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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
JOSÉ PAULO CAMARGO MAGANO
AS CATEGORIAS PROCESSUAIS NA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL
LIMITADA
SÃO PAULO 2012
JOSÉ PAULO CAMARGO MAGANO
AS CATEGORIAS PROCESSUAIS NA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL LIMITADA
Tese apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como requisito à obtenção do título de Doutor em Direito Constitucional. Orientador: Professor Dr. André Ramos Tavares
SÃO PAULO 2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
José Paulo Camargo Magano
AS CATEGORIAS PROCESSUAIS NA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL LIMITADA
Tese aprovada em ____/____/____ para obtenção do
título de Doutor em Direito Constitucional.
Banca Examinadora:
_______________________________________
Professor Dr. André Ramos Tavares
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos Luis Eduardo e Luis Octavio.
RESUMO
O presente trabalho visa ao estabelecimento de
lindes da tutela constitucional nas categorias
processuais a fim de conferir àquela certificação
de processo justo, discorrendo para tanto, sobre a
morfologia da justiça constitucional, na qual são
tratados os institutos fundamentais do processo
civil, jurisdição, ação, defesa e processo, sob
influência do devido processo legal, e sobre a
própria morfologia processual da justiça
constitucional, em que são apontados os dissensos
do direito constitucional e do processual,
buscando harmoniza-los, e, por fim, fazendo o
enquadramento necessário da referida tutela nos
institutos fundamentais do processo, resultando a
processualização constitucional.
Palavras chaves: Jurisdição Constitucional, Poder e Processo Civil.
ABSTRACT
The present work aims to establish the limits of
the constitutional protection in the procedural
classes in order to assure to that a certification
of fair process, dealing, for such purpose, with
the morphology of constitutional justice, in which
are analysed fundamental institutes of civil
procedure, jurisdiction, action, defense and
proceedings, under the influence of due process of
law, and with the very procedural morphology of
the constitutional justice, in which
constitutional and procedural disagreements are
pointed out, seeking to harmonize them, and
finally, making the necessary framework of that
protection within the fundamental institutes of
process, resulting in a constitutional
processualization.
Keywords: Constitutional Jurisdiction, Power and
Civil Procedure
1
Sumário
SUMÁRIO ............................................ 1
1. INTRODUÇÃO...................................... .3
2. ENFOQUE E REPARTIÇÃO METODOLÓGICA............... .6
3. O ESTADO E SUA LIMITAÇÃO........................ 11
3.1. O Estado moderno. ..........................13
3.2. Limitação de poderes. ......................19
3.2.1.Tripartição de Poderes....................22
3.3. Justiça Constitucional. ....................25
4. MORFOLOGIA DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL............ 28
4.1. Morfologia processual da Justiça
Constitucional ...................................31
4.1.1.Relato da evolução histórica do direito
processual civil ................................33
4.2. Institutos fundamentais do direito processual
civil ...........................................44
4.2.1.Notas introdutórias.......................44
4.2.2.Jurisdição................................46
4.2.3.Ação......................................53
4.2.4.Defesa....................................60
4.2.5.Processo..................................64
4.2.6.O devido processo legal...................70
5. MORFOLOGIA PROCESSUAL DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL. 74
5.1. Considerações iniciais .....................74
5.2. Sumário do controle de constitucionalidade e
da justiça constitucional limitada ...............75
2
5.3. Encontros e desencontros do processo civil e
do direito constitucional ........................81
5.4. Enquadramento nas categorias processuais e
processualização constitucional ..................87
6. NOTAS CONCLUSIVAS............................... 95
7. BIBLIOGRAFIA...................................1 01
3
1. Introdução
O presente trabalho visa ao
estudo da Justiça Constitucional limitada nas
categorias da ciência processual civil, alvo de
dissenso, por conta de se entender que aquela não
encontra lindes nessa última.
Justiça Constitucional é tida
como a base de sustentação do Estado Moderno,
constitucional e democrático.
Para compreensão do tema,
natural que o trabalho se iniciasse por indicar seu
enfoque e repartição metodológica adotada,
destacando a tutela jurisdicional de controle
abstrato de amparo a Constituição Federal, e
revelando sua ocupação com o Estado Moderno, as
vertentes morfológicas da Justiça Constitucional, e
a preferência pela processual sobre a qual o estudo
se desenvolve.
Desse modo, passou-se à análise
do Estado, suscitando-se seus modelos, que encontra
no tido como moderno e democrático aquele em que
opera a justiça constitucional.
Para dar a densidade adequada a
tal análise, discorreu-se sobre o próprio Estado
4
Moderno, e a correlacionada limitação e tripartição
de poderes, que impõem a existência da justiça
constitucional, igualmente abordada.
Mercê desse exame, o estudo
passou a girar em torno da morfologia da justiça
constitucional, renovando-se a preferência pela
processual em detrimento da orgânica, entrosando a
preferida com a história do direito processual, do
qual ela dimana e encontra lindes de compreensão.
Delimitado o enfoque
processual, decorreu necessariamente a análise dos
institutos processuais fundamentais, jurisdição,
ação, defesa e processo, com a abordagem de temas
inerentes, crises jurídicas, tipos de tutela
jurisdicional, condições e elementos da ação,
justificação da defesa, pressupostos processuais,
procedimento e contraditório.
E análise desse enfoque se
perfez com a do devido processo legal, de matiz
constitucional - densificado pelo princípio da
proporcionalidade - em torno do qual ganham
coerência e coesão os institutos fundamentais
processuais, e lindes a justiça constitucional.
Assim se pode examinar
propriamente a morfologia processual da justiça
constitucional, sumariando-se os controles de
5
constitucionalidade e temas correlacionados e da
justiça constitucional limitada.
Enfrentou-se, então, os
encontros e desencontros do processo civil e do
direito constitucional no trato do objeto da tese,
demonstrando que a base do desencontro se sedia em
razões históricas, em importância sem relevo
adequado dada à figura do curador constitucional e
em equivocada visão de que o processo civil presta-
se exclusivamente à solução de crises de
inadimplemento e está preso à bitola da relação
jurídica como propulsora do processo e da
intersubjetividade de direitos.
Com reencontro da ciência
processual civil com a constitucional, chegou-se ao
tópico derradeiro do trabalho a estabelecer lindes
da justiça constitucional nas categorias processuai s
e a processualização constitucional.
Por fim, foram oferecidas as
notas conclusivas.
6
2. Enfoque e repartição metodológica.
Para enquadrar lindes nas
categorias processuais a Justiça Constitucional ,
entendida como tutela jurisdicional ministrada à
defesa da Constituição, necessário indigitar, de
antemão, o que ela compreende, para depois passar à s
bases de introdução do estudo, possibilitando seu
desenvolvimento, compreensão e conclusões.
Ela diz respeito à tutela
jurisdicional de controle abstrato de amparo à
Constituição Federal, de competência do Supremo
Tribunal Federal, no sistema pátrio exercitável por
meio da ação direta de inconstitucionalidade, ação
direta de constitucionalidade, arguição de
descumprimento de preceito fundamental e arguição d e
descumprimento fundamental incidental 1.
As bases introdutórias, de
outra banda, respeitam à evolução e ao conceito de
Estado.
1 A representação interventiva (art. 36, III, da CF) não se considera meio de controle abstrato de amparo à Constituição Federal, visto que seu escopo não é declarar a inconstitucionalidade de at o ou norma infraconstitucional, mas, sim, possibilitar tutela interventiva à federação em unidade federativa, seja pelo fato de a mesma negar-se a cumprir lei federal, seja pelo fato de a mesma desr espeitar os preceitos constitucionais tidos como sensíveis (art. 34, VII, da CF). Nada obstante, é caso de registrar ter sido recentemente editada lei a respeito, 12.562, de dezembro de 2011.
7
Somente se pode falar em
regulamentação jurídica ou de seu controle a partir
da experiência e da existência de um ente que se
regule, e vice-versa.
Reclama isso, nos termos do
estudo, alcançar um ente indissociavelmente ligado à
existência de estatuto jurídico que o conforme e se u
amparo.
No caso do Estado, seu evolver
resulta na adjetivação moderno ou constitucional.
Estado moderno ou
constitucional, na essência, é aquele que se suport a
na ideia de limitação do poder político, em prol de
direitos fundamentais, cimentado e ordenado por
instrumento normativo central que lhe é inerente, a
Constituição.
É no contexto de evolução
estatal que cabe falar sobre a morfologia da tutela
constitucional, seja tocante ao órgão investido na
função de seu curador, seja tocante ao método
predisposto à sua concretização.
São, pois, duas as vertentes
morfológicas da justiça constitucional, a orgânica e
processual, recaindo nesta o cerne do trabalho.
O estudo da morfologia
processual se engata com o da evolução do processo
civil, do qual ela dimana - com temperamentos
8
derivados da alçada normativa constitucional em que
tal vertente se forra e dos direitos da mesma matri z
que ampara.
O engate, num modelo
historicista, propicia situar e encontrar lindes à
justiça constitucional nos institutos e categorias
fundamentais atualizadas do processo civil, sob o
influxo do Direito Constitucional.
O influxo do direito
constitucional se dá de forma densa, através da
produção de modelos dogmáticos, basicamente de duas
ordens.
A primeira versando sobre os
princípios constitucionais que tutelam o próprio
processo – por exemplo, o devido processo legal -,
cujo escopo é a garantir o direito ao processo
justo.
A segunda, definindo critérios
e categorias de tutela judicial de controle de
constitucionalidade, número e qualificação dos
legitimados à sua provocação, momento da provocação
e tipo de fiscalização.
Razões mais históricas do que
científicas, no entanto, acabaram por gerar
diferença de visão dos amalgamados processo civil e
direito constitucional quanto à justiça
constitucional.
9
O necessário (por desejável e
com foro científico) alinhamento da visão processua l
à constitucional sobre o tema, com prezo ao
historicismo, é feito, estabelecendo-se, por assim
dizer, diálogo das fontes de compreensão da justiça
constitucional.
A junção dos modelos dogmáticos
constitucionais e processuais, inclusive sob
rearticulamento histórico, permite sistematizar e
limitar a justiça constitucional nas categorias
processuais.
O direito posto e os
precedentes jurisprudenciais também pautam a
sistematização, conferindo-lhe certificação de
operabilidade.
Mas é pauta que não subverte a
ordem de importâncias, que adviria caso se relegass e
ou se submetesse a ciência do direito à falta de
técnica do legislador ou ao perigoso casuísmo
judicial 2.
Pretende-se, na linha do que
ensina o luso J.J. Gomes Canotilho 3, estudo modulado
não dissolvido nem nas pressões utilitarista que
2 Ao defenderem a necessidade de um código processua l constitucional, alertam Domingo García Belaunde e André Ramos Tavar es, sobre o perigo de se deixar guiar a tutela constitucional pela convic ção e concepção de cada juiz, em outros termos, pelo casuísmo judicial . Por que um Código Processual Constitucional ? R. bras. Est. Const. RBEC, ano 4, n. 16, pp. 17-33, out/dez 2010. 3 Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 16.
10
adviria do acento analítico no direito posto ou na
jurisprudência nem nas nebulosas abstrações teórica s
que esquecem o lugar das coisas e o mundo dos
homens.
O estudo visa revelar a Justiça
Constitucional limitada nas categorias processuais:
tutela ministrada jurisdicionalmente em processo,
que, como outras, tem peculiaridades, marcadas, no
seu caráter diferenciado, pelo acento político e
relevância do direito discutido, conformada de form a
útil e científica nas categorias processuais.
11
3. O Estado e sua limitação
Remete o estudo da Justiça
Constitucional a razão e a conformação de sua
existência e operabilidade, isto é, o Estado.
Mister, portanto, delinear
juridicamente o Estado, sem o que descaberia falar
em morfologia orgânica da justiça constitucional,
concernente ao órgão estatal investido na função de
curar a Constituição, tampouco na morfologia
processual, enquanto método jurisdicional e estatal
predisposto à atuação ou concretização daquela
função.
Mais que sabido a natureza
sociável do ser humano, derivando dessa vocação
agrupamentos que vão desde a família até outros
cujos interesses de complexidade diversa assumem
personalidade jurídica distinta da de seus membros.
O Estado – cuja origem remonta
o tratado de Paz de Westefália (1648), entre francos
e alemães 4 – configura-se, no âmbito da ciência do
direito, como pessoa jurídica que expressa
organicamente os interesses políticos de determinad a
sociedade.
4 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 86.
12
Dalmo de Abreu Dallari assim o
conceitua: “ ... ordem jurídica soberana que tem po r
fim o bem comum de um povo situado em determinado
território”. 5
Extraem-se de tal conceito os
seguintes elementos que caracterizam o Estado:
soberania, povo, território e finalidade.
É caro ao Estado o conceito de
soberania.
Conforme o precitado jurista 6
soberania consiste: no poder de se organizar
juridicamente e de decidir impositivamente e em
última instância sobre a atributividade das normas,
isto é, sobre a eficácia do direito, respeitados os
limites territoriais e fins éticos de convivência.
Acresce J.J. Gomes Canotilho 7
distinção entre soberania no plano interno, como
monopólio de edição do direito positivo pelo Estado
e de coação física legítima para impor a efetividad e
de seus regulamentos e dos seus comandos, da
soberania no plano internacional, que significa
igualdade entre os Estados, que não reconhecem
qualquer poder superior acima deles.
O poder incontrastável de
estabelecer a ordem jurídica e de impô-la ou de 5 Elementos de Teoria Geral do Estado , 20ª ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 118. 6 Op. cit., pp. 79-80. 7 Direito Constitucional e Teoria da Constituição , p. 86.
13
concretizá-la destaca a função estatal
jurisdicional.
A atuação de referida função se
dá, naturalmente, em situações de conflito social,
interindividuais ou trans-individuais, que reclamem
a intervenção impositiva estatal, a título de por
fim a crise jurídica surgida 8, definindo a
atributividade normativa.
E o método de atuação, que
legitima social e politicamente tal função,
denomina-se processo 9- 10.
A intensidade da curatela e da
imposição do ordenamento jurídico estabelecido
relaciona-se com a existência e operabilidade do
Estado, qualificado, vale dizer, moderno.
3.1. O Estado moderno.
8 Segundo Cândido Rangel Dinamarco, crises jurídicas se caracterizam como momentos de dificuldades ou de perigos nas relações entre pessoas ou grupos, suscetíveis de normalização mercê da imposi ção do direito material ( Instituições de Direito Processual Civil , 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 153). 9 Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 8. 10 José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do Processo e Técnica Processual , 1ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 26.
14
É comum definir o Estado como
sociedade politicamente organizada, conformado por
um conjunto normativo máximo e central a que se dá o
nome de Constituição.
Tal definição, no entanto,
reclama aprofundamento, pois Sociedade e Estado
podem ser distinguidos, gerando questão sobre o que
se conforma, aquela ou este, e a inter-relação com a
Constituição.
J.J. Gomes Canotilho oferece
resposta historicista a respeito, ao explicar que d e
início, dizia-se ser a constituição instrumento
normativo de regência do corpo social, isto é, da
sociedade, situação que se alterou por razão
semântica, ilustrando isso a referência a
Constituição dos Estados Unidos, com acento
político-sociológico, de matriz liberal, a revelar a
ideia cada vez mais aceita da separação entre
Estado-Sociedade, e, por fim, com estofo filosófico
hegeliana, constituição enquanto lei do Estado e de
seu poder, assentado aquele (Estado) em ordenador d a
comunidade política 11.
11 Direito Constitucional e Teoria da Constituição , pp. 84-85.
15
Do estofo filosófico se serviu
a ciência jurídica, identificando Hans Kelsen o
Estado com a Constituição 12.
Sintetizando tal identificação
o magistério de Michel Temer ao asseverar ser o
Estado: “... determinada ordenação jurídica, ou
seja, determinado conjunto de preceitos sobre
determinadas pessoas que estão em certo território.
Tais preceitos imperativos encontram-se na
Constituição” 13.
Com esses paradigmas,
constituição, de regente do corpo social a
conformadora estatal e identificação filosófica,
passa-se a análise o Estado Moderno e de seus
modelos predecessores, na linha historicista
proposta por J.J. Gomes Canotilho.
Antecessor daquele, o Estado de
Polícia ainda se estruturava na ideia de soberania
centrada no monarca, a que se submetiam os demais
estamentos sociais, inclusive sobre assuntos
religiosos, a ele (Estado) incumbindo-se questões
administrativas, servil ao dirigismo econômico
pautado numa política mercantilista 14.
12 Teoria Pura de Direito , São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. 310. 13 Interessante notar que citado autor não elenca a f inalidade como traço caracterizador do Estado. Elementos de Direito Constitucional , 14ª ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 15. 14 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , pp. 87-88.
16
A centralização da soberania no
monarca é mitigada no The Rule of Law , de cepa
inglesa, com seu apogeu na Revolução Gloriosa de
1688 15, em que se preferem leis e costumes do país à
discricionariedade do poder real, preferência
sustentada no devido processo legal e no acesso
igualitário de todos aos tribunais para defesa de
direitos 16.
O modelo alemão, o Rechtsstaat ,
também é digno de menção, não só pela proeminência
das normas e limitação estatal e do soberano, mas,
especialmente, pelo controle jurisdicional da
atividade administrativa e pela introdução do
princípio da proibição do excesso a que se
relacionam o devido processo legal e a
proporcionalidade 17.
É nos Estados Unidos, em 1775,
que se erige de forma vigorosa o Estado Moderno,
consagrando-se o povo o direito de fazer uma lei
suprema – corporificada, a título de maior seguranç a
jurídica, em documento escrito - isto é a
Constituição, gizando os esquemas e limites
governamentais, e os direitos e liberdades dos
15 Referida revolução se deu em torno de um rearranjo de poderes entre a nobreza e a burguesia inglesa, permitindo à última usufruir dos direitos concedidos aos nobres, em favor do tráfego financei ro que reergueria a Inglaterra solidificando-a como nação imperialista. 16 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , pp. 87-88. 17 Op. cit, pp. 92-93.
17
cidadãos, sob o amparo jurisdicional instituído,
judicial review of legislation 18.
A tal vigor - representado pela
edição de uma constituição, conformando a atuação
governamental e amparando direitos e liberdades
individuais - assemelha-se o resultado da Revolução
Sangrenta, em 1789, na França 19.
As distinções quanto ao modelo
estatal norte-americano verificam-se na França,
especialmente, em dois aspectos: a lei é vértice do
sistema jurídico, em vez Constituição, a
caracterizar o legicentrismo 20, e o desprestígio da
jurisdição como órgão de curatela do precitado
sistema.
Em síntese, o Estado Moderno é
fruto da implosão do absolutismo, pauta-se no
constitucionalismo, e centraliza ideologicamente a
Constituição como instrumento normativo escrito
superior de contenção de poderes e de garantia de
liberdades individuais.
18 Op. cit, pp. 90-91. 19 Anota Jorge Miranda que a diferença entre a Revolu ção Inglesa e a Francesa se centra no fato de que aquela se insere numa linha de continuidade, ao passo que a última gerou a necessi dade de reconstrução da arquitetura estatal desde o começo ( Manual de Direito Constitucional , 7ª ed., Coimbra, Editora Coimbra, t. I, 2003, p. 12 6). 20 Anotam André Ramos Tavares e Domingo Garcia Belaun de ter a concepção legicêntrica se espraiado por toda Europa, sobrepon do-se Parlamento e leis às disposições constitucionais. Por que um Código Processual Constitucional ? R. bras. Est. Const. RBEC, ano 4, n. 16, pp. 17-3 3, out/dez 2010.
18
Nesse contexto, releva notar
que o constitucionalismo não tem foro exclusivament e
jurídico, baseado na pregação de um sistema
suportado num conjunto normativo superior
(Constituição), a que se submetem os próprios
governantes, mas igualmente se forra em base
ideológica, referindo-se ao movimento social que
legitima a limitação do poder e de seus governantes
na condução do Estado 21.
21 Nesse sentido, André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional , 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 3.
19
3.2. Limitação de poderes.
A ideia de Estado Moderno, como
se viu, está amalgamada com a de Constituição,
instrumento normativo superior escrito, a que o
povo, ao se consagrar o direito de fazer, conferiu
àquele o adjetivo democrático.
O Estado Constitucional
Democrático, como salienta J.J. Gomes Canotilho 22,
legítima o poder estatal, mas também serve para
travá-lo.
Referida trava se traduz por
cintas impostas pela Constituição, estabelecendo
regime autocontenção ao Estado e de garantia dos
direitos individuais, com a instituição de
mecanismos notadamente judiciais próprios para
tanto.
Constituições dotadas desses
mecanismos são denominadas de ideal, próprias do
Ocidente, por exemplo, a Francesa e a Norte-
americana, opondo-se o tipo de família em que as
mesmas se inserem à do Leste Europeu, por exemplo, a
Russa, em que o respeito às normas constitucionais e
22 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pp. 95-96.
20
aos direitos não estão salvaguardados por órgãos
jurisdicionais independentes 23.
Sobre isso ensina Jorge Miranda
que, no Ocidente, fala-se em Estado de Direito, e
estão muito aperfeiçoados os mecanismos
jurisdicionais de garantia ou remédios contra os
abusos de poder; no Leste, em legalidade socialista ,
com meios ainda embrionários de garantia 24.
Outro suporte à Constituição
ideal se encontra na divisão de poderes, remetendo a
conceituação inicial de soberania.
André Ramos Tavares, nesse
sentido, sustenta que o conceito de constituição
ideal está associado à filosofia política-liberal,
em que presentes: a garantia das liberdades, com
participação política, e a divisão de poderes 25.
23 Tal perfil constitucional é visto em Cuba, conform e escrevemos Justiça Constitucional e Democracia em Cuba , pp. 233/244, em André Ramos Tavares (coordenador), Justiça Constitucional e Democracia na América Lati na , Belo Horizonte, Brasil, Editora Fórum, 2008: “O con stitucionalismo de Cuba é marcado por uma revolução de caráter sociali sta, cuja matriz é a ideologia marxista-lenista, dizendo todo poder advi r do povo cubano, relacionando a Constituição, em seu longo preâmbulo , todos os componentes, inclusive aborígenas, escravos e campe sinos.Vale dizer, é um Constitucionalismo do leste europeu, que se opõe à família constitucional ocidental ou ideal, tendo como propósito proteger e incrementar as conquistas do regime político e econômico do social ismo. E há a previsão de um órgão jurisdicional supremo, Tribunal Supremo Popular, nos termos de seu art. 120, mas cujo submetimento a Asamblea Nacional del Poder y al Consejo de Estado , nos termos do art. 121, faz com que careça de independência e de possibilidade de contenção de po deres e, assim, de salvaguardar a incolumidade da Constituição ou os d ireitos nela previstos.” 24 Manual de Direito Constitucional , t. I, p. 115. 25 Curso de Direito Constitucional , p. 61.
21
A soberania estatal opera
dentro do perfil da constituição ideal, vale dizer,
num sistema de contenção e de divisão de poderes.
Poderes, de sua parte, dizem
respeito às funções que perfazem o arcabouço da
soberania, com referência, portanto, à organização
jurídica e à dicção impositiva tocante à
atributividade normativa.
As funções precipuamente são a
legislativa, executiva e judicial, exercitadas cada
qual por órgãos intra-estatais distintos, que se
caracterizam no sistema de constituição ideal por
receberem diretamente do instrumento normativo que a
corporifica sua definição, isto é, conformação,
competência e status 26.
Releva dizer que a unicidade e
a indivisibilidade da soberania impedem que se fale
em poderes, mas, sim, em órgãos intra-estatais
distintos.
26 André Ramos Tavares, op. cit., p. 999.
22
3.2.1. Tripartição de Poderes.
A ideia de divisão ou
repartição de poderes derivou da experiência
vivenciada no absolutismo, em que os poderes se
enfeixavam nas mãos de um único órgão ou pessoa,
que, sem contenção, exercitava-o de forma abusiva e
despótica.
Sua concepção visou, a um só
tempo, atribuir a órgãos distintos as funções
precípuas estatais, e laborar sistema em que cada u m
desses órgãos contivesse o outro.
Assinala Michel Temer que o
mérito da teoria da divisão de poderes não foi o
sugerir certas atividades ao Estado - posto que as
mesmas já eram identificadas - mas, sim, o de propo r
um sistema em que cada órgão exercesse função
distinta, no mesmo passo em que a atividade de cada
um deles servisse à contenção da atividade do outro ,
num sistema de independência entre os órgãos do
poder e de inter-relacionamento de suas atividades,
resultando a fórmula de freios e contrapesos a que a
doutrina norte-americana alude 27.
27 Elementos de Direito Constitucional , 14 a ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 119.
23
Releva notar que, para o
sistema de freios e contrapesos operar, inexiste a
necessidade de que haja três órgãos, Judiciário,
Legislativo ou Executivo, modelo adotado tanto no
Brasil como nos Estados Unidos.
Na França, o sistema
jurisdicional é dual 28, atribuindo-se o controle dos
atos administrativos a órgãos integrantes da própri a
administração, que gozam de independência e
autonomia.
A dualidade jurisdicional
francesa se prende a peculiaridades culturais e
históricas, carregando temores de intervenção do
Poder Judiciário na administração.
E o temor era fundamentado,
pois os quadros da magistratura eram compostos de
apaniguados do antigo regime, o que privava os
julgamentos de imparcialidade, além de não garantir
o devido preparo técnico dos que estavam investidos
de jurisdição.
No entanto, a experiência
histórica veio a demonstrar que - embora não altere
o regime de contenção de poderes o exercício das
funções primordiais estatais por três ou dois órgão s
- a atribuição da jurisdicional a órgão diverso e
28 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo , 14ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 35.
24
destacado do legislativo e do executivo revela-se a
mais adequada.
Isso, não só por conferir maior
imparcialidade nas decisões, mas também em razão de
a escolha dos componentes do órgão judiciário,
recaindo sobre quadros técnicos, possibilitar
julgamentos mais equilibrados, notadamente quanto à
tarefa de salvaguardar a supremacia constitucional.
25
3.3. Justiça Constitucional.
O ideal do constitucionalismo
se estrutura na limitação de poderes e nos direitos
individuais, sediados num conjunto normativo
corporificado por escrito, central do sistema
jurídico de determinado Estado, ao qual se dá o nom e
de Constituição.
Da ocupação central deriva o
conceito de escalonamento normativo, encontrando-se
a Constituição no cume do ordenamento jurídico, a
servir-lhe de instrumento sistemático de coesão e
coerência.
De nada valeria, no entanto,
falar em centralidade no sistema normativo ou que a
Constituição cumpre a função de coerência e coesão
do ordenamento estatal 29, se a mesma não usufruísse
de rigidez.
Com efeito, Constituição
suscetível de modificação por outros centros
normativos, que não o poder constituinte, ou por
procedimentos legislativos simplificados, ou
passível de revogação por normas situadas em patama r
inferior na planta escalonada normativa, carece
daquela certificação de centralidade normativa, 29 André Ramos Tavares, Teoria da Justiça Constitucional , São Paulo, Saraiva, 2005, p. 57.
26
tampouco exerce de forma eficaz a função de conferi r
coesão e coerência ao sistema jurídico.
Para mencionadas certificação e
eficácia há necessidade de: a) existência de rigide z
constitucional, não podendo as disposições
constitucionais ser alteradas por normas inferiores
ou advindas de centros normativos que lhes estão
aquém nem por procedimentos comuns; b) que a
Constituição ocupe o topo do sistema normativo.
Para aferição do respeito a
esses requisitos afirma-se como natural a existênci a
de órgão de certificação ou controle de
constitucionalidade.
Tendo se revelado perigosa a
atribuição do exercício de tal controle ao Führer e
inadequado seu acometimento ao executivo ou ao
legislativo, entendeu-se ser o Poder Judiciário o
mais habilitado para o labor de curar a
Constituição, e isso por motivos bem razoáveis, é
seus quadros são mais técnicos, portanto, mais
habilitados à aferição jurídica de
constitucionalidade, e menos suscetíveis do
movimento volátil da opinião pública e de pressões
políticas.
Claro que a opção pelo Poder
Judiciário não se vê livre de questionamentos, que
perpassam a seara jurídica, residindo críticas na
27
falta de representação política de seus componentes
e noutra sobre quem seria o curador do curador
constitucional.
De qualquer modo, a designação
do Poder Judiciário como órgão de controle de
constitucionalidade - dada inclusive a sua inata
vocação de dizer o direito, sendo esse o sentido
etimológico da palavra jurisdição - é a que se
mostra mais exitosa.
E nota-se mais expressivo êxito
quando o controle é exercido de forma concentrada à
moda da Suprema Corte norte-americana, propiciando
segurança jurídica e uniformização da hermenêutica
constitucional.
28
4. Morfologia da Justiça Constitucional
É possível analisar a Justiça
Constitucional tanto sob a ótica organizacional com o
pela processual.
Ensina André Ramos Tavares que
a primeira vertente de análise se ocupa dos aspecto s
estruturais da Justiça Constitucional, por exemplo,
recrutamento dos integrantes da corte e órgão
judicial e forma de composição, morfologia orgânica
essa que se aparta da de caráter processual,
respeitantes aos aspectos do método adequado à
tutela e curatela constitucional 30.
É sobre a vertente morfológica
processual, objeto do presente estudo, que se passa
a tratar com o intuito de indicar seus lindes nas
categorias processuais civis.
Releva anotar o motivo e os
cuidados do assinalado intuito.
O motivo é a busca, que este
trabalho visa, de produção de modelos dogmáticos,
gizados por esquemas teóricos, notadamente para
produzir e dar significado àqueles modelos e
correlacioná-los a título de compor suas figuras,
30 Teoria da Justiça Constitucional , p. 22.
29
seus institutos e sistemas, no caso, a justiça
constitucional limitada pelas categorias
processuais 31.
Os cuidados são de duas ordens.
Quanto ao significado da
locução processo civil , para expressar o método
jurisdicional empregado para equacionar crises
jurídicas não penais, isto é, as que tenham como
matéria de fundo, consequências jurídicas de direit o
privado ou de direito público (constitucional,
administrativo ou tributário) 32.
A advertência de que não se
trata de enquadramento ou diminuição dos direitos
sediados na Constituição, mas, sim, no
estabelecimento do método de atuação jurisdicional,
nos limites impostos pelas categorias processuais,
para o amparo adequado daqueles direitos.
Para a empreitada acadêmica que
se propõe, faz-se relato histórico do processo
civil, sob o influxo do legicentrismo, capitulado
pelo direito privado, e do direito constitucional.
Trata-se, em seguida, dos
institutos fundamentais do processo civil
(jurisdição, ação, defesa e processo), nos quais a
justiça constitucional encontra lindes. 31 Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito , 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 1984, p.176. 32 Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil , 13ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p 37.
30
Referidos fundamentos são
conformados e harmonizados pelo princípio
constitucional do devido processo legal.
E isso – a análise dos
institutos fundamentais cimentada pelo devido
processo legal - é permeada pela referência às
crises jurídicas e consequentemente às tutelas
jurisdicionais, sem as quais aqueles e seu agente
constitucional conformador e harmonizador não teria m
operabilidade.
31
4.1. Morfologia processual da Justiça
Constitucional
O Estado tem como incumbência
definir e decidir impositivamente acerca da
atributividade das normas, bem por isso, garantir a
pacificação social diante de variadas situações de
crises jurídicas, interindividuais ou
transindividuais.
Crises jurídicas, segundo
Cândido Rangel Dinamarco, são: “momentos de perigo
nas relações entre pessoas ou grupos, suscetíveis d e
serem normalizadas pela imposição do direito
material 33”.
Para resolver as crises
jurídicas, atua órgão intra-estatal – que se
denomina Poder Judiciário - ao qual, nos termos da
precitada incumbência, compete dita resolução, e qu e
se vale de indispensável método de trabalho,
denominado processo 34.
Máxima crise jurídica de
certeza deriva de dúvidas sobre atentar, ou não, at o
ou norma contra a ordem constitucional, acometendo-
se a tarefa última e primaz de resolução de tal
33 Instituições de Direito Processual Civil , 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 153. 34 Cândido Rangel Dinamarco, op. cit. , p. 304.
32
crise a órgão jurisdicional de sobreposição, mercê
de processo.
Releva notar que processo civil
tem expressão de continente.
Abrange o próprio método de
trabalho, assim como os sujeitos que nele
relacionam-se, Poder Judiciário, aquele que provoca
a sua atuação, e contra quem se dá a provocação, po r
vezes Ministério Público, e, em hipóteses restritas ,
o amicus curiae – e é gizado pelo vértice
constitucional do devido processo legal.
Natural, portanto, que,
estudem-se seus institutos fundamentais, ocupando-
se, previamente, com o relato histórico de sua
evolução, até chegar aos contornos atuais, o que
possibilita o estabelecimento dos lindes a que visa
o presente trabalho.
33
4.1.1. Relato da evolução histórica do direito processual civil
Direito Processual Civil 35, há
tempos, estabeleceu-se como ciência autônoma.
Estrutura-se em princípios e
metodologia que lhe conferem identidade diversa da
dos demais ramos jurídicos 36.
Alçou o patamar de ciência
autônoma após longa jornada e labor doutrinário.
Processo Civil, de começo, não
se destacava do direito privado ou material.
Quanto à ação, vigorava a
teoria concreta, baseada: a) na actio romana ; b) na
teoria civilista da ação.
A primeira expressava direito
passível de ser perseguido em juízo, somente tendo o
mesmo quem dispunha da ação.
35 Processo civil por ser a denominação usual ao méto do de atuação do Judiciário com o escopo debelar crise jurídica no â mbito civil e de direito público, excluídas as lides que trazem cons equências jurídicas penais, às quais se incumbe ao processo penal debel ar (Arruda Alvim, op. cit., p. 37). 36 Nada obstante, direito processual assim como as de mais disciplinas que compõem a Ciência Jurídica têm como conexão o escop o instrumental de viabilizar a convivência social ordenada. Neste sen tido, Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito , 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 1984, pp. 1-6.
34
Havia, pois, evidente inversão
entre o direito material e o que se tem, na
atualidade, como ação.
A segunda, teoria civilista, de
sua parte, via a ação como elemento constitutivo do
direito material, expressando isso o art. 75 do
revogado Código Civil de 16 37, in verbis , “A todo
direito corresponde uma ação 38”.
É a ação vista como direito
armado para guerra 39- 40.
Os processos eram analisados
conforme a praxe e o procedimentalismo forense e
seus atos estudados de modo casuístico e sem pautas
metodológicas 41.
Oskar Von Büllow e Adolf Wach
são os juristas aos quais se atribui a certificação
da existência da ciência do direito processual
civil.
Em sua obra Teoria das Exceções
e dos Pressupostos Processuais, de 1868, Büllow
37 O Novo Código Civil, Lei n. 10.406, de 10 de janei ro de 2002, não contém semelhante dispositivo. 38 O art. 76 de tal código revogado traduzia igual re squício da teoria civilista da ação. 39 Cândido Rangel Dinamarco, Os Institutos Fundamentais do Direito Processual , in Fundamentos do Processo Civil Moderno , vol. I, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 81-86. 40 Maria Helena Diniz, renomada civilista, ainda hoje , refere-se, como elemento da relação jurídica de direito material, a tutela normativa de aforar demanda para satisfação da obrigação descump rida. Curso de Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil, vol. 1, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 107. 41 José Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil , vol. 1, Campinas, Milennium, 2000, pp. 103-104.
35
demonstrou ter o processo base científica própria,
vale dizer: a relação jurídica processual 42.
Büllow teceu críticas à
exagerada preocupação com o procedimento e seu
aspecto exterior, e, especialmente, demonstrou a
existência de estrutura processual própria.
Identificou: a) a relação
processual diversa da substancial, figurando, entre
os seus sujeitos, o juiz, desligado da relação de
direito material e que naquela (relação processual)
age investido de função estatal; b) o objeto
processual, que não é o bem da vida visado pelo
demandante, mas, sim, a prestação jurisdicional; c)
a existência de pressupostos processuais para
admissibilidade de sentença de mérito 43.
A grande virtude de sua teoria,
segundo Cândido Rangel Dinamarco, foi: “a de dar
real importância à trilogia dos sujeitos do process o
e vê-los enleados num especial vínculo jurídico,
apresentando sistematicamente a teoria da relação
processual 44”.
Adolf Wach deu outro impulso à
independência da ciência processual, ao diferençar o
direito de ação da teoria civilista, conceituando
42 José Frederico Marques, op. cit ., p. 104. 43 Cândido Rangel Dinamarco, Os Institutos Fundamentais do Direito Processual Civil , in Fundamentos do Processo Civil Moderno , vol. I, São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 87-88. 44 Os Institutos Fundamentais do Direito ...., p. 89.
36
aquele como direito público exercido em face do
Estado, e relativamente autônomo no que se refere a o
direito material.
Destaca Arruda Alvim 45 os
principais pontos da teoria de Wach sobre a ação:
1º ) a sua relativa independência do direito material
(substancial), que se utiliza da ação para se fazer
valer; 2º) caracteriza-se por ser um direito
secundário, dado que supõe – na maioria das vezes –
um outro direito, o qual se constitui no direito
primário; 3º) com esse direito primário não se
confunde, embora deva retratá-lo, retrato esse com
foro axiomático, ao se mirar a hipótese da ação
declaratória negativa, que supõe a própria
inexistência da relação jurídica de direito
material; 4º) os requisitos do direito de ação são
determinados pelo direito processual civil; 5º) a
ação é bifronte, exercitável em duas direções: a) e m
face do Estado, a quem se roga a prestação
jurisdicional; b) contra o réu, obrigado a suportar
a referida prestação.
Esses os lineamentos do Direito
Processual Civil científico, que serviram de marco
45 Op. cit. , pp. 397-398.
37
divisório entre o sincretismo e a linha autonomista ,
no quadro das linhas evolutivas processuais 46.
Não obstante o aparte do
direito material, a teoria autonomista não consegui u
alcançar aquela que seria e é, junto com a de bem
atuar o direito material, a natural vocação do
processo civil: eliminação das crises jurídicas e
pacificação social.
Com efeito, a teoria
autonomista foi lavrada, num tempo de culto à teori a
legicêntrica, sobrepairando as codificações paridas
numa sociedade individualista e patrimonialista,
guiado por um modelo mercantilista liberal.
Era o Estado submetido à
filosofia do laissez faire , laissez passer 47, em que
o acesso à justiça era formal.
No campo da hermenêutica
jurídica legicêntrica, o magistrado se restringia,
no processo judicial, a ser a boca da lei, sem
qualquer liberdade de interpretação, não podendo
julgar a justiça ou moralidade da solução legal 48,
apenas declarando a vontade da norma.
46 Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grino ver, Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo , 27ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, pp. 48-52. 47 Mauro Cappelletti-Bryant Garth, Acesso à Justiça , Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 1988, p. 10. 48 Fábio Konder Comparato, O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos , in DIREITOS HUMANOS – visões contemporâneas , Publicação Especial em Comemoração dos 10 anos da fundação da Associaçã o dos Juízes para a Democracia, São Paulo, 2001, pp. 25-26.
38
A revolução industrial e seus
desdobramentos, no entanto, trouxeram da
marginalidade social enorme contingente de pessoas
que passou a reivindicar acesso aos novos
equipamentos civilizatórios, abalando, tal quadra
histórica, o legicentrismo imposto pelo modelo
liberal que fez prevalecer o direito privado
codificado.
A massificação da economia e,
consequentemente, das contratações embutiam prática s
abusivas, por vezes, a prejudicar interesses de
terceiros estranhos aos contratantes, por exemplo,
nos casos de concorrência desleal e de interesses
trans-individuais.
A produção em série e a
circulação massiva dos bens potencializaram sua
capacidade lesiva, prejudicando as vítimas quanto a
indenizações, pois nelas recaía o ônus probatório d e
demonstrar lesão que porventura tivessem sofrido,
consoante a teoria, no campo de direito material, d a
responsabilidade subjetiva, combinada com a
processual, de demonstração dos fatos constitutivos
de seu direito.
A linha processual autonomista
refletia essa conjuntura social, econômica e
jurídica, marcada pelo legicentrismo e pela visão
privatista do processo.
39
Referida teoria era desatenta:
a) à desigualdade econômica, jurídica e processual
dos litigantes; b) aos interesses supra-individuais
provocados - acentuados e, especificamente, feitos
se notar, por exemplo, meio ambiente - pelo
industrialismo e pelo capitalismo que geraram a
sociedade moderna e consumerista; c) à maneira
complicada, morosa e custosa do processo,
imprimindo-lhe dogmas e formalismos que emperravam
sobremodo o acesso à justiça.
As constituições europeias do
primeiro quarto do século XX – com um olhar menos
legicêntrico, e suscetíveis às influências sociais e
políticas do momento – ultrapassaram os lindes de
ocupação exclusiva com as liberdades individuais e
direitos políticos, para estabelecer direitos
econômicos e sociais.
O legicentrismo liberal foi
abalado pela atuação do estado promocional.
Surgem, no âmbito do direito
privado, os chamados micro-sistemas, diplomas que
passaram a cuidar de interesses cuja importância ou
repercussão econômica e social constante não mais s e
enquadravam nos limites das grandes codificações 49.
49 No Brasil, exemplificativamente, a CLT, retirando da alçada do CC de 16 o trato da locação de serviço, e a Lei 8.078/90, re gulando as relações consumeristas.
40
Domingo Garcia Belaunde e André
Ramos Tavares bem identificam esse quadro de
transformação, lecionando: “... a sociedade
ocidental tem experimentado uma certa desvalorizaçã o
dos códigos, surgindo muitas leis esparsas
procurando responder ao dinamismo da vida, das
relações sociais, comerciais, econômicas e
políticas. Também tem sido editadas as chamadas
‘leis gerais’ sobre determinados temas e ‘leis de
marco’, sucedâneos da concepção de códigos 50.
Esse passo de novas ocupações
normativas repercute naturalmente no processo civil .
Esclarecem Mauro Cappelletti e
Bryant Garth 51: nada medida em que o welfare state
vai estabelecendo as reformas no direito
substantivo, o efetivo acesso à justiça passa a ser
reconhecido como o mais elementar dos direitos
fundamentais por ser o mecanismo de amparo dos novo s
direitos individuais e sociais, inerente, portanto,
ao direito de personalidade, constituindo-se na
pedra de toque da moderna processualística.
Advém, a partir de 1965, a
chamada fase instrumentalista processual e suas
ondas renovatórias .
50 Por que um Código Processual Constitucional ? R. bras. Est. Const. RBEC, ano 4, n. 16, pp. 17-33, out/dez 2010, pp. 23 -24. 51 Acesso à Justiça , pp. 11-12.
41
Passam os processualistas a se
ocuparem com estudos e inovações que curassem o
acesso à justiça, o direito ao processo justo e a
efetividade do processo.
É o que destaca José Roberto
dos Santos Bedaque 52: “a ciência processual deixou de
ser um conjunto de princípios e regras técnicas
apenas, para assumir caráter nitidamente
instrumental, com a preocupação voltada para os fin s
a serem alcançados pelo processo. O estudo dos meio s
só se justifica na medida em que contribua para
atingir resultados mais efetivos, eliminando a cris e
do processo, crise, essa, representada pela
ineficiência do instrumento em relação a seus
escopos”.
São três as ondas
renovatórias 53.
A primeira delas é relativa à
assistência jurídica e judiciária aos necessitados,
e que reconhece a distinção entre litigantes,
buscando proteger os desvalidos 54, no Brasil, a Lei
1.060/50.
Já a segunda – a mais
importante para o que propõe o presente trabalho –
52 Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumári as e de Urgência (tentativa de sistematização) , 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001, p. 28. 53 Mauro Cappelletti-Bryant Garth, Acesso à Justiça , p. 31. 54 É empenho da Constituição Federal (art. 5º, LXXIV) , a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos necess itados.
42
ocupa-se com a tutela dos interesses supra-
individuais, em que bem pode ser inserida a tutela
constitucional, na medida em que diz respeito ao
interesse de toda a sociedade ser válido ou não ato
ou norma infraconstitucional.
Releva anotar a emblemática
legislação que emergiu dessa onda renovatória, açõe s
coletivas, reguladas pelas leis 7.347/85 8.078/90,
ampliando a legitimação ativa ad causam , conferindo
tal condição a uma série de entes representativos, e
estendendo, em algumas hipóteses, os efeitos da
coisa julgada a toda sociedade ou a terceiros que
não participaram da relação processual.
Por fim, a terceira, ainda em
curso onda renovatória – de certa forma englobando
as duas primeiras – que visa à simplificação do
processo e à maior acessibilidade à justiça,
consagrando o ativismo judicial, nos moldes das Lei s
8.078/90 e 9.099/95 55.
Essa mudança evolutiva ocorreu
sob a percepção de que a interpretação do sistema
jurídico deveria ser feita a partir do vértice
unificador, isto é, da Constituição, e não sob o a
concepção legicêntrica, no Brasil, expressada pela
55 Lecionam Mauro Cappelletti-Bryant Garth: “Um siste ma destinado a servir às pessoas comuns, tanto como autores, como réus, d eve ser caracterizado pelos baixos custos, informalidade e rapidez, por j ulgadores ativos e pela utilização de conhecimentos técnicos bem como jurídicos.” Acesso à Justiça , p. 94.
43
Lei de Introdução ao Código Civil e pelo próprio
Código Civil.
44
4.2. Institutos fundamentais do direito
processual civil
4.2.1. Notas introdutórias
Feito o relato histórico acerca
do processo civil nele repercutindo o legicentrismo
expressado pelas codificações de direito privado o e
direito constitucional, alcançam-se com firmeza os
institutos fundamentais processuais, processo,
jurisdição, ação e defesa, em sua forma atual,
gizados pela pedra de toque que lhes harmoniza, val e
dizer, o princípio constitucional do devido process o
legal.
Ensina, assim, Cândido Rangel
Dinamarco 56: “As grandes categorias de direito
processual civil, que compõem e exaurem o objeto da s
normas processuais, são a jurisdição, a ação, a
defesa e o processo. A jurisdição é o poder que o
juiz exerce para a pacificação das pessoas e grupos
e eliminação de conflitos; a ação é o poder de dar
início ao processo e participar dele com vista à
obtenção do que pretende aquele que lhe deu início;
56 Instituições de Direito Processual Civil , 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, pp. 302-303.
45
a defesa é o poder de resistir, caracterizando como
exato contraposto da ação; o processo é ao mesmo
tempo o conjunto de atos desses três sujeitos, o
vínculo jurídico que os interliga e o método pelo
qual exercem suas atividades”.
Reitere-se que a fluência do
princípio constitucional do due processo of law é
que dá densidade jurídica adequada a ditos
institutos fundamentais.
46
4.2.2. Jurisdição
O Estado é a expressão da
sociedade politicamente organizada, tendo como
característica a soberania, e a ambição de assegura r
a convivência social ordenada.
Desempenha, para tanto, as
funções legislativa, administrativa e jurisdicional ,
atuadas por órgãos intraestatais distintos,
denominados equivocadamente de poderes 57.
Com a proibição da justiça por
mão própria, o Estado atribui-se com exclusividade a
função de resolver os conflitos sociais, fazendo
isso através do Poder Judiciário.
Releva ser inerente ao
desempenho dessa função a definição da
atributividade das normas, resultando disso o
reconhecimento de o processo ser portador de densa
ocupação publicista, comprometida com a boa
aplicação do direito material, e não só com a
resolução das crises jurídicas.
Hélio Tornaghi chega a afirmar
que a verdadeira função da jurisdição é a proteção
do ordenamento jurídico, sendo o resultado dela, e
57 A soberania estatal se caracteriza por ser uma e i ndivisível, descabendo, com efeito, falar em poderes.
47
não seu fim, a tutela dos interesses individuais
aportados no processo 58.
Importante destacar, os
diversos e interligados significados da jurisdição,
ao mesmo tempo expressando poder, função e
atividade 59.
Jurisdição, enquanto poder
liga-se àquela ideia de soberania, capacidade
estatal de decidir imperativamente e impor decisões .
A ideia de função deriva da
proibição de justiça de mão própria, expressando a
inafastável incumbência que a Jurisdição tem de
promover e pacificação dos conflitos
interindividuais e transindividuais, mediante
processo.
Por fim, jurisdição, enquanto
atividade traduz a série de atos praticados pelo
juiz, sob o influxo dos deveres-poderes a ele
acometidos.
A jurisdição tem notas que a
caracterizam: substitutividade, definitividade,
inércia e existência de lide.
A substitutividade expressa a
sub-rogação da vontade das partes ou sujeitos
parciais no processo, pela vontade emanada da norma 58 Comentários ao Código de Processo Civil , vol. I, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976, p. 228. 59 Nesse sentido, Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada P ellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo , p. 150.
48
ou do sistema normativo, expressada pelo provimento
jurisdicional, de valor, em regra, somente aos que
foram parte no processo.
A definitividade 60 se dá quando
o provimento jurisdicional diz respeito ao mérito d a
demanda, produzindo os efeitos da coisa julgada.
A Jurisdição se caracteriza
pela inércia, agindo por provocação das partes tant o
em relação a direito disponível como quanto a
direito indisponível.
A função jurisdicional supõe,
por fim, a existência de lide, conceituada como
conflito de interesses deduzido no processo,
qualificado pela pretensão de um dos sujeitos
parciais a que o alter resiste 61- 62.
Deriva dessa última nota
caracterizadora outra classificação de jurisdição,
que a divide em contenciosa, em que são vistas toda s
as precitadas notas caracterizadoras, e em
voluntária, em que não existiria lide, mas, sim,
situações em que a lei acometeria ao Poder
Judiciário, o poder-dever de integrar a sua vontade
60 Registre-se outro tipo de provimento jurisdicional que põe fim ao processo, sem, no entanto, decidir o mérito da lid e, denominado terminativo, em que não se vence os requisitos de a dmissibilidade para julgamento de mérito, não preenchendo as condições da ação e pressupostos processuais. 61 Alfredo Buzaid, Exposição de Motivos do Código de Processo Civil , número 6. 62 Na seara processual, distingue-se o conflito de in teresses ocorrente na vida social, cuja importância é sociológica, daquel e amoldado pelas partes no processo.
49
à dos demais sujeitos processuais a fim de conferir
validez a ato jurídico que o legislador entendeu po r
bem reclamar a intervenção jurisdicional estatal.
Essa última classificação é de
importância ao tema objeto do trabalho, por haver
entendimento de que na tutela constitucional não há
lide, mas, sim, a jurisdição voluntária por
indispensável a intervenção da jurisdição 63.
A função jurisdicional, como
dito, prende-se à incumbência estatal de por fim a
conflitos interindividuais ou transindividuais.
Crises jurídicas, locução que
melhor traduz no âmbito da ciência do direito
mencionados conflitos, podem ser classificadas em
três tipos: a) de certeza, tocante a dúvida no seio
social sobre direitos e obrigações e existência,
inexistência ou forma de ser de relações jurídicas;
b) de adimplemento, dimanada de potencial
descumprimento de obrigação pelo devedor a que o
credor busca a satisfação; c) de situação jurídica,
a reclamar a necessidade de criação, modificação ou
extinção de determinada relação jurídica 64.
A Jurisdição debela a crise
jurídica conforme a sua natureza, ministrando, numa
63 É o que o leciona Daniel Amorim Assumpção Neves, Ações Constitucionais , São Paulo, Editora Método, 2011, pp. 1-2. 64 Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil , 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 153-156.
50
classificação denominada ternária, três tipos de
tutela: declaratória, constitutiva e condenatória 65.
Se a crise é de certeza, a
tutela a ser ministrada é a declaratória, que
certifica a existência ou inexistência da relação
jurídica, e, excepcionalmente, a autenticidade ou
falsidade documento, consoante positivado no art. 4 º
do CPC.
É tipo de tutela ou de sentença
ministrado que se basta em si mesmo, não havendo um
módulo processual à sua concretização.
Se a crise é de situação
jurídica, a tutela a ser ministrada é a
constitutiva, cujo escopo é o de criar, modificar o u
extinguir um estado ou relação jurídica, por
exemplo, a sentença que decreta o divórcio,
prescindindo, tal como na tutela declaratória, de
módulo processual para a sua execução.
Por fim, tratando-se de crise
de inadimplemento, a tutela a ser ministrada é a
condenatória, em que se acresce à declaração de
direito, comando a que a parte que sucumbiu preste
obrigação de fazer ou não fazer ou de dar, por
exemplo, na hipótese de pretensão indenizatória.
Além da classificação ternária,
há outra, defendida por João Batista Lopes 66, que 65 José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do Processo e Técnica Processual , 1ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006, pp. 510-511.
51
acrescenta outros dois tipos de tutela - mirando,
basicamente, as peculiaridades da técnica utilizada
à sua efetivação na prática – chamada de quinaria.
Segundo ela, tem-se também a
tutela mandamental e a executiva lato sensu .
A mandamental visa ordenar
órgão ou pessoa obrigação de fazer ou não fazer, em
vez de, como ocorre na tutela condenatória, sub-
rogar-se à vontade do devedor, expropriando bens.
Sua peculiaridade reside na
ordem judicial, instrumentalizada em mandado, a que
o órgão ou a autoridade a cumpra, sob pena de adoçã o
de medida de apoio a exercer pressão psicológica
naquele a quem se emite a ordem, por exemplo, a
emanada em writ , contemplando advertência a que seu
descumprimento implicará em crime de desobediência.
Referida tutela, a exemplo da
declaratória e constitutiva, prescinde de módulo
executivo.
Por fim, a tutela executiva
lato sensu , que contém em si mesma técnica de sub-
rogação, a, igualmente, dispensar módulo de
execução, por exemplo, na derivada da ação de
despejo, em que sua efetivação se dá pela prática d e
ato sub-rogatório, desocupação coercitiva do imóvel .
66 João Batista Lopes, Curso de Direito Processual Civil , Parte Geral, São Paulo, Editora Atlas, 2005, pp. 20-21.
52
Hoje, com as recentes reformas
processuais - especialmente aquela que prescindiu a
instauração de um processo de execução tocante à
efetivação da tutela condenatória, estabelecendo
módulo processual próprio para tanto (fase de
cumprimento de sentença), em sincretismo, e com a
fungibilidade das técnicas de efetivação prática da s
tutelas - tornou-se discutível a utilidade da
classificação quinaria 67.
67 José Roberto dos Santos Bedaque, Efetividade do Processo e Técnica Processual , pp. 556-559.
53
4.2.3. Ação
Como visto, a identificação da
ação foi, juntamente com a relação processual,
instituto que deu ao processo civil a devida
certificação científica.
Denominada de concreta a teoria
de Adolfo Wach foi superada, por sua base vincular a
existência do direito de ação a presença do direito
material, em razão de, tanto no caso da ação que
resulta em sentença de improcedência, que declara,
portanto, não ter o autor o direito material, como
no caso de acolhimento de pedido de declaração de
inexistência de direito material, constata-se o
exercício do direito de ação.
Sucederam outras teorias.
A teoria abstrata do direito de
ação se afirma na ideia de independer de
certificação de seu exercício a existência de
direito material, constituindo-se, pois, num direit o
amplo, abstrato e incondicionado.
A crítica pertinente que se faz
é a de que o direito de ação assim delineado,
exercitável de forma incondicionada, equivaleria ao
direito de petição de petição, o qual, conforme
54
magistério de Nelson Nery Junior, não se confunde
com o direito à tutela jurisdicional, traduzindo,
sim, meio de defesa junto aos poderes públicos
contra ilegalidade ou abuso de direito 68.
Nada obstante, como o direito
de ação é público subjetivo, exercitável junto ao
Poder Judiciário, é possível dizer ser o mesmo
espécie do direito de petição 69.
Outra teoria, a denominada
eclética, que foi adotada no âmbito codificado
processual pátrio, sustenta não ser o direito de
ação incondicionado nem genérico, havendo a
necessidade do preenchimento de requisitos de
admissibilidade, condições da ação, para que o
demandante tenha direito a um julgamento de mérito.
Por fim, há a teoria da
asserção, que, tanto quanto a teoria eclética afast a
a ideia de direito incondicionado ou genérico da
ação, diferindo-se dessa última na medida em que as
condições da ação são preenchidas com base nas
alegações do demandante, de modo a que, se houver
necessidade de cognição mais aprofundada para a
aferição das condições da ação, estar-se-á, em
68 Princípios do Processo Civil na Constituição Federa l , 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 91. 69 É o que leciona Ada Pellegrini Grinover ao afirmar ser o direito de petição, que no direito posto pátrio está previsto no art. 5º, XXXIV, a, gênero do direito de ação. ( As garantias constitucionais do direito de ação , p. 76, apud, Nelson Nery Junior, Princípios do Processo Civil na Constituição Federal , p. 93).
55
realidade, diante de hipótese de julgamento de
mérito.
Adotando-se a teoria eclética
ou a da asserção, o certo é que o direito de ação
visa à obtenção de um provimento de mérito,
alcançado tanto quando se acolhe o pedido, como na
hipótese de sua rejeição.
E deve ser tido como
relativamente abstrato, reclamando, pois, o
preenchimento de condições da ação, que, a exemplo
dos pressupostos processuais - a serem oportunament e
analisados no tópico sobre processo - devem ser
atendidos a fim de que se analise o mérito da
demanda.
São três as condições da ação,
possibilidade jurídica do pedido, interesse
processual e legitimação para a causa.
A primeira delas diz respeito à
inexistência de qualquer óbice legal a que a
pretensão possa ser perseguida processualmente junt o
ao Judiciário.
Interesse processual, que tem
dois aspectos, necessidade, presente quando, para
obtenção do bem da vida, não se prescinda a
intervenção do Judiciário, e adequação, que a
56
pretensão formulada tenha aptidão de resolver o
conflito litigioso 70.
A última condição é a
legitimação ad causam , de grande relevo ao tema da
tese - por conta da graduação da pertinência
subjetiva que deve ter o legitimado ativo para
demandar a tutela constitucional.
Cuida de condição de aferição
da pertinência subjetiva da demanda, derivando da: “
... relação entre o sujeito e a causa, ou uma
situação de um sujeito que, sendo titular de um
interesse relacionado com a relação jurídica a ser
debatida no processo, recebe da lei a qualidade par a
atuar em juízo com referência a ela (como demandant e
ou como demandado)” 71.
A legitimação para a causa -
que usualmente se assenta na transitividade da
relação de direito material entre sujeito passivo e
ativo – por vezes é deferida a quem, embora não
sendo titular do direito material, o legislador,
tomando a importância do direito a ser tutelado,
elege para ampará-lo em juízo, por exemplo, direito s
trans-individuais ou coletivos, ínsitos nos
perseguidos pela tutela processual constitucional.
70Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinov er e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo , pp. 281-282. 71 Cândido Rangel Dinamarco, Vocabulário do Processo Civil , São Paulo, Malheiros, 2009, p. 360.
57
A finalidade das condições da
ação, como acima salientado, é a de higidez
processual, possibilitando tutela jurisdicional
adequada e efetiva, seja a quem, autor ou réu, for
merecedor dela.
Seu exame antecede logicamente
ao do mérito, enquadrando-se numa categoria que
contém a dos pressupostos processuais, ambos
(condições e pressupostos) requisitos de julgamento
do mérito.
Relacionados com o instituto
das condições da ação, estão os elementos da ação,
também vistos na tutela constitucional: partes,
causa de pedir e pedido.
Parte é o sujeito que deduz o
pedido, e aquela contra quem o mesmo é deduzido,
ambas (partes) titulares de situações jurídicas
ativas e passivas, faculdades, ônus, poderes,
deveres e estado de sujeições 72.
Causa de pedir se refere à
relação jurídica deduzida no processo, através da
narrativa dos fatos feita pelo demandante, a que se
denomina teoria da substanciação 73.
Vale salientar que tocante à
tutela constitucional, defende-se o que se chama de
72 Cândido Rangel Dinamarco, vol. III, Instituições de Direito Processual Civil , 1ª ed., vol. III, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 249. 73 É a teoria encampada no CPC, art. 282, III.
58
causa de pedir aberta , não estando o órgão de
sobreposição vinculado à narrativa dos fatos
deduzida pelo demandante, podendo fundamentar a
decisão em argumentos diversos daqueles suscitados
na petição inicial 74.
Pedido se caracteriza tanto
pelo tipo de tutela (no âmbito processual) almejada ,
como pelo bem da vida (de natureza de direito
material) que através dele se visa.
Os elementos da ação têm grande
importância por estabelecerem os limites objetivos e
subjetivos da tutela jurisdicional, estabilizar a
demanda, imunizar e estabelecer limites para a cois a
julgada, definir critérios para aferição da
competência, litispendência, conexão, continência e
prevenção, indicar a pessoa que deva ser citada,
verificar prejudicialidade , cumulação de pedidos, e
litisconsórcio.
Destaca Cândido Rangel
Dinamarco referida importância: ”... a mais ampla e
constante razão da exigência de especificar partes,
causa de pedir e pedido é a necessidade de
estabelecer os limites a serem observados na
atividade jurisdicional: o juiz deverá julgar cada
demanda nos limites em que tiver sido proposta”.
74 A causa petendi aberta é expressamente abrigada no art. 3º, I, 2ª parte, da Lei 9.868/99.
59
Trata-se do respeito ao
princípio da congruência, encampado pelo Código de
Processo Civil (artigos 128 e 460), a impedir que o
magistrado deixe de apreciar todos os pedidos, ou
conceda coisa diversa ou superior à pedida.
60
4.2.4. Defesa
Outro instituto fundamental da
ciência processual civil é a defesa.
Até recentemente a doutrina não
dava a devida importância à defesa, posicionando-a
num plano secundário.
Várias as razões para tanto.
O fato de a inércia da
Jurisdição ser rompida pelo direito de ação criava a
ideia de que a pretensão conduzia processo e
procedimento, deles, portanto, dispondo o
demandante, num entendimento equivocado que estendi a
a disponibilidade existente no direito material ao
processo.
Era a visão do processo civil
do autor , criticada por Cândido Rangel Dinamarco,
por provocar sérios perigos à isonomia processual,
ao desnivelar sistemática e axiologicamente a defes a
da ação, desatenta ao fato de que a tutela
jurisdicional não é algo fadado a ser concedido ao
demandante, mas a quem tiver razão 75.
Diz Heitor Vitor Mendonça Sica
residir a desimportância dada pela doutrina ao
75 Os Institutos Fundamentais do Direito Processual , in Fundamentos do Processo Civil Moderno , vol I, p. 120.
61
instituto em pauta muito provavelmente no fato de a
ação ser vislumbrada somente para a tutela de
interesses privados, e, assim, para a reparação do
direito subjetivo que o autor aduz ter sido violado ,
ladeando o fato de a defesa portar direito do réu à
tutela jurisdicional tanto quanto o demandante, e
mais que isso, desconsiderando a função
constitucional jurisdicional, de pacificação social
e de atuação do direito objetivo 76.
Prossegue o referido autor
afirmando, com razão, que na medida em que se
concebe a destinação da tutela jurisdicional tanto
ao autor como ao réu, é possível concluir que a
garantia de que trata o art. 5º, XXXV, da CF, em su a
densidade atual, acesso a ordem jurídica justa, ou
as demais de tutela constitucional ao processo,
contraditório, ampla defesa e isonomia, são iguais
na defesa e na ação. 77
Assim contextualizada, é que se
pode falar ser a defesa faculdade de resistir à
pretensão deduzida no processo pelo autor 78, e a
manifestação de um dos três sujeitos do processo, o
demandado.
76 O Direito de Defesa no Processo Civil Brasileiro, U m Estudo Sobre a Posição do Réu , São Paulo, Editora Atlas, 2010, p. 16. 77 Op. cit., pp. 2 e 25. 78 Cândido Rangel Dinamarco, Os Institutos Fundamentais do Direito Processual , p. 120.
62
Traduz, pois, a postulação
formulada pelo sujeito passivo da relação processua l
a que aquela (postulação do demandante) seja
rejeitada.
Sua sede de aporte está no
processo, cuja finalidade é a efetivação da ordem
jurídica justa e, com isso, a resolução de conflito s
sociais, movido (o processo) pelos princípios que
derivam do devido processo legal, notadamente o da
igualdade e do contraditório.
A defesa, bem assim, insere–se
entre os fundamentos do processo civil moderno,
traduzindo junto com a ação, manifestação do direit o
de acesso à justiça 79.
Nessa linha de argumentos,
considera-se que o demandado, sujeito contra quem s e
propõe a ação, tem – ressalvando as naturais
diferenças entre quem está, por assim dizer,
atacando ou se defendendo – os mesmos poderes,
deveres, direitos e ônus que recaem sobre o
demandante, notadamente os decorrentes do binômio
informação-reação, por exemplo, o de alegar, o de
produzir provas e o de contraditar as produzidas po r
seu adversário, em processo dialético, conducente e
vital à justa tutela jurisdicional.
79 Para Antônio Carlos Araújo Cintra-Ada Pellegrini G rinover-Cândido Rangel Dinamarco, defesa e ação constituem acesso à justiça. Teoria Geral do Processo , pp. 33-34 e 81-82.
63
A garantia da defesa, todavia,
diz respeito à informação acerca da demanda e do
teor da petição inicial, podendo o demandado reagir ,
mercê da apresentação de contestação ou de qualquer
outro tipo de defesa, ou quedar-se inerte, situação
que pode acarretar na presunção de veracidade dos
fatos alegados e o julgamento antecipado da lide,
técnica de aceleração processual 80.
Em conclusão, o que importa é
salientar ser a defesa instituto fundamental do
direito processual civil parelho ao direito da ação
nos termos e consoante à releitura do art. 5º, XXXV ,
da CF.
80 Artigos 319 e 330, II, do CPC.
64
4.2.5. Processo
Se a ação, como visto, passou
por sucessivas teorizações, o mesmo se deu com o
processo.
A primeira delas através do
pioneirismo de Oskar Von Büllow, que revelou o
processo enquanto relação processual, caracterizada
por ser diversa da substancial, em que figura e atu a
um sujeito imparcial, no exercício de função
estatal, desligado da relação de direito substancia l
quanto à qual litigam os sujeitos processuais
parciais, e que objetiva, não o bem da vida
disputado por esses últimos sujeitos, mas, sim, a
prestação de tutela jurisdicional, sujeitando-se a
pressupostos próprios a que haja tal prestação.
O mérito dessa teoria foi o de
revelar a trilogia dos sujeitos do processo, no
vínculo especial por esse produzido.
Outra teoria foi a do processo
como situação jurídica, de James Goldschmidt, que
salientou ser inerente à relação processual uma
série de situações jurídicas passivas e ativas aos
sujeitos do processo durante o procedimento,
65
demonstrando essa teoria ser a relação processual
complexa.
É de Élio Fazzalari a teoria
que entende não se caracterizar o processo como
relação jurídica, mas, sim, como procedimento em
contraditório, expressado pela sequencia lógica e
normatizada de atos interligados, propiciando tal
sequência um resultado final.
Outra teoria, por fim, reúne,
por assim dizer, as demais, entendo caracterizar-se
o processo como procedimento animado por uma relaçã o
jurídica, em que há uma sucessão de situações ativa s
e passivas aos sujeitos processuais, em
contraditório.
Processo, assim, caracteriza-se
como relação processual de direito público, que ger a
uma sequencia de atos, portanto, um procedimento,
submetido ao contraditório.
Essa síntese permite destacar
aspectos fundamentais do processo.
O primeiro deles concernente à
sua natureza de direito público, qualificando-se
como método de que se vale o Poder Judiciário para
manifestar o poder estatal de decidir
imperativamente e impor decisões, pacificando, em
sua função proeminente, os conflitos
66
interindividuais e transindividuais, mercê da série
de atividades que nele (processo) exerce o juiz.
O segundo aspecto diz respeito
aos pressupostos processuais, cuja presença
viabiliza, de forma hígida e adequada, o julgamento
ou a prestação da tutela jurisdicional.
A categoria dos pressupostos
processuais, é, como salienta Teresa Arruda Alvim
Wambier, “... imprescindível para a existência e
para a validade da relação processual e, de outra
parte, cuja inexistência é imperativa para que a
relação processual exista validamente, no caso dos
pressupostos processuais negativos” 81.
Arruda Alvim classifica os
pressupostos processuais em intrínsecos, de
existência e de validade, e em extrínsecos,
negativos.
Os de existência são os
seguintes: a) demanda, instrumentalizada, por
petição inicial, a fim de exista relação processual ;
b) jurisdição, por corolário de o processo ser
método de atuação do Poder Judiciário; c) capacidad e
postulatória, isto é, aptidão conferida pela lei a
demandar e atuar no processo, enquanto procurador d o
autor, a que se defere, quase que com exclusividade ,
81 Nulidades do Processo e da Sentença , 6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 46.
67
ao advogado 82; d) citação, enquanto chamamento em
juízo a se defender.
Derivam dos mencionados
pressupostos, os de validade, que são: a) aptidão d a
petição inicial, devendo a mesmo preencher os
requisitos legais, no CPC, art. 282; b) competência
do órgão jurisdicional, devendo a demanda ser
submetida a quem houver sido conferido poder
jurisdicional de conhecer e julgar a causa, e
imparcialidade do magistrado, incogitável a demanda
seja decidida por quem, consoante critério legal,
possa ser considerado suspeito ou impedido de julgá -
la; c) capacidade da parte, aptidão para aquisição e
exercício de direitos, e legitimação processual,
respeitante à representação de absoluta e
relativamente de incapazes, e das pessoas jurídicas
ou entes despersonalizados, representadas aquelas
por quem o contrato e estatuto social determinar, e
essas, consoante critério legal, ambas (capacidade e
representação, servindo de suposto da capacidade
postulatória; d) citação válida.
Por fim, os negativos,
extrínsecos à relação processual, são
litispendência, coisa julgada e arbitragem.
José Roberto dos Santos
Bedaque, tocado pelo princípio da instrumentalidade ,
82 Art. 37 do CPC e lei do advogado.
68
em sua vocação natural de resolução de crise
jurídica, entende que a investidura do órgão
jurisdicional é o único requisito de existência do
processo 83.
Comunga-se com tal
entendimento, pois se atinge a finalidade do
processo, quando, por meio da jurisdição, alcança-s e
a certeza jurídica.
O terceiro aspecto é relativo
ao procedimento, sequência de atos interligados de
forma lógica e regular, que resulta na adequada e
efetiva prestação da tutela jurisdicional.
Para atingir tal escopo, o
legislador disciplina o procedimento, conforme
critérios de funcionabilidade , estabelecendo atos
que, entrelaçados, vão viabilizar idônea, rápida e
justa solução da demanda 84.
O legislador também leva em
consideração para atingir tal escopo a natureza
objetiva e subjetiva de cada relação de direito
substancial aportada no processo.
Critérios de funcionabilidade
e, em especial, a relação de direito material, vão
determinar uma variabilidade de procedimentos.
83 Efetividade do Processo e Técnica Processual , p. 574. 84 Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco ( Direito Processual Civil , n. 39, p. 82, apud, Antônio Carlos Marcato, Procedimentos Especiais , 8ª ed., São Paulo, Malheiros, p. 35).
69
Leciona Gilson Delgado
Miranda 85, a respeito, que: “A lei traça a maneira
pela qual devem os atos ser realizados, variando em
razão de diversos fatores: a) a natureza do
provimento jurisdicional (se se trata de processo d e
conhecimento, de execução ou cautelar); b) o
interesse público; c) a necessidade de tutela mais
célere; d) a existência de particularidades
próprias, etc.”.
Pese a variabilidade de
critérios, o procedimento sempre se caracteriza por
ser uma sucessão progressiva de atos em
contraditório, iniciado pela demanda, cuja petição
inicial instrumentaliza, findando-se com efetiva
entre da prestação jurisdicional.
Releva notar, ainda, serem
paradigmáticos os atos e modelos de procedimentos
previstos no Código de Processo Civil, valendo, no
dizer de Cândido Rangel Dinamarco, como substrato
jurídico-positivo dos institutos processuais e
procedimentais 86.
85 Procedimento Sumário , São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 49. 86 Manual dos Juizados Especiais , 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 26-28.
70
4.2.6. O devido processo legal
Na medida em que se incrementou
o intervencionismo estatal em prol dos direitos
humanos, revisou-se o legicentrismo e sua pauta
codificada, bem como o processo civil, pondo-se
aqueles direitos sob a salvaguarda de um corpo
normativo máximo, central e eficaz, a Constituição.
Mercê da ideia de efetividade
constitucional, princípios de amparo formal aos
direitos humanos, passaram a ter outra substância,
bem revelando isso o acesso à justiça que passou a
expressar o direito ao processo justo ou devido
processo legal, expressão adotada na Constituição
Federal, art. 5º, LIV.
O devido processo legal, como
anota Willis Santiago Guerra Filho, poderia ser
inferido da Magna Carta Inglesa de 1215, que
estabelecia que a punição ter-se-ia que dar na
medida do delito, portanto, nutrido de outro
princípio, da proporcionalidade 87.
No estatuto dos direitos vida-
liberdade-propriedade é que emerge o devido process o
87 Princípio da proporcionalidade e devido processo le gal , In Virgílio Afonso Silva, org., Interpretação Constitucional, 1 ª ed., 3ª. Tiragem, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, pp. 255-256 ,
71
legal, orbitando em torno dele os demais direitos
humanos, numa forma ampla positivada no indigitado
dispositivo constitucional.
E o devido processo legal pode
ser visto sob dois ângulos.
O primeiro, relacionado com o
direito material - v.g. , respeito ao princípio da
legalidade na seara tributária, e do ato jurídico
perfeito no direito civil – que se denomina
substantive due process .
E o segundo, referente ao
devido processo legal ( procedural due process ), de
incidência tanto no âmbito jurisdicional como
administrativo, pela qual se impõe ao Estado, com o
escopo de atuar de forma correta o ordenamento
jurídico, o dever-poder de assegurar às partes
processo justo.
Ressalta Cássio Scarpinella
Bueno significar o devido processo legal princípio
síntese ou de encerramento das diversas concepções e
valores do que se compreende como processo justo e
adequado, dele se inferindo os demais princípios
processuais, embora esta não tenha sido a opção do
constituinte pátrio. 88- 89
88 Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, Te oria Geral do direito processual civil , 5ª ed., Saraiva, 2011, p. 141. 89 Nesse sentido ainda o magistério de Cândido Rangel Dinamarco, a quem: “Muitos desses princípios, garantias e exigências c onvergem a um núcleo central e comum, que é o devido processo legal, por que observar os
72
Assinalam Marinoni e Mitidiero 90
que direito ao processo justo - locução que
preferem, por questão historicista - a devido
processo legal, é princípio que conforma o processo ,
revelando-se tanto pela postura colaborativa do jui z
para com as partes, como pelas garantias a elas
conferidas, a título de tutela jurisdicional
adequada e efetiva, consistentes em igualdade de
tratamento, paridade de armas, ampla defesa, direit o
à prova, exercício do contraditório, assistência
jurídica integral, julgamento pelo juiz natural,
cujos pronunciamentos sejam motivados e confiáveis,
em procedimento público, com duração razoável, apto
à produção da coisa julgada.
Nota-se, portanto, que o devido
processo legal, de ampla abrangência, constitui-se
em princípio básico do Estado Constitucional, bem
por isso servindo como conformador do processo.
Uma conformação frise-se, que
tem foro de substância no princípio da
proporcionalidade, vale dizer, submetido à adequaçã o
dos meios aos fins perseguidos, à exigibilidade,
padrões previamente na Constituição e na lei é ofer ecer o contraditório, a publicidade, a possibilidade de ampla defesa etc . São perceptíveis e inegáveis as superposições entre os princípios cons titucionais do processo, sendo impossível delimitar áreas de aplic ação exclusiva de cada um deles – até mesmo em razão dessa convergência e porque nenhum deles se conceitua por padrões rigorosamente lógicos, mas po líticos. Instituições de Direito Processual Civil , vol. I, p. 203. 90 Curso de Direito Constitucional , São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, pp. 616-619.
73
baseado na eficácia do meio adotado, menos danoso
aos direitos fundamentais, sendo as vantagens das
medidas superiores às desvantagens. 91
Estabelecido, como acima
referido, no princípio da proporcionalidade, o
devido processo legal giza as categorias processuai s
civis, garantindo, por consequência, regularidade a o
processo e a atuação equilibrada da ação, da defesa
e, especialmente, da jurisdição 92.
91 Este o ensinamento de Willis Santiago Guerra Filho , Princípio da proporcionalidade e devido processo legal , p. 262. 92 Acentuam Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegr ini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco que a Jurisdição, enquanto poder, função e atividade, somente se legitima por meio do processo devidamente estruturado (devido processo legal). Teoria Geral do Processo , p. 149.
74
5. Morfologia processual da Justiça Constitucional
5.1. Considerações iniciais
Estabelecidas, por assim dizer,
as vigas de apoio da justiça constitucional, atravé s
do estudo, com relato histórico, sobre o Estado e o
Processo, alcança-se o tópico derradeiro do present e
trabalho.
Vale dizer, a aferição de
limitar-se às categorias processuais a vertente
morfológica processual da Justiça Constitucional.
Proceder a tal limitação é modo
de dar cientificidade à Justiça Constitucional, e,
com isso, garantir as necessárias previsibilidade e
segurança jurídica.
75
5.2. Sumário do controle de constitucionalidade e
da justiça constitucional limitada
Justiça constitucional diz
respeito ao controle de constitucionalidade em sua
morfologia processual.
Imbrica-se, mas são se
confunde, com os princípios constitucionais de
tutela constitucional do processo civil, devido
processo legal, inafastabilidade do controle
jurisdicional, o da igualdade, da liberdade, do
contraditório, ampla defesa, juiz natural e
publicidade 93.
De outra banda, é um dos tipos
de processo constitucional, categoria que alberga
ainda outros processos sediados na Constituição de
amparo aos direitos individuais e coletivos, por
exemplo, ação civil pública, mandado de segurança,
ação popular etc.
Assim configurada, como método
jurisdicional de controle de constitucionalidade, a
justiça constitucional tem classificações
científicas no âmbito do direito constitucional, qu e
devem ser, ainda que de forma sumária, abordadas
permitindo conexão com as categorias processuais. 93 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil , vol. I, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 203.
76
A supremacia da Constituição
reclama a compatibilidade ou amparo de situações
jurídicas, atos administrativos ou normas
legislativas a princípios e regras constitucionais,
vale dizer, compatibilização vertical do sistema
jurídico.
A incompatibilidade – a
reclamar a tutela constitucional – dá-se tanto
quanto se tem situações ou atos administrativos e
leis que afrontem o tecido constitucional, como
diante da omissão tocante à prática de atos
administrativos ou legiferantes, que inviabilizem a
plena operatividade das normas previstos na
Constituição 94.
Referida incompatibilidade gera
a inconstitucionalidade das situações jurídicas,
atos administrativos ou normas legislativas, isto é ,
a declaração de sua nulidade.
Releva notar que a maioria das
inconstitucionalidades deriva da produção de atos
administrativos ou legislativos, inclusive de
emendas constitucionais, que contradigam o disposto
na Constituição Federal, e é curada, em última
instância, pela tutela jurisdicional de controle
94 A omissão, no entanto, não subtrai a eficácia natu ral, negativa e imediata, da norma constitucional de extirpar do mu ndo jurídico disposições que com ela conflitem.
77
abstrato de amparo à Constituição Federal de
competência do Supremo Tribunal Federal 95.
A inconstitucionalidade
derivada da produção de atos administrativos e atos
legislativos se manifesta de duas maneiras: formal e
material.
A primeira diz respeito à
desobediência aos ritos previstos na Constituição
Federal, notadamente quanto ao órgão que elaborou a
norma e à inobservância dos procedimentos
legislativos previstos na Carta Magna.
A material, de sua feita,
deriva do conteúdo das leis ou atos normativos que
contrarie regras ou princípios constitucionais.
Há que se falar, ainda, na
diversidade dos sistemas de controle de
constitucionalidade, diversidade essa umbilicalment e
ligada aos órgãos aos quais se atribuem o dever-
poder de curatela.
São conhecidos três sistemas de
controle de constitucionalidade: político,
jurisdicional e o misto.
O primeiro em que a atribuição
de tal aferição é da alçada de órgãos políticos,
95 Como salientado no início do trabalho, o controle abstrato é exercitável por meio de ação direta de constitucion alidade, ação direta de constitucionalidade, arguição de descumprimento de preceito fundamental e arguição de preceito fundamental inci dental.
78
sejam do legislativo ou de outros entes que não
sejam jurisdicionais.
O segundo é o jurisdicional,
adotado em regra, pelo qual se atribui
exclusivamente ao Poder Judiciário a tarefa de
controle.
Por fim, o controle misto, em
que algumas espécies normativas têm sua aferição de
constitucionalidade dirimida por órgão legislativo,
e outras, de caráter local, pelo Poder Judiciário,
v.g. , o que se dá na Suíça.
Também são distintos os
critérios e modos de exercício de tutela
jurisdicional de controle de constitucionalidade.
São dois os critérios, o
difuso, em que se atribui a todos aqueles investido s
de jurisdição o labor de controle de
constitucionalidade, e o concentrado, pelo qual se
acomete, com exclusividade, a um órgão jurisdiciona l
de sobreposição o labor de exercitar a curatela da
constituição.
Releva anotar, por fim, os
distintos e principais modos de exercício da tutela
constitucional.
Por via de exceção ou
incidental, em que a parte, demandante ou demandado ,
no processo judicial marcado pelo conflito de
79
interesses ou intersubjetivo, suscita o controle de
constitucionalidade como questão prejudicial em que
se assentará, enquanto premissa lógica, a decisão d a
lide.
E o por via principal e de
ação, em que se constitui objeto exclusivo e
autônomo da tutela a declaração da
inconstitucionalidade, legitimado ad causam aquele a
quem a Constituição assim o disser.
Nesse sentido, o escólio de
José Carlos Barbosa Moreira, distinguindo os modos
de controle, por via de exceção ou incidental do
referente ao da via da ação ou principal, ao afirma r
que o concernente à via incidental, a questão da
constitucionalidade é apreciada no curso do process o
relativo a caso concreto, como questão prejudicial,
que se resolve para assentar uma das premissas
lógicas da decisão da lide, ao contrário daquele
pela via principal, no qual a questão da
constitucionalidade vem a constituir o objeto
autônomo e exclusivo da atividade cognitiva do órgã o
judicial, sem nexo de dependência para com outro
litígio 96.
É possível, dizer que o
exercício de controle pela via da exceção tem nexo
96 Comentários ao Código de Processo Civil , v. 5, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, pp. 29-30.
80
com o controle difuso, e o de ação, com o controle
concentrado.
81
5.3. Encontros e desencontros do processo civil e
do direito constitucional
Há certa dificuldade de
estabelecer diálogo das fontes da justiça
constitucional, vale dizer, entre o Direito
Constitucional e o Processo Civil.
Credita-se isso a, por assim
dizer, nascimentos e caminhos diversos que
percorreram as referidas ciências jurídicas.
A constitucional, parida sob a
influência de rompimentos sociais e de ordens
políticas - e posta em relevo jurídico no Estado
Moderno pela adoção da Constituição como vértice do
sistema jurídico, sobremodo nos Estados Unidos da
América.
A processual, maturada conforme
se desenvolvia o direito privado, em sincretismo, e
a sua independência através da linha autonomista,
sistematizada de forma racional - mas sob os albore s
da concepção legicêntrica, especialmente refletida
na França consistente na eleição do Código
Napoleônico como vértice do sistema jurídico -
inodora e insípida às realidades sociais, econômicas
e políticas.
82
Sobre o viés dos desencontros,
cabe destacar outros motivos que levaram ao
distanciamento do processo civil de direito do
direito constitucional.
Direito privado se funda na
ideia do instituto da relação jurídica em que
figuram dois sujeitos, um ativo, detendo determinad o
direito subjetivo - a que a norma não proíbe - a um a
prestação de fazer, não fazer ou dar, à qual o outr o
sujeito da relação, o passivo, deve satisfazer, sob
a sanção de a prestação inadimplida poder ser
exigida em juízo.
Referida sanção constitui
autorização conferida ao sujeito ativo de se valer
de tutela jurisdicional.
Processo é o meio pelo qual se
efetiva a tutela jurisdicional provocada pela ação,
essa, por sua vez, à luz do conceito de relação
jurídica, derivada do descumprimento de uma
obrigação de fazer, não fazer ou dar.
Do exposto, tem-se que certo
desencontro científico, pode ser creditado à visão
de ser processo corolário da sanção da relação
jurídica, frise-se, intersubjetiva.
Esse é um entendimento – raiz
da distinção do processo subjetivo do objetivo, em
83
que se desenvolve a tutela constitucional – a ser
ponderado.
É que tal entendimento
considera tão somente a crise de inadimplemento a
ser resolvida jurisdicionalmente, ladeando as demai s
crises, de certeza e situação jurídica.
Com temperamentos, é o que se
extrai dos ensinamentos dos constitucionalistas
Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi, vazado nos
seguintes termos: “As sanções que podem ser
aplicadas no final do processo são de dois tipos.
Primeiro, compensatórias, reparando o dano que
alguém sofreu. A reparação pode ser direta (a pesso a
que ofendeu a honra de alguém deve se desculpar) ou
indireta (pagando indenização). Segundo,
inibitórias-preventivas, impedindo que o agressor o u
outras pessoas tenham no futuro a mesma conduta.
Isso ocorre quando o agressor é condenado a pagar
altas indenizações para que ele (e os demais) não
repitam aquele ato ilícito.” 97
A lição dos indigitados
doutrinadores prende-se à bitola da relação jurídic a
como propulsora do processo e da intersubjetividade
dos direitos, ladeando os direitos transindividuais ,
destinando o processo civil a meio de resolução de
crise de inadimplemento. 97 Curso de Processo Constitucional, Controle de Const itucionalidade e remédios constitucionais , São Paulo, Editora Atlas, 2011, p. 8.
84
Tal entendimento, por não se
dar conta dos outros tipos de crise jurídica -
notadamente o da certeza, veiculada na tutela
constitucional, e que responde pela certificação da
atributividade normativa – impede que se estabeleça
os lindes da indigitada tutela nas categorias
processuais, dando densidade exacerbada a
classificação de processo subjetivo e objetivo.
Assim contextualizado, é que se
entende o relato histórico empreendido por Gilmar
Ferreira Mendes, com apoio na doutrina alemã: “A
possibilidade de criação de um processo não
destinado, necessariamente, à defesa de direito
subjetivo já havia sido contemplada pela literatura
jurídica alemã do fim do século passado. Para Von
Gneist, a ideia de que, como pressuposto de qualque r
pronunciamento jurisdicional, devessem existir dois
sujeitos, que discutissem sobre direitos subjetivos ,
isto é, que qualquer pronunciamento jurisdicional
somente pudesse ser visto como proteção a direitos
subjetivos, continha uma petição de princípio
civilista ( civilistische petitio principi ) 98.
Outro fator que favorece o
desencontro parece ser a relevância e as funções
acometidas ao Curador de sobreposição da
Constituição.
98 Jurisdição Constitucional , 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 48.
85
O órgão a que se acomete tal
curatela, sua composição ou a forma de investidura
dos que são escolhidos para comporem o mesmo,
parecem não se afinar com os das instâncias
jurisdicionais ordinárias.
É distanciamento que não se
justifica para o que na essência é produzido
formalmente por todo órgão de jurisdição, proviment o
estatal jurisdicional cognitivo.
Além do mais, podendo a
instância jurisdicional ordinária laborar a questão
de constitucionalidade pela via de exceção ou
incidental ou de forma difusa, o apoio na relevânci a
e nas funções da Suprema Corte deve ser abstraído
para efeito de se negar a limitação nas categorias
processuais 99.
Não se podem ser preferidos
critérios históricos, ideológicos e de relevância o u
de funções da Suprema Corte para justificar o
esvaziamento da importância do processo civil no
estabelecimentos dos lindes da justiça
constitucional nas categorias processuais.
Como dito, toda atuação
judicante, seja a do órgão de sobreposição que é a
Suprema Corte, seja a da instância judicial
99 Assim parecem entender Domingo García Belaunde And ré Ramos Tavares, ao proporem a criação de um código processual constitu cional. Por que um Código Processual Constitucional ? pp. 17-33.
86
ordinária, sempre deriva de processo cognitivo,
desenvolvido por aqueles com investidura
jurisdicional, e visam, em última análise, à
conformação de toda situação jurídica ao tecido
normativo constitucional.
Mais que isso, todos os órgãos
judicantes, inclusive aquele que exerce indigitada
curatela, abeberam-se da mesma fonte ou matiz
constitucional, que pode ser sintetizada no
princípio do devido processo legal ou ao direito ao
processo justo.
Também não se pode aceitar que
o distanciamento se dê pela maior importância do
direito constitucional, não podendo ser contido no
direito processual.
Isso por que ambos, apesar de
terem princípios próprios que lhes conferem
distinção científica, são ramificações da ciência d o
direito e prestam-se a mesma finalidade,
possibilitar convivência social ordenada.
A mitigação da importância dos
referidos desencontros permite avanço derradeiro,
estabelecendo a tutela constitucional nos lindes da s
categorias processuais, de forma metodológica,
obtenção ao cabo e ao fim a certificação cientifica
das conclusões do presente estudo.
87
5.4. Enquadramento nas categorias processuais e
processualização constitucional
Destacaram-se no tópico
anterior as razões que apartaram o exame da justiça
constitucional pelo direito processual civil e o
constitucional, buscando-se desfazer o desencontro
existente entre elas do tema.
Passa-se, agora, a revelar as
categorias processuais a estabelecerem os lindes de
compreensão da justiça constitucional.
Isso é feito a partir da ordem
de desenvolvimento do trabalho.
No tópico concernente à
evolução histórica do direito processual, salientou -
se que a revolução industrial fez com que fossem
notados interesses transindividuais, por exemplo, o
advindo à ofensa ao meio ambiente, transcendentes,
portanto, àqueles constatados nas relações
intersubjetivas.
Esses interesses, segundo Nery-
Nery 100 , podem ser classificados como difusos, cujos
titulares não podem ser determinados, e ligam-se po r
circunstâncias fáticas, coletivos, cujos titulares
são indeterminados, mas determináveis por uma 100 Código Civil Comentado e Legislação Extravagante , 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, pp. 1010-1.011.
88
relação jurídica básica, e individuais homogêneos,
cujos titulares são identificáveis, e o objeto
cindível e divisível, qualificados como homogêneos
pela origem comum.
Cássio Scarpinella Bueno 101
insere a tutela ministrada a salvaguardar a
Constituição dentre as que amparam direitos difusos ,
por transcender o individual.
Põe-se de acordo com tal
entendimento por dizer respeito à toda sociedade
politicamente organizada a manutenção do respeito à
Constituição, mercê da tutela de controle de
constitucionalidade.
Com efeito, desrespeito à
Constituição gera crise de certeza, criando dúvida
no seio social sobre direitos e obrigações.
Essa constatação acarreta duas
constatações.
A primeira delas acerca do
mencionado equívoco de afastar os lindes das
categorias processuais reservando-lhes presença tão
somente nas crises de inadimplemento.
A segunda, revelando ser
declaratória a tutela ministrada referente ao
desrespeito à Constituição, definindo
impositivamente a atributividade normativa. 101 Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, v ol. 2, tomo III, São Paulo, Saraiva, 2010, pp.197 e 272.
89
A tutela de controle abstrato
de constitucionalidade é prestada pelo Supremo
Tribunal Federal, órgão que, embora de sobreposição ,
insere-se na estrutura do Poder Judiciário, a
revelar a presença inquestionável do instituto
fundamental da Jurisdição na tutela constitucional.
E essa tutela é prestada de
provocação de um dos legitimados para demandar o
controle de constitucionalidade.
Isso revela a nota da inércia
própria da jurisdição, que age, no caso, para
debelar a crise de certeza jurídica estabelecida, e m
decorrência, portanto, de uma situação de conflito.
Essa provocação se exerce pelo
exercício do direito de ação, igualmente balizados
pela existência de condições, cujo preenchimento
viabiliza a tutela de amparo à constituição.
A legitimação para a causa é
aferida diretamente da Constituição Federal, que
estabelece o rol dos sujeitos ativos, art. 103.
É possível distinguirem-se os
legitimados: a) em especiais e particulares, presos
à justificação, quanto aos primeiros, da pertinênci a
subjetiva, e os segundos, à aderência da ação com
suas finalidades institucionais; b) em universais,
dispensados de demonstrar aquela pertinência ou
90
aderência, derivando a legitimação de misteres
institucionais 102 .
Misteres institucionais nada
mais são que deveres-poderes acometidos a certos
entes ou pessoas - como Presidente da República,
Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara dos
Deputados, Procurador Geral da República, Conselho
Federal da OAB, partido político com representação
no Congresso Nacional.
E referidos entes estão
obrigados a situarem a legitimação para a causa em
tais misteres, o que demonstra que a eles também se
faz necessária a presença da condição da ação em
pauta.
A existência do controle
abstrato de constitucionalidade revela a
possibilidade jurídica.
O interesse processual se
demonstra, na forma da necessidade, através da
existência de crise jurídica cuja solução somente é
possível pela definição impositiva da atributividad e
da norma, e na forma de adequação, por meio da
utilização do processo adequado para solucioná-la,
no caso os tipos de demanda que aportam o controle
abstrato de constitucionalidade.
102 Cássio Scarpinella Bueno, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 2, tomo III, pp. 274-275.
91
A ação de controle de
constitucionalidade também tem elementos.
Partes, com peculiaridades, o
demandante, que propôs a ação de controle de
constitucionalidade, e quem, com peculiaridades,
impõe-se a citação para, a princípio, defender o at o
ou texto impugnado, o Advogado Geral da União.
A previsão de faculdade do
relator do processo de pedir informações a órgãos o u
autoridades dos quais se emanou o ato impugnado,
possibilita que esses também se incluam no polo
passivo da demanda 103 .
E ainda se tem na relação
processual instaurada pela demanda, de forma
obrigatória, o Procurador Geral da República, que,
quando não for autor, atuará como fiscal da lei, e,
de forma facultativa o amicus curiae .
Releva notar que a intervenção
deste último, qualifica-se como a de terceiro, que
intervém no processo alheio, em nome e na defesa de
um interesse institucional para amparo de
determinada posição de vantagem 104 .
A ação também tem causa de
pedir, com características excepcionais na ação
direta de controle abstrato de constitucionalidade,
103 Cássio Scarpinella Bueno, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil , vol. 2, tomo III, São Paulo, Saraiva, 2010, pp.19 7 e 272. p. 277. 104 Cássio Scarpinella Bueno, op. cit.,p. 278.
92
podendo o Supremo Tribunal Federal declarar a
nulidade do ato administrativo ou da norma sob
fundamento diverso daquele suscitado pelo
demandante.
É o que se chama de causa de
pedir aberta, valendo, nesse sentido, citar o
magistério respeito o escólio de Gilmar Mendes e
Ives Gandra Silva Martins, segundo o qual, embora
haja “necessidade legal da indicação dos fundamento s
jurídicos na petição inicial, não está o STF a eles
vinculado na apreciação que faz da
inconstitucionalidade dos dispositivos questionados
(princípio da causa de petendi aberta).” 105
Merece crítica, no entanto, tal
previsão constitucional, por ferir o princípio da
adstrição.
Há ação também tem pedido,
consistente na declaração de inconstitucionalidade
do texto ou ato normativo que está a provocar a
crise de certeza.
O instituto fundamental da
defesa é exercido, com peculiaridades, pelo Advogad o
Geral da União, que pode até manifestar-se
favoravelmente à declaração de
inconstitucionalidade, sem que, com isso, possa-se
falar em reconhecimento jurídico do pedido. 105 Controle Concentrado de Constitucionalidade. Coment ários à Lei 9.868, de 10-11-1999 , 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 272.
93
Marcante na tutela de controle
de constitucionalidade o instituto fundamental do
processo, que, em consequência, da forma que a
Constituição Federal delineia a atuação daqueles qu e
se inserem na relação processual instaurada, revela
a opção por determinado modelo, o do contraditório.
O processo na tutela de
constitucionalidade se caracteriza como relação
processual, em que os sujeitos e terceiros exercem
situações jurídicas passivas e ativas ao longo do
procedimento.
E com abertura normativa à
participação processual tem-se evidenciado um model o
de processo marcado pelo contraditório.
A existência do contraditório
mitiga a visão de a tutela constitucional se
caracterizar como processo objetivo 106 .
Não se discute que ela visa à
regularidade da constituição, mas a adoção de um
modelo marcado pelo contraditório 107 , em que se
106 André Ramos Tavares, diz visar o processo à regula ridade constitucional, e não à conflito subjetivo, daí a d enominação objetivo, diferençado do processo subjetivo, em que existem c onflito de interesses e situação concreta a tutelar, Curso de Direito Constitucional , pp. 228-229. 107 Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi aceitam a existê ncia do contraditório no processo de tutela constitucional, mas não como indispensável ou derivada de imposição constitucion al, referindo-se a ele (contraditório) como desejável para conferir dialét ica ao processo e a viabilizar decisões mais bem fundamentadas. Curso de Processo Constitucional, Controle de Constitucionalidade e r emédios constitucionais , São Paulo, Editora Atlas, 2011, p. 128.
94
discute interesse difuso, confere-lhe limites e
condicionantes processuais.
E fluindo a tutela em pauta da
Constituição Federal mais do que seguro dizer estar
conformada ao devido processo legal, que garante o
direito ao processo justo, marcado pelo ativismo
colaborativo do órgão de controle de
constitucionalidade, exercício do contraditório,
decidido pelo juízo natural, cujos pronunciamentos
sejam motivados e confiáveis, em procedimento
público, com duração razoável, apto à produção da
coisa julgada.
As categorias processuais,
assim, estabelecem lindes à justiça
constitucional 108 .
Esses lindes, no entanto,
poderiam ser melhor identificados houvesse uma
legislação específica a respeito 109 , fugindo ao
casuísmo judicial apegado, por vezes, à mentalidade
do Código de Processo Civil de 1973, o qual,
108 Nesse sentido, Cássio Scarpinella Bueno, criticand o a visão exagerada que se dá ao processo objetivo: “É preferível enten der que os conceitos e os institutos do direito processual civil merecem s er devidamente contextualizados para guiarem adequadamente as disc ussões relativas ‘ações diretas de inconstitucionalidade’. Negar que existam partes, interesses, coisa julgada e tantas outras realidade s inerentes a qualquer tema afeito ao direito processual civil é, com o de vido respeito, pretender criar uma aura que nada contribui para a correta compreensão e consequente funcionamento da ‘ação direta de incons titucionalidade. Op. cit., p. 273. 109 É o que defendem Domingo Garcia Belaunde e André R amos Tavares. Por que um Código Processual Constitucional ? R. bras. Est. Const. RBEC, R. bras. Est. Const. RBEC, ano 4, n. 16, pp. 17-33, o ut/dez 2010.
95
inobstante série de reformas, traduz o vetusto
legicentrismo em que se adequam somente direitos
individuais.
6. Notas conclusivas
Neste tópico estão consignadas
as notas conclusivas a respeito da justiça
constitucional limitada nas categorias processuais.
1ª) Justiça Constitucional é derivada do Estado
Moderno, constitucional e democrático, garantindo
sua manutenção ao definir impositivamente a
atributividade normativa da Constituição.
2ª) É exercida, no sistema de freios e contrapesos
por órgão intra-estatal, normalmente o Poder
Judiciário.
3ª) Pode ser analisada sob a vertente
organizacional, respeitante ao órgão jurisdicional
com investidura, para tanto, ou sob a vertente da
morfologia processual, ocupada com os aspectos
adequados ao modelo à tutela constitucional.
96
4ª) A tese se debruça sob o aspecto morfológico
processual visando ao estabelecimento de lindes nos
institutos fundamentais do processo à justiça
constitucional.
5ª) Para tal empreitada necessário historiar a
ciência processual civil influenciada pelo
legicentrismo revelado pelas codificações de direit o
privado, ao depois laborada nas ocupações sócio e
econômicas que marcaram as constituições lavradas n o
primeiro quarto do século XX.
6ª) Esse historicismo e labor permitem a compreensã o
atualizada do quarteto de institutos fundamentais d e
direito processual civil, jurisdição, ação, defesa e
processo, gizados pelo devido processo legal,
nutrido pelo princípio da proporcionalidade.
6ª) A jurisdição, decorrente da soberania estatal,
dá-se quando surgem crises jurídicas.
7ª) O direito de ação necessita do preenchimento de
condições a fim de que, de forma hígida, julgue-se o
mérito do processo.
8ª) Com o abandono da visão do processo do autor , a
defesa revelou-se parelha com o direito de ação.
97
9ª) Processo é método de atuação da jurisdição e
revela-se como relação jurídica, em que reclama o
preenchimento de pressupostos, procedimento e
contraditório.
10ª) A tutela constitucional se pauta nos sistemas,
critérios e modos de controle estabelecidos pelo
direito constitucional, dos quais emerge a referent e
ao controle abstrato de constitucionalidade, ao qua l
a tese oferece lindes nas categorias processuais.
11ª) A tutela jurisdicional de controle de
constitucionalidade visa ao ajuste de situações
jurídicas, atos administrativos e normas
legislativas à Constituição, resolvendo crise de
certeza jurídica por aqueles provocada.
12ª) A utilização das categorias processuais para a
resolução das crises de certeza tiradas do
aviltamento das normas constitucionais tem sido
relegada pela existência de desencontros com o
direito constitucional, a gênese de cada uma das
ciências, essa (constitucional) da adoção da
Constituição como vértice do sistema jurídico,
aquela (ciência processual), de início, por uma
concepção legicêntrica e privatista do direito.
98
13ª) É desencontro que não se justifica tendo em
vista a linha evolutiva da instrumentalidade do
processo, e a assunção da Constituição a vértice do
sistema jurídico, gizado o direito processo civil
pelo princípio do devido processo legal.
14ª) Outro ponto de desencontro é a análise do
processo pela crise do inadimplemento e pela relaçã o
jurídica, descabida, tendo em vista referida crise
não ser a única a ser debelada, e pelo
reconhecimento de direitos que transcendem os
individuais.
15ª) Nem o desencontro pode derivar do órgão de
jurisdicional de sobreposição que cumpre, com
primazia, curar a Constituição, tendo em vista que
aqueles de graus ordinários também exercem tal
tutela de forma difusa e por via de exceção.
16ª) A tutela constitucional revela interesse
difuso, respeitante a toda sociedade, politicamente
organizada, de manutenção do instrumento normativo
central e máximo que a mantém e possibilita
convivência social ordenada.
99
17ª) A tutela constitucional se enquadra
cientificamente nas categorias processuais, em que
encontra lindes seguros, a certificar-lhe a
qualidade de processo justo.
17ª) É exercida pelo Poder Judiciário, através de
seu método de atuação: o processo.
18ª) Nela se constata o exercício do direito de
ação, provocando a demanda, condicionada, a atuação
do Poder Judiciário.
19ª) A legitimação para a causa deflui diretamente
da Constituição, cujo rol revela que cada pessoa ou
órgão legitimado deve guardar com a demanda
pertinência temática, aderência a suas finalidades
ou nexos com seus misteres.
20ª) O interesse processual, na forma necessidade,
deriva da existência de ato administrativo ou norma
que avilte a Constituição, e na forma de adequação,
afigurando-se o tipo de tutela manejada pertinente
para resolver a crise de certeza.
21ª) A existência de controle abstrato revela a
possibilidade jurídica do pedido.
100
22ª) A ação em que se demanda a tutela
constitucional também tem partes, embora o réu com
exercício peculiar da defesa, causa de pedir, com a
possibilidade deferida ao STF de acolhê-la sob
fundamento diverso do contido na petição inicial, e
pedido, que visa à tutela declaratória e à
extirpação do sistema jurídico do ato administrativ o
ou norma legislativa que afronte a Constituição.
22ª) A defesa é exercida na tutela constitucional d e
forma peculiar, podendo o advogado-geral-da-união s e
manifestar favoravelmente pela inconstitucionalidad e
do ato administrativo ou da norma legislativa.
23ª) No processo, podem ser chamadas as autoridades
ou órgãos dos quais se emanou o ato impugnado a fim
de defende-lo, e haver a participação do amicus
curiae , que intervém no processo na defesa de
interesse institucional ou posição de vantagem.
24ª) A participação necessária ou facultativa de
pessoas e entes no processo de tutela constituciona l
gera situações jurídicas ativas e passivas aos
participantes.
25ª) É processo marcado por procedimento em
contraditório, e gizado pelo devido processo legal.
101
26ª) A fim de evitar que sua direção se dê conforme
o casuísmo judicial, seria interessante a criação d e
um código processual constitucional.
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