dos quarenta anos de idade. É importante

destacar que, diferente das mulheres, não existiu um número considerável de internos homens

com idade inferior aos vinte anos de idade, somente o paciente Manoel Floriano de Mello,

internado aos catorze anos de idade.147

O paciente Raimundo Ponciano148

foi isolado em onze de

julho de 1928, proveniente da cidade de Natal. Não consta nos seus registros médicos quando e

como o interno deixou a instituição, mas, de acordo com os exames bacteriológicos, ele esteve

presente no isolamento durante o ano 1936, sob a supervisão do médico Silvino Lamartine. O seu

mal iniciou entre os anos de 1924 e 1925, com manchas e caroços pelo corpo, apresentava

obstrução nasal e esteve no Pará por dois ou três anos. Um dos seus sintomas era queda do pelo

dos supercílios. O seu primeiro exame da mucosa nasal consta de 1927, o que significa que o

Raimundo Ponciano era acompanhado pelo Serviço de Profilaxia Rural.

Com base no que foi exposto acima, posso afirmar que após a inauguração oficial, o

leprosário modificou o perfil dos internos, sendo distribuído seu contingente populacional entre

homens e mulheres, ainda existindo uma diferença em relação à faixa etária entre os dois sexos.

Observei uma prevalência de homens entre trinta e quarenta anos, já a internação feminina se

caracterizou pela presença de mulheres acima de quarenta anos de idade. A partir do

levantamento realizado no arquivo dessa instituição, também concluí que não foi uma prática do

Leprosário São Francisco de Assis isolar crianças menores de dez anos de idade, mesmo que

acompanhando os seus pais ou familiares leprosos. Não foi possível, no decorrer da pesquisa,

identificar se existiam outras instituições de isolamento no Estado que cuidassem das crianças

suspeitas de lepra até atingir idade apropriada para serem isoladas no leprosário.

Ainda com base na idade dos internos e na divisão por sexo, também podem ser feitas

diferenciações no que diz respeito ao estado civil desses leprosos. O primeiro aspecto que posso

destacar é a presença de um único interno viúvo entre os três primeiros anos de funcionamento da

instituição, Elviro Borges do Nascimento.149

Já entre as internas, observa-se a presença de cinco

mulheres viúvas. Foram elas: Ana Vieira, Maria Júlia dos Santos Cardoso, Joaquina Francisca da

Costa Ferreira e Joaquina da Costa Oliveira.150

Apresentavam características semelhantes em

relação à idade, aos sintomas presentes no corpo e ao tempo de permanência na instituição. Todas

147

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 102. 148

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 27. 149

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 68. 150

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 89.

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elas tinham acima de cinquenta anos, apresentavam sinais graves com deformações do corpo e

faleceram após alguns meses no Leprosário São Francisco de Assis. Tais elementos indicam que

essas mulheres entraram na instituição com o objetivo de buscar meios para sobreviver de

maneira mais tranquila, como foi o caso de Ana Vieira, que permaneceu na instituição por dois

dias e, segundo consta na sua ficha clínica, estava moribunda no momento da internação151

.

O Quadro abaixo demonstra a divisão entre homens e mulheres, segundo a faixa

etária, e o estado civil dos pacientes no momento de entrada no Leprosário São Francisco de

Assis, nos primeiros anos de funcionamento do isolamento.

Quadro 3: Faixa etária dos pacientes isolados no Leprosário São Francisco de Assis entre os anos de 1926

a 1929

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

A partir das características apresentadas no Quadro acima, observa-se que existia

entre as mulheres maior número de pacientes solteiras, sobretudo na faia etária entre vinte e trinta

anos de idade. Esse fato pode ter relação com o isolamento que foram submetidas. Dessas

internas solteiras, a estadia na instituição ocorreu aproximadamente entre dois a cinco anos.

Característica bem diferente das pacientes casadas, que contabilizavam oito internas, com idade

superior a trinta anos. Dessas pacientes casadas não se tem muitas informações sobre os

familiares e os filhos dessas internas, mas pode ser verificada a preocupação dos médicos com a

transmissão da bactéria entre os cônjuges, como demonstra o registro de Maria Soares de

Amorim Joffley.152

151

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 18. 152

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 94.

Faixa etária dos internos no

momento do isolamento

Homens Mulheres

Casado Solteiro Casado Solteiro

Menor que vinte anos 0 03 0 05

Acima de vinte anos 03 07 0 03

Entre trinta e quarenta anos 14 05 05 02

Entre cinquenta e sessenta anos 08 03 03 01

Acima dos setenta anos 01 0 0 0

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Maria Soares de Amorim Joffley, natural de Assú, foi internada em dois de setembro

de 1929, aos quarenta anos de idade. Segundo consta no seu registro, seu mal iniciou em 1924,

um ano após o casamento com Petronilo Joffley e no mesmo período do nascimento da primeira

filha. É importante demarcar a preocupação de registrar na sua ficha clínica a ausência de

sintomas de lepra no corpo da interna Maria Soares de Amorim Joffley no momento da

celebração do casamento. Esse elemento demonstra a preocupação por parte da classe médica em

identificar todos os suspeitos do mal de Hansen. Essa preocupação explícita na ficha clínica

indica dois elementos sobre as ideias que a classe médica proclamava sobre a lepra: a

possibilidade de transmissão da doença através do contato íntimo entre os indivíduos; a

recomendação que os doentes desse mal não contraíssem casamento após o surgimento dos

sintomas no corpo.

Já entre os internos do Leprosário São Francisco de Assis, não houve uma diferença

preponderante entre homens casados e solteiros. Entre os internos solteiros, observam-se ao todo

dezoito doentes, divididos entre as mais diversas faixas etárias. Entre os homens casados, foram

contabilizados vinte e sete, distribuídos entre a faixa etária de trinta a sessenta anos de idade.

A análise dos dados sobre os internos do Leprosário São Francisco de Assis permitiu

concluir que os indivíduos recolhidos entre os anos de 1926 a 1928 permaneceram pouco tempo

no isolamento, falecendo antes de completar um ano na instituição. São poucos os internos que

permaneceram por mais de cinco anos na instituição, como foi o caso dos pacientes Euclides

Diocleciano153

, João Varela Barca154

e Santos Marcolino155

. Euclides Diocleciano foi internado

em oito de novembro de 1927, com cinquenta e três anos de idade. Seus primeiros sintomas

foram manchas e zonas de insensibilidade nos membros superiores e inferiores, permaneceu no

leprosário aproximadamente doze anos, falecendo em quinze de abril de 1939. Outro interno que

permaneceu um tempo considerável (sete anos) no leprosário foi João Varela Barca. O leproso

João Varela foi internado em doze do março de 1928, com cinquenta anos de idade. Assim como

Dicleciano, João residiu no Pará e manteve contato diário com uma irmã leprosa, onde sentiu os

primeiros sintomas do mal de Hansen, como manchas na pele, obstrução nasal com corisa e zonas

de anestesia. Santos Marcolino também viveu muitos anos no isolamento, aproximadamente de

anos. Internado em quinze de março de 1929, com trinta e oito anos de idade, era natural da

153

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Cínica nº 13. 154

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Cínica nº 16. 155

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Cínica nº 69.

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Paraíba. Sua doença iniciou em 1927, com manchas no pescoço, braços e pernas. Logo após,

também passou a sentir dormência e apresentou zonas de insensibilidade.

É importante destacar que na ficha clínica de alguns doentes não consta a data de

falecimento ou data da saída da instituição. A partir disso, é possível inferir que esses internos

faleceram ou evadiram-se do leprosário sem a identificação de médicos/funcionários. A segunda

hipótese é que esses internos permaneceram por mais tempo isolados e seus dados foram

registrados em outra ficha clínica que não foi identificada no momento de realização deste

trabalho.

De forma geral, os sintomas descritos pelos internos eram semelhantes, destacaram-se

três sintomas principais: dormência nas mãos e nos pés; insensibilidade nos braços, nas mãos, nas

pernas e nos pés; manchas no corpo. Alguns doentes também descreveram a presença de febre,

coceira e erupção de feridas em alguma parte do seu corpo, sintomas característicos do mal de

Hansen. Dos primeiros internos, posso afirmar que poucos apresentavam sintomas considerados

como gravíssimos, como face leonina, queda dos pelos dos supercílios e mutilações no corpo.

Identifiquei apenas dois doentes, nesses primeiros anos, com esses sintomas: Jorge Friscle156

e

Joana Maria de Jesus.157

Não existem na documentação inicial (prontuários médicos dos anos de 1926 a 1930)

registros das causas das mortes dos pacientes e se estes possuíam outros problemas de saúde no

momento da internação. Posso afirmar que nesse período os internos não tinham acesso a práticas

médicas profiláticas, as quais foram implantadas somente a partir de 1929, assim como os

elementos de diversão e de estudo. Nesse período inicial, é importante destacar que o Leprosário

São Francisco de Assis era composto apenas por dois pavilhões, divididos entre homens e

mulheres, assim os internos eram isolados do convívio da sociedade, sem elementos físicos e

sociais que proporcionassem uma vida saudável. Essa forma de reclusão pode ter contribuído

para o pouco tempo de vida dos internos.

As incorporações estruturais, bem como o plano profilático estabelecido após a

inauguração oficial, modificaram o tempo de permanência dos leprosos no isolamento e as

formas de vivenciar essa instituição. Após o ano de 1929, ainda verifiquei o falecimento de

internos logo após a entrada no leprosário, no entanto esse período se caracterizou pela existência

156

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 01. 157

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 18.

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de duas novidades na história da instituição: as altas hospitalares e as evasões dos internos. O

diretor do Leprosário São Francisco de Assis, Manoel Varella Santiago, em entrevista concedida

ao Jornal do Brasil em três de julho de 1929, declarou c a possibilidade das altas hospitalares

ocorrerem no isolamento potiguar e retratou como os doentes eram vistos pelos médicos: “a

princípio tinha [os leprosos] como incuráveis. Quando entrava no leprosário, onde vou

diariamente, era como se visitasse um cemitério de vivos. Aquelles infelizes, talvez, ignorando a

gravidade do mal, davam-me a impressão de fantasmas em carne e osso”158

. A fala do médico

Manoel Varella Santiago Sobrinho expõe a visão que os médicos tinham sobre os doentes de

lepra, sobretudo em relação aos primeiros internos, indivíduos que despertavam a piedade e o

desprezo, vistos como fantasmas, como mortos para a sociedade, esperando apenas a caridade e o

descanso divino.

Como retratado no primeiro capítulo deste trabalho, o Leprosário São Francisco de

Assis sofreu diferentes transformações, sobretudo no seu aspecto físico. Essas transformações

estruturais influenciaram o perfil dos doentes e o cotidiano do isolamento. A partir da década de

1930, foram observadas as primeiras altas hospitalares. As altas hospitalares foram uma prática

médica presente, sobretudo, a partir de 1936, momento em que os cientistas e o grupo de médicos

defendiam a possibilidade de realizar o tratamento químico da lepra no domicílio do doente. A

alta hospitalar era determinada por uma série de fatores clínicos, como o tempo que o leproso

possuía a bactéria no seu organismo, o estado higiênico do doente e os avanços obtidos com o

tratamento realizado no interior do isolamento. No Leprosário São Francisco de Assis,

identificou-se a presença de seis altas hospitalares concedidas aos internos ingressos durante o

ano de 1929: Bellerminio Rodrigues, José Pedro do Nascimento, Hermildo Lucas de Oliveira,

Camilo Amaro, Amâncio José França e Maria de Lourdes Lins.

O primeiro interno beneficiado com a alta hospitalar foi José Pedro do Nascimento,

saindo do leprosário em primeiro de abril de 1930. O interno foi isolado em dez de maio de 1929,

com os sintomas de dormência nas mãos e alguns dedos em garra, os sinais da doença iniciaram

ainda no ano de 1927. Permaneceu no isolamento por nove meses. A sua alta condicional,

segundo demonstram os registros médicos, ocorreu devido ao recuo dos sinais do seu mal a partir

do tratamento realizado: “Alta condicional sensivelmente melhorada, a insensibilidade da mão

direita limita-se ao território do cubital e os dedos retraídos gozam hoje de mais movimentos

158

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929. p. 2.

Page 93: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

92

[...]”159

. O seu teste bacteriológico da mucosa nasal apresentou resultado negativo à presença do

bacilo de Hansen. A evidência da retração dos sintomas da doença e a ausência da prova

científica da bactéria no corpo do doente contribuíram para a alta do interno do leprosário.

Apesar do registro médico retratar a melhora do paciente sobre os sintomas da doença e a

negação da presença da bactéria, outros fatores devem ter contribuído para a saída do interno, já

que outros doentes apresentavam características semelhantes e continuaram isolados no

Leprosário São Francisco de Assis.

O segundo paciente a ganhar o direito à liberdade foi Hermildo Lucas de Oliveira.

Internado no leprosário em vinte e cinco de abril de 1929, os seus sintomas iniciais surgiram em

novembro de 1927, eram dores nas mãos e manchas nas costas e na face. O interno realizou dois

exames bacteriológicos, o primeiro em vinte e oito de novembro de 1937, momento de

manifestação dos primeiros sintomas. O segundo exame da mucosa nasal foi realizado em vinte e

nove de fevereiro de 1936, durante o período de revisão clínica. A sua alta hospitalar foi

concedida pelo diretor do isolamento, Manoel Varella Santiago, como consta na sua ficha clínica.

Não consta nos seus registros o dia em que o benefício foi obtido nem o motivo da liberação do

isolamento.160

Outro interno ingresso nesse período a ganhar o direito à liberdade foi Bellerminio

Rodrigues. Isolado em vinte e dois de maio de 1929, apresentava sintomas como dormência no pé

esquerdo e na mão direita, zonas de anestesia, mal perfurante e retração de alguns dedos da mão.

Diferente dos demais pacientes que realizavam exames bacteriológicos baseados no material da

mucosa nasal, Bellarmino Rodrigues realizou outro exame, o esfregaço das lesões cutâneas.

Apesar de apresentar sintomas bem característicos do mal de Hansen, o seu exame teve como

resultado negativo para a bactéria. A sua alta foi concedida em vinte e oito de janeiro de 1933.161

Outro paciente agraciado com a alta hospitalar foi Maria de Lourdes Lins de Oliveira,

isolada aos dez anos de idade em nove de dezembro de 1930. Seus primeiros sintomas foram

manchas nos membros superiores e inferiores, conforme retrataram os pais da paciente, não

apresentava zona de insensibilidade e dormência. A alta foi concedida em vinte e dois de

dezembro de 1930. Contudo, foi reinternada após dois anos da sua primeira entrada, em dez de

159

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 84. 160

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 77. 161

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 88.

Page 94: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

93

outubro de 1932, aos doze anos de idade. Permaneceu no isolamento até 1936, sendo transferida

para o Recife.162

As altas hospitalares desses internos colocaram em evidência alguns fatores: o

primeiro é a importância da prova laboratorial para as práticas médicas, sobretudo a indicação de

deixar o doente retornar ao convívio com pessoas sadias. Outro elemento é a trajetória única que

cada indivíduo teve na instituição, como demonstram as histórias das altas hospitalares. Posso

citar o favorecimento de alguns internos por parte do diretor do isolamento, Manoel Varella

Santiago, como ocorreu com o interno Hermildo Lucas de Oliveira. Não foi possível determinar

os laços estabelecidos entre o diretor do isolamento e o interno, mas a sua alta hospitalar não foi

baseada em critérios científicos, como ocorreu com os demais internos. A trajetória do leprosário

também foi marcada pelas evasões dos internos. As fugas, evidenciaram que nem todos os

leprosos tinham o desejo de permanecer isolados e que apesar de a instituição se caracterizar pela

vigilância, muitos leprosos criavam formas de romper os mecanismos de poder. Assim, posso

inferir que os internos criavam práticas próprias de vivenciar o leprosário e a reclusão.

Entre as evasões registradas na documentação do leprosário, destaca-se a fuga do

interno Nestor Soares Bezerra. Isolado em dezesseis de abril de 1929, com vinte e sete anos de

idade e teste bacteriológico negativo para o bacilo de Hansen, deixou o leprosário após um mês

do seu ingresso, em treze de junho de 1929. Residiu no Pará por cinco anos e sua doença iniciou

com uma ferida no calcanhar direito e logo depois surgiu dormência neste pé e na perna direita. A

saída prematura do doente indica que a sua internação ocorreu de forma compulsória e

involuntária. Apesar da fuga, a sua liberdade não durou muito tempo, foi reinternado no

leprosário em vinte e dois de outubro de 1930.163

Outro paciente evadido foi Manoel Miranda, internado em oito de abril de 1929, com

quarenta e dois anos de idade. Seu mal iniciou por volta de 1915, os principais sintomas foram

manchas no pescoço, dormência no braço, úlceras em diversas partes do corpo e zonas de

insensibilidade. Esteve no Pará por diversas vezes e seus sintomas iniciaram no momento em que

residia nesse Estado. Após permanecer no Leprosário por alguns anos, evadiu-se em vinte e nove

de novembro de 1934. Contudo, foi reinternado em dezenove de maio de 1935.164

162

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105. 163

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 76. 164

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 75.

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O último paciente evadido ingresso nesse período foi Camilo Miranda, internado em

quinze de maio de 1929. Os seus sintomas iniciaram no ano de 1928, entre eles, dormência e

atrofia da mão esquerda. Sua história na instituição foi permeada de evasões e admissões, a sua

primeira saída ocorreu em vinte de junho de 1930, pouco tempo depois da sua internação. Após a

sua primeira fuga, foi reinternado em treze de janeiro de 1931, mas novamente não permaneceu

no isolamento, evadindo-se pela segunda vez em três de março de 1931. Permaneceu em

liberdade por alguns anos. Foi isolado novamente em treze de agosto de 1936 e conseguiu obter

alta condicional um ano após a sua última entrada, em vinte e um de maio de 1937.165

A única mulher evadida do leprosário internada no ano de 1929 foi Ana Maria dos

Santos. Solteira, natural do município de Macaíba, sua entrada na instituição ocorreu em quatro

de outubro de 1929. Seus primeiros sintomas surgiram em 1927, com manchas na face e atrofia

de músculos na mesma região. Sua evasão, diferente dos demais internos, ocorreu de forma mais

tardia, em vinte de junho de 1934, após contrair núpcias com Antônio Teixeira, leproso isolado

em dezesseis de janeiro de 1930.166

A partir dos registros das evasões, foi possível chegar a algumas conclusões . O

número de indivíduos evadidos representou uma pequena parcela da população total do

isolamento, significando que essa instituição mantinha certo controle sobre os hábitos e o

cotidiano dos pacientes que ali estavam recolhidos. O movimento de reinternação dos evadidos

do Leprosário São Francisco de Assis demarcou também a vigilância dos órgãos sanitários sobre

os leprosos evadidos. Pode-se inferir que esta ação tinha ajuda de parcelas da população na

identificação dos doentes e nas denúncias da presença de leprosos na cidade. A busca pela

liberdade e a vigilância sobre os internos não ocorreu entre os primeiros grupos isolados antes da

inauguração oficial do isolamento. O leproso Joaquim Pimenta de Paiva foi o único interno a

empreender fuga do leprosário. Sua evasão ocorreu no mesmo dia em que foi internado, em oito

de agosto de 1927.167

Segundo consta no seu registro, não foi capturado pelos órgãos de

vigilância, mas faleceu no ano seguinte, em Pedra Branca, município de São Gonçalo.

A existência das evasões, também indica que mesmo se tratando de uma instituição

total, os internos encontravam maneiras de burlar as regras, construindo novos padrões e hábitos

neste espaço hospitalar. Esse elemento é muito evidente no registro da união entre dois internos,

165

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 85. 166

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 97. 167

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 11.

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Ana Maria dos Santos e Manoel Teixeira. O casamento entre eles evidencia que os internos

estabeleciam laços de amizade e convivência íntima, construíam elementos de sociabilidades que

rompiam com a vigilância e as regras estabelecidas pela instituição. Segundo Goffman, as

instituições totais simbolizavam na sua essência uma barreira entre os internos e o mundo

exterior, um espaço demarcado pela mortificação do eu, mas também um espaço em que os

internos encontravam maneiras de construir as suas próprias práticas e os seus códigos de

conduta. Dessa forma, os internos do Leprosário São Francisco de Assis encontraram formas de

romper as barreiras físicas e a vigilância imposta. Os internos criaram suas próprias práticas.168

Os evadidos se destacaram por serem homens com testes bacteriológicos negativos.

Isso pode ser considerado um indício de que os mesmos não se consideravam portadores da lepra

e por esse motivo não tinham que permanecer isolados na instituição. Esse elemento também

pode demonstrar a importância que a prova científica adquiriu nesse período, mesmo entre a

população leiga. Ao mesmo tempo, também demonstra que apesar do discurso médico enfatizar a

importância do isolamento em espaços especializados, essa ideia não foi compartilhada por todos

os indivíduos doentes. A reclusão do leproso foi proclamada pelo discurso médico como uma

atitude de saúde coletiva, colocada entre os valores morais e educacionais. O doente de lepra que

não buscava o isolamento era um indivíduo sem moral, sem educação e sem civilidade.

A fuga dos doentes do Leprosário São Francisco de Assis era encarada como um caso

policial, como foi noticiado no jornal A Ordem de dois de outubro de 1936, com matéria

intitulada “A captura de um Lázaro”. O jornal retratou a presença de um leproso na cidade de

Pedro Velho: “Officiou o dr. Chefe de Polícia ao dr. Director do Departamento da Saúde Pública,

transmitindo o telegrama do delegado de Policia de Pedro Velho, com referencia a presença, alli

de um indigente evadido do Leprosário São Francisco de Assis”169

.

Apenas uma mulher empreendeu fuga em detrimento do casamento com outro

leproso isolado, assim, pode-se inferir que a evasão, nesses primeiros anos, foi uma ação de

caráter essencialmente masculino. Essa característica pode ser explicada a partir de vários fatores:

a vigilância imposta aos doentes, o papel que a mulher exercia na sociedade, o estigma da doença

e os valores embutidos no isolamento.

168

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. 169

A ORDEM, Natal, 02 de outubro de 1936.

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96

Essa mesma característica permaneceu nos anos seguintes no isolamento. Todos os

pacientes evadidos após a década de 1930 foram homens. O número de internos evadidos chegou

a quinze doentes, grande parte dessas evasões ocorreram no ano de 1930, no total foram dez

doentes que buscaram a liberdade. O número elevado de evasões nesse ano pode ser uma

consequência do processo de desativação do isolamento proposto nos anos de 1930 pelo

interventor Irineu Joffily.

A identificação dos portadores do mal do Hansen no Rio Grande do Norte era função

do Serviço de Profilaxia Rural, cabia a esse órgão, a partir dos postos sanitários instalados em

zonas da cidade e da polícia sanitária, identificar os doentes e notificar os casos suspeitos. Dos

primeiros internos isolados no leprosário, apenas cinco eram acompanhados por esse serviço.

Esses doentes eram provenientes da região de Natal e Ceará-Mirim. Após a inauguração oficial

do leprosário, o número de internos que eram fichados por esse serviço ainda foi mais reduzido,

apenas dois doentes eram acompanhados pelo Serviço de Profilaxia Rural das cidades de São

José do Mipibu e Touros. Esse dado leva a inferir que os leprosos recolhidos para o isolamento

eram portadores identificados recentemente pelo serviço sanitário. Essa identificação poderia

ocorrer a partir da iniciativa do paciente ou da sua família. No entanto, como demonstrou a

mensagem do Presidente do Estado dos anos 1930, as denúncias da população sobre indivíduos

com lepra ocorreram em grande número, realçando o medo que as pessoas sentiam de conviver

com um indivíduo leproso. O Serviço de Profilaxia Rural era responsável pela fiscalização dos

casos suspeitos, bem como os familiares que conviviam com os doentes. Dessa forma, não eram

apenas os doentes que sofriam a ação do Estado no processo de controle e fiscalização, mas os

familiares e os indivíduos que viviam próximo a ele sofriam investigação da ação sanitária. A

mensagem do Presidente do Estado Juvenal Lamartine retratou:

De quando em vez, médicos do Departamento de Saude fazem excursões pelo

interior do Estado, não só com o fim de examinarem todos os casos que ao povo

parecem suspeitos, como os comunicantes dos casos isolados desse serviço. O

serviço de vigilância sanitário contra a lepra continua, entre nós, a ser feito com

intensidade. Esse serviço tem consistindo em visitas frequentes aos municípios

de onde veem denuncias de casos suspeitos de lepra170

.

170

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia

Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930.

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97

A preocupação com os parentes e com pessoas próximas aos leprosos também foi

observada nos registros da instituição. Nas fichas clínicas dos enfermos todos os adultos e

crianças com convivência íntima eram registrados, indicando idade, residência atual e o tipo de

convivência.

Além do registro dos parentes próximos, os médicos indicavam a presença dos

doentes no extremo norte do país. Entre os principais polos irradiadores da doença, estava o

extremo norte, Acre, Amazonas e Pará. A presença nessas regiões era um fator de importância no

processo de identificação dos portadores da bactéria, os indivíduos que estiveram nessas áreas

eram transmissores em potencial do bacilo de Hansen. Nos seus três primeiros anos de

funcionamento, O Leprosário São Francisco de Assis contabilizou apenas oito leprosos isolados

que estiveram presentes nessas regiões. Após a inauguração oficial, em 1929, onze doentes

residiram no Pará ou trabalharam em regiões do Acre e do Amazonas. Já durante os anos de

1930, sete doentes internados residiram no extremo norte do país. A presença desses doentes

nessa região não era uma característica que determinava a presença no isolamento, no entanto,

metade dos indivíduos que foram isolados nessa instituição até o final dos anos de 1930, tinha

alguma relação com o extremo norte do país. A história do paciente Manoel Dias da Silva

representa a preocupação médica com a presença na região norte do país e com o convívio íntimo

com indivíduos doentes.

Manoel Dias da Silva foi isolado no Leprosário São Francisco de Assis em vinte de

fevereiro de 1931, aos quarenta anos de idade. Filho de Pedro Dias da Silva, falecido de lepra no

isolamento, e de Ana Joaquina Gomes, mestiço, solteiro, trabalhou durante vários anos como

foguista na estrada de ferro. Depois de 1915 foi trabalhar no Estado do Pará, permanecendo nesse

estado até o ano de 1929.171

Apesar de ter convivido com o pai leproso, seus sintomas apenas

apareceram no seu corpo após um ano do seu retorno do Pará, confirmando que esse estado era

um grande irradiador da bactéria da lepra e era fator de preocupação por parte dos médicos

potiguares. O médico Varella Santiago acreditava que essa região era o foco irradiador do mal de

Hansen, como retratou em entrevista concedida ao Jornal do Brasil:

O primeiro caso de lepra no meu Estado data de 1802, no começo das

emigrações para as províncias do extremo norte, onde sempre houve avultado

numero de morphetico. O desenvolvimento crescente das emigrações como o

171

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 145.

Page 99: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

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correr dos annos é, a meu ver, a causa exclusiva da lepra no Rio Grande do

Norte172

.

Segundo o médico Varella Santiago, os casos de lepra do estado foram provenientes

do contato entre os norte-rio-grandenses e a população do extremo norte provocado, sobretudo,

pelas emigrações, como demonstraram alguns relatos dos pacientes.

Além da presença nas regiões do extremo norte do país, existia também a

preocupação por parte das autoridades médicas de delimitar a convivência com outros doentes do

mal de Hansen. Os acometidos pela bactéria que mantinham convivência com outros indivíduos

tinham mais probabilidade de serem portadores da bactéria e, consequentemente, um novo

infectado. Vários doentes no momento da internação retrataram a convivência com indivíduos

leprosos, como Ana Eunice Rosado, que tinha entre os seus familiares uma tia leprosa; Anysio da

Câmara, que conviveu por muitos anos com o seu pai leproso; João Varela Barca, que possuía um

irmão leproso; Joana Fabricia de Oliveira, que conviveu com a leprosa Francisca Juvino Barreto;

Maria Eliza de Carvalho, contaminada por seu tio Manoel Sobral, entre outros.

Dentro do conjunto total de internos, a convivência com outros doentes não foi uma

característica marcante entre os internos do Leprosário São Francisco de Assis. No entanto, ao

relacionar a presença desses doentes no extremo norte do país e a convivência com outros

leprosos, fica perceptível que um número considerável de internos presentes no Rio Grande do

Norte já tinha entrado em contato com a bactéria do mal de Hansen, tanto de forma direta como

indireta.

Durante a década de 1930, momento em que o Leprosário São Francisco de Assis

passou por transformações no processo de isolamento e de tratamento, o perfil dos doentes

passou por novas modificações, sobretudo relacionadas à entrada dos homens e das mulheres.

Entre o ano de 1931 a agosto de 1936, foram recolhidas vinte e quatro mulheres entre trinta e

cinquenta anos de idade. E recebeu cinquenta e um internos do sexo masculino, entre a faixa

etária de trinta e quarenta anos de idade. Assim, novamente, o leprosário possuía um número

maior de internos do sexo masculino.

Ainda em relação ao perfil dos internos, o Leprosário São Francisco de Assis

classificou os seus doentes quanto ao tipo da cor, conforme consta nas fichas clínicas presentes

no arquivo da instituição. De acordo com esses registros, nenhum indivíduo com a classificação

172

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929, p. 2.

Page 100: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

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da cor preta foi isolado até o ano de 1930. Os pacientes se dividiam apenas entre brancos e

pardos. Dessas duas classificações, houve uma prevalência dos indivíduos de cor parda nos três

primeiros anos de funcionamento do isolamento, no entanto essa quantidade em números era

muito pequena. Já no ano de 1929, momento da inauguração oficial do Leprosário, o número de

indivíduos de cor branca na instituição foi superior aos internos classificados de cor parda.

Novamente, esse número foi modificado, durante o ano de 1930, dos vinte três internos isolados,

apenas sete indivíduos eram brancos, sendo a maioria dos leprosos classificados como pardos.

Desses indivíduos brancos, é importante destacar que apenas Luiza Francisca de Lima173

permaneceu na instituição, os internos Francisco Aprigio dos Santos174

e Antônio Agostinho da

Silva175

faleceram depois de transcorridos alguns meses e os outros quatro internos se evadiram

da instituição. Posso afirmar que o isolamento realizado durante os anos de 1930 foi

caracterizado pela reclusão de homens pardos, diferente do processo visualizado no ano anterior,

em que não existia em números uma distinção em relação à cor da pele dos internos.

Ainda na década de 1930, observei uma modificação na classificação dos internos no

momento da internação no leprosário. Os doentes antes classificados apenas entre brancos e

pardos passaram a receber outras classificações, como mestiços, mulatos e pretos. A partir dos

dados analisados, durante a década de 1930 continuou a não existir um isolamento baseado na cor

da pele. Os doentes isolados foram distribuídos a partir da cor da pele da seguinte forma: sete

doentes classificados como pretos; oito doentes classificados como pardos; nove doentes

classificados como brancos; doze doentes internados como mestiços. Ao observar a classificação

dos internos em relação à cor da pele, concluí que no Leprosário São Francisco de Assis não

ocorreu uma política de isolamento baseada na cor da pele. A composição dos internos do

Leprosário foi permeada por diferentes características, não existiu um único perfil de doentes de

lepra no Estado, nem a presença de internos provenientes de uma única região.

Os leprosos eram provenientes de diferentes cidades do Estado, nos primeiros grupos

de indivíduos as principais cidades que se destacaram foram: Natal, que contava com cinco

internos nascidos nessa área; Mossoró, Currais Novos e Ceará-Mirim, que contavam com dois

internos cada uma das localidades. Nesse sentindo, a maior incidência dos leprosos isolados era

proveniente da capital, demonstrando o trabalho realizado nessa área de notificação e de

173

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 141. 174

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 118. 175

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 128.

Page 101: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

100

vigilância dos doentes. A partir de uma política mais intensa de isolamento dos leprosos e as

visitas instauradas nas áreas mais distantes pelos médicos a partir da década de 1930, o leprosário

passou a receber doentes de diferentes localidades do Estado. Os internos eram provenientes das

cidades de Ceará-Mirim, Natal, São José de Mipibu, Macaíba, Pau dos Ferros, Santana do Matos.

Também houve a presença de internos provenientes de outros Estados, como Paraíba e

Pernambuco.

2.2 Situação social e profissional dos internos

A partir do ano de 1931, no processo de entrada no Leprosário São Francisco de

Assis, os indivíduos foram classificados a partir de elementos mais específicos, como a condição

social, as atividades realizadas, o tipo de habitação em que residiam, a instrução e a religião

professada. Essa forma de registrar a vida pessoal do interno possibilitou conhecer os leprosos

presentes no estado e traçar características referentes à situação profissional e social dos doentes

recolhidos no estabelecimento. Neste trabalho, os dados analisados contemplaram somente os

doentes ingressos até agosto de 1936, devido ao grande volume de informações, como foi

retratado no início deste capítulo.

Um dos elementos que caracterizou os internos ingressantes nesse período foi o

estado econômico dos leprosos. Eles foram classificados entre pobre, abastado, mediano e

detentor de pequenos recursos. De forma geral, os internos do Leprosário São Francisco de Assis

eram provenientes de condição social pobre e detentora de pequenos recursos. Entre esses

pacientes estava a interna Joana Francisca de Souza. Isolada em vinte e nove de agosto de 1931,

com sessenta anos, solteira, de cor preta e residente no município de Macaíba, realizava

atividades domésticas como lavadeira, cozinheira e engomadeira. Foi internada com manchas na

parte superior da face e zonas de anestesia nas mãos e nos pés. Seus sintomas datam de 1924,

permaneceu no isolamento até o ano de 1939, momento do seu falecimento, devido a uma

hemorragia176

. Também posso citar o leproso Pedro Antônio Ferreira, residente em Ponta Negra.

Foi internado no isolamento em vinte e três de novembro de 1931, aos quarenta e três anos de

idade, com dores reumáticas e zonas de anestesia nos punhos e nas pernas. De condição social

176

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 154.

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101

pobre, exercia a profissão de pescador e lavrador onde residia. Acometido por doenças como

reumatismo, varíola e sífilis177

.

Entre os internos, dois pacientes se destacaram devido ao seu estado econômico,

Virginia Wanderley Dantas, com estado econômico mediano, e o paciente José Rocha Gurgel

com estado econômico abastado. Esses indivíduos eram a exceção no Leprosário São Francisco

de Assis. Assim, posso concluir que o isolamento potiguar era destinado a receber os doentes

carentes do Estado. A ausência de internos abastados e medianos nessa instituição indica que o

isolamento domiciliar foi presente entre as famílias abastadas do Estado.

A interna Virginia Wanderley Dantas, moradora da cidade do Natal, de estado

econômico mediano, foi internada em quinze de outubro de 1931, aos quarenta e nove anos de

idade. Filha de Luiz Carlos Wanderlley e Maria Carolina Wanderlley, tinha quatro irmãos, Luiz

Carlos Wanderlley, João Ezequiel e Manoel Segundo Wanderlley, Benjamin Cicinato e Virgilio.

O seu mal foi contraído através do contato com o seu irmão Luiz Carlos Wanderlley. Casada com

Virgilio Ribeiro Dantas, os sintomas iniciaram no segundo semestre do ano de 1931, com

obstrução nasal e manchas eritematosas na face. Foi internada logo após o surgimento dos

primeiros sintomas, indicando que a família não optou pelo isolamento domiciliar e que foi

internada em bom estado de saúde. Não foi possível determinar o período em que esteve isolada

no leprosário178

.

José Rocha Gurgel, internado em dezembro de 1935, aos dezessete anos de idade,

apresentava situação econômica abastada. Era proveniente da cidade de Mossoró, estudante do

seminário de Natal entre os de 1931 até 1935. Filho do comerciante Sebastião Fernandes Gurgel

e Elisa Rocha Gurgel, relatou que não teve contato íntimo com nenhum leproso, apenas contato

com os colegas do seminário de Natal. No entanto, na sua família constavam casos de lepra, o seu

tio morfético e a sua esposa, ambos falecidos com lepra sem data conhecida179

. O início da sua

doença ocorreu em 1932, com sintomas de obstrução nasal e corisa. Ao consultar um médico

especialista, surgiu a suspeita de possuir o mal de Hansen, logo depois surgiram manchas e

infiltrações nas pernas. Nesse período realizou vários exames bacteriológicos, todos apresentaram

resultados negativos para o bacilo da lepra. Após dois anos com suspeita do mal, foi internado no

Leprosário São Francisco de Assis, permanecendo nessa instituição por um ano. Devido ao

177

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 161. 178

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 159. 179

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 193.

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desaparecimento dos seus sintomas, recebeu alta do isolamento. Após a sua saída não temos

dados do seu destino, se retornou ao seminário de Natal ou se foi residir com os seus pais na

cidade de Mossoró.

Entre os internos do leprosário existiam os classificados como detentores de

pequenos recursos. Geralmente, esses internos se dividiam em pequenos agricultores e pequenos

comerciantes. É importante destacar que todos esses pequenos comerciantes eram classificados

como brancos e todos eram homens; apenas um mestiço foi classificado como detentor de

pequenos recursos, Francisco Correia de Lira. Foi internado em trinta de outubro de 1934, com

quarenta e três anos de idade. Morador da cidade de Gaiuba, na Paraíba, seus sintomas iniciaram

com uma ferida no dedo do pé e infiltração nas orelhas. A sua história no leprosário foi marcada

por entradas e saídas, após sua transferência para o isolamento na Paraíba retornou ao leprosário

em vinte e quatro de abril de 1942. Permaneceu na instituição por mais três anos, quando se

evadiu do isolamento180

.

Entre os internos que se denominaram pequenos agricultores estavam Olegário

Rodrigues Campos, Antonio Fernandes de Melo e Bento Antônio Oliveira. Dentre eles, destaco a

história do leproso Bento Antonio Oliveira,viúvo, internado no Leprosário São Francisco de

Assis em sete de janeiro de 1936, com sessenta e seis anos de idade.Exerceu a profissão de

pequeno comerciante até o ano de 1926, quando se tornou pequeno agricultor e criador na

fazenda São Lazaro, na cidade de Caraúbas. Seu mal iniciou em 1929, a partir do contato com a

esposa leprosa Delmira Oliveira, por mais de dez anos, seus principais sintomas foram mancha

erimatosa e dormência nas mãos e braços. Faleceu de lepra após seis meses do seu ingresso no

isolamento, em julho de 1936181

. A partir dos dados retratados na ficha do interno, constatamos

que Bento Antônio Oliveira era comerciante na cidade de Mossoró e, com o surgimento dos

primeiros sintomas da doença na esposa, mudou-se com toda a família para a sua fazenda,

abandonando seu comércio e se transformando em pequeno agricultor. A partir da trajetória desse

interno, posso inferir que o isolamento, bem como a presença dos sintomas no corpo, não era bem

aceito pela população de uma forma geral. Os contaminados pelo bacilo de Hansen procuravam

sair da convivência com muitas pessoas e se abrigavam em lugares mais distantes, evitando a

denúncia e o isolamento compulsório. Esse elemento corrobora a ideia de que muitos doentes de

180

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 205. 181

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 223.

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lepra se internavam de forma involuntária e compulsória. Bento Antônio Oliveira procurou o

isolamento somente após aproximadamente dez anos do surgimento dos sintomas e após o

falecimento da sua esposa, que também era leprosa.

Já os doentes enquadrados como estado econômico pobre correspondem a maior

parcela dos internos do isolamento potiguar. Apresentavam características semelhantes em

relação às profissões, à falta de instrução e ao tipo de habitação em que residiam. Os internos não

possuíam instrução mínima, sobretudo aqueles classificados com situação econômica pobre. Já os

internos que declaravam ter alguma instrução pertenciam ao grupo dos doentes detentores de

poucos recursos ou abastado. Apenas dois leprosos identificados como estado econômico pobre

tinham instrução, João Ferreira Nunes e Antônio Osório. O primeiro interno, João Ferreira

Nunes, de cor mestiça, casado, foi isolado aos trinta e três anos de idade, em dez de abril de 1935.

Seu primeiro sintoma foi um tumor no nariz. Residia na cidade de Ceará-Mirim com a sua

esposa, Maria Matias, de trinta e três, anos exerceu a profissão de carregador de água e logo

depois operário de padaria. Após três anos com o tumor no nariz e fazendo uso do óleo de

chaulmoogra, foi internado no Leprosário São Francisco de Assis, permanecendo nesta

instituição até o seu falecimento, nos anos 1940 182

.

Além desse interno, destaca-se o leproso Antônio Osório183

, internado em dez de

fevereiro de 1935, aos vinte e três anos de idade. Pequeno comerciante na cidade de Natal,

branco, solteiro, foi internado inicialmente no leprosário de Recife por dois anos e depois

transferido para o Leprosário São Francisco de Assis, em 1935. Conviveu com o irmão leproso e

seus sintomas iniciais foram edemas nos pés e nas mãos. Apesar dos seus sintomas, seu teste

bacteriológico não comprovou a presença do bacilo de Hansen no seu organismo. Após quatro

anos no leprosário, fugiu em 1939.

Diferenciações entre o caso de José Rocha Gurgel e Antônio Osório são perceptíveis.

Ambos possuíam sinais de lepra, segundo a visão dos médicos, mas apresentavam exame

bacteriológico negativo para o bacilo de Hansen. No entanto, José Gurgel, abastado de família

importante na cidade de Mossoró, obteve alta devido ao desaparecimento de alguns sintomas, já

Francisco Osório, pertencente a uma família simples da cidade de Ceará-Mirim, foi obrigado a

permanecer no isolamento por vários anos. A partir dessas informações, posso inferir que a

182

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 211. 183

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 209.

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situação social dos indivíduos leprosos interferia na permanência ou não no Leprosário São

Francisco de Assis.

A situação econômica dos internos era um fator importante no processo de admissão,

pois influenciava a distribuição deles no interior da instituição, como demonstrou o médico

Varella Santiago em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em três de julho de 1929. Segundo

ele, os leprosos não podiam ocupar qualquer área da instituição, mas se organizar de acordo com

as condições sociais, por sexo e pelos laços matrimoniais.

[...] sendo os isolados pessoas de várias categorias, da alta e da baixa sociedade,

em vez de uma vida em comum, que seria desigual e humilhante para os de

educação e tratamento, occupam estes habitações correspondentes ao seu estado

social. Para as camadas inferiores, como para as altas, há não só a devida

separação de sexos, categoria, como o alojamento em commum de doentes com

pessoas da família ou ligadas por matrimônio184

.

Como enunciado no acima, os leprosos ocupavam diferentes cômodos, conforme a

posição social que ocupavam na sociedade. Para o médico, a convivência íntima sem respeitar as

diferenciações de classe representava humilhação. Assim, posso inferir que os internos mais

abastados ocupavam áreas diferentes dos demais internos do leprosário, classificados como pobre

e com pequenos recursos.

Os internos isolados no Leprosário São Francisco de Assis desempenhavam

atividades ligadas a trabalhos manuais. Entre essas atividades, destacaram-se os serviços

domésticos: empregada doméstica, lavadeira, cozinheira, costureira, exclusivamente

desenvolvidas pelas internas, e atividades de lavrador, pescador, pintor, comerciante ambulante,

realizadas pelos homens. De forma geral, a ocupação mais comum entre os internos era o

trabalho na agricultura, como lavradores. Seguindo as recomendações da Diretriz Nacional de

Combate à Lepra, os leprosários e colônias deveriam possuir no seu interior atividades manuais

que proporcionassem ao interno trabalhar, ser útil para o isolamento. Dessa forma, no isolamento

potiguar o trabalho agrícola foi implantado pelo seu diretor, o médico Manoel Varella Santiago,

como retratou em entrevista ao Jornal do Brasil: “Há uma área para os trabalhos agrícolas onde

os que foram homens do campo cultivam como se estivessem nas fazendas, revertendo-se o

producto do seu trabalho em beneficio do Leprosário”185

. Assim, parte dos internos, continuou

realizando as atividades profissionais que exerciam antes do recolhimento na instituição. É

184

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929. 185

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.

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importante destacar que a atuação profissional desses internos dependia da gravidade da doença,

apenas os doentes que apresentavam bom estado de saúde realizavam os trabalhos manuais na

colônia.

Apesar de a profissão de lavrador ter sido a mais presente entre os isolados, outras

profissões também foram visualizadas. O paciente José Vasconcelos Chaves, internado em quatro

de novembro de 1932, se identificou como funcionário público. Permaneceu no leprosário por

quatro anos, até cinco de agosto de 1936. A sua doença foi contraída a partir do contato com o

irmão leproso não identificado no momento da internação186

. A partir da organização proposta

pelo diretor Varella Santiago, posso inferir que, José Vasconcelos, ao ser recolhido, dividiu a

habitação com outros internos na mesma situação econômica que a sua, ocupando as casas

inauguradas no ano de 1929 classificadas como tipo B. Essas casas apresentavam melhores

acomodações, físicas e sanitárias, e tinham mais conforto para os doentes, como retratou a

mensagem do Presidente do Estado lida na Assembleia Legislativa no ano de 1929187

.

Ainda sobre o perfil social e profissional dos internos, observei que ao relacionar as

profissões exercidas pelos internos e as suas classificações étnicas, não visualizei uma

diferenciação entre esses dois elementos. A maioria dos pacientes que tinham pequenos recursos

eram agricultores, indicando que tinham pequenos lotes de terras. Esses homens eram brancos ou

pardos.

No processo de registro dos internos, os médicos também indicavam o tipo de

habitação em que os leprosos residiam. De forma geral, os enfermos residiam em três tipos de

casa: operário, familiar e taipa. As casas do tipo familiar eram construções feitas com tijolo e

telha, já as casas de tipo operário tinham diferenciações, eram agrupadas em casas de taipa,

cobertas com telhas ou casas de palha com ou sem cobertura de telhas. De forma geral, dezoito

doentes isolados no leprosário depois dos anos 1930 residiam em casa do tipo familiar e dezoito

doentes residiam em casas de taipa com cobertura de telhas. Apenas dois doentes residiam em

casas feitas de palha, os pacientes Luísa Carolina de França188

e Pedro Antônio Ferreira189

.

186

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 172. 187

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima

terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929. 188

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 201. 189

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 161.

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A preocupação com o tipo de habitação ocupada pelos internos tinha ampla relação

com o estado sanitário que os doentes viviam. Existia grande preocupação com o abastecimento

de água, a incidência de áreas alagadas e a presença de mosquitos sugadores. Alguns médicos

defendiam que a transmissão da lepra ocorria por meio de mosquitos, assim, a partir do tipo de

habitação e a área em que os leprosos residiam poderia contribuir para o contágio de outros

indivíduos. As condições sanitárias dos indivíduos também influenciavam na decisão do médico

de permitir o tratamento do leproso no seu domicilio ou a reclusão no isolamento.

No que diz respeito à religião, todos os internos se declararam católicos, apenas uma

interna afirmou professar a religião presbiteriana. Isso demonstra a ligação que existia entre os

elementos religiosos e científicos, tão presentes desde o início do processo de construção do

Leprosário São Francisco de Assis e evidenciado no funcionamento da instituição. O isolamento

potiguar era um espaço voltado para atender os interno de forma material e espiritual. A presença

da igreja católica foi visualizada em diferentes momentos, como: na presença das irmãs de

caridade, na fundação da capela no interior do leprosário, na pratica cotidiana das missas e nos

eventos religiosos ocorridos dentro do isolamento.

Ao analisar os dados dos internos do Leprosário São Francisco de Assis, é importante

retratar que esses doentes apresentaram muitas outras doenças antes da internação, entre as quais

se destacam: impaludismo, sífilis, varíola, sarampo. Essas doenças também constituíam

preocupação por parte do governo e da classe médica.

2.3 As famílias isoladas do Rio Grande do Norte

A lepra era entendida como uma doença contagiosa transmitida através do contato

íntimo com indivíduos portadores do bacilo de Hansen e, para alguns médicos, transmitida

também por meio da picada de mosquitos infectados. O convívio com leprosos representava um

perigo constante aos indivíduos saudáveis e a proliferação de mais pessoas infectadas. Além

desse fator, muitos médicos também acreditavam que a lepra era uma doença hereditária.

Seguindo esse pensamento científico, vários integrantes da mesma família foram internados no

Leprosário São Francisco de Assis. A partir dos registros realizados durante o processo de

internação, foi possível refletir sobre os grupos familiares que entraram na instituição durante as

duas primeiras décadas de funcionamento do isolamento.

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Entre os grupos familiares presentes nessa instituição estava a família Osório,

composta por três irmãos isolados: Antonio da Silva Osório, Alberto Osório da Silva e Guiomar

da Silva Osório. Eram filhos de Antonio Osório, português residente no Brasil desde 1915,

escafandrista, tendo aproximadamente cinquenta e sete anos de idade, e Bela Osório de quarenta

anos aproximadamente. Do casamento nasceram sete filhos: Alcides Osório, de vinte e seis anos,

que residia com a tia Isabel Vilar; Anita Osório, de vinte e cinco anos, casada com João Ferreira;

Bela Osório, de vinte e quatro anos, casada com Epaminondas Ferreira; Guiomar Osório, que

morava com a irmã Bela; Elgisa Osório, que morava com Anita, Alberto Osório e Antonio

Osório190

.

Antonio Osório foi um dos primeiros irmãos internados, em dez de fevereiro de 1935,

aos vinte e três anos de idade, entrou no isolamento. Um dos poucos internos com instrução na

instituição, exercia a profissão de comerciante na cidade do Natal. Dos seus irmãos, tinha contato

íntimo com apenas dois, Guiomar e Alcides. O seu primeiro isolamento ocorreu na cidade do

Recife por dois anos. Após a saída da instituição, devido ao resultado negativo do teste

bacteriológico para o bacilo de Hansen, voltou para a cidade de Natal. Mesmo com o teste

laboratorial negativo, o doente ficava condicionado a exames e consultas periódicas, no ano de

1933 seu exame da mucosa nasal apontou a presença do bacilo da lepra, sendo internado no

leprosário de Recife e somente dois anos depois foi transferido para o Leprosário São Francisco

de Assis, no ano de 1935.

O segundo membro da família Osório internado foi Alberto Osório da Silva191

,

internado aos nove anos de idade, em dez de novembro de 1935. O seu contágio ocorreu através

da convivência íntima com o seu irmão Antônio Osório da Silva, por dois meses, na casa onde

moravam na cidade de Natal. Seu mal iniciou no mesmo ano da sua internação, com manchas

eritematosas na nádega direita como principal sintoma.

A última doente da família a ser isolada foi Guiomar da Silva Osório192

, solteira com

vinte e um anos de idade, foi internada em vinte e quatro de abril de 1936, um ano após a entrada

dos irmãos. Residia com a irmã Ana Osório da Silva e o seu esposo João Ferreira da Silva no

bairro do Alecrim, na cidade de Natal. Seus sintomas surgiram aproximadamente dois anos antes

da sua internação, apareceram-lhe manchas no tórax e nos membros inferiores.

190

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 209 191

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 220. 192

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 234.

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Os três irmãos tiveram ingressos no Leprosário São Francisco de Assis de forma

diferente, a partir das datas de ingresso não é possível afirmar se ocuparam a mesma casa, já que

existiam casas para abrigar famílias ou internos solteiros em número de três a quatros doentes. O

que se sabe é que os irmãos também tiveram saídas da instituição de isolamento de forma

diferente. Guiomar e Alberto receberam alta hospitalar no início da década de 1940, já Antônio

Osório fugiu da instituição em vinte e cinco de maio de 1939.

O segundo grupo familiar isolado no Leprosário São Francisco de Assis foi a família

Fernandes, composta por Francisco Fernandes, Maria Francisca Fernandes e os filhos João

Fernandes e Manoel Fernandes. Francisco Fernandes Pereira foi o primeiro leproso a ser isolado

na instituição hospitalar, no entanto não foi possível identificar a história desse doente no

leprosário. O que consta nos registros médicos é que Francisco Fernandes faleceu no leprosário

aos quarenta e cinco anos, em seis de março de 1935. Do seu matrimônio com Maria Francisca

Fernandes nasceram cinco filhos: Galdino Fernandes, de dezenove anos; Regina Fernandes, de

dezesseis anos; João Fernandes, de quinze anos; Manoel Fernandes, de catorze anos; e Jorge

Fernandes de doze anos.

Maria Francisca193

, viúva, sentiu os primeiros sintomas ainda no ano de 1923, ardor

na cabeça, queda dos supercílios, dormência nos pés e nas mãos, era doente de lepra há mais de

dez anos. Foi internada em onze de agosto de 1936. No momento da sua internação, dois filhos

também foram identificados como portadores do mal de Hansen, Jorge Fernandes e João

Fernandes. Ambos foram isolados no leprosário no mesmo momento da sua mãe. João

Fernandes194

entrou na instituição aos quinze anos de idade, exercia a função de agricultor em

Nova Cruz. Seus sintomas iniciais foram obstrução nasal, sensação de calor no corpo e manchas

na mão esquerda. Já Jorge Fernandes195

entrou na instituição com doze anos de idade, seus

sintomas iniciaram aproximadamente três anos antes, com um caroço no interior do nariz e queda

dos supercílios. A família Fernandes foi caracterizada com situação econômica de extrema

pobreza, o que me permite inferir que seus membros, ao serem recolhidos no leprosário, foram

separados a partir da organização estabilidade pela direção da instituição. Após dois anos no

isolamento, Maria Francisca foi transferida para a cidade de Bananeiras, na Paraíba, onde

residiam os seus familiares. Voltou a ser reinternada durante a década de 1940.

193

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 247. 194

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 248. 195

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 249.

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O interno Jorge Fernandes fugiu do isolamento alguns meses após a transferência da

sua mãe e foi capturado na cidade da Paraíba, voltando a ser internado no isolamento potiguar em

1939196

. Diferente do seu irmão, João Fernandes permaneceu na instituição de isolamento até a

década de 1950, quando atentou contra a própria vida. João Fernandes suicidou-se em dois de

julho de 1954, com sintomas de esquizofrenia, segundo relato médico197

. A partir dos dados

presentes nos registros dessa família, observou-se que pais e filhos eram separados do convívio

íntimo e investigados pela polícia sanitária, tornando-se alvo das políticas médicas

segregacionistas. E mesmo aqueles que não eram isolados ao lado dos seus familiares eram

atingidos pelo estigma da lepra que assolava toda a família. Segundo Curi, “[...] Os filhos não

doentes nascidos nos asilos-colônias e aqueles que nesta situação se encontravam no momento do

isolamento dos pais, tinham da mesma forma suas vidas marcadas. Filhos de leprosos”198

.

Também foi possível identificar relações familiares a partir da paciente Petronila

Maria Ferreira. Internada em nove de abril de 1935, aos trinta e três anos de idade, moradora de

Ponta Negra na cidade de Natal, realizava serviços domésticos na capital199

. Os seus primeiros

sintomas datam de 1933, a partir da convivência intima com o seu marido por dois anos, o interno

Pedro Antônio Ferreira, notificado como portador da doença em 1929. As primeiras

manifestações do bacilo de Hansen no corpo de Petronila Maria Ferreira foram manchas e

infiltração na face. Do seu casamento com Pedro nasceram três filhos: João, com catorze anos,

Antônio, com sete anos, e Francisca, com oito anos. Os meninos viviam em Ponta Negra e

Francisca era interna do Orfanato Padre João Maria. Além dos três filhos, o casal tinha um

enteado, Manoel Pedro Ferreira, também leproso. A partir dos registros presentes na

documentação do isolamento, não foi possível obter mais informações sobre os caminhos que os

filhos de Petronila seguiram após o seu isolamento no leprosário, nem informações sobre o seu

marido.

Outra família isolada na instituição foi a composta por Maria Francisca de Araújo e

Bento Gomes de Oliveira. O leproso Bento de Oliveira foi o terceiro paciente isolado na

instituição, sua entrada ocorreu em quatro de outubro de 1926, aos vinte e oito anos de idade.

196

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 249. 197

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 248. 198

CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976).

2002, 231f. Dissertação (Departamento de História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002, p.

60. 199

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº212.

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110

Faleceu em vinte e nove de abril de 1927.200

Natural da cidade de Macaíba, era casado com Maria

Francisca de Araújo, internada no leprosário em trinta e um de março de 1932. A família Gomes

Oliveira ainda teve dois filhos internados, Estevam Gomes de Oliveira e Maria Gomes de

Oliveira.201

No decorrer da pesquisa não foi possível investigar mais informações sobre os filhos

o casal leproso.

Entre os internos, destaca-se a história da paciente Luiza Francisca de Lima.202

Internada em quatro de outubro de 1930, como retratou a sua ficha clínica, foi isolada no dia que

irrompeu o movimento revolucionário no Estado. Somente no ano de 1936 seus exames médicos

foram realizados, permanecendo na instituição sem um diagnóstico médico positivo para a

presença da bactéria da lepra no organismo. Tendo convivido por mais de cinco anos com

leprosos, os seus sintomas antes inexistentes, começaram a ser visualizados no seu corpo, como a

queda dos pelos dos supercílios. Entre os seus comunicantes, identifiquei um filho leproso

isolado no Leprosário São Francisco de Assis, nomeado pelos médicos como ficha cento e

quarenta e dois, sem nome ou qualquer outra característica, apenas com o número do registro.

Essa forma de identificação dos pacientes ocorrida em instituições totais evidencia o que

Goffman203

denominou de mortificação do eu, ocorrida no momento da admissão dos indivíduos.

O doente perde o seu o nome em detrimento de um apelido, um nome genérico, um número.

Utilizando a prática da identificação dos doentes a partir do registro numérico na

ficha de admissão, posso inferir que Luiza Francisca de Lima e seu filho foram internados em

dias próximos, ou até no mesmo momento. Esse fato pode indicar que Luiza Francisca não era

suspeita de estar doente de lepra, mas foi isolada no leprosário para conviver com o seu filho.

Mesmo no processo de revisão médica, a paciente continuou não apresentando sintomas graves

da doença. Sobre o seu filho, no momento da pesquisa não foi possível obter mais informações,

Mas, foi possível verificar que Estevam Gomes de Oliveira e Luiza Francisca de Lima não

conviveram no isolamento, já que no momento da internação de Luiza Francisco Estevam Gomes

já tinha falecido.

200

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 03. 201

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº164. 202

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 141. 203

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.

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Outra família que viveu no Leprosário São Francisco de Assis foi a família Varela

Barca, que isolou três irmãos nessa instituição. O primeiro interno foi João Varela Barca204

,

internado aos cinquenta e oito anos de idade, casado, deu entrada na instituição em doze de

março de 1928. Sua doença iniciou no ano de 1925, com surgimento de úlceras e manchas no

corpo. Logo depois teve obstrução nasal com corisa. João Varela Barca conviveu por dois anos

com um irmão leproso, que tinha sintomas bem claros da doença. Seu exame bacteriológico foi

realizado em 1926 e sua internação ocorreu apenas dois após a notificação médica. Assim, posso

inferir que João Varela Barca era um doente notificado isolado no próprio domicílio, já que o

leprosário estava em processo de construção e o estado não possuía outro edifício para o

isolamento dos doentes.

A segunda a entrar no leprosário foi Adalgisa Varela Barca205

, internada aos quinze

anos de idade, em doze de março de 1928, junto com o seu pai. Nascida em Ceará-Mirim,

solteira, a sua doença iniciou em 1921, com o aparecimento de manchas na perna esquerda,

aproximadamente aos onze anos de idade. Faleceu em vinte de agosto de 1929. Seu exame foi

realizado pelo Serviço de Profilaxia Rural no ano de 1924. Além desses dois internos, também foi

contaminada com o bacilo de Hansen Teresinha Varela Barca, filha de João Varela Barca e irmã

de Adagilsa Varela Barca.

Teresinha Varela Barca entrou no leprosário em seis de maio de 1936, aos dezoito

anos de idade, após alguns anos da entrada do seu pai e da sua irmã na instituição. Segundo o

relato presente nos seus registros, foi contaminada nos primeiros anos de vida, através do contato

com a irmã Adagilsa. Encontrava-se doente de lepra há mais ou menos onze anos, estando isolada

com senhora Adelaide Barros. Saiu do leprosário em primeiro de setembro de 1939, transferida

para o Recife206

. A partir dos dados, inferi que os internos da família Varela Barca não se

encontraram na instituição devido as suas diferentes trajetórias.

Antonio Fernandes de Melo207

entrou no Leprosário São Francisco de Assis em

dezoito de dezembro de 1934, aos trinta e três anos de idade. Natural da Paraíba, era pequeno

agricultor, casado com Antonia Gonçalo de Melo. Seus pais eram Fernando Correia de Melo e

Ana Correia de Melo. Todos os seus familiares residiam em Bananeiras, na Paraíba. Seus

204

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 16. 205

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 17. 206

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 239. 207

CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 207.

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112

primeiros sintomas surgiram ainda na Paraíba, a partir de junho de 1934, com manchas

eritematosas no pé esquerdo. Conviveu intimamente com o leproso Francisco Correia de Lira. A

partir da análise das fichas, é importante destacar que alguns pacientes eram transferidos entre os

isolamentos, como ocorreu com Antonio Fernandes de Melo. Até a conclusão deste trabalho, não

foi possível identificar o motivo das transferências dos internos, nem se fazia parte de uma

política de cooperação estabelecida entre os Estados.

A partir da análise dos internos presentes no Leprosário São Francisco de Assis,

observa-se que os doentes eram provenientes de diferentes cidades do Estado e que apresentaram

características próprias no momento da internação, na sua trajetória dentro do isolamento, na

aceitação de ser isolado. De forma geral, posso afirmar que os doentes isolados tinham como

perfil serem de origem pobre, com sintomas iniciais de dormência, infiltrações, manchas no

corpo e apresentavam testes bacteriológicos positivos para a presença da bactéria do bacilo de

Hansen. O grupo de internos do Leprosário São Francisco foi composto, na sua maioria, por

homens com idade entre trinta e quarenta anos, agricultores e casados. Também apresentaram

como elemento comum a convivência intima com indivíduos doentes, como pai ou irmãos e a

presença no extremo norte do país.

Os internos apresentavam características semelhantes no que diz respeito à descoberta

da doença no corpo, ao aparecimento dos sintomas, à chegada ao isolamento, ao tratamento

recebido pelos médicos. Contudo, cada interno teve uma trajetória única no isolamento,

compondo a história da instituição. É importante destacar que as transformações na estrutura

física do Leprosário São Francisco de Assis influenciaram a trajetória dos internos na instituição,

bem como as práticas médicas desenvolvidas pelos médicos. Assim, o próximo capítulo disserta

sobre as práticas médicas desenvolvidas no interior do isolamento, observando como ocorria o

diagnóstico inicial e o tratamento dos doentes pelos chamados doutores da ciência.

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CAPÍTULO 3: AS PRÁTICAS MÉDICAS DESENVOLVIDAS NO LEPROSÁRIO SÃO

FRANCISCO DE ASSIS

A lepra, atualmente conhecida como Hanseníase, é caracterizada como uma doença

clinicamente curável. Seu tratamento é baseado na ingestão de antibióticos e no acompanhamento

médico dos doentes. Contudo, na primeira metade do século XX, a sua profilaxia foi tema de

debate entre os cientistas e médicos do mundo inteiro. Sem conhecimento sobre as formas de

transmissão e sobre o desenvolvimento da bactéria no organismo humano, as práticas de combate

a essa doença foram baseadas no isolamento compulsório dos doentes e na utilização de remédios

injetáveis, como o óleo de chaulmoogra.208

Essa prática médica de profilaxia perdurou no Brasil

até a década de 1940, momento do surgimento das sulfonas209

. O uso desse composto químico

ocorreu através de por meio de experiências realizadas pelo médico Guy Faget no Leprosário de

Carville, na Louisiana, Estados Unidos. A descoberta das sulfonas marcou um novo período no

tratamento da lepra, a ação desse medicamento acabou com o contágio entre os indivíduos,

passando-se a questionar a validade do isolamento dos doentes em leprosários ou colônias. No

Brasil, o uso das sulfonas foi registrado apenas em 1946.

A prática médica ocorrida no Leprosário São Francisco de Assis seguiu os avanços da

medicina e da farmacêutica no tratamento contra a bactéria da lepra de acordo com as

características de cada período. Assim, indagações sobre como se caracterizou a prática médica

de combate à lepra no Leprosário São Francisco de Assis, nas suas primeiras décadas de

funcionamento, permearam nossas investigações. O objetivo deste capítulo é analisar o conjunto

de práticas médicas desenvolvidas no combate à lepra entre os anos de 1929 a 1941, período

anterior ao aparecimento dos compostos químicos no interior do leprosário do Rio Grande do

Norte. Busco, dessa maneira, responder as seguintes questões: quem eram os médicos

responsáveis pelo tratamento da lepra no Leprosário São Francisco de Assis? Como era realizado

o diagnóstico dos pacientes? Quais os exames, clínicos e químicos, realizados para confirmar a

suspeita da lepra? Após o diagnóstico inicial do doente, como ocorria o acompanhamento médico

do leproso na instituição? Quais os tipos de remédios utilizados no tratamento da bactéria?

208

Óleo volátil obtido das sementes de várias plantas originárias da Índia. As plantas conhecidas pela designação de

chaulmoogras pertencem à família das Flacourtiáceas. 209

Composto químico utilizado no tratamento de todas as formas da lepra, entre os seus componentes podemos citar

a Dapsona.

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É importante demarcar que para o desenvolvimento deste capítulo utilizei os registros

produzidos pelos médicos presentes nas fichas clínicas dos pacientes. Assim, toda a análise da

prática médica desenvolvida no Leprosário São Francisco de Assis será apresentada do ponto de

vista da ação médica.

3.1 O doutor da ciência: Manoel Varella Santiago Sobrinho

Antes de dissertar sobre a prática médica desenvolvida no Leprosário São Francisco

de Assis, é importante compreender quem eram os indivíduos responsáveis pela profilaxia da

lepra nessa instituição. Analisar a trajetória profissional dos médicos, os grupos a que pertenciam,

sua formação profissional, o que os levou a atuar em um leprosário, são objetivos deste capítulo.

Entendemos que esses elementos compõem um conjunto importante de informações que

subsidiam a análise das práticas médicas realizadas no interior da instituição hospitalar.

Essa instituição, nas suas primeiras décadas de funcionamento, contou com o trabalho

de dois médicos potiguares, o Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho e o Dr. Silvino Lamartine

de Faria. Além da presença dos médicos, também destaco a atuação da Ordem Filhas de Santana.

Criada na Itália, a Ordem chegou ao Brasil em vinte e sete de outubro de mil oitocentos e

sessenta e seis, para atuar em Belém, no Hospital do Bom Jesus dos Pobres. Além do Rio Grande

do Norte, as religiosas atuaram em outros estados do Brasil, como Rio de Janeiro, Ceará, Minas

Gerais, São Paulo, Amazonas, Pernambuco, entre outros.

A Ordem Filhas de Santana chegou ao Rio Grande do Norte por meio do convite do

então Presidente do Estado, Alberto Maranhão, no ano de 1909, para atuar, inicialmente, na

administração do Hospital da Caridade Juvino Barreto. A presença das religiosas foi de grande

importância na administração interna do hospital, na responsabilidade das atividades burocráticas

e nas funções da enfermagem junto com os pacientes210

. Dessa forma, podemos afirmar que as

Irmãs Filhas de Santana atuaram em todas as frentes do Hospital da Caridade Juvino Barreto.

Além de exercerem funções nesse hospital, elas também atuaram em outras instituições médicas

e de isolamento, como o Asilo da mendicidade, o Orfanato Padre João Maria e o Isolamento São

João de Deus.

210

SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no

complexo nosoespacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em

História) – Departamento de História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.

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A presença do poder espiritual na administração das instituições médicas da capital

estava ligada a duas questões principais: a necessidade do aspecto espiritual na formação do

homem moderno e a ausência de recursos financeiros do Estado para manter as instituições

médicas. Assim, como as demais instituições, o Leprosário São Francisco de Assis contou com a

participação da Ordem Filhas de Santana. A presença das religiosas pode ser confirmada a partir

de duas edificações existentes no leprosário: a igreja e o bangalô para abrigo seguro das irmãs,

como demonstrou a matéria veiculada no jornal Diário de Pernambuco sobre a atuação do Estado

do Rio Grande do Norte no atendimento aos leprosos. Segundo o articulista do referido jornal, o

Monsenhor Alfredo Pegado, administrador diocesano, lançou a benção da Igreja sobre a pedra

fundamental da capela e apresentou a importância dessa edificação: “[...] em expressivo discurso,

applaudiu a iniciativa da construção do pequenino templo onde, os que se encontravam afastados

do convívio social por uma lei imperiosa, iriam ter, de futuro, a assistência espiritual que a

religião catholica tão bem sabe proporcionar ”211

.

Já o Jornal do Commercio do Estado do Amazonas, de doze de outubro de 1930,

apresentou as edificações realizadas no Leprosário São Francisco de Assis, entre elas o bangalô

para o abrigo das irmãs de caridade. A coluna apresentou as obras: “[...] Além da escola, será

dada a benção pelo bispo D. Marcolino Dantas ao bungalow destinado a residência das irmãs de

caridade, sob cuja direccção tem de ficar os negócios internos do leprosário”212

.

A partir desses elementos, pode-se inferir que, assim como atuaram na administração

de outras intuições médicas e de isolamento, as irmãs da Ordem Filhas de Santana também

assumiram as funções administrativas do Leprosário São Francisco de Assis, contribuindo na

organização e no tratamento dos doentes. Contudo, é importante destacar que, como demonstrou

a matéria do referido jornal, a presença física das irmãs na instituição de isolamento somente

ocorreu no ano de 1930, após a inauguração oficial da instituição. Assim, nos seus primeiros

anos de funcionamento, o Leprosário São Francisco de Assis não contava com uma organização

administrativa estruturada. A organização e a administração da instituição ficaram a cargo do

médico Manoel Varella Santiago Sobrinho.

Idealizador, médico e diretor do leprosário, Varella Santiago foi uma importante

figura na política de profilaxia da lepra no estado. Na memória da cidade, sua imagem foi

211

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, 04 de junho de 1929, p. 2. 212

DIÁRIO DO COMMERCIO, Amazonas, 12 de outubro de 1930.

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cristalizada como grande benfeitor e pioneiro na área da saúde infantil e da educação feminina,

contudo, posso afirmar que a participação do Dr. Varella Santiago na saúde potiguar vai além das

fronteiras da saúde infantil e feminina. Ele interferiu no processo de organização dos diversos

serviços de saúde, na educação sanitária da capital e em especial nas práticas de cura da lepra no

Estado.

Nascido em vinte e oito de abril de 1885, no Engenho Boa Vista (atual município de

Touros), Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho era filho de Cândido Varella Xavier e Rita

Gomes da Costa. Seu pai adicionou o sobrenome Varella Santiago em todos os filhos. Candido

Varella Xavier (pai de Varella Santiago Sobrinho) era filho de Candido Xavier Varella e

Joaquina Ferreira Nobre, tinha como irmãos Joaquim Xavier Varella (que depois se tornou

Joaquim Varella Buriti) e Francisco Xavier Varella. Após a morte do seu esposo, Joaquina casou

com Manoel Varella Santiago, irmão do Barão de Ceará-Mirim. Do seu primeiro casamento com

Margarida Teixeira do Amaral, nasceu o General João da Fonseca Varella, herói da Guerra do

Paraguai.

O nome do Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho foi dado pelo seu pai em

homenagem ao seu padrasto, Manoel Varella Santiago. Dessa forma, podemos afirmar que

Manoel Varella Santiago Sobrinho pertencia a uma família influente do Estado.

Manoel Varella Santiago cursou Humanidades na Escola Atheneu Norte-rio-

grandense e cursou medicina, inicialmente, na Faculdade de Medicina da Bahia e no quarto ano,

transferiu-se para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1906. Diplomado em medicina

no ano de 1910, na faculdade do Rio de Janeiro, defendeu a tese Estudo Clínico das Paralisias

Consequentes à Sífilis Cerebral213

. Depois de formado, o médico Varella Santiago continuou

seus estudos na Europa, regressando a Natal após alguns anos, inserindo-se no quadro médico da

capital e nos serviços sanitários do Estado, onde durante vários anos. Em 1928, casou com Maria

de Lourdes Lamartine Varella, filha do então Presidente do Estado, Juvenal Lamartine de Faria.

Varella Santiago faleceu em Natal, em quinze de junho de 1997, aos noventa e dois anos de

idade.

Varella Santiago atuou como médico na capital durante várias décadas, assumindo

diferentes cargos e funções. Entre as funções exercidas no Estado, destaco: Diretor do Hospital

dos Alienados, médico do Grupo de Escoteiros do Alecrim, médico da Caixa Escolar do Grupo

213

JORNAL DO COMMERCIO, Rio de Janeiro, 06 de janeiro de 1910.

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Frei Miguelinho, fundador e diretor do Serviço de Proteção à Infância, Professor de Puericultura

da Escola Doméstica, Diretor do Departamento de Saúde Pública nos governos de José Augusto

de Medeiros e Juvenal Lamartine, diretor e médico do Leprosário São Francisco de Assis,

presidente da Sociedade de Proteção aos Lázaros, idealizador do Educandário Oswaldo Cruz,

presidente de honra da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental214

.

Como retratado, o Dr. Varella Santiago Sobrinho cursou medicina no início do século

XX, a princípio na Faculdade da Bahia e logo depois na Faculdade de Medicina do Rio de

Janeiro. Nesse período, a ciência médica se fortalecia enquanto saber, novos padrões científicos

eram estabelecidos e se solidificava a ideia do médico como o cientista do corpo. O curso de

medicina da Faculdade da Bahia foi organizado pelo Decreto n° 3.890, de primeiro de janeiro de

1901. Esse documento estabeleceu novas cadeiras, como a física médica, a química médica, e

criou a cadeira de bacteriologia215

.

O ensino médico, no início do século XX, tinha grande influência europeia, sobretudo

das escolas da França e da Alemanha, que tinham na sua base científica as ideias do darwinismo

biológico, o positivismo francês e o materialismo alemão. As Faculdades de medicina, tanto do

Rio de Janeiro como da Bahia, eram caracterizadas pelo ensino livresco e teórico. Somente com a

influência da escola americana, a prática médica hospitalar tornou-se mais presente no ensino

médico. Grande parte da mudança nesse ensino ocorreu com o crescimento das descobertas

científicas procedentes das teorias de Robert Koch, do micro-organismo causador da cólera, e de

Louis Pasteur, de sua teoria dos germes nas doenças infecciosas. Com essas descobertas, as ações

e pesquisas médicas centralizaram na natureza biológica da doença.216

Foi nesse cenário

científico que o médico Dr. Varella Santiago foi formado, no processo das mudanças científicas,

do novo papel do médico na sociedade e com a entrada da importância da natureza biológica da

doença como fonte principal de profilaxia.

Antes de se tornar diretor do Leprosário São Francisco de Assis, Varella Santiago

atuou como médico da Caixa Escolar do Grupo Frei Miguelinho. A caixa escolar foi uma

214

Informações obtidas a partir de um conjunto de fontes, como jornais, livros e sites, que retratam a atuação do Dr.

Manoel Varella Santiago no Estado. 215

Decreto publicado pelo Presidente da República Campos Salles e referendado pelo Ministro da Justiça e Negócios

Interiores, Epitácio Pessoa, deu novo código aos institutos oficiais de ensino superior e secundário, ligados àquela

pasta. Seguido do Decreto nº 3.902, de 12/01/1901, estabeleceu-se novo regulamento para as faculdades de medicina,

que voltaram a ser denominadas Faculdade de Medicina da Bahia e Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. 216

ROCHA, Glória Walkyria de Fátima. A Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

da Praia Vermelha à Ilha do Fundão: o sentido da mudança. Rio de Janeiro, 2003. Tese (Doutorado em Educação) –

Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2003, p. 263.

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organização presente em diversas instituições de ensino no Rio Grande do Norte durante o

governo de Joaquim Ferreira Chaves, instituída a partir da Lei n. 405, de vinte e nove de

novembro de mil novecentos e dezesseis. Entre as escolas que possuíam essa organização,

podemos destacar os grupos escolares Augusto Severo, Frei Miguelinho, Auta de Souza, Pedro

Velho, Tenente Coronel José Correia, entre outras.217

O médico do grupo escolar tinha diferentes funções, como o atendimento das crianças

que frequentavam a escola e a manutenção das principais noções de higiene e moral. O jornal

Diário de Pernambuco, de dezenove de maio de mil novecentos e dezessete, noticiou uma

cirurgia realizada por Varella Santiago em uma aluna do Grupo Escolar Frei Miguelinho: “O dr.

Varella Santiago, médico da cooperativa do grupo escolar Frei Miguelinho operou no dia três do

corrente, a alunna Maria Lins, atacada de amydalitomia dupla”218

. No mesmo jornal, em oito de

dezembro de mil novecentos e dezessete, foi apresentada a atuação do médico como orientador

dos preceitos de higiene: “O dr. Varella fará mensalmente uma preleção sobre noções de hygiene

perante os alunnos do Grupo”219

.

Ainda como médico do Grupo Escolar Frei Miguelinho, Varella Santiago também

interferiu na organização do edifício. O Jornal Diário de Pernambuco, de trinta de agosto de mil

novecentos e dezessete, relatou a visita do médico pelo interior do edifício escolar e as alterações

propostas na infraestrutura do Grupo Escolar, entre elas, modificações no abastecimento da água

filtrada. Varella Santiago recomendou a instalação do filtro Chamberland, de 60 litros da água.220

A atuação do médico no Grupo Escolar Frei Miguelinho, interferindo na acomodação do espaço

físico e nos elementos sanitários da escola, demonstrou a ideia de modernidade que Varella

Santiago seguia. Ao realizar preleções sobre os novos hábitos que os alunos deveriam seguir e

formar os novos cidadãos potiguares com base nas ideias de higiene, Varella concordava com a

ideia de que era necessário educar os futuros cidadãos para concretizar os anseios de um país

saudável e moderno.

A presença da necessidade de instalação de um filtro de água Chamberland221

enfatizava que a classe médica potiguar seguia as ideias de que a água poderia ser uma

217

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 08 de dezembro de 1917. 218

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 19 de maio de 1917. 219

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 08 de dezembro de 1917. 220

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 30 de agosto de 1917. 221

O filtro Chamberland foi criado por Pasteur. A partir de vários experimentos, descobriu que esse filtro não

permitia a passagem do vírus da febre amarela presente na água para o organismo humano.

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transmissora de bactérias e, consequentemente, de doenças. Esse tipo de recomendação era

símbolo da modernidade e dos novos preceitos higiênicos presentes nas escolas e na cidade.

As orientações sobre a moral e a higiene que as crianças deveriam seguir também

foram apontadas nos boletins de instrução mensal distribuídos entre as crianças do bairro do

Alecrim produzidos pelo Grupo Escolar Frei Miguelinho. Esses boletins consistiam em

orientações das práticas de civismo, moral e higiene. O Boletim de Instrução produzido em

março de mil novecentos e dezoito abordou o tabagismo. O médico Varella Santiago discorreu

sobre o uso do fumo em práticas medicinais e as consequências maléficas do seu uso na saúde do

indivíduo, tanto da folha do fumo, como o próprio cigarro.

Ao retratar o uso do fumo entre os indivíduos, o médico resgatava a historicidade

desse hábito, os estudos sobre a interferência do uso do fumo para a saúde dos homens, das

crianças e das mulheres, apoiado nos estudos europeus realizados em animais. As suas

inquirições eram baseadas em números e porcentagem dos malefícios causados no organismo

humano. Ficava evidente que ao produzir esses dados, Varella Santiago demonstrava que a

Europa era o centro científico que deveria ser seguido pelo Brasil, como também ficava evidente

a utilização da cientificidade na prática médica demonstrada na exatidão dos dados numéricos e

nas porcentagens.

A cientificidade das ideias do médico Varella Santiago também foi apresentada ao

condenar o uso das folhas de fumo como prática de cura. O médico afirma: “O habito de mascar,

além de indicar falta de asseio e de educação, é o que maiores prejuízos trazem ao organismo. É

formal e absolutamente contraindicado o emprego da fumaça ou do sarro na cura das dôres de

dente, sobretudo si se tratar de uma creança”222

. A partir do texto do médico presente no referido

boletim, pode-se inferir que a população potiguar tinha o hábito de utilizar o fumo, a sua fumaça

e as suas folhas, para tratar diferentes doenças como: coriza, resfriado, dor de dente e

embriaguez. Varella enquadrou essas práticas de cura como falta de asseio e educação da

população e condenou todos os usos do fumo, principalmente em crianças. Assim, as práticas de

curandeirismo deveriam ser abolidas do cotidiano da população potiguar e novas práticas,

baseadas na cientificidade e na medicina moderna de higiene, deveriam ser seguidas.

222

SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei Miguelinho,

Natal, v. 74, n. 02 março, 1918.

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Ainda de acordo com o Boletim de Instrução publicado pelo Grupo Escolar Frei

Miguelinho, a prática de fumar era utilizada pela população potiguar como forma de distração e

de inspiração de bons pensamentos, ajudando a suavizar o espírito e a alma. No entanto, o Dr.

Varella Santiago discorreu que não são as nuvens de fumaça que suavizam o espírito, e sim as

músicas, as diversões, os jogos, os conselhos dos sensatos, as palavras de conforto dos parentes e

amigos.223

A partir das ideias apresentadas pelo médico, foi possível observar que foram citados

vários elementos inseridos no cotidiano com base nos ideais de modernidade, como as músicas,

os jogos, elementos que contribuiriam para formar um homem mais saudável e educado. O

médico Varella Santiago defendia a formação do novo indivíduo baseado nos bons hábitos

higiênicos, sobretudo ensinados às crianças.

Segundo Varella Santiago, as crianças tinham um papel importante na consolidação

dos hábitos de higiene. Ele afirmava:

as creanças de hoje devem formar uma verdadeira cruzada contra todos os

vícios, para que amanhã, menos doentes e mais felizes que nós outros, possam,

com mais segurança, concorrer para o saneamento dos habitos sociaes e o vigor

physico e moral das gerações futuras224

.

O médico defendia o projeto nacional político de formação de novos cidadãos a partir

da educação das crianças e dos jovens. O Boletim de Instrução expressou na sua capa de abertura

o projeto político de formação dos jovens que era seguido na cidade: “Creanças – aprendei tudo

quanto aqui vos ensinamos e vos sereis felizes na vossa vida tão necessária a pátria e a

família”225

.

A atuação de Varella Santiago junto ao Grupo escolar Frei Miguelinho não ficou

restrita às preleções de higiene, ele também trabalhou formando novos profissionais da saúde por

meio de cursos de enfermagem e de práticas médicas elementares. O Jornal Diário de

Pernambuco, de oito de dezembro de mil novecentos e dezessete, noticiou o curso de enfermaria

para os escoteiros do Alecrim dirigido pelo médico Varella Santiago226

. Já a matéria do mesmo

223

SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei Miguelinho,

Natal, v. 74, n. 02, março, 1918. 224

SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei Miguelinho,

Natal, v. 74, n. 02, março, 1918. 225

SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei Miguelinho,

Natal, v. 74, n. 02, março, 1918. 226

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 08 de dezembro de 1917.

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jornal, de treze de outubro de mil novecentos e dezoito, retratou a oferta de Curso Elementar de

Medicina Prática:

O dr. Varella Santiago iniciou quarta-feira, entre os aluno maiores do curso

elementar do grupo escolar Frei Miguelinho um curso de – medicina prática –

com uma preleção sobre a technologia das injeções, fazendo mesmo a

applicação de uma em uma aos alunos para melhor concretisar sua palavras. O

ilustre facultativo vae continuar esse curso com todo o interesse, pois o

considera de maior vantagem para os alunnos do referido grupo227

.

O Curso Elementar de Medicina Prática ministrado pelo Dr. Varella Santiago aos

alunos do Grupo Escolar Frei Miguelinho indicava o objetivo do médico: a formação de jovens

com instrução para atuar no campo da saúde baseada nos preceitos científicos, higiênicos e

modernos, como o uso das injeções. A matéria do jornal Diário de Pernambuco apresentou o uso

das injeções como uma tecnologia, evidenciando que o uso desse material era uma prática que

ainda estava sendo difundida e utilizada nesse período no Brasil. Além da utilização das mais

modernas práticas de medicina, o ensino médico proposto por Varella Santiago era caracterizado

pela ação prática, já que a aprendizagem se realizava por meio da aplicação prática dos

ensinamentos nos próprios alunos. Apesar de ter sido formado em uma escola teórica e livresca,

Varella Santiago seguia outra concepção do ensino médico, baseado na prática e no

conhecimento dos novos métodos e de novas práticas medicinais.

A primeira notícia do médico Varella Santiago Sobrinho junto aos órgãos públicos foi

datada de mil novecentos e dezesseis como médico do Isolamento da Piedade. Essa foi a primeira

atuação do médico, segundo as fontes documentais que foram acessadas, em instituições

higiênicas de cunho isolacionista. No ano de mil novecentos e dezessete, era o Diretor do

Isolamento de Tuberculosos e Alienados, como demonstrou o jornal Diário de Pernambuco, de

vinte e três de agosto de mil novecentos e dezessete, na coluna Diário no Rio Grande do Norte:

“A bordo do paquete Ceara regressou do Rio de Janeiro, o ilustre dr. Manoel Varella Santiago,

director dos isolamentos de tuberculosos e alienados”228

.

O jornal de Diário de Pernambuco do ano de mil novecentos e vinte e três, ao

apresentar a visita do Dr. Dioclécio Duarte em diferentes instituições da capital potiguar,

evidenciou o Isolamento da Piedade, a sua boa estrutura e a importância da aplicação da ciência

médica moderna no tratamento dos doentes mentais. Ainda segundo as impressões do Dr.

227

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 13 de outubro de 1918. 228

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife. 23 de agosto de 1917.

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Dioclécio Duarte apresentadas no jornal Diário de Pernambuco, foi enaltecida a atuação do

médico Varella Santiago à frente desse isolamento potiguar:

Na nossa visita, antes de penetrar no Isolamento, logo se destaca dando um

suave conforto o jardim lindamente cuidado por alguns loucos menos furiosos.

Activos, trabalhadores, os pobres jardineiros contemplam apaixonadamente as

flores perfumadas. No interior vi as mulheres em períodos lúcidos trabalhando

nas almofadas em rendas de um gosto simples e muito bonito. Assim se

observam no Isolamento da Piedade, os processos adoptados nos

estabelecimentos desse gênero que existem nos centros mais cultos. Ainda

retrata a boa atuação do médico Varella Santiago e afirma que espera os

melhores resultados229

.

O Isolamento da Piedade, segundo as impressões do Dr. Dioclécio Duarte,

apresentava os mais modernos elementos científicos, desde a arquitetura do edifício até as

práticas médicas realizadas. Entre os elementos destacados pela visita do Dr. Dioclécio Duarte,

estava a presença do jardim, que constituía um dos elementos implantados pelas novas ideias

médicas. O jardim era entendido como um lugar que associava a instituição de isolamento ao

conforto familiar, elevando o bem-estar dos doentes e a semelhança com o ambiente da casa e da

família. A presença do jardim também contribuía para a aeração dos ventos e a melhoria

higiênica do local. Outro elemento importante presente nessa instituição era o desenvolvimento

de atividades realizadas pelos internos, no jardim e na produção de materiais artesanais. A prática

de inserir os internos em atividades e trabalhos diversos fazia os doentes se sentirem ativos e

participantes da própria instituição, quebrando a ideia de isolamento que essas instituições

haviam adquirido. Assim, posso inferir que o médico Varella Santiago implantou no Isolamento

da Piedade elementos modernos, buscando a cura do doente, e não apenas a sua exclusão da

sociedade.

Além de médico do Grupo Escolar Frei Miguelinho, o Dr. Varella Santiago também

atuou como professor na Escola Doméstica de Natal, ministrando a disciplina de Puericultura230

,

no ano de 1919. Curso fundado e idealizado pelo próprio médico, o programa de estudo dessa

disciplina compreendia toda a vida da criança – desde o seu nascimento até os primeiros anos da

infância. O curso era composto dos seguintes conhecimentos: os principais cuidados médicos e

higiênicos aos recém-nascidos, como o peso, a temperatura, a amamentação, os primeiros

229

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 23 de fevereiro de 1918, p. 2. 230

Ciência que reúne todas as noções, de fisiologia, higiene e sociologia, suscetíveis de favorecer o desenvolvimento

físico e psíquico das crianças. Mesmo sendo conhecida por tratar dos bebês durante o nascimento e primeiros meses

de vida, a puericultura também é responsável pelo tratamento pré-natal ou pré-concepcional.

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alimentos; Os cuidados com os objetos que os bebês teriam contato, como o berço e as roupas; A

higiene do corpo físico, como pele, dentes, boca, nariz, garganta, olhos e ouvido e a nova máxima

da saúde, a vacinação das crianças que entrava no rol das práticas médicas e higiênicas.231

A

formação das mães constituía um dos principais elementos a serem implantados, tanto na política

nacional, como na sociedade potiguar. O Rio Grande do Norte, assim como as demais capitais do

Brasil, acumulava dados alarmantes da mortalidade infantil. Entre os principais motivos dos

números elevados proclamados pelo saber médico, estavam a falta de higiene e o conhecimento

das mães sobre a saúde das crianças. Nesse sentido, a ação das políticas públicas se direcionava

para as mães, pois era necessário educar as novas mães para formar uma nação saudável e

moderna.

Entre os principais pensadores sobre a saúde das crianças, estava o Dr. Moncorvo

Filho, diretor do Instituto de Proteção à Infância do Rio de Janeiro. Para esse médico, as mães

tinham um novo papel na sociedade moderna que se instaurava, eram as responsáveis pela

disseminação das práticas médicas científicas relacionadas à saúde das crianças, as responsáveis

pelo aleitamento natural e pela realização dos exames dos nutrizes. Todos os saberes populares

dos chás, das crendices e das simpatias deveriam ser abandonados pelas mães no combate às

moléstias infantis232

. As ideias defendidas pelo médico Dr. Moncorvo Filho eram seguida pelos

médicos e as autoridades potiguares. A mensagem do presidente do Estado do ano de 1915

relatou a importância da educação higiênica das mães para a manutenção da saúde das crianças e

a redução da mortalidade infantil no Estado.

Sobre a mortalidade infantil, a mensagem exalta a falta do conhecimento sobre as

práticas higiênicas cientificas: “entre outras causas, a ignorância dos preceitos aconselhados pela

hygiene infantil, que deveriam ser, intensa e extensamente, propagados no seio das classes

sociaes, especialmente da classe pobre”233

.

Essas duas ideias – da necessidade de formação do novo modelo de mãe e da

necessidade de se voltar para os cuidados com a saúde infantil – influenciaram fortemente o Dr.

231

CARVALHO, Denis Barros. A cidade e a alma reinventadas: modernização urbana e a consolidação acadêmica

e profissional da Psicologia na Cidade de Natal – Rio Grande do Norte. Dissertação (Mestrado em Psicologia) –

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2001. 232

MONTEIRO, Helena Rego. A medicalização da vida escolar. 2006. 100f. Dissertação (Mestrado em Educação)

– Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 39. 233

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da

oitava legislatura, em 01 de novembro de 1915, pelo governador Desembargador Joaquim Ferreira Chaves. Natal:

Typ. d'A República, 1915. p. 12.

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Varella Santiago, tanto na formação do curso de puericultura na Escola Doméstica (já que

durante vários anos foi o único responsável por essa disciplina), como na construção e direção do

Instituto de Proteção à Infância no Estado. Essa instituição, exclusivamente infantil, era presente

em diversos estados do país e tinha como objetivo contribuir para a saúde das crianças

intrauterina e nos seus primeiros anos de vida.

A primeira instituição de proteção à infância foi criada no Rio de Janeiro, em fins do

século XIX, e dirigida pelo Dr. Moncorvo Filho. A ação desse médico foi decisiva para a criação

do Instituto de Proteção à Infância em Natal, uma vez que o seu funcionamento foi vinculado ao

Instituto de Proteção à Infância presente no Rio de Janeiro. Para dirigir a instituição, o Dr.

Moncorvo Filho convidou o médico Varella Santiago Sobrinho, como mostra o jornal Diário de

Pernambuco do ano de 1917:

O dr. Varella Santiago, illustre clinico nesta cidade, recebeu um officio do dr.

Moncorvo Filho, director fundador do Instituto de Protecção e Assistencia à

Infancia do Rio de Janeiro, pedindo-lhe, em nome do Conselho administrativo

daquela grande e humanitária instituição, para tomar a si a empreitada de fundar

nesta cidade uma filial do mesmo Instituto234

.

A necessidade de espaços que representassem a higiene era propagada pelo discurso

médico e proclamada para a população como um ato de benfeitoria. O grande benfeitor dessa

ação era o médico Varella Santiago, que realizou todas as ações possíveis para a instalação dessa

instituição tão necessária para a saúde potiguar e das crianças, como retratou o jornal Diário de

Pernambuco do ano de 1917:

[...] o dr. Varella Santiago acceitando esta honradíssima incumbência, começou

a agir immediatamente, e já arranjou casa, onde brevemente, será installada,

nesta cidade a sucursal do instituto do Rio. Os recursos para custear esse serviço,

altamente social e humanitário, o dr. Varella ainda os não tem, porém não o

faltarão, porque não haverá um só rio-grandense que recuse o seu concurso para

salvar a vida a milhares de crianças que se têm até hoje abandonado235

.

A partir da instalação do Instituto de Proteção à Infância, o médico Varella Santiago

passou a fazer parte, nesse início do século XX, de um grupo de médicos potiguares que defendia

os novos preceitos higiênicos e uma prática médica moderna. A partir das ações de Varella

234

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário no Rio Grande do Norte, Recife, 01 de setembro de 1917, p. 2. 235

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário no Rio Grande do Norte, Recife, 01 de setembro de 1917, p. 2.

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Santiago a frente do Instituto de Proteção à Infância a sua imagem foi construída como a de um

homem caridoso e benfeitor. O jornal A República, de onze de julho de 1921, na coluna Aspectos

Urbanos, assinada pelo jornalista J. Gobat, descreveu o dia do médico no Instituto de Proteção à

Infância. Na sua crônica, Varella Santiago foi apresentado como generoso e abnegado, protetor

das crianças pobres, homem de dadivoso coração e de infatigável labor na assistência à

infância.236

O jornalista apresentou as suas impressões sobre a visita que realizou ao hospital

como: “Custa a discernir-se o que alli mais prende a admiração si o quadro dos bambinos

enfermos e tristes – syntheses hereditárias de progenitoes morbesos –, si o ato carinhoso e

edificante com que o esculápio vae passando os males com o condão mágico da sua sciencia”237

.

Ainda afirmou que:

[...] as mães que estariam sendo atendidas pelo instituto pareciam está dizendo?

Bendito vós que nesta época de egoísmo implacáveis espalhaes a mancheias a

semente espiritual da piedade. [...] tem as bênçãos reconhecidas dessas mães

anonymas que foram por elle e seu ilustre collega de crusada o dr. Paulo de

Abreu, a quem a velhice não diminuiu o fogo sagrado do enthusiasmo pelas

ideias generosas.

A partir da sua atuação na capital, Varella Santiago vai se consolidando no Estado

como o médico das crianças e da saúde infantil. A sua atuação à frente do Instituto de Proteção à

Infância o levou a participar do primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, ocorrido no

Rio de Janeiro, em vinte de agosto de mil novecentos e vinte dois. Segundo o jornal Correio da

Manhã, de trinta de agosto de mil novecentos e vinte e dois, o médico Varella apresentou o seu

trabalho, O primeiro ano da policlínica de creanças, do Instituto de Proteção e Assistência a

Infância do Rio Grande do Norte, no quarto dia do congresso, na sessão de número dois,

intitulada Assistência.238

Dessa forma, o trabalho desenvolvido com as crianças potiguares

representava a adoção da política pública sanitária nacional no Estado.

Varella Santiago continuou atuando em diferentes frentes na sociedade potiguar,

mesmo dirigindo o Instituto de Proteção à Infância, continuou a ser médico do Grupo Escolar

Frei Miguelinho239

e passou a ser membro da inspeção médico-escolar a partir do ano de 1923,

236

A REPÚBLICA, Coluna Aspectos Urbanos, Natal, 11 de julho de 1921. 237

A REPÚBLICA, Coluna Aspectos Urbanos, Natal, 11 de julho de 1921. 238

CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, de 30 de agosto de 1922. 239

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, 22 de fevereiro de 1920; A REPÚBLICA, Natal, 30 de junho de 1921.

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juntamente com Dr. Alfredo Lyra e Octavio Varella240

. Essa comissão vistoriava os prédios

escolares, observando o estado sanitário do edifício e das crianças que a compunham.241

A inspeção médico-escolar também atuava na composição das juntas médicas

referentes aos professores.242

A partir do ano de 1924, Varella Santiago passou a influenciar de forma mais ativa na

condução da saúde potiguar, ocupou o cargo de Diretor do Departamento de Saúde Pública do

Estado, durante o Governo de José Augusto Bezerra de Medeiros e logo depois no Governo de

Juvenal Lamartine243

. A partir de então, os serviços de saúde sofreram transformações na

estrutura administrativa, as antigas Inspetorias de Hygiene deram lugar aos Departamentos de

Saúde Pública estaduais. No Rio Grande do Norte, a Inspetoria de Higiene teve como diretores o

Dr. José Calistrano Carrilho de Vasconcelos e o Dr. Octavio Varella, que passou a atuar como

médico no Hospital da Caridade Juvino Barreto.

O Jornal A Província, de primeiro de janeiro de 1924, relatou a posse do Presidente

do Estado José Augusto Bezerra de Medeiros, e as suas modificações na estrutura administrativa

do Estado. Relatou entre as transformações a presença do Dr. Varella Santiago no cargo de

Diretor de Saúde do Estado, considerando-o: [...] um novo período governamental em que tudo

quanto seja possível será operado em beneficio do progresso deste visinho Estado. Já o primeiro

ato desse governante aspira aplausos sobre as nomeações de diretores, entre eles o Dr. Varella

Santiago”244

.

Ainda sobre a posse do Presidente do Estado José Augusto Bezerra de Medeiros e

suas medidas de remodelação realizadas no Rio Grande do Norte, o jornal O País, de vinte e um

de novembro de 1924, apresentou os problemas enfrentados pelos estados da federação, em

especial os estados do nordeste, no que diz respeito à falta de cuidado dos gestores no

enfrentamento das dificuldades higiênicas e financeiras. Para o colunista do jornal O País,

240

A inspeção médica foi criada pelo decreto em nove de maio e regulamentada pelo decreto dezesseis de maio de

1923, durante a gestão do Governador Antonio José de Mello e Souza. 241

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da

undécima legislatura, em 01 de novembro de 1923, pelo governador Antonio J. de Mello e Souza. Natal: Typ

Commercial,1923, p. 9. 242

A REPÚBLICA, Natal, 17 de janeiro de 1923; A REPÚBLICA, Natal, 31 de janeiro de 1923. 243

RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da primeira sessão da

décima segunda legislatura, em primeiro de novembro de 1924, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.

Natal: Typ d’A República, 1924. Nessa mensagem o governador José Augusto de Bezerra Medeiros retrata pela

primeira vez a denominação Departamento de Saúde Pública e as funções referentes a essa divisão. 244

A PROVÍNCIA, São Paulo, 01de janeiro de 1924.

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Honorio Carrilho, o Rio Grande do Norte, diferentemente dos demais estados, contava com uma

boa atuação do Presidente do Estado José Augusto Bezerra de Medeiros. Este foi apresentado

pelo jornalista como:

[...] moço e cheio de aspirações, com um espírito culto e bem orientado, logo

depois de assumir a suprema direcção do Estado reorganizou em bases mais

amplas e consentâneas com as suas necessidades do serviço público, os vários

departamentos da administração. Remodelou, entre outros, os departamentos da

instrução, hygiene e obras públicas, collocando a frente de suas gestões homens

de reconhecida capacidade irrecobrável idoneidade moral, como são,

innegavelmente, os Drs. Varella Santiago, Nestor Lima e Antidio Guerra 245

.

E continuou afirmando: “O Dr. José Augusto, intelligente e bem intencionado,

desejando servir a sua terra, servindo e prestigiando, ao mesmo tempo, a República [...]”246

. A

partir do relato do colunista Honorio Carrilho, José Augusto Bezerra de Medeiros foi descrito

como um homem culto e orientado no caminho das novas ideias modernas a serem aplicadas no

Estado. Sua atitude de remodelação das instituições sanitárias e dos elementos físicos presentes

na cidade era um dever a ser seguido em todos os estados do Brasil. A sua administração, a partir

do relato descrito acima, foi entendida como moderna que objetivava seguir os novos preceitos

republicanos, construir homens saudáveis e civilizados.

Diante do desejo do Presidente do Estado de implantar uma administração baseada no

processo de modernização das ações públicas era necessário possuir uma equipe que também

exprimisse essa ideia. Os novos administradores, entre eles o médico Varella Santiago, eram

homens de reconhecida capacidade científica, excelente reputação moral e aptos para a

implantação das novas ideias modernas. Dessa forma, o médico Varella Santiago era visto na

cidade como homem competente e precursor das ideias higiênicas e modernas proclamadas no

naquele período.

A nomeação do médico Varella Santiago para a diretoria do Departamento de Saúde

Pública pode ser entendida a partir da sua atuação frente às ações educacionais, na Escola

Doméstica e no grupo escolar Frei Miguelinho; e médicas, dirigindo o Instituto de Proteção à

Infância, instituição reconhecida pelo seu caráter moderno e filantrópico; e de suas relações

mantidas com a classe política dirigente do Estado. Contudo, essas relações políticas não foram

mapeadas de forma plena no momento da realização deste trabalho.

245

O PAÍS, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1924. 246

O PAÍS, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1924.

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O Departamento de Saúde Pública era responsável pela organização das práticas

sanitárias, entre as suas atividades podemos destacar: a atuação da polícia sanitária, os serviços

de fiscalização da limpeza pública, a inspeção médico-escolar, a fiscalização dos profissionais da

saúde, os serviços de estatísticas. Ao assumir a direção do órgão público, Varella Santiago

submeteu à Assembleia Legislativa várias providências para a ampliação dos serviços sanitários e

melhoria das condições de saúde dos habitantes da capital e do interior do Estado.

Em relatório apresentado à Assembleia Legislativa, em novembro de 1924, o

Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros, apresentou as principais providências

elencadas pelo Diretor de Saúde Pública, Varella Santiago Sobrinho:

a) A creação de uma inspectoria de protecção e assistencia a infância com um

corpo de enfermeiras visitadoras. As enfermeiras visitadoras, nesse

importantíssimo ramo de assistência constituem elementos preciosos na defeza

da saúde pública. b) A creação de uma inspectoria veterinária chefiada por um

medico veterinário; c) A creação de um logar de medico incumbido de prestar

socorros de urgencia as victimas de acidentes de rua, podendo também sua acção

estender-se até o hospital geral quando, em casos graves, a necessidade de uma

intervenção immediata se fizer sentir; g) A substituição do tijolo commum do

piso das enfermarias do Hospicio de Alienados por mozaico e do gradil de ferro

de suas janella por janellas próprias para manicômio, o que lhe fará perder o

aspecto de penitenciaria para adquirir o de casa de saúde; h) A construção de

dois pavilhões, modestos porém hygienicos, um para assistência a tuberculosos e

outro a variolosos;i) A creação de postos sanitários municipais, uma vez que

quanto mais ampliada for a acção da hygiene, dentro do Estado, tanto maiores

serão as garantias de estabilidade de saúde de seus habitantes247

.

As primeiras medidas realizadas por Varella Santiago consistiram na estruturação

física e humana do atendimento médico e na ampliação das instituições hospitalares da capital.

Entre essas instituições, a reforma do Hospital dos Alienados, adequando a instituição aos

padrões higiênicos mais sofisticados, como a substituição dos tijolos comuns presentes no piso do

isolamento por mosaicos, que eram mais higiênicos, e a substituição das janelas com grades para

janelas específicas para as instituições de isolamento. A retirada das grades das janelas do

Isolamento dos Alienados seguia a ideia de que o doente precisava se sentir em um espaço

confortável, associado ao ambiente familiar. Essa modificação física consistia em diminuir a

relação presente entre isolamento e prisão existente na sociedade potiguar. Varella Santiago

247

RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da primeira sessão da

décima segunda legislatura, em primeiro de novembro de 1924, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.

Natal: Typ d’A República, 1924, p. 26, 27.

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sugeriu também a criação de pavilhões especializados para tuberculosos e variolosos,

demonstrando os novos padrões médicos de especialização dos espaços profiláticos baseado nos

agentes patológicos.

A presença de profissionais capacitados para o desenvolvimento da saúde potiguar

também ficou evidente nesse relatório, ao indicar a presença de enfermeiras e de médicos

especializados, no controle de alimentos, nos serviços hospitalares e nos postos sanitários. Essas

instalações, segundo Varella Santiago, tinham a função de levar os novos métodos higiênicos

para todo o Estado, disseminando os preceitos de salubridade e a ciência médica.

As transformações realizadas na estruturação e na oferta dos serviços de saúde no

Estado continuaram a ser sugeridas e aplicadas pelo Dr. Manoel Varella Santiago. Outras

medidas relatadas pelo diretor foram: a criação de um lactário para as crianças desvalidas; a

reforma geral dos regulamentos de todos os serviços sanitários; a aquisição de um aparelho de

hiforterapia para o Hospital dos Alienados; a criação de uma colônia agrícola para alienados;

construção de rede de esgotos; serviço de assistência pré e pós-natal; aumento dos guardas

sanitários; a instalação de uma inspetoria veterinária; criação de uma cadeira de professora de

cultura física no Orfanato João Maria; entre outras medidas.248

As ações realizadas por Varella

Santiago objetivavam ampliar os serviços de saúde; introduzir novas práticas médicas modernas

no tratamento dos doentes; e fortalecer a atuação da polícia sanitária, no que diz respeito à

fiscalização das práticas higiênicas.

O Diretor de Saúde Pública Varella Santiago Sobrinho, a partir dos seus relatórios

submetidos à Assembleia Legislativa, também retratou a preocupação com o crescimento dos

casos de lepra presentes entre os habitantes potiguares. Em relatório de novembro de 1925, o

médico sugeriu a criação de um espaço exclusivo para recolher os leprosos em estado mais

avançado de contaminação e que representassem maior perigo para a saúde do Estado, como

ocorria nos demais estados do Brasil249

. A partir da indicação do Diretor de Saúde, iniciou-se o

processo de organização e estudos para a instalação de um leprosário no Estado do Rio Grande

248

RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem lida perante o Congresso Legislativo, na abertura da segunda sessão da

décima segunda legislatura, em primeiro de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.

Natal: Typ d’A República, 1925, p. 37, 38.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo, na abertura da terceira sessão da

décima segunda legislatura, em 01 de outubro de 1926, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:

Typ d'A república, 1926, p. 61. 249

RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da

décima segunda legislatura, em primeiro de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.

Natal: Typ d’A República, 1925, p. 37, 38.

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do Norte. A entrada do médico Varella Santiago no tratamento dos leprosos do Estado estava

intimamente ligada a sua função desempenhada no aparelho administrativo.

As ideias do médico Varella Santiago sobre a necessidade de um isolamento que

fosse acolhedor, sem elementos relacionados à prisão, dotado de todos os elementos físicos

condizentes com as ideias higiênicas, foram implantadas no Leprosário São Francisco de Assis. A

sua ação na idealização e construção desse isolamento foi decisiva, sendo aclamado como um dos

mais modernos do Brasil nesse período. Finalizada a construção da colônia de hansenianos, a

Comissão Pró-leprosário foi substituída pela Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa

contra a Lepra, também dirigida pelo médico Varella Santiago. Assim, a sua atuação no combate

à lepra tornou-se cada vez mais forte. O jornal O Radical, de vinte e cinco de dezembro de 1939,

apresentou o Dr. Varella Santiago como um dos mais velhos evangelistas da campanha

antileprótica, propugnador infatigável de amparo aos lázaros e na defesa contra a terrível

moléstia.250

Dessa forma, a ação de Varella Santiago foi além da atuação de médico e diretor do

leprosário, ele foi o idealizador e organizador das práticas médicas instauradas nesse espaço

hospitalar.

Além da presença do médico Manoel Varella Santiago, o Leprosário São Francisco

de Assis contou com a presença do médico Silvino Lamartine de Farias, na década de 1930.

Natural de Natal, nascido em vinte e um de dezembro de 1907 e falecido em 14 de agosto de

1993, Silvino Lamartine, era filho do ex-presidente do Estado, Juvenal Lamartine de Faria, e de

Silvina Bezerra de Faria, e cunhado do médico Varella Santiago Sobrinho. Iniciou seus estudos

no curso de medicina em 1928, na cidade de Recife, transferiu-se para a Universidade do Brasil,

no Rio de Janeiro, diplomando-se em 1933. Durante a sua formação, entrou em contato com as

ideias do médico Antônio Silva Melo, na Policlínica de Botafogo, voltada para a saúde infantil e

os conhecimentos sobre Raio-x e leprologia presentes no Serviço de Radiologia do Dr. Og

Almeida e Silva, no Hospital Gaffrée-Guinle. A formação profissional junto a essas instituições

marcou a prática médica de Silvino Lamartine na capital potiguar, atuando no Instituto de

Proteção à Infância e no Leprosário São Francisco de Assis.

O médico Silvino Lamartine obteve uma formação médica diferente da realizada por

Varella Santiago Sobrinho, como pode ser observado na atuação em alguns espaços médicos e no

processo de especialização que obteve. O ensino universitário, incluindo o ensino médico, desde

250

O RADICAL, Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1939.

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o início do século XX, travava um debate sobre a estrutura do ensino e as suas relações com as

condições culturais, econômicas e sociais do Brasil. O ensino superior deveria prezar uma

formação científica com enfoque na pesquisa e na aplicação dos métodos científicos na

sociedade.

Varella Santiago Sobrinho e Silvino Lamartine, durante o processo de formação

médica, sofreram diferentes influências científicas, entre elas destaco as ideias e debates sobre a

transmissão das doenças. Durante o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX,

várias teorias médicas circulavam na sociedade brasileira, sobretudo as ideias de transmissão e

contágio das doenças que assolavam a população brasileira. A partir desses debates surgiram

duas teorias, a teoria contagionistas e a teoria infeccionistas, que embasaram as ações médicas no

campo das políticas de atenção à saúde e nas ações profiláticas desenvolvidas nesse período.

O pensamento científico brasileiro era apoiado na relação entre doença, natureza e

sociedade. Segundo esse pensamento, a disseminação das epidemias tinha ampla relação com os

o espaço físico da cidade, com a disposição das ruas, com as condições higiênicas das casas, com

o tratamento dado ao lixo e com os hábitos da população. A teoria contagionista e a teoria

anticontagionista/infeccionista baseavam-se nessa relação descrita acima.

A teoria contagionista defendia que uma doença podia ser transmitida de um

indivíduo doente a um indivíduo saudável através do contato físico direto ou por meio do contato

indireto (por meio de objetos pessoais). A prática médica profilática defendida pelos adeptos

dessa teoria baseava-se na desinfecção dos objetos e nas quarentenas dos doentes. Já a teoria

anticontagionista ou infecionista acreditava que o processo de adoecimento do indivíduo estava

intimamente ligado à emanação dos miasmas provenientes do processo de putrefação de animais

e plantas. Assim, a transmissão das doenças não dependia do contato entre os indivíduos doentes

e saudáveis, mas das condições sanitárias das cidades251

.

Essas ideias estiveram presentes no pensamento científico brasileiro de maneira

indissociável e explicaram as várias epidemias que assolaram a população bra1sileira. Os estudos

clássicos retratam que a introdução da bacteriologia teria gerado o abandono das condições

sociais e do meio físico nos debates médicos e na profilaxia das doenças em detrimento da

utilização do laboratório como espaço privilegiado de formação do saber médico. Contudo, para

251

LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade

nacional. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

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Nísia Trindade, os estudos dos micróbios entrelaçaram-se fortemente com as questões da

sociedade, redefinindo relações, formas de contato e as noções de pureza e risco.252

Foi no

contexto dessas ideias científicas que os médicos Manoel Varella Santiago Sobrinho e Silvino

Lamartine foram formados e desenvolveram práticas profiláticas de combate à lepra no Estado.

A partir dos anos 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública,

retomaram-se as ações no âmbito das campanhas sanitárias, que influenciaram a formação

médica e o papel desses profissionais na educação sanitária da população. Na formação médica

foram substituídas as preleções e conferências, em detrimento de um ensino prático com

demonstrações e ilustrações.253

Os hospitais, as enfermarias e as salas de autopsia

transformaram-se em espaços frequentados pelos alunos e lugar privilegiado de formação prática

do médico. E as faculdades de medicina incorporaram as disciplinas especializadas no currículo

dos cursos. O médico Juvenal Lamartine, formado pela Faculdade do Rio de Janeiro, entrou em

contato com as mais novas teorias médicas, bem como com um ensino que exaltava a

aprendizagem por meio da prática e da vivência em ambientes hospitalares. Por meio da

especialização que se iniciava na formação médica, atuou nos serviços de radiologia infantil e

entrou em contato com os conhecimentos de leprologia, desenvolvidos por Souza-Araújo no

Instituto Oswaldo Cruz.

A partir da sua formação médica, Silvino Lamartine, exerceu as funções de clínico na

capital potiguar, principalmente relacionadas ao atendimento infantil e à realização de

radiografias, como demonstrou o anuncio no jornal A Ordem, de oito de outubro de 1937. O

médico atuou no corpo médico da policlínica infantil, encarregado pelos exames de radiografia.

O jornal o apresentou como um profissional capacitado e com experiência para exercer essa

função:

[...] As pessoas que desejarem readiographar-se poderão entender-se com o Dr.

Silvino Lamartine, a quem está confiado o serviço. O Dr. Silvino Lamartine

conhece bem essa especialidade tendo trabalhado com assuidade cerca anno e

meio no serviço de radiologia do Dr. Og. De Almeida, de quem foi seu

assistente254

.

252

Idem, 1999. 253

BULCÃO, Lúcia Grando; EL-KAREH, Almir Chaiban and SAYD, Jane Dutra. Ciência e ensino médico no Brasil

(1930-1950). Hist. cienc. saude-Manguinhos [online], v. 14, n.2, p. 469-487, 2007. ISSN 0104-5970. Disponível

em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702007000200005>. 254

A ORDEM, Natal, 08 de outubro de 1937.

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133

O anúncio do Jornal A Ordem de oito de outubro de 1940, ofereceu os serviços

médicos desse profissional como clínico geral das doenças das crianças, especialmente raios-x.

Dessa forma, Silvino Lamartine, assim como o seu cunhado, Varella Santiago, também construiu

na capital a reputação de médico das crianças, com especialidade na realização de exames de

raio-x. Além de médico das crianças, Silvino Lamartine atuou como médico auxiliar do

Leprosário São Francisco de Assis.255

Assim, como o médico Varella Santiago, a imagem de Dr. Silvino Lamartine de

Farias foi cristalizada na memória potiguar como grande pediatra – atuando por vários anos no

Hospital Infantil – e leprologista potiguar, exercendo o cargo de diretor do Leprosário São

Francisco de Assis. Foi tratado como sucessor de Varella Santiago na filantropia do Estado.

Apresentado como homem simples, avesso a homenagens e honrarias, com um tipo atlético,

Silvino Lamartine exercia diversas atividades esportivas, como remador, tenista e jogador do

time do América de Natal. Exerceu cargo de diretor do Centro Náutico por alguns anos256

.

Dr. Silvino Lamartine foi apresentado como homem moderno, atlético, filantropo,

ligado às questões dos mais pobres e dos mais humildes. A sua imagem contribuía para a

manutenção da representação do leprosário como uma instituição moderna e científica que

cuidava dos desafortunados atacados pelo terrível mal de Hansen. O médico Silvino Lamartine

atuou no isolamento durante o ano de 1936 e junto com o médico Varella Santiago, foi o

responsável pelo acompanhamento clínico dos internos do Leprosário São Francisco de Assis.

3.2 A entrada dos internos no Leprosário São Francisco de Assis

O Leprosário São Francisco, durante as suas primeiras décadas de funcionamento,

contou com a atuação de dois médicos, Varella Santiago Sobrinho e Juvenal Lamartine de Farias,

que seguiam os principais postulados científicos do momento. Durante o século XX, a saúde

pública e a prática médica tinha como principio o curativismo, ou seja, a ação médica baseava-se

na cura dos sintomas da doença. Nesse principio, a saúde era entendia como ausência da doença

no corpo dos indivíduos. A prática médica era constituída por dois elementos principais: o

diagnóstico realizado no corpo do doente e o desenvolvimento de uma terapêutica científica.

255

A ORDEM, Natal, 07 de novembro de 1936. 256

CARDOSO, Rejane (Coord.). 400 nomes de Natal. Natal: Prefeitura Municipal de Natal, 2003.

Page 135: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

134

Assim, questionamos: como era a prática médica desenvolvida pelos doutores da ciência no

isolamento São Francisco, e especificamente como era realizado o diagnóstico dos leprosos? Essa

prática sofreu transformações entre os anos de 1920 a 1941? Novas tecnologias químicas foram

adicionadas nesse período?

A lepra foi uma epidemia coberta de grande preocupação médica, sobretudo, devido à

falta de conhecimento científico sobre o contágio da bactéria entre os seres humanos e o tipo de

tratamento mais apropriado para a sua profilaxia. É importante destacar que a preocupação e a

política de combate a essa epidemia envolviam questões mais amplas, como as deformações que

a doença causava no corpo do doente e a incapacidade para o trabalho. Esses elementos

contrariavam o modelo de país proclamado pelo novo regime político e pelas ideias de

modernidade, de civilidade que era defendidas. Dessa forma, o diagnóstico inicial da presença do

bacilo de Hansen no indivíduo era realizado por meio das evidências que o corpo do doente

demonstrava, como manchas na pele, dormência e anestesia em algumas partes do corpo, como

pés e mãos, e o exame bacteriológico realizado com material da mucosa nasal do doente.

No Leprosário São Francisco de Assis, essas medidas de identificação eram utilizadas

no diagnóstico inicial. Ao entrar no isolamento, o doente era identificado por meio de dos dados

pessoais, como nome, nacionalidade, idade, cor, naturalidade, estado civil e a partir da presença

dos sintomas no corpo, como a data de início da doença, os primeiros sintomas e a convivência

com outros doentes.

Os dados coletados dos doentes constituíam informações importantes para o processo

de fiscalização da política sanitária, para a situação do Estado sobre a presença da lepra no

território e a identificação de novos casos. Os dados sobre a naturalidade dos doentes e as

atividades profissionais identificavam as áreas que o doente frequentava e o tipo de ocupação que

desempenhava. Esses lugares poderiam ser focos de contaminação da lepra, como também

poderiam ser áreas com a presença de outros leprosos. Também houve a preocupação por parte

dos médicos sobre o estado civil do indivíduo doente, isso constituía um dado importante para

conhecer outros doentes infectados, sobretudo os familiares mais próximos, incluindo cônjuges e

filhos. Para alguns cientistas e médicos, a lepra era uma doença hereditária, sendo os filhos dos

leprosos fontes de contágio. Somente nos anos 1930, os médicos comprovaram cientificamente

que a bactéria do mal do Hansen não era adquirida por meio da hereditariedade, mas por meio do

contato direto e íntimo com os doentes.

Page 136: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

135

A partir de 1931, a pesquisa sobre as atividades cotidianas e a vida privada do doente

tornou-se mais específica durante o processo de internação. A preocupação sobre o início da

doença e as fontes de contágio continuou presente nos registros clínicos. Os médicos

questionavam sobre os contatos casuais com leprosos: se o leproso era isolado, quantos anos

foram de convivência, qual o tratamento que esses leprosos recebiam, a intimidade e o período de

início da doença desse indivíduo. Essas questões evidenciavam a preocupação do governo e da

política pública de saúde de identificar todos os possíveis casos de lepra presentes no território do

Estado e atuar no combate de novas fontes de contágio.

As fichas clínicas também questionavam com mais detalhes sobre os familiares do

leproso internado, solicitavam que o médico registrasse os ascendentes, descendentes e colaterais:

registrar nome, idade, se é vivo ou morto, nacionalidade, residências, ocupações, se tinha ou tem

parente leproso, se viveu com leproso. Em caso de cônjuges, era preciso dar o nome de solteiro e

informar qual a duração de coabitação, e se dividiam o mesmo quarto. Esses dados possuíam

ampla ligação com os conhecimentos científicos sobre o bacilo do mal de Hansen nesse período.

O Tratado de Leprologia, produzido pelo Serviço Nacional de Lepra a partir dos trabalhos

monográficos produzidos entre os anos de 1942 e 1943 e publicados durante a década de 1950,

apresentou as principais preocupações da comunidade científica sobre a transmissão da lepra.

Segundo esse documento:

Das estatísticas encontradas na literatura visando determinar qual a fonte

provável de infecção, vê-se que em número apreciável de casos os doentes

referiam ter tido contacto com um parente ou amigo infectado de lepra; em

outras, também elevado é o número de pacientes que não o referem, o que

permite duas deduções: ou o contágio fôra indireto ou houve contacto direto e

íntimo com doentes257

.

O contato com os doentes leprosos, tanto de maneira direta como de maneira indireta,

era um dos grandes problemas verificados pela comunidade científica, pois era por meio do

contato que novos casos de lepra surgiam. Cabia aos isolamentos e aos leprosários identificar os

espaços de contágio presentes na cidade e identificar os indivíduos doentes que colocavam em

risco a saúde da população. Acreditava-se que quanto maior a intimidade do contato com o

257

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: História da lepra no Brasil e sua

distribuição geográfica. Serviço Nacional da Lepra. 2. ed. Rio de Janeiro, 1950. v. 1,

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136

doente, maior era a possibilidade de contágio, assim, os leprologistas defendiam que a

contaminação era mais frequente dos pais para os filhos e de irmão para irmão.258

Além da historicidade do contato íntimo com outros doentes, no momento da

internação, o leproso também era questionado sobre as principais características da sua habitação:

as residências anteriores, as condições econômicas e sociais e o tipo de habitação. Para alguns

médicos, a transmissão da lepra poderia ocorrer por meio das habitações em que residiram os

doentes de lepra e pelos objetos que o doente manuseava. Apesar de essas ideais circularem entre

a comunidade científica, não eram bem aceitas em toda a comunidade médica. A preocupação

com as condições das habitações dos leprosos tinha relação com a situação sanitária em que o

doente se encontrava, a forma como o leproso evitava a contaminação de outros indivíduos e se

era uma região com a presença de mosquitos sugadores. Para alguns médicos, como Adolf Lutz,

a transmissão da lepra também ocorria por meio de mosquitos sugadores, como afirmou em

trabalho publicado no ano de 1939:

Muitas pessoas, infectadas com lepra, entre os quais um bom número de

pacientes meus, nunca tiveram contato direto com leprosos, localisando-se as

suas primeiras lesões nas partes do corpo normalmente expostas as picadas dos

mosquitos, como sejam o rosto e as mãos259

.

Segundo as ideias de Adolf Lutz, os mosquitos seriam os responsáveis pela

transmissão do bacilo de Hansen e o homem o hospedeiro da bactéria. Seguindo esse

pensamento, o médico defendia que os leprosos internados deveriam ser interrogados sobre a

presença dos mosquitos nas suas habitações ou sobre a presença de áreas alagadas próximas as

suas residências. Segundo ele, “ao ser admitido, todo paciente será interrogado sobre as

condições existentes em relação a mosquitos, no logar onde provavelmente adquiriu a

infecção”260

. A ideia da transmissão da bactéria da lepra por meio de mosquitos foi bem aceita no

Rio Grande do Norte, o Leprosário São Francisco de Assis utilizou em sua estrutura física telas

protetoras contra a presença de animais sugadores e construiu o seu isolamento em local afastado

do centro da cidade e de zonas com áreas alagadas, como defendia o médico Adolf Lutz.

258

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: História da lepra no Brasil e sua

distribuição geográfica Serviço Nacional da Lepra. 2. ed. Rio de Janeiro, 1950. v. 1. 259

BENCHIMOL, J. L.; SÁ, M. R. (Org.). Adolpho Lutz: Hanseníase. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. v. 1, 2004. ISBN

85-7541-039-3. [online]. 260

Idem, 2004, p. 481.

Page 138: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

137

Além das questões pessoais, o diagnóstico realizado pelos médicos no Leprosário São

Francisco de Assis, englobava a descrição da enfermidade no corpo do doente. Os doentes tinham

os sintomas da doença descritos com detalhes, como as feições, a forma das manchas na pele, as

anestesias dos membros e as ulcerações presentes no corpo. No entanto, essa prática da análise e

registro médico do doente não foi realizada com todos os pacientes internados, entre os primeiros

internos esses registros não ocorreram de forma específica. O registro do desenvolvimento da

bactéria no corpo foi uma prática mais frequente após a inauguração oficial do leprosário no ano

de 1929, sobretudo a após a década de 1930.

O primeiro indivíduo notificado no Leprosário São Francisco de Assis, em 20 de

junho de 1926, foi descrito como: “Ao entrar no estabelecimento o doente tinha a feição

francamente leonina”261

. Esse dado demonstra que o doente já estava em estado avançado da

doença, com elementos físicos que identificavam o mal e o perigo para a sociedade. Esse interno

vinha sendo acompanhado pelo Serviço de Profilaxia Rural, estava entre os doentes notificados e

conhecidos no Estado, desde o ano de 1925. O seu avançado estado de infecção pode ter sido o

motivo pelo qual foi o primeiro interno do Leprosário São Francisco de Assis.

A descrição do estado avançado da doença no corpo dos indivíduos esteve presente

nos três primeiros anos de funcionamento do leprosário, como demonstram as descrições

presentes nas fichas. Sobre a interna Ana Fernandes Silva, o médico relatou: “Sensação forte de

calor no corpo. Foi se manifestando dormência nas pernas, pés e mãos. Apareceu depois

vermelhidão em diversas regiões. Sentiu desde o começo obstrução nasal. De vez em quando

aparecia eritema”262

. Já o paciente Emiliano da Fonseca e Silva, o médico assim descreveu:

“Retratta que começou a sentir dormência nos pés, braços, antebraços. Lesões nos pés e nos

braços”263

. O interno Joaquim Pimenta de Paiva, internado em oito de agosto de 1927, relatou o

seu estado: “Há 4 anos começou a sentir dormência na mão esquerda, tendo em poucos dias

depois aberto uma ferida no dedo medio que foi aumentando [...]. Apresenta-se com face leonina,

queda dos supercílios e grande ulceração na mucosa do nariz”264

.

Os doentes internados nesses dois primeiros anos tinham a doença em estágio bem

avançado, e eram caracterizados principalmente por manchas em algumas partes do corpo,

261

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 01. 262

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 06. 263

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 07. 264

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 11

Page 139: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

138

insensibilidade nos pés, anestesias no antebraço, pés e mãos. É importante destacar que a

presença da bactéria no organismo do indivíduo estava atrelada à presença das manchas no corpo

e à ocorrência da obstrução nasal. A partir dos relatos presentes nas fichas clínicas dos internos, a

presença da obstrução nasal era um elemento importante para os médicos, sendo um indicador da

presença da bactéria no organismo do indivíduo. O paciente Euclides Dioclesiano Ricardo relatou

a presença de vários sintomas, manchas nos membros superiores e inferiores, zonas de anestesia

no pé esquerdo e deformidade. Após expor os sintomas do paciente, o médico relatou que ele

nunca sentiu obstrução nasal.265

Esse registro demonstrava a importância desse sintoma como

identificador da presença do mal de Hansen no corpo do indivíduo.

Os doentes também eram questionados sobre o período em que os primeiros sintomas

tinham aparecido. Parte deles não sabia relatar com exatidão o aparecimento das manchas e

feridas, outros descreviam a data dos primeiros sintomas do mal, como 1919, 1922, 1925. Eram

poucos os registros do aparecimento da doença antes de 1910. Era uma preocupação médica

saber o período em que o doente conviveu com a bactéria, como surgiram as primeiras manchas e

quais partes do corpo tinham sido atingidas. Além dessa preocupação, outra evidência presente

no diagnóstico inicial do doente era referente à presença dos leprosos no extremo norte do país,

especificamente no Pará, região com a maior incidência de casos de lepra no Brasil.

O paciente João Varela Barca registrou o início da doença em 1925, a partir de lesões

nos pés e mãos, relatou obstrução nasal com corisa. Afirmou ter convivido com um irmão leproso

cerca de dois anos, com sintomas bem claros de lepra.266

. O paciente Antonio Gomes da Silva,

vulgo Antonio Gaby, internado em 30 de janeiro de 1929, esteve por algum tempo no norte do

país, o registro da sua passagem por esse território foi descrita como: “Esteve no Pará duas vezes

– em 1906, três meses e 1912, oito meses, ou melhor, chegou de lá em abril de 1913 depois de

uma permanência de oito meses”267

. O registro da paciente Antonia Gomes do Nascimento

também notifica a presença no Estado do Pará: “Esteve no Pará 5 anos e 2 meses, tendo vindo

daquele estado em 1915”268

. Os médicos também registravam a ausência do doente no Pará com

expressões como: “nunca esteve no Pará”, “nunca esteve no extremo norte”, “nunca esteve no

Amazonas”.

265

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 13. 266

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 16. 267

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 55. 268

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 84.

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Parte dos doentes internados no leprosário, sobretudo os internos matriculados nos

anos de 1928 e 1929, eram leprosos notificados pelo Serviço de Saneamento Rural e que tinham

realizado o exame da mucosa nasal durante os anos de 1923 e 1925, mas que foram isolados

apenas no ano de 1928, como demonstram os registros presentes nas fichas clínicas do Arquivo

do Leprosário São Francisco de Assis. Os doentes do Rio Grande do Norte eram acompanhados

pelo Serviço de Saneamento Rural, estando alguns internos em estado bem avançado da

enfermidade, com paralisia, mãos e pés deformados, rosto mutilado e várias infiltrações no corpo.

O acompanhamento dos pacientes através do Serviço de Saneamento Rural indicava que existia

uma ação do Departamento de Saúde Pública na identificação dos doentes de lepra e que apesar

do registro da presença de vários doentes no estado, o processo de isolamento passou a ser

efetivado a partir de 1928, com a construção dos primeiros edifícios do leprosário.

Com a descrição dos sintomas por parte do doente, os médicos examinavam o corpo

do interno classificando as lesões que possuíam e determinando uma simbologia para cada

elemento identificado no corpo doente. As lesões presentes no corpo eram classificadas como:

lesão inicial, mancha erythem, nódulo, mancha achromica, dedos mutilados, infiltração, úlcera,

zona de anestesia e dedos em garra. Apesar de esse elemento constituir umas das práticas do

diagnóstico da lepra, a realização do registro desse exame só passou a ser efetivada no Leprosário

São Francisco de Assis a partir de 1931.

Além do exame físico do doente, também era realizado o exame bacteriológico,

chamado de Pesquisa do Bacilo de Hansen. Esse poderia ser feito a partir de quatro elementos:

muco nasal, gânglios, sangue e urina. Segundo o Tratado de Leprologia269

, publicado em 1950,

as vias aéreas superiores eram o local onde ocorria a eliminação da bactéria de forma mais

intensa, existindo um considerável número de bacilos na região da mucosa nasal.

Consequentemente, o teste bacteriológico, a partir do muco nasal, constituiu a base do processo

laboratorial de diagnóstico da lepra no Brasil e no Rio Grande do Norte.270

269

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua

distribuição geográfica. 2. ed. Serviço Nacional da Lepra. Rio de Janeiro, 1950. v. 1 270

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua

distribuição geográfica. 2. ed. Serviço Nacional da Lepra. Rio de Janeiro, 1950. v. 1. O processo laboratorial de

diagnóstico da bactéria da Hanseníase sofreu transformações a partir dos anos 1960. Segundo o Manual de

Leprologia, publicado na década de 1960, o teste da mucosa nasal era obtido seguindo os procedimentos: Raspa-se

suavemente com cureta ocular a mucosa do septo nasal. A epimucosa deve ser rompida, sem, entretanto, atingir-se as

camadas mais profundas, pois o excesso de sangue prejudica a coloração e visibilidade dos germes. Distende-se o

material ainda úmido sobre lâminas perfeitamente limpas e secas, e procede-se à fixação dos esfregaços em chama

de álcool ou gás. As lâminas devidamente rotuladas e protegidas serão enviadas ao laboratório.

Page 141: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

140

Segundo o Tratado de Leprologia, o exame bacteriológico da mucosa nasal era

obtido do esfregaço do muco nasal realizado a partir da fricção das paredes do septo com um

estilete envolto por uma fina camada de algodão.271

O exame bacteriológico a partir da mucosa

nasal foi a técnica utilizada na identificação dos leprosos desde o ano de 1897 e permaneceu em

prática durante as primeiras década do século XX. No Rio Grande do Norte, os exames

bacteriológicos eram coletados inicialmente pelo Serviço de Saneamento Rural, através dos

postos de profilaxia presentes em diferentes localidades do Estado. Com a organização dos

serviços de combate à lepra e a construção do Leprosário São Francisco de Assis, a coleta do

material bacteriológico também passou a ser realizada no isolamento, após o ano de 1927.

A análise do material dos leprosos coletado no Serviço de Saneamento Rural e no

Leprosário São Francisco de Assis era realizada no laboratório bacteriológico272

do Estado,

localizado no Hospital Juvino Barreto. A pesquisa do bacilo de Hansen foi uma das atividades

registradas durante todo o seu período de funcionamento, como foi apresentado nas mensagens

dos Presidentes do Estado. No ano de sua inauguração, em 1925, foi registrada a realização de

sessenta exames do bacilo; no ano de 1927, foram realizados setenta e três exames; e nos anos

1930, cento e um exames bacteriológicos.273

O funcionamento do laboratório bacteriológico

proporcionou o conhecimento dos indivíduos infectados pelo mal de Hansen e sua a notificação

compulsória. A busca pelos leprosos do Estado foi se efetivando e tornou-se mais intensa com a

inauguração do Leprosário São Francisco de Assis, como demonstram os dados apresentados. A

prática do exame laboratorial amparava o diagnóstico dos doentes dentro dos parâmetros

científicos do período no qual o médico aliava a análise do corpo doente do indivíduo ao material

científico.

Além do material bacteriológico da mucosa nasal, identifiquei também a presença do

exame bacteriólogo a partir do esfregaço da lesão da pele dos doentes. No entanto, esse exame foi

aplicado em poucos doentes, sendo possível afirmar que esse procedimento era realizado de

271

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua

distribuição geográfica. 2. ed. Serviço Nacional da Lepra. Rio de Janeiro, 1950. v. 1 272

O Laboratório de Análises do Estado foi construído anexo ao Hospital Juvino Barreto, durante o governo de

Antonio de Mello e Souza. A direção dessa instituição era realizada pelo químico Dr. Francisco Gomes Valle de

Miranda. Contudo, foi inaugurado somente no ano de 1925, durante o governo de José Augusto Bezerra de

Medeiros. 273

Dados coletados na Mensagem dos Presidentes do Estado apresentadas à Assembleia Legislativa entre os anos de

1925 a 1930.

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141

forma esporádica e que o exame da mucosa nasal era a forma mais frequente de comprovação

científica da presença do bacilo causador da lepra no organismo humano.

O bacilo de Hansen, obtido a partir do exame bacteriológico da mucosa nasal, era

classificado em cinco formas: tegumentar, nervosa, mista, frusta e latente.274

De acordo com as

fichas clínicas presentes no Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis, a maior parte dos

pacientes internados apresentava a forma mista e nervosa. Essa classificação dos tipos de lepra

deixou de ser utilizada no leprosário potiguar a partir de 1931, passando-se a utlizar, após esse

ano, a classificação sul-americana, que dividia a lepra em: lepromatosa, incaracterística e

tuberculoide.275

O tipo de lepra dos indivíduos era fator importante no diagnóstico médico, já que

influenciava as condições de tratamento e o perigo que o leproso representava para a sociedade.

Para alguns médicos, os doentes lepromatosos e mistos eram os maiores disseminadores do

bacilo Mycobacterium leprae, transmitindo a bactéria para o exterior por diversos meios. Esse

tipo de lepra apresentava material bacteriológico muito rico para Mycobacterium leprae em

diferentes aspectos: ulcerações, no suor, secreção sebácea cutânea, mucosa nasal, bucal,

faringiana e laringiana276

, e por isso era a forma mais temida pelos médicos. A classificação

científica da bactéria no momento da internação contribuiu para delimitar o tipo de isolamento a

que os doentes foram submetidos, o tratamento realizado e a possibilidade de alta do isolamento.

3.3 A prática profilática implantada no combate à lepra no isolamento potiguar

A lepra, durante todo o século XIX e o século XX, foi caracterizada por ser uma

doença transmissível, sem cura e com grande estigma social. Sua profilaxia foi baseada no

isolamento compulsório dos doentes em leprosários e colônias. Com o aprimoramento da

274

Não foi possível identificar no momento da pesquisa as características das formas do bacilo de Hansen que foram

utilizadas no processo de classificação do Leprosário São Francisco de Assis. 275 Atualmente, a Hanseníase se divide em quatro tipos: indeterminada, tuberculoide, virchowiana e dimorfa. De

modo geral, as lesões maculares caracterizam as fases iniciais da doença (hanseníase indeterminada). Ocorrendo

resistência imunológica, o quadro evolui para uma forma mais resistente (hanseníase tuberculoide), caracterizadas

por lesões pouco numerosas, circunscritas e bem delimitadas. Não havendo resistência, o quadro torna-se forma

grave da doença (hanseníase virchowiana), evidenciando-se por lesões numerosas, de coloração ferruginosa, difusa e

de limites imprecisos, sem possibilidade de cura espontânea. A presença de lesões circunscritas e difusas

simultaneamente caracteriza a hanseníase dimorfa. As lesões neurológicas ocorrem em qualquer das formas clínicas

e, na maioria dos casos, antecedem os sintomas cutâneos. 276

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua

distribuição geográfica. 2. ed. Serviço Nacional da Lepra. Rio de Janeiro, 1950. v. 1.

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142

química, da física e dos novos estudos científicos sobre bactérias, desenvolveu-se uma profilaxia

dentro dos leprosários e das colônias no Brasil. A primeira medida profilática instituída no Brasil

foi o conhecimento de todos os leprosos e a notificação desses indivíduos.

Segundo o Regulamento Sanitário de 1923, todos os indivíduos que tivessem contato

com leprosos ou que, por alguma evidência, fossem um possível caso positivo da doença,

deveriam ser acompanhados e notificados compulsoriamente:

[...] consistia, em linhas gerais, na notificação obrigatória, como a prescrita para

outras doenças infecciosas; no exame periódico dos comunicantes, como meio

de descobrir novos casos; e no isolamento nosocomial em colônias ou mesmo

em domicílio, desde que cumprindo uma série de condições. Os doentes e os

comunicantes deveriam seguir rigorosamente as prescrições do regulamento e as

exigências da autoridade sanitária. Os comunicantes seriam submetidos a

exames periódicos, até que se confirmasse um novo caso ou que se tornasse

negativo277

.

Sem conhecimento específico sobre a bactéria causadora do mal do Hansen, a prática

médica empregada nos asilos e colônias consistia no acompanhamento dos doentes e na

utilização de elementos químicos, como o óleo de chaulmoogra e injeções de antileprol. O óleo

de chaulmoogra era um composto muito utilizado na Ásia no tratamento de doenças de pele,

entre elas a lepra. Essa prática foi incorporada pelo Império Britânico, por volta do século XIX,

em instituições médicas indianas. A partir da utilização desse óleo em práticas curativas

populares, os cientistas e médicos ocidentais passaram a manusear esse material em laboratório a

partir dos preceitos científicos da bacteriologia e da microbiologia. A utilização do óleo de

chaulmoogra no Ocidente só foi possível a partir de uma criação de rede de saberes científicos

baseada em elementos culturais ocidentais:

a chaulmoogra, para ser reconhecida como um medicamento passível de ser

prescrito pela medicina ocidental, deveria ser avaliada dentro do padrão

científico, vigente na época, sendo assim dissociada da sua rede tradicional de

saberes, a qual inclui tanto as práticas intrínsecas ao sistema médico indiano,

quanto as matrizes culturais e sociais que o envolvem. Sua assimilação somente

277

CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à lepra no Brasil (1920 e

1945). 2005. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa

de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2005. p. 48.

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143

se concluiu na medida em que foi construída uma nova rede calcada nos valores

dessa rede278

.

No Brasil, a utilização desse óleo como medida profilática no tratamento da lepra

também foi embasada por uma série de valores científicos, sobretudo durante a década de 1930,

através de instituições científicas, especialmente o Centro de Leprologia no Brasil. Essa

instituição desenvolveu várias atividades de pesquisa sobre a lepra, dentre elas estudos

epidemiológicos, análises bacteriológicas e produção de ácidos a partir do óleo de chaulmoogra.

Também, em conjunto com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e o Instituto Oswaldo,

ofertou o Curso de Leprologia, formando noventa médicos especialistas em lepra durante os anos

de 1936 e 1937.279

No entanto, o óleo de chaulmoogra no Brasil foi utilizado desde o início do

isolamento dos doentes exclusivamente para o tratamento da lepra. Inicialmente, esse óleo foi

empregado externamente no corpo, sendo aplicado nas úlceras e nas manchas dos doentes. De

acordo com Santos,

[...] esse medicamento foi, inicialmente, administrado externamente, com a

aplicação direta do óleo sobre as úlceras, numa replicação do modo de usar

tradicional do Oriente. A aplicação externa revelava resultados limitados no

tratamento da doença, e o uso interno, embora fosse mais efetivo, tornava-se de

difícil utilização pelo fato de que o óleo era mal tolerado pelo organismo,

causando vômitos, diarreia e problemas gástricos. Ou seja, a efetividade do

remédio estava limitada pela tolerância do aparelho digestivo do doente, levando

médicos, químicos e farmacêuticos a aperfeiçoarem os medicamentos

derivados280

.

Com a busca pelo aperfeiçoamento da utilização dos compostos de chaulmoogra, no

final do século XIX, os médicos produziram injeções utilizando essa planta. Essas injeções eram

aplicadas de forma intramuscular ou subcutânea. Assim, posso afirmar que a utilização do óleo

de Chaulmoogra – nas suas diversas formas, seja em óleo, em banhos, em cápsulas ou injeções –

278

SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de

chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1,

p. 29-47, jan.-mar. 2008. 279

CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920

e 1945). 2005. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa

de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005. 280

SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de

chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1,

p. 29-47, jan.-mar. 2008.

Page 145: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

144

constituiu a base do tratamento dos leprosos nos Brasil até a década de 1940, momento de

utilização das sulfonas. Para Maciel, “o óleo de Chaulmoogra, foi a forma menos agressiva de

tratamento e que apresentou menores complicações nos pacientes e, por esta razão, era consenso

entre os médicos.”281

No entanto, a utilização desse tratamento gerava pânico entre os pacientes,

por diversos motivos: a dor causada pela injeção, o desconhecimento sobre a prática médica e as

reações locais, como febre, dores e mal-estar.282

Apesar de o óleo de chaulmoogra ser utilizado desde fins do século XIX, não se

evidenciou registros de aplicação desse elemento químico nos primeiros internos do Leprosário

São Francisco de Assis. Essa ausência de terapêutica científica pode ser associada ao estado

avançado de infecção em que se encontravam os doentes, como também à função inicial do

Leprosário São Francisco de Assis, que era a de recolher os doentes que oferecessem grande

perigo para a sociedade. A utilização da terapêutica científica verificada na Mensagem do

Presidente de Estado (lida na Assembleia Legislativa, em 1929, por Juvenal Lamartine) retratava

a utilização dos mais modernos medicamentos no tratamento da lepra: “[...] os doentes são

convenientemente medicados e os medicamentos empregados no tratamento delles são os mais

modernos e de maior efficacia”283

. Esses medicamentos eram compostos do óleo de Chaulmoogra

e de injeções de antileprol. Naquele ano a farmácia do Hospital Juvino Barreto produziu mil

novecentos e vinte e nove injeções de antileprol, número considerável diante do total de internos

dessa instituição. Pode-se inferir que as injeções eram realizadas de forma frequente nos doentes

isolados no leprosário. Além disso, esse dado revela a existência de doentes notificados que

utilizavam esse medicamento por meio do isolamento domiciliar.

Ainda segundo a Mensagem apresentada por Juvenal Lamartine nesse mesmo ano, o

tratamento realizado no Leprosário São Francisco de Assis consistia nos melhores tratamentos,

podendo os internos adquirir o benefício de voltar a viver em sociedade. O Presidente do Estado

retratou:

281

MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas

de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. p. 111. 282

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima

terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67. 283

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima

terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929.

Page 146: LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O …¡rioSãoFrancisco...combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através

145

Actualmente há doentes tão melhorados que poderão ter alta daqui há algum

tempo. Nesse caso, elles ficarão obrigados a comparecer a repartição

competente, pelo menos duas vezes por anno, afim de serem submetido a

inspecção de saúde. A alta para elles terá naturalmente o effeito de um

livramento condicional284

.

Apesar de a lepra ser considerada uma doença sem cura, a partir da década de 1930,

com a utilização de novos compostos químicos, a alta dos internos passou a ser visível nos

isolamentos brasileiros, sobretudo no Leprosário São Francisco de Assis. O médico Varella

Santiago defendeu a cura dos doentes em entrevista concedida ao Jornal do Brasil.285

O aperfeiçoamento químico do óleo de chaulmoogra apontou para a produção de

novas substâncias, como os ésteres etílicos de chaulmoogra, obtidos a partir do álcool e do ácido

sulfúrico. Souza-Araújo, durante os anos 1930, defendeu o tratamento da lepra a partir da

utilização de várias substâncias, como o uso de sais e outros ácidos químicos aliados ao óleo de

chaulmoogra. Esse médico propunha a utilização do que ele chamou de tratamento eclético,

baseado em ácidos e sais:

Souza Araújo recomendava, como medicação interna, o uso de dois a oito

comprimidos de sais sódicos, preparados com os ácidos totais do óleo de

Hydnocarpus whigtiana; por via hipodérmica, recomendava duas ou três

injeções de éster etílico do óleo de chaulmoogra por semana; nas úlceras,

infiltrações e lepromas, recomendava três a quatro aplicações mensais de

galvano-cautério; sobre as lesões tratadas com o galvano, e sobre todas as outras,

deveriam ser pincelados solutos de ácido tricloracético. Como tratamento

complementar, indicava o uso de tônicos, tais como arsênico e óleo de fígado de

bacalhau creosotado, entre outros, além do uso periódico de laxantes e de

diuréticos. Fazia-se necessário, também, um regime de farta alimentação,

exercícios e repousos metódicos286

.

A partir das ideias propostas por Souza-Araújo, o tratamento dos leprosos deveria

seguir um conjunto de ações, como: utilização de ácidos, alimentação adequada e realização de

atividade física, todos eles baseados em ideias cientificistas. No Leprosário São Francisco de

Assis, o tratamento dos doentes utilizava os compostos químicos antileprol e éster, presentes,

284

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima

terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67. 285

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929, p. 2. 286

SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de

chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1,

p. 29-47, jan./mar. 2008, p. 36.

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146

sobretudo, a partir de 1936. A partir dessas informações, posso inferir que o tratamento utilizado

no isolamento potiguar seguia os preceitos médicos e científicos nacionais, bem como as

recomendações proclamadas pelo doutor Sousa-Araújo.

O tratamento realizado no Leprosário São Francisco de Assis pode ser verificado na

ficha clínica do paciente Santos Marcolino, internado em quinze de março de 1929,

permanecendo nessa instituição até onze de junho de 1940, quando recebeu alta hospitalar.

Segundo consta na sua ficha, o paciente recebeu o seguinte tratamento médico: “De 936 para cá

vem fazendo uso de antilebricos, esters iodados em injeções em doses e infiltrações intradermicas

nas manchas eritematosas em doses entre 15 a 20 cc semanais”287

.

Ainda segundo a sua ficha clínica, o resultado obtido a partir do uso dos antilebricos e

ácidos foi descrito como: “o seu mal vem gradativamente regredindo, apezar da irregularidade do

tratamento na fase de 1930 a 1936. Desaparecimento das manchas eritematosas, persistindo

alguns lepromas maiores tuberculosos”288

. O tratamento do paciente Hermildo Lucas de Oliveira,

internado em vinte e cinco de abril de 1929, foi retratado da seguinte forma: “de 929 até mais de

936 vinha fazendo uso de medicação de chaulmoogra numa media de 1,5 a 3 cc”289

. Já o paciente

José Pedro do Nascimento, internado em dez de maio de 1929, recebeu como tratamento quarenta

e seis injeções de antileprol e óleo de chaulmoogra de forma gástrica.290

Assim, como pode ser verificado no relato médico, até a inauguração oficial do

leprosário não existiu nenhuma prática profilática realizada com os internos que foram isolados

nesse estabelecimento. Durante os três primeiros anos de isolamento, a medida profilática

resumia-se exclusivamente no recolhimento dos doentes que ameaçavam a saúde da população.

Somente a partir de 1929, iniciou-se uma prática médica profilática direcionada a redução dos

sintomas, realizada de maneira irregular e inconsistente. A profilaxia no leprosário consistia na

utilização de compostos químicos de antileprol e ampolas de compostos de chaulmoogra

ministrados mensalmente. Após 1936, com a presença de novos compostos químicos, o

tratamento dos doentes realizado no Leprosário São Francisco de Assis passou a ser mais intenso,

utilizando injeções semanais nas regiões das manchas e úlceras, ésteres e compostos de

chaulmoogra.

287

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº125. 288

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº125. 289

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 77. 290

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 84.

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147

Analisando as fichas clínicas presentes no Arquivo do Leprosário São Francisco,

observa-se que as informações presentes nelas foram produzidas de maneira contínua, o que nos

permite concluir que regularmente os médicos realizavam supervisão dos doentes. Essa prática de

acompanhamento dos doentes será chamada neste trabalho de revisão clínica, como foi

denominada na documentação oficial do isolamento, ocorrida a partir de 1936. Essa revisão

médica seguia os mesmos procedimentos realizados no período de entrada do doente no

isolamento, como o exame bacteriológico da mucosa nasal e a análise do corpo do doente.

No processo de análise do corpo do doente pelo médico, a revisão clínica ganhou um

novo elemento: a necessidade de registrar a presença da doença e as suas características. Os graus

de incidência das manchas, das ulcerações e lesões da pele eram registrados em um desenho do

corpo humano. Para cada tipo de lesão e evolução da doença, os médicos utilizavam um símbolo

especifico291

. Esse processo avaliativo passou a ser realizado de forma contínua, registrando a

evolução da doença ou a sua cura clínica. Em alguns pacientes, verificou-se a presença do exame

anual, enquanto em outros doentes o exame era realizado com um espaço de tempo maior.

A presença da revisão médica no isolamento foi associada à utilização de compostos

químicos, desenvolvidos ao longo das décadas de 1930 e 1940. A partir da utilização regular dos

medicamentos e das práticas realizadas no interior do isolamento, os doentes poderiam chegar à

cura recebendo alta do isolamento. A ideia de o doente alcançar a cura, durante os primeiros anos

do século XX, era entendida como algo impossível, contudo essa concepção sofreu modificação

entre a classe médica a partir da década de 1930. No entanto, o processo de cura dos leprosos

seguia uma série de padrões científicos e práticas médicas estabelecidas nas instituições de

isolamento. Segundo o Serviço de Profilaxia da Lepra de São Paulo, de acordo com o Dr. Nelson

de Souza Campos, a cura do leproso seguia vários procedimentos, como o tempo de infecção, a

idade do doente, o estado da doença em seu corpo, o período que estava em tratamento e a

profilaxia desenvolvida. De acordo com esse médico, o tempo estimado para ser curado da

doença do mal de Hansen era de aproximadamente seis anos e, mesmo após a alta da instituição

de isolamento, o doente era obrigado a realizar exames periódicos, sob a vigilância médica292

. O

tratamento da lepra realizado nessas instituições seguia os preceitos científicos proclamados no

291

Ver Imagem 9. 292

BECHELLI, Luiz Marinho. Simpósio sobre a epidemiologia e a profilaxia da lepra (1933-1954). Revista

Brasileira de Leprologia, São Paulo, Sociedade Paulista de Leprologia, v. 3, n. 22, set. 1954.

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período, baseados em exames científicos comprobatórios, análise do médico (o único capaz de

identificar essa evidência) e o uso de compostos químicos adequados.

No Leprosário São Francisco de Assis, foi identificada a presença da alta dos doentes,

no entanto não existem documentos retratando explicitamente os procedimentos médicos para a

liberação do interno da instituição. A partir das fichas clínicas individuais, inferi que esse

procedimento seguia os mesmos caminhos proclamados pelo Dr. Nelson de Souza Campos, em

São Paulo: verificação do corpo do doente, resultado do exame bacteriológico, idade de entrada

na instituição e utilização dos compostos químicos.

A leprosa Maria de Lourdes Lima, internada em nove de dezembro de 1929, aos dez

anos de idade, foi uma das internas que recebeu alta do isolamento potiguar em vinte e dois de

dezembro de 1930. Segundo os dados presentes na sua ficha clínica, Maria de Lourdes Lima

realizou o exame da mucosa nasal no momento da internação, sendo positivo para o bacilo de

Hansen. No seu corpo foram identificadas diversas manchas nos braços, nas pernas e no dorso,

no entanto, não apresentava infiltrações, zonas de anestesia e úlceras no seu corpo293

. Apesar de

possuir a bactéria no seu organismo e apresentar sintomas da lepra, a paciente recebeu alta do

isolamento. Posso inferir que esse benefício ocorreu devido à idade que Maria de Lourdes

apresentava e ao fato de não possuir zonas de infiltrações e regiões com anestesia, como retratou

o médico: não apresentava manchas sensíveis.294

No entanto, Maria de Lourdes foi reinternada em quinze de dezembro de 1932, dois

anos após a sua alta hospitalar. Diante dos dados, posso inferir que os internos que adquiriam o

benefício da alta no Leprosário São Francisco de Assis eram acompanhados pelo Serviço de

Saneamento Rural e pelos médicos, por meio dos exames das suas manchas e do teste

bacteriológico. O retorno de Maria de Lourdes ao isolamento potiguar confirma o que foi

retratado pelo Presidente do Estado Juvenal Lamartine em discurso proferido na Assembleia

Legislativa: “elles [os doentes de lepra] ficarão obrigados a comparecer a repartição competente,

pelo menos duas vezes por anno, afim de serem submetido a inspecção de saúde”295

. A alta

hospitalar condicionava o leproso a realizar exames periódicos e sofrer inspeção médica para

293

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105 294

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105. 295

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima

terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67.

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avaliar a evolução da doença no corpo. A reinternação de Maria de Lourdes comprova que, caso

a doença continuasse a evoluir, o leproso seria submetido novamente ao isolamento.

A evolução das manchas no corpo era um dado importante na evidência do

tratamento e no processo da alta hospitalar. O paciente Santos Marcolino foi internado com dez

anos de idade e permaneceu isolado a década de 1940. A partir do tratamento realizado no

interior do isolamento São Francisco de Assis, os seus resultados foram apresentados como: “o

seu mal vem gradativamente regredindo, apezar da irregularidade do tratamento na fase de 1930 a

1936. Desaparecimento das manchas eritematosas, persistindo alguns lepromas maiores

tuberculosos”296

. Essas manchas eram presentes nos braços, nas coxas e nas nádegas do doente.

Com o desaparecimento das manchas no corpo do doente, os médicos indicaram a sua alta

hospitalar, mesmo não tendo sido realizado o exame bacteriológico da mucosa nasal.

Vários pacientes receberam alta, sobretudo a partir da década de 1940, como

retratado anteriormente, o tempo de permanência isolado no Leprosário São Francisco de Assis e

a idade que entrou no estabelecimento foram elementos importantes para delimitar a alta

hospitalar dos doentes. Segundo relato do jornal não identificado, de dezesseis de dezembro de

1940, presente no acervo pessoal do ex-presidente do Estado José Augusto Bezerra de Medeiros:

“[...] da colônia S. Francisco de Assis, e graças ao tratamento recebido, já saíram cerca de 15

portadores do mal de Hansen, clinicamente curados, não se tendo verificado até agora nenhum

caso de reincidência entre os egressos ”297

.

A partir desse recorte de jornal, é possível inferir que, durante a década de 1920, o

combate à lepra consistia exclusivamente no isolamento dos doentes e na utilização de alguns

compostos de chaulmooogra, sendo a exclusão do leproso do convívio da sociedade a função do

isolamento do Rio Grande do Norte. O tratamento dos doentes sofreu modificações,

especialmente a partir de 1936, o Leprosário São Francisco de Assis tinha a função de isolar os

leprosos, mas também adquiriu a função de cuidar dos doentes, de conter as manchas, reduzir as

dores e reinserir esse doente na sociedade. Essa função do leprosário foi descrita pelo médico

Varella Santiago: doente que se isola é doente que se educa e que adquire o hábito do

tratamento298

. Assim, o leprosário tinha a função de formar os doentes de lepra, adquirindo novos

hábitos de higiene e comportamento condizentes com as ideias sanitárias vigentes.

296

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929, p. 2. 297

JORNAL NÃO IDENTIFICADO, 16 de outubro de 1940. 298

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.

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Dessa forma, afirmo que o tratamento dos leprosos implantado no Leprosário São

Francisco de Assis adquiriu características diferentes durante o seu período de atuação no Estado,

seguindo os preceitos médicos e científicos proclamados em cada período.

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151

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Hanseníase é uma doença que merece atenção das políticas públicas de saúde no

Brasil, anualmente são descobertos novos casos de hansenianos, sobretudo nas áreas do norte do

país. Sabe-se que se trata de uma doença bacteriológica que atinge o sistema nervoso,

comprometendo a sensibilidade ao frio, ao calor e à dor. O seu tratamento é baseado no uso de

antibióticos e na prevenção dos sintomas mais gerais. No entanto, apesar das modificações das

políticas públicas de tratamento da Hanseníase e do conhecimento sobre as suas formas de

transmissão, os portadores dessa doença ainda são estigmatizados e de forma geral as pessoas

ainda possuem informações equivocadas sobre o bacilo de Hansen.

É evidente que grande parte desse imaginário sobre a Hanseníase possui ligação com

a sua origem religiosa, que atrelava as manchas na pele com as marcas do pecado. Parte desse

imaginário presente no Brasil também está ligado à implantação da política pública de isolamento

dos leprosos efetivada durante a década de 1920 e perpetuada até a década de 1970.

Os isolamentos de leprosos foram construídos em todos os Estado do Brasil e as suas

desinstalações ocorreram de forma específica em cada instituição. No Leprosário São Francisco

de Assis, o processo de desativação ocorreu de forma lenta e gradual, abrigando doentes até a sua

desinstalação definitiva nos anos 2000. A primeira transformação realizada na sua

funcionalidade ocorreu durante a década de 1980, o antigo edifício de isolamento se transformou

no Hospital Dermatológico Dr. José Maciel, atendendo a comunidade e os internos que

permaneciam residindo nas casas do antigo leprosário. Esse hospital funcionou, segundo consta

no Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis, até o ano de 2002. Atualmente, o edifício do

antigo leprosário é utilizado como almoxarifado da Secretaria Estadual de Saúde, funcionando

como local de depósito.

A história do edifício do Leprosário São Francisco de Assis, bem como a sua atual

funcionalidade nos serviços de saúde, representa o local que essa instituição ocupa na memória

da saúde da cidade. Durante as décadas de 1920 e 1930, o leprosário ocupou posição de destaque

nas políticas públicas de atenção à saúde. Exaltado como símbolo da modernidade, espaço da

racionalidade científica do período, atualmente a sua trajetória é colocada à margem na História

da saúde de Natal. Essa ausência do papel do leprosário na história da cidade também pode ser

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152

visualizada no cuidado com o arquivo da instituição e na cristalização da memória do médico

Varella Santiago Sobrinho.

A pesquisa sobre o Leprosário São Francisco de Assis foi iniciada a partir da

organização do arquivo dessa instituição encontrado no edifício do antigo isolamento o qual se

encontrava em péssimas condições de organização e de condicionamento. O local e a forma como

o arquivo foi encontrado demonstra o descaso com a história da instituição hospitalar e a falta de

cuidado com os documentos históricos do Estado. A história do arquivo do leprosário demonstra

não só o descaso com a instituição, mas evidencia também o estigma que a doença ainda possui

no imaginário popular. Entre as ideias estava o receio das pessoas de manusear o arquivo do

leprosário devido ao medo de ser contagiado pela bactéria.

A partir do contato inicial com a documentação que compõe o Arquivo do Leprosário

São Francisco de Assis, muitas lacunas foram encontradas, como o percurso dessa instituição no

Estado, o período do seu funcionamento, como foi edificado, quais partes formavam a instituição

como era realizada a entrada dos doentes, quantos doentes de lepra existiram no Estado, quem

eram os médicos que atuavam no isolamento, com era a vida cotidiana dos internos e dos

médicos, como ocorreu a sua desativação, onde os internos foram morar, quando começou a

funcionar o Hospital José Maciel.

Diante da falta de respostas para tais questões e a falta de informações sobre a história

da instituição, o presente trabalho refletiu sobre os mecanismos que possibilitaram a construção

do isolamento potiguar, como ocorreu o processo de edificação, quais grupos que participaram

ativamente desse projeto de governo. Para realizar este estudo foi necessário ir além das ideias

sanitárias proclamadas em nível estadual e conhecer a política sanitária nacional e as ideias

médicas que embasavam o isolamento dos doentes em instituições específicas. Também foi

necessário conhecer os casos de lepra presentes no Estado, o início do processo de notificação e

registro dos doentes e os órgãos responsáveis por essa investigação. Contudo, várias perguntas

ainda precisam ser respondidas sobre a profilaxia da lepra realizada no Rio Grande do Norte e

novas pesquisas necessitam ser realizadas sobre a história da lepra e a história da saúde do

Estado.

A profilaxia instaurada no Brasil e no Rio Grande do Norte no combate à lepra era

parte de um processo de organização da saúde pública nacional, que tinha o objetivo de formar

uma nova nação, moderna e saudável. A partir da década de 1920, a lepra tornou-se objeto da

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153

atenção de médicos e políticos, o medo de disseminação da doença levou a organização de uma

rede serviços e órgãos institucionais responsáveis pela fiscalização, pesquisa e controle do bacilo

de Hansen. No plano nacional foram criados o Departamento Nacional de Saúde Pública e a

Inspetoria de Profilaxia da Lepra e instaurado o Decreto nº 16.300, de trinta e um de dezembro de

1923, que definia as diretrizes sanitárias nacionais.

Enquanto as políticas públicas nacionais buscavam formas de conter o avanço da

lepra entre a população, o Rio Grande do Norte realizava uma política de saúde voltada para a

implantação de medidas sanitárias no cotidiano da população, a contenção das epidemias ligadas

ao aparelho digestivo, obras de saneamento e a redução dos números elevados da mortalidade

infantil. No que se refere às instituições médicas, o estado também criava novas instituições e

novas práticas médicas eram implantadas, mas não existia ainda uma preocupação com o

recolhimento dos leprosos ou a notificação dos casos suspeitos. As primeiras ações direcionadas

ao combate à lepra no Rio Grande do Norte foram tímidas e tinham como principal objetivo

conhecer os leprosos que viviam no Estado. Para tal ação, o Serviço de Saneamento Rural, por

meio dos postos de profilaxia rural, foi o responsável por realizar esse levantamento a partir do

ano de 1923.

À medida que as diretrizes nacionais intensificavam o debate e os discursos em torno

da necessidade de combater a disseminação da lepra por meio do isolamento dos doentes em

espaços médicos especializados, no Rio Grande do Norte, essas ideias ganhavam espaço entre os

dirigentes políticos e entre a classe médica. Entre os principais nomes, estão os políticos José

Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal Lamartine e o médico Manoel Varella Santiago

Sobrinho.

Esses personagens foram responsáveis pela instalação de uma rede de instituições

médicas destinadas ao combate à lepra no Estado formada pelo Leprosário São Francisco de

Assis (fundado oficialmente em 1929), o Preventório Osvaldo Cruz (fundado em 1938, que

receberia, para educar, os filhos de leprosos), e a Sociedade de Assistência aos Lázaros (fundada

em 1930, após o fim das atividades de construção do leprosário). Assim, o leprosário compunha

um dos elementos de profilaxia da lepra.

A construção do Leprosário São Francisco de Assis fez parte de uma política pública

sanitária que visava colocar o Rio Grande do Norte no processo de modernização e na busca da

introdução da ciência nos serviços públicos. Nesse processo, o combate à lepra se transformou

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154

em questão central no plano de governo de José Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal

Lamartine. É importante destacar que apesar de existir um conjunto de discursos que exaltava a

necessidade de construção de um espaço médico para isolar os leprosos potiguares, o Estado não

possuía recursos financeiros para construir e manter o isolamento. Nesse sentido, diferente dos

demais Estados da União, que somente iniciaram a edificação dos leprosários após 1930, o Rio

Grande do Norte realizou uma série de ações filantrópicas destinadas a angariar fundos para a

construção do espaço médico. Nesse processo, a participação de grupos pertencentes a igreja

católica foi de grande importância na organização de eventos, inserindo a construção do

leprosário como uma ação de caridade e de misericórdia.

O Leprosário São Francisco de Assis respondeu a dois anseios distintos: o anseio dos

governos (José Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal Lamartine) de exercer um mandato

moderno voltado para o desenvolvimento do Estado na área da saúde; e o anseio da população de

manter todos os doentes de lepra, que eram vistos como perigos ambulantes, isolados em um

lugar distante da cidade.

Além desse aspecto, é importante ressaltar que o leprosário possuiu uma trajetória

única, desde o seu processo de construção ao seu processo de desativação. Sem recursos para a

construção do empreendimento, o diretor do Departamento de Saúde Pública do Estado, o Dr.

Manoel Varella Santiago Sobrinho utilizou como solução recolher os leprosos no antigo

Isolamento São Roque, destinado a isolar os variolosos. Esse isolamento possuía as

características necessárias para recolher os doentes: era longe do centro urbano, possuía arvores

de vivendas, tinha instalações sanitárias adequadas, era longe de áreas alagadas. Nesse primeiro

momento de funcionamento, o leprosário apresentou as seguintes características: sua arquitetura

foi baseada no modelo pavilhonar, já que a sua estrutura seguiu o modelo do Isolamento São

Roque, o seu funcionamento iniciou-se no ano de 1926, com a internação de três doentes. Esses

leprosos ficaram pouco tempo no isolamento e não foi possível, no decorrer da pesquisa, obter

informações de como esses internos chegaram à instituição, quem os recebeu, quais as suas

atividades, como esse início do isolamento foi realizado. Nos dois anos seguintes o leprosário

continuou a receber internos nos dois antigos pavilhões, mantendo a mesma estrutura e as

mesmas características das práticas médicas.

A partir de 1928, iniciaram novas edificações na mesma área onde funcionava o

isolamento. Inaugurou-se oficialmente o Leprosário São Francisco de Assis no ano de 1929, com

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três grupos de casas entregues ao longo do ano. Nesse período, o leprosário adquiriu novas

características que transformaram as práticas médicas e a própria concepção de isolamento. A

nova estrutura física caracterizada por grupos de casas construídas para abrigar entre três ou

quatro doentes, de acordo com o sexo e a condição financeira, transformou o antigo leprosário em

Vila São Francisco de Assis, como defendeu o seu diretor, Varella Santiago.

A organização das casas correspondia às novas práticas médicas profiláticas e seguia

as diretrizes nacionais de combate à lepra. O leprosário ganhou novo significado entre alguns

segmentos da sociedade e entre os próprios internos da instituição. Após a inauguração oficial,

recebeu um número expressivo de doentes oriundos de diferentes regiões do Estado e com grau

diverso de infestação da doença no corpo.

Após alguns anos de funcionamento, o leprosário recebeu diversas intervenções

físicas e médicas, tais como: a inserção das casas, da escola rudimentar, a sala de cinema, escola

técnica, cemitério, espaço para as irmãs de caridade e outras melhorias. Espaços e serviços para

os internos se sentirem em um lugar prazeroso e em contato com as novas ideias modernas. A

inserção desses serviços, bem como a ideia de construir um isolamento como uma vila, foi ideia

do médico Manoel Varella Santiago Sobrinho, diretor e médico do leprosário. Esse médico atuou

durante muitos anos à frente da direção do Leprosário São Francisco de Assis, dirigiu a

Sociedade de Assistência aos Lázaros e foi o mentor da construção do Educandário Osvaldo

Cruz.

Apesar dessa atuação expressiva na profilaxia da lepra, a sua imagem é marcada na

memória da cidade como grande benfeitor das crianças desvalidas e precursor da educação

feminina. Toda a sua participação no processo de idealização e construção do leprosário, como na

promoção de políticas públicas para os portadores lepra, ficou marcada apenas nos muros do

Leprosário São Francisco de Assis e na memória dos antigos internos. Esse elemento evidencia o

esquecimento da política de combate à lepra no Estado e demonstra o estigma que ainda existe

sobre a doença e os seus portadores.

Essa exaltação do médico Varela Santiago apenas como benfeitor das crianças indica

que a sociedade cristaliza os feitos bem-sucedidos de determinadas figuras públicas e demonstra

que ainda se busca, no que diz respeito à narração das trajetórias médicas, exaltar a figura heroica

do médico, como o grande transformador da saúde, o homem detentor da razão e do saber

científico. É importante afirmar que o médico Varella Santiago foi entendido neste trabalho como

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um indivíduo proveniente no seu tempo, fruto da formação intelectual e científica com qual

entrou em contato. O processo de isolamento dos doentes em asilos e leprosários, bem como o

uso das substâncias químicas no tratamento dos leprosos defendidos por Varella Santiago era

visto, nessa sociedade, como prática moderna de profilaxia.

Não foi intenção do trabalho construir uma trajetória do médico Varella Santiago,

mas buscar entender quem foi esse médico que idealizou o Leprosário São Francisco de Assis e

atuou diretamente no tratamento desses doentes. Varella Santiago, ao idealizar a construção do

isolamento, optou por construir uma pequena cidade em que os internos associassem a colônia a

sua vida cotidiana. Dessa forma, o leprosário foi edificado em grupos de casas, onde os internos

dividiam o espaço com outros doentes e as famílias isoladas não eram separadas. Essa forma de

isolar os internos diferia de outras instituições totais que eram baseadas no modelo pavilhonar e

na segregação dos doentes.

Este trabalho não tinha como objetivo exaltar a construção do leprosário ou a prática

de segregação imposta pela política pública de profilaxia da lepra, mas buscar entender os fatores

que impulsionaram a edificação do Leprosário São Francisco de Assis e as ideias que orientaram

a construção dessa instituição de isolamento.

O Leprosário São Francisco de Assis foi formado por dois grupos de personagens

principais: os funcionários (os médicos e as irmãs de caridade), que representavam a ordem e a

vigilância, e os internos, que representavam o medo e a caridade. Além do processo de profilaxia

instaurado com a edificação do leprosário, tentei entender quem eram os personagens que

formavam a instituição de isolamento.

A partir dos dados coletados dentro do recorte temporal proposto, afirmo que os

internos do leprosário eram compostos na sua maioria por homens entre os trinta e quarenta anos

de idade. Esses doentes eram provenientes das classes mais baixas da sociedade, sendo

caracterizados como situação econômica de poucos recursos ou pobre. As principais profissões

identificadas foram: lavradores, pescadores, pintores; entre as mulheres as atividades exercidas

eram restritas ao espaço doméstico, como lavadeiras, cozinheiras e domésticas. A situação

econômica dos internos interferiu na habitação que ocuparia dentro leprosário, na possibilidade

de continuação do tratamento no domicílio e na concessão das altas hospitalares.

Apesar de se tratar de uma instituição de isolamento baseada na vigilância e com

regras de convivência bem definidas, os internos construíram práticas culturais próprias e novos

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códigos de conduta. A organização interna do leprosário tinha como principal elemento a divisão

dos internos por sexo, situação econômica e laços matrimoniais. Contudo, ao analisar o perfil dos

internos que formavam a instituição, conheci diferentes trajetórias que indicaram que os doentes

isolados criaram formas de romper com a vigilância e as regras estabelecidas. Entre as práticas

identificadas, ressalto o casamento de dois leprosos dentro do isolamento e logo depois a evasão

do casal. Esse elemento rompe uma série de ideias e padrões estabelecidos pela instituição. A

primeira regra transgredida foi a união de indivíduos leprosos que poderiam gerar filhos também

leprosos, segundo as teorias médicas do período; A segunda transgressão foi o contato

estabelecido entre os próprios internos que deveriam ocupar espaços diferentes no leprosário; por

fim, o rompimento da vigilância física, demonstrando que os dois internos planejaram e

arquitetaram um plano de fuga do isolamento, não respeitando os modelos estabelecidos.

Vários internos evadiram-se do leprosário, demonstrando que os doentes sempre

criavam maneiras de burlar as normas estabelecidas pela direção. A própria composição dos

internos e a organização das casas contribuíam para a criação de novos códigos de conduta. Ao

observar o perfil dos internos do leprosário, inferi que os doentes apresentavam características

(situação econômica, profissão, história de contaminação, sintomas, idade, naturalidade)

semelhantes, bem como existiam muitos laços de parentescos, esses dados contribuíram para a

criação de laços de cumplicidade e de ajuda mútua.

Ao longo deste trabalho, procurei compreender como ocorreu o combate à lepra no

Rio Grande do Norte a partir do isolamento dos doentes realizado no Leprosário São Francisco de

Assis. Nesta análise, evidenciaram-se os indivíduos que participaram desse processo, a atuação

de grupos da sociedade que buscaram a edificação do isolamento, os indivíduos acometidos pela

moléstia que foram excluídos do convívio social e os médicos que atuaram na profilaxia da lepra.

A partir do estudo realizado, observei que as concepções sobre as doenças e as

práticas médicas empregadas sofreram modificações ao longo do tempo. A exclusão dos doentes

portadores do mal de Hansen, encarada nas décadas de 1920 e 1930 como prática profilática, hoje

é observada como uma prática segregacionista. As políticas públicas de saúde, bem como o

campo da história da saúde e da doença, são temas que ainda apresentam uma diversidade de

problemas e objetos a serem analisados. O combate à lepra no Rio Grande do Norte é um desses

objetos que carecem de estudos e análises.

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ANEXOS

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Imagem 1: Fotos do Lazarópolis do Prata, primeiro Leprosário do Brasil, inaugurado em junho 1924.299

Fonte: Arquivo Casa Oswaldo Cruz – Fundo SA Souza-Araújo. Disponível em:

<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/i5kkt>.

Nota: O Lazarópolis do Prata foi instalado no antigo Instituto da Infância desvalida. O lugar estava situado na Vila de Santo

Antônio do Prata, no atual município de Igarapé-Açu, localizado a cem quilômetros da cidade de Belém.

299

Em razão da dificuldade de leitura da legenda da fotografia, resolvi transcrever o conteúdo do texto. “Aspectos da

Lazarópolis do Prata, Pará, primeiro leprosário oficial, fundado em junho de 1924 pelo Dr. Souza Araújo. Ampliado

em 1937 tem hoje 900 leprosos. Está sendo construído um novo leprosário para 1.000 doentes em Marituba, Belém”.

A fotografia não possui data identificada.

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Imagem 2: Fotos da Construção de Leprosário São Roque, situado no municipio de Piraquara, no Paraná,

inaugurado em 1926

Fonte: CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na

perspectiva da relação espaço-tempo. Revista Ra’ e Ga, Curitiba, n. 10, p. 09-32.

Nota: Retrata a construção do Leprosário São Roque, com duração de dezessete meses.

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Imagem 3: Foto da vista panorâmica do conjunto hospitalar do Leprosário São Roque, situado no

município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926.

Fonte: CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na

perspectiva da relação espaço-tempo. Revista Ra’ e Ga. Curitiba, n.10, p. 09-32.

Nota: Vista panorâmica de um dos conjuntos arquitetônicos do Leprosário São Roque, fundado em 1924, estando no

centro da imagem a administração do isolamento.

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Imagem 4: Foto da central telefônica do Leprosário Santo Ângelo, situado no município de Mogi das

Cruzes, em São Paulo, inaugurado em 1928.

Fonte: Arquivo Casa Oswaldo Cruz – Fundo SA Souza-Araújo. Disponível em:

<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/i5kkt>.

Nota: Leprosário Santo Ângelo, em São Paulo, em destaque a Central telefônica. Sem data de produção.

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Imagem 5: Foto das casas destinadas aos casais do Leprosário Santo Ângelo, situado no município de

Mogi das Cruzes, em São Paulo, inaugurado em 1928.

Fonte: Arquivo Casa Oswaldo Cruz – Fundo SA Souza-Araújo. Disponível em:

<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/00qhm>.

Nota: Vista das casas destinadas aos casais presentes na Colônia Santo Ângelo, em São Paulo. A fotografia não

apresenta data de produção.

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Imagem 6: Fotografia do Leprosário São Francisco de Assis, construído no ano de 1925, em Natal

Fonte: Arquivo Casa Oswaldo Cruz – Fundo SA Souza-Araújo. Disponível em:

<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/xxotp>.

Nota: Vista do Leprosário São Francisco de Assis ,inaugurado em 1926, no município de Natal, situado no Rio

Grande do Norte. Apresenta o primeiro edifício composto de seis residências para casais. À direita, está o pavilhão

de diversões (cinema etc.).

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Imagem 7: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1920

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

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Imagem 8: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1930

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

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Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

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174

Imagem 9: Ficha clínica de revisão dos pacientes da década de 1940

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

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175

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

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176

Dados dos pacientes

Ano: 1926

Nome do

paciente

Idade no

momento da

internação

Data da

internação

Sexo Cidade /

País de

Origem

Data de

Falecimento (F)

evasão (E) ou

alta (A)

Cor Estado civil Diagnóstico do médico sobre a

moléstia no paciente no momento da

internação

Jorge Friscle 41 20/07/1926 M França F - 05/11/1926 Branca Solteiro Face leonina - Estado grave.

Acompanhado pelo serviço de

Profilaxia

Residiu no Pará.

Bento Gomes de

Oliveira

28 04/10/1926 M Macaíba F - 29/04/1927 Parda Casado Não consta

Ano: 1927

Nome do

paciente

Idade no

momento da

internação

Data da

internação

Sexo Cidade /

País de

Origem

Data de

Falecimento (F)

evasão (E) ou

alta (A)

Cor Estado civil Diagnóstico do médico sobre a

moléstia no paciente no momento da

internação

Francisco

Avelino

47 02/01/1927 M Currais

Novos

F - 06/05/1927 Parda Casado Dormência nos pés com completa

insensibilidade.

Ana Fernandes

Lima

50 14/01/1927 F Natal F - 09/02/1933 Branca Casada Sensação forte de calor no corpo,

dormência nas pernas, pés e mãos.

Acompanhada pelo Serviço de

Profilaxia

Emiliano da

Fonseca e Silva

50 22/03/1927 M Sant´Ana F- 26/08/1928 Parda Casado Os sintomas iniciaram há

aproximadamente cinco anos.

Dormência e infiltrações nos pés.

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Luiz Peregrino

da Cruz 28 04/06/1927 M

Não

consta F - 05/07/1928 Parda Solteiro Não Consta

Joaquim

Pimenta de

Paiva

32 08/08/1927 M Pedra

Branca

E – 08/08/1927

F - 09/1928 em

Pedra Branca

Branca Casado

Os sintomas iniciaram há

aproximadamente quatro anos.

Dormência e ferida na mão esquerda,

face leonina e queda dos supercílios.

Residiu durante oito anos no Pará.

Euclides

Diocleciano 53 08/11/1927 M Assú F - 15/04/1939 Branca Solteiro

Manchas nos membros superiores e

inferiores, infiltrações e insensibilidade.

Residiu no extremo norte entre 1906 a

1909.

Idalino

Fernandes 67 11/11/1927 M

Não

consta F - 30/04/1928 Pardo Casado

Dormência nos pés e mãos. Apresentava

obstrução nasal.

Foi contaminado no Ceará.

Francisco

Guilherme

Gomes da Silva

42 20/12/1927 M Currais

Novos F - 17/05/1928 Pardo Casado

Não consta

Não realizou o teste da mucosa nasal

Ano: 1928

Nome do

paciente

Idade no

momento da

internação

Data da

internação

Sexo Cidade /

País de

Origem

Data de

Falecimento (F)

evasão (E) ou

alta (A)

Cor Estado civil Diagnóstico do médico sobre a

moléstia no paciente no momento da

internação

João Varela

Barca 58 12/03/1928 M

Ceará-

mirim F - 12/05/1935 Branca Casado

Início da doença em 1925 com o

aparecimento de manchas e obstrução

nasal. Conviveu com um irmão leproso.

Adagilsa Varela

Barca 15 12/03/1928 F

Ceará-

mirim F - 20/08/1929 Branca Solteira

Início da doença em 1922 com

aproximadamente onze anos.

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Manchas na perna esquerda

Acompanhada pelo Serviço de

Profilaxia Rural

Ana Vieira da

Silva 26 20/03/1928 F Paraíba F - 22/03/1928 Branca Viúva

Febre acompanhada de erupção e

manchas no rosto e pernas.

Entrou na instituição moribunda

Josias Pereira de

Araújo 20 22/04/1928 M

Ceará-

mirim F - 13/07/1933 Parda Solteiro

Início da doença em 1921 com

ulceração nas mãos.

Acompanhado pelo Serviço de

Profilaxia Rural

José Gadelha da

Costa 40 27/04/1928 M Macaíba Não consta Parda Casado

Início da doença no ano 1918 com

dormência nos pés e nas mãos.

Residiu no Pará entre os anos de 1909 a

1919

Anysio da

Camara 24 14/05/1928 M

Maxaran

guape F - 16/06/1931 Branca Solteiro

Dores fortes e dormência nos pés e nas

mãos. Conviveu com o pai leproso

durante vários anos.

Joaquim

Francisco de

Oliveira

74 30/05/1928 M Não

consta F - 08/07/1928 Branca Casado Não consta

Manoel

Francisco de

Andrade

41 07/06/1928 M Não

consta F - 26/12/1932 Parda Solteiro

Dormência nas mãos e manchas no

rosto.

Residiu no Acre por quatro anos na casa

de uma leprosa.

Maria do Carmo

de Oliveira

Costa

56 14/06/1928 F Natal F - 09/12/1934 Branca Solteira Início da doença aproximadamente em

1898. Apresenta pés e mãos mutilados.

Maria das Dores

Ferreira 50 26/06/1928 F

Porto

Alegre F - 27/01/1933 Parda Casada Coceira no corpo e dores nas mãos.

Raimundo 12 11/07/1928 M Natal Não consta Parda Solteiro Início da doença aproximadamente em

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Ponciano 1924. Apresentava dores nas mãos,

obstrução nasal e queda dos supercílios.

Esteve no Pará por dois ou três anos.

José Dias de

Oliveira 30 18/07/1928 M Mossoró F - 29/08/1932 Parda Casado Dormência e insensibilidade nos pés.

José Florencio

Pereira 63 18/07/1928 M Mossoró F - 07/03/1931 Branca Casado

Dormência nas pernas e nos pés.

Residiu no Amazonas entre 1895 a1904.

Joana Maria de

Jesus 35 28/07/1928 F

Não

consta Não consta Branca Solteira

Dormência nos pés e manchas.

Apresentava mutilações.

Manoel Bezerra 45 28/07/1928 M Taipú F - 14/09/1929 Parda Casado Infiltração no nariz e anestesias nos pés.

José Raymundo

da Silva 35 02/08/1928 M Angicos Não consta Parda Casado

Início da doença aproximadamente em

1919 com dor na perna e no pé.

Residiu no Pará.

Antonio de

Lima

13 07/08/1928 M Natal Não consta Pardo Solteiro

Placa no antebraço esquerdo

Acompanhada pelo Serviço de

Profilaxia Rural.

Luiz Dantas 65 14/08/1928 M Não

consta F - 29/11/1928 Pardo Casado Edema nos pés e zonas de anestesias.

Joana Batista 08 28/08/1928 F Natal F - 07/06/1930 Pardo Solteira Dormência e manchas em várias áreas

do corpo.

Ana Eunice da

Rocha Bandeira 16 01/09/1928 F Belém Não consta Branca Solteira

Início da doença aproximadamente em

1924 apresentando dedos mutilados e

sensibilidades.

Conviveu na casa da sua tia leprosa.

Joaquim Julião

Martins 55 04/09/1929 M Arez F - 23/08/1930 Branca Solteiro

Início da doença no ano de 1916.

Dormência nos dedos e anestesias nos

pés e mãos.

Residiu no Pará por vinte e quatro anos

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Ano 1929

Nome do

paciente

Idade no

momento da

internação

Data da

internação

Sexo Cidade /

Estado/

País de

Origem

Data de

Falecimento

(F) evasão (E)

ou alta (A)

Cor Estado civil Diagnóstico do médico sobre a

moléstia no paciente no momento da

internação

Manoel

Bandeira dos

Santos

26 04/01/1929 M Ceará-

mirim F - 27/03/1929 Branca Solteiro

Dormência nos pés e zonas de

anestesias.

Residiu no Pará

Emilia Fagundes

de Vasconcelos 63 24/01/1929 F Natal F - 14/06/1935 Branca Solteiro

Dormência no joelho, na perna e nos

pés. Teste da mucosa nasal negativo.

Antonio Gomes

da Silva Não consta 30/01/1929 M

São José de

Mipibu F - 21/10/1932 Parda Casado

Dormência no pé e na mão esquerda.

Teste da mucosa nasal negativo.

Residiu no Pará por dois meses

Acompanhado pelo Serviço de

Profilaxia Rural.

Maria Severina

Bezerra 51 09/02/1929 F Natal F – 19/05/1929 Branca Casada Residiu no Pará no ano de 1906

Maria de

Lourdes da

Conceição

16 14/02/1929 F Natal Não consta Parda Solteira Feridas no pé esquerdo.

Joaquina Maria

Francisca da

Conceição

Não consta F Macaíba F- 24/10/1929 Não

consta Solteira

Inicio da doença no ano de 1928.

Manchas e calor no corpo

Maria Julia dos

S. Cardoso 70 16/02/1929 F Ponta Negra F - 27/02/1929 Parda Viúva

Estado grave.

Não realizou o exame da mucosa nasal

Gonçala

Amanda

Conceição

18 26/02/1929 F Macaíba F - 06/02/1931 Parda Solteira Infiltrações no nariz

Maria Alice de 17 06/03/1929 F Belém F - 26/06/1932 Branca Solteira Início da doença no ano de 1923.

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181

Barros Manchas e dores em diversas partes do

corpo.

Joaquim Gomes

da Silva 37 06/03/1929 F Não consta F - 22/11/1930 Parda Solteiro

Mal perfurante no pé e ulcerações nos

dedos.

Residiu no Pará por oito anos.

Rosa Maria de

Paiva Não consta 08/03/1929 F

S. José do

Mipibu F - 22/05/1929

Branca

Casada

Início da doença no ano de1922.

Apresentava manchas vermelhas no

rosto e nos pés.

Joaquina Rosa

da Silva 33 08/03/1929 F

S. José do

Mipibu Não consta Branca Casada

Início da doença no ano de 1926.

Dormência no pé e nas mãos, manchas

no corpo.

Possuía familiares no Pará. Exame da

mucosa nasal negativo.

Joaquina

Francisca da Paz 28 08/03/1929 F

São José de

Mipibu F- 19/03/1930 Parda Solteira

Manchas e feridas iniciais no corpo

atribuída a sífilis. Face leonina.

Antônio

Francellino da

Silva

66 09/03/1929 M Taipú F - 25/08/1929 Parda Casado Dormência em algumas partes do corpo

e anestesias nas mãos e pés.

Elviro Borges

do Nascimento 38 09/03/1929 M Touros Não consta

Parda

Viúvo

Dormência nas extremidades do corpo e

mãos em garra.

Acompanhado pelo serviço de

Profilaxia Rural.

Residiu no Pará até os 10 anos de idade

Joaquina Maria

Francisca da

Conceição

Não consta 08/03/1929 F Macaíba F - 24/10/1929 Não

consta Solteira Manchas e calor no corpo

Santos

Marcolino 38 15/03/1929 M Paraíba F - 01/06/1940 Branca Casado

Manchas no corpo, dormência e

insensibilidades.

Joaquina

Vicente de Sant 43 18/03/1929 F

S. José do

Mipibu F - 03/04/1932 Parda Casada

Início da doença em 1928 com erupção

tuberculosa na face

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182

Ana

Alfredo Galvão 28 23/03/1929 M Canguareta

ma Não consta Branca Casado

Formigamento e manchas em várias

regiões do corpo.

João Marcelino

Ferreira da Silva 20 06/04/1929 M Não consta F - 34/06/1929 Parda Solteiro

Dores nos pés e nas pernas.

Foi infectado por um irmão que adoeceu

no Pará.

Francisca

Nascimento de

Barros

Não consta 07/04/1929 M Pará Não consta Branca Casada Dormência e manchas no corpo, zonas

de anestesias nos pés.

Manoel Miranda 42 08/04/1929 M Poço

Branco E - 29/11/1934 Branca Casado

Inicio da doença no ano de1915.

Manchas e dormência no corpo.

Teste da mucosa nasal negativo

Nestor Soares

Bezerra 27 16/04/1929 M Paraíba E -13/06/1929 Parda Solteiro

Inicio da doença no ano de 1923

Ferida no calcanhar direito. Residiu no

Pará durante cinco anos.

Hermildo Lucas

de Oliveira 38 25/04/1929 M Natal

Alta concedida

pelo diretor do

estabeleciment

o

Branca Casado

Inicio da doença no ano de 1927. Dores

e manchas nas costas, sem obstrução

nasal.

Pedro Fernando

Lima ou Pedro

Clementino

44 29/04/1929 M Santo

Antônio F - 10/02/1930 Parda Casado

Inicio da doença no ano de 1924. Morou

com um irmão que esteve no Pará.

Antonia Gomes

do Nascimento 48 03/05/1929 F Não consta F - 21/09/1930 Parda Casada

Inicio da doença no ano de 1923.

Manchas na pele. Residiu no Pará por

cinco anos.

José Pedro do

Nascimento 68 10/05/1929 M *

A - 01/04/1930

A -30/07/1947

Parda Casado

Inicio da doença no ano de 1927.

Apresentava dores nos dedos. Residiu

no Pará por cinco meses. Exame da

mucosa nasal negativo.

Camilo Amaro 21 15/05/1929 M Juazeiro- E - 03/03/1931 Branca Solteiro Inicio da doença no ano de 1928.

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Taipú A - 21/05/1937 Dormência na mão esquerda. Exame da

mucosa nasal negativo.

Joana Fabricia

de Oliveira 23 15/05/1929 F

S. José do

Mipibu Não consta Parda Solteira

Nódulos na face, lóbulo nos dedos e

pescoço. Conviveu com uma leprosa

Francisca Juvino Barreto.

Maria Lourdes

Ferreira 40 18/05/1929 F Não consta Não Consta Branca Casada

Inicio da doença no ano de 1911.

Dormência nos pés e mãos. Residiu no

Pará durante vinte e cinco anos.

Bellerminio

Rodrigues Não consta 22/05/1929 M Assu A - 28/01/1935 Parda Casado

Dormência no pé e anestesias. Exame

da mucosa nasal negativo.

Joaquina

Francisca da

Costa Ferreira

55 25/06/1929 F Redinha F-10/10/1929 Parda Viúva Inicio da doença no ano de 1923.

Manchas e dormência no corpo.

Maria Eliza de

Carvalho 33 09/07/1929 F

Ceará-

mirim F - 04/08/1930 Branca Solteira

Há sete anos manchas e dormência no

corpo. Contaminada pelo tio Manoel

Sobral.

Joaquim Pedro

de Sousa 46 01/09/1929 M Parelhas Não consta Parda Solteiro

Inicio da doença no ano 1928.

Dormência nas mãos. Residiu no Pará

entre os anos de 1904 a 1916.

Maria Soares de

Amorim Joffley 44 02/09/1929 F Assu Não consta Branca Casada

Inicio da doença no ano de 1924. Dores

fortes, manchas vermelhas.

Joaquina da

Costa Oliveira 57 03/09/1929 F

S. José do

Mipibu Não consta Branca Viúva

Mancha no braço. Dividiu a casa com

professora leprosa.

Ana Maria dos

Santos Não consta 04/10/1929 F Macaíba E - 25/06/1934 Parda Solteira

Inicio da doença no ano 1927. Manchas

e atrofia dos músculos.

Paulo Dias de

Tertuliano 29 08/10/1929 M

Canguareta

ma Não consta Parda Casado

Dores, infiltrações e sensibilidades no

corpo.

Amancio José

França 44 21/11/1929 M Parelhas

E- 19-05-1930

A - 22/12/1930

Branca Casado Sensibilidade nos pés e mãos.

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José Paparana Não consta 10/11/1929 M Touros F-11/02/1930 Branca Casado Dormência nos pés e no corpo.

Felipe Marinho

Filho 43 14/11/1929 M

Canguareta

ma F-23/02/1933 Branca Casado

Inicio da doença no ano de 1925.

Manchas pardas e depois escuras no pé

e no calcanhar.

Manoel Floriano

de Mello 14 06/12/1929 M Assú E -11/08/1939 Branca Solteiro

Dores nas articulações e manchas e no

corpo

Joaquina de

Brito 42 07/12/1929 F Caicó F -20/09/1930 Branca Casada

Dormência nos pés e joelho. Trabalhou

no interior do Amazonas,

Sebastião

Serafino de

Mello

44 07/12/1929 M Caicó F - 10/06/1935

Parda Solteiro

Dormência no pé esquerdo e direito.

Residiu em Manaus.

Maria de

Lourdes Lins de

Oliveira

10 09/12/1929 F Macaíba A - 22/12/1930

A- 10/10/1936 Branca Não consta

Manchas nas pernas.

Manoel Gomes

da Silva 65 23/12/1929 M Acari F - 23/06/1931 Branca Casado

Perfuração no pé e infiltrações da face e

orelhas.

José Pimenta de

Paiva Filho 36 23/12/1929 M

Poço

Branco Não Consta Parda Casado

Dormência nos pés e mãos. Realizou

três exames da mucosa nasal.

Joana Alves

Pereira 23 31/12/1929 F

Ceará-

mirim F - 29/04/1940 Branca Solteira Dormência nos pés e mãos.

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Ano de 1930

Nome do

paciente

Idade no

momento da

internação

Data da

internação Sexo

Cidade /

Estado / País

de Origem

Data de

Falecimento

(F) evasão (E)

ou alta (A)

Cor Estado civil

Diagnóstico do médico sobre a

moléstia no paciente no momento

da internação

Francisco

Aprigio dos

Santos

32 13/01/1930 M Currais Novos F - 08/09/1930 Branca Solteiro

Início da doença em 1915 com

dormência no pé direito.

Pés e mãos ulcerados.

Antonio

Teixeira 24 16/01/1930 M Macaíba E – 25/06/1934 Parda Solteiro

Dormência no ombro e úlceras no

corpo.

Conviveu com um irmão leproso.

Sebastião

Brandão 42 14/02/1930 M Não consta

E - 26/02/1933

F - 02/1942 Branca Casado

Retração nos dedos e ombros.

Exame da mucosa nasal negativo

Jacinto Batista

da Silva 42 21/02/1930 M Paraíba

E – 10/09/1930

F- 02/03/1939 Pardo Casado

Insensibilidade nos pés ao frio e ao

calor, zonas de anestesias.

Residiu no Pará por três anos.

José Martins

Gondim 32 21/02/1930 M Paraíba E – 10/09/1930 Branca Solteiro

Insensibilidade ao frio e ao calor e

apresenta ulceras na face.

José Batista do

Amaral 44 27/02/1930 M Caraúbas A – 22/12/1930 Pardo Casado

Sensação de calor e dores, mancha

na face. Exame da mucosa nasal

negativo.

Manoel Correia

de Lima 55 13/03/19930 M Goianinha E – 06/10/1930 Branca Solteiro

Sensação de calor, manchas no

corpo.

Manoel

Malaquias 40 13/03/1930 M * F – 21/05/1930 Pardo Casado

Dormência nos pés e nas mãos,

infiltrações nas orelhas.

Residiu no Pará entre os anos de

1907 a 1915.

Francisco

Felicio Dias 68 13/03/1930 M Goianinha

E – 06/10/1930

F – 23/11/1931 Branca Casado

Dormência nos pés e nas mãos.

Residiu no Pará entre os anos de

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1919 a 1921

Francisco

Antunes de

Freitas

55 20/03/1930 M Idatuí F – 13/05/1932 Parda Casado

Dormência e zonas de anestesias nos

pés.

Residiu no Pará entre os anos de

1908 a 1910

Olavo Amador

de Oliveira 10 31/03/1930 M

S. José do

Mipibu Não consta Parda Não consta

Manchas eritematosas nos braços e

nas pernas.

Joana Nogueira

de Sousa 40 07/04/1930 F Macaíba Não consta Parda Solteira

Não apresenta perturbações na

sensibilidade.

Antonio

Agostinho da

Silva

55 26/05/1930 M Paraíba F – 19/08/1930 Branca Casado Manchas no corpo e insensibilidade

nos pés e nas mãos.

Maria

Constantino Não consta 02/06/1930 F Taipu F- 01/06/1931 Parda Casada

Manchas amarelas no pescoço e

tórax. Residiu vários anos no Pará.

Joaquim Bento

Fernandes 51 02/06/1930 M Não consta E- 13/01/1931 Parda Casado

Perturbações nas sensibilidades das

extremidades dos membros.

Residiu no Pará entre os anos de

1904 a 1917.

Teste bacteriológico negativo

Osvaldo

Oliveira 16 17/07/1930 M Natal E – 03/03/1933 Parda Solteiro

Manchas avermelhadas nos membros

superiores e inferiores.

João Armando

Batista de

Castro

37 29/08/1930 M Martins E – 13/01/1931 Parda Solteiro Dormência e mãos e atrofia das

mãos

Antonio Batista

da Silva 44 15/09/1930 M Martins A – 22/03/1940 Parda Casado

Dormência e machas no dorso, nas

pernas e no rosto.

Residiu no Amazonas de 1909 a

1912

Maria Julia

Gomes 28 15/09/1930 F Touros A – 22/03/1932 Parda Casada

Manchas no pé e nos braços.

Teste bacteriológico negativo

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João Dantas de

Macedo 18 28/09/1930 M

Santana do

Matos Não consta Parda Solteiro

Dormência no pé esquerdo e mão

mutilada.

Teste bacteriológico negativo

Manoel Isidoro

de Faria 30 28/09/1930 M

Santana do

Matos E – 13/10/1930 Parda Casado

Dor nas pernas e mancha

eritematosa.

Conviveu com o cunhado leproso

João Dantas

Manoel Peixoto

de Barros 36 28/09/1930 M

Santana do

Matos F- 19/12/1930 Parda Solteiro Dormência e coceira as mãos.

Luiza Francisca

de Lima 42 04/10/1930 F

Rio Grande do

Norte F – 26/06/1937 Branca Casada

Nenhum sintoma de lepra.

Conviveu com o filho leproso

Marciolina

Americo de

Souza

Não consta 28/01/1931 F Natal Não consta Mestiça Casada Nódulo na orelha esquerda e

dormência na perna

Manoel Dias da

Silva

40 20/02/1931 M Caicó F – 22/09/1936 Mestiço Solteiro

Dores e infiltrações nos pés, nas

pernas e nas mãos.

Conviveu com o pai leproso (interno

do Leprosário S. Francisco de Assis).

Residiu no Pará.

Francisco

Manoel de

Oliveira

15 19/08/1931 M São Bento F – 17/03/1936 Parda Não consta Ulcera na planta do pé e mutilações.

Joana Francisca

de Souza 60 29/08/1931 F Macaíba F – 26/5/1939 Preta Solteira

Nódulos e manchas nas

extremidades do corpo.

José Chaves 13 11/09/1931 M Natal A – 23/09/1941 Parda Solteiro Manchas nos ombros e nádegas.

Virginia

Wanderley

Dantas

49 15/10/1931 F Natal Não consta Branca Casada

Manchas eritematosas. Dor e

dormência nas mãos, insensibilidade

ao calor.

Conviveu com leproso.

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188

Pedro Antonio

Ferreira 43 23/11/1931 M Ponta Negra F – 02/05/1955 Parda Casado

Dores reumáticas e zonas de

anestesia nos punhos. Casado com

Petronila Maria Ferreira, interna no

Leprosário São Francisco de Assis.

Pai de Manoel (20 anos) residente no

leprosário.

Antônia Maria

da Costa

Bezerra

64 26/11/1931 F Papary F – 31/08/1941 Branca Solteira Dores nas pernas

Manoel Isidio

Estevam 36 1932 M Paraíba E – 25/09/1941 Mestiça Casado

Ferida e dormência no pé esquerdo.

Mutilações e manchas.

Maria Francisca

de Araújo 50 31/03/1932 F Macaíba

F – XX/05/1948

Preta Casada

Dormência nos membros inferiores.

Conviveu com o esposo leproso

(Bento Gomes de Oliveira) e filhos

leprosos (Estevam Gomes de

Oliveira e Maria Gomes de

Oliveira), internados no Leprosário.

Horacio Gomes

da Silva 50 19/04/1932 M Não consta F – 06/02/1947 Branca Casado

Dormência e manchas no pé.

Residiu no Amazonas entre os anos

de 1906 a 1926

Maria Augusta

de Oliveira 33 11/05/1932 F Pernambuco A – 24/11/1956 Preta Solteira

Tumores no corpo. Não apresenta

sintomas de lepra

Maria Correia

de Lima 76 14/10/1932 F Macaíba F – 06/11/1938 Branca Viúva

Dormência da mão direita.

Residiu no Pará

José

Vasconcellos

Chaves

66 04/11/1932 M Rio Grande do

Norte F – 05/08/1936 Branca Casado

Obstrução nasal e dormência nos

pés.

Conviveu intimamente com um

leproso.

João Alves da

Silva 32 21/07/1933 M Natal E – 11/07/1936 Mestiça Casado Ulceração nos membros inferiores.

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Horacio

Monteiro Leite

33 10/10/1933 M Paraíba F - 14/12/1945 Mestiça Solteiro

Dormência na mão direita, flancos

na face e atrofia dos músculos.

Conviveu com leproso desde os 11

anos de idade.

Barroso de

Carvalho 80 20/03/1934 M São Rafael F – 19/07/1937 Mestiça Solteiro

Calor no dedo da mão esquerda e

atrofia das falanges

Maria Fonseca

Galvão 65 19/08/1934 F Paraíba F – 29/03/1947 Preta Viúva

Formigamento no pé esquerdo.

Residiu no Rio de Janeiro por 26

anos.

Maria Angela

Solidade 60 12/09/1934 F

Rio Grande do

Norte F– 14/05/1940 Preta Solteira

Dormência na mão direita, atrofia e

hipertrofia muscular.

Paciente do Hospital Juvino Barreto.

Francisco

Correia Lira 43 03/10/1934 M Paraíba

A – 06/10/1941

E – 23/10/1945 Mestiça Casado

Ferida no dedo direito e infiltração

das orelhas.

Residiu no Pará entre os anos de

1909 a 1922.

Oligario

Rodrigues

Campos

50 20/11/1934 M Porto Alegre A – 09/10/1938

E – 10/07/1944 Branco Viúvo

Dormência no pé e obstrução nasal.

Frequentou a casa do leproso

Cassiano Bessa, proveniente do Pará

Antônio

Fernandes de

Melo

34 18/12/1934 M Paraíba A– 26/01/1941 Branca Casado

Mancha e tubérculo no pé esquerdo.

Conviveu com leproso durante 8

anos, Francisco Correia Lira.

Antônio Silva

Osório 23 10/02/1935 M Natal E – 28/05/1939 Branca Solteiro

Internado em Recife por dois anos

Conviveu com leproso em macaíba.

Teste bacteriológico negativo.

Petronila Maria

Ferreira 33 09/04/1935 F

Natal – Ponta

Negra Não Costa Preta Casada

Manchas pelo corpo e infiltração na

face. Conviveu com marido leproso

(Pedro Antônio Ferreira) e com o

filho (Manuel Pedro Ferreira), ambos

residentes no Leprosário.

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João Ferreira

Nunes 33 10/04/1935 M Ceará-Mirim

F -

11/08/1949 Mestiça Casado Tumor no nariz e obstrução nasal.

Manoel

Francisco Alves 26 10/06/1935 M

Rio Grande do

Norte F - 14/05/1942 Branca Solteiro

Dormência no pé.

Conviveu com o pai leproso no Pará

Luísa Carolina

de França 52 03/07/1935 F Maxaranguape F – 25/11/1941 Mestiça Viúva

Manchas na face e dores articulares

nos membros.

Luis Canuto de

Aguiar (Luis

Juazeiro)

33 11/07/1935 M Cana Brava E – 26/07/1935

F – 10/10/1948 Mulato Casado

Infiltração dos membros inferiores

Conviveu com o leproso Ezequiel

Guedes

Alberto Osório

da Silva 09 10/11/1935 M Natal A - 18/03/1940 Branca Solteiro

Macha eritematosa nas nádegas.

Conviveu com os irmãos leprosos

(Antonio e Guiomar).

Marcenila

Ferreira 41 17/05/1935 F Natal A – 13/02/1936 Branca Casada

Ferida no pé e ulcerações na perna

esquerda

José Rocha

Gurgel 17 12/1935 M

Bento Antônio

Oliveira 69 04/01/1936 M

Rio Grande do

Norte F - 29/08/1936 Branco Viúvo

Macha eritematosa e dormência na

perna.

Conviveu com a esposa leprosa

durante 10 anos.

Jose Caetano da

Silva 40 18/01/1936 M Recife A - 15/11/1936 Mestiço Casado Ulceras e mãos em garra.

Maria Medeiros

da Silva 40 17/02/1936 F

Rio Grande do

Norte F – 02/02/1950 Parda Casada

Forte prurido pelo corpo. Manchas e

reumatoses nos membros nas mãos e

pés.

Francisca Freire

da Silva 48 01/03/1936 F São Bento F – 02/09/1936 Branco Casada

Dormência e mancha na perna

esquerda

Salustiano Leite 38 19/03/1936 M Martins F – 06/07/1936 Branco Casado Mancha eritematosa nos membros

inferiores e nas mãos. Ulceras nas

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orelhas e cotovelos.

João Nunes da

Silveira 65 31/03/1936 M Lajes F – 09/09/1936 Mestiço Casado

Dores nas articulações dos joelhos e

hipertrofia das mãos

Guiomar da

Silva Osório 21 24/04/1936 F Natal A -13/06/1939 Branca Solteira

Manchas eritematosas

Dois irmãos leprosos internados no

Leprosário S. Francisco de Assis

(Alberto da Silva Osório e Antonio).

Ana de Melo

Alecrim 65 25/04/1936 F Macaíba A – 30/05/38 Branca Viúva

Perto da casa em que residia haviam

leprosos.

Severino

Francisco da

Paz

20 28/04/1936 M Monte Alegre A – 31/05/1937 Preta Solteiro Conviveu com uma tia leprosa

durante menos de um ano

Francisca

Brasileira dos

Anjos

75 01/05/1936 F São José do

Mipibu Não consta Branca Casada

Conviveu com as filhas leprosas

internadas no Leprosário São

Francisco de Assis (Isabel e Ana

Lucas dos Anjos).

Teresinha

Varela Barca 18 06/05/1936 F Ceará-mirim A - 01/09/1939 Mestiça Solteira

Isolada da família sob os cuidados de

Adelaide Barros.

Conviveu com o pai leproso

(JoãoVarela Barca) e a irmã

(AdalgisaVarela).

Raymundo

Negreiro da

Silva

48 18/06/1936 M Ceará F – 19/04/1939 Mestiça Casado Dormência no pé e na mão esquerda

America Pereira

da Silva 58 19/06/1936 F

Rio Grande do

Norte F – 37/02/1938 Preta Solteira

Infiltrações e dormência no corpo

Residiu na casa do leproso José

Francisco

Antonio Alves

Cabral 48 19/06/1936 M

Rio Grande do

Norte F – 28/08/1936 Branca Viúva Dormência nos dedos

Alexandrino 40 07/08/1936 M Paraíba Não consta Parda Casado Dormência no pé e nas pernas.

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Raimundo da

Silva

Maria Francisca

Fernandes 39 11/08/1936 M Nova Cruz A – 15/01/1938 Parda Viúva Dor no pé e infiltrações nas mãos.

João Fernandes

Pereira 15 11/08/1936 M Nova Cruz Não consta Parda Solteiro

Obstrução nasal e sensação de calor

no corpo.

Conviveu com irmão leproso (Jorge

Fernandes Pereira).

Jorge Fernandes

Pereira 12 11/08/1936 M Nova Cruz E – 23/10/1938 Parda Solteiro

Dormência nos pés e nas

articulações.

Conviveu com irmão leproso (João

Fernandes Pereira).

Antônio

Veríssimo

Batista da Silva

11 07/09/1936 M Rio Grande do

Norte E – 21/06/1947 Parda Solteiro

Mancha vermelha na face e

obstrução nasal.

João Medeiros

da Costa 75 04/12/1936 M

Rio Grande do

Norte Não consta Branca Viúvo

Nenhuma suspeita do mal de

Hansen.

José Martins da

Silva 20 06/12/1936 M São Bento F – 31/05/1936 Parda Solteiro

Anestesias dos membros inferiores e

superiores

Amâncio José

de Souza 55 26/08/1940 M Pau dos ferros Não consta Branca Casado

Grau de escoliose e falta de

flexibilidade nos dedos das mãos.

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Pacientes internados na década de 1930 a partir da condição econômica.

Nome do paciente

Idade no

momento da

internação

Data da

internação Sexo Instrução

Estado

econômico Ocupação atual Religião Habitação

Luiza Francisca de

Lima 42 04/10/1930 F Não Pobre * Católica

Não consta.

Marciolina Americo de

Souza Não consta 28/ 01/1931 F Não Pobre Doméstica Católica Familiar

Manoel Dias da Silva 40 20/02/1931 M Não Pobre Estrada de ferro Católica Taipa

Joana Francisca de

Souza 60 29/08/1931 F Não Pobre Lavadeira Católica Tipo familiar

José Chaves 13 11/09/1931 M Não consta Pobre Não consta Católica Tijolo

Virginia Wanderley

Dantas 49 15/10/1931 F Sim Mediano Não consta Católica Tipo familiar

Pedro Antonio Ferreira 43 23/11/1931 M Não Pobre Pescador e

lavrador Católica Palha

Antônia Maria da Costa

Bezerra 64 26/11/1931 F Não Pobre

Serviços

Domésticos Presbiteriana Não consta

Manoel Isidio Estevam 36 1932 M Sim Pobre Lavrador Católico Taipa

Maria Francisca de

Araújo 50 31/03/1932 F Não Pobre Cozinheira Católica Proletária

Horacio Gomes da

Silva 50 19/04/1932 M Não

Pequeno

recurso Lavrador Católico Familiar

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Maria Augusta de

Oliveira 33 11/05/1932 F Não Pobre

Empregada

doméstica Católico Tipo lavrador

Maria Correia de Lima 76 14/10/1932 F Não Pobre Doméstica Católica Tipo operário

José Vasconcellos

Chaves 66 04/11/1932 M Sim Não consta

Funcionário

Público Católica Não consta

João Alves da Silva 32 21/07/1933 M Não Pobre Pintor Católica Quartos Alugados

Horacio Monteiro Leite 33 10/10/1933 M Sim Não consta Operário e pintor Não consta Tipo familiar

Barroso de Carvalho 80 20/03/1934 M Não Pobre Lavrador Não consta Taipa

Maria Fonseca Galvão 65 19/08/1934 F Não Pobre Costureira Católica Tipo familiar

Maria Angela Solidade 60 12/09/1934 F Não Pobre Serviços

domésticos Não consta Não consta

Francisca Correia Lira 43 03/10/1934 F Não consta Pequeno

recurso Lavrador Católica Taipa

Oligario Rodrigues

Campos 50 20/11/1934 M Sim

Pequeno

recurso Agricultor Católica Tipo familiar

Antônio Fernandes de

Melo 34 18/12/1934 M Não

Pequeno

recurso Agricultor Católica

Tipo operário –

Taipa

Antônio Osório 23 10/02/1935 M Sim Pobre Pequeno

comerciante Católica Familiar

Petronila Maria Ferreira 33 09/04/1935 F Não Pobre Serviços

Domésticos Católica Operário

João Ferreira Nunes 33 10/04/1935 M Sim Pobre Carregador

d’Água Católica Taipa

Manoel Francisco

Alves 26 10/06/1935 M Não Pobre Lavrador Católica Taipa

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Luísa Carolina de

França 52 03/07/1935 F Pouca Pobre

Lavadeira e

engomadeira Católica Operário – Palha

Luis Canuto de Aguiar

(Luis Juazeiro) 33 11/07/1935 M Não Pobre Lavrador Católica

Tipo operário-

Taipa

Alberto Osório da Silva 09 10/11/1935 M Sim Pequeno

recurso * Católica Não consta

José Rocha Gurgel 17 12/1935 M Sim Abastado Estudante do

seminário Católica

Familiar com

conforto

Bento Antônio Oliveira 69 04/01/1936 M Sim Pequeno

recurso Lavrador Católica Tijolo e telhas

José Caetano da Silva 40 18/01/1936 M Não Pobre Não consta Não consta Não consta

Maria Medeiros da

Silva 46 11/02/1936 F Não Pobre

Serviço

Doméstico Católica Familiar

Francisca Freire da

Silva 48 01/03/1936 F Pouca Pobre

Serviços

domésticos Católica Tipo familiar

Salustiano Leite 38 19/03/1936 M Não Pobre Lavrador Católica Tipo familiar

João Nunes da Silveira 65 31/03/1936 M Não Pobre Comercio

ambulante Católica Tijolo e telha

Guiomar da Silva

Osorio 21 24/04/1936 F Não

Pequeno

recurso Doméstica Católica Familiar

Francisca Brasileira dos

Anjos 75 01/05/1936 F Não Pobre Doméstica Católica Tipo familiar

Teresinha Varela Barca 18 06/05/1936 F Sim Não Consta Serviços

domésticos Católica Tipo familiar

Raymundo Negreiro da

Silva 48 18/06/1936 M Não consta Não consta Lavrador Não consta Não consta

Antonio Alves Cabral 48 19/06/1936 M Não Não Consta Lavrador Católica Tipo operário –

Taipa

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America Pereira da

Silva 58 19/06/1936 F Não Pobre Lavrador Católica Taipa

Alexandrino Raimundo

da Silva 40 07/08/1936 M Não Pobre Agricultor Católico Taipa e telha

Maria Francisca

Fernandes 39 11/08/1936 F Não Pobre

Serviços

domésticos Católico

Taipa coberta de

telhas

João Fernandes Pereira 15 11/08/1936 M Não Pobre * Não consta Taipa e telhas

Jorge Fernandes Pereira 12 11/08/1936 M Não Pobre Lavrador Católico Taipa e telhas

Antônio Veríssimo

Batista da Silva 11 07/09/1936 M Não Pobre Não Consta Católica Não Consta

João Medeiros da Costa 75 04/12/1936 M Não consta Pobre pescador Não consta Não consta

José Martins da Silva 20 06/12/1936 M

Amâncio José de Souza 55 26/08/1940 M Sim Pequeno

proprietário Agricultor Católica Tijolo

José Rocha Gurgel 17 12/1935 M Sim Abastado Estudante do

seminário Católica

Familiar com

conforto