kirk, raven e schofield. os filósofos pré-socráticos 7ª edição

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Edição portuguesa da obra "The presocratic philosophers" de Geoffrei Kirk, J. E. Raven e Malcon Schofield. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

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  • I

    OS FILOSOFOSI I

    PRE-SOCRATI COS

    7.0 edio

  • Os Filsofos Pr-Socrticos

    Geoffrey Kirk(1921/2003): Doutor em Letras, membro daAcademia Britnica. Professor de Clssicas naUniversidade de Yale nos E.U.A. e na de Bristol.Foi a partir de 1974 Regius Professor da Univer-sidade Grega de Cambridge e membro doTrinity College. Tem publicada vasta obra deque se salienta:

    Heraclitus, tbe Cosmic Fragments, 1954The Songs of Homer, 1962Myth:Its Meaning and Functions, 1970The Bacchae, 1979The fliada, a Commentary Vol.!, 1985 and

    Vol.I!, 1990

    J. E. RavenNasceu em 1914. Licenciou-se em Letras em1946 na Universidade de Canterbury; foi pro-fessor no Dian King's College de Cambridge, de1956 a 1963. Membro do King College deCambridge e Leitor de Clssicas de 1948 a1974. Especializou-se em Histria da FilosofiaAntiga. Deu conferncias apresentando asideias dos pensadores Gregos antes de Scratese investigou o trabalho de Plato, principal-mente na fase tardia dos Dilogos.Tem publi-cada vasta bibliografia, salientando-se:Pitagoras and Eleatics, 1948Plato's tbougbts in tbe making, 1965Euripides, Baccbae, 1970Tbe Natur ofGreek myths, 1974Homer and oral tradition, 1976

    Malcom SchofieldNasceu em 1942. Professor de Clssicas nasUniversidades de Cornell e de Cambridge. Presi-dente do St. ]ohn's College desde 1972 at aopresente. Tem publicada vasta bibliografia, deque salientamos:An Essay onAnaxagoras, CUP 1980The Stoic Idea of tbe City, CUP 1991

    C_A. Louro FonsecaNasceu em 1930. Licenciado em Filosofia Cls-sica pela Faculdade de Letras da Universidade deCoimbra, a tem exercido a docncia como pro-fessor convidado, na regncia de cadeiras de ln-gua e lingustica gregas, e de lngua latina, entreoutras. Tem ainda orientado, nos ltimos anos, oSeminrio das Lnguas Clssicas. Foi leitor deportugus e literatura portuguesa em Dublin,bolseiro do I.A.C. em Oxford e professor convi-dado nas Universidades do Porto,Aveiro e PontaDelgada.Principais publicaes:CCERO- Defesa de rquias (1974)PLAUTO- Anfitrio (41993); O Soldado Fanfar-

    ro (31987); Os dois Meneemos (21989)Iniciao ao Grego (21987)Sic itur in Vrbem. Iniciao ao Latim (61992)Colaborao regular, desde 1984, no BOLETIM

    DEEsTUDOSCLSSICOS(vols. 1-22)

  • OS FILSOFOS PR-SOCR TICOS

  • G. S. KIRK J. E. RAVEN M. SCHOFIELD

    I I I

    OS FILOSOFOS PRESOCRATICOSHistria Crtica com Seleco de Textos

    7.a Edio

    Traduo de

    CARLOS ALBERTO LOURO FONSECA

    FUNDAO CALOUSTE GULBENKIANServio de Educao e Bolsas

  • Traduodo original ingls intitulado:

    THE PRESOCRATIC PHILOSOPHERSA Critical History with a Selection of Texts

    byG. S. Kirk, J. E. Raven and M. Schofield Cambridge at The University Press

    1983

    Reservados todos os direitos de acordo com a leiEdio da

    FUNDAO CALOUSTE GULBENKIANAv. Berna / Lisboa

    2010

    ISBN 978-972-31-0503-2Depsito Legal n. 314522/10

  • PREFCIO SEGUNDA EDIO

    Mais de vinte anos se passaram j desde que surgiram pela primeira vezOs Filsofos Pr-socrticos. A partir de ento foram muitas vezes reimpressos,com correces de menor monta, at 1963; as reimpresses posteriores nosofreram qualquer alterao. Durante os ltimos anos, G. S. Kirk e J. E. Ravenderam-se conta de que em breve seria necessria uma edio basicamenterevista, se que ela no estava j em atraso. Dado que a sade de J. E. Ravenno era das melhores e que os seus interesses no campo da investigao setinham orientado exclusivamente para a botnica, pediu a G. S. Kirk queponderasse a questo e sugerisse um terceiro membro para a equipa. Oraacontece que a parte do livro inicialmente da autoria de J.E.R. requeria umaprofunda reviso, devido aos novos rumos tomados pela investigao; poroutro lado, tambm G.S.K. tinha vindo a trabalhar em outros campos e, nestascircunstncias, necessitava de um colaborador no auge da tarefa. Em 1977,M. Schofield concordou em participar na empresa, com pleno acordo dos trsinvestigadores sobre o modo como o trabalho deveria ser levado a cabo.

    Grandes e importantes so as alteraes desta nova edio. M. Schofieldreescreveu por completo os captulos respeitantes aos Eleticos e Pitagricos,devido principalmente s investigaes dos filsofos analticos no que tocaaos primeiros, e s de Walter Burkert (em particular) sobre os segundos- investigaes que requereram uma nova avaliao dos pontos de vista deCornford-Raven sobre as relaes entre as duas escolas. Alcmon foi includonestes capitulos.

    Semelhantemente, M.S. reescreveu por inteiro o captulo sobre Empdocles,a fim de ter em conta no apenas as reinterpretaes de J. Bollack, G. Zuntze outros estudiosos, como ainda a controvrsia que elas provocaram. Espera-mos que a disposio dos fragmentos de Empdocles, na sua provvel ordemoriginal, resulte mais til para o leitor. O captulo sobre Anaxgoras, poroutro lado, mantm-se, em grande parte, como J.E.R. o escreveu; M.S. indicouem notas de rodap (veja-se, a este propsito, o seu An Essay on Anaxagoras,Cambridge, 1980) em que medida as suas solues podero ser, num ou noutroponto, diferentes, mas foi desejo dos trs autores que este captulo se manti-vesse globalmente inalterado. Tambm Arquelau no sofreu modificao, e

  • VIII

    Digenes foi ampliado de uma simples nota de rodap; sobre os Atomistas,M .S. reescreveu as seces respeitantes aos principais metafsicos, aos tomose ao vcuo, e ao peso dos tomos (para ter em c:onta as investigaes deD. J. Furley, J. Barnes, D. O'Brien e outros), e ainda as seces sobre episte-mologia e tica - a parte respeitante tica foi, em grande medida, obrado Dr. J. F. Procop, a quem expressamos os nossos mais calorosos agrade-cimentos.

    A primeira parte do livro foi inteiramente revista por G.S.K., mas comescassas alteraes na sua redaco global. O captulo I, sobre os Precursores,sofreu um novo arranjo, tendo sido abreviado e simplificado em alguns pontos,e apresenta seces adicionais relativas ao novo material rfico, ao fragmentocosmognico de lcman e transio do mito para afilosofia. Sobre os Milsios,Xenfanes e Herac/ito, tem havido um acervo de publicaes no ltimo quartode sculo, mas as consequncias de tal facto tm sido menos significativas, seas compararmos com as das investigaes sobre os Pitagricos, Eleticos eEmpdoc/es. Tiveram-se em conta as contribuies, em particular, deC. H. Kahn (sobre Anaximandro e Heraclito}, de J. Barnes e W. K. C.Guthrie, mas a interpretao e a apresentao, no obstante numerosas modi-ficaes de pormenor, no foram muito drasticamente alteradas. Tudo istoreflecte uma convico geral de que o livro no devia ser radicalmente modifi-cado na sua abordagem e nfase das matrias, excepta quando estritamentenecessrio; e bem assim, a opinio, pelo menos de G.S.K., de que apesar de todaa poeira da batalha, os reais progressos no tocante a estes primeiros pensadorestm sido bastante reduzidos.

    Uma evidente melhoria, em especial para os muitos leitores que se ser-vem mais das tradues que dos textos gregos, consistiu em as introduzirno corpo do texto. A Bibliografia foi actualizada, e o novo lndex Locorum obra de N. O' Sullivan, a quem os Autores esto profundamente agradecidos,como agradecidos esto tambm aos editores e impressores pela sua ajuda. epelo seu cuidadoso tratamento de um texto relativamente complicado. Mas'os Autores' quer dizer, com pesar, os que ainda sobrevivem, porquanto J.E.R.faleceu em Maro de 1980, com 65 anos de idade; os seus notveis dotes ea sua cativante personalidade esto bem evidenciados em John Raven by hisFriends (publicado em 1981 pela viuva, Faith Raven, em Docwra's Manor,Shepreth, Herts., Inglaterra).

    Num tom bem mais alegre, com prazer que dedicamos uma vez mais estelivro ao Professor F. H. Sandbach, cujo profundo saber ainda melhor apre-ciado nesta obra do que o foi na primeira edio.

    G. S. K.M. S.

    Junho I I 83.

  • PREFCIO PRIMEIRA EDIO

    Este livro destina-se, em primeiro lugar, a todos aqueles que tm mais doque um interesse acidental pela histria do pensamento grego antigo; contudo,ao traduzirmos todos os trechos em grego, e ao confinarmos uma parte da dis-cusso mais pormenorizada s notas em corpo-oito no fina! dos pargrafos,tivemos tambm em mira tornar o livro til para aqueles estudiosos da histriada filosofia ou da cincia que no possuem um conhecimento prvio desteimportante e atraente sector de investigao.

    Dois aspectos devem ser postos em destaque. Primeiro, limitmos anossa esfera de aco aos principais fisicos pr-socrticos e seus precursores,cuja preocupao fundamental incidia sobre a natureza (physis) e a coernciadas coisas como um todo. Interesses cientficos mais especializados foram-sedesenvolvendo simultaneamente durante os sculos sexto e quinto a.C; particu-larmente no campo da matemtica, astronomia, geografia, medicina e biologia;mas por falta de espao e, at certo ponto, por carncia de testemunhos, noavanmos nestas matrias para alm das preocupaes dos principais fsicos.Exclumos tambm os Sofistas, cuja positiva contribuio filosfica, frequente-mente exagerada, assenta fundamentalmente nos campos da epistemologia eda semntica. Em segundo lugar, no foi empenho nosso apresentar umaexposio necessariamente ortodoxa (se que uma tal exposio possvelnum campo em que as opinies esto to rapidamente a mudar), mas preferimos,em muitos dos casos, propor as nossas prprias interpretaes de pontoscontroversos, e tentmos sempre porporcionar ao leitor os principais elementospara poder formar a sua prpria opinio.

    A parte do livro que se ocupa da tradio jnica, incluindo os seus pre-cursores e tambm os Atomistas e Digenes (i.e. os capitulos 1-VI, XVII e XVIII),com a notcia respeitante s fontes, da autoria de G. S. Kirk, ao passo que aparte que trata da tradio itlica, e tambm os captulos sobre Anaxgoras eA rque/au (i.e. os captulos VII-XVI), so de J. E. Raven. Os contributos decada um dos autores foram evidentemente submetidos a uma crtica circuns-tanciada mtua, e o plano global do livro de ambos.

    11 extenso tias diforente seces do livro , admitimo-lo, assaz varivel.Nos !III/I/O,I' ('111 ((/li' 11.1' 11'.1'1 -munho .1'''0 mais abundantes (' claros particular-

  • m uue nos casos em que subsistem fragmentos considerveis, como por exemplono tocante a Parmnides - o comentrio pode ser naturalmente mais breve;onde os testemunhos so mais escassos e menos claros, como, por exemplo, nocaso de Anaximandro ou dos Pitagricos, as nossas prprias explicaes tmde ser forosamente mais longas e complicadas. O captulo I em particular,que versa uma parte da matria que frequentemente descurada, talvez sejaem certos aspectos mais pormenorizado do que a sua importncia bsica requer,e aconselhamos os no-especialistas a deix-lo para o fim.

    Citmos apenas os textos mais importantes, e esses numa seleco inevi-tavelmente pessoal. Para uma coleco quase completa de fragmentos e teste-munhos, o leitor dever consultar H. Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker(edies 5.a e posteriores, Berlim, 1934-54, editados por W. Kranz). Estaobra fundamental referida pela abreviatura DK. Nos lugares em que umanumerao com DK (e.g. DK 28 A 12) acrescentada referncia de um passocitado no presente trabalho, isso significa que DK, na seco indicada, cita dopasso em questo mais do que ns. Omitimos as referncias DK, onde se dmenos, ou no mais, do texto, e tambm no caso dos fragmentos (quando onmero do fragmento, sempre na numerao de Diels, o mesmo do da respec-tiva seco B em DK). Nos casos em que ocorrem aditamentos em textoscitados, sem outra indicao, porque eles so habitualmente de Diels, e podemser referidos s notas textuais de DK.

    Estamos naturalmente em dvida para com muitos amigos nossos pelas suassugestes e ajuda; e tambm, escusado seria diz-lo, para com os autores quenos precederam, como Zeller, Bumet, Cornford, Ross e Cherniss. Muitasdestas dvidas encontram-se registadas no texto. No respeitante a conselhose assistncia de ordem tipogrfica. somos devedores do pessoal da imprensa daCambridge University Press. H. Lloyd-Jones e I. R. D. Mathewson leram asprovas e fizeram-nos grande nmero de valiosas sugestes. Uma outra contri-buio relevante foi-nos dada por F. H. Sandbach, cujos numerosos comentrios.sagazes e eruditos, ao esboo final desta obra foram da maior valia, e a quem,como modesta oferta. ns gostaramos de dedicar este livro.

    G. S. K.J. E. R.

    CambridgeMaio de 1957

  • ABREVIATURAS

    Mencionam-se a seguir algumas abreviaturas; as demais devem ser porsi mesmas evidentes:

    ACPA

    AGPAJPANET

    CPCQDK

    EGP

    GGNHGP

    HSCPJHSJ. Phil.-KR

    LSJ

    H. Cherniss, Aristot/e's Criticism 01 P/ato and lhe Academy(Baltimore, 1944).Archiv lr Geschichte der Philosophie.American Journal 01 Philology.Ancient Near Eastern Texts relating to the Old Testament,ed. J. B. Pritchard (2.& ed., Princeton, 1955).C/assical Philology.Classical Quarterly.Die Fragmente der Vorsokratiker, 5.& a 7.& eds., de H. Diels,editados com aditamentos por W. Kranz. (As 6.& e 7.& ediesso reimpresses fotogrficas, 1951 - 2 e 1954, da 5.&, comNachtrge de Kranz).John Burnet, Early Greek Philosophy, 4.& ed., London, 1930(reimpresso, com correces, da 3.& ed., 1920).Nachrichten v. d. Gesellschaft zu Gttingen (Phil.-hist. Klasse).W. K. C. Guthrie, A History 01 Greek Philosophy, em 6 vols.(Cambridge, 1962-81).Harvard Studies in Classical Philology.Journal 01 Hellenic Studies.Journal 0/ Philology.G. S. Kirk and J. E. Raven, The Presocratic Philosophers(Cambridge, 1957).Liddell and Scott, A Greek-English Lexicon, 9.& ed., 1925-40,revista por H. Stuart Jones e R. McKenzie.

    PCPS Proceedings 01 the Cambridge Philological Society.Rh. M. - Rheinisches Museum.1; Esclio ou escoliasta.SB Ber.-SVFZPE

    Sitzungsberichte d. preussischen Akademie d. Wissenschaft,Stoicorum Veterum Fragmente, ed. H. von Arnim (Leipzig, 1903-5).Zeitschrift fr Papyrologie und Epigraphik:

  • NOTA INTRODUTRIA

    AS FONTES DA FILOSOFIA PR-SOCRTICA

    A. CITAES DIRECTAS

    Os fragmentos dos pensadores pr-socrticos que chegaram at nsconservam-se como citaes em autores antigos posteriores, desde Plato,no sculo quarto a.e., at Simplcio, no sculo sexto d.e., e ainda, emraros casos, em escritores bizantinos tardios, como Joo Tzetzes. A data dafonte em que ocorre a citao no , evidentemente, um guia seguroquanto sua exactido. Assim, Plato , como se sabe, negligente nascitaes que faz de todo o tipo de fontes; no raro mistura citao comparfrase, e a sua atitude para com os predecessores no frequentementeobjectiva, mas jocosa ou irnica. Por outro lado, o neoplatnico Simplcio,que viveu um bom milnio depois dos Pr-Socrticos, fez citaes longas emanifestamente exactas, em particular de Parmnides, Empdocles, Anax-goras e Digenes de Apolnia; no por uma questo de adorno literrio,mas porque nos seus comentrios Fsica e ao De cae/o de Aristteles consi-derou necessrio, para expor as opinies de Aristteles a respeito dos predeces-sores, transcrever as suas prprias palavras. Por vezes, Simplcio levou esteprocesso mais longe do que era necessrio, porque, conforme ele prpriodeclara, uma determinada obra antiga se tinha tomado bastante rara.

    Aristteles, como Plato, fez citaes directas relativamente escassase o seu principal merecimento reside nos resumos e crticas que faz dosprimeiros pensadores. Tirante Plato, Aristteles e Simplcio, podemosseleccionar, como dignas de meno especial, as seguintes fontes de excertosverbatim:

    (i) Plutarco, filsofo acadmico, historiador e ensasta do sculosegundo d.C., incluiu, nos seus extensos Ensaios Morais, centenas de citaes(muitas vezes por ele desenvolvidas, interpoladas ou parcialmente refundidas)dos pensadores pr-socrticos.

    (ii) Sexto Emprico, filsofo cptico e fsico dos finais do sculosegundo d.e., exps as teorias de Enesidemo, que viveu uns dois sculosantes e que, por sua vez, se baseou, em grande medida, em fontes helensticas.

  • IV

    Sexto cita numerosos passos antigos relativos ao conhecimento c fdcdigni-dade dos sentidos.

    (iii) Clemente de Alexandria, chefe erudito da escola catequtica,viveuna segunda metade do sculo segundo d.C. e nos primeiros anos doterceiro. Apesar de convertido ao cristianismo, Clemente manteve, rioentanto, o seu interesse pela literatura grega de todos os gneros e usou deum amplo saber e de uma singular memria para ilustrar as suas compara-es entre paganismo e cristianismo com frequentes citaes de poetas efilsofos gregos (mormente no seu Protrepticus e nos oito livros dosStromateis ou Miscelneas).

    (iv) Hiplito, telogo radicado em Roma no sculo terceiro d.C.,escreveu uma Refutao de todas as Heresias em nove livros, em que ata-cava as heresias crists, acusando-as de serem revivescncias da filosofiapag. A heresia noeciana, por exemplo, era, segundo ele, uma restauraoda teoria de Heraclito sobre a coincidncia dos contrrios - disputa queHiplito tentou fundamentar mediante a citao de no menos de dezasseteaforismos de Heraclito, muitos dos quais teriam ficado, de outro modo,desconhecidos.

    (v) Digenes Larcio compilou, provavelmente no sculo terceiro d.C,as Vidas de Filsofos Clebres em dez volumes, obra superficial mas impor-tante para o nosso ponto de vista. Nas notcias biogrficas e doxogrficas,derivadas sobretudo de fontes helensticas, incluiu ocasionais e breves citaes.

    (vi) Joo Estobeu, antologista do sculo quinto d.C, reuniu no seuAnthologium excertos de carcter educativo provenientes de todos os gnerosda literatura grega, mas com especial relevo para as mximas morais.Muitos fragmentos dos Pr-Socrticos (nomeadamente de Demcrito) forampor ele conservados, frequentemente numa forma um tanto adulterada.As principais fontes de Estobeu foram os manuais e compndios que proli-feraram no perodo alexandrino.

    Alm das principais fontes acima indicadas, ocorrem esporadicamentecitaes dos Pr-Socrticos em outros autores: no epicurista Filodemo; emesticos, como Marco Aurlio, e eclcticos, como Mximo de Tiro; em escri-tores cristos, alm de Clemente e Hiplito, por exemplo em Orgenes;ocasionalmente em cio (veja-se B, 4, b; as citaes directas em cio soraras); em autores tcnicos, como o mdico Galeno, o gegrafo Estraboe o antologista de alimentos e bebidas Ateneu; e, no menos importante, emescritores neoplatnicos, desde Numnio, Plotino, Porfrio e lmblico(os dois ltimos escreveram sobre Pitgoras) at Proclo e, evidentemente,o inestimvel Simplcio.

    Para concluir estas notas sobre as fontes de citaes directas, fora salientar que o autor de uma citao directa no precisava de ter visto a obraoriginal, porquanto eptomes, antologias e compndios de toda a espcie,

  • onh cldo de do IlfpiltN (p. 93, n. 2) luborudo em larga escala nos trssculo que se seguiram fundao do Alexandria, eram considerados comosucedneos adequados de grande nmero de originais em prosa, de naturezatcnica.

    B. TESTEMUNHOS

    (I) PLATO o mais" antigo comentador dos Pr-Socrticos- (sebem que j houvesse referncias ocasionais em Eurpides e Aristfanes).Os seus comentrios, contudo, so na maior parte apenas fortuitos e inspira-dos, como muitas das suas citaes, pela ironia ou por intenes ldicas. assim que as suas referncias a Heraclito, Parmnides e Empdocles sona maioria dos casos despreocupados obiter dieta, alm de parciais ou exage-rados', em vez de sbrios e objectivos juzos histricos. Desde que reconhe-amos este facto, Plato tem para ns grande valor como fonte de informao.Um passo do Fdon (96 e ss.) fornece uma til, ainda que breve, descriodas preocupaes do sculo quinto relativas natureza.

    (2) ARISTTELES prestou aos seus predecessores em filosofia umaateno mais sria do que Plato, e prefaciou alguns dos tratados com exa-mes metdicos das suas opinies, nomeadamente no livro A da Metafisica.

    Contudo, os seus juzos so frequentemente deformados pela viso quetinha da filosofia anterior, como um progresso vacilante em direco ver-dade que o prprio Aristteles revelava nas suas doutrinas sobre a natureza,particularmente nas relativas causalidade. certo que na sua obra htambm numerosas crticas sagazes e valiosas, e uma grande proviso deinformaes factuais.

    (3) TEOFRASTO meteu ombros redaco da histria da filosofiaanterior, desde Tales a Plato, como parte do seu contributo para a activi-dade enciclopdica organizada pelo seu mestre Aristteles - tal comoEudemo tomou a seu cargo a histria da teologia, da astronomia e damatemtica, e Mnon a da medicina. Segundo a lista das suas obras, ela-borada por Digenes Larcio, Teofrasto escreveu dezasseis (ou dezoito)livros de Opinies de Fsica (ou Opinies dos Fsicos; o genitivo grego rpVat~wv bowv); estes foram mais tarde condensados em dois volumes.Apenas o ltimo livro, Sobre as sensaes, subsiste na sua maior parte;porm, excertos importantes do primeiro livro, Sobre os princpios materiais,foram transcritos por Simplcio nos seus comentrios Fsica de Aristteles.(Alguns destes excertos foram colhidos por Simplcio nos comentrios, hojeperdidos, da autoria do importante comentador peripattico Alexandre deAfrodsias.) Neste primeiro livro, Teofrasto ocupava-se dos diferentes pen-sadores, numa ordem cronolgica aproximada, acrescentando-Ihes o nome

  • XVI

    da cidade, o patronmico e, uma que outra vez, a data ou as relaes mtuas.Nos demais livros, a ordem era cronolgica apenas dentro das principais divi-ses lgicas. Alm da histria geral, Teofrasto escreveu obras especiais sobreAnaxmenes, Empdocles, Anaxgoras, Arquelau e (em vrios volumesjsobreDemcrito. Infelizmente, todas elas se perderam; de supor que Teofrastono se tenha poupado a esforos para consultar as fontes originais sobre estespensadores. Contudo, a avaliar pelas provas de que dispomos, os seus juzos,at mesmo sobre eles, foram muito frequentemente hauridos directamenteem Aristteles, sem grandes esforos para exercer uma crtica nova e objectiva.

    (4) A TRADIO DOXOGRFICA. (a) Suas caractersticasgerais. A grandiosa obra de Teofrasto veio a ser para o mundo antigo aautoridade-padro sobre a filosofia pr-socrtica, e est na origem da maiorparte das coleces posteriores de opinies (c56;at, efmc01n:a ou p/acita).Estas coleces tomaram diferentes formas. (i) Em reprodues cercanasdo arranjo de Teofrasto, cada tpico principal era considerado numa seco parte, sendo os diferentes pensadores tratados sucessivamente dentro decada seco. Este foi o mtodo seguido por cio e pela sua fonte, osVetusta Placita (veja-se p. XVII). (ii) Os biodoxgrafos consideraram con-juntamente todas as opinies de cada filsofo, fazendo-as acompanhar depormenores da sua vida - fornecidos, em larga escala, pela imaginaofebril de bigrafos e historiadores helensticos, como Hermipo de Esmirna,Jernimo de Rodes e Neantes de Czico. O resultado encontra-se exemplifi-cado no emaranhado biogrfico de Digenes Larcio. (iii) Outro tipo deobra doxogrfica visvel nas Lltaboxal, ou relatos de sucesses de filsofos.O seu iniciador foi o peripattico Scion de Alexandria, que por volta de200 a.c. passou em revista os filsofos anteriores, ordenados por escolas.Os pensadores conhecidos eram relacionados uns com os outros numa linhadescendente de mestre a discpulo (neste ponto, Scion nada mais fez queampliar e formalizar um processo iniciado por Teofrasto; alm disso, a escolajnica era claramente distinguida da itlica. Muitos dos compndios doxo-grficos da patrstica (nomeadamente os de Eusbio, Ireneu, Arnbio, Teo-doreto - que, no obstante, tambm fez uso directo de cio ~ e S.to Agos-tinho) eram baseados nos breves relatos dos autores' de sucesses.(iv) O crongrafo Apolodoro de Alexandria comps, no meado do sculosegundo a.C., uma relao em verso das datas e opinies dos filsofos. Estaapoiava-se, sob determinados aspectos, na diviso em escolas e mestres, deScion, sob outros, na cronologia de Eratstenes, que judiciosamente atri-bura datas a artistas, filsofos e escritores, assim como a acontecimentospolticos. Apolodoro preencheu as lacunas deixadas por Eratstenes, segundoprincpios muito arbitrrios: sups que a acme de um filsofo, ou perodoculminante da sua actividade, ocorreria aos quarenta anos de idade, e fazia-acoincidir o mais aproximadamente possvel com IIIl1 nmero dctcrmiuado til"

  • XVJl

    pocas cronolgicas mais importantes, como, por exemplo, a tomada deSardes, em 546/5 a.C., ou a fundao de Trios, em 444/3. Alm disso, fezsempre um pretenso discpulo quarenta anos mais novo do que o seu supostomestre.

    (b) cio e os Vetusta Placita, Dois eptomes doxogrficos, muitosemelhantes entre si, foram independentemente derivados de um mesmo ori-ginal perdido - a coleco de Opinies elaborada por cio, um compiladorprovavelmente do sculo segundo d.e., cujo nome se conhece por uma refe-rncia em Teodoreto e que, no fora essa circunstncia, ser-nos-ia inteira-mente desconhecido. Os ditos compndios so o Epltome de Opinies deFsica, em cinco livros, que falsamente reivindica a autoria de Plutarco; e osExtractos de Fsica, que aparecem (na sua maior parte) no livro I do Antho-logium de Estobeu. (Da primeira destas obras, que teve uma ampla divulgao,provm algumas das informaes do Pseudogaleno, de Atengoras, Aquiles eCirilo.) Diels, nos seus monumentais Doxographi Graeci, disps estas duasfontes em colunas paralelas, como sendo os Placita de cio, o que constituia nossa mais extensa, se no sempre a mais exacta, autoridade doxogrfica.

    A obra de cio baseava-se no directamente na histria de Teofrasto,mas num resumo intermedirio, elaborado, provavelmente, na escola de Posi-dnio, no sculo primeiro a.C. Esta obra, hoje perdida, foi chamada porDiels Vetusta Placita. Nela se acrescentavam as opinies de Esticos, Epi-curistas e Peripatticos, s registadas por Teofrasto, e muito do que forahaurido em Teofrasto, foi submetido a uma reformulao estica. O prpriocio acrescentou opinies esticas e epicuristas suplementares, e bem assimumas quantas definies e comentrios introdutrios. Uma utilizao directados Vetusta Placita foi feita por Varro (no de die natali de Censorino), eencontra-se tambm em Ccero, na breve doxografia A cademica priora 11,37, 118.

    (c) Outras fontes doxogrficas importantes. (i) Hiplito. O primeirolivro da sua Refutao de todas as Heresias, o chamado Philosophoumenaoutrora atribudo a Orgenes, uma biodoxografia com informaes desgar-radas dos principais filsofos. As seces sobre Tales, Pitgoras, Empdocles,Heraclito, os Eleatas e os Atomistas provm de um resumo biogrfico banale tm pouca valia, ao contrrio do que acontece com as seces dedicadas aAnaximandro, Anaxmenes, Anaxgoras, Arquelau e Xenfanes, que deri-vam de uma fonte biogrfica mais completa e muito mais valiosa. Em muitospontos, os comentrios sobre o segundo grupo so mais circunstanciados, emenos imprecisos, que os correspondentes em cio. (ii) Os Stromateis doPscudoplutarco, Estas breves Miscelneas (que convm distinguir do",JJ(OIl/C, derivado de I~cio e igualmente atribudo a Plutarco) foram conser-vadas por 1(lIs{'hio;provm de uma fonte similar do segundo grupo, emIlIplllo_ I )ikn'lIl 110 fado Ik ~;t" COII('('lItrarl'1I1 sohrc () contedo dos pri-

  • XVIll

    meiros livros de Teofrasto, os que tratavam do princpio material, da cosmo-gonia e dos corpos celestes; e contm muito de verbosidade e de interpreta-es pretensiosas. Contudo, conservam uns quantos pormenores impor-tantes que no ocorrem em quaisquer outras obras. (iii) Digenes Larcio.Afora as minudncias biogrficas seleccionadas a partir de numerosas fontes,alguns dados cronolgicos teis, colhidos em Apolodoro, e deplorveisepigramas sados da pena do prprio Digenes, as opinies de cada pensadorso usualmente expostas em duas notas doxogrficas distintas: a primeira(a que Digenes chamou xecpaatWOr; ou exposio sumria) provm deuma fonte biogrfica sem valor, semelhante que foi utilizada por Hiplitono seu primeiro grupo, e a segunda (o i:rd.#eov ou exposio pormenori-zada) procede de um eptome mais completo e mais fidedigno, como o quefoi usado por Hiplito para o seu segundo grupo.

    (5) CONCLUSO. Importa recordar que muitos autores, que nodependiam da tradio teofrstica directa, consagraram, como sabido,obras especiais aos primeiros filsofos. Por exemplo, o acadmico do quartosculo a.c., Heraclides Pntico, escreveu quatro livros sobre Heraclito, eoutro tanto fez o estico Cleantes; ao passo que o discpulo de Aristteles,Aristxeno, escreveu biografias, em que se inclua uma de Pitgoras. Por issomesmo, convm fazer uma concesso possibilidade de aparecerem juzosisolados, no-teofrsticos, em fontes eclcticas tardias como Plutarco ouClemente; se bem que a maior parte desses juzos, que nos possvel reco-nhecer como tais, apresentem, no entanto, indcios de influncia aristotlica,ou estica, epicurista, ou cptica. Teofrasto continua a ser a principal fontede informao, e a sua obra -nos conhecida atravs dos doxgrafos, porintermdio de citaes feitas por Simplcio, e pelo que chegou at ns dode sensu. Por isto, evidente se torna que Teofrasto foi profundamente influen-ciado por AristtcJcs que, conforme dissemos, no teve em mira, comoTeofrasto devia ter tido, uma extrema objectividade histrica. Teofrastono foi mais bem sucedido do que de esperar, na compreenso dos mbilesde um perodo anterior ao seu e de um diferente mundo de pensamento;um outro defeito seu consistiu no facto de, uma vez isolado um modelo geralde explicao, particularmente para factos cosmolgicos, ele tender paraimp-lo, talvez de uma maneira demasiado arrojada, em casos em que careciade documentao completa, casos que, segundo parece, no foram infrequentes.Nestes termos, s nos dado ter plena confiana no nosso conhecimento deum pensador pr-socrtico, quando a interpretao aristotlica ou teofrstica,mesmo nos casos em que ela possa ser reconstituda com exactido, for confir-mada por excertos pertinentes e bem autenticados do filsofo em questo.

  • CAPTULO

    OS PRECURSORES DA COSMOGONIA FILOSFICA

    Neste longo captulo preliminar, examinam-se certas ideias que no soverdadeiramente filosficas; so, isso sim, no seu contexto, mais propria-mente mitolgicas do que racionalistas, mas podem, no obstante, ser conside-radas como significativos preldios das tentativas para explicar o mundo,tentativas essas que tiveram o seu incio com Tales.

    No interessa aqui, ao nosso propsito, a mitologia pura, mas antesconceitos que, apesar de expressos na linguagem do mito e por intermdiodas suas personagens, so o resultado de uma mais directa, emprica e no--simblica maneira de pensar. Estes modos quase-racionalistas de encarar omundo dizem respeito, na maioria dos casos, fase mais recuada da sua hist-ria, e comeam verdadeiramente com o seu nascimento ou criao, ao mesmotempo que coincidem com o esforo (realizado da forma mais notvel porHesodo na Teogonia) para sistematizar as mltiplas divindades da lenda,ao faz-Ias descender de um antepassado comum ou de um par de antepas-sados, nos comeos do mundo. Contudo, a investigao activa acerca daascendncia do mundo, quer ela fosse principalmente mtica, como em Hesodo,quer sobretudo racional, como nos filsofos milsios, deve ter sido continuadaapenas por uma minoria. A estrutura geral do mundo presente, mbitocomum de experincia, era de mais amplo interesse; e neste campo, pareceter sido largamente aceite uma perspectiva comum, simplista e extrovertida,se bem que parcialmente mtica. Ela surge, de tempos a tempos, em Hornero,e sumariamente descrita no 1. Nos 2 e 3 examinam-se dois conceitosa que os prprios Gregos atriburam mais tarde importncia cosmognica:os de Okeanos e de Nyx (Noite). Os 4, 5 e 6 ocupam-se de trsternas especiais, todos de carcter essencialmente no-filosfico, mas que tra-tam de aspectos cosmognicos: primeiro, as diversas ideias cosmognicasassociadas a Orfeu; seguidamente, a Teogonia de Hesodo; depois, os ntri-~'.alltcs pOli tos de vista de lcman e (numa extenso decerto um tanto des-proporcionada) de Fcrccidcs de Siros, Por ltimo, no 7 surge uma breven-Ilcxo xolire os passos que foram necessrios dar para quc se transitassepU1I1 nmu atitude Illl\is intcirtuucnlo rnciuuul

  • Em um ou outro ponto, faremos referncia mitologia comparativa deantigas culturas prximo-orientais, particularmente da babilnica, da egpciae da hitita. H profundas semelhanas entre algumas das histrias cosmog-nicas dos Gregos e os mitos teognicos das grandes civilizaes fluviais e suasvizinhas; estas semelhanas ajudam-nos a esclarecer alguns pormenores dasexplicaes dadas pelos Gregos at Tales, inclusive. As tradues dos prin-cipais textos no-gregos podem ser facilmente encontradas em Ancient NearEastern Texts relating to the Old Testament, obra editada por J. B. Pritchard(Princeton, 3.a ed., 1969), que ser referida por Pritchard, ANET. Trsresumos teis, todos na srie Pelican, so: o de H. Frankfort e outros autores,Before Philosophy (Harmondsworth, 1949), originalmente publicado comoThe lntellectual Adventure of Ancient Man (Chicago University Press, 1946);o de O. R. Gurney, The Hittites (Harmondsworth, ed. rev., 1961); e o deG. S. Kirk, The Nature of Greek Myths (Harmondsworth, 1974), capo XI.

    Pouco se dir neste captulo sobre o desenvolvimento do conceito da alma.A noo homrica da psyche ou alma-sopro vital como uma imagem insubs-tancial do corpo, a que d vida e ao qual sobrevive numa existncia miservele exangue no Hades, por demais familiar para carecer de descrio nestelugar. Obras como The Greeks and the lrrational (Berkeley, 1951), de E. R.Dodds, e o captulo V da Theology of the Early Greek Philosophers (Oxford,1947), de Jaeger, do-nos uma boa exposio da ideia popular, pr-filosfica,da alma. Pitgoras foi possivelmente o primeiro grego a encarar explicita-mente a alma como algo de moralmente importante, e Heraclito, o primeiro amostrar com clareza que o conhecimento da alma era relevante para o conhe-cimento da estrutura do cosmos. Contudo, a ideia de que a substncia da almaera aparentada com o aither, ou com a substncia dos astros, existia h jalgum tempo, segundo parece concluir-se de contextos poticos do sculoquinto a.c., como parte de um conjunto complexo de crenas populares, apar da distinta concepo homrica de uma alma-sopro vital. Estes ante-cedentes sero resumidos nos captulos sobre Tales, Anaxmenes e Heraclito.O principal objectivo dos mais antigos e deliberados esforos para explicaro mundo continuou a ser o da descrio do seu desenvolvimento a partir deum comeo simples e, por conseguinte, inteiramente compreensvel. Asquestes atinentes vida humana afiguravam-se como pertena de um tipodiferente de investigao - mais propriamente, da tradio potica, em queas hipteses herdadas do passado, apesar de por vezes inconsistentes, eramainda consideradas vlidas. Alm disso, o estado originrio do mundo e omtodo pelo qual se diversificou foram frequentemente concebidos antropomor-ficamente, em termos de um progenitor ou par de progenitores. Esta tentativade explicao genealgica persistiu mesmo depois do eventual abandono, porparte dos filsofos milsios, da estrutura mitolgica tradicional, discutida no 7.Parte da ori~~illalid:\(kde l lcr.u-lito ('ollsisliu lia rotul rcicio de lima 1111 atit ud

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    I. A VISO INGNUA DO MUNDO

    Uma concepo popular da natureza do mundo, de que possvel encon-trar vestgios, principalmente em referncias dispersas em Homero, apro-ximadamente como se segue: o cu um hemisfrio slido, como uma tigela(lI. XVII, 425 XAUSOV oveavv, cf. Pndaro Nem. 6, 3-4; oveavov EC;nOAvxauov na 11. V, 504, os. III, 2; alfJ'l]eeov oveavv na os. XV, 329e XVII, 565. A noo de solidez, assim como a de brilho, transmitida,provavelmente, por estes eptetos referentes a metais). o cu que cobrea terra circular e plana. A parte inferior do espao entre a terra e o cu,at s nuvens, inclusive, contm o ~e ou bruma: a parte mais elevada (porvezes tambm chamada oveavc; propriamente dito) o al{}~e, aither, o arsuperior, reluzente, que concebido, uma que outra vez, como gneo.Na li. XIV, 288, (EATI]) &' ~eoc; aWe' Zuavsv, O abeto, atravs do aer,chegava at ao aither. Por baixo da sua superfcie, a terra estende-se atuma grande profundidade, e tem as suas raizes no, ou por cima do, Trtaro:

    1 Homero Il. VIII, 13 (fala Zeus)

    f fltv r1w6hpw EC; TeiaeOV ~eeSViaife fl', lixl {JlhaiOv vn X{}ovc; 1xm f1/(!d}(!ov,sv{}a at01}eswt TE nval uai xueoc; ovoc;,iaaov f!vseIP ,Ac5sw rr/Ovov(!avc; f~(Ji' n ya'I](.

    2 Hesodo Teogonia 726 (TeiaeOV)iOV nel Xueov leuoc; EA~Aaial' Wpi / IU1! V1J!;ielaimXeL uxviat ns(![ Oel(!1]v'aVie vnse1'h:vyfe; tCal neqy6aat uai ievyrotO 1'}aaa'y/c;,

    1 Ou agarro nele e o precipito no brumoso Trtaro, bem longe, ondese encontra o abismo mais profundo no interior da terra; a esto osportes de ferro e o limiar de bronze, to abaixo do Hades, quanto ocu dista da terra.2 Ao seu [do Trtaro] redor corre uma muralha de bronze; e a todaa volta, a Noite em trplice fileira se derrama, em torno da garganta;c por cima esto as raizes da terra e do mar estril.

    o recinto do Trtaro , pois, de bronze (e, por conseguinte, firme,mabalvcl) como () cu: a simetria reflecte-se tambm na equidstncia entreo cu c a superfcie da terra, e a superfcie desta e os seus alicerces - dado queI lndcs 110 ltuno VITSO de I parece lima variante ilgica de um original"It'II:I". ('(1111(1 lia 1i'ogtllli" 'l.)() 11;/1''''''' /"II'/r '1\1/') 1'/1'; /m!'/' m"(lIl'II,k I~a'(' ttn())",['1'. ("Ilo "" 11Iil'/101 du 11"11:1. '111011110" l'I"lIlli~;liIdclu) l lnvin umu certa

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    impreciso no tocante relao entre o Hades, o rebo e o Trtaro, muitoembora o Trtaro fosse certamente a parte mais profunda do inframundo.A simetria entre o inframundo e o supramundo no era evidentemente com-pleta: a forma do Trtaro no era, normalmente, concebida como hemisf-rica, e a do cu surge frequentemente complicada pela ideia de que o MonteOlimpo a ele se une como morada dos deuses. Uma concepo diferente faziaa terra prolongar-se indefinidamente para baixo:

    3 Xenfanes fr. 28 (= 180)

    yar; flSV i60 nea vco naea noaci OeiUl-r}iel neoanCov, iO niw o' c; ant(!OV lxveito.

    (Cf. Estrabo I, p. 12 Cas.)

    3 Da terra este o limite superior que ns vemos aos nossos ps, emcontacto com o ar; mas a sua parte inferior continua indefinidamente.

    esta uma formulao posterior, mas ainda mais popular que intelectual.Em torno da orla do disco terrestre, segundo a viso simplista, corria o

    vasto rio Okeanos. Este conceito teve uma importncia considervel no pensa-mento pr-cientfico grego, e discutido na seco imediatamente a seguir.

    2. OKEANOS

    (i) Como rio que circunda a terra, e fonte de todas as guas

    4 Homero 11. XVIII, 607 (Hefesto)

    1' 08 ifJC/, noxauoio fliya aiivo ,.Qnwvoto(J.vivya nae nVflir;V oxeo; nvna nonrtoio,

    5 Herdoto IV, 8 iO'V Of\ '.Quwvov y(P fl8V yoval (se. "Er;V) ano~ov Vl1iOWl! a(}l;flVOV yfv n(}i naa gelV, i!eycp 08 ovn anoOtuvvm.(Cf. tambm ido n, 21; n, 23).

    6 Homero J!. XXI, 194 (Zeus)

    rip ovos ueetwv ' AXWW laorpaeCetov08 fJa{}veedrao fliya ovo; '.Qnwvoo,lI; ov ne nvre; nowflol ual rcoa {}a(Jaauai noo: uefvat na;' rpe(aw flaUea vovatv.

    4 Sobre ele coloca a grande fora do rio Okcanos, ao longo da cerca-dura extrema do escudo bem trabalhado.

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    5 [Os Gregos] sustentam com palavras que Okeanos, que tem a suaorigem nas regies onde o Sol se ergue, flui em redor de toda a terra,mas no fornecem desse facto uma demonstrao concludente.6 A ele nem mesmo se compara o nobre Aqueloo, nem a grande forade Okeanos de profunda corrente, do qual, evidentemente, dimanam todosos rios e todo o mar e todas as nascentes e poos profundos.

    Que Okeanos rodeia a superfcie circular da terra, ainda que os PoemasHomricos o no declarem explicitamente, o que nos sugerem os passos 4(onde o escudo feito para Aquiles obviamente considerado como sendoredondo) e 8, e alguns dos eptetos aplicados a Okeanos - especialmente:tp6eeoo, que corre para trs (o que provavelmente significa que refluisobre si mesmo), Passos h em Eurpides e em outros autores que mostram,do mesmo modo que em Herdoto (5), que aideia de um Okeanos circundantee circular era amplamente aceita; contudo, um emprego mais livre, como umvasto mar exterior, tinha j comeado a aparecer ocasionalmente em Homero,em especial na Odisseia. O trecho 4 descreve Okeanos como um rio, e estaera tambm uma opinio comummente aceita; frequentes so as refernciass correntes, eoal, de Okeanos. Assim sendo, era provavelmente composto degua doce; e 6 descreve-o como nascente de todas as guas, tanto doces comosalgadas, que esto compreendidas dentro da sua rbita, superfcie oudebaixo da terra. A noo de que a gua salgada simplesmente gua docede certo modo temperada pela terra foi geralmente defendida no perodocientfico.

    A ideia do rio que rodeia a terra difere dos demais elementos da visopopular do mundo no facto de se no basear to claramente na experincia.O cu parece hemisfrico e, para certos olhos, impenetrvel; por esse motivo chamado de bronze e considerado como sendo semelhante ao gelo ou slido,mesmo por Anaxmenes e Empdocles. A terra parece plana, e o horizonte, cir-cular. Contudo, a experincia no pode sugerir to facilmente que o horizontemais remoto seja delimitado por um rio de gua doce. possvel que algunsviajantes tivessem trazido notcias de vastos mares para l do Mediterrneo,mas esses mares seriam salgados. As fontes a borbulhar da terra podemsugerir rios subterrneos, mas esse facto no implica necessariamente a ideiade um rio circundante. Fora , pois, admitir a possibilidade de esta con-ccpo particular se ter originado nas grandes civilizaes fluviais do Egiptoc da Mcsopotmia, e de ter sido de algum modo introduzida na Grcia,onde recebeu uma forma helnica especfica. Havemos de ver (p. 89 e s.)que a idciu que Talos fazia da terra a flutuar na gua foi, por conse-qUl'lIcia, provavelmente importada; c as coincidncias de pormenor entre asVl"ISIlt-:,~yq'.as de (Trios mitos (~as verses hahiluicas ou. hititas provam queIOIIlTI't.;(k~; nao alll('ldlll\l'~;. quer da :Irl";\ q!.l'la, quer dl' centros culturais pr-

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    ximos de povos de lngua grega antes da sua entrada na Grcia, tinham jpenetrado no pensamento grego mesmo ao tempo de Hesodo, e provavel-mente muito antes. Estas coincidncias so discutidas de forma resumidaa pp. 38 e s. As referncias homricas isoladas a respeito de Okeanoscomo origem de todas as coisas aparecero tambm (p. 10 e s.) como alu-so provvel a ideias mitolgicas no-gregas. Nos relatos babilnicos e emalgumas verses egpcias, a terra era considerada como estando em vias desecar, ou a emergir, no meio das guas primevas 1. No de estranhar queuma tal ideia se tenha desenvolvido na Mesopotmia, onde a terra se formaracertamente a partir dos terrenos pantanosos existentes entre os dois rios;nem no Egipto, onde a terra frtil emergia todos os anos, mal as cheias doNilo baixavam. A terra que emerge de uma vastido ilimitada de gua pri-meva continuar a estar rodeada de gua. Este facto parece fornecer ummotivo plausvel, embora no seguro, para a formao do conceito grego deOkeanos. 2 Neste desenvolvimento popular do motivo da gua primeva, aterra considerada como solidamente enraizada, uma vez emersa, e a vasti-do ilimitada da gua (que parece ter sido sempre concebida com um limitesuperior, uma superfcie) reduzida a um rio, vasto mas no necessariamenteilimitado 3.

    1 Cf, a epopia babilnica da cnaao, que teve origem, provavelmente nosegundo milnio a.c.: tabuinha J, 1-6 (Pritchard, ANET, 60 e s.), Quando nasalturas o cu ainda no tinha recebido nome, Em baixo a terra firme ainda no tinhasido chamada pelo nome, Nada a no ser o primordial Apsu, que lhes deu o ser,(E) Mummu-Tiamat, aquela que a todos deu luz, Misturando-se as suas guascomo um s corpo; Nenhuma choupana fora coberta de colmo, nenhum pntanotinha surgido ... (Apsu e Tiamat eram os princpios masculino e feminino da guaprimeva. Por vezes, mas talvez no aqui, simbolizam o peixe e a gua salgada, res-pcctivamcnte). No quc respeita ao Egipto, cf, e.g. o texto do sc. xxrv a.C, prove-niente de Hclipolis, ANET, p. 3: 6 Atum-Kheprer, tu estavas no alto sobrea colina (primeva) ... (O outeiro primevo foi a primeira poro de terra a surgirdas guas ilimitadas; estava situado em centros de culto muito diversos, e simboli-zado pela pirmide). Veja-se ainda uma outra verso, procedente do Livro dos Mortos(na sua forma actual, da segunda metade do 11 milnio): Eu sou Atum, quandoestava sozinho em Nun; eu sou Re nas suas (primeiras) manifestaes, quandocomeou a governar aquilo que fizera. (Atum era o deus-criador adorado emHelipolis e equiparado ao deus-sol Re, Nun a vastido primeva das guas).

    2 Originalmente,' Q"eav6 era. talvez um termo descritivo, no-pessoal, pre-sumivelmente aparentado com o hitita uginna, que significa anel, ou com osnscrito a-yna-h, que quer dizer aquilo que rodeia. O seu desenvolvimentoem figura mitolgica, como ocorre por vezes em Homero e em Hesodo, deve tersido relativamente tardio. Veja-se tambm M. L. West, Hesiod, Theogony (Oxford,1966), p. 201.

    3 Okeanos tem uma margem mais distante II\l episdio (provavelmentetardio) dos Infernos 11

  • 7

    o rio circundante estava implcito no mito do Sol, que, depois de atra-vessar o cu com os cavalos e o carro, voga numa taa de ouro em redor dacorrente de Okeanos e, deste modo, chega de regresso ao oriente precisamenteantes do raiar do dia:

    7 Mimnermo fr. 10 Diehl

    j

    'Hlso f-lEV ye n6vov euxev if-lura mvui,ovO uor f-lnuVal ylyvera& ovrjef-lu

    Znnolav xe UUl avup, enel o~oOurvo 'HOJ,!2xwvv neol:nova' oveuvv elauvuf3f'

    rv f-lEV ye ~l uVf-lu

  • slfU ya(! O'tfJOfl61J'fjnOvrp6(!fJov nseara yarj,

    'Queu1J61J te {hilw y1JBO'ljJ xai Wjr6ea Tr;{}v1J ...

    8

    banham-se no Okeanos (e.g. 11. v, 6; XVIII, 489); dificilmente podem todas elas terbarcos, e seria possvel conceber a ideia de irem atravs de Okeanos e passarem porbaixo da terra, embora tais pormenores no caream de ter sido visualizados.

    (ii) Okeanos como fonte ou origem de todas as coisas

    Homero Il. XIV, 200 (repetido em XIV, 301. Fala Hera)

    9 Homero 1/. XIV, 244 (Fala Hipnos)

    ii01J fl1J ue'l! l/yWy8 {h(Tw alstye1Jer))!Bia U(livv~O'mflt, uai 111Joiorauoio {}eu'QU8111JOV, li n8(! y61JBm n1'iO'(Jt rvuracZr;1J 15' OVU 111Ji:1ywys Keo1Jo1Jo dO'O'ov luoflfJl'(1)(5l Kl1iV1J'~(J(u!l, (fiE fli) I1vr6 )' s Kr:toVOI..

    8 Pois eu vou ver os limites da terra fecunda e Okeanos, progenitordos deuses, e Ttis, sua me ...9 A um outro dos deuses sempiternos eu adormec-I o-ia facilmente,mesmo que das correntes do rio Okeanos, que tudo gerou, se tratasse;mas de Zeus,filho de Cronos, eu no ousaria aproximar-me, nem ador-mec-lo, a menos que ele mesmo mo ordenasse.

    Na seco anterior, apresentmos um esboo da verso usual de Okeanosem Hornero. Nos dois ltimos trechos, a descrio de Okeanos como origemdos deuses (8) e de todas as coisas (9) nica e inesperada, alm de ultrapas-sar em muito o que estava implcito em 6. De notar , que, afora o episdioparticular em que ocorrem estes dois passos, a /lt (bnj ou Zeus enganadopor Hera (11. XIV, 153-360, e XV, init.), quase nada h em Hornero quepossa ser razoavelmente interpretado como especificamente cosmognico oucosmolgico, isto , que ultrapasse a admitida linha-limite do que foi deno-minado viso popular do mundo. Mesmo deste episdio no h muito aextrair 1. Efectivamente, desde que se admita uma ligeira singularidade deexpresso, pouco h nele que no possa ser explicado sem o recurso a inter-pretaes cosmolgicas. Essa mesma concluso pode aplicar-se a Okeanos:8 e 9 no necessitam de ter uma implicao maior que a de que o rio Okeanos a fonte de toda a gua doce (como em 6); a gua necessria vida, conse-quentemente, a vida deve ter-se originado, directa ou indirectamente, a partirde Okcanos, Tal facto no explicaria a sua paternidade em relao aos deusesem H, mas que podia Sl'I' lima ampli:H::'!O pOI'lil'a, 11 que acarretaria t.uubm

  • Ij

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    a restrio da aplicao de nvxeooi, em 9, aos seres vivos e vida das plantas.Contudo, poder-se-ia pressupor uma vez mais a mesma espcie de liberdadepotica. Fora admitir, no entanto, que as referncias, se assim as interpre-tarmos, seriam despropositadamente abreviadas e produziriam um efeito umtanto bizarro.

    1 Nomeadamente, 14 (a NOite); 11. xv, 189-93 (a diviso do mundo entreZeus, Posdon e Hades); 11. XIV, 203 e S., 274 (= XV, 225), 279 (nicas refernciashomricas a Cronos, aos Tits e ao Trtaro, se exceptuarmos dois importantes passosno canto VIII, 11. VIII, 13 e S8., e 478 e ss.); li. XIV, 271; XV, 37 e 8. (duas das quatroreferncias em Homero Estige como juramento dos deuses). Os dois ltimos casospodiam ser considerados como interpolaes com afinidades hesidicas, emborano procedam de nenhum dos poemas de Hesodo que conhecemos.

    Para Plato e Aristteles, pelo menos, os trechos 8 e 9 apresentaram-secertamente com alguma relevncia cosmolgica.

    10 Plato Teeteto 152 E ... "Ouqo, ctnwv '.Qxwvv xe {}ewvy13vww xai ft'Y)dea T'Y)1'}VVacvr et(2'Y)X8VEXyOVU (}of n: xat Xt'V'lja8OJ.(Cf. tambm 12).

    11 Aristteles Met. A 3, 983 b 27 (continuao de 85) eiat TtVS 01, xai.-rov naftnau{ov xai nov ne -rf vvv yevoeo; X(tl nenov {}sooy~auv-m oo-rOJ olovxa: (se. wan8e @uf) n8ei ,f cpvaf,(J)vnoufJe1/' ' .Qxwvvn: ye xai T'Y)&vv sno'Y)auv -rf y8v13asw nadeac; xui -rv lexov -rwv &8WV150OJe,-r~v xaovftv'Y)v vn' uv-rwv E-rvyu -rwv not'Y)-rwv' -ccpubxoxov ftSV yenl newfJv-ru-rov, oexo Os , TtftuJnu-rv a-av, (Cf. tambm 15).

    10 ... Homero, que, ao dizer Okeanos, progenitor dos deuses, e ame Ttis, declarou que todas as coisas tm origem no fluxo e no movi-mento.11 H quem suponha que os mais antigos e, por certo, primeiros te-logos, muito anteriores presente gerao, formularam a mesma hip-tese (se. que Tales), pois fizeram de Okeanos e de Ttis, progenitores doque nasce, e do juramento dos deuses, a gua - a que os prprios poetaschamaram Estige: que o que mais antigo o que merece maiorvene-rao, e o que mais venervel empregado como juramento.

    f~evidente que Plato, em 10 e em outros passos da sua obra, no falainteiramente a srio ao considerar Homero como precursor da ideia de fluxo,concepo atribuda a Hcraclito ; por isso no podemos ter a certeza do exactovalor pot de coulcrido ao passo homrico sobre Okeanos, Aristteles, comot' (',hvill, levou () :I srio t' a :lnliJ.!:\lidade I'()stl~rior. confiada 11:1sua autoridade,

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    aceitou Okeanos e Ttis como representativos de uma teoria cosmognicaprimitiva, visto Eudemo ter citado o mesmo passo (evidentemente na esteirade Aristteles em 11) na sua histria peripattica da teologia 1.

    1 Segundo sabemos pela discrepncia do escritor neoplatnico Damscio naltima frase de 16. Cf. Pilodemo em 17 e Atengoras 18, p. 20 Schwartz (DK 1 B 13);Plutarco de Is. et Osir. 34, 364 D, vai ao ponto de admitir que Homero, bem comoTales, deve ter recebido a ideia do Egipto,

    Tem-se admitido com frequncia que h uma outra e mais antiga cate-goria de testemunhos referentes importncia cosmognica de Okeanos,nomeadamente a poesia rfica primitiva:

    12 Plato Crtilo 402 B .. , /van8(! av "Ofl'Yj(!O'.Queavl' re fhwv yvwVl>qJYJalvuai fl'Yjd(!a T'Yj~%v' oluac i uai

  • 1i

    mas no seu tempo que tem incio a reproduo regular, por meios bissexuais,de figuras inteiramente individualizadas (em oposio aos componentes domundo, como o Trtaro ou o Ponto). O trecho 13, cuja expresso progniedos deuses mostra que Plato est a descrever uma ideia rfica, indica que,segundo essa viso, Okeanos e Ttis foram os pais dos Tits (entre os quaisse inclui o par Cronos e Reia, teogonicamente fundamental) e no seus coevos,como na Teogonia. esta, provavelmente, uma outra razo para o n(!WOnos versos rficos de 12: Okeanos e Ttis constituem o primeiro par comple-tamente antropomorfizado, anterior sequer a Cronos e Reia. Hesodo atri-bura menos importncia a Okeanos do que seria razovel esperar, em vista,sobretudo, dos bem conhecidos passos homricos 8 e 9; por isso, provvelque as verses rfcas tenham corrigido a verso hesidica at ao ponto desituarem Okeanos e Ttis uma gerao antes dos Tits.

    No h provas que demonstrem a existncia na Grcia, numa datarelativamente recuada, de uma doutrina sistemtica referente prioridadecosmognica de Okeanos. Hesodo no fornece indicao alguma dela, e asconjecturas posteriores baseiam-se, segundo parece, em dois passos hom-ricos excepcionais, que nos foram legados como nica prova directa de qual-quer teoria cosmognica do gnero. possvel que esses passos no preten-dessem significar mais do que a essencialidade da gua para a vida, muitoembora um tal conceito fosse bastante de estranhar. Vimos j, na seco (i),que a ideia de um rio Okeanos circundante pode bem ter sido adaptada decrenas egpcias ou babilnicas. Dessas crenas fazia tambm parte a ideiade que o mundo se originou a partir da gua primeva (veja-se n. 1 na p. 6);os passos homricos isolados podiam, por conseguinte, ser uma referncia aesta suposio bsica, originria do Prximo-Oriente. O conceito do riocircundante tinha sido, evidentemente, assimilada pelos Gregos numa datamuito mais antiga.

    3. A NOITE

    (i) Em Homero

    14 Homero fi. XIV, 258 (fala Hipnos)

    I , ,." .,., '{}' " fJ 1 I... sau. xe I' aU11:0Yan tu. S(!O ep as nOYqJI:l !.l~ Nv~ bp~1:8t(!a {}ewy aiuooe xat yb(!wy'TI/V 'ix6p'YJYf[JsvyO)jl, be navaao xw6psy6 ns(!'aCI:TO ye !l~ Nvxrt {}of no{}vpta lJebm.

    (se. Zsv)

    14 .,' IZeusl ter-me-ia lanado do aithcr ao 111:\1,para longe da vista,',(' ;\ Nor-, !Iolllllmlora dw; dl'uses e dos hOIlll'II'I. 111\'111\0 tivesse salvo:

  • ]2

    para ela vim a fugir, e Zeus deteve-se, apesar de encolerizado; poisreceava fazer alguma coisa que desagradasse Noite veloz.

    este o nico passo dos Poemas Homricos em que a Noite surge com-pletamente personificada. Uma vez mais, tal como nos dois passos especiaisrespeitantes a Okeanos, tambm este ocorre no episdio do Engano de Zeus;e uma vez mais h uma invulgar implicao de poder ou prioridade especiaisentre os deuses. O respeito de Zeus para com a Noite, neste ponto, certa-mente estranho e sem paralelo algum em Homero e em Hesodo. Em facede interpretaes posteriores, tal facto podia sugerir que o poeta deste episdioconhecia alguma histria referente a Nyx como figura cosmognica. Noobstante, a referncia isolada, e possvel que no seja mais do que umdesenvolvimento potico da ideia implcita na frase Nv~ (jfl,~Utea Oewv,a Noite, dominadora dos deuses: at os deuses so vencidos pelo sono,por isso mesmo, o a bem dizer todo-poderoso Zeus hesita em ofender a Noite,me do sono, com receio de que ela o possa subjugar nalguma ocasio menosoportuna.

    (ii) Um conceito cosmognico arcaico segundo Aristteles

    15 Aristteles Met. N4, 109] b 4 ... ol (je not'fjw/' ol exaot wvrn ofl,omr;,fi {Jamevftv uat aexetV (paa;v (H) rov nednovr; olov Nvuw ual Oveavov 1]Xo i) '.Queavv, rov Ala. (Cf. Met. A6, 1071 b 27 ol Ihoyol 01f!U Nvuroc, yI'1I1JWVUr;:e ainda ibid. 1072 a 8.)

    15 ... Semelhantemente, os antigos poetas, quando dizem que no soas primeiras figuras (como por exemplo a Noite e rano ou o Caosou Okeanos) que governam e reinam, mas Zeus (Cf .... os telogos queos fazem nascer da Noite.)

    Aristteles, pois, admitia que tinha havido poetas e telogos que colo-cavam a Noite em primeiro lugar, ou que faziam dela a me dos deuses. bem possvel que ele tivesse tido em mente o passo hornrico, 14; mas estepor si s dificilmente poderia ter dado motivo a que ele tivesse includo a Noite,e parece provvel que no seu pensamento estivessem em parte os versos rficos(sobre eles veja-se 3U, (2) e pp. 27 e ss.) e tambm as cosmogonias ps-hesi-dicas, compiladas sobretudo nos sculos sexto e quinto, e que sero descritasem (iii). Nelas, a Noite, que foi criada numa fase muito antiga (emborasem ser a primeira), segundo a verso cosmognica de Hesodo (31), e quefoi associada a Gaia, a Okeanos e a rano, em outras referncias mais ocasio-nais da Teogonia (20 e 106 e s.), elevada primeira de todas as rases, ousozinha 011 juntamente com outras entidades, () Ar ou o Trtaro, (.: natural

  • 13

    que tanto o Dia como a Noite nascessem logo aps a separao do Cu eda Terra, para ocuparem o espao originado entre ambos.

    (iii) A Noite nas cosmogonias atribudas a Orfeu, Museu e Epimnides

    16 Damscio de principiis 124 (DK 1 B 12) fJ 08 nae -eip IIsetna-e'Y)n~ipEvorl!1(-P :vaysYeall,fJ,v'Y) w -eov 'OeqJiw ovaa {hooy{a nv -eo vonvveaunrJGsv ... no 08 -ef Nv~-eo enotfJaa-eo rfJv exfJv, qJ' iJ ~al "Opmo,si xoi fl,~ avvsxf xexobrto: -e~v ysvwoytav, Za-e'i]aw ov ye nooeudovEMrljfl,ov iyov-eo on no '!Juwvov ual T'i]{}vo exSal ...

    17 Filodemo de pietate 47 a (DK 3 B 5) EV 08 -eOt ele; ,Enlfl,Sv{orjv(' ''') 't ' A1 ' N ' " - crse. avaqJseOfl,S1'Ol eneow S

  • 14

    poesia rfica, cf. 30, (2)), que faziam da Noite (associada ao Aer ou aoTrtaro, ambos com a ideia implcita de escurido) a origem do mundo.Contudo, se exceptuarmos 'A1j(! em Epimnides 2, todas as demais figurascsmicas implicadas podem ser encontradas na cosmogonia hesidica pro-priamente dita (31); e at mesmo 'A1j(!, com a ideia de bruma e escuri-do, mais do que a de matria transparente a que chamamos Ar, umelemento da descrio hesidica, embora no atinja o grau de personi-ficao- assim, na segunda fase da gerao; antes da Noite vem o brumosoTrtaro, T(!ta(! T' i;e(!e'J!ia (veja-se, contudo, p. 30, n. 1). Quando, pelareferncia de Damscio a Epimnides em 27, vemos que a Noite e o 'A1j(!geram o Trtaro, surge-nos a impresso de que esses autores se moviamestritamente dentro dos limites da formulao hesidica - pelo menos at produo de um novo (pp. 21-24). Outro tanto acontece com Museu 3 eAcusilau 4, segundo o passo 18.

    1 A importncia da Noite para os rficos confirmada pelo papiro Derveni (30).Muito mais tarde, as Rapsdias rficas (veja-se p. 30, n. 1) descreveram-na comouma figura de grande importncia, quase igual a Fanes-Protgono e sua sucessora:19 Proclo no comentrio a Plato Crtilo 396 B (Kern fr. 101) (WV1]) axij:nT(!o'V(j' a(!t&lxcTO'V elo X(!Wat'V / {}f/xl; {}e NVXT6, fJaat'YJ{(ja Ttll:I}'V. ([ Fanes)colocou o seu famoso ceptro nas mos da deusa Noite, para que ela tivesse a prerrogativade reinar.)

    2 A cosmogonia e tcogonia em hexmetros atribuda a Epimnides no eraprovavelmente obra sua (como Filodemo evidentemente suspeitou), mas, mesmoassim, possvel que se tivesse originado no sculo sexto a.C. Tambm Damscioafirmou que Aer e a Noite eram os primeiros princpios para Epimnides, e deuEudemo como fonte desta afirmao (27). Por conseguinte, Filodemo, que tam-bm deve ter confiado na histria-padro de Eudemo sobre a teologia, fornece,em 17, uma confirmao mais antiga da fidedignidade de Damscio.

    3 O nome de Museu, discpulo mtico de Orfeu e autor epnimo da literaturaoracular, teve tendncia para se ligar a toda e qualquer espcie de versos relativosao Alm - incluindo, evidentemente, um poema teognico como o atribudo aEpimnides. Os finais do sculo sexto a.C. so um plausvel terminus ante quempara tal poema e atribuio: compare-se com o caso de Onomcrito, que, segundoHerdoto VII, 6 (DK 2 B 20 a), foi banido de Atenas por Hiparco, quando, por lheter sido confiada a tarefa de coleccionar e ordenar os orculos de Museu, se descobriuque entre eles havia includo um esprio.

    4 Acusilau de Argos (finais do sculo sexto ou inicio do quinto a.C.) foi umgenealogista que muito provavelmente elaborou uma relao sumria, e evidente-mente no-original, dos primeiros antepassados, se bem que parte do material, quelhe fora atribudo, tenha sido posteriormente considerado suspeito. Segundo Damscio(DK 9 B 1), Acusilau reordenou parcialmente as figuras hesidicas posteriores aoCaos. Contudo, um autor que pouco ou nada interessa para a histria do pensa-mento pr-socrtico, e mal faz juz ao espao que lhe concedido em DK.

    Possvel inserir neste ponto uma nova observao. Depois do episdio.1/1 derrota dos Tits na Tcogoni, vem umn sl~ril' de passos (7-'1 KI'n. ul)1.lIl1s

  • 15

    dos quais, pelo menos, so aditamentos ao texto original; trata-se de cur-tas variantes de descries aparentemente destinadas a melhorar as refern-cias ao inframundo. Se este o caso, elas pertencem, quando muito, ltimaparte do sculo stimo, se bem que os comeos do sculo sexto se nos afiguremum perodo mais provvel para a sua composio. Assim, em 2, que indubitavelmente de Hesodo, a Noite cinge a garganta do Trtaro, e porcima esto as raizes da terra -' em si mesma provavelmente uma concepogenuinamente primitiva. Mas em 34 (q.v., com discusso a pp, 35 e ss.), estaconcepo mais desenvolvida, e as origens e limites de todas as coisasencontram-se localizadas na vastido do ventoso abismo, que , provavel-mente, uma expecificao tardia do Caos do verso 116 (31); as moradas danoite escura esto, segundo se diz, neste xafla ou volta dele. fcil dever que esta linha de pensamento podia conduzir elevao da Noite pararepresentante do estado original e incipiente das coisas. Na verso cosmo-gnica original (31), a Noite surge numa fase inicial e importante; a tendnciapara dar uma nova ordem s figuras hesidicas data j, como antes se disse,do sculo sexto (provavelmente); Hornero forneceu um elemento de obscuroestmulo para uma ulterior elevao da Noite; e as reelaboraes adicionaisdo quadro hesidico do inframundo propenderam para uma reintcrpretaodo Trtaro e da Noite como formas locais de um Xoc; gerador. Os novostestemunhos rficos (p. 26 e s.) apiam, de algum modo, a opinio emitidapor Aristteles em 15, mas mesmo assim, no nos parece haver, at aomomento, um indcio suficiente de que a ideia de uma prioridade absolutada Noite tenha ocorrido bastante cedo, ou numa forma suficientemente inde-pendente, para ter exercido uma grande influncia no pensamento cosmo-l~nico quase-cientfico.

    4. COSMOGONIAS 6RFICAS

    Algumas variaes na cosmogonia foram atribudas aos'O(!(p~uoi,,,( Jrficos. Estes tm sido descritos como indivduos que, reunindo, por um1:1110, elementos procedentes do culto de ApoIo Km?(!aw, o purificador,,. dis crenas trcias sobre a reencarnao, por outro, pensavam que a alma('"di:, sobreviver, se se mantivesse pura, e, para ilustrar esta teoria, elabora-1.1111 urna mitologia parcialmente individual, com Dioniso por figura domi-u.rutc-. () trcio Orfcu, com a sua pureza sexual, os seus dotes musicais e o'.nl d011l de profecia aps a morte, representava a combinao dos dois ele-1111"11111:;; tai:; crenas rficas foram rcgistadas em narrativas sagradas, osIr (111; ,ir;)'()1 (lra, esta designao seria certamente vlida, digamos, para o""',"1" kln'lI11 a ('. IlIa:; 1',r:IIHk tem sidll a controvrsia quanto :\.dctcrrninu-:

  • 1 bem possvel que o Tempo, Xevo;, como figura cosmog6nica primria,derive da hip6stase iraniana Zvran Akarana (tempo infindvel). Mas este conceitoiraniano encontra o seu mais antigo testemunho numa referncia grega dos finais dosculo quarto a.c., feita por Eudemo, segundo uma referncia de Damscio, e noh razo para pensar que tivesse sido formulado j no perodo grego arcaico. NoTimeu de Plato, o Tempo um conceito cosmog6nico elaborado; foi, alm disso,personificado, provavelmente como etimologia de Cronos, por Ferecides de Siros,no sculo sexto, embora no com um significado abstracto profundo (veja-se n. 1na p. 23 e n. 1 na p. 53). A sua provenincia oriental, nas verses ricas, indicadapela forma concreta que apresenta: uma scrpcnt alada l' policlula. Tais rnonstro-,multipartidos, dislintos de r'llllasias mai-. sillll'l,"; ('OIllO os ('('111;1(11'0';, 1

  • 17

    rsticas orientais, principalmente de origem semtica, e comeam a surgir na artegrega por volta de 700 a.C. Foram, decerto, extremamente populares como elementodecorativo durante o sculo stimo e primeiro quartel do sexto. (Tambm a arteminica tinha tido j os seus monstros, sobretudo divindades com cabea de coe outras criaes teriomrficas relativamente simples.) Que, nas suas representaesgregas, a configurao do Tempo como serpente alada muito posterior ao perodoorientalizante da arte, o que sugere principalmente a identificao de uma abstrac-o com tal forma. Este facto manifesta uma certa relao com formas orientaisde pensamento (em particular, assrias e babilnicas) bastante complexas - algo demuito diferente do mero emprstimo de um motivo pictrico, ou at da assimilaode uma forma mtica inteiramente concreta. Semelhantes extravagncias de imagina-o encontraram pouca ressonncia na mentalidade grega anterior ao perodo hele-nstico.

    VERSES NEOPLATNICAS DE COSMOGONIAS RFICAS

    Os Neoplatnicos tardios (sculos quarto a sexto d.C.), e em particularDamscio, com as suas longas e esquemticas alegorizaes de narrativasmitolgicas anteriores, so a fonte mais copiosa das verses rficas respeitantes formao do mundo. Estes escritores so mais fidedignos do que parece primeira vista, j que uma grande parte das suas informaes foram hauridasem compndios da vultosa histria peripattica da teologia, composta porEudemo. Num que outro caso, possvel trazer colao fragmentos depoesia rfica tardia para confirmar pormenores das descries neoplatnicas,fastidiosamente difusas - e que, por isso mesmo, esquematizamos maisadiante, em (ii) e (iii) - e expressas na terminologia peculiar dessa escola.Subsistem quatro verses de uma cosmogonia especificamente designada derfica.

    (i) Derivao a partir da Noite

    Damscio, no excerto 16 (q.v.), declarava que, segundo Eudemo, a teo-logia atribuda a Orfeu ... fez, da Noite, a origem das coisas. De acordocom as Rapsdias 1, a Noite era filha de Fanes (veja-se n. 1 na p. 14 e n. 311:1 p. 19), e este descendente de Chronos *. Foram-lhe concedidos por Fanespoderes profticos, sucedeu-lhe como governante e parece que, de umamaneira ou de outra, deu luz, pela segunda vez, Gaia e rano 2. O carc-ler secundrio e repetitivo desta produo do cu e da terra, e a evidenteIlIteIH;i10 de converter Fanes em criador definitivo do mundo, sugerem que a

    ncvido a ser imposslvcl distinguir, I/a ortografia portuguesa vigente, o X do K do,"1,1/','((/ /:""):(/. )','11/'1-1111,\' forados a adoptllr rsta ):roli" para distinguir Xl'(, [ Chronosi.. l cmpo dr h,.t~"ol... H( 'tonos: vf., Jl ('1\.1 11, I tia p. LL N.T.

  • 18

    prioridade cosmognica da Noite (distinta da sua posio incontestvel comofigura veneranda entre os deuses) neste caso principalmente o resultado docarcter derivativo e sincrtico da teogonia rfica.

    I As chamadas Rapsdias rficas ([eOL yOl (jmpcpom Uo segundo aSuda s.v. 'OerpU), de que subsistem muitos fragmentos (Kern, frr. 59-235), prin-cipalmente por intermdio de citaes em obras neoplatnicas, so uma compilaotardia de hexmetros, cuja data de composio varivel. A maior parte deles ps-helenstica e muitos so ainda mais tardios. Contudo, o papiro Derveni (30)demonstra que alguns procedem do sculo quinto ou at mesmo do sexto a.c.No obstante, nenhum outro autor, antes do pleno perodo cristo, parece ter ouvidofalar da maior parte deles, e parece altamente provvel que a sua elaborao numaflada rfica no tenha sido empreendida antes dos sculos terceiro ou quarto d.C. certo que crenas genuinamente arcaicas podem bem ter sido incrustadas emalguns desses versos, compilados, que foram, tardiamente.

    2 20 Raps. rf. fr. 109 Kern (proveniente de Hrmias) (Nu!;) ij os nwTai re UrLLOV(}rLvrJv CV(}VV 8nU7:e / s!;v " l!; rpavJv rpaV(}OV Ot,' dai Y'PD'YJ'P.(E ela [a Noite] de novo dava luz Gaia e o vasto rano, e de invisveis os tornouvisveis, e revelou quem eles eram por nascimento). Mas Fanes j tinha criado oOlimpo, o Sol, a Lua e a Terra (frr. 89, 96,91-3, 94 Kern, provenientes das Raps-dias), e pressupostamente tambm o cu.

    (ii) A teologia rtica usual nas Rapsdias

    2l Damscio de principiis 123 (DK 1 B 12) EV flE-V toivuv xoi cpeeojui-vat ra~h;w'PmJ)(plrn 'Oe

  • 19

    Cf. 22 Raps. rf. fr. 66 Kern (proveniente de Proclo) Ala fkiv XevoaTOaY1eao dqn'}tTfk'l)Tt/ yelvaro, uai fkiya xafka JT:eJ..W(!WV i!v{}a uai i!v{}a. (EsteChronos, que no envelhece e cujos desgnios so imperecveis, criou o Aither, e um enormee prodigioso abismo aqui e alm.) Siriano (fr. 107 Kern) apresentou tambm o Aibtere o Caos como segunda fase, mas depois de o nico e bom como primeira.O fkiya xafka provm directamente de Hesodo Teogonia 740 (34).

    2 Cf. 23 Raps. rf. fr. 70 Kern (proveniente de Damscio) E:netTa o' Euvl;Efkiya Xovo ai{}iet cp / w6v deyvqnov [sic], (Seguidamente, o poderoso Chronosfez no divino aither um ovo de prata). Sobre o ovo, vd. infra, pp. 21-24.

    3 Fanes, relacionado pelos rficos com rpaiv eiv, etc., um desenvolvimentoexclusivamente rfico, relativamente tardio, do Eros cosmognico de Hesodo (31);talvez, tambm, do phallus engolido por Zeus, segundo 30, (6) e (7). Alado, herrna-frodito e autgamo, brilhante e etreo, ele d luz as primeiras geraes de deusese o criador supremo do cosmos.

    (iii) A verso de Jernimo e Helnico

    24 Damscio de principiis 123 bis (DK 1 B 13) 1} Os uai -cOv 'lsewvvf1,D11'fie(!op,V1] xol 'E),),vtuov (se. 'OeCf!turj {}eooy(a),l e'LnBe p,r, xal aVi JU,OViW eXet' vowe ljv, Cf!1)a{v,81; exi ual v1), il~ fj ilnY1) 1} yi ... Veja-se DKpara uma descrio completa; a seguir damos apenas um resumo:

    Owe ) r AlihjeXevo Y/~e(1o. --+, Xoc

    i1) --.. yi (uma serpente alada, policfala, 1 "Eee/10,bissexuada; tambm chamadaHracles, e acompanhada pela'Avyu1) e por 'Aoea8w)

    2 ->- (!)V ->- /}e aw-uaxo (com

    asas e cabeasanimalescas)

    24 A Teologia rfica, que se diz ser conforme verso de Jernimoe Helnico (se que no so uma mesma pessoa), como se segue: a gua,afirma ele, existiu desde o princpio e bem assim a matria, da qual, porconsolidao, se formou a terra ...

    . 1Chronos que no envelhece/ ( Aither 1Agua Hracles -+ Caos

    Matria . ->- Terra (com a Necessidade rebo Ie Adrasteia)

    --->- Ovo -+ um deusincorp-reo

    No possvel identificar eom segurana estes dois autores. evidenteque I);un;scio suspeitou poder tratar-se de lima mesma pessoa, mas mais provvel,por C,(l"lllplo,que IIIll tenha sido o cpitouuulor do outro. Jcrnimo talvez seja o autortia,; alllil~,lid;ldc\ lcuicius, 111C1I,'iollad"",'111.Io:;{ AI/I. I, ')4; um smbolo alado de1:1("0110" "1';tttTt "111 "S;lIllhlll1ialholl". 111'''''1>", /' t: I, 10, 1(, (vd. p, 16 n.).1)11,,"1011 l h-l.uu.:o l,tlvl"/ It"lIhil ',1

  • 20

    velmente de Tarso, escritor rfico mencionado na Suda; o que mais provvel, quetratar-se do loggrafo lsbio do sculo quinto a.C.

    2 ev TOVTOt Xvo; cJiv eyvv1)GeV, diz Damscio - i.e., no Aither, Caose rebo. No se afirma explicitamente que o deus incorpreo proceda do ovo,mas bvio que assim seja; compare-se 25, e veja-se a prxima nota a respeito deGCV/laTO.

    (iv) Variante de (iii), de Atengoras

    25 Atengoras pro Christianis 18, p. 20 Schwartz (DK 1 B 13) ... i]v yevowe exr) xo.t' aVTv (se. 'Oecpia) TOZe;oote;, n 08 TOVvoaroe; lve; nadaTYj,n 08 naTewv yevv~{JYj ({JOv,oenwv nooonespoxoia lJxwv necpa~v iovToC;,ot fliaov 08 aVTWV {feoi! neawnov, vopa 'Heanf nal Xoovoc, (At aquio texto quase idntico verso de Jernimo e Helnico.) OVTOC; 'Heanfyivvr]aev vneefliyeBec; (PV, aVflnr]eO'flevov vn (J[ae; TOV yeyevvr]nroc;15nnaeaTel{J~e; de; (1)0 eeYr]. T fl8V ovv naT no(}vcpr)v aVTov Ov(}ave; elvcusuia{}r], n) nTw t}vexB8v Ti' n(}ofBe 08 xol Bee; xu; otawflaroe; 1Ov(}aVe; Of\ Tf fllx{}de; yev1'i!- 1?r]elae; flSV KwBw L1xwtv "AT(!OnOV ...(segue-se uma teogonia do tipo hesidico).

    Y1) t aw/taTOc; ms.; em. Lobeck, accep. Diels, Kranz; tolxot; fOrl adnuirocTh. Gomperz. --- Em qualquer dos casos Fanes que est em causa. owwflaTo crLmlfUn:o prestam-se a uma fcil confuso, e no possvel ter-se a certeza de queos exemplos do segundo vocbulo no texto 24 sejam necessariamente correctos.()W(V/LUTOC; implica bissexuado (caracterstica de Fanes); incorpreo, tratando-sede lLI11 ser descrito como possuidor de mais do que a sua quota-parte de atributosfsicos, e de um tipo muito peculiar, talvez seja de estranhar mesmo num Neopla-tnico.

    25 ... que, segundo ele [Orfeu], a gua era a origem da totalidadedas coisas, e da gua formou-se o limo, e de ambos gerou-se um servivo, uma serpente com cabea de leo, e no meio deles, o rosto de umdeus, de nome Hracles e Chronos. Este Hracles gerou um enormeovo, que por estar completamente cheio da fora do seu progenitor separtiu em dois por frico. Assim, a parte superior acabou por se con-verter em rano, e a parte inferior em Ge; e surgiu tambm um deter-minado deus com dois corpos. E rano, tendo-se unido a Ge, gera,como prole feminina, Cloto, Lquesis e tropos ...

    Destes quatro tipos de cosmogonia denominada rfica, a seeo (i)menciona um primeiro estdio, a Noite, que no ocorre nas demais. A impor-tncia atribuda Noite no panteo rfico dependia provavelmente, por viadirecta ou indirecta, de modificaes feitas no esquenta hcsidico da cosmogonia e da teogollia (vd. * 'i). (': possV('1 que Pudelllo kllh:t conhvcido 11:11

  • 21

    rativas rficas semelhantes s anteriores verses, associadas a Epimnides e aMuseu, e o papiro Derveni (30, (2)) confirma que Noite era conferida umafuno cosmognica especfica, na qualidade de progenitora secundria derano e Gaia. A seco (ii) designada como exposio rfica usual, porque,provavelmente, correspondia mais ou menos ao amplo quadro traado nasRapsdias tardias. A seco (iii) uma elaborao de (ii), No pode, talcomo se encontra, ser pr-helenstica: a descrio fantstica e concreta doabstracto Chronos, que nela se contm, um sinal de origem tardia ou, pelomenos, de uma remodelao tardia. O excerto de (iv) citado por um apo-logista cristo do sculo segundo, de pendor neoplatnico; tal citao forneceum pormenor significativo, o da diviso do ovo para formar o cu e a terra,facto que est completamente ausente dos relatos neoplatnicos posteriores.As seces (iii) e (iv) contm uma primeira fase, o limo sob uma ou outraforma, e que , sem dvida, uma eclctica intruso filosfico-fsica. Essa ideiapodia bem ter sido recebida directamente de sistemas jnicos, como o deAnaximandro, mas mais provvel que tenha vindo da cosmogonia esticaderivativa.

    o OVO EM FONTES GREGAS PRIMITIVAS, NO ESPECIFICAMENTE RFICAS

    26 Aristfanes Aves 693 (fala o Coro das Aves)

    Xo rjv Kai NM, "E[!8fJ U fl,Aav n[!WTOV Ka.i T[!Ta.[!o 81J[!V,F11 o' ovo' ,Arl[! ovo' Ov[!avo r}v' 'E[!fJov (Y lv anei[!oat KAnou;rLWr:8t n[!JTuJTOVvn'YJvt5fl,wvNv~ ~ fl,eAavnu[!o rpov,e~ 015n8[!t7;eAAofl,t5VaU; (v(!m 1!fJA(l(JUV "Eou; noffew,(J7:lAfJWVVWTOVnu(!vyotV x[!vaalv, el;c(O aV8fl,WK8at Ovat. 6970157:0oe Xe; nT[!8VU fuy vVXrp ;car T(J.Ta[!oV 8V[!VVEveTT8V(J8v yivo r}fl,U[!OV, Kai n(!w7:ov aV1yay8v e qJw;.n[!T[!ov o' OVKrjv yvo df}avrwv n[!iv "E[!w ~VVfl,8t~8Vanavra'~vfl,fl,tyvvfl,vwv o' sT[!WV Srt5[!Ot vvet' Ov[!avo 'QKwV TKai Ti] nvrwv T fhwv fl,aK[!wv vvo; a.qJfhrov. di08 fl,v 8(Jfl,8V

    1 \ fJ I I ,noll.v n[!8(J vrarot navrwv fl,aKa[!Wv.

    26 Primeiro que tudo, havia o Caos e a Noite e o negro rebo e o vastoTrtaro, e no existia Ge nem Aer nem rano; no seio ilimitado do rebo,a Noite de negras asas gera, primeiro, um ovo cheio de vento, de onde,,'0111 o volver das estaes, brotou o almejado Eros, de dorso reluzente com;\:;a:; douradas, semelhante aos ventos turbilhonantes. Foi ele que,.10 1I11ir :;l' ao ('aos al"do l' soruhrio, 11;1vastid:lo do Trtaro, chocou aIIO;.',iI 1;1

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    que o A. omite na verso inglesa. N. T.] no existia a raa dos imortais,antes de Eras ter unido todas as coisas; mas medida que se uniamumas s outras, nasceu rano, e Okeanos e Ge e a raa inextinguvelde todos os deuses bem-aventurados. Assim, ns somos, de longe, osmais antigos de todos os bem-aventurados.

    27 Damscio de principiis 124 (DK 3 B 5; proveniente de Eudemo) TOV OE'Entflsvr5rJv (Mo nena ex vno{}a{}Ul 'Aea ual NVUTa ... iJ~ dv YSVVrJ-{}fvo.t Ttooo ... iJ~ (1)1' ovo Tctiiva 1 ... (bv fllX{}YTWY ..U~AOl cpOY yevo-l'}o.t ... iJ~ 015 nAlv aAArJY ysysY neoe).{}siY.

    1 O manuscrito tem Ovo -U'l', mas a emenda de Kroll para Ovo Tutiiva(aceita por Kranz em DK) sugerida pela etimologia implcita no parntese neo-platnico que vem a seguir ao vocbulo em questo, TT)'I' 'l'O'Y/TT)'I'ueaornra o{7:w,,;aaa'l'Ta, t-u in' Wpw 'tau'l'ct' T xe (,,;eov ";aLT nea. As outras omissesdo texto, tal como foi impresso em cima, so parfrases neoplatnicas que nenhumaluz lanam sobre a interpretao.

    27 Epimnides postulou dois princpios primordiais, o Ar e a Noite .dos quais nasceu o Trtaro ... de todos eles nasceram dois Tits .da sua mtua unio nasceu um ovo... do qual, por sua vez, proveiooutra prole.

    Os versos de 26 foram escritos em 414 a.c. ou um pouco antes. Quantoao contedo de 27, a nica coisa que podemos afirmar com segurana que ele anterior' a Eudemo ; mas em face da proliferao de verses mito-lgicas em hexrnctros, respeitantes genealogia e, por consequneia, podendocomear por uma teogonia, provavelmente dos finais do sculo sexto a.c.,o seu contedo podia ser datado, conjecturalmente, entre essa poca e meadosdo sculo quinto (sobre Epimnides, veja-se 17 e n. 2 da p. 14). Assim, umovo como elemento da cosmogonia, nota caracterstica dos relatos rficostardios, conforme se conservaram na tradio neoplatnica, seguramentemencionado por volta dos finais do sculo quinto e provavelmente antes dessadata. Tinham esses relatos mais antigos caractersticas especificamenterficas?

    No h necessariamente diferenas importantes, quanto ao modo deproduo do ovo, tanto nos relatos mais antigos como nos mais recentes, estesclaramente rficos. Nestes ltimos, Chronos, numa forma tardia e bizarra,gera o ovo no Aither ou no Aither-Caos-rebo (23,24). Em 26, a Noite pro-duz o ovo no rebo; em 27 ele gerado por dois Tits - provavelmenteCronos (cf. 52?) e Reia - que so produto do Ar-Noite e do Trtaro.No h, evidentemente, referncia a Chronos, mas Fcrccidcs de Siros (pp. '7-56) tinha j;'i associado Cronos a Chronos. t' (~ IH1SSlvl'1 qur haja 1ll''>1l' pOIlI"

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    uma relao com as verses posteriores: veja-se tambm 52 e respectivadiscusso 1. H uma ntida semelhana entre o que nasce do ovo na faladas aves e nas verses rficas posteriores; Eros com asas douradas umprottipo evidente do Fanes rfico 2. Todavia, uma grande parte da cosmo-gonia das aves em Aristfanes indubitavelmente derivada da Teogonia deHesodo, com modificaes adequadas s circunstncias. O Caos, a Noite, orebo e o Trtaro esto comprometidos nas primeiras fases de ambas as verses;s que a Terra posposta em Aristfanes, para ser criada (at certo ponto commais lgica) simultaneamente com o Cu. O ovo cheio de vento, emparte para fazer dele algo de mais conforme com as aves, em parte tambmpor causa da tradicional ventuosidade do Trtaro (34). Deste modo, a Noite,o Caos e Eros so todos alados, por se ter em vista uma cosmogonia de aves.Trata-se de uma pardia de um tipo tradicional de cosmogonia; contudo, omodelo de uma pardia deve ser reconhecvel, e se bem que os elementoshesidcos sejam suficientemente claros, ovo no hesidico. Apesar de con-vir sobremaneira gerao das aves, pouco provvel que, por esse motivo,() expediente tenha sido precisamente inventado por Aristfanes, Deve tersido familiar, como meio de produo, no necessariamente de uma figuraosmognica, mas pelo menos de uma divindade importante como Eros 3.

    1 A identificao Cronos --- Chronos foi igualmente feita nos crculos rficos:cf. e.g, Proclo in Plato Crt. 396 B (Kern, fr. 68). Este facto no significa que Fere-cides fosse rfico, ou que recebesse as suas idias de fontes rficas antigas (emboraa Suda refira, devido provavelmente a estas semelhanas, que ele coligiu as obrasde Orfeu): significa, antes, que os eclticos rficos tardios utilizaram Ferecidcs comofonte principal, precisamente como utilizaram Hcsodo e outras obras mitolgicasantigas. Em qualquer caso, a assimilao dos dois nomes foi um passo evidente.

    2 A linguagem da verso rapsdica est, efectivamcnte, cheia de reminis-cncias de Aristfanes: compare-se Xl!lIrr!fw n;-tl-'I!")JP(rrrl 'P0I!E/lE:VO ?,',')a %(11/'v/'Ja (se. rpV1')5), Fanes '" transportado de um lado para o outro por asas dou-radas (fr. 78 Kern), com o verso 697 de 26. liv{}a %

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    Em segundo lugar, no trecho 25, a parte superior do ovo d origem ao cu,a parte inferior, terra; emerge tambm o equivalente de Fanes, e o cue a terra unem-se ento, como em Hesodo ou na tradio popular. Emterceiro lugar, rficos houve que usaram o conjunto da casca e da membrana(e, provavelmente, tambm da clara e da gema) como um anlogo do conjuntodo cu (parte externa do firmamento) e do aither :

    28 Aquiles Isg. 4 (DK I B 12, Kern fr. 70) -cijv 158 -c~w rjv bsbwxaflsv-ci{J (f(paleWflan ol 'Oe((Jlxoi iYOVat naeanrj(Jtav elvo: -cf iJv roi; cPoi vye llxsl yov iO inveov EV np cPi{J, iOViOV EV ii{J navii oveave;, xol(e;E!;~e7:17Wl -cov oveavov xvx07:SeWe; aW~e, oto: -CoVsnveov vfl~v.

    28 Quanto disposio por ns atribuda esfera celeste, dizem osrficos que idntica que se encontra nos ovos: que a relao quea casca tem no ovo, a que o firmamento tem no universo, e assim comoo aither est circularmente ligado ao cu, assim tambm a membranaadere casca.

    DESCOBERTAS RECENTES E CONCLUSOES PROVISRIAS

    As concluses que se podem tirar dos testemunhos at agora apresen-tados receberam uma nova dimenso graas a recentes descobertas. Emprimeiro lugar, a srie, bem conhecida, de lminas de ouro com instruespara os mortos, e que foram encontradas em sepulturas da Magna Grcia ede Creta, foi agora acrescida de um novo e importante exemplo provenientede Hipnion (moderna Vibo Valentia), no sul da Itlia, gravado por voltade 400 a.c. Aps as habituais instrues dadas ao morto - neste caso,uma mulher - para no beber da nascente junto ao cipreste branco, masda gua que corria, mais adiante, do Lago da Memria (sobre este assunto,vd. G. Zuntz, Persephone (Oxford, 1971) 355 ss.), o texto continua comose segue:

    29 Lmina de ouro proveniente de Hipnion (segundo G. Pugliese Carra-telli, Parola del Passa to 29 (1974), 108-26 e 31 (1976), 458-66), 10-16:

    slnov' voe; Tola xai 'Oeay aSeSY-COe;.bl1pal b' Efli ao; xai nvflat" (J6r' [xa1jJvXeOYvboe neOe80V -,:e;MysflOavYSe; no fl[y]a[e;].xai b8 -COlEsa(w) [ 'no Xovloi Baatl,xal b8 xot baoat nlv -cc;MYflp,Om)Vac; n[d] Uflvac;.xIIi (5,\ X(lI ()'()X"(II' hl)(5(1'1' ?UXnL I, " a" TI: XI/i IU.O/!"anu )(11 ( {1t'X'X"1 IHl"/lIll' tnrfx"" I. !! . I' 1'/,1'"1.

    10

    lf

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    29 Diz: [Eu sou] o filho da Terra e do Cu constelado. Estou a arderem sede e a morrer; por isso, d-me depressa da gua fresca que corre doLago da Memria. E os Reis infernais tero compaixo de ti e dar-te-ode beber do Lago da Memria. E concorrido o caminho que percorres,caminho sagrado que tambm outros famosos iniciados e bacantesesto seguindo.

    No verso final, a escatologia tpica dos crentes das lminas de ouro creditada, pela primeira vez nos documentos que possumos, aos iniciadosbquicos - isto , aos seguidores de Dioniso com crenas religiosas secretas.Prticas funerrias bquicas foram equiparadas s rficas por Herdoto II, 81,que acrescentou, de um modo significativo, tratar-se, na realidade, de prticaspitagricas e egpcias. G. Zuntz (op. cit.) argumentou que as tabuinhas deouro so especificamente pitagricas, mas que a sua coneco com Dionisoneste ponto sugere antes uma associao rfica. O cepticismo de Herdotoimplica que no havia divises sectrias bem definidas, mas talvez seja signi-licativo que Dioniso se viesse a converter na figura central do mito rficoparticular, respeitante criao do homem a partir das cinzas dos Tits, quetinham matado e comido o deus-menino. Para mais, h tambm um novotestemunho sobre este ponto, porquanto, em 1951, foram descobertas no san-Iurio central de Olbia, antiga colnia milsia, na Crimeia, tabuinhas de osso;numa delas foi rabiscado, provavelmente no sculo quinto a.c., o nome( >rphikoi e tambm uma abreviatura de Dioniso, nome que volta a apa-recer igualmente em vrias outras tabuinhas; veja-se tambm p. 216, n. I,l' para uma mais aprofundada discusso sobre o assunto, o valioso artigo deM. L. West em ZPE 45 (1982) 17-29. Foi tambm em Olbia, segundo Her-doto IV, 78-80, que o rei Esciles se iniciou no culto exttico de DionisoIlacante.

    A alegao Eu sou o filho da Terra e do Cu constelado, que seensina alma do morto em 29, 10, em si mesma intrigante, se bem que1)Il~Ssllponha um elo de ligao entre o morto e os deuses primevos.Tal cio seria fornecido pelo mito (possivelmente posterior) de Dioniso e dosIdis; mas um interesse rfico relativamente antigo pela sucesso dos pri-uu-iros deuses da natureza encontramo-lo hoje num notvel rolo de papiro,pr ovenicnte de Derveni, perto de Salonica, em 1962. Este rolo, meio-queimado" qllc foi descoberto sobre uma sepultura do ano 330 a.c. aproximadamente,, "li Ii11 lia um comentrio alegrico, da autoria de algum versado em Anax-V,ora:;e Digcnc de Apolnia, a uma te agonia vrias vezes atribuda a Orfeu.( ) COllIL'lIlrio no contm qualquer indcio de influncia platnica ou aristo-I,'-II,-a. t' Wultcr Hurkcrt (c.g. em Gricrhischc Religion der archaischen undI./,II,li,ldlt'lI "{I//I-/", (h;lu)',arda, Itn7), ,17.1)sugere lima data provvel de com-l,o'H

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    rfica - composta em hexmetros, alguns deles citados - no sculoquinto a.c., ou presumivelmente at no sculo sexto. Alguns dos versoscitados so idnticos, ou muito parecidos, a passos da compilao tardia,as chamadas Rapsdias rficas (vd. n. 1 da p. 18). Isto no altera o facto dea maior parte das Rapsdias ser da poca helenstica ou greco-romana, masdemonstra que os comeos das crenas que se podem denominar especifica-mente de rficas, e que foram registadas em versos sagrados, eram muitomais antigas do que Wilamowitz ou Linforth teriam admitido.

    A completa publicao do papiro j se arrasta por bastantes anos, masest agora a ser preparada pelos Professores Tsantsanoglou e Parassoglou daUniversidade de Salonica. At ao seu aparecimento qualquer discusso deveter um carcter provisrio; mas o Professor R. Merkelbach j publicou a suaverso do texto num apndice (pp. 1-12) a ZPE 47 (1982), e foi da quecolhemos os seguintes extractos, particularmente relevantes, do poema rfico.A sua aplicao e acres centos so por vezes parcialmente determinados peloseu contexto no antigo comentrio (extremamente desordenado), e que aquino citamos.

    30 Seleco de versos citados do Orfeu pelo comentador de Derveni(os nmeros entre parntesis so meras referncias para este livro; a nume-rao romana e rabe, que se lhes segue, diz respeito a colunas e a linhas decada coluna, respectivamente):

    (1)(2)(3)(4)

    x, 5x, 6XI,6

    VII, IVII, 10IX, IIX, 4

    (K(!vo) (J /kiy' Eet:!;nl (TV Ovef1Vv) (cf. X, 7-8)()1)(!flV E1Jrpeovh/c" (; nentaTflf (Jaa[EvrJE11

    1~1f,TOV br) Kevoc, [aFinc" Pnelw ijE WIThw ZS1J~~ (,![bvnJl]o ... X(t]C!(l{, (se. rY/l1 N1f,w)[r) ll] fXIJ1)GEV lin(l'JIT1l T ol Oi[PI, ]wZE1k pEV i}nst brl 'JYlTer; of5 n(!q. [Oi]arpCtT' xovaq.[],< - [ ]' ,,' 'u' "Q -f1WOIOV x T eiuvev, o ; mVEefl I'UV'O(!E n(!WTO

    (5)(6)(7) XII, 3-6 neWTO)'vov /3amiw:; IXlr50ov, TU~ 15' ell nvx;

    rl-/'fVf1TOl n(!oairpvv IJ,ua(!s IhoiMi;Oimvw

    xol notnuoi xoi U(!fjvw i}n'~(!aTOl (l~(1 TE nvw[lmm TT' rjv yE)'an', CtvT b' (!a po~vo l!yEVTO.

    (8) XIX, 3-6 '.fJUECtlIC, [sic] ... l}pr;aaTo ... at9svo fJ,sya ... EV(!V sovTa, ? se.P1}(JCtTO (/ '.fJuEavolo piya at9svo EV(!V o'J'TO (restit.

    Burkert, alii)(9) xx, 3 (aE1}Vr;, cf. xx, 10), ~ nool f{JCtVSl pE(!nWat En' dnl'-

    (!OVCt yCttCtV

    (10) XXII, 9-10 pr;T(!c, lI, rplnjTI... D/:o1'Tlt fuxOfi'l'W, r]. x xn, I)/1:llrre]\l( ... /'k, ? se. IfI/I/"~ r , 1"1/,. al/AIO/' ,l/Iy/l'l/l''I' //''1'1;1';/11/1 trcstit . Bllrknl, "/11)

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    30 (1) [Cronos] que cometeu uma grande faanha [relativamente arano]

    (2) rano filho de Eufron [Noite], que primeiro reinou(3) depois dele, Cronos a seguir, e depois o prudente Zeus(4) que [a Noite] profetizou do seu impenetrvel santurio ...

    e ela profetizou tudo o que era legal para ...(5) Zeus, mal ouviu os orculos da boca de seu pai(6) engoliu o falo [dele] que primeiro saltou para o ar(7) do falo do rei primognito; e dele [ou do falo?] se geraram

    todos os deuses e deusas, imortais e bem-aventurados, e os riose as aprazveis fontes e tudo o mais que ento existia; mas elenasceu sozinho

    (8) ele concebeu o grande poder de Okeanos de amplas correntes.(9) [a Lua] que brilha para muitos mortais por sobre a terra

    ilimitada(10) desejando unir-se em amor com a me

    Como seria de esperar, muito da teogonia rfica revelada pelas citaesdo comentador assemelha-se de perto teogonia hesidca, que analisa-remos no 5; so as divergncias com esta fonte que interessam e tm, pos-

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    por Fanes. Donde provm o falo? Obviamente, tal como muitos outros por-menores do mito da Sucesso (pp. 40 e 5.), de fontes prximo-orientais. No mitohrrio-hitita de Kumarbi, descrito na p. 41, esta divindade quem decepa ofalo do deus do cu; engole-o, fica prenhe do deus do tempo climatrico e temum parto difcil. Segundo parece, esta verso foi difcil de aceitar tanto porparte de Hesodo, como das suas fontes mais prximas; o acto da castra-o subsiste (veja-se infra, 39), mas o falo ento simplesmente lanado aomar; qualquer processo de deglutio dos prprios filhos levado a cabo porCronos (equivalente noutros aspectos a Kumarbi) - concepo at certo pontomais suavizada, alm de tema provvel dos contos populares. Em princpio,parece que Orfeu conservou a verso oriental originria, segundo a qualum deus fica prenhe devido deglutio do falo decepado; contudo,