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| MÓDULO | 8 | | PARA DESENVOLVER | Leitura Vais agora contactar com alguns textos teórico-críticos que te permitirão contextualizar a poesia cesariana e o seu autor. Entre os poetas cuja personalidade se formou dentro do realismo e do parnasianismo, merece menção à parte Cesário Verde (n. Lisboa, 25/2/1855 – † (19/7/1886), que morreu logo no termo de uma juven- tude passada em estudo no Curso Superior de Letras, em viagens a Paris e Londres, em aventuras tres- noitadas e nos negócios paternos, e cuja influência se faz mais sentir a partir da edição póstuma, em 1901, das suas poesias coligidas incompletamente pelo seu amigo Silva Pinto no Livro de Cesário Verde (ante- riormente, em 1887, fizera-se do mesmo Livro uma tiragem de 200 exemplares que não foram postos no mercado). A ele se deve a expressão poética superior da pequena burguesia lisboeta irreligiosa e republi- cana do tempo. Acrescentos feitos em edições recentes revelaram que o poeta procura reagir desde novo (1873, pelo menos) contra a insinceridade piegas, segundo o processo de João Penha: a auto-ridiculari- zação de uma poesia sentimental por um desfecho burlesco. Acabou no entanto por descobrir o seu pro- fundo tom natural, vencendo tal alternativa ultra-romântica entre o piegas e o grotesco. No lirismo erótico, Cesário teve também de vencer o misto hiperbólico de ódio-adoração à mulher aristrocatizada e distante, estigma de um sentimento de inferioridade pequeno-burguesa que tanto se detecta em poetas como Guilherme de Azevedo e Gomes Leal, nas suas imitações baudelairianas. Cesário Verde é o único poeta realista do grupo tido como realista que consegue superar, de facto, a herança romântica. Em poemas como De Tarde, Nós, Contrariedades, Cristalizações, Sentimento de um Ocidental, não se nos deparam os vagos operários e prostitutas do progressismo verboso de certos con- temporâneos, nem o oco pessoalismo ultra-romântico. Ele é o poeta cuja neurastenia se retrata e ironiza num quadro real, à vista do drama concreto dos vizinhos; que, perceptivelmente, deambula e namora em Lisboa, ou examina o campo com o olhar objectivo do administrador rural. Assim tudo ganha volume: o sonho não diminui a vida: alimenta-se dela e a ela volta, a tonificar-se («Lavo, refresco, limpo os meus sentidos / E tangem-se excitados, sacudidos, / O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto») (…). António José Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa, 12. a edição, s/d, Porto Editora 1. O excerto apresenta referências biográficas mas centra-se fundamentalmente na ino- vação poética de Cesário verde. 1.1. Distingue os dados biográficos das características poéticas, preenchendo a tabela: Recolha de dados Referências biográficas Nascimento e morte: Percurso académico: Viagens: Negócios: Amigo: Características poéticas reacção contra… proscrição do… imposição de… Objectivos Motivos poéticos 5 10 15 20 Texto 1

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| MÓDULO | 8 || PARA DESENVOLVER |

Leitura

Vais agora contactar com alguns textos teórico-críticos que te permitirão contextualizara poesia cesariana e o seu autor.

Entre os poetas cuja personalidade se formou dentro do realismo e do parnasianismo, merece menção

à parte Cesário Verde (n. Lisboa, 25/2/1855 – † (19/7/1886), que morreu logo no termo de uma juven-

tude passada em estudo no Curso Superior de Letras, em viagens a Paris e Londres, em aventuras tres-

noitadas e nos negócios paternos, e cuja influência se faz mais sentir a partir da edição póstuma, em 1901,

das suas poesias coligidas incompletamente pelo seu amigo Silva Pinto no Livro de Cesário Verde (ante-

riormente, em 1887, fizera-se do mesmo Livro uma tiragem de 200 exemplares que não foram postos no

mercado). A ele se deve a expressão poética superior da pequena burguesia lisboeta irreligiosa e republi-

cana do tempo. Acrescentos feitos em edições recentes revelaram que o poeta procura reagir desde novo

(1873, pelo menos) contra a insinceridade piegas, segundo o processo de João Penha: a auto-ridiculari-

zação de uma poesia sentimental por um desfecho burlesco. Acabou no entanto por descobrir o seu pro-

fundo tom natural, vencendo tal alternativa ultra-romântica entre o piegas e o grotesco. No lirismo erótico,

Cesário teve também de vencer o misto hiperbólico de ódio-adoração à mulher aristrocatizada e distante,

estigma de um sentimento de inferioridade pequeno-burguesa que tanto se detecta em poetas como

Guilherme de Azevedo e Gomes Leal, nas suas imitações baudelairianas.

Cesário Verde é o único poeta realista do grupo tido como realista que consegue superar, de facto, a

herança romântica. Em poemas como De Tarde, Nós, Contrariedades, Cristalizações, Sentimento de um

Ocidental, não se nos deparam os vagos operários e prostitutas do progressismo verboso de certos con-

temporâneos, nem o oco pessoalismo ultra-romântico. Ele é o poeta cuja neurastenia se retrata e ironiza

num quadro real, à vista do drama concreto dos vizinhos; que, perceptivelmente, deambula e namora em

Lisboa, ou examina o campo com o olhar objectivo do administrador rural. Assim tudo ganha volume: o

sonho não diminui a vida: alimenta-se dela e a ela volta, a tonificar-se («Lavo, refresco, limpo os meus

sentidos / E tangem-se excitados, sacudidos, / O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto») (…).

� António José Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa, 12.a edição, s/d, Porto Editora

1. O excerto apresenta referências biográficas mas centra-se fundamentalmente na ino-vação poética de Cesário verde.

1.1. Distingue os dados biográficos das características poéticas, preenchendo a tabela:

Recolha de dados

Referênciasbiográficas

Nascimento e morte:Percurso académico:Viagens:Negócios:Amigo:

Característicaspoéticas

– reacção contra…– proscrição do…– imposição de…

Objectivos

– – – – –

Motivos poéticos

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Texto 1

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Leitura

A originalidade de Cesário Verde é reconhecida por vários estudiosos da literatura, talcomo se pode comprovar pelas palavras de António José Saraiva e Óscar Lopes.

(…) Esse poeta, quase sem precedentes nem continuadores entre nós, assimilando organicamente o

que aprendeu de Baudelaire e Coppée, descobre a beleza enérgica, a «riqueza química do sangue» dos

operários «enfarruscados e secos» dos arsenais, ou de um «cardume negro» de varinas, ou do tinir no

granito do aço dos calceteiros, e de toda a utensilagem dos ofícios manuais; vibra em simpatia com toda

uma cidade viva, por vezes num «desejo absurdo de sofrer»: com o enjoo do gás extravasado, o chorar dos

pianos das burguesinhas, o arrepio de um «Dezembro enérgico e sucinto», com o sol espelhado nas poças

da chuva recente, as trindades, os passos da patrulha, o toque das grades nas cadeias, os clarões das lojas

nas naves das ruas, uma hortaliceira regateando para o pão, uma engomadeira tuberculizando e sem ceia,

os focos infecciosos da febre-amarela. Sente-se frequentemente o conflito entre a simpatia pelo povo ur-

bano ou rural explorado e o ditame naturalista de impassibilidade descritiva, reforçado pela ideia darwi-

nista de que os fracos (inaptos ou decadentes) estão condenados a perecer.

Para exprimir este mundo, até então realmente desconhecido da poesia, (…) - este novo mundo que

completa o de Eça à luz de um radicalismo plebeu que o romancista não sentia -, Cesário renovou com-

pletamente a estilística tradicional da nossa poesia. Experimentou uma imaginária por vezes muito feliz.

Introduziu no verso o processo queirosiano de suprir pelo adjectivo ou pelo advérbio uma relação lógica

extensa, de imediatizar, pela surpresa da relação verbal, uma sugestão que morreria se fraseologicamente

se desdobrasse: «quando passas, aromática e normal»; «cheiro salutar e honesto ao pão no forno»; «pés

decentes, verdadeiros»; «eu tudo encontro alegremente exacto»; «amareladamente, os cães parecem

lobos»; etc. A par disto, Cesário consegue valorizar poeticamente o vocabulário e o tom de fala mais cor-

rentios na linguagem coloquial urbana embalando o leitor num ritmo que ondula entre a atenção ao por-

menor e um abrir de horizontes, entre a sátira ou a degradação, que nos oprimem, e um relance de beleza

real, que nos expande.

(…)

� António José Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa, 12.a edição, s/d, Porto Editora

1. O excerto começa por salientar a originalidade de Cesário Verde bem como alguns dosmotivos poéticos por ele utilizados.1.1. Regista a expressão textual comprovativa da individualidade do autor.

1.2. Indica os grupos humanos seleccionados para objecto de análise.

1.3. Comprova a presença da questão social na poesia cesariana aludida no primeiro parágrafo.

2. O segundo parágrafo detém-se nas questões de estilo e de linguagem.2.1. Apresenta uma justificação para a afirmação: “Para exprimir este mundo, até então realmente

desconhecido da poesia, (…) – este novo mundo que completa o de Eça…”

2.2. Identifica a lógica associada ao articulador utilizado no início da afirmação.

2.3. Procede ao levantamento dos processos estilísticos usados por Cesário Verde.

3. As últimas quatro linhas reportam-se ao vocabulário e às dualidades relatadas pelo poeta.3.1. Explica por palavras tuas a afirmação: “Cesário consegue valorizar poeticamente o vocabulá-

rio e o tom de fala mais correntios na linguagem coloquial urbana…”

3.2. Dê conta dos aspectos duais em que se centra a atenção do autor.

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Lisboa com Cesário emelancolia1.Há uma tal intensidade de Cesário

em certas horas de maior melancolia

que até o arranque de um eléctrico solitário

tem um não sei quê de alexandrino ao fim do dia.

1. Estabelece relações intertextuais entre este texto e o de Cesário Verde, transcrito napágina 238 do manual.

2. Anota as imagens com que se confronta o sujeito poético.

3. Regista os elementos que simbolizam a degradação do presente.

4. Explicita o modo como o passado se manifesta na actualidade.

Funcionamento da Língua

A deixis corresponde ao modo como o enunciador marca a sua presença, num espaço enum tempo determinados.1. Preenche a tabela, servindo-te de elementos textuais.

Leitura

Lê o texto poético a seguir apresentado.

2. Atenta nas seguintes frases.a) “Há uma tal intensidade de Cesário…” (linha 1)

b) “Passeei hoje por Lisboa a pé…” (linha 5)

c) “… o arranque de um eléctrico solitário / tem um não sei quê de alexandrino ao fim do dia.”

2.1. Identifica os sujeitos das frases anteriores.

2.2. Classifica-os.

Pessoal

Temporal

Espacial

Deixis Exemplos textuais

2.Passeei hoje por Lisboa a pé

como por dentro de um poema de Cesário.

Da D. Carlos I até ao Chile

foram estrofes e estrofes de ferragens

bugigangas bulício maresia

com imagens do Tejo de passagem

armazéns onde cheira a especiaria

e gente em cujo rosto há ainda um rastro

um resto de viagem e de melancolia.

� Manuel Alegre, Obra Poética, 2000, 2.a edição

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Leitura

A mulher simples ou campesina surge também retratada na poesia do real de Cesário Verde.

SetentrionalTalvez já te não lembres, triste Helena, Dos passeios que dávamos sozinhos, À tardinha, naquela terra amena, No tempo da colheita dos bons vinhos.

Talvez já te não lembres, pesarosa, Da casinha caiada em que moramos, Nem do adro da ermida silenciosa, Onde nós tantas vezes conversamos.

Talvez já te esquecesses, ó bonina, Que viveste no campo só comigo, Que te osculei a boca purpurina, E que fui o teu sol e o teu abrigo.

Que fugiste comigo da Babel, Mulher como não há nem na Circássia, Que bebemos, nós dois, do mesmo fel, E regámos com prantos uma acácia.

Talvez já te não lembres com desgosto Daquelas brancas noites de mistério, Em que a Lua sorria no teu rosto E nas lajes campais do cemitério.

Talvez já se apagassem as miragens Do tempo em que eu vivia nos teus seios, Quando as aves cantando entre as ramagens O teu nome diziam nos gorjeios.

Quando, à brisa outoniça, como um manto, Os teus cabelos de âmbar, desmanchados, Se prendiam nas folhas dum acanto, Ou nos bicos agrestes dos silvados.

E eu ia desprendê-los, como um pajem Que a cauda solevasse aos teus vestidos, E ouvia murmurar à doce aragem Uns delírios de amor, entristecidos.

Quando eu via, invejoso, mas sem queixas, Pousarem 'borboletas doudejantes Nas tuas formosíssimas madeixas, Daquela cor das messes lourejantes.

E no pomar, nós dois, ombro com ombro, Caminhávamos sós e de mãos dadas, Beijando os nossos rostos sem assombro, E colorindo as faces desbotadas;

Quando Helena, bebíamos, curvados, As águas nos ribeiros remansosos, E, nas sombras, olhando os céus amados Contávamos os astros luminosos.

Quando, uma noite, em êxtases caímos Ao sentir o chorar dalgumas fontes, E os cânticos das rãs que sobre os limos Quebravam a solidão dos altos montes.

E assentados nos rudes escabelos, Sob os arcos de murta e sobre as relvas, Longamente sonhamos sonhos belos, Sentindo a fresquidão das verdes selvas.

Quando ao nascer da aurora, unidos ambos Num amor grande como um mar sem praias Ouvíamos os meigos ditirambos Que os rouxinóis teciam nas olaias.

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E, afastados da aldeia e dos casais, Eu contigo, abraçado como as heras, Escondidos nas ondas dos trigais. Devolvia-te os beijos que me deras.

Quando, se havia lama no caminho, Eu te levava ao colo sobre a greda, E o teu corpo nevado como arminho Pesava menos que um papel de seda.

Talvez já te esquecesses dos poemetos, Revoltos como os bailes do Cassino, E daqueles byrónicos sonetos Que eu gravei no teu peito alabastrino.

De tudo certamente te esqueceste, Porque tudo no mundo morre e muda, E agora és triste e só como um cipreste, E como a campa jazes fria e muda.

1. Como se pode verificar, a mulher e o sujeito da enunciação surgem em espaços dico-tomicamente representados.1.1. Indica os dois espaços referidos.

1.2. Relaciona-os com o passado e com o presente.

1.3. Associa-os ao relacionamento entre o sujeito e Helena.

2. A cidade é representada disforicamente.2.1. Regista o vocábulo utilizado para assim a caracterizar, descodificando o seu valor conotativo.

2.2. Explica por que, na mesma estrofe, surge a referência ao “fel” e aos “prantos”.

2.3. Apresenta uma justificação para o facto de apenas terem regado “uma acácia” com os seusprantos.

3. Foi no campo que o amor entre o par amoroso se firmou.3.1. Apresenta três aspectos exemplificativos da afirmação.

3.2. Comprova o prolongamento desse relacionamento em tempo e espaço distintos.

4. O fim do romance é denunciado no poema.4.1. Justifica o fim desse romance.

4.2. Caracteriza o estado de espírito do sujeito poético após o fim do namoro.

4.3. Transcreve o verso que denota, da parte do sujeito poético, uma atitude sadomasoquista.

5. O texto é rico em figuras de estilo.5.1. Dê um exemplo para: adjectivação, hipérbole, metáfora e comparação, referindo-se, sucinta-

mente, ao seu valor expressivo no contexto em que surgem.

Esqueceste-te, sim, meu sonho querido, Que o nosso belo e lúcido passado Foi um único abraço comprimido, Foi um beijo, por meses, prolongado.

E foste sepultar-te, ó serafim, No claustro das Fiéis emparedadas, Escondeste o teu rosto de marfim No véu negro das freiras resignadas.

E eu passo tão calado como a Morte Nesta velha cidade tão sombria, Chorando aflitamente a minha sorte E prelibando o cálix da agonia,

E, tristíssima Helena, com verdade, Se pudera na terra achar suplícios, Eu também me faria gordo frade E cobriria a carne de cilícios.

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