jurisprudência da segunda turma - stj.jus.br · É possível a cumulação do dano moral e do dano...
TRANSCRIPT
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 269.560 - SP
(Registro n. 99.0099210-5)
Relator: Ministro Paulo Gallotti
Agravante: Fazenda Nacional
Procuradores: Valdir Serafim e outros
Agravado:
Advogado:
Joaquim Baptista
Aparecido A. Franco
169
EMENTA: Tributário - Elllpréstilllo cOlllpulsório sobre cOlllbustíveis - Agravo regilllental - Prescrição - Repetição - Interpretação -CTN.
Nos casos de lançalllento por hOlllologação, inexistente esta, a perda do direito de repetir o indébito tributário só acontece quando decorridos cinco anos da data do fato gerador, período a que se deve acrescer outros cinco anos a partir do terlllO final conferido ao Fisco para a apuração do valor devido.
COlllpreensão desta Corte sobre o tellla resultante da interpretação de dispositivos do Código Tributário NacionaL
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Franciulli Netto, Nancy Andrighi, Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon.
Brasília-DF, 22 de agosto de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministro Paulo Gallotti, Relator.
Publicado no Dl de 2.10.2000.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Paulo Gallotti: A Fazenda Nacional interpõe agravo
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
170 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento,
cuja síntese se extrai do seguinte trecho do julgado:
"Na verdade, o tributo arrecadado a título de empréstimo com
pulsório sobre o consumo de combustíveis é espécie sujeita a lançamen
to por homologação, nos termos do art. 150, § P, do CTN.
Nessas hipóteses, esta Corte tem entendimento pacífico no sen
tido de que a extinção do direito de repetir o indébito somente ocor
rerá após decorridos cinco anos, contados da existência do fato gera
dor, acrescidos de mais cinco anos a partir do termo final do prazo de
ferido ao Fisco para a apuração do tributo devido, na falta de homo
logação expressa." (fls. 36/38).
Alega, em resumo, que:
a) é inconstitucional a interpretação que se vem dando ao prazo deca
dencial e prescricional dos pedidos de repetição de indébito;
b) o Poder Judiciário definiu um novo período decadencial e pres
cricional, diferente daquele lapso temporal disposto no art. 168 do Códi
go Tributário Nacional, legislando indevidamente a respeito;
c) pela dicção do artigo 168, inciso l, do Código Tributário Nacional,
o prazo decadencial para os contribuintes pleitearem a restituição de
indébitos tributários é de cinco anos contados da data da extinção do cré
dito respectivo.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): A matéria discutida nos au
tos já se encontra pacificada na jurisprudência das Turmas que integram a
Seção de Direito Público desta Corte.
Com efeito, de há muito se tem entendido que, nos casos de lança
mento por homologação, inexistente esta, a perda do direito de repetir
o indébito tributário só acontece quando decorridos cinco anos da data
do fato gerador, período a que se deve acrescer outros cinco anos a partir
do termo final do prazo conferido ao Fisco para a apuração do valor de
vido.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 171
Neste sentido o seguinte precedente da Primeira Seção:
"Processual Civil. Empréstimo compulsório. (Decreto-Lei n.
2.288/1986). Restituição. Prescrição.
A jurisprudência sedimentada no âmbito de ambas as Turmas de
Direito Público deste Tribunal é no sentido da não ocorrência da pres
crição da restituição do empréstimo compulsório sobre combustíveis,
visto estar sujeito a lançamento por homologação e, ante a ausência de
homologação, o direito de pleitear a restituição só ocorre após decor
ridos 5 (cinco) anos, desde o fato gerador, acrescidos de outros cinco
anos, contados do termo final do prazo deferido ao Fisco para apura
ção do tributo devido.
Recurso provido. Decisão unânime." (REsp n. 204.418-DF,
Relator o Ministro Demócrito Reinaldo, DJU de 14.6.1999).
Confira-se, ainda, aresto da Segunda Turma, naquilo que interessa:
"Tributário. Repetição de indébito. Compulsório sobre com
bustíveis. Prescrição. Termo inicial. Correção monetária de jan/1989.
Inclusão do IPC (42,72%). Decreto-Lei n. 2.288/1986. Preceden
tes.
Sendo o empréstimo compulsório espécie de tributo sujeito a lan
çamento por homologação, a prescrição do direito de pleitear a resti
tuição só ocorrerá após decorridos cinco anos da ocorrência do fato
gerador, somados de mais 5 (cinco) anos, contados da homologação
tácita, já que não houve homologação expressa.
( ... )
Recurso provido parcialmente." (REsp n. 120.023-SP, Relator o
Ministro Francisco Peçanha Martins, DJU de 1. 7 .1999).
Constata-se, assim, que a compreensão deste Tribunal sobre o tema
resulta da interpretação de dispositivos do Código Tributário Nacional, com
o que não concorda a Fazenda Nacional, não sendo sua irresignação, con
tudo, motivo para modificar a decisão atacada.
Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
172
Relator:
Agravante:
Advogado:
Agravada:
Advogada:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 276.023 - RJ
(Registro n. 99.0111530-2)
Ministro Paulo Gallotti
Estado do Rio de Janeiro
Renan Miguel Saad
Mercedes Cespes Dias
Sônia Durvault Martins (Defensora Pública)
EMENTA: Responsabilidade civil do Estado - Indenização - Aci
dente ocorrido durante a utilização de máquina de passar roupas -
Danos moral e estético - Cumulação - Possibilidade.
1. É possível a cumulação do dano moral e do dano estético,
quando possuem ambos fundamentos distintos, ainda que originá
rios do mesmo fato.
2. Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento
ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Partici
param do julgamento os Srs. Ministros Franciulli Netto, Nancy Andrighi,
Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon.
Brasília-DF, 27 de junho de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministro Paulo Gallotti, Relator.
Publicado no DI de 28.8.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Cuida-se de agravo regimental inter
posto pelo Estado do Rio de Janeiro contra decisão que negou provimento
RST}, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 173
a agravo de instrumento tirado de despacho que indeferiu seguimento a re
curso especial.
Insurge-se o Agravante, em síntese, contra a cumulabilidade do dano
moral com o dano estético, afirmando ser de direito a matéria versada nos
autos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): A decisão agravada está an-
corada em três fundamentos, a saber:
a) não configuração do dissídio jurisprudencial;
b) necessidade de exame da matéria de fato;
c) possibilidade de cumulação dos danos moral e estético.
É de se ressaltar que o recurso especial, no caso, está calcado tão-so
mente na alínea c do permissivo constitucional, não restando caracteriza
da a divergência jurisprudencial ante a ausência de similitude fática das te
ses confrontadas.
Enquanto na presente hipótese se discute sobre o direito à indeniza
ção por acidente decorrente do uso de máquina de passar roupas, os arestos
indicados como paradigmas tratam de pedido de indenização por acidente
de trânsito.
Além disso, vê-se, também, que o acórdão recorrido, ao conceder a
indenização por dano moral, levou em conta a manifestação do Réu, na con
testação, reconhecendo que o chefe da Autora determinou que ela, embora
sendo auxiliar administrativo, operasse a mencionada máquina, atribuição
reservada a funcionários treinados e habilitados para exercer essa função,
matéria nitidamente de cunho probatório.
Importante a transcrição do seguinte trecho do julgado:
"A alegação da sentença de que a Autora não comprovou qualquer
ação ou omissão de qualquer agente do Réu, nem falta ou defeito do
serviço público, colide com dois fatos intransponíveis.
O primeiro é a norma constitucional (§ 6il. do artigo 37 da Cons
tituição Federal) porque, sendo a responsabilidade objetiva, cabia à Au
tora fazer a prova da ocorrência do fato lesivo e ao Réu fazer a prova
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
174 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de uma das excludentes da obrigação de indenizar (culpa exclusiva da
vítima, ato de terceiro, etc.), mostrando os autos que a Autora se
desincumbiu do ônus que a ela tocava, provando o fato (fl. 6) e suas
conseqüências (fl. 7), ao passo que o Réu não produziu qualquer prova
ao longo da instrução, limitando-se a alegar na sua contestação que,
como em 11 anos nunca ninguém se acidentara na máquina, isso era
prova de que a Autora é que fora descuidada (dedução completamen
te estapafúrdia e insustentável).
O segundo é que, ao se defender, o próprio Réu confessou às
escâncaras (fl. 22, item IV) que foi o chefe da Autora quem determi
nou a ela, exercente do cargo de auxiliar administrativo, que operas
se a máquina, atribuição reservada a exercentes do cargo de auxiliar
operacional de serviços diversos (funcionários que são treinados e ha
bilitados a operarem máquinas, estando por isso familiarizados com
seu funcionamento).
Com isso, além de não ter feito prova alguma da alegada culpa
exclusiva da vítima, o Réu confessou que foi o chefe da Autora (por
tanto, agente do Réu) quem determinou a ela que exercesse uma ati
vidade para a qual não estava treinada nem habilitada." (fl. 10).
Inegável, assim, que a pretensão de ver modificado o decidido obriga
o reexame da prova, reconhecendo o próprio Agravante que "o arbitramento
dos danos morais sempre decorrerá do exame de fatos". (fl. 66).
Ademais, o aresto que se impugna está em perfeita consonância com
a recente jurisprudência da Corte no sentido de ser possível a cumulação do
dano moral e do dano estético, quando ambos possuem fundamentos distin
tos, ainda que originários do mesmo fato, como no caso.
Neste sentido:
A - "Responsabilidade civil. Dano estético. Dano moral. Cumu
lação.
Possibilidade de cumulação da indenização devida pelo dano es
tético com a do dano moral.
Questão processual não prequestionada.
Recurso não conhecido." (REsp n. 219.807-SP, Relator o Minis
tro Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 25.10.1999).
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 175
B - "Indenização. Cumulação de dano estético com o dano mo
ral. Princípio da identidade física do juiz.
Devido a título diverso do que justificou a concessão do dano
moral, é o dano estético acumulável com aquele, ainda que oriundos
do mesmo fato.
Incidência da Súmula n. 83 do Superior Tribunal de Justiça.
Recurso especial não conhecido." (REsp n. 192.823-RJ, Relator
o Ministro Barros Monteiro, DJU de 21.2.2000).
Aliás, ficou ressaltado na decisão da Agravada:
" ... o dano moral decorreu da dor da Autora ao ter a mão presa
e dilacerada pela máquina que operava, enquanto o dano estético está
assentado na deformidade resultante do acidente." (fl. 62).
Do exposto, nego provimento ao agravo.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO
RECURSO ESPECIAL N. 158.091 - PR (Registro n. 97.0087969-0)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Embargante: New Holland Latino-Americana Ltda
Advogados: João Dácio de Souza Pereira Rolim e outros
Embargada: Fazenda Nacional
Procuradores: Gilberto Etchaluz Villela e outros
EMENTA: Processo Civil e Tributário - EIllbargos de declara
ção - Cofins - Isenção - Interpretação do art. 17, § 12 , III e § 22 , lII,
da Lei n. 9.779/1999, COIll a redação dada pela Medida Provisória n.
1.807/1999.
RSTI, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
176 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Os parágrafos devem estar em sintonia com o caput.
2. Situação fática dos autos não contemplada no art. 17 da Lei
n. 9.779/1999.
3. Embargos rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, rejeitar os embar
gos de declaração. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Paulo Gallotti,
Franciulli Netto, N ancy Andrighi e Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF, 4 de maio de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministra Eliana Calmon, Relatora.
Publicado no DJ de 21.8.2000.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de embargos de declaração nos
embargos de declaração opostos por New Holland Latino-Americana Ltda.
Julgando os primeiros embargos, decidiu a Segunda Turma desta Corte
em acórdão assim ementado:
"Processo Civil e Tributário. Embargos de declaração: omissões.
1. Isenção de multa e juros da Lei n. 9.779/1999, formulada em
pedido que antecedeu ao não-conhecimento do recurso.
2. Hipótese fática não abrangida pela legislação isencional ense
jando o indeferimento implícito.
3. Embargos acolhidos para esclarecer as razões do indeferi
mento." (fl. 233).
Alega a Embargante que houve omissão quanto ao § 1 Q, inciso lU, e
ao § 2Q, inciso lII, do art. 17 da Lei n. 9.779/1999, com a redação dada pelo
art. 10 da Medida Provisória n. 1.807/1999.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 177
Defende que a isenção alcançou os processos ajuizados até 31.12.1998, cujo pedido alcançou o fato gerador da exação questionada judicialmente, hipótese em que, segundo a Recorrente, se enquadra a presente demanda.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): 1. Em decisão monocrática não conheci do recurso especial interposto por New Holland Latino Americana Ltda, ao argumento de que não havia sido prequestionado o art. 2"da Lei Complementar n. 70/1991, eis que todo o enfoque da questão, em torno da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins fora constitucional.
Interpostos embargos de declaração, foram eles recebidos para explicitar que, além da questão central e que fora decidida em nível constitucional, uma outra tese estava prequestionada e esta deixou de ser examinada pela Relatora.
A questão explicitada foi então resumida no voto-condutor dos embargos como sendo a opção da contribuinte para pagar o devido com base na
Medida Provisória n. 1.807/1999, a qual deu nova redação à Lei n. 9.779/ 1999.
Na explicitação, ficou assim exposta a matéria:
"a) a Lei n. 9.779, de 9.1.1999, alterando a legislação do Imposto de Renda e do IPI, concedeu isenção de multa e juros de mora ao contribuinte que estivesse questionando em juízo tributo ou contribuição, com fundamento em inconstitucionalidade de lei, se tiver o STP declarado a constitucionalidade da mesma (art. 17);
b) as Medidas Provisórias n. 1.807/1999 e 1.858-10, de 26.10.1999, alterando a redação da Lei n. 9.779/1999, ampliou a isenção outorgada para contemplar não apenas aqueles cuja demanda questionasse tema declarado constitucional pelo STP em ação direta, mas em sede de recurso extraordinário.
Também contemplou os contribuintes favorecidos por decisão judicial definitiva, proferida em qualquer grau de jurisdição;
c) a Embargante, em sede de mandado de segurança, pleiteou o direito de pagar a Cofins, sem a inclusão do valor do ICMS ou de qualquer outro tributo que não entrasse na composição do faturamento
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
178 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ou receita líquida, pedindo ainda a compensação do que recolhera até então;
d) sem sucesso nas instâncias ordinárias (Ir!. grau - fl. 106 e Tribunal de Apelação - fl. 136), aviou recurso especial só chegado a esta Corte por força de agravo de instrumento;
e) na pendência de julgamento, veio a pleitear a isenção da Lei n. 9.779/1999, em 26.2.1999 (fls. 210/212), mediante a conversão em renda de parte do depósito que vinha sendo efetuado e o levantamento do valor remanescente;
f) a Fazenda, ouvida, posicionou-se contrariamente, porque o
tema discutido nos autos não fora objeto de apreciação no STF; não se enquadrando no art. 17 da Lei n. 9.779/1999.
Ora, evidencia-se a não-aplicação da isenção pleiteada à situação fática da Embargante, porquanto a não-inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins não foi acolhida nem pelo STF (não se tem notícia de que houve tal apreciação), nem pelas instâncias ordinárias que examinaram o processo.
Com tais esclarecimentos, que justificam o indeferimento implícito ao pedido de isenção, não há prejuízo algum à decisão que não conheceu do recurso especial. (fls. 230/231).
Nestes segundos embargos, como relatado, afirma a Empresa-embargante que houve omissão quanto ao § Ir!., inciso lII, e ao § 2r!., inciso lII, do art. 17 da Lei n. 9.779/1999, com a redação dada pelo art. 10 da Medida Provisória n. l.807/1999.
Para melhor compreensão do dispositivo legal que se disse omisso, transcrevo o inteiro teor do art. 17, cujo comando ficou depois acrescido de quatro parágrafos. Eis o caput do art. 17:
"Fica concedido ao contribuinte ou responsável exonerado do pagamento de tributo ou contribuição por decisão judicial proferida, em qualquer grau de jurisdição, com fundamento em inconstitucionalidade de lei, que houver sido declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, o prazo até o último dia útil do mês de janeiro de 1999 para o pagamento, isento de multa e juros de mora, da exação alcançada pela decisão declaratória, cujo fato gerador tenha ocorrido posteriormente à data de publicação do pertinente acórdão do Supremo Tribunal Federal."
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 179
Não se pode ter dúvida de que todos os parágrafos acrescidos pela Medida Provisória n. 1.807, de 28.11.1999, referem-se à hipótese contida no caput.
E a hipótese é de isenção de multa e de juros sobre os débitos de tributos ou contribuições não pagos porque uma das instâncias ordinárias julgou-os inconstitucionais, mas a Suprema Corte veio a proclamar a constitucionalidade.
Objetivou-se, com a norma, aliviar a carga tributária de quem deixou de pagar exação fiscal durante anos, por força de decisão judicial, que findou por estar em testilha com o entendimento do STF.
Com o acréscimo do artigo, ficaram os parágrafos, que explicitaram quatro situações distintas, mas sempre ligadas à hipótese contida no caput. Dentre elas, a de que o contribuinte que, nas condições do caput, ajuizou o processo malsucedido, por hipótese, até 31 de dezembro de 1998.
Não tenho o que esclarecer ou explicitar porque, em verdade, persegue a Embargante efeito infringente ao recurso, porquanto já esclarecido nos primeiros embargos que não está a Empresa ao abrigo do art. 17 da Lei n. 9.779, de 19.1.1999, o que também a exclui da situação retratada nos parágrafos.
Com estas considerações, rejeito os embargos de declaração.
MEDIDA CAUTELAR N. 559 - SP (Registro n. 96.0047091-0)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Requerente: Cecapil - Comércio e Participações Ltda
Advogados: Fernanda Guimarães Hernandez Guerra de Andrade e outros
Requerida: Fazenda do Estado de São Paulo
Procuradores: Armando de Oliveira Pimentel e outros
EMENTA: Processo Civil - Medida cautelar - Execução fiscal -Terceiro de boa-fé.
1. Resguarda-se o direito de terceiro de boa-fé que opôs embargos na defesa de bem imóvel que adquiriu.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereíro 2001.
180 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Constrição judicial com suspensão dos atos de disposição até
o julgamento dos embargos, em grau de recurso especial.
3. Medida cautelar procedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, julgar procedente a medida cautelar. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Franciulli Netto, Nancy Andrighi e Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF, 16 de maio de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministra Eliana Calmon, Relatora.
Publicado no DJ de 21.8.2000.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: A empresa Cecapil Comércio e Par
ticipações Ltda ajuizou medida cautelar contra a Fazenda do Estado de São
Paulo, pedindo que, liminarmente, fossem sustadas as execuções fiscais ajui
zadas contra a empresa Cia Saad do Brasil, até o exame do recurso espe
cial que interpôs.
Afirma que adquiriu valiosíssimo terreno do Banque Libanaise Poer Le
Comerce (France), lavrou escritura, registrou a aquisição e, na área, cons
truiu um grande supermercado.
Muito tempo depois, veio a tomar conhecimento de que o imóvel es
tava penhorado em garantia a uma execução fiscal movida pela Fazenda contra a Cia Saad do Brasil, o qual fez do terreno uma dação em pagamento
ao Banque Libanaise.
Como não lhe foi permitido ter processado o pedido de embargos de
terceiro, que foi liminarmente indeferido, apelou para o Tribunal de Justiça que, entretanto, manteve a sentença, ensejando a interposição de recurso
especial.
A liminar foi concedida nos termos em que foi pleiteada, seguindo-se
a contestação.
RSTI, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
o Ministério Público Federal opinou pela procedência da ação.
Relatei.
VOTO
181
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Cuida a presente demanda de uma típica tutela de urgência, eis que estava em vias de consolidar-se a penhora, impugnada via embargos de terceiro.
Com efeito, tem-se presente a necessidade de preservar-se o status quo, até o julgamento do recurso especial.
Assim sendo, julgo procedente a ação cautelar.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL N. 90.754 - SP (Registro n. 96.0017572-1)
Ministro Francisco Peçanha Martins
Shell Brasil S/A
Kazuo Watanabe e outros
Fazenda do Estado de São Paulo
Nelson Lopes de Oliveira Ferreira Júnior e outros
EMENTA: Processual Civil - ICM - Aguarrás - Cobrança indevida - Incidência do imposto único de competência da União -Violação ao art. 535, I e lI, CPC não configurada - Incidentes de inconstitucionalidade e uniformização de jurisprudência - Fundamentação diferente de votos-vencedores - Violação aos preceitos da lei processual civil não configurada - Precedentes.
- Incabível a alegação de ofensa ao art. 535, I e 11, CPC, se o próprio Recorrente declarou não ter requerido a instauração do incidente de inconstitucionalidade das leis federais e o tema sequer mereceu qualquer apreciação no voto-condutor do acórdão recorrido.
- Em nosso sistema, a suscitação do incidente de uniformização de jurisprudência não vincula o juiz, dispondo ele da faculdade de decidir da conveniência e oportunidade para admitir o seu processamento.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
182 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- A fundamentação diferente de votos-vencedores não autoriza a interposição de embargos de declaração; pode, sim, o Embargante requerer ao autor do voto tido por omisso, o saneamento da omissão apontada.
- Integrando o inteiro teor do acórdão, a certidão proclamou o resultado do julgamento deixando explícito "de conformidade com
o relatório e voto do Relator ... ", o que exclui qualquer interpretação divergente.
- Definido pelo Decreto-Lei n. 1.296/1976 que a "aguarrás" sofre incidência do imposto único de competência da União, exclui-se a incidência de qualquer outro tributo.
- Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Eliana Calmon, Paulo Gallotti e Franciulli Netto.
Brasília-DF, 3 de outubro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 30.10.2000.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins: Trata-se de recurso especial manifestado por Shell Brasil S/A, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por unanimidade de votos, indeferiu a instauração dos incidentes de uniformização de jurisprudência e de inconstitucionalidade e deu provimento à apelação e à remessa oficial, interpostas nos autos de ação anulatória de débito fiscal, precedida de cautelar, propostas pela ora recorrente contra a Fazenda do Estado de São Paulo, com o objetivo de anular auto de infração e imposição de multa, por ter deixado de recolher rCM durante o período compreendido entre janeiro de 1985 até
31 de março de 1989, incidente sobre "aguarrás", sustentando que durante
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 183
o mencionado período estava única e exclusivamente sujeita ao Imposto
Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos.
O v. acórdão recorrido reformou a sentença de lU grau, para julgar
improcedente a ação, por não ter a Autora comprovado que o produto
"aguarrás" destina-se, predominantemente, à produção de combustão, o que afastaria a incidência do ICM. Quanto ao pedido de instauração de incidente de uniformização, indeferiu-o, por não ter sido requerido em tempo há
bil e, muito menos, suficientemente instruído. Indeferiu, ainda, o pedido de
incidente de inconstitucionalidade das leis federais que submeteram a "aguarrás" ao regime do Imposto Único sobre Combustíveis (Decretos-Leis
n. 1.296/1973, n. 1.785/1980, Lei n. 7.451/1985), sob o fundamento de que
não basta a invocação de legislação federal para demonstrar que a aguarrás é combustível.
A ora recorrente opôs embargos de declaração alegando haver obs
curidade no acórdão, decorrente da discrepância entre os votos do relator
e do revisor, ao rejeitarem a argüição de inconstitucionalidade das leis fe
derais. Alega, ainda, não ter o aresto se pronunciado sobre os artigos 100, IlI; e 146 do CTN; e, que o voto do revisor apreciou matérias não decididas pelo aresto embargado, não existindo na inicial o fundamento jurídico do pedido; (conversão do depósito em renda pública, ressalvada à Fazenda
Estadual a cobrança de eventual diferença que seja devida).
Os embargos foram rejeitados, por inexistirem dúvidas, omissões ou
contradições no corpo do acórdão, integrado somente pelo voto do relator,
capazes de dificultar a exata interpretação do julgado.
Daí o apelo especial em que a ora recorrente alega ter o aresto vio
lado o artigo 476, caput e parágrafo único, do CPC, ao rejeitar o pedido de instauração do incidente de uniformização, quando existentes posições
antagônicas entre órgãos fracionários do mesmo tribunal, e tendo sido o pedido formalizado em petição avulsa, devidamente instruída com a cópia
dos julgados conflitantes; os artigos 535, I e lI; 165, 458, lI; e 515, caput
e §§ 1 U e 2u, todos do CPC, ao rejeitar os embargos, deixando de apreciar
os artigos 100, IlI; e 146 do CTN. Alega, ainda, negativa de vigência aos Decretos-Leis n. 1.296/1973, 1.340/1974, 1.420/1975, 1.691/1979 e 1. 785/ 1980 e a Lei n. 7.451/1985, quando rejeitou o pedido de instauração do incidente de inconstitucionalidade; e aos artigos 100, lII; e 146 do CTN, ao
entender ser correta a autuação da Recorrente pelo não-recolhimento do
ICM, mesmo tendo o Fisco estadual, reiteradas vezes, aceitado a prática tri
butária questionada nos autos. Indica, ainda, acórdãos de outros tribunais
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
184 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
do País que deram às Leis Federais n. 1.196/1973 e 7.451/1985 e aos Decretos-Leis n. 1.340/1974, 1.420/1975, 1.691/1970 e 1.785/1980, interpretações divergentes do acórdão recorrido.
Recurso extraordinário simultaneamente interposto.
Contra-razões às fls. 437/443.
Apenas o especial foi admitido no Tribunal a quo. Contra o despacho indeferitório de seguimento do apelo extremo, foi interposto o cabível agravo de instrumento.
Subiram os autos a esta egrégia Corte, onde vieram a mim conclusos. Dispensei o parecer do Ministério Público Federal, nos termos regimentais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins (Relator): Cuida-se, originariamente, de ação anulatória de débito fiscal proposta por Shell Brasil S/A contra a Fazenda estadual, objetivando a anulação do auto de infração e imposição de multa lavrado em razão da saída de mercadoria aguarrás, declarada como sujeita ao Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis.
A sentença monocrática, estribada em decisão do STF, concluiu pela anulação do auto de infração e imposição de multa ao fundamento de que
a "aguarrás", classificada como tributada pelo imposto único pelo Decreto-Lei n. 1.294/1973, automaticamente ficava excluída da incidência de outro tributo, segundo a Carta Política de 1969.
A Fazenda do Estado interpôs recurso de apelação apoiado na CF/ 1969, sustentando a tese de que somente sobre os combustíveis e lubrificantes incide o imposto único, não sendo o caso da aguarrás, já que mero
solvente. Requereu a Recorrida (apelada) a instauração de incidente de uniformização de jurisprudência sobre o tema, bem como incidente de inconsti
tucionalidade de leis federais.
O Tribunal, apreciando a lide, decidiu:
- a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n. 1.296/1973,1.785/1980 e Lei n. 7.451/1985 não constitui tema essencial ao julgamento da causa, já que o processo não versa sobre exigência do imposto único sobre combustível, mas a respeito da exigência do ICM;
- inviável a instauração do incidente de uniformização de jurisprudên
cia, não tendo sido deduzido em tempo hábil e devidamente instruído, já que
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 185
legalmente tardias as postulações deduzidas em sustentação oral e por pos
terior petição avulsa;
- a "aguarrás", por destinação, é um solvente e não um combustível.
Diante de tais assertivas, foram providos os recursos oficial e da Fa
zenda estadual, ficando o julgado assim resumido:
"ICM. Aguarrás. Não sujeição ao imposto único federal. Não
comprovação de que o produto destina-se, predominantemente, à pro
dução de combustão. Sujeição ao ICM. Recursos providos."
Shell Brasil S/A opôs embargos de declaração alegando obscuridade
e omissão do v. acórdão, explicitando que não requereu a instauração do in
cidente de declaração de inconstitucionalidade, mas sim deixou afirma
do "que o eventual afastamento da incidência das leis federais somente fosse
feito com a prévia declaração de sua inconstitucionalidade, através do in
cidente previsto no estatuto processual".
Requer seja esclarecido qual o argumento jurídico que prevaleceu no
julgamento diante da discrepância entre os votos do Relator e do Revisor
quanto à inconstitucionalidade das leis federais mencionadas. É que, enquan
to o voto do Relator entende serem inconstitucionais as leis federais que tra
tam do tema, o voto do Revisor afirma a desnecessidade de "se enfrentar a
inconstitucionalidade, ou não, das leis federais mencionadas, uma vez que
o processo sob exame não versa sobre exigência de imposto único sobre
combustível, mas a respeito da exigência de ICM ... ".
Alega a Embargante que o v. acórdão não se pronunciou sobre os arts.
100, IIl; e 146 do CTN, invocados desde a inicial, quando afirmou que o
próprio Fisco estadual nunca entendeu exigível o pagamento do ICM so
bre combustíveis, reconhecendo que tais produtos pertenciam ao regime de
tributação do imposto único que incidia uma só vez e excluía a incidência
de outros tributos nessas operações.
Pleiteia ainda seja sanada a obscuridade do acórdão quanto à conclu
são do voto do ilustre Revisor, na parte em que converteu "o depósito em
renda pública, ressalvada à Fazenda do Estado a cobrança de eventual diferença que seja devida".
Tal declaração afronta os arts. 515 e parágrafos, e 128 do CPC, por
isso que a Fazenda não pedira fosse declarada semelhante conversão. E o
30. juiz sequer aludiu à conversão do depósito mencionado.
RSTI, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
186 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
E se há ponto divergente, deve ser esclarecido, já que a votação foi unânime.
Rejeitados os embargos declaratórios em acórdão que recebeu a ementa seguinte (fl. 300):
"Embargos de declaração. Inexistência de omissão, dúvida ou contradição que dificulte a compreensão do julgado. Questão suficientemente analisada. Embargos rejeitados.
Embargos de declaração. Recurso com caráter infringente. Inadmissibilidade. Os embargos de declaração não se constituem em meio hábil ao reexame da causa. Embargos rejeitados.
Embargos de declaração. Contradição em voto declarado em separado. Inadmissibilidade. Os embargos de declaração somente se prestam para questionar omissões, dúvidas ou contradições existentes no corpo do acórdão. O voto proferido em separado só pode ser explicitado por seu autor.
Embargos rejeitados."
Inobstante, vale transcrita a parte final do voto então proferido (f!. 304):
"Finalmente, a título de esclarecimento, cabe salientar que, a Turma julgadora, por unanimidade, entendeu, sem qualquer divergência, que a 'aguarrás' não é combustível, como afirma a Embargante, mas sim um solvente e, portanto, sobre ele incide ICM.
Também à unanimidade, indeferiram a instauração dos incidentes de inconstitucionalidade e uniformização de jurisprudência."
Irresignada, Shell Brasil S/A manifesta este recurso especial fundado nas letras a e c do permissivo constitucional, pleiteando a reforma do julgado e afirmando que a circulação do produto "aguarrás" estava sujeita, até 28 de fevereiro de 1989, ao extinto "Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos de competência impositiva da União, nos termos do art. 21, VIII, da Constituição Federal de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969. Esse imposto, por expressa disposição constitucional, incidia 'uma só vez' e excluía 'a incidência de outro tributo' sobre quaisquer das operações especificadas no citado texto constitucional." (fl. 352).
Reafirma as alegações anteriores invocando violação aos preceitos de lei federal já indicados no relatório.
RSTJ, Brasílía, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 187
De início, cabe-me analisar o malferimento ao art. 535, I e lI, do CPC, quanto à não apreciação da inconstitucionalidade das leis federais in
dicadas.
Não vejo configurada qualquer violação ao preceito da lei processual,
como alegado.
É do próprio Recorrente a declaração expressa acima referida, quan
do assevera não ter requerido a instauração do incidente mas que, se afas
tada a incidência das leis federais, o fosse com a prévia declaração de sua
inconstitucionalidade, através do incidente previsto no CPC.
Demais disso, o voto do Relator proferido nos embargos declaratórios simplesmente indeferiu a instauração dos incidentes de inconstitucio
nalidade e uniformização de jurisprudência. Quanto ao primeiro, sequer fora
mencionado no voto-condutor do aresto embargado, proferido pelo mesmo
relator.
E o voto do revisor, ao se referir quanto à mencionada inconstitu
cionalidade, não emitiu juízo de valor sobre a matéria já que entendeu não
constituir tema essencial ao julgamento da causa, por isso que a ação ver
sa sobre anulação de auto de infração que lhe foi imposto por deixar de reco
lher o leM.
Inobstante, vale referir decisões desta egrégia Corte sobre o tema:
"Recurso especial. Temas não enfrentados pelo acórdão. Reexame
de fatos. Enunciado da Súmula n. 7-STJ. Incidente de uniformização de jurisprudência. Art. 476, CPC. Faculdade. Recurso desacolhido.
I - Versando o recurso temas não enfrentados pelo acórdão recorrido, ou que reclamem o reexame dos fatos da causa, sem superfície no recurso especial, mercê do veto contido no verbete da Súmula n. 7-
STJ, dele não se conhece, nesses pontos.
II - 'A suscitação do incidente de uniformização de jurisprudência
em nosso sistema constitui faculdade, não vinculando o juiz, sem embargo do estímulo e do prestígio que se deve dar a esse louvável e belo
instituto' (REsp n. 3.835-PR)." (REsp n. 54.226-SP, DJ de 3.11.1997,
ReI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
"Processual Civil. Embargos declaratórios (art. 535, CPC). Incidente de uniformização de jurisprudência. Momento da suscitação. Artigo 476, I e II, e parágrafo único, CPC.
RSTJ, Brasília, 3.13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
188 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Em que pese a erudição de compreensão contrária e sem desprezo ao instituto, a força da jurisprudência prevalecente, alberga o entendimento de que o colegiado não está obrigado a suscitar o incidente de uniformização, dispondo o julgador de uma margem de discrição no exame da conveniência e oportunidade para admitir o seu processamento.
4. Precedentes da jurisprudência.
5. Recurso improvido." (REsp n. 4.287 -SP, D J de 9.5.1994, ReI. Min. Milton Luiz Pereira).
No que se refere à conclusão do voto do ilustre Revisor, ao converter o depósito em renda pública, em afronta aos arts. 515 e parágrafos, e 128 do CPC, igualmente não assiste razão à Recorrente.
A uma, porque a certidão de julgamento contendo a conclusão ao acórdão é explícita ao "dar provimento aos recursos, de conformidade com o relatório e voto do Relator. .. ".
A duas, porque a fundamentação diferente de votos-vencedores não rende ensejo à interposição dos embargos declaratórios (Ag n. 148.215-SP (EDcl) julgo em 26.4.1994, Relator Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, STF).
A três, porque "nada impede que o Embargante requeira ao autor do voto dito omisso o saneamento de tal omissão" (v. nota 12 ao art. 535 CPC; Código de Processo Civil, Theotonio Negrão, 3011. ed.).
Quanto ao tema de mérito, assiste razão à Recorrente.
O Pretório Excelso, apreciando o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 140.862-6-MG, negou-lhe provimento nos termos do voto proferido pelo Min. Ilmar Galvão que conduziu ao acórdão assim ementado:
"ICM. Cobrança sobre a venda do produto mineral denominado 'aguarrás'. Pretensão da Fazenda Pública estadual inacolhida.
Definido pelo Decreto-Lei n. 1.296/1976 que a 'aguarrás' sofre incidência do imposto único de competência da União, obviamente que tal incidência exclui a de qualquer outro tributo, só podendo ser afastada mediante prévia declaração de sua inconstitucionalidade, tendo-se em vista o que a respeito preceitua o artigo 21, inciso VIII, da Constituição de 1969, à época incidente.
Agravo regimental improvido."
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 189
A decisão recorrida entendeu não ser a "aguarrás" um combustível, mas
sim um solvente e, portanto, sobre ela incide o ICM adotando posição totalmente discrepante daquela enfrentada no paradigma referido.
Por esta razão, vale transcrito o voto-condutor do aresto proferido pelo STF, acima mencionado, aos termos que reproduzo:
"A Fazenda Pública estadual, no afã de tributar o produto 'aguarrás', com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, sustenta a inconstitucionalidade da incidência do imposto único de competência da União.
Em que pese às razões do Agravante no sentido de que a 'aguarrás' não seja utilizada como combustível ou lubrificante, mas apenas
como solvente, não cabe aqui analisar a sua finalidade e uso. Definido pelo Decreto-Lei n. l.296/1976 que o referido produto sofria a in
cidência do tributo federal, obviamente que tal incidência excluía a de qualquer outro tributo, tendo-se em vista o que constava do artigo 21, inciso VIII, da Constituição de 1967 (Emenda Constitucional n. 1/
1969), exceto mediante prévia declaração de sua inconstitucionalidade, pena de gerar bitributação. Não resta espaço, pois, para a pretensão da Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais, com base no mesmo pre
ceito constitucional.
Nego provimento ao agravo regimental."
Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, afastadas as preliminares suscitadas.
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL N. 90.795 - RS (Registro n. 96.0017644-2)
Ministro Paulo Gallotti
Milton Cabezudo Silveira
José da Silva Caldas e outros
Universidade Federal de Santa Maria
Bruno Pinto de Freitas e outros
Sustentação oral: Milton Garrijo Galvão (pelo recorrente)
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
190 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Administrativo - Ensino superior - Servidor público
federal estudante de Direito em estabelecimento privado - Remo
ção de Criciúma-SC para Santa Maria-RS - Pretensão de matrícula
em universidade federal indeferida administrativamente, mas asse
gurada em liminar e sentença de mandado de segurança, decisão
essa reformada em grau de recurso - Conclusão do curso antes do
exame do apelo especial. Situação de fato consolidada. Precedentes.
1. Tendo o estudante universitário, servidor federal removido a
pedido de um Estado para outro, a quem se assegurara o direito de
matrícula em sentença de mandado de segurança que veio a ser re
formada, concluído o curso antes do julgamento do recurso especial
por ele interposto, está delineado o campo de incidência da teoria
do fato consumado, não se mostrando necessário o exame do méri
to da irresignação.
2. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao
recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do jul
gamento os Srs. Ministros Franciulli Netto, Nancy Andrighi e Eliana Cal
mon. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF, 12 de junho de 2000 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Presidente.
Ministro Paulo Gallotti, Relator.
Publicado no Dl de 18.9.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti: Milton Cabezudo Silveira interpõe re
curso especial contra acórdão proferido pela Terceira Turma do Tribunal
Regional Federal da 411. Região, assim ementado:
"Ensino superior. Administrativo. Servidor público. Mudança de
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 191
sede. Garantia de matrícula em universidade. Alcance da norma. Lei
n.8.112/1990.
Nos termos do artigo 99 da Lei n. 8.112/1990, ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da Administração é assegurada,
na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independente de
vaga. O que garante a norma é a transferência 'independentemente de vaga' para 'instituição do mesmo gênero' e não o ensino gratuito, livre de concurso. Os estabelecimentos oficiais, em razão da acirrada disputa pela gratuidade, não pertencem ao mesmo gênero das instituições de ensino particular. Tal preceito se encontra em harmonia com
o princípio da igualdade de condições para o acesso ao ensino públi
co exigido pelo art. 206, l, da CF/1988." (fi. 85).
Alega o Recorrente violação ao art. 99 da Lei n. 8.112/1990, que garante ao servidor "o direito de poder continuar os estudos, mesmo quando
inexista o curso por ele anteriormente freqüentado no lugar para onde se mudou" (fi. 89).
Oferecidas contra-razões, foi admitido o recurso, vindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo Gallotti (Relator): Extrai-se da leitura dos au
tos que o Recorrente, funcionário público federal, foi transferido, a pedido, de Criciúma-SC para Santa Maria-RS, tendo procurado se matricular
no curso de Direito da Universidade Federal dessa cidade, o que somente conseguiu por força de liminar concedida em mandado de segurança, cuja decisão de mérito também lhe foi favorável.
Reexaminando a sentença, o Tribunal Regional Federal da 4.a Região cassou a ordem, contra o que se insurge o presente recurso.
A jurisprudência de nosso Tribunal firmou-se no sentido de abrigar as situações consolidadas pelo decurso do tempo, independentemente do exame do provimento judicial que determinou a transferência.
Assim, verificando-se, pelo documento de fi. 118, que o Recorrente já concluiu o curso, de aplicar a teoria do fato consumado, na linha da orien
tação predominante na Corte.
RST}, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
192 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA
Transcrevo, a propósito, os seguintes precedentes:
A - "Embargos de divergência. Administrativo. Estudante uni
versitário. Transferência para ocupar cargo público. Impossibilidade.
Situação consolidada pelo decurso do tempo.
Ausente o interesse maior da Administração quando o estudante
pede transferência para ocupar cargo por aprovação em concurso pú
blico. Situação não regida pela Lei n. 8.112/1990.
Pelo decorrer do tempo, a Embargada deverá graduar-se no final
do ano corrente. Nesta situação, o apego às normas cede lugar ao in
teresse público em impedir verdadeiro retrocesso na educação.
Aplicação da teoria do fato consumado." (EREsp n. 177.523-PE, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJU de 27.3.2000).
B - "Administrativo. Ensino superior. Servidor público estudante. Remoção. Direito de matrícula. Precedentes.
1. O estudante universitário servidor público, transferido por for
ça de decisão liminar, tem o direito de concluir o curso por força do princípio do fato consumado.
2. Recurso especial conhecido e improvido." (REsp n. 137.989-CE,
Relator o Ministro Francisco Peçanha Martins, DJU de 10.5.1999).
c - "Administrativo. Estudante universitário. Transferência. Situa
ção fática consolidada por decisão judicial em que a letra da lei cede
ao interesse público. Precedentes jurisprudenciais.
Estudante matriculado por efeito de decisão judicial. Não é acon
selhável desconstituir seus créditos escolares. Em situações como tais,
a letra da lei deve ser encarada com temperamentos, em homenagem
ao interesse público.
Recurso conhecido, mas improvido." (REsp n. 197. 994-PB,
Relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, DJU de 3.11.1999).
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Presidente): Srs. Ministros, também
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 193
voto com o SI. Ministro-Relator em razão da consolidação da situação
fática. Tenho posição, no mérito, mas ele era funcionário e a transferência foi posteriormente ao concurso.
RECURSO ESPECIAL N. 92.406 - RS (Registro n. 96.0021614-2)
Relator: Ministro Francisco Peçanha Martins
Recorrente: Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos -
FDRH
Advogados: Maria Alice Costa Hofmeister e outros
Recorridos: Eduardo Dutra Aydos e cônjuge
Advogados: Luís Carlos Echeverria Piva e outros
Interessado: Estado do Rio Grande do Sul
EMENTA: Administrativo e Processual Civil - Fundação para o
Desenvolvimento de Recursos Humanos instituída pelo Poder Públi
co através de lei - Aplicação do art. 188 do CPC - Precedentes.
- As fundações instituídas pelo Poder Público mediante lei, com
o objetivo de promover estudos e pesquisas, em processos científi
cos e tecnológicos, visando ao benefício da coletividade, exercem ati
vidade eminentemente pública e revestem-se da natureza de pes
soas jurídicas de direito público, sendo, pois, de se lhe aplicar a re
gra do art. 188 do CPC.
- Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso
e lhe dar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e Hélio Mosimann.
Brasília-DF, lD. de junho de 1999 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
194 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ministro Aldir Passarinho Junior, Presidente.
Ministro Francisco Peçanha Martins, Relator.
Publicado no Dl de 1.8.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins: A Fundação para o Desen
volvimento de Recursos Humanos - FDRH ajuizou ação ordinária de nu
lidade de contrato administrativo cumulada com indenização por perdas e
danos contra Eduardo Dutra e sua esposa, Regina Maria Maluf de Lemos
Pinto, sustentando ter havido desrespeito aos princípios da legalidade e da
moralidade, quando da contratação de Regina, pelo então Diretor-Presiden
te, Eduardo Dutra para trabalho de consultoria técnica junto à Autora.
Explicita que tal contrato de prestação de serviço visava à implantação da
reforma administrativa do Poder Executivo estadual, após a edição do De
creto Estadual n. 34.045, que em seu art. 14 delegou à Fundação-autora a
coordenação executiva da referida reforma; que o contrato fora feito sem
prévia licitação, sem que a contratada tivesse qualificação profissional, além
de ser a mesma professora estadual efetiva, não havendo necessidade de ser
contratada, bastando a sua requisição como servidora pública, ocorrendo,
assim, acumulação de cargos.
O MM. Juiz de 1 Q grau rejeitou as preliminares de nulidade das cita
ções e de intempestividade da impugnação dos documentos. No mérito, julgou improcedentes os pedidos, entendendo que os atos praticados pelo ex
Diretor da FDRH quando da reforma administrativa estadual, não estão
inquinados dos vícios apontados, eis que não ficou demonstrado que a contratada se afastou da função de professora estadual mediante falsa declara
ção de necessidade de licença para tratar de interesse próprio e, não havia
necessidade de licitação, face ao art. 23, lI, do Decreto-Lei n. 2.300/1986.
O v. acórdão recorrido não conheceu da apelação do Estado do Rio
Grande do Sul, por entender que este não demonstrou a existência de re
lação jurídica independente, mas incompatível com a litigiosa, sendo, ape
nas, um terceiro juridicamente indiferente, não se configurando a hipótese
do art. 499, § 22., do CPC. Quanto à apelação da FDRH, julgou-a
intempestiva, entendendo que a Fundação instituída pelo Poder Público é
pessoa jurídica de direito privado, não se beneficiando do prazo em dobro
instituído pelo art. 188 para a Fazenda Pública.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 195
Daí o apelo especial, em que a ora recorrente alega ter o aresto divergido de julgados deste STJ e do STF, quando entendeu que a Fundação não goza dos privilégios do art. 188 do CPC. Alega, ainda, que houve preclusão
sobre a tempestividade da apelação, eis que houve deferimento de devolução de prazo recursal, por decisão não agravada pelos Recorridos.
Contra-razões às fls. 766/770.
o recurso foi admitido no Tribunal a quo. Subiram os autos a esta egrégia Corte, onde vieram a mim conclusos.
Dispensei o parecer da Subprocuradoria Geral da República, nos ter
mos regimentais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins (Relator): A Fundação para
o Desenvolvimento de Recursos Humanos - FDRH insurge-se contra decisão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferida no julgamento das apelações interpostas pela ora recorrente e pelo Estado Riograndense, nos autos de ação ordinária de nulidade de
contrato administrativo cumulada com indenização por perdas e danos, ajuizada pela Fundação-recorrente contra Eduardo Dutra Aydos e Regina Maria Maluf de Lemos Pinto, face às irregularidades constatadas em contrato
de prestação de serviços (consultoria técnica), sem prévia licitação, desres
peitando os princípios da legalidade e da moralidade que devem nortear a
Administração Pública.
A decisão recorrida ficou resumida nos termos da ementa que trans
crevo a seguir:
"Processual Civil. Apelação de terceiro interessado. Falta de de
monstração de relação jurídica independente, mas incompatível com a
litigiosa, ou a ela subordinada. Fundação. Prazo simples.
1. O terceiro juridicamente interessado, aos efeitos do art. 499,
§ 2.1\ só assume legitimidade para recorrer quando demonstra a existência de relação jurídica independente, mas incompatível com a liti
giosa, ou a ela subordinada. Em tal caso não se situa o Estado, em demanda movida por fundação por ele instituída, que é pessoa jurídica
de direito privado, pois o interesse em zelar pela legalidade e moralidade dos atos do ente por ele criado, ou evitar sua sucumbência, só o
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
196 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
atinge como simples fato, motivo por que é, quanto à lide, terceiro juridicamente indiferente.
2. A fundação instituída pelo Poder Público não se beneficia do prazo em dobro, instituído no art. 188 para a Fazenda Pública, pois é pessoa jurídica de direito privado e tal prerrogativa, tradicionalmente interpretada restritivamente, não defiui da própria constituição.
3. Apelações não conhecidas."
Daí a irresignação da Fundação-recorrente, apoiada em dissídio pretoriano com julgados deste STJ e do STF, para sustentar a legitimidade da FDRH, fazendo jus ao benefício do art. 188 do CPC.
Alega, ainda, que à fi. 655 dos autos fora "requerida, perante o Juízo de 1 Jl grau, a devolução do prazo recursal ante o obstáculo criado pelo Cartório Judicial, que negou a carga dos autos quando em curso o referido prazo sob a alegação de que se trata de prazo comum quando inexistente sucumbência recíproca, o que foi deferido, conforme decisão de fi. 658".
mos: À fi. 658, o despacho do MM. Juiz de Direito veio nos seguintes ter-
"Vistos.
Assiste razão à Requerente, visto que a sucumbência foi total, inclusive no que respeita a honorários que foram fixados no limite máximo, não ensejando recurso dos Réus. Restituo o prazo de 15 dias a contar da carga dos autos, acima certificada.
Em. 23.6.1994."
Assim, face à decisão do juízo singular devolvendo o prazo à Recorrente e não havendo agravo da parte contrária, precluiu a matéria, não mais podendo ser rediscutida.
A divergência pretoriana encontra-se comprovada como exige a legis
lação de regência.
Merece reforma o decisunl.
o Recurso Especial n. 148.521-PE, relatado pelo Ministro Adhemar Maciel, nesta Segunda Turma (DJ de 14.9.1998), espelha bem o entendimento deste STJ sobre o tema, merecendo transcrita a ementa que o resume:
"Administrativo e Processual Civil. Fundação de Saúde instituída
pelo Poder Público através de lei. Pessoa jurídica de direito público.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereíro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 197
Aplicação da regra inserta no art. 188 do CPC. Não incidência do art. 16, l, do CC. Precedentes do STF e do STJ. Recurso conhecido e provido.
l-Fundação instituída pelo Poder Público, através de lei, com o fim de prestar assistência social à coletividade, exerce atividade eminentemente pública, pelo que não é regida pelo inciso l do art. 16 do Código Civil. Trata-se, na verdade, de pessoa jurídica de direito público, fazendo jus às vantagens insertas no art. 188 do CPC.
II - Recurso especial conhecido e provido."
Quanto ao tema, nessa oportunidade, proferi voto-vista de teor seguinte:
"Como acentuou o Relator, eminente Ministro Adhemar Maciel, com apoio na jurisprudência do STF e da egrégia Sexta Turma do STJ, as fundações instituídas pelo Poder Público mediante lei para o fim de prestar assistência social à coletividade, exercem atividade eminentemente pública, e revestem-se da natureza de pessoas jurídicas de direito público. Trata-se de definição unânime exarada pelo Pleno do Pretório Excelso (RE n. 101.126-RJ, in RDA 161/50, ReI. Min. Moreira Alves), sendo, pois, de se lhe aplicar a regra do art. 188 do CPC. Aliás, o art. 10 da Lei n. 9.469/1997, determina que sejam aplicadas às autarquias e fundações públicas os arts. 288 e 475, caput, do
CPC.
Destarte, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator." (REsp. n. 148.521-PE).
Vale referir que na sessão dia 18.5.1999 esta Segunda Turma decidiu matéria idêntica ao julgar o REsp n. 50.284-SP, por mim relatado e provido unanimemente, ao aguardo de publicação da respectiva ementa, razão
por que não a transcrevo.
Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 125.288 - SP (Registro n. 97.0020927-0)
Ministro Francisco Peçanha Martins
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
198
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
Advogados:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Fernando Avelino Corrêa e cônjuge
Sérgio de Godoy Bueno e outros
Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô
Ângela Aparecida Esteves Solano e outros
EMENTA: Processual Civil - Desapropriação - Título judicial -Execução provisória - Levantamento do valor depositado - Caução - Desnecessidade - CPC, art. 588, I e 11 - Precedentes.
- A exigência de caução para a execução provisória contra a Fa-zenda Pública, de regra, justifica-se para garantia do devedor, diante da possibilidade de ser reformado o julgado que constitui o título executivo.
- Na desapropriação, ação de rito específico, depositado o justo preço, o valor correspondente pertence ao expropriado, que perdeu a propriedade, e não pode ficar sujeito à exigência de caução prévia, quando inexiste dúvida sobre o valor fixado por sentença judicial transitada em julgado.
- Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Eliana Calmon, Paulo Gallotti e Franciulli Netto.
Brasília-DF, 21 de setembro de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 13.11.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins: Trata-se de recurso especial manifestado por Fernando Avelino Corrêa e cônjuge, com fundamento nas letras a e c do permissivo constitucional contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por unanimidade, deu
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 199
parcial provimento ao agravo de instrumento interposto pela Companhia
Metropolitana de São Paulo - Metrô, contra decisão que deferiu pedido de levantamento de quantia depositada sem a prestação de caução nos autos da ação de desapropriação promovida contra Maria de Lourdes Dias de Alcântara Machado e outros e contra os ora recorrentes.
O v. acórdão declarou que, pendente o recurso interposto contra decisão, a qual julgou improcedentes os embargos, a execução processar-se-á de forma provisória conforme artigos 521, 587 e 588 do CPC. Destarte, tendo sido a penhora realizada em dinheiro, o qual foi depositado, deverá ser o levantamento precedido de caução idônea; se já efetuado o levantamento, deverá ser a caução prestada posteriormente.
Requereu o ora recorrente devolução de prazo para apresentação da contraminuta do agravo, face à ausência de intimação para responder o recurso. A contraminuta foi recebida como embargos de declaração na qual sustenta ser a execução definitiva, vez que fundada em sentença definitiva
transitada em julgado. Os embargos foram recebidos em parte, somente para declarar suprida a falta de intimação.
Daí o apelo especial em que a ora recorrente alega ter o aresto violado o artigo 587 do CPC, bem como divergido de julgados deste STJ, quando declarou ser a execução provisória, exigindo caução idônea para levantamento da quantia penhorada.
Contra-razões às fls. 96/99.
O recurso foi admitido no Tribunal a quo, subindo os autos a esta egrégia Corte, onde vieram a mim conclusos.
Dispensei o parecer do Ministério Público Federal, nos termos regimentais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins (Relator): Insurgem-se os Recorrentes especiais contra acórdão proferido pela Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça estadual, que deu provimento parcial ao agravo de instrumento interposto pela Companhia Metropolitana de São Paulo - Metrô, contra despacho proferido nos autos de ação expropriatória, deferindo pedido de levantamento da quantia depositada sem a prestação de caução, já que pendente agravo de instrumento interposto em sede de embargos à execução, contra o despacho que julgara deserta a apelação.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
200 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o v. acórdão hostilizado proferido na esteira do voto do Relator, explicitou (fl. 43):
"Consoante se pode ver dos autos, e dentro dos estreitos limites
do recurso interposto, pende recurso interposto de decisão que julgou improcedentes os embargos aforados. Diante de tal situação, a execução se processa de forma provisória, na esteira do mandamento inserto nos artigos 521, 587 e 588 do Código de Processo Civil.
Decorre, pois, sempre dentro dos limites estreitos do recurso interposto, tratar-se de execução provisória, posto pender recurso de apelação, recebido em seu efeito devolutivo. Surge, então, a necessidade de prestação de caução idônea para levantamento de quantia depositada em Juízo.
Daí se extrai ser parcial o provimento do recurso.
É que a penhora realizou-se sobre dinheiro, que foi depositado, de
forma que o levantamento deve ser precedido de caução idônea. Sem razão a Agravante ao pretender transformar o valor depositado em caução, posto de caução não se cuidar, mas sim de penhora, de forma que não pode ela pretender que fique a quantia penhorada depositada até o trânsito em julgado da decisão que julgou improcedentes os embargos.
Isto ocorre porque o dinheiro pode ser levantado, mediante prestação de caução, nos precisos termos do artigo 588, inciso lI, do Código de Processo Civil."
Alegando não terem sido intimados para apresentarem sua contraminuta ao agravo interposto, requereram os Recorrentes especiais devolução do prazo para se manifestarem, evitando cerceamento de defesa (fls. 47/48).
Deferido o pedido e recebida a manifestação como embargos de declaração, onde os Embargantes sustentaram ser a execução definitiva, por isso que fundada em sentença definitiva transitada em julgado.
Os embargos declaratórios foram recebidos em parte, apenas para declarar suprida a falta de intimação, mantida a decisão embargada.
O acórdão ficou resumido na ementa que reproduzo, à fl. 70:
"Falta de intimação. Suprimento. Inteligência do artigo 587 do
Código de Processo Civil. Não sendo a parte intimada para ofertar contraminuta e comparecendo aos autos para alegar tal fato, fica su
prida a falta de intimação, recebida a manifestação como embargos de
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 201
declaração. Sendo os embargos à execução recebidos com efeito suspensivo, ante a nova redação do artigo 739 do Código de Processo Civil, a interposição de recurso de apelação em embargos faz com a execução seja provisória."
Vale, contudo, transcrever trecho do voto-condutor do julgado atacado, à fi. 71:
"É que a interpretação do disposto no artigo 587 do Código de Processo Civil deve levar em conta as disposições constantes do artigo 739 do mesmo Código. E esta disposição legal veio de ser alterada pelas disposições da Lei n. 8.953/1994, que introduziu no primitivo texto legal três parágrafos. E o primeiro parágrafo determina que os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo.
Tal disposição, é certo, inexistia à época em que assentou-se o entendimento que a interposição de recurso de apelação em embargos à execução não tinha o condão de tornar provisória a execução) que era definitiva) pois fundada em sentença transitada em julgado. (grifei).
Ante a nova disposição legal, os embargos possuem efeito suspensivo. E possuindo tal efeito, a execução fica suspensa, até que recebam os embargos interpostos sentença e que esta venha a transitar em julgado.
Outra interpretação não se pode dar ao novo texto legal, pOIS inexistia a determinação para que os embargos à execução fundados em sentença fossem recebidos com efeito suspensivo. Todavia, devendo os embargos serem recebidos com efeito suspensivo, suspensa fica a execução até que os embargos recebam sentença. Se improcedentes, o recurso oponível de tal decisão proferida nos embargos terá efeito devolutivo, por força da aplicação do artigo 520, inciso V, do Código de Processo Civil. Destarte, a execução deverá prosseguir de forma provisória) posto pendente recurso recebido em seu efeito devolutivo." (grifei).
Daí a irresignação exposta neste especial, em que os Recorrentes insistem na tese de que a execução de sentença é definitiva e que o Tribunal violou o art. 587 do CPC, ao entender que a execução prosseguirá de forma provisória, já que pendente recurso recebido com efeito devolutivo.
Asseveram que as alterações introduzidas no CPC pela Lei n. 8.953/ 1994, não podem modificar a jurisprudência cristalizada e a doutrina dos tribunais.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
202
tam.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trazem à colação acórdãos deste STJ para infirmar a tese que susten-
o Metrô-SP, recorrido, apresentou suas contra-razões às fls. 96/99.
Assiste razão aos Recorrentes.
Pendente agravo de instrumento - recebido apenas no efeito devolutivo
- interposto contra o despacho que julgara deserta a apelação, a execução
fundada em titulo judicial é provisória, já que há possibilidade de reforma do julgado, que constitui o título executivo.
Não obstante vale referir que a exigência de caução idônea para levan
tamento da quantia penhorada se deu no processo da ação expropriatória,
em que há processo judicial específico.
Em hipótese idêntica à dos autos, a egrégia Primeira Turma julgando
o REsp n. 76.343-SP, decidiu na esteira do voto proferido pelo Relator Ministro Milton Luiz Pereira, do qual reproduzo o seguinte trecho:
"Feito o memento, pela espia de conseqüente exame, colhe-se que
a pretensão recursal, objetiva, em ação expropriatória, desconstituir provimento autorizador do levantamento do valor depositado em di
nheiro, porque foi dispensada a caução idônea. E, no contexto da ques
tão jurídico-litigiosa, tal como posto no v. aresto, não se alardeia a
necessidade da caução (art. 588, I e II, CPC). Pois, a uma, o Decre
to-Lei n. 3.365/1941, descerrando específico processo judicial, estadeia
que o depósito do preço fixado por sentença, à disposição do Juiz, é
destinado ao pagamento do 'justo preço', logo, pertence ao expro
priado; a duas, somente na hipótese de 'dúvida fundada', inocorrente,
no caso, o preço continuará depositado; a três, estipular-se como condição a caução prévia é obstaculizar o pagamento a quem já perdeu a
propriedade, ficando sem receber o preço devido. Demais disso, se o
processo expropriatório encerrou-se com a sentença fixando o justo
preço, obvia-se que corresponde ao valor da propriedade, por si, sig
nificando a garantia.
Por essas estrias, alumia-se que, na execução decorrente da desa
propriação, não se pode linear como imprescindível a caução, de re
gra, exigível na execução provisória, prevista pelo art. 588, I e II, CPC,
cujo escopo é evitar o risco processual. Ora, se a execução, típica da
desapropriação, não implica risco, é dispensável a quantia em comento.
A Corte tem precedente prestigiando o entendimento sufragado:
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167 -230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 203
'Desapropriação indireta. Indenização. Caução.
Não havendo possibilidade concreta de ser alterada a decisão é acertada a mesma, deferindo o levantamento do depósito sem
prestação de caução.
Recurso improvido' (REsp n. 23.410-8-SP, ReI. Min. Garcia Vieira, DJU de 26.10.1992).
Amarradas as razões do convencimento, voto improvendo o re
curso."
o acórdão, unânime, recebeu ementa de teor seguinte:
"Processual Civil. Desapropriação. Execução. Levantamento do valor depositado. Caução. CPC, art. 588, I e II. Decreto-Lei n. 3.365/ 1941.
1. A exigência de caução para a execução provisória contra a Fazenda Pública, de regra, justifica-se para garantia do devedor, diante da possibilidade de ser reformado o julgado que constituiu o título executivo. Todavia, no processo da ação expropriatória, regrado especifica
mente, fixado o justo preço e depositado, o seu valor pertence ao expropriado, que perdeu a propriedade e não pode ficar sujeito à exigência de caução prévia, quando inexiste dúvida alguma sobre o seu direito de proprietário. O imóvel, por si, constitui suficiente garantia para o levantamento de valor fixado por sentença judicial transitada em julgado.
2. Precedente juriSprudencial.
3. Recurso improvido." (REsp n. 76.343-SP, DJ de 6.5.1996, ReI.
Min. Milton Luiz Pereira).
No mesmo sentido, vale citar o REsp n. 95.876-SP, da relatoria do Ministro Demócrito Reinaldo, resumido no acórdão ementado nos termos a seguir transcritos:
"Desapropriação. Execução. Levantamento do valor depositado. Correção. Art. 588, II, do CPC.
A jurisprudência da Corte tem assentado que a exigência de cor
reção para a execução provisória contra a Fazenda Pública só se justifica, para a garantia do devedor, acaso haja possibilidade da reforma
do julgado que constitui o título executivo.
RST], Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
204 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na desapropriação, depositado o justo preço, o valor correspon
dente pertence ao expropriado (que perdeu o imóvel), ficando, por isso
mesmo, dispensado da prestação de correção prévia, servindo o bem expropriado de garantia para o levantamento do quanturn da indeni
zação, em sentença com trânsito em julgado.
Recurso improvido. Decisão unânime."
Adotando o mesmo entendimento, conheço do recurso e dou-lhe pro
vimento.
Relator:
- Recorrente:
Advogado:
Recorrido:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL N. 172.310 - RS (Registro n. 98.0030331-6)
Ministro Franciulli Netto
Riopel S/A Indústria de Papelão e Artefatos
Tatiana Hoffmann de Oliveira Gonçalves e outros
Estado do Rio Grande do Sul
Márcia Regina Lusa Cadore Weber e outros
EMENTA: Processo Civil - Tributário - Ação declaratória - Saldos credores de ICMS - Correção rnonetária - Guias de recolhirnento - Ausência - Dissídio não configurado - Honorários advocatícios - Fazenda Pública - Parte vencedora - Condenação devida - Recurso
não conhecido.
Ernbora se reconheça neste Tribunal a adequação da ação
declaratória para o deferirnento do direito à correção rnonetária dos
saldos credores do ICMS, é necessário que fique dernonstrado ao rnenos que houve o recolhirnento do irnposto, corn a juntada das guias
de apuração, a que não procedeu o recorrente.
Dissídio pretoriano não configurado, porquanto a rnatéria abor
dada no acórdão trazido corno paradigrna não foi analisada sob os
terrnos ern que se coloca o presente recurso.
A condenação à verba honorária é devida, segundo dispõe o art.
20 do Código de Processo Civil, rnesrno quando vencedora pessoa
RSTJ, Brasilia, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 205
jurídica de direito público interno, como, no caso, o Estado do Rio
Grande do Sul. A hipótese não é daquelas em que não é devido o pagamento de honorários advocatícios.
Recurso não conhecido pelas alíneas a e c. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Eliana Calmon e Paulo Gallotti. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros N ancy Andrighi e Francisco Peçanha Martins. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 6 de junho de 2000 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Presidente.
Ministro Franciulli Netto, Relator.
Publicado no DJ de 1.8.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Franciulli Netto: Trata-se de recurso especial fulcrado
nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pela
egrégia Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, que negou provimento à apelação interposta em face de sen
tença que julgou improcedente a ação declaratória ajuizada contra aquele Estado para o fim de assegurar direito à correção monetária de saldos credores de ICMS.
Confirmando o provimento monocrático, entendeu o Tribunal a quo por indispensável a produção de prova quanto à existência dos créditos ale
gados, aos quais pretendia a Apelante ver reconhecido o direito de corrigir monetariamente. Inadequado, portanto, seria conceder o direito à correção, em tese, sem as apurações devidas. A despeito da insurgência quanto ao não
cabimento da fixação de honorários advocatícios, uma vez que teriam como
destinatário um servidor público (Procurador do Estado), manteve-se a condenação, por isonomia às hipóteses em que o Estado sucumbe, e por não ter
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
206 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA
havido extinção do processo sem exame do mérito, como sustentado pela
Apelante.
Irresignada, interpôs a Autora o presente recurso especial, no qual ale
ga negativa de vigência ao art. 4!.l do Código de Processo Civil, pois que lhe
assiste o direito de obter provimento meramente declaratório, sem efeitos
patrimoniais, e, portanto, sem a necessidade de comprovação dos saldos cre
dores. Aduz divergência jurisprudencial, trazendo julgados à colação. Bus
ca, ainda, seja reconhecida infringência ao art. 23 da Lei n. 8.906/1994, pois
que, segundo tal dispositivo, a verba honorária tem como destinatário sem
pre o advogado, e, tratando-se, como nos autos, de Procurador do Estado,
incabível a condenação a tal ônus de sucumbência.
Regularmente processado, conta o recurso com a resposta do Recor
rido (fls. 221/235).
É o relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Franciulli Netto (Relator): Trata o recurso de matéria
referente à aplicação de correção monetária a saldos credores de ICMS,
pretensão afastada nas instâncias ordinárias, diante do entendimento de que
não seria possível declarar-se, em tese, o direito à correção. Isso porque far
-se-ia indispensável a produção de provas a fim de comprovar a existência
do crédito, a forma de apuração e a correção dos cálculos adotados pelo
contribuinte.
A questão já foi enfrentada neste Tribunal, e, embora se reconheça a
adequação do provimento declaratório para decidir sobre o direito à cor
reção monetária de saldos credores do ICMS, não se pode olvidar da de
monstração elementar da existência de tais créditos.
Não infringiu a Corte recorrida o art. 4!.l do Código de Processo Ci
vil, ao decidir, com base nos elementos trazidos aos autos, pela impossibi
lidade de prover a declaração pretendida. Verifica-se, no caso em apreço, que
sequer foram juntadas as guias que evidenciam o recolhimento da exação.
Não se fez a comprovação primária da relação jurídica que se busca decla
rar, a qual imprescinde que o imposto tenha sido pago, e que, por conse
qüência, possui o contribuinte o saldo credor que pretende seja corrigido.
Ora, o supracitado dispositivo é expresso ao admitir o provimento
declaratório com o fito de proclamar a existência de uma relação jurídica.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 207
É preciso que seja concreta, o que se não pode admitir ante a ausência de
elementos mínimos que digam respeito à tal relação. Cumpre frisar que se
não trata, aqui, de apreciação de prova, matéria sabidamente inadequada à
angusta via do recurso especial, e obstada pelo Verbete Sumular de n. 7, deste Tribunal. In casu, constata-se, pela simples verificação dos autos, a
absoluta propriedade com que decidiu o juízo de origem, diante da ausên
cia de demonstração da situação jurídica da Autora, por intermédio das guias de apuração do ICMS. A respeito da prestação jurisdicional na ação
declaratória, vale citar precedente desta Corte, ementado nos seguintes ter
mos:
"Processual Civil. Ação declaratória e condenatória. Interesse de
agir e legitimação ad causaIll. CPC, art. 4!l.. Súmulas n. 7-STJ, 282 e 356-STF.
1. A relação jurídica material objeto da ação declaratória deve ser
concreta, efetiva e real, não bastando a colocação hipotética. Outrossim, no caso, descabe declaração com o fito de malsinar lei em tese.
2. A apreciação de circunstâncias factuais e norteada pela demons
tração probatória não se amolda a via especial. Padrões legais não considerados na aplicação do direito à espécie, faltantes os embargos
declaratórios, não se prestam para viabilizar o recurso especial (Súmulas n. 282 e 356-STF).
3. Recurso improvido" (REsp n. 9 1. 640-RJ, DJ de 24.2.1997, p. 3.297, ReI. Min. Milton Luiz Pereira).
A posição adotada no aresto objurgado é, portanto, concernente à dis
ciplina processual em vigor (artigo 4!l. do Código de Processo Civil).
Analisando o recurso sob o prisma da divergência jurisprudencial,
melhor sorte não assiste ao Recorrente. O v. acórdão atacado possui ementa lançada nos seguintes termos (fi. 190):
"Fiscal. ICMS. Correção monetária de saldos credores pretéri
tos, com transferência a terceiros. Ação declaratória.
O deferimento de correção monetária de créditos extemporâneos
de ICMS deve recair sobre relações concretas, a serem indicadas na
inicial e comprovadas no curso da ação, por documentos ou perícia.
A ação meramente declaratória para obtenção de autorização genérica e aleatória, para agir, unilateralmente, na apuração de valores,
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
208 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
creditamento e transferência a terceiros, como capital de giro, com
inibição da atuação fiscalizadora do Estado, não pode alcançar tal fim.
Apelação improvida."
o acórdão ostentado como paradigma, da lavra do Sr. Ministro Ari
Pargendler, possui os seguintes termos no trecho destacado do voto (fi. 218):
"O acórdão recorrido admitiu a correção monetária dos créditos
do ICMS à base da Súmula n. 16 do egrégio Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, esclarecendo o eminente Relator, Des.
Celeste Vicente Rovani:
'A falta de prova referente aos sucessivos saldos credores
excedentes ventilada pelo Fisco não levaria, se se tratasse de ação
prevalentemente condenatória ou constitutiva, à carência, mas,
sim, à improcedência da ação, o que é processualmente diferen
te. E a verificação da existência ou não de saldos credores de
ICMS excedentes ao final de cada período far-se-á pelo simples
exame dos livros contábeis em poder da Autora, a quem cabe, em
última análise, proceder à correção monetária, se se vitoriar na
lide, naturalmente, sujeita à posterior fiscalização dos agentes da
Fazenda Pública. A questão da falta de prova de saldos credores
para o fim da ação declaratória, não tem qualquer relevo, porque
para propô-la basta o interesse de ver declarado o direito de cor
reção de tais saldos, a teor do art. 411 do CPC' (fi. 81).
Como se vê, nenhuma contrariedade sofreu o artigo 330, I, do
Código de Processo Civil. Por outro lado, a alegação de que a corre
ção monetária dos créditos de ICMS é incompatível com o art. 28 do
Convênio ICMS n. 66/1988 não pode sequer ser considerada; a legis
lação do Estado do Rio Grande do Sul, hoje, a admite expressamen
te. Finalmente, o art. 166 do Código Tributário Nacional diz respei
to à repetição do indébito tributário."
Do cotejo dos arestos não se infere o dissídio alegado. O paradigma,
embora trate da mesma questão de fundo, relativa à correção monetária de
créditos de ICMS, não enfrenta a matéria nos termos em que posta no caso
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 209
presente. Naquele se discutia a possibilidade de julgamento antecipado da
lide diante da ausência de provas dos saldos credores, não como, in casu,
em que sequer seria possível chegar a tal indagação, pois que deixou o Au
tor de proceder, como já dito, à demonstração do recolhimento do tributo.
Por sua vez, no que se refere à condenação à verba honorária, tam
pouco encontra amparo a pretensão do Recorrente. O art. 20 do Código de
Processo Civil, é claro ao determinar o pagamento das verbas sucumben
ciais, dentre as quais os honorários advocatícios, pela parte perdedora. Não
exime do pagamento quando o vencedor é pessoa jurídica de direito público
interno, como, no caso, o Estado do Rio Grande do Sul. Sobre o tema
posiciona-se Humberto Theodoro Júnior no sentido de que "nos ter
mos amplos em que o princípio da sucumbência foi adotado pelo Códi
go, a ele se sujeita e dele se beneficiam até mesmo os Poderes Públicos
e as empresas privadas que mantenham serviços jurídicos permanentes"
(cf. Curso de Direito Processual Civil, Volume 1, 3 P. ed., Ed. Forense,
2000, p. 83).
Ainda, quanto à específica insurgência do Recorrente, relativa ao
direcionamento das verbas advocatícias, pela qual estaria configurada afron
ta ao art. 23 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Bra
sil - OAB (Lei n. 8.906/1994), trago o escólio de Yussef Said Cahali:
"O destino a ser dado aos honorários compete a cada empresa ou
entidade, que os pode recolher aos seus cofres ou constituir fundo de
participação dos honorários ou rendimentos do próprio advogado, o
que é outro aspecto; mas a condenação do vencido, inevitável no caso,
será menos um benefício ao vencedor do que um ônus imposto ao ven
cido na sucumbência da ação" (cf. Honorários Advocatícios, 3a ed., Ed.
Revista dos Tribunais, 1997, p. 261).
Ademais, não está o presente dentre os casos nos quais se afasta o pa
gamento de verbas honorárias, como ocorre com o mandado de segurança
(Súmula n. 105-STJ).
Pelo que precede, não constato infringência aos dispositivos de lei tra
zidos a lume, tampouco o dissídio pretoriano alegado, ante o que não co
nheço do recurso pelas alíneas a e c do dispositivo constitucional.
É o voto.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
210 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 201.580 - MG (Registro n. 99.0005869-0)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Recorrente:
Advogados:
Recorridos:
Advogados:
Caixa Econômica Federal - CEF
Dalva N azaré de Siqueira e outros
Arnaldo Antônio Bizinoto e cônjuge
Wilson Abadia Fontoura e outros
EMENTA: Processo Civil - Tutela antecipada (art. 273 do CPC)
para paralisar execução não garantida.
1. Sem garantia não é possível paralisar-se execução por tutela
antecipada.
2. Independência dos processos de conhecimento e execução que não se comunicam.
3. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Franciulli
Netto, Nancy Andrighi e Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF, 20 de junho de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministra Eliana Calmon, Relatora.
Publicado no Dl de 21.8.2000.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: 1. A Caixa Econômica Federal inter
pôs recurso especial com arrimo na alínea a do permissivo constitucional.
Insurge-se contra acórdão do TRF da ta Região que foi assim resumi
do na ementa:
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereíro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 211
"Processual Civil. Sistema Financeiro da Habitação. Agravo de
instrumento e agravo regimental. Dano irreparável indemonstrado.
1. Agravo regimental contra despacho que negou efeito suspensivo
a agravo de instrumento. Nega-se-lhe provimento, por indemonstrada
a possibilidade de dano irreparável a eventual direito do agravante.
2. Agravo de instrumento contra decisão que em ação relativa a contrato habitacional, antecipou tuteIa, para que os autores não sejam
executados pela ré, enquanto não decidir a lide. Pertinência da medi
da, pois coerente com a jurisprudência relativa aos mútuos de aquisi
ção da casa própria, pelo SFH, sem ensejar situação de fato irreversível, nem prejudicar a agravante, que goza de garantia real.
3. Improvimento do agravo regimental e do agravo de instrumento" (fi. 63).
Afirma a Recorrente que o julgado negou vigência aos artigos 273 e 585 do CPC, pois sem pagamento algum obstou a execução.
2. O recurso subiu ao Tribunal por força de agravo de instrumento, sem que tivesse o Recorrido apresentado contra-razões.
Relatei.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): O recurso, na origem, ata
cou decisão monocrática que concedeu antecipação de tutela, sendo a de
cisão mantida pelo Tribunal, por decisão monocrática do Relator, confirma
da em agravo regimental.
A antecipação de tutela, de natureza assecuratória, foi concedida à vista da verossimilhança e prova inequívoca, estes os pressupostos genéricos do
instituto.
Verossimilhança pela existência de dezenas e dezenas de demandas
idênticas à presente, cujo resultado foi também idêntico ao antecipado pelo
julgador a quo, além de haver nos autos prova inequívoca da semelhança
fática.
Na Justiça Federal, há mais de quinze anos, o entendimento é o de que
as prestações dos mútuos que seguem as regras do SFH devem ser corrigidas
pelo índice do aumento salarial. E foi esta a reivindicação dos autores que
se viram atropelados pelo desejo da CEF de executá-los.
RST], Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
212 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A inadimplência resultou de uma cobrança de prestação maior do que a sempre ordenada pela Justiça, daí resultando um pedido de declaração para só serem pagos os valores de acordo com o SFH.
Entretanto, além dos pressupostos genéricos, comuns às duas espécies de tutela, assecuratória e punitiva, há de ficar comprovado ser imperiosa a antecipação, pela irreversibilidade que possa ocorrer nos fatos que, neste caso, deve ser examinada para ambas as partes.
De nada valeria ao Direito tirar o perigo de um e colocar em outro.
Ora, na hipótese, há dívida a ser paga e, para paralisar a cobrança, ou seja, afastar o perigo de execução, era indispensável a garantia, com pelo menos parte do pagamento, correspondente ao que entendem devido os Autores, ora recorridos.
A falta absoluta de ânimo em pagar não autoriza a tutela antecipada, porquanto há perigo de dano irreparável para o Recorrente, que deixa de receber o que lhe é efetivamente devido.
Entendo, portanto, que o acórdão recorrido vulnerou o art. 273 do CPC e negou vigência ao art. 585 do CPC, ao impedir a execução.
Assim e em conclusão, conheço do recurso e dou-lhe provimento para reformar o acórdão impugnado.
RECURSO ESPECIAL N. 239.205 - SP (Registro n. 99.0105683-7)
Relatora:
Recorrentes:
Advogado:
Recorrido:
Advogados:
Sustentação oral:
Ministra N ancy Andrighi
Emílio D' Alessandro e outros
Paulo José Nogueira da Cunha
Fazenda do Estado de São Paulo
Geraldo Horikawa e outros
Paulo José Nogueira da Cunha (pelos recorrentes), e Moacir Guimarães Moraes Filho (Subprocurador-Geral da República)
EMENTA: Processo Civil - Defensoria pública - Assistência judiciária gratuita - Convênio firmado entre Procuradoria Geral do Estado e OAB - Honorários advocatícios - Pleito da diferença entre
RSTJ, Brasílía, a. 13, (138): 167-230, fevereíro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 213
o valor constante de resolução da PGE e o arbitrado judicialmente - Ausência de amparo legal.
O Estado de São Paulo, temporariamente, ainda que de forma precária, criou uma "defensoria pública", cumprindo, assim, a determinação constitucional emanada do art. 24, inc. XIII, da Carta Magna.
Evidenciada a existência de serviço de assistência judiciária, mantido pelo Estado, na Comarca de Iguape, tem aquele (Estado) a competência para dispor sobre as normas de funcionamento e a respectiva remuneração dos profissionais que se habilitarem às funções de defensor.
Em aderindo com o desempenho do trabalho e aceitando os honorários oferecidos pela PGE, não é lícito e nem há base legal para o advogado postular a diferença entre os valores fixados na tabela da PGE e os fixados pela tabela da OAB, porquanto renunciaram à aplicação do disposto no art. 22 da Lei n. 8.906/1994, por força do pacta sunt servanda.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora. Votaram com a Sra. Ministra-Relatora os Srs. Ministros Eliana Calmon, Paulo
Gallotti e Franciulli Netto. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF, 16 de maio de 2000 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Presidente.
Ministra Nancy Andrighi, Relatora.
Publicado no DJ de 18.9.2000.
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial manifes
tado com fundamento nas alíneas a, b e c do permissivo constitucional, vi
sando à reforma de v. acórdão assim ementado:
RSTJ, Brasílía, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
214 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Assistência judiciária gratuita. Prestação supletiva, por advoga
dos inscritos em Convênio da Procuradoria Geral do Estado com a Or
dem dos Advogados. Pretensão de recebimento de verba complemen
tar, arbitrada por juízes, com base em ordem de serviço, diferença ex
cedente aos valores contemplados em tabela oficial. Descabimento.
Matéria de competência exclusiva do Poder Executivo, destinação
constitucional, de criação e organização de prestação jurídica gratui
ta, inclusive remuneração de advogados recrutados para suprir quadro
insuficiente de procuradores do Estado. Exegese dos arts. 5'\ LXXIV,
e 133 da CF, e 103 e 109 da CE. Embargos infringentes deduzidos pela
Fazenda do Estado. Acolhimento, restabelecida decisão de 12 grau, de
improcedência da demanda."
Os Recorrentes insurgem-se contra o arbitramento de honorários de
advogado dativo, segundo o disposto em resolução da Procuradoria Geral
do Estado, em que fixado valor inferior ao de tabela organizada por Con
selho Seccional da OAB. Sustentam violação ao art. 22, § 12 , da Lei n.
8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) e indicam ato de governo local (Reso
lução n. 127/1995, da PGE) que teria sido contestado em face de lei federal
(art. 22, § 12 , da Lei n. 8.906/1994). Ainda, alegam divergência juris
prudencial.
A ação é de cobrança com rito ordinário, proposta por nobres advo
gados que "integravam convênio firmado entre a Procuradoria Geral do Es
tado e a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, para a pres
tação de serviços de assistência judiciária aos necessitados".
O intuito era o de recebimento de verba complementar referente à di
ferença do valor que obtiveram do Estado, pelos serviços prestados, com
base em tabela expedida pela PGE-SP e, àquele previsto pela tabela da OAB
e, fixada pelos magistrados que decidiram as causas, com quantum certi
ficado pelos Cartórios Judiciais.
A r. sentença de 12 grau julgou improcedente o pedido, por conside
rar que os srs. advogados renunciaram ao direito à eventual complemen
tação, tendo em vista o disposto no § 42 , cláusula quinta, do convênio fir
mado entre a PGE-SP e a OAB, com o qual concordaram expressamente e,
portanto, a hipótese seria de aplicação do princípio pacta sunt servanda.
O egrégio Tribunal ordinário, por sua vez, em apelação, por maioria,
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 215
concluiu pelo direito de os Autores-recorrentes terem seus honorários ju
dicialmente fixados, com base na tabela da OAB. Opostos embargos
infringentes, contudo, a decisão foi revertida, no sentido de negar provimen
to à pretensão daqueles, porquanto ao fixar verba complementar os magis
trados desviaram competência, disciplinando matéria constitucionalmente
destinada ao Poder Executivo e, ainda, por considerar ineficaz a prática de
arbitramento judicial que se superpõe àquele formalmente estabelecido em
ato administrativo que credencia advogados para prestação supletiva de ser
viços de assistência judiciária.
A alegação dos ora recorrentes é a de que o v. acórdão, ao respaldar
o ato da PGE-SP de promover o pagamento de seus honorários profissio
nais, com base em tabela organizada por ela própria é, em valor inferior ao
previsto na tabela da OAB, violou o Estatuto da Advocacia, bem como ao
negar a competência dos magistrados para arbitrar honorários advocatícios.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cuida-se de ação de co
brança, com rito ordinário, ajuizada por advogados visando a obter da Fa
zenda Pública Estadual de São Paulo, a diferença dos honorários advo
catícios pré-fixados pela Tabela da Procuradoria Geral do Estado e aque
les arbitrados via sentença pelo juiz da causa na qual se prestou assistên
cia judiciária.
O punctuIll saliens é resolver acerca da legitimidade e da competên
cia processual dos juízes de fixar honorários advocatícios aos advogados que
prestam assistência judiciária aos necessitados, fazendo as vezes de defen
sores públicos, enquanto este serviço público não está devidamente insta
lado.
Efetivamente é dever jurisdicional do magistrado fixar honorários
advocatícios face à prestação de serviços profissionais de advogado, quer
com fundamento no art. 20 do CPC, quer com fundamento no art. 22 da Lei
n. 8.906, de 4 julho de 1994, contudo, quando se trata de assistência judi
ciária, há que se observar as peculiaridades de cada Estado.
O serviço de assistência judiciária aos necessitados, de acordo com CF,
deve ser organizado pelo Estado. Todavia, este serviço público ainda não se
estruturou satisfatoriamente em alguns Estados. Por esta razão, foram se
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
216 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
criando mecanismos para solucionar esta deficiência ou ausência até a instalação definitiva das defensorias públicas. No caso sob julgamento, o Estado de São Paulo, por intermédio da Procuradoria Geral do Estado, baixou resolução para estabelecer temporariamente a prestação de serviço de assistência. Referida resolução regula a forma de prestação de serviços dos advogados, bem como institui tabela de honorários pelos serviços prestados.
Suspenso o Convênio com OAB, de acordo com o Comunicado n. 533/ 1995, da PGE, os juízes da Comarca de Iguape editaram duas portarias estabelecendo que, tendo em vista a suspensão do mencionado convênio, os honorários dos ilustres advogados, que fossem nomeados para prestar assistência judiciária, seriam fixados pela Tabela da OAB e não mais pela tabela de honorários da PGE. Para tanto, criaram procedimento próprio, mediante expedição de 2 certidões, visando à viabilização de execução da portaria, sendo uma certidão com valor constante da tabela da PGE, para recebimento diretamente do caixa da PGE; e outra, do saldo verificado entre o valor dos honorários fixados pela PGE e os da tabela da OAB, que deveria servir como título executivo para o advogado.
A interposição deste recurso especial está calcada na afirmação de que foi violado o disposto no art. 22, § 1 Sl., da Lei n. 8.906/1994, Estatuto da Advocacia, partindo, os ilustres Advogados-recorrentes do pressuposto de que, na Comarca de Iguape, o Estado de São Paulo não dispõe mais de assistência judiciária, por força do Comunicado n. 533/1995, da PGE-SP.
A assistência judiciária gratuita aos cidadãos que se declaram incapazes de custear o processo é dever constitucional do Estado. Portanto, um comunicado da PGE-SP não tem o condão de eliminar este serviço público. O Estado de São Paulo, temporariamente, ainda que de forma precária, criou uma "defensoria pública", suas normas de funcionamento e respectiva remuneração, cumprindo a determinação constitucional - art. 24, XIII. Está evidenciado o funcionamento da "defensoria pública", tanto que os Recorrentes declaram que já receberam parcialmente os honorários advocatícios pelos serviços prestados da assistência judiciária.
Com efeito, tendo havido o recebimento dos honorários de acordo com a tabela da PGE-SP, portanto, dos cofres públicos, está declarada a existência do serviço e, ainda, caracterizada a adesão tácita dos Recorrentes ao tipo de defensoria instituída provisoriamente, pelo Estado de São Paulo. O ato voluntário do "defensor" de aceitar os honorários advocatícios oferecidos pela tabela da PGE-SP, pagos pelos cofres públicos, ainda que fazendo ressalva, tem o efeito de submetê-los às regras daquele serviço, repita-se, ainda que precariamente instituídos.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 217
É de se notar que, ao receberem os honorários fixados na tabela da
PGE-SP, os srs. advogados renunciaram à aplicação do disposto no art. 22,
§ P\ da Lei n. 8.906/1994, por força do pacta sunt servanda, isto é, § 4!! da cláusula quinta do referido convênio, in verbis:
"§ 4"" O valor arbitrado com base nesta resolução será aceito
como definitivo pelo advogado, com renúncia a qualquer ação."
Por fim, o disposto no § 1"" do art. 22 da Lei n. 8.906/1994 não res
tou violado, porquanto o Estado de São Paulo, a toda evidência, prestou
assistência judiciária aos necessitados, remunerando os serviços judiciários prestados pelos Recorrentes, que receberam o quantulll que lhes era devido
pelos cofres públicos.
Forte em tais razões, não observadas em sua integralidade as normas
contidas no art. 255, §§ I!! e 2"", do RISTJ e não configurada qualquer violação à norma infra constitucional, não conheço do recurso.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Presidente): Estou, aqui, com o Es
tatuto da Ordem dos Advogados, li exatamente o texto do art. 22, § 1"", e a interpretação que dou a esse dispositivo é idêntico ao dado pela ilustre
Relatora. Assim, eu a acompanho.
VOTO
O Sr. Ministro Franciulli Netto: Sra. Presidente, voto também com a Relatora em decorrência dessa ressalva expressa no caso de impossibilida
de de defensoria pública. A ilustre Ministra Nancy Andrighi, com muita
profundidade e propriedade, demonstrou que bem ou mal, certo ou errada
mente, ainda que precariamente, está no Estado de São Paulo instituída essa
defensoria pública, mesmo que seja um mero escorço daquele que deveria
ser um ideal idealíssimo.
Então, não caindo na exceção, entendo perfeitamente válido e eficaz o pagamento feito, ditado pela tabela da PGE.
Por essas e por outras razões muito bem deduzidas pela ilustre Rela
tora, também acompanho seu voto.
É como voto.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
218 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 242.838 - PR (Registro n. 99.0116553-9)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Fazenda Pública do Estado do Paraná
Advogados: Márcia Dieguez Leuzinger e outros
Recorrido: Truch Maringá - Indústria de Implementos Rodoviários Ltda
Advogado: Pedro Nascimento Yokoyama
EMENTA: Tributário e Processual Civil - Execução fiscal - ICMS Impulsão processual - Alegação de inércia da parte-credora -
Prescrição intercorrente - Não ocorrência - Paralisação do processo não imputável ao credor - Precedentes do STJ e do STF.
I - Em sede de execução fiscal, o mero transcurso do tempo, por mais de cinco anos, não é causa suficiente para deflagrar a prescrição intercorrente, se para a paralisação do processo de execução não concorre o credor com culpa. Assim, se a estagnação do feito decorre da suspensão da execução determinada pelo próprio juiz em face do ajuizamento de anulatórias de débito fiscal a serem julgadas, em conjunto, com os embargos do devedor opostos, em razão da conexão havida entre elas, não é possível reconhecer a prescrição intercorrente, ainda que transcorrido o qüinqüídio legal.
II - Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora. Votaram com a Sra. Ministra-Relatora os Srs. Ministros Eliana Calmon, Paulo Gallotti e Franciulli Netto. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF, 15 de agosto de 2000 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Presidente.
Ministra Nancy Andrighi, Relatora.
Publicado no Dl de 11.9.2000.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 219
RELATÓRIO
A Sra. Ministra N ancy Andrighi: A Fazenda Pública do Estado do Paraná interpõe o presente recurso especial com fulcro no art. 105, UI, a
e c, da Constituição Federal, contra v. acórdão que, em execução fiscal por dívida relativa a ICMS, reconheceu a incidência da prescrição intercorrente, em razão do feito ter ficado sem impulsão processual da parte-credora, por mais de 6 (seis) anos, desde que os autos foram conclusos ao julgador
monocrático para prolação de sentença.
A Recorrente fundamentou o recurso especial, asseverando que o acórdão recorrido negou vigência aos artigos 40 da Lei n. 6.830/1980 e 174 do CTN, bem como dissentiu de arestos emanados do próprio STJ.
Afirma a Recorrente que:
a) o julgado impugnado incorreu em confusão ao acolher a prescrição intercorrente, suscitada pela devedora, pois, determinado o sobrestamento da execução fiscal pelas ações anulátorias de débito fiscal e pelo incidente dos embargos do devedor, o prazo de prescrição não pode correr, pela razão determinante de que enquanto não for removida a causa da suspensão, não há inércia da credora.
b) o prolongado período de inércia processual deveu-se à máquina judiciária;
c) o julgado dissentiu da Súmula n. 106 do colendo Superior Tribunal de Justiça;
É a sucinta exposição.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): O histórico dos autos enunciam que a devedora ajuizou três ações distintas, ante a Fazenda PÚblica do Estado do Paraná sendo todas reunidas pela conexidade para serem julgadas conjuntamente perante o mesmo juízo. As duas primeiras são anulatórias de débito fiscal e a terceira embargos do devedor.
A constatação da inércia da Fazenda Estadual decorreu do entendimento de que esta, não obstante tenha atuado positivamente em todos os processos, não tomou as providências previstas no art. 198 do CTN, zelando pela promoção do feito, desde que os autos foram conclusos ao órgão monocrático em 22.3.1990, permanecendo sem ser sentenciado até 31.10.1997.
RST}, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
220 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ocorre que a execução fiscal foi sobrestada, por ordem judicial, em
razão da propositura dos embargos do devedor e das ações anulatórias ajui
zadas com o depósito do valor do débito discutido, sucessivamente, apen
sadas, em razão da conexidade apresentada entre as três ações.
Delineia-se, portanto, o cerne da controvérsia em saber-se quais fatos jurídicos desencadeiam a prescrição intercorrente; se o mero transcurso do
tempo ou se a negligência da credora associada ao decurso do tempo sem a devida promoção da exação e, ainda, se for este o caso, a verificar-se se,
na especialidade do caso em concreto, há culpa manifesta da Fazenda estadual pela paralisação do processo de execução.
Ensina Fernando Jorge Shneider1, Professor Titular da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que:
"A prescrição tributária é a sanção legal à inércia ou mora do credor (União, Estados e Municípios) em promover atos idôneos à exi
gência de seu direito, e tem a superior virtude de garantir a seguran
ça e tranqüilidade jurídicas em proveito das duas partes, em especial
a do contribuinte, com a salvaguarda que lhe aproveita a qualquer cobrança de seu débito, após o escoamento do prazo legalmente fixado.
Como assinalou Ives Gandra da Silva Martins, a intenção legislativa
foi a 'de punir o sujeito ativo, adormecido pela perda de direito, assim como estabilizar as relações jurídico-tributárias, retirando a inde
finição e a infinitude das pendências entre ambos os pólos das mesmas'.
Ou no dizer do saudoso Baleeiro 'A leitura ponderada do Código
Tributário Nacional revela que esse diploma, em grau mais intenso do
que qualquer outro código brasileiro, estimula e premia a diligência
e a agressividade do credor - o Fisco - na constituição do crédito tributário e na sua cobrança efetiva, punindo-o porém, pela inação' (Re
vista de Direito Tributário n. 9/10, p. 13)."
O instituto da prescrição é, pois, composto de dois fatores indissociáveis - decurso do tempo e inércia da parte interessada. Sem tais elementos
não se deflagra a incidência da prescrição.
Assim, quando há suspensão do processo por força da lei ou por de
terminação judicial não é possível falar-se em prescrição intercorrente pelo
1. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Seção do Distrito Federal.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 221
simples transcurso do prazo de cinco anos, sem que à paralisação do processo se possa debitar a concorrência de culpa da parte-credora.
Neste sentido, precisas são as palavras do Dr. Luiz Roberto Merlin eleve, expostas no parecer acostado aos autos da ação anulatória de débito fiscal, às fls. 190/191:
"É que a Fazenda Pública estadual não deu causa, concorrente e, muito menos, exclusivamente, para a paralisação do feito em exame e também da execução fiscal. Ora, se após toda a instrução do processo - e com a acenada possibilidade de antecipada decisão - estes autos são conclusos, depois de contados e preparados, para julgamento, e sempre considerando-se a suspensão da paralela execução fiscal, qualquer transcurso de prazo sem movimentação (leia-se sem a aprazada sentença, e a conseqüência disso, e de responsabilidade única do Poder Judiciário).
Só se pode imputar qualquer conseqüência, tal e qual como a prescrição intercorrente em processos envolvendo matéria tributária, em desfavor da parte, assim como a Fazenda Pública, se, e tão-somente se, deu ela causa, exclusivamente, seja por inércia ou inatendimento de ato que deva ou devesse no feito praticar.
Na hipótese, não era exigível, como não é, por lei, que a Fazenda Pública estadual a todo momento peticionasse implorando o julgamento, quando este deveria ter ocorrido no prazo legal e por impulso oficial."
Com efeito, se o fundamento da prescrição, além do transcurso do tempo, é a inércia do credor no que respeita ao exercício do direito de ação, ela não poderá correr se a exigibilidade do direito se encontra, ela própria suspensa por força de lei, em razão do depósito integral efetuado pela devedora, como ônus do ajuizamento das ações anulatórias de débito, cumprido pela devedora, nos termos do art. 38 da Lei n. 6.830/1980.
Outrossim, não há que se falar em negligência da credora por não promover os atos de propulsão à execução, visto que, não é possível impulsionar uma execução que se encontra suspensa em virtude da oposição de embargos do devedor, já que, garantida a execução.
Deste modo, não é possível falar-se em prescrição intercorrente, seja porque há suspensão da exigibilidade do crédito, por força do depósito inte
gral efetuado na ação declaratória, seja porque há suspensão da execução, por força da oposição dos embargos do devedor.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
222 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Deste modo, quer pelo prisma do direito material, quer pelo enfoque
do direito processual, não podendo o crédito tributário ser cobrado, por falta temporária de exigibilidade e exeqüibilidade, não há que se imputar à credora culpa pela paralisação do processo de execução, cuja ultimação depen
dia tão-somente do ato oficial da prolação da sentença, que foi retardado
por longos sete anos por deficiência debitável tão-somente à máquina do Poder Judiciário.
Por conseguinte, não é passível reconhecer-se, ainda que, transcorrido o qüinqüídio legal, a prescrição intercorrente.
Entendimento contrário apenas subverteria o sistema, pois ao invés da prescrição estar servindo de instrumento à pacificação social, pela contenção da eternização das situações subjetivas, estar-se-ia premiando o inadimplemento e
os devedores que, maliciosamente, fizessem uso indiscriminado das "ações defensivas" postas ao seu alcance, para burlar o pagamento devido, protelando-as
até vir a ser beneficiado com a prescrição intercorrente, o que, a toda evidência, repugna os mais comezinhos ideais de justiça.
Neste sentido, cite-se o seguinte julgado:
"Processo Civil. Execução fiscal. Apensação de processos. Prescrição intercorrente não caracterizada.
Só a inércia injustificada do credor caracteriza a prescrição intercorrente na execução fiscal: a paralisação do processo, por força de apensação à outra execução, esta suspensa por força de embargos do devedor, não induz tal efeito.
Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag n. 198.807-RS, DJ de 23.11.1998, Relator Min. Ari Pargendler)."
Forte em tais razões, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para determinar que a execução prossiga na esteira do devido processo legal.
É o voto.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 246.785 - MG (Registro n. 2000.0007912-0)
Ministro Franciulli Netto
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
Recorrente:
Advogados:
Recorrida:
Advogada:
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais
Bruno Rodrigues de Faria e outros
Iracema Gonçalves da Motta (em causa própria)
Iracema Gonçalves da Motta
223
EMENTA: Tributário - Recurso especial - Artigo 105, lII, a e c,
da Constituição Federal - Férias-prêmio - Opção do servidor - Na
tureza indenizatória - Imposto de renda - Não incidência - Súmulas
n. 125 e 136-STJ - Dissídio jurisprudencial não caracterizado -
Súmula n. 83-STJ.
1. O recebimento das férias-prêmio, em pecúnia, por opção do
servidor, não descaracteriza a natureza de indenização desse paga
mento.
2. A conversão em pecúnia das férias-prêmio não tem caráter
salarial e não pode ser sub sumida nos conceitos "de renda e
proventos de qualquer natureza", pela simples razão de que não se
cuida de aumento patrimonial, mas de mera indenização.
3. Súmulas n. 125 e 136 do Superior Tribunal de Justiça.
4. Impende evidenciar que a opção do servidor não tem a rele
vância que a isso se pretende emprestar, uma vez que, é curial, a
despeito da opção, a Administração, que desfruta do poder de im
pério, poderia determinar o gozo das férias-prêmio in natura. Não
o fazendo, remanesce implícita a necessidade da permanência do
servidor no trabalho em benefício do serviço público.
5. Confronto jurisprudencial não caracterizado porque o "con
flito sumular há de ser frontal, objetivo, não sendo admissível in
terpretar-se o enunciado da súmula editada (REsp n. 4.356-GO, ReI.
Min. Barros Monteiro)". Súmula n. 83-STJ.
6. Recurso especial não conhecido. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, de
cide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
224 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, Eliana Calmon e Paulo Gallotti. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Custas, como de lei.
Brasília-DF, 3 de agosto de 2000 (data do julgamento).
Ministro Francisco Peçanha Martins, Presidente.
Ministro Franciulli Netto, Relator.
Publicado no DI de 4.9.2000.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Franciulli Netto: A Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais interpôs recurso especial, com fulcro no artigo 105, inciso IH, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra v. acórdão da Quinta Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça estadual, que confirmou a r. sentença proferida pelo juízo monocrático, e teve por prejudicado o recurso voluntário da ora recorrente.
A recorrida, Iracema Gonçalves da Motta, funcionária pública estadual aposentada, impetrou mandado de segurança, objetivando decisão, liminar e definitiva, no sentido de que a autoridade coatora se abstivesse de praticar quaisquer atos que viessem a prejudicar seu direito líquido e certo de "receber o valor final equivalente às férias-prêmio, vendidas, não gozadas e transformadas em espécie, sem qualquer desconto ou dedução do Imposto de Renda a ser retido na fonte". Obteve provimento jurisdicional, mediante r. sentença do juízo singular, que tornou definitiva a decisão liminar.
O v. aresto confirmou esse provimento.
Insurge-se a Recorrente, entendendo que contrariou-se a lei federal, no caso os artigos 3'\ § F, da Lei n. 7.713/1988; 45 do Código Tributário Nacional, e 4.\2 da Lei n. 8.383/1991, asseverando que a Receita Federal tem esclarecido que os casos de isenção e não incidência são aqueles expressamente previstos na legislação federal; que ocorreu invasão de competência tributária, com a edição da Emenda n. à Constituição Estadual, e que os tribunais, quando dizem de não incidência do imposto de renda sobre férias-prêmio, aquela fica condicionada à comprovação de indeferimento do gozo por absoluta necessidade de serviço. Aduz que as férias-prêmio são acrés
cimo patrimonial.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 225
Sustenta que há dissídio jurisprudencial entre o v. julgado e as Súmulas
n. 125 e 136 desta Corte Superior de Justiça, porque o entendimento nes
tas é de que não incide o imposto de renda quando a conversão das férias
-prêmio tenha ocorrido não por opção da servidora, mas sim, que não te
nham sido usufruídas por necessidade de serviço.
Regularmente processado, o recurso conta com as contra-razões da Recorrida às fls. 140/144, e foi admitido na alínea c, deixando o julgador
"de examinar as demais alegações, eis que automaticamente devolvidas à
Instância Superior" (fls. 146/147).
É o sucinto relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Franciulli Netto (Relator): Cuida-se de recurso espe
cial interposto contra v. acórdão que confirmou r. sentença de juízo singu
lar, proferida em mandado de segurança impetrado por servidora pública
estadual aposentada, a qual, tornando definitiva a decisão liminar, declarou
ilegal o ato administrativo atacado, e determinou que não se procedesse à
retenção do imposto de renda na fonte, na parcela correspondente à conver
são de férias-prêmio em pecúnia, por não ser tal parcela sujeita à incidên
cia daquele imposto.
Esse benefício, conhecido como férias-prêmio, e convertido em pecúnia, por opção da Recorrida, está insculpido na Constituição do Estado
de Minas Gerais, em seu artigo 31, inciso lI.
É este o enunciado do sobredito artigo, verbis:
"Art. 3l. O Estado assegurará ao servidor público civil os direitos previstos no art. 7''-, incisos IV, VI, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI,
XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, da Constituição da República, e os
que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social e à produtividade no serviço público, especialmente:
II - férias-prêmio, com duração de seis meses, adquiridas a cada
período de dez anos de efetivo exercício de serviço público, admitida
sua conversão em espécie, por opção do servidor, ou, para efeito de
aposentadoria, a contagem em dobro das não gozadas;
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
226 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o recurso não merece acolhida, quanto à alínea a do inciso III do ar
tigo 105 da Carta Magna, uma vez que não se caracterizou ofensa, contra
riedade ou negativa de vigência à lei federal.
As férias e a licença-prêmio são benefícios concedidos aos funcioná
rios públicos, precipuamente, para gozo in natura, a fim de que o funcio
nário, depois de determinados lapsos temporais, preenchidos outros requi
sitos legais, possa recompor seu equilíbrio físico e psicológico, comprome
tido com o desgaste do contínuo e ininterrupto labor.
Quanto às férias, a própria Consolidação das Leis do Trabalho as trata
de forma privilegiada, tanto assim que seu gozo se constitui em direito
impostergável do trabalhador e dever compulsório do empregador.
Salvo pequena parcela em dinheiro, devem ser gozadas também in
natura; conversão apenas de 1/3 (um terço) em abono pecuniário (artigo
143 da CLT). Ainda assim, há renomados autores, como Anlauri Masca
ro Nascinlento, que afirmam que esse dispositivo atrita com a atual Cons
tituição Federal (artigo 752., inciso XVIII), in verbis: "há razões de sobra
para a declaração da inconstitucionalidade do abono de férias previsto na
CLT" (cf. Curso de Direito do Trabalho, Ed. Saraiva, 1989, n. 247, p. 507).
N o campo estatutário é o próprio Direito Administrativo que, de re
gra, acolhe a vantagem das férias e a da licença-prêmio.
Vê-se, então, que, quer sob o regime celetista, quer sob o regime
estatutário, em princípio, as férias caracterizam direito infungível.
No Direito do Trabalho, tão apenas em casos de inadimplemento, por
parte do empregador, é que surge o sucedâneo da indenização.
A atual Constituição, em seu artigo 752., inciso XVII, assegura aos tra
balhadores urbanos e rurais o direito de "gozo de férias anuais remunera
das com, pelo menos, 1/3 (um terço) a mais do que o salário normal", a fim
de que o empregado possa, além de arcar com seus compromissos mensais
normais, usufruir também de condições materiais mais vantajosas para as
férias realmente gozar.
No particular, a tributação do Imposto de Renda incide, porque se tra
ta, evidentemente, de um benefício de conotação nitidamente salarial.
A bandeira "salário não é renda" de há muito foi sepultada pelo nos
so direito fiscal positivo.
RST], Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereíro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 227
Isso, contudo, não permite confundir salários ou vencimentos com
indenização. Nem essa possibilidade está agasalhada pelo sistema jurídi
co vigente.
A indenização, em casos que tais, aliás, só surge depois de caracteri
zada em caráter irreversível aquela situação - denominada com precisão
pelos juristas da Pátria-mãe - de "inexecução definitiva imputável ao de
vedor" (cf. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 311 ed., p. 272, apud
Melo Franco e Antunes Martins, in Conceito e Princípios Jurídicos (na doutrina e na jurisprudência), Almedina, Coimbra, 1983, p. 390).
Nos termos do artigo 153, inciso III, ainda da Carta Política de 1988,
compete à União instituir impostos sobre "renda e proventos de qualquer natureza" .
A incidência de tributação deve obediência estrita ao princípio cons
titucional da legalidade (artigo 150, inciso I). O Código Tributário Nacio
nal, com a autoridade de lei complementar que o caracteriza, recepcionado pela atual Carta Magna (artigo 34, § 511., do Atos das Disposições Consti
tucionais Transitórias), define o conceito de renda e o de proventos de qual
quer natureza (artigo 43, incisos I e II).
A indenização não é produto do capital, do trabalho ou da combina
ção de ambos. Sobre não ser fruto do capital, ociosas quaisquer considera
ções, por falta de relação entre causa e efeito: do capital derivam valores
com conteúdo econômico, tais como juros, ações, remunerações, dividendos,
utilidades, enfim, riqueza nova, na acepção técnico-financeira do termo;
mas, do capital, per si, não se extraem indenizações.
Igualmente, na espécie, não se trata de produto do trabalho. Este ori
gina salários, vencimentos, gratificações, em resumo, direitos e ganhos. Do
trabalho não nascem indenizações; estas poderão surgir de outra relação
entre causa e efeito, ou seja, do inadimplemento de direitos decorrentes do trabalho.
Por fim, não há como equiparar indenizações com proventos, assim
entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos nas hipóteses
anteriores, uma vez que a indenização torna o patrimônio lesado indene, mas
não maior do que era antes da ofensa ao direito.
Se a indenização for maior do que deveria ser, - não é a hipótese pre
sente -, aí sim, penetrar-se-ia no acréscimo patrimonial e o que do devido
sobejasse, a par de ser tributável pelo Imposto de Renda, estaria até a per
mitir a repetição, por enriquecimento ilícito.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
228 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o conceito de acréscimos patrimoniais abarca salários, abonos e van
tagens pecuniárias, mas não indenizações.
A lei fiscal ordinária (Lei n. 7.713, de 22.12.1988) deixa à margem da tributação do Imposto de Renda as indenizações acidentárias do traba
lho e as indenizações trabalhistas, porque tais hipóteses eram perfeitamente previsíveis (artigo 6J2., incisos IV e V).
Jamais poderia o legislador imaginar que, em determinados setores da Administração, seria negado aos funcionários o gozo de férias e licença-prê
mio, por absoluta necessidade de serviço público, como vem ocorrendo, por força de ato de império (factuIll principis).
Na esteira dessa premissa, lícito é supor que o legislador teria tam
bém contemplado tal hipótese, se isso fosse de seu conhecimento.
A bem da verdade, a hipótese não é de isenção, - a não permitir interpretação analógica -, mas de não incidência do tributo por falta de tipificação do fato gerador.
Uma vez negado o direito que, por essência deveria ser desfrutado tal qual instituído (gozo), surgiu o substitutivo da indenização em pecúnia.
Essa indenização, contudo, não tem caráter salarial e não pode ser
subsumida nos conceitos "de renda e proventos de qualquer natureza", pela simples razão de que se não cuida de aumento patrimonial, mas de mera indenização, em pecúnia, na ausência de outra forma humanamente possível de reparação do mal que, com o indeferimento de tais direitos, isto é,
com inexecução definitiva, a Administração ao funcionário acarreta.
De passagem, cumpre lembrar a tradição de nossa jurisprudência acer
ca da não-incidência do Imposto de Renda sobre indenização de desapro
priação amigável ou judicial, por não se tratar de renda e tampouco de
acréscimo patrimonial, mas de mera reposição patrimonial.
Se em questão puramente patrimonial assim tem sido entendido, outro modo de pensar não comporta matéria que penetra na órbita de lesão
de direito cujo escopo era o de proporcionar descanso necessário ao
reequilíbrio psíquico e orgânico de uma pessoa humana.
Não recomposto esse reequilíbrio, por meio da higiene mental, como
é do desejo do legislador, não sobrou outra reparação possível senão a da
indenização (do latim indeIllnitas) atis; in + daIllnuIll = sem dano). "Dano es toda desvantaJa que experimentamos em nuestros bienes Jurídicos
(patrimonio) cuerpo) vida) salud) honor) crédito) bienestar) capacidad de
adquisición) etc.) JJ) segundo o conhecidíssimo conceito de Enneccerus (in
RST], Brasília, n. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA 229
Derecho de Obligaciones, Bosch - Casa Editorial, Barcelona, 1954, t. II-I, p.
61) .
o fato de a Recorrida ter optado por receber em pecúnia as férias-prê
mio, e não as ter recebido em conseqüência de indeferimento por necessi
dade de serviço, não descaracteriza a natureza de indenização desse paga
mento, porquanto, consoante já se decidiu neste Superior Tribunal de Jus
tiça, "o que afasta a incidência tributária não é a necessidade do serviço,
mas sim o caráter indenizatório das férias, o fato de não podermos
considerá-las como renda, ou acréscimo pecuniário" (Ag n. 157. 735-MG,
ReI. Min. Hélio Mosimann, DJ de 5.3.1998).
Uma vez convertidas em dinheiro as férias-prêmio, ainda que por op
ção do servidor, tal conversão, induvidosamente, constitui-se em parcela
indenizatória, mesmo porque a conversão só é deferida se isso interessar à
Administração.
Impende evidenciar que a opção do servidor não tem a relevância que
a isso se pretende emprestar, uma vez que é curial, a despeito da opção, a
Administração, que desfruta do poder de império, poderia determinar o gozo
das férias-prêmio in natura. Não o fazendo, remanesce implícita a neces
sidade de permanência do servidor no trabalho em benefício do serviço
público.
Nesse caminhar de entendimento, entre as inúmeras decisões desta
egrégia Corte Superior de Justiça, podem ser mencionadas as seguintes: Ag
n. 145.434-MG, ReI. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 17.5.1999; Ag n.
250.550-MG, ReI. Min. Garcia Vieira, DJ de 28.9.1999; REsp n. 234.840-
MG, ReI. Min. José Delgado; Ag n. 257.823-MG, ReI. Min. Milton Luiz
Pereira, DJU de 2.2.2000, e Ag n. 278.178-MG, ReI. Min. Humberto Go
mes de Barros, DJ de 18.2.2000.
Não prospera, também, o inconformismo da Recorrente, quanto à alí
nea c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, porquanto não
se encontra configurado o pretendido dissídio jurisprudencial.
Quanto ao confronto jurisprudencial pretendido pela Recorrente, este
egrégio Sodalício, decidindo caso semelhante, assim se manifestou:
"a divergência com princípio sumulado há de ser em relação ao
que nele estiver disposto, e não quanto ao que virtualmente nele se
contenha (REsp n. 1.691-SP, ReI. Min. Nilson Naves, RSTJ 12/313).
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.
230 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
° conflito sumular, portanto, há de ser frontal, objetivo, não sendo admissível interpretar-se o enunciado da súmula editada (REsp n. 4.356-GO, ReI. Min. Barros Monteiro, RT 671/192).
De se registrar, todavia, que, ainda que inexistentes os óbices apontados, o apelo estaria fadado ao insucesso, porquanto tem o Superior Tribunal de Justiça orientação firmada no mesmo sentido da tese adotada pela Corte de origem.
Ademais, o fato de a conversão se haver dado por opção do servidor não por necessidade do serviço não descaracteriza a natureza indenizatória do pagamento, pois, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, 'o que afasta a incidência tributária não é a necessidade do serviço', mas sim o 'caráter indenizatório' das férias, o fato de não podermos considerá-las como 'renda', ou 'acréscimo pecuniário' (Agravo de Instrumento n. 157.735-MG, ReI. Min. Hélio Mosimann, DJU de 5.3.1998)" (Ag n. 276.772-MG, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 28.2.2000).
De outra parte, o recurso especial sequer pode ser conhecido, diante do enunciado da Súmula n. 83 desta Corte de Justiça, verbis:
"Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida."
A decisão do tribunal de origem, ao contrário do afirmado pela Recorrente, não colide frontalmente com a citada Súmula n. 136, mas, sim, está em consonância com a orientação jurisprudencial traçada neste egrégio Sodalício.
Pelo que precede, não conheço do recurso especial, nos termos do ar
tigo 105, inciso UI, alíneas a e c, da Constituição Federal, porquanto não caracterizada ofensa à lei federal, e tampouco configurado o dissídio jurisprudencial.
É como voto.
RSTJ, Brasília, a. 13, (138): 167-230, fevereiro 2001.