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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio UNESP/INCRA/Pronera O JOVEM E SUA PERSPECTIVA DE VIVER NO CAMPO: INTERIOR DE ABELARDO LUZ- SC GRETI APARECIDA PAVANI Monografia apresentado ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientador: Profª. Drª. Valéria de Marcos Monitor: Sidney Cássio Todescato Leal Presidente Prudente 2011

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MST, Juventude Rural

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  • Cmpus de Presidente Prudente Curso de Graduao em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)

    Convnio UNESP/INCRA/Pronera

    O JOVEM E SUA PERSPECTIVA DE VIVER NO CAMPO:

    INTERIOR DE ABELARDO LUZ- SC

    GRETI APARECIDA PAVANI

    Monografia apresentado ao Curso Especial de Graduao em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convnio UNESP/INCRA/Pronera, para a obteno do ttulo de Licenciado e Bacharel em Geografia.

    Orientador: Prof. Dr. Valria de Marcos

    Monitor: Sidney Cssio Todescato Leal

    Presidente Prudente

    2011

  • O JOVEM E SUA PERSPECTIVA DE VIVER NO CAMPO:

    INTERIOR DE ABELARDO LUZ- SC

    GRETI APARECIDA PAVANI

    Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Cincias e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obteno do ttulo de Licenciado e Bacharel em Geografia.

    Orientador: Prof. Dr. Valria de Marcos

    Presidente Prudente SP

    2011

  • Greti Aparecida Pavani

    O JOVEM E SUA PERSPECTIVA DE VIVER NO CAMPO:

    INTERIOR DE ABELARDO LUZ- SC

    Monografia apresentada como pr-requisito para obteno do ttulo de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, submetida aprovao da banca examinadora composta pelos seguintes membros:

    Prof. Dr. Valria de Marcos

    Prof. Dr. Mirian Loureno Simonetti

    Prof. Dr. Jlio Suzuki

    Presidente Prudente, novembro de 2011

  • DEDICATRIAPara todas as lutadoras e lutadores do povo.

    Para Issan minha adorada filha, cujo existir, fonte de luz e persistncia.

    Para Oribes e Madalena meus queridos pais, pelo apoio incondicional a todos os momentos difceis.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pela oportunidade de estudo e de insero na luta cotidiana por um projeto de transformao social.

    A Turma Milton Santos pelos incondicionais momentos de alegria e de aprendizado.

    Aos meus pais, pelo afeto recebido em todos os momentos, por acreditar na importncia do estudo, e pelo apoio incondicional em todos os momentos de dificuldades encontrados por essa caminhada.

    Ao meu querido irmo Gordo e toda sua famlia que incansavelmente dedicaram o seu tempo para me ajudar. Ao meu irmo Jos pelas longas conversas e aprendizado.

    Ao meu grande amigo, compadre, companheiro de estudo, Gilberto de Biasi, pela amizade e apoio sempre que necessrio.

    A querida Dr Valria de Marcos, por acreditar neste trabalho, pela dedicao e esforo e principalmente por acreditar que a educao fundamental para os lutadores do povo.

    Ao Sidney, querido amigo e monitor, pela responsabilidade e comprometimento com sua tarefa, auxiliando-me sempre que necessrio.

    Aos muitos amigos que me incentivaram, de forma carinhosa: Mrcia, Vilmar, Edilaine, Fernanda, Aidir entre tantos outros que com certeza lembrarei com carinho.

    Agradecer de forma especial aos jovens dos Assentamentos 25 de Maio e Jos Maria , pela

    ateno. comunidade Canhado pelo tempo dedicado as conversas e entrevista.

  • RESUMO

    Este trabalho visa analisar a perspectiva da juventude camponesa em permanecer no campo e como

    esta concebe sua vivncia nesse espao. Atravs da anlise de realidades pontuais - dois

    assentamentos da reforma agrria e uma comunidade tradicional camponesa - busca-se

    compreender os processos sociais aos quais os jovens do campo esto inseridos, quais as relaes

    sociais e econmicas estabelecidas com esse pblico, qual a representao da cidade em sua vida e

    quais as perspectivas de vida no campo para os mesmos. Ser realizada tambm a anlise das

    possibilidades existentes no campo que, de fato, atendam s necessidades sociais e econmicas

    colocadas pela juventude camponesa, em especial daquela dos assentamentos do MST, buscando

    compreender tambm sua insero no MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e as

    perspectivas futuras para o prprio movimento.

    Palavras chave: jovem, campo, trabalho, assentamento de reforma agrria, Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

    RESUMEN

    Este documento tiene como objetivo analizar las perspectivas de los jvenes rurales a permanecer

    en el campo, ve esto como su experiencia en este espacio. A travs del anlisis de las realidades

    especficas - dos asentamientos de reforma agraria y una comunidad campesina tradicional - que

    tratamos de comprender los procesos sociales a los que los jvenes son parte del campo, que las

    relaciones sociales y econmicas establecidas en esta poblacin, que representa a la ciudad en su

    vida y cules son las perspectivas en el campo para ellos. Tambin se llevar a cabo para estudiar

    las posibilidades en el campo que realmente satisfagan las necesidades sociales y econmicas

    planteadas por los jvenes rurales, en especial la de los asentamientos del MST, tratando de

    comprender tambin su inclusin en el MST (Movimiento de Trabajadores Rurales Sin Tierra) y las

    perspectivas futuro para el movimiento en s.

    Palabras clave: joven, trabajo, campo, asentamiento de la reforma agraria, Movimiento de

    Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST).

  • Lista de Figuras

    Figura 1 Estado de Santa Catarina: Regies das Primeiras ocupaes do MST 13Figura 2 Localizao do municpio de Abelardo Luz no estado de Santa Catarina 14Figura 3 Vista parcial da Vila 25 de Maio 18Figura 4 Educandos e educadores da turma de EJA-Mdio Florestan Fernandes, em

    frente o antigo casaro 20

    Figura 5 Educandos do curso tcnico no tempo trabalho no CPFP 21Figura 6 Salo comunitrio da Comunidade Canhado 24Figura 7 Igreja Catlica da Comunidade Canhado 24Figura 8 Vista parcial do frigorfico de peixes da COOPEAL 27Figura 9 Organograma da COOPEAL 28Figura 10 Vista parcial da sede da COOPEROESTE 30

    Lista de Tabela

    Tabela 1 Escolas no Municpio de Abelardo Luz 49

  • SumrioSumrio...............................................................................................................................................9Introduo...........................................................................................................................................81.Histrico da ocupao de terras no oeste de Santa Catarina....................................................102.As relaes sociais e econmicas das realidades em questo.....................................................313. O campo e a juventude camponesa.............................................................................................37Consideraes Finais........................................................................................................................52Referencias Bibliogrficas ..............................................................................................................53Sites Consultados..............................................................................................................................54

  • 8Introduo

    Este trabalho fruto de estudo de pesquisa e vivncia no interior do municpio de Abelardo

    Luz-SC, tendo como rea de pesquisa emprica os assentamentos 25 de Maio e Jos Maria e a

    comunidade Canhado. O presente estudo traz como foco a juventude e suas perspectivas de

    permanncia no campo, compreendendo porm que o conceito de juventude abordado vai muito

    alm da questo biolgica, mas sim parte da anlise de uma categoria social construda e

    reconstruda por aspectos da sociedade que lhes moldam culturalmente, socialmente e

    economicamente (Strapasolas 2006). Para tanto foi necessrio um resgate histrico da luta pela terra

    e do MST no estado de Santa Catarina e no municpio de Abelardo Luz, bem como um resgate do

    histrico das trs realidades em questo, feito atravs de conversas informais, entrevistas e anlises

    de documentos como: atas de reunies, PPP das escolas e histrico construido pela direo do MST

    no municipo para solicitao de projetos, como por exemplo a Rdio Comunitria, com o objetivo

    de analisar quais as perspectivas de permanncia dos jovens no campo e o que o campo oferece

    como perspectivas para os mesmos, foram realizadas entrevistas direcionadas para a compreenso

    dessa questo.

    Dos 350 jovens com idade entre 15 e 25 anos residentes nos trs locais estudados, foi retirado

    uma amostra com 50 deles, sendo 10 da comunidade Canhado (que possui 50 jovens

    aproximadamente), 25 do Assentamento Jos Maria, onde est o maior nmero de jovens (cerca de

    230) e 15 do Assentamento 25 de Maio, onde moram aproximadamente 70 jovens. O nmero de

    jovens entrevistados baseou-se na quantidade de jovens existentes em cada local. A faixa etria

    entre 15 e 25 anos foi escolhida considerando a idade em que os jovens esto estudando ou j

    saram da escola e passam a se inserir no mercado de trabalho. Alm das entrevistas, tambm a

    minha atuao enquanto educadora das escolas de ensino mdio dos dois assentamentos em

    questo, vivenciando as angustias e as perspectivas do cotidiano dos jovens educandos serviram

    como fonte de dados e informaes para a realizao deste trabalho.

    A presente pesquisa traz as diferenas existentes entre os dois assentamentos e entre os dois

    assentamentos e a comunidade Canhado. Busca-se compreender quais so as possibilidades

    apontadas para que os jovens possam permanecer no campo, as perspectivas oferecidas pelo MST

    nos assentamentos, a oferta de servios pblicos na comunidade e nos assentamentos e a

    importncia da Vila 25 de Maio no meio rural. Destaca-se para tal o nvel de insero dos jovens no

    MST, bem como a anlise da educao, do lazer e das relaes de trabalho postas para a juventude

    camponesa.

  • 9Para alcanar os nossos objetivos, estruturamos nosso trabalho em trs captulos. O primeiro,

    intitulado Histrico da ocupao de terras no oeste de Santa Catarina, onde fazemos um pequeno

    resgate da luta pela terra na regio, da atuao do MST na mesma e em especial da atuao do MST

    no municpio de Abelardo Luz, e da conquista dos dois assentamentos em estudo. Buscamos

    tambm neste captulo resgatar o processo de formao e estruturao da comunidade Canhado.

    O segundo captulo, intitulado As relaes sociais e econmicas das realidades em questo,

    visa uma breve anlise dos aspectos econmicos e sociais encontrados nas reas de estudo e qual a

    relao e insero social e econmica dos jovens nessa dinmica. Neste captulo preocupamo-nos

    em mostrar as semelhanas e contradies encontradas entre os dois assentamentos e a comunidade

    Canhado.

    No terceiro captulo, que tem como ttulo O campo e a juventude camponesa buscamos,

    atravs da analise de como o jovem campons est inserido no campo, identificar o que o jovem

    espera do mesmo e quais so as perspectivas desta parcela da sociedade que vive no campo em

    permanecer no mesmo. Buscamos tambm analisar qual a insero dos jovens no MST, no caso dos

    assentamentos, e o que o MST pensa para essa juventude. Visamos tambm anlise dos jovens que

    se encontram na comunidade Canhado e nos Assentamentos 25 de Maio e Jos Maria, no que estes

    se diferenciam e se assemelham, assim como os fatores que levam a essas semelhanas e diferenas.

    Ainda neste captulo realizamos uma analise da relao dos jovens camponeses com o trabalho, a

    educao e o lazer e como essa relao se d no interior das realidades estudadas.

  • 10

    1. Histrico da ocupao de terras no oeste de Santa Catarina

    Os movimentos e lutas sociais so grandes marcos do sculo XX no Brasil, principalmente as

    mobilizaes sociais que surgem no campo brasileiro oriundos dos problemas agrrios que o Brasil

    possui at hoje, em virtude da concentrao fundiria que ocasiona pobreza e misria para a maioria

    dos camponeses. O processo de mercantilizao e expropriao fruto do sistema capitalista

    atualmente em curso, expulsa o campons da terra, separando-o do seu meio de produo, a terra

    (Martins, 1983).

    De acordo com Fernandes e Stdile (2005), a ocupao de terra no Rio Grande do Sul em

    1979, conhecida como Encruzilhada do Natalino, foi o estopim para que se pensasse numa forma de

    luta organizada dos trabalhadores camponeses expropriados pelo capital, que buscavam alternativas

    para continuar garantido sua existncia enquanto camponeses atravs da luta pela terra, tendo esta

    como meio de produo. Para tanto, a luta deveria ser nica, ou melhor, um movimento

    homogneo. A esse respeito, Fernandes e Stdile (2005, p. 21), lembram as palavras de Jos de

    Souza Martins, ditas em uma reunio com a CPT entre os anos de 1981 ou 1982: a luta pela terra

    no Brasil s ter futuro e somente se transformar em um agente poltico importante para mudar a

    sociedade se conseguir adquirir um carter nacional e se conseguir organizar os nordestinos.

    Nesse sentido, a contribuio e apoio de representantes da Igreja Catlica atravs da CPT

    (Comisso Pastoral da Terra), criada em Goinia em 1975, assim como a da Igreja Luterana, foram

    fundamentais para a existncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criado

    em 1984. Para Fernandes e Stdile (2005, p.21) A CPT foi uma fora que contribui para a

    construo de um nico movimento, que teve seu marco inicial na regio Sul do pas e logo foi

    expandida pelos estados de So Paulo e Mato Grosso do Sul. Hoje o MST est organizado em 25

    estados do Brasil, realizando uma luta com carter nacional.

    O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra consolidou-se, assim, numa organizao

    nacional com o 1 Congresso do MST realizado em Curitiba-PR, em janeiro de 1985, tendo como

    grito de ordem Ocupao a nica soluo. O movimento traz como smbolo de luta as

    ocupaes em fazendas improdutivas, atravs da organizao de acampamentos de lona preta com

    forte carter organizativo. Questiona a propriedade privada da terra e coloca a Reforma Agrria

    como uma medida urgente e necessria para o pas. Para Oliveira (2001, p. 15), o

    [...] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra tem feito da luta pela terra uma bandeira de defesa e de conquista da reforma agrria. Os acampamentos so verdadeiras escolas onde se discute a necessidade da produo coletiva dos assentados.

  • 11

    Ao assim agir, ele cria uma imensa preocupao para os grandes latifundirios, empresrios e

    para o prprio poder pblico, para os quais a organizao da classe trabalhadora uma ameaa ao

    sistema capitalista que lhes garante muito poder econmico e poltico.

    Em Santa Catarina, a primeira ao de ocupao de terras se deu com a ocupao da fazenda

    Burro Branco, em Campo re, regio oeste do estado, em maio de 1980. Tal ocupao foi iniciada

    primeiramente por cinco famlias que foram avisadas por tcnicos do INCRA que uma fazenda ali

    prxima seria desapropriada. Ocorre que no se tratava da fazenda Burro Branco, havia sido um

    engano, mas as famlias permaneceram no local e logo em questo de semanas chegaram mais e

    mais famlias, totalizando 350, que contavam com o apoio da CPT e da diocese da Igreja Luterana

    de Chapec. Em 12 de novembro de 1980 a fazenda foi desapropriada (Morissawa, 2001).

    No que se refere consolidao do MST no estado, o marco principal foi dado no ms de

    maio de 1985. Segundo Fernandes e Stdile (2005), as ocupaes de 1985 em Santa Catarina foram

    extremamente expressivas para a consolidao do MST no estado. Tratou-se de uma grande ao,

    com cerca de 1.659 famlias ocupando latifndios na regio oeste de Santa Catarina, nos municpios

    de Quilombo, Abelardo Luz, Descanso, Romelndia, So Miguel do Oeste e Maravilha, em um

    perodo de sete dias. O resultado dessas grandes ocupaes realizadas no estado foram cinco

    assentamentos distribudos em cinco municpios de Santa Catarina com o nome 25 de Maio,

    registrando a importncia dessa data para os camponeses assentados e para o MST no estado.

    Ressalte-se que a maioria das famlias que foram assentadas nesses assentamentos participou das

    ocupaes em maio de 1985.

    Contudo importante destacar tambm que essa regio do estado a regio onde ocorreu a

    Guerra do Contestado no incio do sculo XX, estendendo-se pelos anos de 1912 a 1916, ocasio

    em que milhares de camponeses catarinenses e paranaenses, expropriados de suas terras, lutaram

    contra o governo e contra a empresa norte-americana Brazil Railway Company que se instalara na

    regio (Morissawa, 2001).

    Desde ento, a luta pela terra no estado foi contnua, com destaque para o ano de 1987, com

    vrias ocupaes distribuidas pelos municpios de Campo re, Irani, Campo Alegre, Ibirama, Palma

    Sola e Garuva. Na dcada de 1990 o MST em Santa Catarina mostrou grande fora, como relata

    Morissawa (2001, p.175-176)

    O ano de 1990 foi farto em lutas dos sem-terra catarinenses: ocupao das fazendas Santa Rosa, em Abelardo Luz; Frigonese em Palma Sola; Caldato em Chapec; Despraiado e Ronda em Curitibanos; ocupao do Incra em Florianpolis, exigindo audincia com o governador, para reivindicar alimentos, escolas, estradas;

  • 12

    ocupao na prefeitura de Abelardo Luz, para pressionar por energia eltrica, estradas, escolas, sementes. Em dezembro, o MST conquistou a imisso de posse das fazendas Igua, em Ponte Serrada, e Canhada Funda, em Fraiburgo.At 1990, o MST de Santa Catarina havia se expandido por trs regies do estado e conquistado 50 assentamentos para 2.031 famlias. Nos anos Collor, de intensa represso, o Movimento dedicou-se mais s negociaes, organizao interna e s aes pelo desenvolvimento dos assentamentos.A dcada de 1990 foi plena de lutas em Santa Catarina, comeando com a conquista de terras para 350 famlias, em 1991, em Fraiburgo e no Projeto Contestado. Ainda nesse ano, o MST promoveu atos em vrios pontos do estado. Uma caminhada, de Curitibanos a Florianpolis, iniciada com 100 pessoas, recebeu apoio popular no trajeto e chegou capital com 7 mil. Outras trs manifestaes foram realizadas ao mesmo tempo em Rio do Sul, Blumenau e Itaja. Outros assentamentos foram conquistados entre 1992 e 1994, em Joaaba, Matos Costa e Abelardo Luz.

    De acordo com dados recolhidos da COOPTRASC (Cooperativa Central de Reforma Agrria

    de Santa Catarina), hoje o estado de Santa Catarina conta com 133 assentamentos, 5.142 famlias

    assentadas, 70 Escolas, distribudas em Educao Infantil, Sries Iniciais (1 a 4 Srie), Ensino

    Fundamental (1 a 8 Srie), Ensino Mdio, Cursos Tcnicos em Agroecologia e Escolas Itinerantes.

    Na produo, o estado conta com 13 cooperativas e 03 Associaes. Possui cerca de 40 produtos

    com a marca Terra Viva. Participou do Programa de Aquisio de Alimentos (PAA), com mais de 5

    milhes acessados em 2010. Possui 2.591 unidades de reforma de habitao j contratadas e tem

    dado continuidade ao programa da Assessoria Tcnica Social e Ambiental (ATES).

    A (figura 1) indica as regies das primeiras ocupaes do MST.

  • 13

    Figura 01: Estado de Santa C

    atarina: Regies das Prim

    eiras ocupaes do MST.

    Fonte: CO

    OPTR

    ASC

    (2010)

  • 14

    Em Abelardo Luz (figura 2) a primeira ocupao foi em 25 Maio de 1985, com cerca de 1500

    pessoas, na sua maioria oriundas de outros municpios como Campo re, Quilombo, entre outros.

    Tal ocupao transformou-se em marco da luta pela terra no municpio, que passou a ser campo de

    grandes disputas por terras no estado.

    Figura 02: Localizao do municpio de Abelardo Luz no estado de Santa Catarina

    Fonte: mapainterativo.ciasc.gov.br

    De acordo com relato de lideranas do MST da regio, as ocupaes em Abelardo Luz foram

    palco de violentos despejos, mortes e intensa represso por parte do governo municipal. As aes

    mais violentas partiam principalmente dos capatazes das fazendas que, obedecendo s ordens dos

    seus patres, ameaavam e amedrontavam os acampados atravs de tiros e barreiras, como foi o

    caso da ocupao de 25 de maio, quando atearam fogo na ponte que dava acesso rea a ser

    ocupada na fazenda. Hoje Abelardo Luz o municpio com maior nmero de assentamentos em

    Santa Catarina, tendo 22 assentamentos e aproximadamente 1500 famlias assentadas. O municpio

    tem tambm forte representao em nvel estadual, com grandes aes na questo da educao e da

    produo nas reas de assentamento.

  • 15

    1.1-Histrico do Assentamento 25 de Maio e da Vila 25 de Maio

    O Assentamento 25 de Maio est localizado no municpio de Abelardo LuzSC, na regio do

    oeste catarinense, a 28 km da cidade de Abelardo Luz e possui 58 famlias assentadas, tendo sido o

    primeiro assentamento do municpio de Abelardo Luz, fruto da luta do MST. De acordo com o

    relato de assentados que participaram da ocupao, ele teve sua histria iniciada na madrugada fria

    de 25 de Maio de 1985, quando chegaram nesse municpio caminhes carregados com mulheres,

    homens e crianas, cerca de 2000 pessoas, vindas na maioria de outros municpios, como Campo

    re, Quilombo e Santa Terezinha entre outros, localizados tambm na regio oeste de Santa

    Catarina. Todos possuam um grande objetivo, a conquista da terra, para tirar dela o seu sustento.

    Quando chegaram enfrentaram os jagunos da fazenda, pees que trabalhavam para a

    proprietria da ento Fazenda Sandra que, com medo, atearam fogo na ponte que dava acesso

    fazenda. No mesmo momento as mulheres que estavam nos caminhes da frente, em um ato de

    muita coragem, comearam a apagar o fogo, sendo logo auxiliadas pelos demais que estavam nos

    caminhes. Superada essa barreira, chegaram rea destinada ao acampamento. Segundo relato dos

    assentados, muitos no sabiam nem sequer onde estavam, mas no se importavam. O importante era

    que eles estavam na terra que futuramente ia lhes garantir uma mudana para melhor de suas vidas.

    Segundo relato de ex-lideranas do MST que moram no assentamento, aps oito dias da

    ocupao, chegou a primeira liminar de despejo, mas antes mesmo que a ao fosse executada, as

    lideranas do MST do estado, junto com os acampados, decidiram mudar-se, dirigindo-se para uma

    rea provisria, no municpio vizinho de Faxinal dos Guedes, local onde ficariam aguardando o

    momento para uma nova ocupao. Tratava-se de um potreiro1 de uma fazenda cujo dono era um

    ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Abelardo Luz. Ali permaneceram cerca de

    um ms, mudando-se novamente, ocupando duas reas que pertenciam ao mesmo proprietrio,

    ambas com o nome de Santa rsula, uma localizada em Ara, distrito do municpio de Abelardo

    Luz, para onde foram 150 famlias, e outra no municpio de Faxinal dos Guedes, para onde foram

    600 famlias. Nesse perodo as negociaes se intensificaram e at mesmo o ento Governador do

    estado Esperidio Amim- (Arena), recebeu os acampados em audincia em Florianpolis, a fim de

    que uma soluo plausvel fosse tomada.

    No mesmo ano, 58 daquelas famlias sem terra conseguiram seu objetivo: a conquista da

    terra, ocorrida no ms de novembro, em carter emergencial, j que os lotes foram entregues no ms

    de abril do ano subseqente. No total foram desapropriados 251ha divididos em 58 lotes que

    1 Espao reservado para a criao de bovinos, com pastagem, geralmente cercado.

  • 16

    variavam de 14 a 20ha, e uma rea comunitria de 13,3ha, hoje chamada de Vila. A diviso dos

    lotes foi feita de acordo com o relevo: quanto mais plano e propcio ao cultivo agrcola, menor era o

    lote. Ainda no acampamento e depois no assentamento, na terra, apareceram outras necessidades

    como: sade; educao; transporte, financiamentos para produo etc., o que os fez perceber que a

    luta no havia acabado, mas que ao contrrio, ela deve ser contnua.

    Quando as famlias foram para seus lotes, debateu-se sobre a importncia de deixar a rea de

    um lote para rea comunitria, onde seriam construdos os equipamentos de uso comum como

    escola, igreja, salo de festas, cemitrio2, campo de futebol, enfim, toda a infra-estrutura necessria

    a uma comunidade. A rea comunitria tambm serviria para que os assentados que tivessem

    interesse em morar ali pudessem ali construir uma casa. O objetivo era o de oferecer maior

    diverso e lazer s famlias para que estas pudessem viver mais prximas, facilitando assim a

    socializao entre as mesmas, proporcionando a formao de uma Agrovila, denominada Vila pelos

    assentados e demais pessoas do municpio - a Vila 25 de Maio denominao que ser mantida

    nesse trabalho.

    Nem todas as famlias aceitaram a proposta de morarem na rea comunitria (Vila), ficando

    ento decidido que cada famlia poderia ir morar em seus lotes e que elas teriam tambm direito a

    construir uma casa na Vila mais tarde. As famlias que ficaram com seus lotes prximos Vila,

    cerca de 15 no total, construram suas casas ali mesmo, na vila. Com o passar do tempo a

    comunidade foi ganhando estrutura, sendo construda a igreja catlica, o centro de esportes, a escola

    e algumas casas de filhos de assentados que se casaram e foram ali morar.

    Depois de cerca de 4 a 5 anos, foi se perdendo o controle da entrada de pessoas que iam morar

    na Vila, pois estes acabavam vindo por intermdio de algum morador da vila, assentado que mora

    na vila, filho de assentados, ou at mesmo alguns assentados que moram nos lotes. Os novos

    moradores dirigiam-se ao local, escolhiam ou compravam um lote na Vila3 e tornavam-se assim

    proprietrios do lote onde construam suas casas, tambm alguns professores que vieram dar aulas

    nas escolas ali localizadas foram construindo suas casas e passaram a ser moradores da Vila 25 de

    Maio. Os assentados relatam que no incio fizeram reunies para debater esse assunto, mas muitas

    vezes as famlias que vinham morar na Vila tinham vnculo prximo com algum dos assentados e

    outras vezes o morador da Vila no ouvia a deciso do assentamento de que deviam se retirar da

    Vila. Lideranas do assentamentchegaram at a receber ameaas de morte na poca, sendo que estes

    no tinham, e no tm em termos legais, como retirar esses moradores da rea. Solicitaram ento a

    2 Na regio cultural as famlias enterrarem seus mortos na comunidade onde residem, ou prximo a ela. Desta forma, encontramos cemitrios em praticamente todas as comunidades do interior.3 Muitas vezes a famlia que obtinha a posse do pequeno lote na rea comunitria acabavam indo embora do assentamento, vendendo a parte que lhe pertencia.

  • 17

    interveno do INCRA (Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria), que acabou por

    deixar que o assentamento, junto com o MST, decidisse a situao, eximindo-se da responsabilidade

    sobre a Vila. Dessa forma, diante de todas essas dificuldades, acabou-se por deixar a situao como

    estava.

    Hoje a Vila possui 45 casas, com 42 familias, sendo tres casa, uma ocupada pelos professores,

    outra onde esta atualmente funcionando o PETI (Programa de Erradicao do Trabalho Infantil, e a

    outra que pertence a um morador da vila mesmo e que atualmente esta vazia. Na Vila tem e uma

    mdia de 200 pessoas que moram no espao destinado Vila e arredores (lotes que fazem divisa

    com a rea). Isso provavelmente ocorreu - e ainda ocorre - devido a ausncia de uma entidade

    regulatria, no caso o INCRA, e da no criao no assentamento de uma associao gestora da rea

    da Vila. Tudo isso, ao longo dos anos, acabou acarretando uma srie de problemas como brigas

    entre famlias por lotes na Vila; problemas com a entrada de drogas no assentamento fruto do

    desconhecimento sobre a origem e o interesse das pessoas que moram e frequentam a Vila; vendas

    de lotes ocasionados por brigas entre moradores da Vila e assentados.

    Todos esses problemas, provavelmente, tambm foram ocasionados pela prpria inexperincia

    dos assentados que no conseguiam administrar o espao destinado rea comunitria, uma vez que

    no era para ser uma agrovila e tampouco uma Vila, porm era para ser uma rea comunitria, como

    j citado acima. Ressalte-se tambm o fato de que o modelo de agrovila institudo pelo INCRA na

    poca, final da dcada de 1970, ainda era um modelo novo, sem experincias antecedentesque,de

    fato, trouxessem um mtodo de gesto das agrovilas dentro das reas de assentamentos rurais.

    Nesse sentido, a Vila, como foi concebida no assentamento 25 de Maio, no fazia parte da cultura

    daquelas famlias, sendo essa mais uma dificuldade apresentada para ger-la.

    Ao longo dos anos novas ocupaes foram ocorrendo nas fazendas aos arredores do

    assentamento 25 de Maio, aumentando o nmero de assentamentos na regio. Tal fato originou o

    aumento do nmero de pessoas freqentando a escola de ensino fundamental localizada na Vila e,

    conseqentemente, o fluxo de pessoas na Vila, o que estimulou tambm o comrcio. Diante do

    aumento da movimentao no assentamento, primeiramente um assentado fez um abaixo assinado

    tendo a permisso dos demais para abrir um pequeno mercadinho na vila, existente at hoje. Depois,

    outro assentado fez o mesmo processo e abriu uma ferraria que funcionou por cerca de 10 anos.

    De acordo com Valdomiro Baumgratz4, no inicio do assentamento foi fundada a Cooperativa

    dos Assentados do Assentamento 25 de Maio, a COOPERJUS (Cooperativa de Comercializao

    Justino Drachevisk), que tambm abriu um mercado na vila. A cooperativa durou cerca de 5 anos e,

    4 Ex liderana do MST na regio, participante da ocupao de 25 de Maio de 1985 e assentado no Assentamento 25 de Maio.

  • 18

    com o trmino da mesma, o mercado tambm cessou atividades. Desde 2007 a COOPEROESTE

    (Cooperativa do Extremo Oeste Catarinense), com sede no municpio de So Miguel do Oeste-SC,

    abriu sua filial numero seis na Vila 25 de Maio, onde estabeleceu um mercado e tambm passou a

    realizar compra de leite dos assentados. Tambm alguns bares abriram, por cerca de um ou dois

    anos, fechando em seguida, tendo hoje hoje trs bares com o da comunidade .

    Hoje existe na Vila (figura 03) um mercado de um assentado como citado anteriormente, o

    mercado da COOPEROESTE, uma loja de venda de roupas de uma assentada, uma entregadora de

    gs e bebidas e trs bodegas (bares), sendo uma delas da comunidade e aberta somente nos finais de

    semana. A bodega um espao tradicional dos camponeses, onde se encontram para conversar,

    beber, jogar baralho e bocha, sendo geralmente frequentada pelos homens.

    Figura 03: Vista parcial da Vila 25 de Maio

    Fonte: http://maps.google.com.br

    A bodega da comunidade gerida pelos prprios assentados, com a venda de bebidas

    alcolicas, refrigerantes, cigarros e alguns doces. A comunidade se organiza para gerir o espao. A

    cada dois meses um assentado fica responsvel por administr-la, ficando responsvel pelas

    questes financeiras. Ao final dos dois meses, ou seja, quando passa para outra pessoa assumir o

    comando, feita uma pequena prestao de contas para a Diretoria do assentamento.

    Para facilitar o acesso de todos os assentados bodega feita uma espcie de credirio, o

    chamado pagamento na safra, atravs do qual o assentado pode comprar para pagar somente com o

    dinheiro da safra Isso possibilita um melhor acesso dos assentados na bodega e se estabelece uma

    relao de confiana entre os mesmos.

  • 19

    1.2 O Assentamento Jos Maria

    De acordo com Valdemar Paz5, por volta das 3:00hs da madrugada do dia 23 de dezembro do

    ano de 1996 cerca de 300 famlias j oriundas de outro acampamento situado no municpio de

    Passos Maia, vizinho a Abelardo Luz, cortaram a cerca de um outro latifndio, cujo dono era o

    capito Amilton. Essas terras tambm esto localizadas no municpio de Abelardo Luz-SC, a

    aproximadamente 30 Km da cidade. Quando o dia amanheceu j se percebia uma nova comunidade

    de lona sendo formada. O acampamento j nasceu com o nome do monge Jos Maria, figura mstica

    da Guerra do Contestado, considerado um protetor das pessoas naquela regio.

    Tendo em vista que o acampamento foi construdo prximo sede da fazenda, uma das

    exigncias do fazendeiro nas negociaes foi a sada dos acampados da frente da sede. Atendendo

    solicitao eles foram para uma rea prxima que pertencia mesma fazenda, mas que estava

    arrendada para um arrendatrio que plantava soja. O arrendatrio aproveitou-se da ocasio e exigiu

    que os acampados trabalhassem na limpeza da lavoura em troca do local para ficarem acampados.

    No acampamento as coisas iam funcionando conforme as condies permitiam. Mesmo com

    dificuldades o acampamento garantiu a escola para os educandos de 1 a 4 srie, oferecida dentro

    do acampamento, enquanto os demais educandos das outras sries se deslocavam para a cidade.

    Como os alunos acampados sofriam discriminao por parte de professores e demais colegas de

    classe que residiam na cidade, as pessoas acampadas discutiram e optaram por mandar os alunos

    para a escola do Assentamento 25 de Maio, distante 16Km do ento acampamento Jos Maria.

    De acordo com relato de lideranas do MST no estado, as negociaes da rea foram

    tranqilas, sem enfrentamentos diretos com o fazendeiro ou com a fora militar. O fazendeiro

    porm custou a entregar a rea, pois tentou tirar o mximo de pinheiros e madeiras boas possveis.

    Conta o senhor Valdemar Paz que aqui durante a fase de acampamento trabalhava dia e noite

    cerca de 50 motosserras, tiravam tudo o que podiam (Informao verbal obtida em entrevista

    concedida autora em 16/04/11)

    Chegou ento o dia 12 de outubro de 1996, dia to aguardado pelos acampados, quando

    finalmente houve a desapropriao de 5.000ha de terras e o assentamento de 272 famlias, cabendo

    a cada famlia 13ha de terra. As famlias comearam a se organizar em comunidades e a organizar a

    rea comunitria, sendo a primeira escola do assentamento instalada no antigo casaro da fazenda,

    onde era oferecido o ensino de 1 a 8 srie. Foi deixada uma rea de 40ha de reserva ambiental do

    assentamento, mais 17ha que correspondem rea de um grande aude (lago) pertencente ao

    assentamento. Tambm foi deixada uma rea de 16ha destinada rea comunitria, onde seria

    5 Ex liderana do MST na regio, participante da ocupao de 03 de dezembro de 1996 e assentado no Assentamento Jos Maria.

  • 20

    construda futuramente a escola, o posto de sade, etc.

    Atualmente, na rea comunitria do assentamento esto instaladas uma escola de ensino

    fundamental e a escola de ensino mdio, as casas dos professores que precisam permanecer durante

    a semana no assentamento, o posto de sade, o moinho de milho - que pertence a um pequeno grupo

    de trs famlias assentadas -, um selecionador de sementes e uma mquina de extrao de leo

    vegetal, pertencente COOPEAL (Cooperativa de Comercializao, Produo e Industrializao

    Edson Ado Linz).

    Em 2002 foram doados 8ha de terra da rea comunitria pelo assentamento para a construo

    de um CPFP (Centro Popular de Formao e Produo), coordenado pelo MST, onde se

    desenvolvem tcnicas de produo agroecolgica visando sempre o auto sustento do espao e das

    pessoas que contribuem, para a manuteno deste espao. Nesse local est localizado o casaro

    antigo da fazenda (Figura 4) que hoje abriga os moradores do CPFP, sendo eles os tcnicos e

    estudantes do curso tcnico da Escola de Ensino Mdio Paulo Freire. Atualmente quatro pessoas -

    moram no local.

    Figura 4: Educandos e educadores da turma de EJA-Mdio Florestan Fernandes, em frente o antigo casaro.

    Fonte: Arquivo do Centro de Formao (2010)

    No casaro tambm so desenvolvidas atividades de formao feitas pelo MST. Hoje o espao

    tambm serve como uma rea de experimentos para o Curso Tcnico Integrado de Agropecuria

    com nfase em Agroecologia, oferecido na escola. O CPFP conta com uma boa estrutura, um

    espao de estudo com salas, auditrio, cozinha e rea coberta. Est em processo de construo um

    alojamento para abrigar 150 pessoas. Alm dessas estruturas, tem-se na rea do centro de formao

  • 21

    uma estrebaria6, um chiqueiro, e um alojamento para professores.

    O assentamento obteve grandes conquistas ao longo dos seus poucos anos, tais como:

    transporte pblico, ginsio de esportes, escola de ensino fundamental com estrutura adequada para

    ministrar as aulas, educadores, serventes e materiais didticos. O assentamento contava tambm

    com a extenso do 2 grau da Escola Anacleto Damiani, de Abelardo Luz, onde as aulas do ensino

    mdio eram ministradas, embora em espaos inadequados.

    Em 2005, atravs de muita luta, a escola de 2 grau deixou de ser extenso e passou a ser uma

    escola estadual, denominada Escola de Ensino Mdio Paulo Freire, que oferece o ensino mdio

    completo aos jovens do Assentamento Jose Maria e demais cinco assentamentos situados nos

    arredores. Em 2009 outra grande conquista: a escola de ensino mdio passou a oferecer o ensino

    mdio integrado com nfase em agroecologia, dando origem ao Curso Tcnico Integrado em

    Agropecuria com nfase em Agroecologia, que hoje conta com 40 jovens educandos dos

    assentamentos localizados nos arredores do assentamento Jos Maria. A figura 5 mostra os

    educandos durante as atividades prticas do curso.

    Figura 5: Educandos do curso tcnico no tempo trabalho no CPFP.

    Fonte: Arquivo Escola de Ensino Mdio Paulo Freire (2011)

    O assentamento organizou-se em seis comunidades: Comunidade Sagrada Famlia; Santa

    Luzia; Flor da Serra; Serra Alta; Dom Jos Gomes e Comunidade Planalto Alegre. O nmero de

    famlias por comunidade varia de acordo com a localizao em relao a estrada geral que d acesso

    ao municpio de Abelardo Luz e tambm ao municpio de Palmas-PR. Outro fator tambm da

    diviso das comunidades foi a questo do relevo e nascentes de gua, sendo que os assentados

    buscaram distribuir o acesso gua da forma o mais igualitria possvel para todos os assentados.

    6 Lugar onde se ordenha as vacas, tambm conhecido como cural.

  • 22

    Uma das prioridades do assentamento hoje a cooperao. Sendo que as cooperativas do

    MST (COOPEAL e COOPEROESTE), atuam junto aos assentamentos na perspectiva de

    melhoramento da produo, juntamente com a equipe tcnica da COOPTRASC.

    Hoje existem nos assentamentos de Abelardo Luz duas cooperativas: a COOPEROESTE7 e a

    COOPEAL8 em parceria com a COOPTRASC esta ltima responsvel pela assistncia tcnica e

    acompanhamento da produo nos assentamentos.

    A COOPEROESTE e COOPEAL so fruto da organizao social do MST. Estas englobam

    todos os assentados da regio que desejam fazer parte da cooperativa. As duas cooperativas

    interligam praticamente todos os assentados da regio do grande oeste catarinense, que compreende

    o oeste e o extremo oeste de SC.

    Em 2006 foram cedidos 2ha da rea comunitria para a COOPEROESTE para a instalao de

    um tanque resfriador de leite, uma vez que o leite a principal produo dos assentamentos do

    municpio. Dessa forma o leite produzido nos assentamentos coletado e centralizado no

    assentamento Jos Maria para que possa ser armazenado e resfriado, sendo que todos os dias no

    perodo da tarde o leite transportado em caminho com tanque refrigerado para o municpio de

    So Miguel do Oeste. Nesse mesmo local esto tambm trs casas destinadas a motoristas, tcnicos

    e s pessoas que trabalham no resfriador.

    1.3- A Comunidade Canhado

    A comunidade Canhado a comunidade mais antiga do municpio de Abelardo Luz, com 80

    anos, mais velha at mesmo que o prprio municpio. Sua origem se deu com a vinda de

    camponeses oriundos dos municpios de Getulio Vargas-RS e de Ararangua-SC, sendo que a

    primeira famlia a chegar no local veio atravs de conhecidos que moravam prximos ao lugar e que

    diziam que ali era uma terra sem dono. Na verdade parte daquelas terras pertenciam a um

    proprietrio que havia ganhado de herana, porm tinha um caseiro que tomava conta das terras.

    Segundo moradores da comunidade, a outra parte das terras pertenciam aos indgenas Tupi-

    Guaranis que viviam na regio. Aos poucos foram chegando mais famlias, algumas para trabalhar

    na fazenda, sendo arrendatrios, outras entraram em terras que pertenciam aos indgenas, mas que

    mais tarde foram tituladas, separando o que pertencia aos indgenas e o que pertencia comunidade.

    Algumas famlias conseguiram ao longo do tempo acumular uma renda maior que as possibilitou

    comprar pequenos pedaos de terra do antigo dono.

    As famlias foram desbravando as terras para o plantio. Da madeira retirada, parte era vendida

    7 Ser tratada no item 1.48 Idem.

  • 23

    em serrarias da regio e parte era utilizada para o auto consumo e tambm para fazer carvo. Com o

    tempo comearam a chegar mais famlias,e a comunidade j era chamada de Canhado por causa do

    relevo muito acidentado. No seu perodo ureo Canhado chegou a ter cerca de 180 famlias.

    Segundo contam os moradores, as coisas por ali eram muito difceis, no existiam estradas,

    escola, o transporte era basicamente feito atravs de carroa e cavalo. Mais tarde, no final da dcada

    de 1940, abriu-se a primeira estrada que d acesso estrada geral que ia at Xanxer-SC. Em

    meados de 1947 chegou comunidade a to esperada escola, que atendia educandos de 1 4

    srie.

    Os moradores relatam que naquela poca as salas de aula eram cheias e as pessoas da

    comunidade que tinham mais estudo se tornavam os educadores dos demais. Assim foi-se

    construindo uma grande e forte comunidade que, at 1958, era pertencente ao municpio de

    Xanxere. Em julho de 1958, Abelardo Luz, at ento distrito de Xanxer, conquistou sua

    emancipao poltica e a comunidade Canhado passou a pertencer a este novo municpio. Hoje a

    comunidade faz divisa com a rea decretada reserva indgena, e tem cerca de 1200 alqueires de

    terra.

    A comunidade teve acesso rede de energia eltrica h cerca de 30 anos atrs, o que deu mais

    nimo aos moradores. Porm, no incio da chegada da energia eltrica, somente teve acesso quem

    conseguia pagar pela instalao. Cada um foi se virando como pode, sendo que nem todos tiveram

    acesso energia eltrica no mesmo perodo.

    Segundo o relato dos moradores, com passar dos tempos, j na dcada de 1970, a comunidade

    comeou a diminuir, pois muitas pessoas comearam a ir embora, principalmente os filhos dos

    camponeses que comearam a migrar para as cidades em busca de melhores condies de vida. Por

    outro lado, aqueles camponeses que tinham mais posses comearam a comprar terras dos que no

    tinham, as quais eram vendidas a baixo preo.

    J com o nmero de pessoas muito reduzido e com o processo de nucleao9, em meados dos

    anos 1990 a comunidade Canhado perdeu a escola. Assim, as crianas e adolescentes passaram a

    estudar em uma comunidade vizinha, chamada de Alegre do Marco, que oferece somente as sries

    que compe o atual ensino fundamental, tendo o municpio garantido o transporte escolar para que

    os alunos ali se deslocassem para prosseguir seus estudos. Os jovens que desejam estudar mais

    contam somente com o apoio da famlia e, na maioria das vezes, so obrigados a sair de casa e ir

    trabalhar na cidade para poder dar continuidade aos estudos.

    Hoje a comunidade conta com 72 famlias, uma estrutura comunitria como salo

    9 Processo de fechamento das pequenas escolas rurais, transferindo os alunos para escolas plos, em comunidades maiores ou para a cidade, oferecendo-lhes o transporte escolar.

  • 24

    comunitrio de festas e reunies (Figura 6), campo de futebol, um pequeno bar de propriedade

    particular e a igreja catlica (Figura 7), sendo referncia no municpio por ser a comunidade mais

    antiga. Segundo o presidente da comunidade, a ltima festa realizada pela comunidade contou com

    a participao de aproximadamente mil pessoas, o que prova seu conhecimento nas redondezas.

    Figura 6: Salo comunitrio da Comunidade Canhado

    Fonte: Greti Aparecida Pavani

    Figura 7: Igreja Catlica da Comunidade Canhado

    Fonte: Greti Aparecida Pavani

    A comunidade no conta com posto de sade, transporte coletivo para passageiros e comrcio.

    A base da economia a produo de leite, fumo e avirios, mas este ltimo, devido ao seu auto

    custo de construo, fica mais restrito s famlias com maior poder aquisitivo. Cultivam tambm

    milho, feijo e soja, porm em pouca produo. Praticamente todas as famlias da comunidade tm

    automveis.

    A comunidade conta com um grupo de idosos e um grupo de mes organizados atravs do

    municpio, e tambm com um grupo de jovens (com cerca de 12 participantes dos cerca de 50 que

    residem na comunidade), organizado pela igreja. Contudo, nenhum grupo possui carter poltico.

    Esses grupos so organizaes internas comuns a todas as comunidades, com o propsito de

  • 25

    organizar as festas, os espaos comunitrios como salo de festas, campo de futebol, etc. Estes

    grupos organizam encontros religiosos e tambm participam de excurses e atividades festivas no

    municpio ou em municpios vizinhos. O clube de mes, atravs da prefeitura municipal, viabiliza

    cursos de culinria e artesanato, ou outros de interesse, para as mes da comunidade.

    1.4- Incentivo produo atravs das cooperativas

    As duas cooperativas do MST (COOPEAL e COOPEROESTE) atuam nas reas de

    assentamento de Abelardo Luz com grande respaldo e representatividade na regio. Uma delas a

    COOPEAL, com sede na cidade do prprio municpio e criada por um grupo de assentados junto

    com a direo estadual do MST, tendo iniciado suas atividades no ano de 2004. A outra a

    COOPEROESTE, com sede em So Miguel do Oeste-SC, fundada em 1996, abrangendo toda a

    regio do grande oeste catarinense, fruto da necessidade dos assentados de comercializar a produo

    de leite, produto responsvel por grande parte da renda da maioria das famlias camponesas do sul

    do pas.

    De acordo com a direo da COOPEAL, a mesma responsvel pela organizao, produo,

    industrializao e comercializao dos produtos cultivados nas reas de assentamentos de Abelardo

    Luz e regio. Atua em duas linhas de produo, a agroindstria de doces e conservas e o

    processamento industrial de peixes de gua doce. Ela foi criada a partir da necessidade de

    organizao da produo dos assentamentos, a fim de proporcionar s famlias a oportunidade de

    investir em outro ramo da produo, uma alternativa para evitar que elas ficassem merc do

    monocultivo de soja, milho e fumo que, por muitas vezes, acaba endividando as famlias e no lhes

    dando retorno financeiro para que pudessem garantir sua reproduo na terra. A cooperativa tem o

    propsito de interao entre o desenvolvimento econmico, social e ambiental.

    A unidade frigorfica pertencente cooperativa (Figura 8) responsvel pelo processamento

    industrial de peixe (tilpia e carpas), produzindo hambrguer de peixe, fil de tilpia, empanado de

    peixe e espetinho a base de peixe. O frigorfico situa-se no municpio de Abelardo Luz. Por

    questes de localizao e do prprio funcionamento da cooperativa, na unidade frigorfica tambm

    feita comercializao dos produtos, tanto para outras redes de comrcio, quanto no atacado e

    varejo.

    Atualmente trabalham no local cerca de 25 pessoas permanentes, com uma variao de mais

    10 pessoas em pocas de maior produo. De acordo com o presidente do conselho fiscal da

    cooperativa, mais de 50% dos funcionrios na unidade frigorfica no possuem ligao com os

    assentamentos, pois o frigorfico est localizado na sede do municpio e os assentados tm

  • 26

    dificuldade de deslocamento do assentamento at a cidade, j que a cooperativa no possui ainda

    condies de oferecer transporte ao funcionrios . Os trabalhadores esto divididos nos setores de

    produo, administrao e assistncia tcnica. A produo mdia varia de 1000 a 1500 kg/dia,

    porm a unidade possui capacidade para operacionalizar 15ton/dia.

    Figura 8: Vista parcial do frigorfico de peixes da COOPEAL

    Fonte: Coopeal (2009).

    A cooperativa conta ainda com uma agroindstria de conservas, localizada no Assentamento

    Santa Rosa I, em Abelardo Luz. A agroindstria atualmente est com as atividades interrompidas,

    pois est em reforma com o intuito de ampliar a tecnologia para melhorar o processamento dos

    vidros de doces e conservas. A agroindstria conta com trs trabalhadores permanentes, dos quais

    um tcnico ligado COOPTRASC que atende as famlias produtoras, sejam estas do prprio

    municpio ou dos municpios vizinhos. Os outros dois funcionrios da cooperativa so um

    assentado que coordena o trabalho, a compra e a venda de produtos, e um gestor da agroindstria,

    ligado ao grupo gestor da cooperativa. Em relao produo, a agroindstria responsvel pela

    industrializao de conservas de pepino, cebola, couve-flor, brcolis e milho, sendo a conserva de

    pepino predominante. Segundo o coordenador de trabalho e venda da unidade, com menor

    freqncia tambm so industrializados doces de abbora, morango e pssego, este ltimo feito

    tambm em compota.

    Quando a agroindstria de conservas est em funcionamento ela paga por dia, pessoas dos

    prprios assentamentos, na sua maioria mulheres, que fazem todo o processo de industrializao. O

    nmero de trabalhadores varia de 6 a 12 pessoas, dependendo da demanda de servio no dia, que

    de acordo com a quantidade de produo recolhida.

    Como foi citado acima, o Assentamento Jos Maria possui um processador de sementes com

  • 27

    capacidade de armazenagem, batedouro de feijo e uma mquina de extrao de leo de sementes

    oleaginosas, esta ltima atualmente parada. Esta estrutura tambm est ligada gesto da

    COOPEAL, mas visa atender s necessidades dos assentados, sendo que essa unidade da

    cooperativa atua tambm na compra e venda de sementes. Na sede do Assentamento Jos Maria h

    um filho de assentado responsvel por um trator com Gobi10 que pertence COOPEAL. Ele presta

    servios aos assentados da regio que no possuem esta mquina, em nome da cooperativa.

    A Gesto poltica da cooperativa baseia-se de acordo com o organograma abaixo (Figura 9).

    Essa gesto poltica nem sempre funciona como est posta no organograma, ocorrendo algumas

    alteraes no processo organizativo de gesto que muitas vezes prejudicam o propsito inicial da

    cooperativa, como citado acima, porm bastante relativo.

    A cooperativa iniciou-se com poucos scios, cerca de 50 assentados, com a estratgia de com

    o trabalho e o tempo ir ampliando o quadro social e se consolidando organicamente. Importante

    destacar que o quadro de scios se ampliaria desde que as famlias desenvolvessem as atividades

    agrcolas e agropecurias que viabilizassem a cooperativa. No entanto h algumas limitaes na

    produo, principalmente de peixes, j que esta atualmente abrange um nmero de 122 scios,

    sendo que das reas de assentamento de Abelardo Luz so apenas 60, todos eles com baixa

    produo, tanto de matria-prima para o frigorfico quanto para a agroindstria. Os demais scios

    so de outros assentamentos de municpios vizinhos, tendo tambm oito scios que so pequenos

    produtores de comunidades rurais do prprio municpio e municpios vizinhos. Contudo, um

    nmero bastante pequeno de scios assentados se comparado ao nmero de famlias assentadas no

    municpio, que de 1500.

    O nmero pequeno de scios e a baixa produo de peixes se refletem principalmente na

    unidade frigorfica, comprometendo assim a rentabilidade da cooperativa pois a unidade frigorfica

    a que mais retorno financeiro d mesma. Para suprir esta necessidade a cooperativa acaba por

    comprar o restante da produo de outros produtores que no tm vnculo associativo com a

    cooperativa e tampouco com as reas de Reforma Agrria. A ttulo de exemplo vale dizer que

    somente 5% da produo de peixe oriunda dos assentamentos.

    Diante da necessidade de aumentar a produo de matria-prima, a organizao poltica da

    COOPEAL visa estruturar os ncleos de base11 nos assentamentos para discutir qual o papel dos

    scios na cooperativa e politizar o quadro social. O objetivo dessa ao fazer com que os

    assentados que ainda no so scios se tornem scios da cooperativa e os que j so scios

    10 Pea adaptada ao trator para arar e mexer com a terra.11 Grupos de famlias formados nos assentamentos, acampamentos e cursos que tm finalidade organizativa e poltica de base no MST.

  • 28

    continuem e se envolvam mais organicamente na gesto da cooperativa. Visa-se com isso fortalecer

    a cooperao entre os mesmos, bem como garantir uma maior renda para as famlias.

    Figura 09: Organograma da Cooperativa de Produo, Ind. Com. Edson Ado Lins

    Fonte: TOMAZZI, SILVA e SCHNORR (2011).

    Outra cooperativa ligada ao movimento a COOPEROESTE (Figura 10) que, como citado

    acima, tem sede no municpio de So Miguel do Oeste. Possui representatividade nacional como

    uma das cooperativas mais bem sucedidas das reas de Reforma Agrria, responsvel pela

    dinamizao da marca Terra Viva, marca da Reforma Agrria que apresenta um dos mais

    concretos resultados da capacidade de produo estabelecida nas reas de assentamentos.

    Assemblia

    Conselho Deliberativo NB

    Conselho Fiscal

    Direo Poltica

    NB2

    Peixe

    NB3

    NB 1

    CoordenadorCoordenao Setores

    Recria alevino

    Produo

    Frigorfico

    Doces Conservas

    Produo

    Agroindstria

    Cereais

    ATES

    Produo

    Sementes

    Beneficiamento

    ATES

    Ext. leo Vegetal

    Parcerias

    Planejamento

    Comercial

    Logstica

    Marketing

    ATES

    Finanas

  • 29

    Figura 10. Vista Parcial da Cooperoeste

    Fonte: http://maps.google.com.br

    Os resultados alcanados pela COOPEROESTE so prova de que, apesar de todos os

    problemas ocasionados no campo brasileiro por causa do modelo agrcola imposto pelo sistema

    capitalista baseado no agronegcio, os camponeses ainda conseguem dar sua resposta com uma

    vasta produo de alimentos. Nessa perspectiva, a cooperao a melhor estratgia de

    sobrevivncia do campons frente ao agronegcio. Dessa forma, concordamos com Fernandes

    (1999, p. 219) que afirma que a

    [...] cooperao tambm uma forma de organizao para a resistncia da luta camponesa. A cooperao em suas diferentes formas uma prtica histrica de diversos povos na organizao de seus modos de vida, como resistncia e viso prospectiva, objetivando transformar suas realidades.

    A COOPEROESTE atua no ramo de laticnios, com produo, industrializao e

    comercializao de leite e derivados. Atua tambm no setor de avicultura de corte, comercializando

    com marca prpria frango abatido e congelado e ainda produz conservas de pepino e cebola. De

    acordo com a direo estadual do MST, a COOPEROESTE hoje a maior cooperativa do oeste

    catarinense e tambm a maior cooperativa dos assentamentos do Brasil.

    No municpio de Abelardo Luz, porm, a COOPEROESTE enfrenta forte concorrncia de

    outras empresas do ramo de laticnios que atuam na regio de forma muitas vezes desleal, pagando

    centavos a mais no intuito de garantir mais produtores como fornecedores. No entanto, essas

    empresas concorrentes no valorizam o produtor que entrega uma baixa quantidade de

  • 30

    litros/leite/dia e tampouco os produtores que no so permanentes.

    Com a necessidade de ampliar a produo de leite dos assentados e ainda garantir-lhes boas

    condies de produo, a cooperativa conta com uma assistncia tcnica na unidade, composta por

    um veterinrio e dois tcnicos que auxiliam o produtor. A assistncia tcnica atende a todos os

    produtores de leite da COOPEROESTE nas reas de assentamentos de Abelardo Luz. Os assentados

    pagam somente os medicamentos utilizados quando necessrio. Alm desse benefcio, para facilitar

    o acesso do assentado aos produtos necessrios tanto para a prpria alimentao quanto de insumos

    agrcolas para a lavoura e outros produtos, a cooperativa trabalha com um sistema de crdito, onde

    os produtores de leite parcelam suas dvidas que vo sendo descontadas mensalmente do

    rendimento da produo de leite.

    Assim, estas duas cooperativas auxiliam no processo econmico e social dos assentamentos,

    assunto que ser tratado no captulo 2. Assim como as demais cooperativas da Reforma Agrria

    espalhadas pelo pas, elas tambm tm como principal objetivo a construo de um novo modelo de

    cooperao que visa a incluso, baseando-se na cooperao efetiva e concreta dos camponeses, para

    que estes, de forma organizada, possam produzir comida para o povo, de boa qualidade e com preo

    acessvel, para que todos possam ter acesso e para que alimentos de qualidade no sejam apenas

    privilgio de poucos na cidade.

  • 31

    2. As relaes sociais e econmicas das realidades em questo

    A discusso sobre o que campo e o que cidade est sempre presente quando se discutem as

    novas caractersticas econmicas e sociais que permeiam o campo. No Brasil, segundo Marques,

    (2002, p. 96) o

    [...] projeto de desenvolvimento rural adotado ao longo de dcadas no pas tem como principal objetivo a expanso e consolidao do agronegcio, tendo alcanado resultados positivos sobretudo em relao ao aumento da produtividade e gerao de divisas para o pas via exportao. No entanto, esta opo tem implicado custos sociais e ambientais crescentes.

    A autora continua considerando que:

    [...] o avano dos movimentos sociais no campo e a intensificao das lutas, tem tornado cada vez mais evidente a necessidade de se elaborar uma estratgia de desenvolvimento para o campo que priorize as oportunidades de desenvolvimento social e no se restrinja a uma perspectiva estritamente econmica e setorial. (p.96)

    Nesse contexto aparece nas entrevistas do trabalho de campo a preocupao dos jovens

    com relao existncia de polticas que favoream a permanncia no campo, polticas essas que

    viabilizem economicamente e socialmente a vivncia do campons no meio rural, proporcionando

    aos mesmos acessos aos bens de servios pblicos que geralmente so ofertados no meio urbano,

    bem como acesso a crditos que viabilizem a produo e garantam a renda familiar.

    Primeiramente considero de extrema importncia nos atermos mais Vila 25 de Maio, onde

    se misturam, de forma mais ntidas, atividades que, ao longo da histria, foram separadas em

    urbanas e rurais. possvel observar ao longo do tempo a transformao que se teve dentro da

    Vila, em seu aspecto fsico, com a construo de mais casas prximas umas s outras, a presena de

    bares, lojas, mercado, rdio, escolas, internet e telefone pblico (orelho). Essas transformaes

    modificaram aos poucos o relacionamento entre as pessoas, tanto dos moradores da Vila quanto dos

    assentados, num sentido de aproximao maior com o mundo urbano. A Vila tornou-se um local

    centralizador de vrios outros assentamentos que foram se formando nos arredores do Assentamento

    25 de Maio12.

    Nesse contexto temos um local que de fato traz elementos rurais e urbanos e que tem uma

    relao campo-cidade muito prxima, que pode ser verificada tanto atravs das relaes de trabalho,

    do modo de vida dos moradores, quanto da infra-estrutura ali presente, como lojas de roupas,

    12 Conforme trabalhado no captulo 1

  • 32

    cabeleireiro, entrega de gs e bebidas etc., atividades estas normalmente consideradas do meio

    urbano. Estas atividades se intercalam entre campo e cidade, rural e urbano. Tm aspectos que de

    fato so caractersticos do meio urbano, no entanto, prevalecem caractersticas do mundo rural,

    como o sentido de vizinhana, as atividades de produo nos espaos prximos s casas e tambm o

    prprio trabalho no campo que se d de diferentes formas, como o trabalho por parceria, o

    arrendamento, o trabalho por dia e o trabalho assalariado. Trata-se, como pode ser visto, de uma

    relao complexa e, nesse sentido, concordamos com Sobarzo (2006, p. 55), para quem a

    [...] superao da diviso entre cidade e campo no deve ser confundida com a viso um tanto apocalptica do desaparecimento do campo e das atividades agrcolas e da urbanizao (no sentido estrito) total do planeta. Essa superao est ligada s relaes de produo. Assim, ela no consiste num processo em que o campo se perde no seio da cidade, nem a cidade absorvendo o campo se perde nele.

    Assim, com relao aos dois assentamentos e comunidade em estudo, a gerao de renda no

    meio rural no mais aquela oriunda somente da agricultura e da pecuria: temos tambm, nos

    assentamentos, a oferta de outros servios, como o caso das escolas e, conseqentemente, dos

    professores e demais funcionrios; comerciantes, principalmente na Vila 25 de Maio; profissionais

    de sade, como mdicos, dentistas, pediatras, psiclogos e enfermeiras auxiliares; motoristas, entre

    outras profisses, presentes nos assentamentos de Reforma Agrria.

    Nesse sentido, os camponeses assentados no precisam se deslocar para a cidade para

    trabalhar em outras atividades que no sejam propriamente aquelas agrcolas. Isso se observa nos

    dois assentamentos, muito embora no assentamento 25 de Maio esse ndice seja maior por causa das

    caractersticas j mencionadas da Vila. Contudo, ainda assim h jovens que tm seus familiares no

    assentamento e que trabalham na cidade. Esta realidade nos leva a crer que as atividades urbanas

    presentes no assentamento no so suficientes para empregar todos aqueles que desejariam.

    Conforme a observao acima, h muitas pessoas que moram no assentamento ou na

    comunidade e trabalham na cidade, principalmente os jovens que durante a semana vo para a

    cidade trabalhar e no fim de semana retornam para a casa dos pais. Outra realidade um pouco mais

    recente a de empresas, principalmente do ramo de frigorficos, que buscam pessoas que moram no

    interior para trabalhar, fornecendo transporte para que os mesmos continuem morando no campo,

    porm trabalhando na cidade. Dessa maneira os camponeses aceitam o baixo salrio pago pela

    empresa, j que seu gasto mensal menor em relao a um trabalhador empregado que mora na

    cidade.

    Dessa forma diversifica-se a fonte de renda das famlias camponesas, garantindo aos jovens

    sua prpria autonomia econmica. Mesmo que na maioria dos casos o ganho com empregos na

  • 33

    cidade seja muito pequeno, capaz apenas de garantir as necessidades de consumo individual, o

    desejo de ganhar seu prprio dinheiro, comprar suas prprias roupas, poder sair, ir s festas sem

    precisar pedir dinheiro aos pais acaba impelindo-os a optar por esse caminho. Para os jovens isso

    acaba sendo uma satisfao individual.

    A sada durante a semana dos jovens da casa dos pais, se de um lado interfere no trabalho

    familiar, significando menos gente para trabalhar, de outro significa para os pais uma garantia de

    renda para o filho e, muitas vezes, uma contribuio na renda familiar, j que nem sempre a

    produo do lote garante uma renda mensal capaz de atender s necessidades de bens materiais dos

    jovens camponeses j inseridos no mundo do consumo. importante lembrar tambm que muitas

    famlias ainda contam com a aposentadoria de um ou mais membros da famlia. Percebe-se ento

    que a composio da renda familiar, em grande parte dos casos, vai alm das atividades

    consideradas rurais. Nessa perspectiva, segundo Alentejano (2003, p. 05), a

    [] precariedade dos dados estatsticos na identificao do peso das rendas no agrcolas no meio rural sustentam que a maioria das ocupaes no agrcolas podem ser categorizadas como emprego refugio, ou seja, condio econmica que garanta a permanncia no campo, j que na maioria dos casos, a renda retirada somente da agricultura no consegue suprir todas as necessidades das famlias.

    Contudo, no se trata de um campo que no possibilite mais viver dele/nele, tirar a renda da

    agricultura e da pecuria, mas sim de um campo que, por falta de polticas adequadas, acabou no

    gerando alternativas de renda para os jovens. ressaltando que estou falando do campo onde vivem

    os camponeses, onde vivem pessoas que ali moram que nele constroem e reconstroem suas histrias

    no campo. o caso, por exemplo da comunidade Canhado que, em virtude dos vrios fatores j

    citados no primeiro capitulo, viu sua populao diminuir, e com ela alguns servios pblicos que

    antes eram oferecidos na comunidade, como o caso da escola. Tal reduo de pessoas e servios

    talvez se deu pela falta de uma organizao maior que contribusse para auxiliar os camponeses a

    garantir os meios necessrios que os possibilitassem viver no campo.

    De fato, quando se fala em condies para viver no campo, os moradores da comunidade logo

    falam na questo da renda, da no valorizao do campons, da falta de crditos, enfim, dos

    problemas que assolam a maioria dos camponeses; em um segundo momento eles apontam a falta

    de servios como sade, educao, transporte, lazer etc. No caso dos assentamentos, os jovens

    ressaltam que sentem a necessidade de veterinrios, professores, mdicos, dentistas, tcnicos

    agrcolas, etc, dentro dos assentamentos e falam que se ns conseguisse estudar e se formar no

    precisaria vir gente de fora para trabalhar aqui, ns mesmo poderia trabalhar e continuar

    morando aqui, por que eu gosto de morar aqui (Mrcio Amarate 09/10/10). Outro relato que vem

  • 34

    a fortalecer esta idia o de uma jovem que est cursando o 1 ano da faculdade de pedagogia: eu

    queria poder terminar a faculdade e continuar aqui, quero ser professora, mas tive que sair estudar

    para depois voltar a trabalhar aqui (Tatiane Maia 08/10/10 ).

    Assim como estes, outros jovens entrevistados relatam que gostam de morar no assentamento,

    poucos deles sentem vontade de morar na cidade, mas parece-lhes que no h alternativa: ao mesmo

    tempo em que estes relatam que gostam de morar no campo, almejam um futuro melhor que parece

    poder ser encontrado somente na cidade. No entanto, o que nos parece preocupante que a minoria

    dos jovens fala em continuar o trabalho na roa, tirando da agricultura seu sustento e sua renda. At

    mesmo os jovens que cursam no Assentamento Jos Maria o Curso Integrado Tcnico Agrcola e

    Pecuria com nfase em Agroecologia vem a possibilidade de estudo com fins empregatcios, sem

    ver a possibilidade de melhorar a produo da famlia no prprio lote. Nessa lgica, parece a

    princpio que os jovens vem o campo como um local bom para se viver, para morar, e a cidade

    como o local capaz de oferecer bons empregos, capaz de lhes garantir uma renda mensal fixa.

    Diante desses relatos possvel dizer que atividades consideradas urbanas passam a fazer

    parte do cotidiano do rural. Assim, morar no campo hoje, diante do caos enfrentado pelas grandes

    cidades, considerado muito melhor, mas viver do campo parece no fazer parte das perspectivas

    dos jovens camponeses.

    2.1 Assentamentos e comunidade: Semelhanas e contradies

    Temos em questo trs realidades distintas que se completam e ao mesmo tempo diferem

    entre si. De um lado temos dois assentamentos, ambos frutos da luta do Movimento Sem Terra pela

    reforma agrria, com histrias e trajetrias que diferem quanto ao contexto histrico no qual se

    inserem: o Assentamento 25 de Maio surge j no final da ditadura militar no Brasil, enquanto o

    assentamento Jos Maria surge em plena dcada de 1990, no fervor do modelo neoliberal e das lutas

    realizadas pelo MST para realizao da reforma agrria. Ambos, no entanto, abrigam sujeitos

    camponeses que trazem como perspectiva de vida o trabalho no campo, vendo neste a prpria

    garantia de reproduo. Tambm a organizao interna dos assentamentos 25 de Maio e Jos Maria

    diferem entre si: o primeiro conta com uma rea de agrovila, com comrcio, com mais opes de

    lazer para os jovens, enquanto o outro no possui agrovila e tampouco comrcio, porm possui

    atividades de lazer.

    Apesar das diferenas, os assentamentos apresentam semelhanas como: a existncia de posto

    de sade, de escolas com ensino da pr-escola ao ensino mdio e ensino do CEJA (Centro

  • 35

    Educacional para Jovens e Adultos). O Assentamento 25 de Maio possui uma extenso da APAE e

    tambm uma extenso da Celer Faculdades distncia, que oferece ensino distncia de pedagogia

    e gesto ambiental. A organizao do MST nos assentamentos possibilitou maior avano nas

    questes sociais e econmicas, atravs do qual foi possvel reivindicar projetos de assentamentos do

    INCRA, o que lhes garantiu toda a infra-estrutura presente hoje nos assentamentos.

    J na comunidade Canhado as famlias foram entrando para a rea de forma individual, sem

    interferncia de movimento social ou at mesmo do sindicato, que chegou comunidade h 30

    anos. Mesmo assim a comunidade foi se desenvolvendo e contando com o que compe a estrutura

    bsica das comunidades: a igreja, o centro comunitrio, o campo de futebol e a escola do antigo

    primrio. Porm, diversamente do que acontece nos assentamentos, onde as conquistas de escolas e

    de outros servios que beneficiam a comunidade so frutos da luta, na comunidade Canhado, na

    ausncia desta forma de organizao e de ao, foi necessrio esperar a ao dos rgos pblicos

    para o fornecimento dos servios a que tinham direito, nem sempre nos tempos desejados. Assim,

    sem perspectiva de futuro, muitas famlias foram embora, principalmente a partir do momento em

    que a agricultura deixou de ser principalmente para o auto-consumo e passou a ser para o mercado,

    ocasio em que passaram a sentir os efeitos das oscilaes de mercado.

    Aproveitando-se da necessidade dos agricultores de produzir para o mercado, empresas como

    a Souza Cruz passaram a atuar diretamente com os camponeses, oferecendo-lhes recursos, sob a

    forma de adiantamentos, para que construssem galpes para secar o fumo e tambm adquirissem as

    mudas para plantar. Para aqueles que aderem proposta da Souza Cruz, e se tornam integrados, a

    dvida contrada com a empresa vai sendo descontada a cada safra, independente das condies

    climticas que ora favorecem a agricultura ora no, ou seja, qualquer que seja o apurado com a

    safra, a parcela referente ao adiantamento para a construo dos galpes deve ser saldada. Dessa

    forma, muitos camponeses, no s na comunidade Canhado mas tambm nos assentamentos, ficam

    endividados e merc dessas grandes empresas. Assim como coloca Martins (1983)

    aparentemente, por esse caminho seria possvel explicar como o grande capital se articula com a

    pequena produo familiar de tipo campons ou com a produo agrcola em geral.

    Ainda nesse contexto, tanto na comunidade Canhado como nos assentamentos existem outras

    realidades, onde camponeses sem condies tcnicas e tambm financeiras de competir no mercado

    que cada vez mais exigente e mais excludente, deixam suas terras, meio de produo que

    possuem, e vo para a cidade vender sua fora de trabalho, ou continuam na terra, mas agora como

    trabalhadores assalariados, trabalhando em rgos pblicos no prprio local, como no caso dos dois

    assentamentos, ou morando no campo, mas trabalhando de forma assalariada na cidade, realidade

    encontrada nos trs locais de estudo.

  • 36

    A anlise dessas trs realidades, distintas e complementares ao mesmo tempo, distintas porque

    se tratam de temporalidades diferentes de sujeitos que, ao mesmo tempo em que so iguais,

    camponeses, se diferem na questo de organizao social e tambm pelo fato de que enquanto nos

    assentamentos os problemas alm de serem enfrentados pelos assentados tambm so enfrentados

    por uma organizao maior que o MST, na comunidade Canhado estes, na maioria dos casos, so

    enfrentados no seio da famlia. A esse respeito, o mais importante a destacar que duas realidades

    contam com uma organizao maior, o MST, capaz de responder por vrias questes polticas,

    sociais e econmicas num mbito maior e com maior influncia a nvel nacional. Por outro lado,

    essas realidades so complementares porque se tratam de sujeitos camponeses, jovens do campo e,

    principalmente, porque se trata do campo em suas diversas dimenses, sociais, culturais e

    econmicas.

    Observamos tambm que os jovens de 15 a 25 anos tendem primeiramente a ter certa iluso

    de ir para a cidade. Por outro lado, quando inseridos na comunidade, passam a se sentir parte da

    mesma, passam a ver certo desenvolvimento social e econmico da comunidade. Eles pensam

    somente em estudar e poder trabalhar no prprio assentamento, principalmente no assentamento 25

    de Maio que possui uma maior necessidade de pessoas para trabalhar nas escolas, no comrcio, no

    posto de sade etc. Percebe-se a necessidade de iniciativas que buscam, segundo STROPASOLAS

    (2006, p. 26) a

    [...] construo de uma identidade social - redefinida e ampliada de jovem, que integra valores urbanos sem deixar de ser rural e representa a possibilidade de filhos e filhas de agricultores familiares acessarem direitos de cidadania e bens culturais prprios da modernidade. Enfim, a possibilidade de moas e rapazes viverem com mais plenitude e qualidade de ser jovem.

    Temos, assim, uma discusso bem maior, que vai alm do sujeito jovem, e perpassa pelos

    conceitos de rural e de campo. Espaos estes que tanto nos trazem debates e discusses para as

    quais no temos respostas, pois sofrem rpidas alteraes impostas pela necessidade de recriao do

    capital (Oliveira 2001).

  • 37

    3. O campo e a juventude camponesa

    A argamassa fundamental de nossa obra a juventude, em

    quem depositamos nossa esperana e quem preparamos para

    tomar de nossas mos a bandeira.

    Che Guevara

    Ao falarmos de campo, estamos nos atendo mais s relaes sociais que se estabelecem nesse

    espao, no qual vivem jovens (moas e rapazes) que parecem ser esquecidos, ainda que sejam eles,

    os jovens, parafraseando Che, a argamassa da transformao social que visa a igualdade e justia

    social, transformao essa que bandeira de luta dos movimentos sociais do campo, no caso

    especfico, o MST.

    Temos em nossos assentamentos, assim como a comunidade Canhado, jovens camponeses

    que sonham e almejam uma vida melhor no campo, mas que ao mesmo tempo so bombardeados

    diariamente pelos meios de comunicao fetichizando a vida na cidade, sobrepondo-a a vida no

    campo. Atravs das entrevistas realizadas com os jovens nos assentamentos em estudo e na

    comunidade Canhado, ficou ntido o conflito que eles vivem, divididos entre ficar ou sair do

    campo, conflito esse que deve ser visto com ateno pelas polticas pblicas que envolvam os

    jovens camponeses. Eles querem estudar e se divertir, no entanto nem sempre podem fazer isso no

    local em que vivem, principalmente os jovens da comunidade Canhado, que nem sequer podem

    estudar em sua prpria comunidade.

    Atravs dos levantamentos feitos na pesquisa de campo, foi possvel observar, de forma ntida,

    que o jovem do campo no v o cultivo da terra como trabalho. Para estes, o viver no campo est

    atrelado a um trabalho assalariado, que lhe garanta renda mensal, sem depender do cultivo da terra.

    Nesse caso, percebe-se nitidamente a desvalorizao do trabalho campons ao longo dos anos. Para

    Oliveira (2001, p. 11),

    [...] o capitalismo avanou em termos gerais por todo o territrio brasileiro, estabelecendo relaes de produo especificamente capitalistas, promovendo a expropriao total do trabalhador brasileiro no campo, colocando-o nu, ou seja, desprovido de todos os meios de produo; de outro, as relaes de produo no capitalistas, como o trabalho familiar praticado pelo pequeno lavrador campons, tambm avanaram mais. Essa contradio tem nos colocado frente a situaes em que h a fuso entre a pessoa do proprietrio da terra e do capitalista; e tambm frente a subordinao da produo camponesa, pelo capital, que sujeita e expropria a renda da terra. E, mais que isso, expropria praticamente todo excedente produzido, reduzindo o rendimento do campons ao mnimo necessrio sua reproduo fsica.

  • 38

    Assim, o trabalho campons no mais visto como meio de produo, que produz vida, que

    produz riqueza, que produz dignidade. Desta maneira, acreditamos que o estudo das relaes de

    trabalho estabelecidas no campo merece ser aprofundado , pois o trabalho tema fundamental para

    a juventude. Fica claro que esta demonstra grande interesse quando falamos em trabalho, porm da

    forma como est posta a vida do jovem no campo, o que interessa de fato hoje para o jovem o

    trabalho assalariado. Essa constatao vai de encontro com as consideraes de Guimares (2005,

    p.159), para quem

    [...] a hiptese de que a centralidade do trabalho para os jovens no advm dominantemente do seu significado tico (ainda que ele no deva ser de todo descartado), mas resulta de sua urgncia como problema; ou seja, o sentido do trabalho seria antes o de uma demanda a satisfazer que o de um valor a cultivar. Para argumentar melhor nessa direo, convm observar em maior detalhe que dimenses do trabalho colocam no centro da agenda de necessidades, interesses e urgncias, pessoais e sociais.

    Nesse sentido, a discusso seria envolta da criao de mais empregos para os jovens.

    Contudo, acreditamos que o verdadeiro tema para aprofundamento de estudo da juventude do

    campo o das relaes de trabalho com a terra, que pode ser um precursor para compreender a

    evaso do jovem campons para a cidade.

    3.1-Os jovens e o MST nos assentamentos

    A insero dos jovens dos assentamentos em questo, na organicidade do MST, ainda um

    ponto de muito debate dentro das instncias organizativas do MST na regio. Contudo, este um

    debate de grande relevncia e que de certo modo permeia o olhar sobre a juventude das diversas

    regies nas quais o MST est organizado. Dessa forma, apontam-se questes levantadas por

    Misnerovisk e Ferreira (2006, p. 5-6):

    A forma de organizao geogrfica dos assentamentos, os lotes individuais que provocam o isolamento em conseqncia do parcelamento. A distncia da vila para os lotes, que o espao da produo agrcola. Por essa questo muitos jovens desistem da escola, para poderem garantir a produo junto famlia. Precisamos superar a lgica da ocupao do espao conquistado projetando-o em torno de aspectos culturais e sociais, isso significa repensar junto ao Plano de Desenvolvimento do Assentamento uma nova lgica de possibilitar infra-estrutura em cada rea. Isso implica em repensar o jeito de organizar os assentamentos, superando a diviso geogrfica.

    A forma como est organizada a produo camponesa nos assentamentos, bem

  • 39

    como a aquisio dos crditos e a implantao dos projetos no inserem os jovens no processo produtivo e organizativo, sendo assim no garante a independncia financeira do jovem.

    No ncleo familiar campons ainda prevalece o sistema patriarcado, no qual os jovens so submissos s determinaes do pai, em todos os aspectos, principalmente no aspecto financeiro. Muitos jovens reclamam que trabalham, mas no obtm renda prpria, pois tudo vai para um caixa familiar administrado pelo pai. Muitas jovens (mulheres) so proibidas pelos pais de participarem de alguma atividade, principalmente se for preciso dormir fora de casa.

    Falta de garantia de renda permanente, ou seja, pensar no trabalho agrcola que viabilize a vida econmica alm das safras anuais de produo e que seja administrado pelo prprio jovem. Nossas cooperativas e associaes no tm inserido a juventude no processo administrativo, no planejamento e no debate poltico e financeiro das entidades.

    Dificuldade de deslocamento para participar das atividades de formao poltica, de lazer e convivncia social, bem como garantia de estrutura para lazer e entretenimento, especialmente para as jovens. As atividades recreativas e de lazer da juventude, em geral se resumem prtica de futebol, piqueniques, banhos dominicais em lagos, festas.

    A falta de escolas que atendam o ensino fundamental e mdio, alm das dificuldades com transportes mal conservados e o desestmulo proporcionado pela ausncia de uma proposta poltica pedaggica que leve em considerao a realidade dos jovens, e que contribua para a sua formao crtica dentro de um contexto poltico histrico, pois temos como limite neste aspecto o fato de que a proposta pedaggica do MST no est presente em todas as escolas. Esses fatores levam sada dos jovens para estudarem na cidade, o que tem se constitudo em vrias situaes problemticas, pois as condies ideais tambm no so encontradas na cidade, e muitas vezes, os jovens vivenciam relaes conflituosas no espao escolar urbano.

    A falta de infra-estruturas sociais coletivas que proporcionem espaos de cultura, lazer, esportes, teatro, msica, dana, cinema para os jovens vivenciarem momentos de maior ludicidade.

    As coordenaes dos assentamentos/acampamentos, na sua maioria, no incentivam a participao da juventude, no acreditam no seu potencial criativo, no seu comprometimento e responsabilidades para com a organizao. Este comportamento reflete na organicidade do MST e est relacionado com a disputa de espao e poder. Dessa maneira, no h tarefas polticas definidas para a juventude na interior do Movimento.

    Outra falta ainda o no acesso s tecnologias em nossas reas, como computador, Internet...

    A insero intensiva e massiva da indstria cultural, com a divulgao de msicas e danas que estimulam nossa juventude a ter vergonha de suas expresses culturais regionais, afetando profundamente a auto-estima da juventude camponesa, que estimulada a adotar comportamentos urbanizados.

    Todos os fatores acima levantados tm resultado diretamente na vida e no cotidiano da juventude camponesa, e em nossos acampamentos e assentamentos uma das facetas mais cruis deste processo a insero de nossos jovens no mundo das drogas e prostituio.

    Esses limites apontados em relao participao e insero dos jovens nas diversas regies

    onde h a atuao do MST condiz tambm com a realidade onde esto inseridos os assentamentos

    estudados. Porm, como foi sendo relatado neste trabalho, muito embora muitos destes limites j

    robinzonResaltado

  • 40

    tenham sido superados, ainda h muitas linhas a serem percorridas e metas a serem alcanadas.

    Misnerovicz e Ferreira (2006, p. 6-8), apontam alguns desafios em relao juventude nas reas de

    atuao do MST, bem como diretrizes e medidas a serem tomadas pelo movimento, sendo elas:.

    Na organicidade engajar a juventude nas atividades orgnicas nos acampamentos e assentamentos, ncleos de base, atividades culturais, nas mobilizaes, nos cursos de formao, na escola, nos setores do MST, nas coordenaes das brigadas, dos ncleos, das regionais, ou seja, em todas as instncias deliberativas do Movimento.

    Inserir nas mobilizaes e pautas de negociaes em mbitos federal, estaduais e municipais, pois o que ocorre de pautar terra e crditos (sic), deixando de lado algumas iniciativas que esto acontecendo de maneiras pontuais, por isso importante garantir que nos assentamentos possam ter espaos/atividades para a juventude.

    Organizar brigadas da juventude para fazer agitao e propaganda, organizando painis, pinturas em muros, paradas de nibus, panfletagem, grafitagem, embelezamentos dos diversos espaos sociais dentro do assentamento.

    Organizar grupos de estudo com temticas voltadas para os interesses da juventude (afetividade, sexualidade, gerao de renda, cultura, mstica, insero da juventude na luta de classe).

    Viabilizar e organizar brigadas de jovens que estudam na cidade para realizarem trabalho de formao poltica com a juventude urbana.

    Realizar atividades formativas, para que a juventude domine o mtodo do trabalho de base e realizar o trabalho de base para as ocupaes, fortalecendo as atividades organizativas como: coordenar as reunies, assemblias, organizar a mstica, grupos de teatro, motivar o processo de participao de outros jovens nos bairros, contribuindo assim, com a massificao e radicalidade das aes.

    Avanar no envolvimento da juventude dentro do processo produtivo, pensando a produo camponesa em toda sua dimenso produtiva como: marcenaria, artesanato, industrializao dos produtos agrcolas, confeces de roupas, serigrafias.

    Apropriao do conhecimento, buscando a cincia para pensar o campo, indo alm das prticas rudimentares do trabalho na agricultura, construindo alternativas viveis que respeitem o meio ambiente e o ser humano.

    Garantir para a juventude o acesso ao conhecimento, a democratizao do saber, garantindo a escolarizao. Possibilitar o ingresso da juventude nas escolas, [sendo que] para isso, devemos pensar em organizar nas grandes regionais escolas, a exemplo do Iterra, que escolarizem em forma de etapas e assim [ir] formando politicamente nossos jovens. Alm disso, poderamos pensar em uma universidade para atender as demandas de ensino superior que temos em nossa base, nos movimentos da Via Campesina e de outras organizaes sociais camponesas e urbanas. Esta questo pode nos remeter a discutir o papel do Estado para garantia de polticas pblicas e qual deve ser nossa relao com ele.

    Seguindo a questo anterior, devemos implementar nas escolas existentes nos assentamentos a proposta pedaggica do Movimento, para que de fato atraia e forme politicamente a nossa juventude.

    Criar nas escolas espaos de estudo e pesquisas voltadas para as tcnicas agrcolas, sistematizando o conhecimento das comunidades camponesas acumulados historicamente, a partir das experincias e experimentos.

    Possibilitar a garantia de renda aos jovens, atravs do avano no processo de implementao de agroindstrias, mudana da matriz tecnolgica (implementao da agroecologia), assim como incentivar as potencialidades produtivas existentes, como artesanato, serigrafia, produo de doces, compotas, etc.

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    Promover o redescobrir da cultura camponesa pela juventude, valorizando os elementos de construo da identidade camponesa. Torna-se necessrio trabalhar desde a infncia para que a juventude tenha pertena e identidade Sem Terra forjada na luta social do MST.

    Envolver a juventude em atividades na construo e fortalecimento de formas alternativas dos meios de comunicao popular.

    Organizar jornadas de lutas no ms de Outubro em homenagem ao Che, tendo como referncia o trabalho voluntrio e a vivncia de novos valores com a juventude.

    Estas medidas citadas so linhas de atuao, pelas quais o MST da regio dos assentamentos

    busca viabilizar a vivencia da juventude nas reas de Reforma Agrria. Dessa forma, ao procurar

    compreender como os jovens esto inseridos nesse processo de lutas e conquistas que os

    beneficiam, por vrios momentos, de acordo com algumas entrevistas, verificamos que tai