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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS - CCJP DEPARTAMENTO DE ESTUDOS POLÍTICOS - ESCOLA DE CIÊNCIA POLÍTICA (ECP) Kássio Vinicius Fontes de Azevedo A máscara inacabada: a projeção internacional do Brasil sob o continente africano (1960-2010) e os casos de Angola e Moçambique LABORATÓRIO DE ANÁLISE POLÍTICA MUNDIAL (LABMUNDO - RIO) Rio de Janeiro 2013

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS - CCJP

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS POLÍTICOS - ESCOLA DE CIÊNCIA

POLÍTICA (ECP)

Kássio Vinicius Fontes de Azevedo

A máscara inacabada: a projeção internacional do Brasil

sob o continente africano (1960-2010) e os casos de Angola

e Moçambique

LABORATÓRIO DE ANÁLISE POLÍTICA

MUNDIAL (LABMUNDO - RIO)

Rio de Janeiro

2013

2

Kássio Vinicius Fontes de Azevedo

A máscara inacabada: a projeção internacional do

Brasil sob o continente africano (1960-2010) e os

casos de Angola e Moçambique

Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso a Escola de

Ciência Política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

(UniRio), enquanto requisito parcial à obtenção do grau de bacharel

em Ciência Política.

Orientadora: Prof.ª Dra. Enara Echart.

Co-orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez

Milani.

Rio de Janeiro

2013

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Folha de Aprovação

Kássio Vinicius Fontes de Azevedo

A máscara inacabada: a projeção internacional do

Brasil sob o continente africano (1960-2010) e os

casos de Angola e Moçambique

Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso a Escola de

Ciência Política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

(UniRio), enquanto requisito parcial à obtenção do grau de bacharel

em Ciência Política.

Aprovado em _____ de ___________ de 2013.

Banca Examinadora

__________ Carlos Roberto Sanchez Milani (IESP - UERJ)

__________ Enara Echart (ECP – UniRio)

__________ Luiz Otávio Ferreira Barreto Leite (ECJ – UniRio)

4

Agradecimentos

As palavras não conseguem expressar a totalidade da minha alegria por terminar este trabalho.

Mas, vou tentar manifestar textualmente, em poucas palavras, a minha felicidade e gratidão

pelo apoio de muitas pessoas.

Primeiro, gostaria de agradecer a Deus, pois sem Ele este trabalho seria apenas uma utopia.

Tu não me desemparaste nos meus momentos de tribulação, principalmente agora em 2013 –

ano de grandes perdas pessoais. Partindo da premissa que nossas atitudes devem sempre ser

acompanhadas de autocrítica, digo que o conhecimento acadêmico amplia nossos horizontes

de consciência e de liberdade, mas somente, através da fé e da ação política, conseguimos

transformar a realidade que nos cerca. O meu desejo é que a mensagem de amor pregado por

Cristo Jesus transforme o meu viver diariamente. Quero ser um exímio discípulo e um

cidadão cada vez mais comprometido na difusão da justiça social.

Como diria o cantor Stênio Március, “Minha vida é obra de tapeçaria, é tecida de cores

alegres e vivas que fazem contraste nos meio das cores nubladas e tristes. Se você olha do

avesso nem imagina o desfecho... Quando se vê pelo lado certo, muda-se logo a expressão do

rosto. Obra de arte pra honra e glória do Tapeceiro”.

Em segundo lugar, quero agradecer a minha família. Minha querida mãe, minha irmã e meu

padrinho que me apoiaram ao longo desse tempo árduo de trabalho acadêmico. Vocês me

deram força e me inspiraram a perseverar até o fim! A minha família, juntamente com o

fôlego de vida e a sabedoria são os bens mais preciosos que possuo. Eu amo minha família e

agradeço a Deus pela vida de cada membro!

Aos professores da Escola de Ciência Política que através de suas aulas me concederam uma

cosmovisão das teorias políticas que tentaram explicar as diferentes concepções das relações

de poder nas diversas sociedades ao longo do tempo e do espaço. Creio que a frase do

primeiro embaixador negro e jornalista brasileiro, Raymundo Souza Dantas, sintetize o lema

que vivi na Escola de Ciência Política: “É preciso aprender, aprender sempre mais, conhecer

melhor o seu ofício, a sua tarefa e o seu papel na sociedade".

Ao Professor Dr. Carlos R. S. Milani, meu orientador, por sua paciência, pelo prazer de

ensinar que me inspirou a fazer este trabalho, por ter investido tempo em mim. Uma das

consequências desse período de orientação acadêmica foi o Prêmio Ensino de Graduação

Regina Maria Lugarinho da Fonseca (2012) que recebi ao apresentar minhas atividades de

monitoria dentro da UNIRIO. Suas contribuições teórico-metodológicas e nossos divãs

acadêmicos foram de suma importância para mim! Sou grato a Deus por sua vida! Foi um

privilégio e um prazer ter sido orientado por você.

Agradeço a professora Enara Echart que me auxiliou nas burocracias de última hora da

UNIRIO. Tive o privilégio de ser o monitor dela durante um semestre.

Ao professor da disciplina Orientação Monográfica II, Luiz Otávio Ferreira Barreto Leite, que

me recebeu no ato da inscrição da matrícula da faculdade, conversou comigo sobre o curso de

Ciência Política (2009) e que foi paciente, no que diz respeito à entrega deste trabalho. Seu

5

zelo para com os outros é admirável. Você faz a diferença nesta “sociedade de corte”

chamada UNIRIO, em especial, na “Ilha tripartite do CCJP”.

Aos meus amigos de graduação, a saber: Alessandra Hespanhol, Fernanda Badolati, Lidiane

Vieira, Jéssica de Oliveira, Kamila Costa, Yhuri Cruz (são amigos do Almoço de Quinta),

Marianna Albuquerque e Pedro Parente (companheiro de Diretório Acadêmico). Foi um

prazer tê-los conhecido! Saibam que as lágrimas de alegria, de gratidão e de saudade descem

pelo meu rosto. Independente do tempo e da distância, vocês estão marcados no meu coração

e na minha memória. Nossos “almoços de quinta-feira” foram fundamentais para fortalecer

nossa amizade e para concluirmos este bacharelado.

6

A máscara inacabada do Brasil: a projeção internacional sob o continente africano

(1960-2010) e os casos de Angola e Moçambique

Kássio Vinicius Fontes de Azevedo1

Resumo: O objetivo do artigo é apresentar uma breve análise histórica da política externa

africanista brasileira em Angola e em Moçambique visando o desenvolvimento no período de

1960 a 2010. Por outro lado, o artigo examina a conjuntura da política doméstica e da política

Internacional que expliquem a projeção internacional do Brasil através da construção do

“Império Brasileiro de Língua Portuguesa”, na África.

Palavras - chave: Política Externa Brasileira; Cooperação para o desenvolvimento; Brasil;

Angola; Moçambique; Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

“Hoje, a África é para o Brasil uma prioridade indiscutível. Desde o início de meu governo,

visitei 17 países africanos e recebi 15 líderes da região. Tomei a iniciativa de abrir ou

reativar doze embaixadas brasileiras em capitais desse continente... Nosso objetivo principal

hoje é fixar os alicerces de um novo paradigma de cooperação sul-sul... Vamos trabalhar

lado a lado para superar os graves problemas sociais e econômicos que entravam o

desenvolvimento das nações africanas e sul-americanas. Nós, os lideres da África e da

América do Sul, temos uma missão inadiável: levar a esperança às populações excluídas dos

dois lados desse rio chamado Atlântico”.

Discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Abertura da Cúpula África-América do

Sul (2006) em Abuja, Nigéria.

1 - Introdução

Na última década, o governo brasileiro resgatou o discurso de ajuda para o desenvolvimento

aos países do Sul para se projetar no cenário internacional. Neste contexto, a Era Lula da

Silva ampliou e diversificou nossos contatos comerciais pelo mundo, principalmente, sob a

égide do discurso carismático do combate à fome. Ao tratar do assunto, Lula da Silva

apresentou uma radiografia do contexto social, político e econômico do Brasil e também da

África Lusófona e Subsaariana. Saraiva afirma que o mundo sempre esteve atento à África

como sempre estiveram as grandes potências e as ex-metrópoles. O peso da África na Guerra

Fria não se circunscreveu a ser margem do sistema internacional. O mundo está

acompanhando a reinserção africana na política internacional. Relatórios e cenários vêm

sendo lançados com profecias otimistas acerca das escolhas políticas e do novo perfil de

desenvolvimento social que a África requer. Essa tendência vem das avaliações produzidas

1 Bacharel em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), graduação em

andamento em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador-júnior do Laboratório

de Análise Política Mundial – ANTENA Rio de Janeiro (LABMUNDO-RIO). Contato: [email protected]

7

pelos Royal African Society, no Reino Unido, nos anos 1960, e mesmo mais recentemente.

(SARAIVA, 2011:62).

A partir de 1975, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer as independências de Angola e de

Moçambique. Sendo assim, este ato político do Brasil proporcionou uma abertura de mercado

e o início de um processo de cooperação para o desenvolvimento econômico, técnico e

educacional para esses países. Também visava a recuperar uma imagem marcada pela

solidariedade com Portugal e pouco enfática, mormente durante os primeiros dez anos da

ditadura militar brasileira, e não de apoio aos movimentos de autonomia no continente

africano. Angola e Moçambique viveram uns longos períodos de instabilidade política e, em

alguns casos, de guerra civil, afastando os investimentos do governo brasileiro nesses países.

Soma-se a isso a crise econômica decorrente dos choques do petróleo na década de 1970, a

crise da dívida externa na América Latina e os programas de ajuste econômico que

conduziram o Brasil a duas décadas de crise econômica e de restrições da política externa

brasileira à abertura aos mecanismos de cooperação política e econômica.

Com a abertura política do Brasil e com a primeira cimeira, em 1989, dos países de língua

oficial portuguesa, uma nova etapa do relacionamento do Brasil com os Países Africanos de

Língua Oficial Portuguesa (PALOP - Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São

Tomé e Príncipe) foi inaugurada. Andrew Hurrrell destacou que no PÓS-GUERRA FRIA a

solidariedade internacional tem sido maior, devido à ressignificação da visão pluralista da

sociedade internacional. De modo geral, essa reorientação põe em xeque as antigas normas de

soberania e não intervenção; interage de maneira problemática com os processos de

liberalização política e econômica e – mais importante – contesta os limites e o caráter dessa

liberalização. Além disso, desafia modos tradicionais de condução de política externa,

privilegiando novas formas de poder brando (soft Power) e repensando novas formas de

diplomacia. (HURRELL, 2009:14).

A ideia de máscara resgata os costumes pré-modernos das sociedades africanas da chamada

“África Negra”. Espíritos eram materializados em máscaras e se manifestavam sua vitalidade

através daqueles que a utilizassem. Elas servem para esconder ou descortinar os propósitos.

Ao usar a ideia de máscara inacabada, pretendo dizer que as instituições brasileiras, sejam

elas do governo ou privadas que atuam em Angola e em Moçambique se utilizam do discurso

político para mostrar a vitalidade da cooperação para o desenvolvimento. Porém, utiliza-se de

uma máscara em processo de construção para ocultar o projeto político de “novo Império

brasileiro de língua portuguesa”, utilizando um soft Power para exercer a dominação.

A plasticidade do discurso da Política Externa Brasileira sobre cooperação para o

desenvolvimento em Angola e em Moçambique constrói um ethos transformador e libertador

das desigualdades sociais locais que na prática não é virtuoso e não é sincero. A cooperação

brasileira tem construído uma máscara2 exploratória das riquezas nacionais. Acordos político-

econômicos que possuem financiamentos do BNDES e que não tem necessariamente um

compromisso com a sustentabilidade ambiental e relevante eficácia da transformação social

daquelas nações. Vide, o Projeto Prosavana em Moçambique e da PETROBRÁS, em Angola.

O objetivo desse artigo é sistematizar a construção histórica da Política Externa Brasileira

africanista no “Novo Império Brasileiro de Língua Portuguesa”, buscando elementos da

política doméstica que expliquem a atuação do país no campo da cooperação sul-sul com

Angola e Moçambique. O exercício da cooperação com os dois Países Africanos de Língua

Oficial Portuguesa (PALOP) ampliam os interesses estratégicos e econômicos do Brasil para

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África. Esta participação brasileira simultaneamente promove ora a atenuação, ora o

acirramento de conflitos sociais locais. Metodologicamente o artigo se organiza em sete

partes. Primeiro, introdução; segundo, A África na agenda do Brasil a partir da década de

1960 e Conjuntura doméstica interferindo na política externa; terceiro, Plasticidade das

relações Brasil – Províncias Africanas de Língua Oficial Portuguesa; quarto, O ocaso da

democracia no Brasil (Ditadura Militar) e nacionalismos no mundo afro-lusófono – os casos

de Moçambique e Angola; quinto, O renascimento da Democracia no Brasil e a

institucionalização do Império Brasileiro de Língua Portuguesa – A Comunidade dos Países

de Língua Oficial Portuguesa (CPLP); sexto, A Era Lula da Silva e a projeção pragmática do

Brasil em África e por fim, as considerações finais.

2 - A África na agenda do Brasil a partir da década de 1960 e Conjuntura doméstica

interferindo na política externa

Somente a partir da Política Externa Independente (1961-64), as relações do governo

brasileiro com o continente africano foram reativadas. Do período da Independência brasileira

(1822) ao período da Abolição da escravatura (1888), as relações com o continente davam-se

pelo comércio transatlântico de escravos. A imagem de um país civilizado, com um governo

monárquico estável contrastava com a realidade da escravidão. Esse fato social era

considerado como elemento de atraso da sociedade, segundo José Bonifácio (década de 1820)

e Joaquim Nabuco (décadas de 1870-80). A partir de 1888, a África esteve ausente das

prioridades da agenda de política externa brasileira.

O Brasil passou por alguns constrangimentos no plano das relações internacionais por

perpetuar, ao longo do século XIX, a escravidão. O medo de uma revolução de escravos era

um medo constante que rondava a sociedade brasileira. O exemplo da revolução de escravos

no Haiti povoava o imaginário dos proprietários de escravos. Ao longo do Reinado de Pedro

II, a questão da escravidão era visto como uma mácula do ponto de vista da imagem que o

Brasil queria reproduzir no exterior. Com a Abolição, grupos de escravos que vieram para o

Brasil e os nascidos aqui foram habitar na costa atlântica da África, vide Gana, Nigéria,

Angola entre outros. A presença brasileira pós 1888 se destacou na criação de novos hábitos,

de novos costumes e de uma nova arquitetura das cidades como, por exemplo, Lagos

(Nigéria) cuja arquitetura lembra o Rio de Janeiro do século XIX.

Esses descendentes de brasileiros nos anos 1950 e 1960 constituíram a geração daqueles que

proclamaram a independência de muitas nações africanas. Enquanto isso, o governo brasileiro

assinou o Tratado de Amizade e Consulta com Portugal, em 1953. Todavia, a assinatura deste

tratado pelo Brasil representa a ambiguidade e a plasticidade3 das relações externas do Brasil

com as colônias portuguesas na África. Mesmo no após esse tratado, vemos um paradoxo nos

discursos e ações do governo brasileiro, se por um lado defendiam a autodeterminação dos

povos, busca de solução para combater o subdesenvolvimento, por outro, quando o assunto

era as províncias portuguesas ultramarinas na África, o Brasil se abstinha em defender o

direito daqueles povos que tinham em comum a língua portuguesa.

3 Este termo é utilizado por Gilberto Freyre para falar de aspectos culturais e sociais das sociedades que os

portugueses criaram. Utilizarei o termo dando uma significação para as transformações da relação do Brasil com

países africanos.

9

No discurso de posse do Presidente Jânio Quadros (1960), o mesmo enfatizou que a

prosperidade e estabilidade política e econômica da África eram fundamentais para a

segurança e o desenvolvimento do Brasil. O que significou isso, na perspectiva da política

externa independente? Significou que nesse processo de reaproximação, o Brasil reconhecia

seu débito histórico com o continente africano, admitia semelhanças culturais e sociais e que

tinham o objetivo comum de superar o subdesenvolvimento econômico. No que tange ao

aspecto da segurança e desenvolvimento do Brasil seria no sentido de considerar que a

presença brasileira na costa atlântica da África seria uma oportunidade do Brasil preencher o

vazio deixado pelas potências coloniais. O apoio à descolonização africana objetivava a

legitima aspiração pelo desenvolvimento e emancipação econômica dos países colonizados e

subdesenvolvidos, dentre os quais o Brasil e os países africanos se incluíam.

O Estado Brasileiro no início da década de 1960 foi marcado, do ponto de vista dos assuntos

internos do país, por um momento de grande euforia e turbulência política. A euforia pode ser

explicada pelos seguintes fatores:

Em primeiro lugar, a inauguração de uma capital político-administrativa no centro do país era

um projeto político bicentenário idealizado por Jose Bonifácio de Andrada e Silva, projetado

por Oscar Niemayer e Lúcio Costa. Brasília, que foi inaugurada em 1960, no final do mandato

de Juscelino Kubitschek, era a representação da modernidade do país, da racionalização e do

melhor planejamento da administração pública e do afastamento da política das tensões

político- sociais clarividentes na antiga capital federal – Rio de Janeiro. A Cidade cujo

desenho territorial foi planejado por Oscar Niemayer tem seus espaços organizados em

setores funcionais e devido ao grande espaçamento entre os órgãos governamentais permite a

rápida dissuasão dos movimentos contestatórios ao governo, algo que no Rio de Janeiro era

difícil de fazer.

Em segundo lugar, havia uma efervescência cultural e acadêmica aos assuntos relacionados ao

continente africano, vide a criação do museu do Folclore no Rio de Janeiro a criação do

Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) da Universidade Federal da Bahia, Centro de

Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (1965), Instituto Brasileiro de Estudos afro-

asiáticos e o envio do Navio-Escola Custódio de Mello à África.

Com a expansão do socialismo no continente africano, havia certa dificuldade de aproximação

com os países africanos devido às pressões da mídia brasileira, da União Democrática

Nacional (UDN), que era o maior partido da coligação que elegeu Quadros, e das Forças

Armadas que se opuseram a política africana de Quadros e Goulart, pois temiam que a

política africana, associada abertura para o Leste europeu, representasse um alinhamento aos

regimes comunistas. Ao mesmo tempo, tinha o apoio de setores de centro-esquerda que

defendiam uma política social mais justa para o país e uma política externa anti-imperialista e

anticolonialista. Um marco para a política africanista do Brasil foi à criação da divisão da

África dentro do Itamaraty durante a PEI. Esta divisão deu amparo legal as novas embaixadas

e representações consulares que estavam sendo criadas: Embaixadas de Gana, do Senegal, do

Níger, da República do Daomei.

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Em Terceiro lugar, no campo da política, a eleição de Jânio Quadros (UDN) para a

presidência da República e de João Goulart (PTB) para vice, vinculados a correntes políticas

diferentes, estabeleceu uma breve coalização partidária para governar o Brasil e mudanças na

formulação da política externa.

Em quarto lugar, no campo da economia, o país vivia sob elevada inflação. O Presidente Jânio

Quadros em seu discurso veiculado pela “Voz do Brasil” disse:

“É terrível a situação financeira do Brasil. Nos últimos 5 anos, o meio

circulante passou de 57 bilhões para 206 bilhões de cruzeiros. Faltam-me as

cifras da aluvião de papel-moeda relativa ao primeiro mês deste ano. Não

me causaria estranheza que a tabela complementar denunciasse fluxo ainda

mais incontinenti. Desenhadas em centenas de milhares, ao estrangeiro

devemos 3 bilhões e 802 milhões de dólares, o que marca, só a este título e

naquêle período, a êlevação de 1 bilhão e 435 milhões de dólares sôbre o

passivo anterior.

E a situação é tanto mais séria quando se sabe que somente durante o

meu govêrno deverei saldar compromissos em moeda estrangeira no total de

cêrca de 2 bilhões de dólares. E, só no corrente exercício, de 600 milhões de

dólares. Importa assinalar que, além de compromissos pontuais, existem

operações efetuadas pela Carteira de Câmbio a título de antecipação da

Receita, num montante que sobe a 90 milhões de dólares. Tanto vale dizer

que essa vultosa importância deverá ser deduzida da magra receita das nossas

exportações em 1961.

Os déficits orçamentários, nos últimos dez anos, apavoram. Subiram êles,

de 1951 a 1955, a 28 bilhões e 800 milhões de cruzeiros, alçaram-se, de1956 a 1960, a

193 bilhões e 600 milhões de cruzeiros, O déficit em potencial, para o exercício de 1961 -

o primeiro do meu govêrno—é de 108 bilhões de cruzeiros, que assim se decompõem:

orçamento, 302 bilhões e 300 milhões de cruzeiros; créditos transferidos, 3 bilhões de

cruzeiros; créditos a serem abertos, 30 bilhões de cruzeiros; liquidação de resíduos

passivos, 15 bilhões de cruzeiros; outras despesas —-Brasília — 10 bilhões

de cruzeiros. Mesmo considerando que a receita do exercício, orçada em

246 bilhões e meio, pode atingir cêrca de 262 bilhões, isto é, 19% acima

da arrecadada em 1960, a nossa estimativa de déficit está plenamente

justificada “4. (Quadros, 1961)

O Rio de Janeiro deixou de ser a capital político-administrativa do Brasil com a inauguração

de Brasília em 1960, pelo governo Juscelino Kubitschek. A antiga capital federal

desempenhou esta função por quase dois séculos, todavia, do ponto de vista da segurança das

instituições políticas, a capital fluminense, nos anos que antecedeu a transferência, era tido

como um lugar de fortes efusões dos movimentos políticos e sociais que para os segmentos

conservadores, como a UND e setores das Forças Armadas era visto como algo negativo. O

Rio de Janeiro sediava escritórios de movimentos revolucionários e nacionalistas africanos

como o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). A inauguração de Brasília, do

4 DISCURSO DO PRESIDENTE JÂNIO QUADROS VEICULADO PELA “VOZ DO BRASIL”. Palácio da

Alvorada, 31 de janeiro de 1961.

11

ponto de vista dos movimentos sociais, podia ser visto como um local de dispersão e

facilidade de dissuasão das massas populares.

Em 1961, Jânio Quadros foi eleito para o cargo de presidente da República Federativa do

Brasil. Em sua Mensagem ao Congresso Nacional, remetida na abertura da Sessão Legislativa

de 1961, em 15 de março do referido ano, o presidente apresentou as diretrizes de sua política

externa com relação às Nações Unidas, os Países Socialistas, a Europa, o continente e ao

Mundo Afro-Asiático. Com relação a este último, o presidente declarou que tínhamos alguns

objetos comuns, vide a luta pelo desenvolvimento econômico, pela defesa dos produtos de

base, pela industrialização, pela incorporação à vida nacional de todas as camadas da

população.

Do ponto de vista conceitual, a política externa independente (pode ser identificada como

neutralista) inaugurada por Jânio Quadros foi uma tentativa do governo brasileiro de ampliar

autonomamente seu comércio exterior sem preconceitos ideológicos da Guerra Fria,

formulação autônoma de programas para o desenvolvimento econômico-social e a

autodeterminação dos povos.

Clodoaldo Bueno e Amado Cervo afirmaram que a Política Externa Independente tinha um

caráter pragmático, pois buscava os interesses do país sem preconceito ideológico. Essa

política inaugurada por Jânio Quadros tinha alguns objetivos: procurava ampliar as relações

multilaterais do Brasil com objetivos comerciais, lutava pelo desenvolvimento econômico e

apoiava os princípios de autodeterminação dos povos e da não intervenção(CF. BUENO &

CERVO). O Brasil deveria ser a ponte entre a África e o Ocidente, devido a semelhanças

sociais e culturais.

Quadros inaugura uma política externa africanista indicando o primeiro brasileiro negro,

Raymundo Souza Dantas, para o cargo de embaixador na recém-criada embaixada de Gana.

Jânio queria apresentar o Brasil como um modelo de sociedade multirracial “harmoniosa e

integrada”, e esse discurso foi fundamental para a reaproximação com o continente africano,

agora em fase de Independência.

No seu discurso ao Congresso Nacional, vossa excelência disse: “Uma África próspera,

estável, é a condição essencial para a segurança e desenvolvimento do Brasil”. Na

perspectiva da política externa independente: significou que nesse processo de reaproximação,

o Brasil reconhecia seu débito histórico com o continente africano, reconhecia semelhanças

culturais e sociais e que tinham o objetivo comum de superar o subdesenvolvimento

econômico. No que tange ao aspecto da segurança e desenvolvimento do Brasil seria no

sentido de considerar que a presença brasileira na costa atlântica da África seria uma

oportunidade do Brasil preencher o vazio deixado pelas potências coloniais. Neste caso, a

relação Brasil-Gana era estratégica devido a alguns motivos:

Em primeiro lugar, era o país visto como motor do nacionalismo africano e da busca pela

realização de um projeto de desenvolvimento rápido e autônomo (programa de

industrialização intensivo e modernização da agricultura). Esta sintonia de agendas era vista

pelo Governo brasileiro como uma oportunidade de estabelecer acordos de cooperação

econômica e cultural com os países africanos a partir de Gana. O Vice-presidente João

Goulart e o presidente Kwane Nhrumah se conheceram em Pequim e havia uma preocupação

12

por parte Nhrumah de uma possível mudança da política externa brasileira com relação à

África após a renúncia de Quadros.

O Relatório da Embaixada brasileira em Gana5 diz que havia muitas possibilidades da

entrada política e comercial do Brasil na África, mas isso era considerado muito supérfluo

por uma única razão: o Governo brasileiro não sabia o que desejava da África. Faltava-nos

uma definição política e uma definição de nossos objetivos.

Em segundo lugar, estabelecimento de uma diplomacia cultural6, visto que existiam

comunidades de descendentes de ex-escravos brasileiros que compunham a elite econômica e

política daquele país e adjacências. O relatório citado anteriormente dizia que o “Brasil era

conhecido na África Ocidental como terra de lenda para onde foram e de onde vieram

antepassados. De qualquer forma, à parte Cuba, somos o único país a respeito do qual os

africanos conhecem o mínimo absoluto” 7. Afonso Arinos, Ministro das Relações Exteriores

e autor da lei contra discriminação racial, foi o primeiro chanceler/ representante do alto

escalão da Administração Pública brasileira a viajar oficialmente para o continente africano

com a finalidade de resgatar os contatos brasileiros com o continente africano.

Foto presente no livro África Difícil (Missão Condenada: Diário) cuja autoria é do

embaixador Raymundo Souza Dantas.

Em terceiro lugar, competitividade dos produtos primários africanos e brasileiros no mercado

internacional, como no caso do cacau e do café. Durante os anos 1950, no plano das relações

comerciais, os produtos primários brasileiros perderam competitividade frente à produção

africana que possuía subsídios americanos em alguns países recém-independentes, como por

5 Relatório confidencial cujo título é: “subsídios para a Comissão de Planejamento Político (circular nº4129 de

sete de Novembro de 1961)”. Este relatório foi desclassificado em 2004. 6 Diplomacia cultural - a valorização da diplomacia como norteadora de um processo, o que passaria por uma

aproximação cultural cujo objetivo último seria indicar os caminhos para o Brasil e do continente africano no

cenário internacional. Tais caminhos teriam como premissa pensar o Brasil e algum país africano, a partir de

uma moral e uma cultura própria.

7 Relatório confidencial da Embaixada Brasileira em Gana cujo título é: “subsídios para a Comissão de

Planejamento Político (circular nº4129 de sete de Novembro de 1961)”. Este relatório foi desclassificado em

2004.

13

exemplo, Gana. Apesar dos subsídios, a entrada de capitais monopolísticos americanos e do

Mercado Comum Europeu constituíam uma ameaça aos países em desenvolvimento, pois

desestimulavam a criação de indústrias nacionais nos países libertados da dominação política

das antigas potências europeias. William Gonçalves destacou que:

“Vale acrescentar ainda que a recusa do governo português em se associar aos

interesses da cafeicultura brasileira levou esse setor da economia do país a alterar sua

percepção do sistema internacional e a desempenhar papel decisivo na formulação da

nova política externa praticada pelo governo que sucedeu o de Kubitschek. De acordo com o

enunciado dessa nova orientação política internacional praticada pelo governo

de Jânio Quadros, denominada Política Externa Independente, a diplomacia brasileira

devia emprestar seu apoio ao processo de descolonização que se iniciava na África. Tal

apoio exprimiria o autêntico interesse nacional brasileiro, uma vez que as colônias

africanas ao ascenderem ao estatuto de países independentes deveriam aliar-se ao

Brasil para, juntos, melhor negociarem seus produtos tropicais, entre eles o café, no

mercado internacional. Embora o café viesse perdendo importância no conjunto da

economia brasileira, e a sua representação política houvesse sido deslocada para um

plano secundário, o fato é que o governo não podia ignorar as aflições desse setor

produtivo, uma vez que ainda dependia bastante das divisas geradas pelo café para

realizar as importações necessárias à implementação da política industrial”.

(GONÇALVES, 2010: 110 e 115).

Havia um desequilíbrio da balança de poder. Os agricultores brasileiros criticavam àquela

disparidade na economia política internacional, a tal ponto influenciarem na nova formulação

da política externa brasileira, a saber, Política Externa Independente. Nesta nova fase da

política externa, o Brasil apoiava a autodeterminação dos povos e o aprofundamento da

cooperação técnica para o desenvolvimento com a finalidade de universalizar as relações

econômicas do país. William Gonçalves afirmou que tal apoio exprimiria o autêntico interesse

nacional brasileiro, uma vez que as colônias africanas ao ascenderem ao estatuto de países

independentes deveriam aliar-se ao Brasil para, juntos, melhor negociarem seus produtos

tropicais, entre eles o café, no mercado internacional (GONÇALVES, 2008: 110).

O efeito da pressão diplomática brasileira foi a instalação de Consulados de carreira em

Luanda pelo decreto nº 50.245, de28/01/1961 e Lourenço Marques (Maputo) pelo decreto nº

50.247, de 28/01/1961 e a criação do setor administrativo África dentro do Ministério das

Relações Exteriores. Na I Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

Desenvolvimento (UNCTAD) em 1964, o Brasil defendia a criação de uma organização

internacional que libertasse o comércio mundial de restrições, que prevenisse a queda

constante dos preços dos produtos dos países em desenvolvimento e a elevação do preço dos

produtos nos países desenvolvidos.

Em quarto lugar, do ponto de vista da segurança do Atlântico Sul, o Brasil tem um centro

importante de informação (Embaixadas e consulados brasileiros em Gana, em Angola e em

Moçambique) resguardando as rotas marítimas no Nordeste brasileiro e na costa ocidental

africana. O país se colocaria como um importante ator nas relações Norte-Sul entre as

Democracias Ocidentais e as novas nações independentes.

No caso das colônias lusitanas na África, o Brasil exercia um papel ambíguo. Baseado no

Tratado de Amizade e Consulta (1953) entre Portugal e o Brasil, este último adotava

oficialmente a neutralidade com relação à atuação de Portugal e suas províncias ultramarinas

na África. Muito embora, Afonso Arinos, ex-ministro das relações exteriores de Quadros,

14

criticasse o colonialismo e defendesse a autodeterminação dos povos, principalmente da

África Portuguesa. Arinos em seu discurso na 16ª Assembleia Geral das Nações Unidas disse:

Os laços especialíssimos, que existem e continuarão sempre a existir, entre o Brasil e

Portugal constituem um elemento a mais para desejarmos que a situação de Angola seja

resolvida pacificamente, o mais cedo possível, de modo compatível com os interesses

portugueses e angolanos, e com a preservação de elementos culturais e humanos que são

característicos da presença portuguesa na África. O Brasil não pode ser alheio à sorte desses

elementos, que também são parte de sua vida, e se situam na fonte de sua formação histórica.

O Brasil se julga no dever de fazer um apelo a Portugal para que aceite a marcha natural da

história, e, com sua larga experiência e sabedoria política, encontre a inspiração que há de

transformar Angola em núcleo criador de ideias e sentimentos, e não em cadinhos de ódio e

ressentimentos. O Brasil exorta Portugal a assumir a direção do movimento de liberdade de

Angola e pela sua transformação em um país independente, tão amigo de Portugal quanto é o

Brasil. (ARINOS, 2001: 274).

Esse posicionamento paradoxal do governo brasileiro causou atritos com Portugal, conquanto

que no campo do discurso o Brasil defendeu esta autonomia desses povos, mas na votação

para a intervenção da ONU em territórios lusitanos na África, o Brasil se absteve. Jânio

Quadros foi eleito pela UDN em 1961, todavia, suas ações paradoxais não expressavam o

pensamento de seu partido. Uma dessas ações paradoxais pode ser evidenciada no campo da

política externa quando Quadros condecorou o revolucionário argentino Che Guevara. Esta

atitude ressuou de forma negativa entre os setores militares, na UDN e na relação com EUA.

As Forças Armadas procuram impedir a posse do vice-presidente João Goulart que na ocasião

estava realizando uma visita diplomática à China comunista. A alegação do impedimento

seria a ameaça da implantação do comunismo no Brasil pelo Vice-presidente e pelos

movimentos sociais, como a Liga Camponesa. Goulart não era bem visto pelo empresariado

brasileiro. Por que, na época em que era ministro do trabalho, durante o segundo mandato de

Vargas, concedeu um aumento de 100% ao salário mínimo dos trabalhadores, desagradando

os empregadores. Nas relações Brasil-países africanos, a saída de Quadros gerou inquietação

nos países que recém inauguraram as embaixadas brasileiras. Pensava-se em um retrocesso na

política africanista do Brasil. Todavia, com a posse de Goulart vemos um aprofundamento,

embora tímido, da aproximação do Brasil com os países recém-libertados da África.

3- Plasticidades das relações Brasil – Províncias Africanas de Língua Oficial Portuguesa

Ao usar o termo plasticidade na política externa, resgato a categoria apresentada por Gilberto

Freyre, teórico da identidade nacional brasileira e do luso-tropicalismo português. Segundo o

dicionário Aurélio o plástico é um material que pode ser facilmente modelado. Ele pode

adquirir as propriedades de qualquer forma, devido ao efeito de alguma ação (seja calor e/ou

pressão). A política africanista do Brasil no período estudado vai se tornando plástica por que

estava sob pressão e/ou persuasão internacional. Ela se adaptou pragmaticamente a realidade

discursiva dos países lusófonos daquele continente.

A década de 1960, para os atuais Países Africanos de Língua Portuguesa, foi essencialmente

de formação e recrudescimento dos movimentos de libertação nacional. No pós-Segunda

Guerra Mundial, tais possessões portuguesas em África deixaram de serem colônias e

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passaram a serem consideradas províncias ultramarinas de Portugal. Naquela conjuntura, os

movimentos de autodeterminação dos povos/ de libertação nacional se afirmam e

consequentemente não era aceitável a manutenção de colônias pelas antigas potências

europeias. Portugal estava sobre o regime totalitário/ ditatorial do Presidente Antônio Salazar.

Regime ditatorial e manutenção de colônias constituíam as incongruências e desprestígio do

governo português no plano das relações internacionais. Todavia, Portugal por ter cedido sua

base naval no arquipélago dos açores aos EUA, os países da OTAN tolerava este status quo

português. Além disso, desde 1953 a diplomacia portuguesa travava com o Governo Brasil

um Tratado de Consulta e Amizade que em tese impedia o Brasil de apoiar os movimentos de

libertação na África Portuguesa. De fato, o Brasil defendia a autodeterminação dos povos,

mas se comportava maleavelmente no que dizia respeito a Angola e Moçambique.

Na década de 1960, o Brasil não oficialmente mantinha contato com os lideres dos

movimentos de libertação na África Portuguesa. Nos arquivos da embaixada brasileira em

Gana consta um relatório feito pela embaixada com uma breve biografia de cada líder de

libertação nacional no continente africano e seu posicionamento político. Em 1960, surge no

Rio de Janeiro e em São Paulo o Movimento Afro-Brasileiro de Libertação de Angola

(MABLA). Segundo José Francisco dos Santos, o grupo era formado por intelectuais

brasileiros, como Sergio Buarque de Holanda, Antônio Candido, políticos, Políticos: Leonel

Brizola, Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Miguel Arraes, profissionais liberais e exiliados

políticos de angola. Essa organização dialogava diretamente com a Casa dos Estudantes do

Império Português em Lisboa. Era um movimento que apesar das diferentes partidárias

brasileiras era composta por pessoas de diferentes classes sociais e que repudiavam a opressão

portuguesa nas colônias africanas. O movimento estreitou os laços com Cuba e a URSS e no

período da Ditadura Militar, os membros do MABLA passaram a serem perseguidos no

Brasil. Soma-se a isto, o fechamento da Casa dos Estudantes do Império em 1964.

Este movimento cuja inspiração política de esquerda durou até a independência em 1975.

Todavia, a partir de 1964 com a implantação de um regime militar de direita no Brasil, o

movimento entrou na clandestinidade. Seus adeptos foram perseguidos e presos. Portugal

estava imerso no realismo político do ponto de vista da teoria das relações internacionais. O

Brasil poderia ser uma ameaça a soberania portuguesa na África, principalmente no que diz

respeito à Angola. Baseado no conceito realista das relações internacionais de autoajuda, a

nação portuguesa fortaleceu seu aparato militar para eliminar os revolucionários/terroristas

através da PIDE, pois disso dependia a sobrevivência do Estado português.

Essencialmente, a partir de 1960 inaugura-se a guerra de guerrilha em Angola e Moçambique

contra o “inimigo português” e entre as facções, muito embora, é na década de 1950 que se

começa a articulação pela liberdade. Dialogando Política Externa e sociedade brasileira no

início da década de 1960, a temática racial e o interesse pelo conhecimento sobre a África

despertaram o interesse pelo mundo africano de língua portuguesa. O reflexo desse

despertamento foi visto nas defesas feitas pelo Brasil em fóruns multilaterais da ONU em prol

da autodeterminação dos povos. Todavia, por causa do Tratado entre Brasil-Portugal, o

governo se absteve em aprovar sanções contra Portugal. Soma-se a isto, a abertura restrita

comercial portuguesa para a entrada de capitais estrangeiros (como o brasileiro e do Mercado

Comum Europeu) através do Programa de Desenvolvimento Nacional Português (1959-1964).

16

4 - O ocaso da democracia no Brasil (Ditadura Militar) e nacionalismos no mundo afro-

lusófono – os casos de Moçambique e Angola

Nos primeiros nove anos após a deposição de Goulart, a política externa africanista do Brasil

se estagnou. A política externa independente da era Quadros/Goulart havia chegado ao fim,

muito embora seus efeitos de abertura e universalismo das relações exteriores não tenha se

perdido como um todo no novo regime político. Embora em estágio diferente de

nacionalismo, os governos do Brasil, de Angola colonial e de Moçambique colonial

dialogavam informalmente visto que buscavam desenvolver suas forças econômicas, embora

o Executivo brasileiro, dos dois primeiros governos militares, não tenha declarado

formalmente apoio as Independências. De 1964 a 1967, o governo Castelo Branco buscou

afastar-se dos paradigmas de autonomia, de multilateralismo e de terceiro-mundismo que

guiavam a Política Externa Independente.

A presidência da República sob a égide de Castelo Branco associou Forças Armadas e

Itamaraty na formulação da política externa brasileira. De fato, a derrocada de Goulart teve o

apoio de setores do Itamaraty que articulavam com o governo norte-americano, sendo uma

das figuras brasileiras principais era o então embaixador nos EUA e futuro ministro das

relações exteriores, Vasco Leitão da Cunha. A oposição ao novo regime dentro do MRE

sofreu poucas baixas, essencialmente foram afastados aqueles que seguiam a linha

autonomista da política externa.

Apesar do golpe e implantação de um novo regime de governo, a cultura política

predominante na sociedade e na academia era de esquerda e no campo das relações exteriores

pró-relações auto determista dos povos afro-asiáticos. Em 1966 foi criado o Centro de

Informação do Exterior - Itamaraty (CIEX) que estabeleceu uma relação profunda com o

Serviço Nacional de Informação (SNI) no que tange às informações dos chamados terroristas

que estavam sendo monitorados no exterior. De 1966 a 1974, alguns opositores do regime

foram para Angola com a finalidade de compor o corpo médico, militar e educacional na

guerra contra Portugal.

Castelo e seu chanceler adotaram uma posição inicial de subserviência aos interesses

estadunidenses e dos preceitos da bipolaridade da Guerra Fria. Amado Cervo disse que o

Chanceler Vasco Leitão da Cunha simplificou esse universalismo do Brasil a dois objetivos

externos: 1) recolocar o Brasil no quadro das relações prioritárias com o Ocidente; 2) ampliar

o mercado para os produtos de exportação do Brasil. Essa posição de subserviência ao qual

afirmo diz respeito ao fim da lei que cotizava a remessa de lucros para o Exterior, liberalismo

econômico/comercial, amparo ideológico anticomunista e acordo mútuo para evitar o avanço

do comunismo no continente, vide de intervenção do Brasil/EUA em São Domingo. Soma-se

a isto o auxílio militar do Brasil à Portugal no que tange a atuação de elementos

revolucionários em províncias ultramarinas. Todavia, no campo comercial, Brasil e EUA se

colocaram em lados opostos. O Brasil possui a maior infraestrutura industrial da América

Latina, todavia seu mercado interno e externo era pouco desenvolvido.

Analisando a questão econômica do Brasil, é importante destacar a atuação de Roberto

Campos no Ministério do Planejamento e de Octavio Gouvêa de Bulhões no Ministério da

Fazenda. Ambos foram essenciais para o crescimento econômico e conservador do Brasil no

17

final da década de 1960. Neste período o Brasil cria o seu Banco Central, responsável pela

emissão de papel moeda, amplia à atuação do BNDES responsável por investir na

modernização da agroindústria e pela criação de estatais e criaram o Plano de Ação

Econômica do Governo (PAEG) para barrar a inflação. Apesar desses avanços institucionais

havia paradoxos na política econômica do governo brasileiro, como medidas liberalizantes no

campo comercial atrasavam o pleno desenvolvimento nacional.

Após a saída de Castelo, a linha dura do regime assume o poder o General Costa e Silva

(1967-69) e com ele a Diplomacia do Interesse Nacional ou da prosperidade. O milagre

econômico iniciado no governo Costa e Silva retomou a questão desenvolvimento autônomo-

nacional via cooperação internacional, acordos bilaterais no campo da transferência de

tecnologia, da educação e militar. O Brasil passou a vender armamentos e veículos para

Portugal em troca o Brasil estabeleceu começou a preparar as bases de exploração petrolífera

em Cabinda e em Angola, literatura brasileira passou a ser estudado nas Universidades das

províncias ultramarinas, auxílio do Brasil na fiscalização das atividades anticomunista na

África portuguesa do Atlântico Sul etc.

Podemos destacar que 1968 foi um ano para o Brasil de recrudescimento e reconhecimento

das atividades “terroristas”, ou melhor, guerra revolucionária contra as FFAA no Brasil.

Havia uma necessidade política para termos um “milagre econômico” para abafar as vozes

dissonantes. Era necessário conter a recessão econômica que vinha desde Goulart e que o

governo Castelo Branco não tinha sido bem sucedido. A oposição civil estava aumentando.

Muitos estudantes, acadêmicos e políticos historicamente de lados opostos do mundo da

política se juntaram com a finalidade de proclamar o retorno dos civis ao poder executivo e da

democracia no país.

Costa e Silva no que tange seu posicionamento quanto à África manteve a mesma postura que

Castelo Branco – neutralismo no que tange aliança com países socialistas. Embora tivessem

essa postura, o governo estudava como poderíamos atuar mais eficazmente no ponto de vista

econômico-cultural com a África negra. Nesse tempo um paradoxo em nossa política externa

se manteve: aliança com Portugal (por exemplo, negociações para a instalação da Petrobrás

em Angola) e amadurecimento de acordos de expansão comercial com países recém-

independentes.

É mister que compreendamos que apesar da ação camaleônica do Brasil no que dizia respeito

à África portuguesa, a embaixada brasileira em Lisboa passava as informações atualizadas de

toda movimentação revolucionária na África portuguesa, pois havia brasileiros envolvidos na

causa independentista, principalmente estudantes. Neste período resgatou-se a ideia de

fortalecimento e criação institucional de uma comunidade luso-brasileira. Digo resgate, pois

este era um antigo projeto de Portugal do século XIX e meados do XX de criar um império

braso-lusófono, todavia o elemento essencial que se manteve foi à língua portuguesa.

A acentuada luta armada contra a ditadura e com a morte de Costa e Silva, uma junta militar

escolheu e empossou o General Médici na presidência da República. Segundo Luiz Carlos

Delorme Prado e Fábio Sá Earp, o regime assumiu, então o seu formato mais autoritário, e

derrotou seus adversários – para o que teve importância decisiva o então inesperado sucesso

no campo econômico (EARP, 2003: 221). Porém, a crise do petróleo estremeceu a política do

“milagre econômico”. Acrescenta-se também que durante o governo Presidente Emílio G.

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Médici foi votado na ONU sanções contra o Apartheid sul-africano e resolução condenatória

do colonialismo Português, dentre os quais o voto do Brasil foram de abstenção. A

ambiguidade do Brasil no que concernia ao colonialismo lhe rendeu muitas críticas no cenário

internacional.

As relações com a África tinham sido oficialmente inauguradas em 1960, porém, José Flávio

Sombra Saraiva destacou que, a clara determinação em atingir os mercados africanos só

adquiriu consistência a partir de meados da década de 1970, com o milagre, e na primeira

crise do petróleo em 1973-74. O esforço brasileiro de diversificação das exportações,

associado às restrições impostas pelo protecionismo das grandes economias mundiais, ajudou

em muito a inclinação brasileira pelo comércio com os países africanos. (Saraiva, 2012: 46).

O Império português já dava sinais de abatimento em 1973/74. Em 1973, Portugal promoveu

um Massacre em Moçambique no qual pereceram mais de 40 mil pessoas e em Angola a

guerra civil já era um fato. A guerrilha cooptava a população. O guerrilheiro era visto como

herói e a população ajudavam desde alimentação, estadia e esconderijo das armas.

Reconquistar o território era preciso para os portugueses, mas, só isso não era suficiente.

Fazia-se necessário conquistar mentes e corações em prol da causa portuguesa. A política de

aldeamentos estratégicos foi utilizada para a proteção da população do ataque das guerrilhas,

mas o medo e a fome reinavam na realidade colonial da África lusófona. Discordâncias

políticas dentro do Conselho de Estado e das Forças Armadas encaminhava o país à ruptura

institucional, acentuada crise econômica e para uma possível guerra civil/Estado de anomia.

Em Angola e em Moçambique, o governo português começou a estabelecer um tom mais

conciliador com as forças de libertação nacional. Setores civis e das forças armadas

influenciadas pelas doutrinas socialistas lutavam pela liberdade. A insatisfação nas FFAA

dizia respeito fundamentalmente à guerra ultramar que onerava o erário público e não havia

mais sentido manter àquelas possessões devido ao isolamento internacional que o país se

encontrava. Em Abril de 1974, um golpe de Estado, chamado de Revolução dos Cravos, foi

aplicado pelas FFAA que derrubou o governo de Marcelo Caetano. A repercussão da queda

da ditadura em Portugal no Brasil foi visto como incentivo para a permanência da luta pela

democracia. Em tom conciliatório, o Presidente Geisel suspende o AI - 5 e inicia a abertura

lenta, gradual e segura para a democracia.

O argumento de manutenção de possessões na África para barrar socialismo já não cabia

mais. A instabilidade política e iminência de guerra civil pairavam sob as terras lusitanas. O

projeto socialista de Mário Soares abriu o caminho para o diálogo nas colônias. A

independência estava próxima. Em setembro de 1974, a PAIGC declara a Independência de

Guiné-Bissau e Cabo Verde. Em seguida Moçambique e Angola em 1975 com auxílio

Cubano-Soviético.

Influenciado pela percepção geopolítica de Golbery do Couto e Silva e de Azeredo da

Silveira, inaugurava-se a fase da política externa brasileira do governo Geisel chamada de

Pragmatismo Responsável e Ecumênico. Vendo o inevitável caminho independentista das

colônias portuguesas na África, o Brasil tornou-se o primeiro a reconhecer a Independência de

Angola e de Moçambique. Todavia, esse reconhecimento foi encarado com muita

desconfiança por Moçambique. Em Angola, o processo histórico foi outro devido à presença

de capitais brasileiros atuando no território desde os anos 1960.

19

Jerry Dávila, ao tratar desse processo de reconhecimento da Independência de Moçambique

frisou que:

Naquele país, o movimento marxista FRELIMO tinha uma hostilidade especial pelo Brasil em

virtude do seu desinteresse em apoiar o país em seus anos de luta. À medida que ia se

aproximando a data da declaração da independência (julho de 1975), o Itamaraty enviou um

diplomata, Ovídio Melo, para encontrar-se com o Ministro das Relações Exteriores da

FRELIMO e oferecer ajuda ao novo governo, providenciando o reconhecimento da

independência moçambicano. Marcelino dos Santos rejeitou a oferta brasileira. O governo

do novo Moçambique recusou-se a aceitar a presença de uma delegação brasileira nas

cerimônias da independência. Recusou também a oferta de ajuda brasileira. E se recusou a

estabelecer relações diplomáticas entre si.

(DÁVILA, 2011: 229)

Apesar deste breve ressentimento, em 1976, a embaixada brasileira em Maputo já estava em

funcionamento e articulava projetos de cooperação econômica entre os países. No caso de

Angola, foi assinado o Tratado de Alvor em janeiro de 1975 para o reconhecimento da

Independência. Os atores políticos eram o governo português e as três facções políticas de

Angola: a UNITA (de Jonas Savimbi, foi fundada em 1966), o MPLA (de Agostinho Neto, foi

fundada em 1956) e o FNLA (de Holden Roberto, foi fundada em 1962). Os portugueses

desejavam que ocorressem eleições para que legitimasse o novo governo independente, mas

isto não aconteceu. A guerra civil ganhou as cores da Guerra Fria, pois os movimentos

recebiam investimentos dos EUA, URSS, CUBA e CHINA. Processo semelhante ocorreu em

Moçambique, todavia a FRELIMO se consolidou como a força política em meio à guerra

civil.

Com a Independência e Guerra Civil em Angola e Moçambique, os quadros de funcionários

capacitados (fundamentalmente brancos europeus) saem desses países. Consequentemente,

um forte déficit na economia, na saúde e na educação se tornou visíveis. Um afro-stalinismo

foi implantado nestes países. Assassinatos sem explicação e fragilidade institucional

afastaram durante muito tempo os capitais estrangeiros. A presença soviética - cubana se fazia

sentir até à década de 1990, pois estes através de acordos de cooperação enviaram

armamentos, médicos e professores para estes países. No caso de Angola, a guerra civil durou

de 1961 a 2002. A guerra civil em Moçambique durou de 1960 a 1992 através de um acordo

geral de Paz.

A guerra civil em Angola debilitou a infraestrutura do país. Solival Menezes destacou três

fatores macroeconômicos básicos que explicam a dificuldade de soerguimento econômico

angolano. O primeiro, a guerra que governo teve que enfrentar contra guerrilheiros da UNITA

e contra invasões da África do Sul; Segundo, os problemas decorrentes dos colonos

portugueses e dos angolanos preparados no período de transição para libertação; terceiro, a

inadequação das políticas e da gestão econômica. Essas dificuldades foram parcialmente

compensadas pelo setor petrolífero, porém a queda dos preços internacionais do petróleo, a

partir de 1985, agravou a crise econômica (Menezes, 1999: 278-9). A instabilidade político-

econômica dos anos 1980 e 1990 em Angola dificultaram um maior investimento e

aprofundamento em cooperação do Brasil naquele país, apesar do estreitamento das relações

20

via encontros de países de língua portuguesa e viagens presidenciais angolanas na década de

1990 ao Brasil.

Outrora, na década de 1960/70, essa região ultramarina foi a que mais recebeu investimentos

por parte de Portugal. Ainda que guerra civil assolasse o país, a política externa do MPLA foi

de estabelecer convênios com as instituições públicas e privadas brasileiras, principalmente

no campo da educação, saúde, construção civil e agricultura. A Guerra Civil em Moçambique

se comparado a Angola, manteve alguma infraestrutura no país, sendo o principal Estado que

tem mais acordos de cooperação para o desenvolvimento com o Brasil – essencialmente a

partir de 1976.

Em 1980, o Brasil estabeleceu acordos de cooperação econômica, científica e técnica com

Angola e Moçambique, apesar do Brasil fracasso econômico herdado da década anterior. Mas

na perspectiva política foi o tempo do renascimento da democracia, do desembaraço

paradigmático da Guerra Fria e da luta pela participação autônoma do Brasil em Fóruns

multilaterais. Isso permitiu que o Brasil rompesse com algumas barreiras internacionais que

limitavam o comércio brasileiro. Flávio Mendes de Oliveira Castro ao falar da gestão Olavo

E. Setúbal no Itamaraty apresentou a orientação geral da Política Externa Brasileira traçada

pelo Governo Sarney, da qual destacaremos três pontos:

Primeiro, a criação de uma nova ordem econômica internacional, com destaque para a

solução do endividamento exterior dos países do Terceiro Mundo (grifo meu, o processo de

desagregação da URSS abriu o mundo para o multilateralismo e questionamento de qualquer

ordenamento econômico-jurídico da sociedade internacional). Segundo, incremento das

relações com a África e repudio ao Apartheid Sul-africano. E, Terceiro, maior cooperação

com os países de economia planejada (grifo meu, vide o caso de Angola e de Moçambique).

(Castro, 2009: 65)

De 1975 a 1989 foi o período de amadurecimento dos acordos firmados pelo Brasil com

Angola e com Moçambique. Soma-se a essa conjuntura de cooperação, a participação da

China, a principal potência que investe em Angola e Moçambique. Em 1986, o governo

Sarney promoveu ações de fortalecimento do relacionamento com os PALOP – “a

metamorfose luso-afro-brasileira do mundo lusófono”. No primeiro encontro dos chefes de

Estado de língua Portuguesa (1989) no Maranhão, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,

Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, decidiram criar o Instituto Internacional da

Língua Portuguesa. A partir desse momento, o sonho bicentenário de uma comunidade luso-

afro-brasileiro integrado começava a se concretizar. A organização da Comunidade dos Países

de Língua Portuguesa (CPLP) corresponderia a Commonwelth anglófila.

5- O renascimento da Democracia no Brasil e a institucionalização do novo “império

Braso-lusófono” – A Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP)

Desaceleração da economia, protestos contra o cerceamento da liberdade política, insuflação

do espírito democrático e greves foram algumas marcas do processo de transição para o novo

regime político no Brasil. Concomitantemente no horizonte da política exterior, os pilares do

novo Império Braso-lusófono começaram a ser desenhados essencialmente pelo Brasil e por

Portugal – ator essencial na consolidação da Comunidade dos Países de Língua Oficial

21

Portuguesa e o principal interessado na formação deste fórum multilateral devido à

necessidade intrínseca de fortalecimento de sua economia.

O conceito de Império adotado parte do princípio de cooptação político-econômico das

autoridades locais por grupos econômicos internacionais e a influência de Estados-nação na

ajuda para o desenvolvimento e no estabelecimento de uma cooperação Sul-Sul desigual. Os

instrumentos utilizados são: o uso da língua portuguesa, da identificação étnica negra e da

religiosidade afro-brasileira e a cristã – principalmente protestante. Não se pode negar que a

presença chinesa em Angola e em Moçambique. No caso do último, pode-se acrescentar a

presença da África do Sul. Culturalmente a presença do Brasil é relevante, entretanto no que

diz respeito a exportações de produtos, precisa-se definir melhor os interesses do governo

brasileiro.

Os anos noventa foram marcados por crises econômicas e sociais no Brasil, em Angola e

Moçambique. A recessão econômica brasileira tem origem nos dois choques do petróleo da

década de 1970 associadas a uma política desenvolvimentista e de substituição de

importações que se esgotaram no último quartel do século XX devido aos reflexos da crise

econômica internacional. Porém no caso, dos dois últimos países, a Guerra Civil foi

responsável pela estagnação econômica. Do ponto de vista político, Brasil, Angola (Acordo

de Paz de Bicesse de 1992) e Moçambique (Acordo Geral de Paz de 1992) estavam em

transição de regimes políticos autoritários para regimes democráticos ou semidemocráticos

(os dois últimos). Como consequência da transição, ocorreram processos de liberalização

política e econômica que trouxeram para arena política o multipartidarismo nos referidos

países além do neoliberalismo que visava “modernizar” a economia de cada país.

A instabilidade monetária cerceava a expansão de direitos e o efetivo cumprimento do texto

constitucional nos três países ao longo da década de 1990. A administração Itamar Franco no

Brasil foi o único momento no nível federal de resgate do nacional-desenvolvimentismo e de

tentativa de resguardar direitos sociais na década de 1990. Porém, constitui a exceção do

período. Em Angola e em Moçambique, países socialistas, as políticas neoliberais

incentivaram a proteção da propriedade privada individual em meio à destruição da

propriedade coletiva das tribos, a manutenção da paz como pré-requisito para a ampliação da

entrada de capital internacional para recuperar a infraestrutura e a economia dos países pós-

guerra civis e a criação de regulamentos para mercado de câmbios.

Nesse processo de busca por democracia e de desenvolvimento econômico, novos atores

políticos se destacaram: os movimentos sociais e/ou sociedade civil brasileira passaram a

exercer moderada participação na formulação da agenda política do país na década de 1990 e

na década seguinte ocorreu um aumento progressivo. Com a abertura política, a formulação

da agenda do país não se encontra restrita aos governos e aos partidos políticos, sendo assim,

uma nova relação entre eleitor/cidadão e governo/partidos se estabeleceu.

A atuação do Embaixador brasileiro José Aparecido de Oliveira durante o governo Itamar

Franco foi essencial para criação institucional da CPLP em 1996. Fernando Henrique Cardoso

ao discursar na abertura da Reunião de Cúpula da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa disse:

“Queremos construir uma Comunidade em sentido pleno, inspirada no valor da igualdade,

afastada de articulações hegemónicas, dedicada a um trabalho harmonioso de cooperação -

uma Comunidade que, em suas deliberações, honre nosso espírito democrático”.

Esse é o sentido da participação brasileira no MERCOSUL, por exemplo, ou de que Angola

e Moçambique sejam partes da SADC, ou de que Portugal pertença à União Europeia. Esse é

o sentido de que Brasil e Portugal formem parte da Comunidade Ibero-Americana. E esse é o

22

sentido de que os Sete, apoiados nessa comunhão linguística que nos torna um núcleo

particular, estabeleçamos uma comunidade política de países, diferentes, é certo, mas com

muitos interesses compartilhados, com um grande potencial de ampliar a nossa voz e de

melhorar a qualidade da cooperação que bilateralmente nos oferecemos uns aos outros”.

(CARDOSO, 1996).

A retórica do governo brasileiro projeta o país no continente africano de forma não de forma

agressiva e resgata o ideal de espírito democrático do Brasil, entretanto, a implementação e

atuação das instituições governamentais brasileiras não promovem necessariamente a justiça

social naqueles países e são negligentes com o meio ambiente. A cooperação na agricultura

pode ser interpretada como devastação do meio ambiente – grandes latifúndios com

produções voltadas para o mercado externo. Não existe cooperação desinteressada.

Os africanos conhecem o Brasil através da mídia, mas os brasileiros não conhecem Angola ou

Moçambique. Essa presença brasileira se dá através das novelas, das igrejas brasileiras que

estabeleceram “missões” para evangelizar esses povos e de projetos de cooperação técnica,

educacional, em saúde e principalmente, no campo da agricultura. O Brasil é visto pelos

angolanos e moçambicanos como a ex-colônia que prosperou – um modelo de

desenvolvimento econômico e social. Sob os signos de democracia, desenvolvimento

sustentável, direitos humanos, paz e justiça social, essas nações se uniram para promoverem o

progresso e a manutenção dos laços inquebráveis da lusofonia.

Se por um lado ocorreram avanços e/ou retrocessos na construção desse fórum multilateral do

mundo lusófono nos anos 1990, por outro, Brasil, Angola e Moçambique amargavam crises

econômicas. Ao longo deste tempo, a doutrina neoliberal prejudicou a estrutura econômica do

Brasil, de Angola e de Moçambique. Inflação, déficit na balança comercial, forte disciplina

fiscal e privatizações de instituições estratégicas para o desenvolvimento nacional, essas

foram às consequências da prescrição feita pelo FMI e pelo Banco Mundial.

No auge da crise econômica na segunda metade da década de 1990, o conceito retrógrado de

“vocação agrária do Brasil” foi resgatado pela bancada ruralista no Congresso Nacional. A

luta pela terra foi sobrepujada pelos interesses econômicos, sobretudo, do agronegócio. O

Movimento sem terra (MST) assim como as Ligas Camponesas de Francisco Julião nos anos

1950/60 foram combatidas pelo governo. Na região de Eldorado dos Carajás - Pará (1996) a

polícia foi acionada para restabelecer a ordem pública. Durante o processo de “pacificação”,

17 integrantes do MST foram mortos e várias pessoas ficaram feridas. O domínio da terra se

deu pelo uso do monopólio não legítimo da força repressora do Estado.

A Era Fernando Henrique Cardoso pôs fim ao nacional-desenvolvimentismo no Brasil que

teve início na década de 1930 e era caracterizada pela defesa da industrialização para superar

o subdesenvolvimento e pelo planejamento, investimento e execução do progresso nacional

pelo Estado. Nos anos 1950 e 1960, o ideal desenvolvimentista teve como suporte ideológico

o ISEB e a CEPAL. Pode-se dizer que em meados da década de 1990 e início dos anos 2000

foi marcado pelo alto endividamento e “quase extinção” dos médios e pequenos agricultores.

Em meados do segundo mandato de FHC, o Governo Federal conseguiu estabilizar a moeda e

preparou o arcabouço para o retorno ao desenvolvimento e da competitividade comercial do

país na Era Lula da Silva.

6 - A Era Lula da Silva e a projeção pragmática do Brasil em África

23

A vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 para a Presidência da República

representou para os diversos movimentos sociais a esperança de mudança das realidades

social e econômica no Brasil, como, por exemplo, o discurso de combate à fome baseado na

valorização da agricultura familiar, na implementação de bolsas sociais e na ampliação do

acesso ao crédito às classes sociais C e D. No âmbito internacional, as relações com o

continente africano se tornou uma das prioridades na agenda internacional do Brasil. O país

tornou-se um global player, pois o mesmo se coloca como um importante interlocutor dos

países subdesenvolvidos nos fóruns multilaterais. Contudo, o discurso dramático sobre os

graves problemas sociais e econômicos que envolvem o Brasil e os demais países em

desenvolvimento apresentam distorções sobre a efetividade e eficácia das ações brasileiras no

exterior.

O presidente havia visitado 17 países africanos, recebido 15 líderes no período de 2003 a

2006 e aberto ou reativado 12 embaixadas brasileiras. Entretanto, os discursos presidenciais e

a ação política para o desenvolvimento daquele continente eram diacrônicos. Isso se deve aos

entraves da administração pública para implementação da agenda de políticas públicas. O fato

é que durante a primeira gestão Lula da Silva, o Itamaraty, o Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio e outros órgãos públicos federais estabeleceram contatos e fizeram

estudos potenciais para a “nova geopolítica comercial” brasileira, ou seja, fizeram

essencialmente política. Celso Amorim, em 2006 na aula inaugural para a Turma 2006-08 do

IRBr, disse que “tudo que se faz no Itamaraty é e deve ser político” (Amorim, 2011: 71).

O Governo brasileiro se voltou para as “Áfricas” amparado por grupos econômicos, seja da

construção civil e/ou do agronegócio, que se utilizaram da exportação de políticas públicas

para fins privados e para internacionalizar o capital brasileiro. No plano das relações

domésticas, grande parte dos movimentos sociais de luta pela terra e o agronegócio foram

tutelados pelo Estado. A aliança PT-PMDB e outros partidos permitiu a governabilidade, o

estabelecimento de uma agenda pública diversificada e devido à coalizão política priorizou-se

concessões ao agronegócio em detrimento da população sem terra. Por outro lado, houve um

crescimento exponencial de investimento federal para o Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (PRONAF) no período de 2002 a 2010.

Fonte: MDA.

O Novo desenvolvimentismo brasileiro foi impulsionado pela implantação de Programas de

Aceleração do Crescimento (PAC) na segunda gestão do governo petista, que, privilegiou

projetos de infraestrutura social e energética. Na dimensão da cooperação sul-sul, o Brasil

24

exportou políticas públicas para o continente africano. Em Angola, a Agência Brasileira de

Cooperação (ABC) desenvolveu via EMATER a capacitação na Assistência Técnica e

Extensão Agrária para Técnicos Angolanos e Apoio à Formação Profissional Rural Promoção

Social. No caso de Moçambique, a ABC através da EMBRAPA e com auxílio da França

(CIRAD) promoveu a Capacitação Técnica de Moçambicanos em agricultura de Conservação

e o com apoio dos EUA (USAID) a ABC realizou o Suporte Técnico à Plataforma de

Inovação Agropecuária.

A atual relação entre Brasil, Angola e Moçambique inova ao reforçar o pilar da chamada

“cooperação técnica e ajuda para o desenvolvimento”, que envolve, além da Agência

Brasileira de Cooperação (ABC), outros atores estatais brasileiros, como a FIOCRUZ, a

EMBRAPA, o SENAI e alguns ministérios como o MDS e o MDA. Isso implica a

“internacionalização” de instituições brasileiras para além do campo econômico ou de política

externa. Durante o governo Lula, o Brasil passou de receptor para ser um doador de ajuda

internacional. (Fontes; Garcia; Kato, 2012:13).

A cooperação brasileira com Angola e com Moçambique é uma política coerente e realista

com as necessidades técnicas e sociais daqueles países africanos. Apesar disso, a formulação

da agenda do país no exterior e o processo de tomada de decisão ficou restrita a Diplomacia

presidencial de Lula da Silva, ao Ministério das Relações Exteriores, outros ministérios e ao

empresariado com apoio político dos governos receptores da ajuda ao desenvolvimento. O

alijamento da sociedade civil nacional sobre a atuação de empresas públicas e privadas

transnacionais e, principalmente, chinesas em alguns setores como agricultura e mineração no

continente africano, conduz grande parte dos cidadãos brasileiros a acreditarem que a política

externa brasileira não tem gerado atritos sociais com as populações angolanas e

moçambicanas. A máscara do império brasileiro se consolidada através da exportação da

cultura brasileira via mídia e dos acordos de cooperação em diversas áreas e através visando o

acesso da abundância de recursos naturais africanas.

A interação cultural e comercial com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

(PALOP) através da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) abriu as

portas comerciais do Brasil com o continente africano. Entretanto, o fluxo comercial é baixo

se comparado com a presença econômica chinesa. Após, os contatos políticos - econômicos

feitos ao longo da primeira gestão do Presidente Lula, podemos perceber um crescimento

exponencial das exportações brasileiras para Angola e para Moçambique. Vejamos os dados

das tabelas:

25

Fonte: MRE – DPR. Outubro de 2012.

No período de 2007 a 2010, Angola importou mais do que exportou para o Brasil. A balança

comercial negativa em 2009 deve-se aos reflexos do estouro da bolha econômica imobiliária

dos EUA iniciado em meados de 2007 e com auge em 2008 e a instabilidade política do

governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) diante das ameaças da

oposição a governabilidade do país. A consequência da crise capitalista estadunidense que

refletiu no mercado mundial foi à diminuição do poder de compra do comércio angolano e a

alta valorização cambial brasileira. O Governo Federal através do Programa de Aceleração do

Crescimento e da manutenção de políticas sociais conseguiram temporariamente combater a

inflação. Em 2009, o Banco Central do Brasil divulgou a informação que o país conseguiu

estabelecer uma taxa de juros ao ano na faixa de 5,3%, o menor desde o início da Era Lula da

Silva.

26

Fonte: MRE – DPR. Agosto de 2012.

O ano de 2009, nas relações comerciais Brasil-Moçambique, foi o ápice do intercâmbio se

comparado aos dois anos anteriores. Os cinco encontros presidenciais de Lula da Silva

(Brasil) com o Presidente Armando Guebuza (Moçambique) tornou aquele país africano em

um parceiro estratégico na cooperação Sul-Sul. Os acordos em negociação da EMBRAPA

com o Ministério da Agricultura moçambicana tem produzido uma transformação verde,

recuperação parcial e desmatamento das savanas com o estabelecimento de latifúndios para a

exportação de grãos. O governo brasileiro enviou em julho de 2009, uma Missão composta

por burocratas e empresários para Moçambique para discutir a extensão de financiamentos, no

montante inicial de US$ 300 milhões para novos projetos a serem implementados e

desenvolvidos por empresas brasileiras (O montante informado esta contido no Discurso do

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita de Estado do presidente de

Moçambique, Armando Guebuza, em 21-07-2009).

Garcia, Kato e Fontes destacaram no relatório do PACS que no campo agrícola, as políticas

de cooperação se confundem, em muitos casos, com os fluxos de investimentos e os

financiamentos públicos de apoio à internacionalização de empresas brasileiras. O aumento da

produção de etanol, além de conformar um mercado mundial para o combustível, abre uma

grande oportunidade para o Brasil de transferência tecnologia (por meio de seus órgãos

governamentais e empresas) com o fortalecimento da demanda por máquinas e equipamentos

para a sua produção. Ademais, apresenta um discurso que localiza a produção de

biocombustíveis como uma política de cooperação que permite o desenvolvimento

sustentável, a inclusão social e o desenvolvimento rural. Com esse pretexto, a Petrobras

iniciou cooperação em biocombustíveis em Moçambique e Angola. O “ProSavana”, em

particular o desenho de um Plano Diretor para o Desenvolvimento da Agricultura para o

Corredor de Nacala (capitaneado pela Embrapa em cooperação com a JICA), se articula com

27

grandes obras de infraestrutura num complexo mina-ferrovia-porto/aeroporto, conduzido pela

Vale.

(FONTES; GARCIA; KATO, 2012)

Para proteger os interesses do governo e, principalmente, do empresariado brasileiro, o

Ministro da Defesa, Nelson Jobim, ofereceu treinamento a militares moçambicanos na área de

Missão de Paz. Moçambique possui grandes quantidades de recursos naturais, como, por

exemplo, minérios e terra de boa qualidade para o plantio. Entretanto, constantes ameaças de

turbulências sociais são presentes na conjuntura política moçambicana. O país ocupa 184º

lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), dos 187 lugares do ranking. Diante do

problema da fome do povo moçambicano, o governo Lula da Silva, através da Agência

Brasileira de Cooperação e da EMBRAPA, negociou apoio técnico com a agência de

cooperação dos EUA (USAID) e com o governo de Moçambique, a implantação de

programas de nutrição e segurança alimentar. O projeto tem por objetivo desenvolver técnicas

de produção agrícola, processamento de alimentos, distribuição para a população e transferir

tecnologia para que consigam alcançar a autossuficiência de produção. Entretanto, devido a

problemas de administração dos recursos por parte do governo de Moçambique e a

instabilidade política local, pequenas parcelas da população serão beneficiadas pelo programa.

7 - Considerações Finais

A política externa africanista do Brasil em Angola e em Moçambique foi inaugurada no

período do governo Jânio Quadros e João Goulart no início da década de 1960. O objetivo

dessa aproximação histórica era procurar modelos de desenvolvimento econômico e social e

reestabelecer a interação e empréstimos culturais. Nos primeiros dez anos da Ditadura Militar

no Brasil, o governo se apartou temporariamente do discurso terceiro-mundista devido à

expansão do socialismo soviético, do cubano e do chinês pelo mundo africano. O Ministério

das Relações Exteriores, no interregno de 1967 a 1975, reconhecia o direito de

autodeterminação dos povos afro-asiáticos. Entretanto, o país tinha um posicionamento dúbio

no que dizia respeito à independência de Angola e de Moçambique. Essa atitude do governo

brasileiro deve-se ao Tratado de Amizade e Consulta com Portugal (1953) no qual o Brasil

mantinha o compromisso de não reconhecer a independências dos domínios portugueses na

África.

O resgate do paradigma universalista da política externa brasileira na diplomacia do

Pragmatismo Responsável e Ecumênico na Era Geisel e com a Revolução dos Cravos em

Portugal (1974) que pôs fim ao regime salazarista teve como consequência prática para as

relações Brasil-Áfricas, o reconhecimento das Independências dos Países Africanos de Língua

Oficial Portuguesa. A partir de 1975, a diplomacia brasileira com apoio do empresariado

nacional desenvolveu estudos e estabeleceu acordos de cooperação técnica com os Governos

de Angola e de Moçambique, em diferentes áreas como agricultura, saúde e educação.

Entretanto, as guerras civis do pós-independência nesses países africanos e a recessão

econômica dos anos 1980 desarticularam temporariamente a implementação de projetos de

ajuda para o desenvolvimento.

A criação do Fórum multilateral Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa

(CPLP) foi uma importante etapa na construção de um posicionamento de autonomia e

liderança do Brasil no cenário geopolítico e econômico do pós- Guerra Fria no continente

africano - principalmente no governo Lula da Silva. A cooperação brasileira no âmbito da

agricultura em Angola e em Moçambique nos anos dois mil por um lado buscou promover o

28

desenvolvimento daquelas nações, mas, por outro lado, esconde a pretensão do empresariado

brasileiro em dominar as riquezas naturais alheias. O Governo brasileiro se coadunou com o

empresariado brasileiro e com os governos locais que em nome do “desenvolvimento”. Esses

atores negligenciam os direitos dos cidadãos a terra em prol de interesses econômicos e

atenuam parcialmente os problemas sociais e econômicos daquelas nações africanas. O futuro

de Angola e de Moçambique tende ao reavivamento de conflitos sociais, caso as explorações

dos recursos naturais e as riquezas econômicas nelas contidos, não sejam redistribuídos entre

a sociedade. O artigo buscou sistematizar a construção histórica da Política Externa Brasileira

africanista no “Novo Império Brasileiro de Língua Portuguesa”, buscando elementos da

política doméstica que expliquem a atuação do país no campo da cooperação sul-sul com

Angola e Moçambique.

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