pensando são paulo: universidades e institutos

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ESPECIAL - PENSANDO SAO PAULO Universidades e Institutos Reitores e diretores mostram como suas instituições se preparam para os desafios do século 21 A niversidades e os institutos de squisa estão conscientes de que seu papel é muito impor- tante para que São Paulo e o Brasil superem seus proble- mas e consigam, no século 21, sociedades mais justas. Esta é a conclusão geral de uma série de palestras nas quais reitores de universidades e diretores de institutos apresentaram suas visões para o futuro, em mais uma fase do Fórum São Paulo Século 21, promovido pela Assembléia Legis- lativa do Estado. Resumos dessas conferências aparecem neste encarte da revista Pesquisa FAPESP. Durante dois dias no mês de março, reitores e direto- res apresentaram suas idéias, seus problemas e, também, suas vitórias. Cláudio Rodrigues, do Ipen, por exemplo, mostrou dados que indicam o sucesso da incubadora de empresas montada no câmpus da USP; Hermano Tava- res, da Unicamp, contou como o país montou o melhor PESQUISA FAPESP sistema de pós-graduação do Terceiro Mun- do, e Alberto Duque Portugal, da Embrapa, lembrou que o Brasil, hoje, é o maior deten- tor de tecnologia agropecuária tropical e subtropical do mundo. Os problemas, porém, não foram es- condidos. "O Instituto acumula dívidas no mercado': lembrou Plínio Assmann, do IPT. Sidney Storch Dutra, da Universidade de Santo Amaro, comparou o Brasil a uma saci, que p).lla com uma perna só, produzindo conhecimentos científicos, mas pou- cas patentes. "As tecnologias de que o mundo tropical pre- cisa não chegam pela Internet nem por satélite", destacou o presidente da Associação dos Pesquisadores Científi- cos, Nelson Raimundo Braga. O presente encarte inclui um texto especialmente prepa- rado pelo deputado Carlos Zarattini, coordenador do gru- po de Ciência, Tecnologia e Comunicações do Fórum. Nele, ele expõe suas idéias sobre a situação dessa área no estado.

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Pesquisa FAPESP - Especial. Ed. 56

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Page 1: Pensando São Paulo: Universidades e Institutos

ESPECIAL

-PENSANDO SAO PAULO Universidades e Institutos

Reitores e diretores mostram como suas instituições se preparam para os desafios do século 21

Aniversidades e os institutos de squisa estão conscientes de

que seu papel é muito impor­tante para que São Paulo e o Brasil superem seus proble­

mas e consigam, no século 21, sociedades mais justas. Esta é a conclusão geral de uma série de palestras nas quais reitores de universidades e diretores de institutos apresentaram suas visões para o futuro, em mais uma fase do Fórum São Paulo Século 21, promovido pela Assembléia Legis­lativa do Estado. Resumos dessas conferências aparecem neste encarte da revista Pesquisa FAPESP.

Durante dois dias no mês de março, reitores e direto­res apresentaram suas idéias, seus problemas e, também, suas vitórias. Cláudio Rodrigues, do Ipen, por exemplo, mostrou dados que indicam o sucesso da incubadora de empresas montada no câmpus da USP; Hermano Tava­res, da Unicamp, contou como o país montou o melhor

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sistema de pós-graduação do Terceiro Mun­do, e Alberto Duque Portugal, da Embrapa, lembrou que o Brasil, hoje, é o maior deten­tor de tecnologia agropecuária tropical e subtropical do mundo.

Os problemas, porém, não foram es­condidos. "O Instituto acumula dívidas no mercado': lembrou Plínio Assmann, do

IPT. Sidney Storch Dutra, da Universidade de Santo Amaro, comparou o Brasil a uma saci, que p).lla com uma perna só, produzindo conhecimentos científicos, mas pou­cas patentes. "As tecnologias de que o mundo tropical pre­cisa não chegam pela Internet nem por satélite", destacou o presidente da Associação dos Pesquisadores Científi­cos, Nelson Raimundo Braga.

O presente encarte inclui um texto especialmente prepa­rado pelo deputado Carlos Zarattini, coordenador do gru­po de Ciência, Tecnologia e Comunicações do Fórum. Nele, ele expõe suas idéias sobre a situação dessa área no estado.

Page 2: Pensando São Paulo: Universidades e Institutos

Transfortnar o conhecitnento etn políticas públicas

O deputado estadual Carlos Zarattini é o coordenador das áreas de Ciência, Tecnologia

e Comunicação do Fórum São Paulo Século 21, organizado pela Assembléia Legislativa do Estado. Preparou cuidadosamente

;::::::====::::;:;::;~=::::~- z O Fórum São Paulo Século 21 foi cria-

os trabalhos do grupo encarregado dessas áreas. Um conselho formado por 20 pessoas, incluindo representantes das universidades e dos institutos de pesquisa de São Paulo, de cientistas e de empresas, discutiu profundamente como tematizar a questão, antes do próprio início dos debates. "Os resultados foram muito bons", afirma. Zarattini não chegou a fazer uma exposição durante os debates. O texto destas páginas, resumindo suas idéias sobre a situação da ciência e tecnologia no Estado, foi produzido especialmente para a revista Pesquisa FAPESP. Defensor dos investimentos em pesquisa científica e tecnológica, acha importante a sociedade entender que essas aplicações são decisivas para o futuro. "Muitas vezes, não se obtêm resultados em um ano ou dois", explica, "mas, dado o passo, certamente eles vão aparecer". Formado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e técnico em transporte público da Companhia do Metropolitano de São Paulo, Zarattini elegeu-se deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em 1998. Antes, foi suplente de vereador na Capital, entre 1992 e 1996, e participou das políticas estudantil e sindical, ocupando, inclusive, o cargo de secretário-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

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" ~ ~ do, em 1999, com o objetivo principal de 0 estabelecer um diálogo entre a Assembléia " Legislativa do Estado de São Paulo e os di-

versos setores da sociedade. A partir desse encontro, o Legislativo quer discutir um projeto capaz de fazer com que São Paulo se mantenha no rumo do desenvolvimen­to e esteja à sua frente, aumentando a qualidade de vida da população do estado e melhorando as condições de produção.

O fórum e esta reflexão só estarão ter­minados no fim deste ano. Mas o que se con­seguiu até agora já é muito importante. Surgiram novas propostas. Foram dados subsídios para que tanto o Executivo co­mo o Legislativo apresentem novos proje-

Carlos Zarattini tos. No caso específico da Comissão de Ciência e Tecnologia, a Assembléia tem

agora um conhecimento muito melhor do que representa e como se constitui esse sistema no estado. Principalmen­te, são visualizadas de maneira mais ampla as perspectivas de que esse sistema leve a indústria, a agricultura, os ser­viços de São Paulo a se desenvolverem mais e aumenta­rem o bem-estar de seus habitantes.

Muitos problemas ainda têm que ser enfrentados. En­tre eles, os problemas financeiros das universidades pú-blicas do estStdo, que não estão ainda resolvidos, nem equacionados. As universidades não conseguem mais re­ter seus professores. Eles saem, em muitos casos aposen­tados, para ganhar mais em outros lugares. O número de profissionais que deixa as universidades públicas atingiu dimensões muito grandes. Não é só isso. Há a questão do grande volume de aposentadorias, que pesa de forma sig­nificativa nos orçamentos das universidades.

Há o problema dos hospitais universitários, que aten­dem a população e não são devidamente ressarcidos pelo SUS. São assuntos para os quais é necessário apresentar soluções. Precisam ser resolvidos para que as universida­des públicas paulistas não sofram do mesmo mal que acomete as universidades federais. Nelas, qualquer coisa se torna difícil, pois nenhum tipo de recurso está garan­tido. Elas dependem, para funcionar, de verbas e da exe­cução orçamentária do Ministério da Fazenda. Não se pode deixar que as três universidades públicas paulistas tenham o mesmo problema.

Quanto aos institutos, eles claramente precisam de maiores investimentos. Os institutos poderiam ser bem

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melhor aproveitados do que ocorre hoje. Alguns estão em situação bastante difícil. Outros estão um pouco melhor. Mas todos enfrentam o problema de que é preciso me­lhorar a remuneração de sua mão-de-obra. Ao lado dis­so, existe a questão de situar qual é o papel dos institutos. O governo não definiu isso claramente. É preciso deter­minar como eles serão interligados com a produção, com setores do desenvolvimento e da economia.

As universidades públicas devem também ser racio­nalizadas e democratizadas. Da maneira como é monta­do, o sistema universitário público de São Paulo sofre da falta de uma dinâmica muitas vezes necessária. E não se pode esquecer

PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTO S

também, por meio de incentivos fiscais e de crédito. Uma empresa que realiza um investimento para desenvolver um novo produto não pode pagar a mesma taxa de juros e o mesmo nível de impostos de quem não faz nada e sim­plesmente compra uma patente estrangeira.

Muitas vezes se avalia que uma nova tecnologia, ao ser incorporada a um sistema de produção, leva ao desempre­go. Esse debate vem sendo mal colocado. É verdade que novas tecnologias, muitas vezes, levam ao desemprego numa área específica. Mas, se o Brasil desenvolver inteira­mente novas tecnologias, estará gerando mais e melhores

empregos. Hoje, até projetas de edifícios são feitos fora do país. O

as universidades particulares. Elas vêm tendo um crescimento explo­sivo. Está na hora de exigir que elas também façam investimentos em pesquisa científica. Essa deve ser uma cobrança da sociedade. É preciso criar condições para que a expansão dessas universidades leve a uma qualidade comparável à das universidades públicas.

''o Brasil, hoje, não tem

autonomia do ponto de vista

que o Brasil compra de projetas e patentes no exterior é gerador de de­semprego na sua população. Qual a solução? É ter dentro do país um sistema de pesquisa e desenvolvi­mento capaz de criar novos tipos de emprego, de maior qualificação.

Não se trata de um problema de tecnologia versus emprego. A ques­tão é de como o Brasil se inseriu na chamada globalização e no sis-Apesar de todas essas dificulda­

des, São Paulo tem o sistema de

da tecnologia''

ciência e tecnologia mais avança-do do país. Mas não tem ainda algo necessário para dar o grande salto. Trata-se da participação da empresa privada na pesquisa científica e, principalmente, no desenvolvi­mento tecnológico. Essa é a grande questão que ainda está por ser resolvida. Ainda não está claro de que forma esse salto vai ocorrer.

Particularmente, creio que o governo estadual pode ter um papel decisivo nesse assunto. Ele pode determinar quais são suas prioridades e, por meio de suas empresas e de iniciativas governamentais, incentivar as empresas privadas a desenvolver pesquisas sobre questões básicas para a qua­lidade de vida da população. Em outros países, especial­mente nos Estados Unidos, existem políticas nesse sentido. As Forças Armadas dos Estados Unidos e a NASA estimu­lam empresas privadas a resolver questões relacionadas com a defesa e o programa espacial. Uma boa parte do de­senvolvimento científico norte-americano saiu dessa base.

Os problemas de São Paulo são outros. Mas pesquisas sobre algumas questões fundamentais para a população paulista poderiam ser incentivadas dessa forma. Há o exemplo do lixo, do saneamento básico. São Paulo tem problemas gravíssimos nessa área, especialmente nas re­giões metropolitanas da capital, de Santos e de Campinas. As condições são dramáticas. Novas técnicas são necessá­rias. As que existem hoje não resolvem mais os problemas.

O governo estadual poderia agir, por exemplo, garan­tindo a compra, por intermédio de suas empresas, de um produto após seu desenvolvimento. Poderia trabalhar,

PESQUISA FAPESP

tema produtivo mundial. Até agora, o país se inseriu de maneira su­

bordinada. O Brasil está mais a reboque do que na dian­teira. Aliás, bem a reboque.

Um grande desafio é o que universidades e institutos po­dem fazer para diminuir a desigualdade social. O número de pesquisas é bastante grande. Mas o retorno em termos de democracia social tem sido pequeno. A desigualdade social no Brasil não está diminuindo. Pelo contrário, está aumentando. ·um dos objetivos da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico deve ser evitar que isso ocorra. O país, hoje, não tem autonomia do ponto de vis­ta tecnológico. Não consegue crescer e ao mesmo tempo diminuir as desigualdades de renda de sua população. É preciso inverter isso. A solução não está somente no de­senvolvimento científico e tecnológico. Mas passa por ele.

Evidentemente, tudo o que se fala e discute no fórum se transforma numa discussão política. Com certeza, o que se discute no fórum chegará à sociedade por meio do debate político. É necessário aproveitar o conhecimento acadêmico e transformá-lo em políticas públicas.

Não é possível conceber qualquer tipo de crescimento, no Brasil ou em qualquer outro lugar, sem grandes investi­mentos em ciência e tecnologia. No Brasil, esse investimen­to ainda é muito pequeno. Não existe ainda uma consciên­cia de como é necessária a autonomia nesse campo. O país tem um número enorme de necessidades, de problemas. O patrimônio intelectual brasileiro tem condições de resolvê­los. Mas é preciso organizar o sistema de ciência e tecno­logia. Sem investir nessa área, será muito difícil avançar.

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O prin1eiro lugar do sisten1a cabe à educação

O professor Jacques Marcovitch é reitor da Universidade de São Paulo (USP) desde

novembro de 1997. Antes, entre 1994 e 199 7, foi pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária. Com 35 unidades espalhadas pelo Estado e um posto avançado em Marabá, na Amazônia Paraense, a USP é uma das maiores universidades do Hemisfério Sul. Foi criada na década de 30. Mas algumas de suas unidades são bem mais antigas. A F acuidade

~ Penso que este evento começa num ~ ambiente de realização da comunidade 3 científica. O projeto Genoma Xylella, am­" piamente divulgado, mostrou a vitalidade

e a capacidade de articulação dessa comu­nidade, para obter resultados reconhe­cidos internacionalmente. Sem dúvida, sempre haverá preconceitos, por parte de alguns. Mas acho que temos a capacidade de conseguir resultados que se destacam em escala internacional.

de Direito, por exemplo, é de 1827. Jacques Marcovitch

Não se pode subestimar o momento histórico pelo qual passa a humanidade. O ser humano passou da comunicação pelo gesto para a comunicação pela fala e começou a se comunicar pela palavra es­crita há apenas 7 mil anos. Só SOO anos atrás teve origem a comunicação impres­sa. Foi há poucos anos que se iniciou o A Escola Politécnica, de 1893.

Marcovitch formou-se em Administração em 1968, na própria USP. Em 1972, obteve o mestrado na Graduate School of Management da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos. O doutorado, em Administração, foi conseguido na USP, com uma tese sobre Eficácia Organizacional. Marcovitch fez o pós-doutoramento em 1978, no lnternational Management lnstitute, de Genebra, na Suíça. Sua experiência inclui a diretoria da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), de 1983 a 1986, e a do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, entre 1988 e 1993. Entre 1987 e 1995, foi coordenador do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da USP. Suas atividades de ensino e pesquisa estão concentradas nas áreas de Gestão da Inovação, Gestão da Cooperação Internacional, Gestão Tecnológica e Estratégia Empresarial. Como professor, além de lecionar nos cursos de graduação e pós-graduação de Administração, participa de programas de especialização e em cursos de desenvolvimento gerencial.

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uso da digitalização como forma de armazenar, acessar e comunicar informações.

Cada uma dessas migrações trouxe grandes mudanças. A migração do escrito para o impresso levou a humani­dade a duas grandes revoluções, uma científica, por volta de 1600, e uma tecnológica, por volta de 1800. Pode-se dizer que a era digital, na qual a humanidade está entran­do, antecipa duas grandes revoluções, semelhantes às an­teriores mas ·ainda mais intensas, porque muito provavel­mente ocorrerão simultaneamente.

Medindo as tendências, observamos que nos últimos 100 anos, o Brasil e o Estado de São Paulo se destacaram mundialmente com relação à sua evolução demográfica. A população mundial, nesse período, aumentou de 1,6 bilhão para 6 bilhões de habitantes. Portanto, cresceu em torno de 3,5 vezes. Já o Brasil, que passou de 17 mi­lhões para 170 milhões de habitantes, aumentou dez vezes em termos demográficos. Esse aumento, sem qual­quer discussão, provoca dores de crescimento, seme­lhantes às de um jovem adolescente que cresce de ma­neira muito rápida.

Assim, as dificuldades do Brasil não são as de uma estrutura que sofre as dores terminais. Pelo contrário, são dores de crescimento. São elas as que devemos equa­cionar e enfrentar. Esse crescimento, único em escala mundial, ocorreu de maneira simultânea com um pro­cesso de urbanização que também se deu no menor pra­zo conhecido em todo o mundo. Em apenas 30 anos, passamos de uma relação de 75% para 25%, na compa-

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ração entre as populações rural e urbana, para exata­mente o inverso.

Mas, se os brasileiros nunca foram tantos e nunca es­tiveram tão próximos, nunca estiveram tão distantes, na distribuição da renda e na dualidade socioeconômica. A distância entre os níveis socioeconômicos está crescendo, cobrando os preços de violência e de criminalidade dos quais todos são testemunhas.

As rupturas tecnológicas fazem parte dessas tendên­cias. Mas, felizmente, no Brasil, e este fórum é um exem­plo disso, estrutura-se uma consciência na qual as gera­ções presentes preocupam-se com as gerações ainda não nascidas. A

PE NS A N DO SÃ O PAULO: U N IVER S IDADE S E IN STIT UTO S

O primário é o local básico que deve desmistificar, desde os primeiros dias de aula, os meios de comunica­ção que acabam por desenvolver um falso imaginário na mente das crianças, quer seja a televisão, quer seja o espa­ço virtual. O secundário deve familiarizar o jovem com a linguagem que o acompanhará ao longo da vida. O cur­so superior deve ser entendido como a primeira etapa da educação continuada, que acompanhará o ser humano ao longo de toda a sua vida.

O segundo componente desse sistema de inovação é o sistema de pesquisa, que inclui universidades, institu­

tos, laboratórios de pesquisa e de­senvolvimento das empresas e as

idéia de um fórum que olha para os próximos 25 anos, mas estende seu horizonte até o final do sé­culo, constitui um exemplo dessa preocupação.

A universidade, que recebe hoje jovens de 18 anos, que devem viver até 2070, sabe como é im­portante esta visão voltada para o futuro. Pois também há notícias positivas. A esperança de vida au­mentou, a qualidade de vida me-

''Queremos uma economia de mercado,

nao uma sociedade

de mercado''

agências de financiamento. O ter­ceiro é o subsistema empresarial, de produção e prestação de servi­ços, constituído de dirigentes, ca­pitalistas, acionistas, sindicalistas, organizações não-governamentais e associações de pequenas e mé­dias empresas. Finalmente, existem os sistemas articulador e regula­dor, que são de responsabilidade do Estado.

lhorou, a interdependência entre os atores sociais se ampliou. Mas, infelizmente, uma eco­nomia criminosa está crescendo. Um fundamentalismo de tipo religioso se instala pelo mundo, com a erosão do papel do Estado, quando, na nossa sociedade, por ser fragmentada, o Estado precisa consolidar-se.

Quais são os impasses? A tecnologia está avançando mais que as habilidades humanas. O desenvolvimento sustentado precisa de uma visão a-médio e longo pra­zo. A instabilidade monetária de um lado e uma estru­tura partidária que acaba privilegiando o curto prazo de outro tornam difícil qualquer equacionamento de um desenvolvimento sustentado. A competição, que é natural na economia de mercado, não é natural numa sociedade. Queremos uma economia de mercado, mas não uma sociedade de mercado. Não se pode substi­tuir o ser pelo ter.

Por outro lado, do ponto de vista da comunicação, o Brasil sai de uma era na qual a informação era a comuni­cação libertada. Quem viveu o período da ditadura no Brasil sabe como a comunicação libertava. Mas hoje, como disse Ignacio Ramonet, editor de Le Monde Diplo­matique, entramos numa era de tirania da comunicação. A comunicação, pelo excesso e pela falta de filtros quali­tativos, está inibindo o poder criativo de adultos e jovens. Isso nos leva a entender a ciência e a tecnologia como in­tegrantes de um sistema de inovação mais amplo, consti­tuído em primeiro lugar pelo sistema educacional, do primário até a educação continuada.

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Esses quatro componentes as-seguram o surgimento do novo.

Portanto, quando se fala em mais investimentos na área da ciência e tecnologia, isso significa mais recursos hu­manos e financeiros para todo o sistema de inovação, aquele que abre o novo para enfrentar novos desafios. Não quer dizer mais dinheiro para um ou outro compo­nente, mas sim recursos para que esses quatro compo­nentes possam assegurar uma relação mais harmoniosa, voltada para ó futuro.

Mas o que resta a ser feito? Lembremos o Projeto Ge­noma. Ele envolveu 196 cientistas, dos quais 172 eram de universidades públicas em geral e 144 eram das universi­dades públicas do Estado de São Paulo. Desses, 76 eram de minha universidade, a USP. Eles contribuíram para que o Brasil desse esse salto para o futuro.

As universidades públicas ajudaram a formar novas gerações e colaboraram para o avanço do conhecimento. Na USP, a universidade que melhor conheço, isso não ocorreu apenas na capital. Aconteceu na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba; aconteceu na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; ocorreu em Bauru, em São Carlos, em cada canto do estado onde as universidades estão instaladas.

As universidades públicas contribuíram também com suas atividades de extensão. Desde 1911, os alunos da Fa­culdade de Direito, do Centro XI de Agosto, prestam as­sistência jurídica gratuita aos excluídos. Outros exemplos importantes são a Estação Ciência e o Projeto Avizinhar, que aproxima as universidades das comunidades de ex-

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P ENSAN DO SÃO PA U LO: UN IVER SIDADE S E I NSTITUTO S

cluídos em sua volta. As universidades também ajudaram a preservar e consolidar uma identidade nacional. O Mu­seu Paulista, cujo patrimônio a Universidade de São Pau­lo tem o privilégio de zelar, é um exemplo de como os historiadores e os museólogos estão dedicados à preser­vação da identidade nacional.

Finalmente, não menos importante, a USP se debru­çou sobre os temas das políticas públicas, saúde, educa­ção, meio ambiente, violência, emprego. Colocou fora da universidade o que cada um de seus 4. 700 professo­res e 25 mil alunos de pós-graduação fizeram sobre es­ses temas. Mas isso não chega. É preciso fazer mais, é preciso aju-

conformismo e a incerteza que conduzem o jovem a per­ceber, no conhecimento incompleto, a forma de lidar com o desconhecido.

Um jovem que está hoje nos bancos da universidade e deverá enfrentar os desafios de 2030 e 2040, longe de re­ceber um quadro profissionalizante acabado, precisa de­senvolver em si mesmo a capacidade de lidar com o in­certo, por meio do inconformismo. Isso se aplica desde a pesquisa nas áreas exatas e biomédicas até a que ocorre nos setores mais aplicados da engenharia.

É preciso fazer mais na formação de recursos huma­nos. Isso significa uma graduação que deve ser ampliada, mas sem­

dar a abrir um espaço de reflexão estrutural, baseado na prospecti­va. Nas palavras de Antônio Cân­dido, as universidades fizeram muito, mas ainda não fizeram o suficiente.

As Humanidades têm o papel determinante de construir essas visões do futuro, centradas no ser humano, como epicentro da socie­dade moderna. Não se trata mais de ciência e tecnologia no sentido

''o jovem prec1sa

desenvolver a capacidade

de lidar com o incerto''

pre tendo uma referência qualita­tiva favorável à estruturação dos projetos de vida dos jovens; uma pós-graduação que forme não só pesquisadores, mas prepare os quadros docentes necessários à expansão do ensino superior, pú­blico e privado; e uma educação continuada formada de maneira a dar a todos um espaço acessível, no qual possam atualizar-se cons-

restrito. Mas de filósofos, antropó-logos, psicólogos, sociólogos que se debruçam para en­tender como o ser humano se insere numa sociedade onde o material e o tecnológico passaram a constituir o centro das atenções.

As Letras têm a missão de transformar visões e lingua­gens, de forma que sejam capazes de arquitetar novas mentalidades que possam conciliar valores humanos e o sistema econômico e político. Esses valores devem pro­mover a cultura do respeito humano, apesar das dife­renças. Devem ser valores de solidariedade e de universa­lismo, buscando um sistema econômico que induza a eficácia e a complementaridade nas cadeias setoriais, as­segurando a competição de mercado, mas sem nunca ini­bir a cooperação entre os agentes econômicos.

Deve buscar-se também um sistema político que asse­gure o pluralismo de idéias, mas com o imprescindível consenso duradouro, que permita a implantação de pro­jetas ousados de políticas públicas. Já houve, no passado, clássicos da literatura que influiram no imaginário da ju­ventude. Cada um desses clássicos tem seu papel. Como leitura obrigatória nas escolas, eles mostram muito bem como as letras dão sua contribuição para a arquitetura das mentalidades.

É preciso também fazer mais no avanço do conheci­mento, e isso quer dizer a pesquisa. Ela deve constituir a base do inconformismo com o qual se lida com as incer­tezas. Não se pode imaginar a pesquisa isolada do ensino. O pesquisador que ensina leva para a sala de aula o in-

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tantemente. Quanto à Assembléia Legisla­

tiva, que vem dando toda a consideração às universida­des públicas, peço que continue a entender o ciclo lon­go das instituições universitárias e sua necessidade de previsibilidade de recursos e de autonomia, com rigoro­sa avaliação. As universidades públicas querem ser co­bradas, mas é preciso entender que seus ciclos de tempo são diferentes. Teses podem levar dez ou 15 anos para serem conclÚídas. Um ciclo de formação, em algumas áreas, leva mais de dez anos.

As universidades precisam de previsibilidade e auto­nomia. Uma forma de sedimentar a previsibilidade seria constitucionalizar a quota parte das universidades. Hoje, nos recursos das universidades, estão embutidas, por exemplo, despesas com hospitais e com a previdência. A sociedade tem uma falsa percepção dos investimentos que estão sendo realizados.

É necessário também cada vez mais promover estu­dos estratégicos, usando as metodologias disponíveis. Por exemplo, olhar para o século 21 e ter dados razoa­velmente sólidos sobre demografia, urbanização, duali­dade socioeconômica e tecnologia, para que a sociedade possa ser mais responsável com relação ao futuro.

As universidades públicas do Estado de São Paulo es­tão prontas para empreender esse trabalho, visando à alimentação das decisões a serem tomadas sobre as po­líticas públicas. Este espaço, aberto na Assembléia Le­gislativa, destinado a articular os atores sociais para pensar sobre o futuro, deve ser multiplicado.

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Page 7: Pensando São Paulo: Universidades e Institutos

Pesquisa brasileira precisa de u111 novo perfil

O professor Hermano de Medeiros Ferreira Tavares, reitor da Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp), já completou 25 anos de trabalho na universidade. É professor titular da F acuidade de Engenharia Elétrica e de Computação. Com cerca de 90 trabalhos científicos publicados, suas principais áreas de atuação estão nos campos

~ Mais do que nunca, São Paulo preci­~ sa de iniciativas como este fórum. OBra­il sil atravessa uma década que não pode " ser considerada perdida. Nos últimos

dez anos, o país evoluiu e trilhou cami­nhos, embora sem qualquer planeja­mento. O professor Jacques Marcovitch, reitor da Universidade de São Paulo, re­feriu-se à possibilidade de que este fó­rum pense os próximos 25 anos, talvez o próximo século. Vou restringir-me a pen­sar os próximos dez anos.

Se este fórum fizer o trabalho de pen­sar os próximos dez anos do Estado de São Paulo, particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e seu relacionamento com a ciência e a tec-

da pesquisa operacional/problemas combinatoriais, inteligência artificial, planejamento de sistemas telefônicos e análise de sistemas Hermano de M. Ferreira Tavares nologia, fará não somente um trabalho econômicos. Tavares é engenheiro eletrônico, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos, em 1964. Em 1966 e 1968, fez mestrado e doutorado na Universidade de Toulouse, na França. Antes de ir para a Unicamp, lecionou nas universidades federais da Paraíba e de Pernambuco, no ITA e na Escola de Engenharia da USP em São Carlos. Apesar de relativamente nova, pois começou a funcionar em outubro de 1966, a Unicamp é uma das mais importantes universidades brasileiras. De seus institutos sai 15% da produção científica do país. Eles abrigam, ainda, 10% dos estudantes de pós-graduação. Com 2 mil professores, a Unicamp tem cerca de 10.500 alunos de graduação e 1 O mil de pós-graduação.

PESQUISA FAPESP

útil para toda a população. Será uma tare­fa particularmente preponderante e indispensável para o desenvolvimento das universidades públicas do Estado de São Paulo, as quais, ao cabo de dez anos de autonomia, enfrentam dificuldades claríssimas.

A revista inglesa The Economistpublicou recentemen­te dados sobre a evolução do Produto Nacional Bruto per capita da Europa Ocidental nos últimos 1.000 anos. Pela ausência de contas públicas rigorosas, esses dados, natu­ralmente, envolvem muitas suposições. Mas pode-se ver com clareza que do ano 1000 até por volta de 1700, a ren­da per capita do europeu manteve-se particularmente es­tável, oscilando por volta de US$ 700 anuais (em valores corrigidos para 1990).

Dentro do espaço de vida de um ser humano, que era de entre 40 e 50 anos, não havia, assim, qualquer evolução. De um ano para outro, o avanço econômico era quase que rigorosamente zero por cento. O avanço econômico era praticamente insignificante, resumin­do-se basicamente a cobrir o aumento da população, que também era bastante lento. O ser humano nascia e vivia sem qualquer perspectiva de crescimento e mu­dança nas suas condições econômicas e em sua quali-dade de vida.

Essa camisa de força, de dificuldade para a mudança econômica, foi rompida por volta de 1750, época em que se observa o início de um nítido avanço na renda per ca­pita dos europeus. O processo se acelerou notavelmente nos últimos 100 anos. Em 1900, a renda per capitada Eu­ropa Ocidental era de cerca de US$ 2 mil por ano. Hoje,

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PENSANDO SÃO PAULO: UN IVE RS ID A D ES E INST ITUTOS

a cifra ultrapassa os US$ 20 mil na maioria dos países países europeus.

O que aconteceu nessa época para causar tal mudan­ça? Houve o início do processo de incorporação da tec­nologia à produção de bens, processo esse que a partir desse ponto se intensificou. Esse foi um fenômeno inicial­mente europeu, mas que se irradiou para países como o Brasil, de cultura européia. Não é possível admitir, po­rém, sem qualquer possibilidade de erro, de que esse avanço seja algo inexorável.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, a cultura mais importante do mundo, em termos científicos e

tituto de Pesquisas Tecnológicas, muito importante, mais dirigido para a área produtiva, multissetorial.

As indústrias respondem, por sua vez, por uma parce­la mínima do desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Estado de São Paulo. Essa é uma das características bá­sicas do sistema brasileiro.

As universidades brasileiras tiveram um apareci­mento bastante tardio. Rigorosamente, pode-se dizer que a primeira universidade brasileira, na acepção ple­na do termo, foi a Universidade de São Paulo, criada em 1934, por meio de um movimento extremamente meri-

tório, facilitado pelo momento político vivido então pela Euro­

tecnológicos, era a chinesa. Mas essa cultura sofreu percalços e não avançou. Pelo contrário, a qualida­de de vida de seu povo piorou. Há outros exemplos que apontam nessa mesma direção. Um deles é o da cultura islâmica, que teve de­senvolvimentos notáveis até 1300, sobretudo na área da Matemática. Mas esses desenvolvimentos não tiveram seqüência.

''o modelo de universidade existente hoje talvez tenha

chegado

pa. Na década de 50, foram cria­das várias outras universidades no país, sobretudo federais. Fi­nalmente, na década de 70, ocor­reu uma importante reforma na universidade brasileira, que levou ao modelo de universidade exis­tente hoje e que, talvez, tenha che­gado ao seu esgotamento.

ao esgotamento'' Essa reforma universitária da década de 70 tinha como pilares básicos a organização em departa­mentos, com a derrubada das cá­

Portanto, não podemos pre­sumir que o crescimento como o verificado na Europa vá continuar para sempre. Esse crescimento é decorrente da incorporação da tecnolo­gia à produção. A tecnologia, por sua vez, é, com algum tempo de atraso, puxada pelo desenvolvimento das ciên­cias básicas.

O que garante a incorporação da tecnologia ao mun­do produtivo é, provavelmente, um conjunto de valores culturais, instituições políticas e instituições econômicas. Portanto, é da maior importância que estejam juntos, como aqui neste fórum, segmentos universitários, que imprimem os valores culturais de um povo, e segmentos políticos, como o representado por esta Assembléia Le­gislativa. Juntos, como está proposto na carta básica do Fórum Século 21, eles podem pensar o futuro do estado, fixar metas e determinar trilhas para serem seguidas pe­las autoridades.

A pesquisa científica no Brasil é feita, sobretudo, nas universidades públicas e nos centros de pesquisa do siste­ma do Ministério de Ciência e Tecnologia. Uma fração menor dessa atividade é encontrada nas empresas estatais e nos institutos de pesquisa estaduais. No Estado de São Paulo, em particular, existe um segmento bastante im­portante de institutos estaduais de pesquisa.

Existe, por exemplo, a rede de institutos de pesquisa da Secretaria da Saúde, representada pelo Instituto Bu­tantan e outros, igualmente notáveis. Há também a rede da Secretaria da Agricultura, representada pelo Instituto Agronômico de Campinas. Pode-se citar, também, o Ins-

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tedras, a adoção do regime de dedicação exclusiva e a im­plantação da pós-graduação. A criação da pós-graduação talvez seja o fato mais relevante da evolução da universi­dade brasileira nos últimos 30 anos.

Ela fixou a pesquisa e permitiu a criação de quadros renováveis, jovens que se dirigem cada vez mais para a universidade, dando ao Brasil uma posição ímpar no ce­nário mundiál. O país tem, talvez, o melhor sistema de pós-graduação do Terceiro Mundo. Desse modo, embo­ra tenha começado a montar suas universidades tardia­mente, o Brasil tem hoje as melhores universidades da América Latina.

Na década de 70, assim, com a reforma pela qual passaram na ocasião, as universidades brasileiras assu­miram papel de destaque. A principal característica des­se papel foi a integração entre a pesquisa científica e o ensino de pós-graduação. Entretanto, por ser um país que pratica uma ciência relativamente nova, o Brasil tende a praticar uma ciência reflexa dos países avança­dos. A pesquisa desenvolvida nas universidades brasi­leiras não é, necessariamente, aquela da qual o país pre­cisa. De certa maneira, ela segue a tendência acadêmica mundial, o que facilita, por exemplo, sua inclusão em grupos internacionais e a publicação de artigos em pe­riódicos de circulação mundial.

É preciso, neste momento, com o amadurecimento da pós-graduação no Brasil e a necessidade de um desenvol­vimento de um perfil competitivo no mercado mundial,

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Page 9: Pensando São Paulo: Universidades e Institutos

que a pós-graduação e a pesquisa brasileira procurem ca­minhos próprios. Faz-se necessário, sobretudo, que seja incorporada à nossa pesquisa, que é de boa qualidade, a indispensável preocupação com problemas de relevância social para o país. É necessário fazer pesquisa que tenha relevância social e cuja aplicáção possa ir ao encontro das necessidades de melhoria da qualidade de vida da popu­lação brasileira.

Oitenta por cento das atividades científicas brasileiras estão concentrados na Região Sudeste. É o que mostra o mapa. Boa parte desta concentração está em São Paulo, o estado mais rico e mais populoso. Nem por isso, aliás, a situação do

PENSANDO SÃO PAULO: U NIVERSIDADES E INSTITUTOS

próximos dez anos. Não será necessária nenhuma mági­ca. O objetivo não é extremamente difícil. A Argentina e o Chile têm proporções superiores à brasileira. Não dos 15% atuais, mas do dobro, dos 30%.

Tenho 60 anos. Estou às portas da aposentadoria. Passei a vida trabalhando no sistema universitário. Es­perei a vida inteira por uma oportunidade como a que existe no momento no estado. Temos, através deste Fó­rum São Paulo Século 21, a oportunidade de pensar, planejar e preparar o Brasil, e especialmente o Estado de São Paulo, para os próximos dez anos. E é mais que

óbvio: o desenvolvimento cientí­fico, a melhoria da qualidade de

estado é extremamente cômoda. Essa distorção geográfica decorre de um processo de desenvolvimen­to heterogêneo. Não poderá ser so­lucionado apenas com um esforço financeiro de promoção à pesqui­sa. É necessário um esforço mais profundo. Não se trata, simples­mente, de um problema de finan­ciamento da pesquisa.

''As universidades públicas

vida e o resgate da dívida social passam necessariamente pelo cres­cimento de uma ciência e uma tecnologia que possam ser aplica­das à melhoria das condições de vida do povo brasileiro.

de São Paulo formam a metade

dos doutores Existe a possibilidade de que

isso seja feito agora. As universi­dades públicas devem ser coloca­das a serviço desse objetivo. Não se pode adiar mais uma posição.

do Brasil'' Um aspecto muito importante

para a compreensão do problema está na distribuição da formação de quadros para o ensino superior. O Brasil, em termos de graduação, forma cerca de 300 mil bacharéis por ano. Nesse total, a contribuição das universidades públicas no Estado de São Paulo é bastante modesta, de cerca de 10 mil bacharéis, ou 3% do total brasileiro. As instituições federais de ensino superior, que de certa maneira consti­tuem a espinha dorsal do ensino universitário, contri­buem com cerca de 18% desse total.

Mas, quando se trata da pós-graduação, a posição das universidades públicas paulistas é bem mais expressiva. As cinco universidades públicas existentes no Estado de São Paulo, três estaduais (USP, Unesp e Unicamp) e duas federais (Unifesp e Universidade Federal de São Carlos) são as responsáveis por cerca de 50% da formação de doutores no país. De certa maneira, as universidades pú­blicas paulistas são escolas de escolas. Elas formam uma boa parte dos profissionais que vão lecionar nas universi­dades brasileiras. Esse quadro é da maior importância quando se trata de pensar o futuro.

De qualquer maneira, deve-se estar atento para o fato de que apenas 15% da população potencialmente univer­sitária do Brasil- os jovens com entre 20 e 24 anos- che­gam às escolas superiores. Mesmo em São Paulo, onde se poderia esperar um resultado bem melhor, devido à sua situação com relação ao restante do país, essa proporção é de apenas 17%. Essa parcela é dramaticamente baixa. Para se ter um futuro melhor, é preciso estabelecer metas com cuja aplicação será possível dobrar esse número nos

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É possível criar metas válidas pa­ra esses próximos dez anos, deli­

neando, por exemplo, quantos estudantes universitários queremos ter no futuro e que tipo de pesquisa se preten­de fazer.

Devem ser cobrados resultados dessas pesquisas e o processo de avaliação das universidades deve ser perma­nente. O financiamento das universidades públicas do Estado de São Paulo precisa ser encarado com o máximo de seriedade: Parte substancial desse financiamento é destinada, no momento, ao pagamento de inativos e à manutenção dos hospitais universitários. São pelo menos esses dois fatores que vêm estrangulando atualmente as universidades públicas estaduais paulistas.

Finalmente, há mais um fator que não pode deixar de ser pensado pelo Fórum São Paulo Século 21. Trata-se da necessidade de revigorar a rede de institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. Essa rede é da maior importân­cia. O desenvolvimento do sistema agrícola paulista, que é importantíssimo, dependeu fortemente dos institutos ligados à Secretaria da Agricultura. Mas boa parte deles mereceu, nas últimas décadas, um tratamento que não foi o melhor que poderiam ter recebido.

Essa rede de institutos é de importância fundamental para o desenvolvimento de nosso estado. Mesmo assim, não tem recebido a atenção e o tratamento adequados. É indispensável pensar no revigoramento e no crescimento desse sistema. E, ao seu lado, pensar também no proble­ma do dimensionamento das universidades públicas e do seu financiamento.

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Cuidado cotn as falsas detnandas sociais

O reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Antonio Manoel dos Santos

Silva, é um veterano da instituição, na qual leciona há 33 anos. Com dez livros e mais de 100 artigos publicados, é professor de Literatura Brasileira no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas do câmpus da Unesp em São José do Rio Preto. Antes de ser escolhido para a reitoria, ocupou os cargos de pró-reitor

A Unesp é uma universidade nova. Foi criada em 1976. Mas também é uma universidade com origens que remontam ao início do século. Muitas das unidades que formaram o conglomerado para sua constituição são antigas. Suas faculdades mais antigas são as de Odontologia e Farmácia em Araraquara; começaram a funcionar em 1923. A Faculdade de Ciên­cias Agrárias e Veterinárias de Jabotica­bal tem origem numa escola agrícola fundada em 1921. A Unesp tem esta par­ticularidade: é a mais nova das universi­dades públicas, mas, em alguns pontos, também é antiga. Sua estrutura foi mui­to violentada quando de sua criação: fo­ram extintos cursos de graduação, ou-

de Pós-Graduação e Pesquisa e de vice-reitor. Entre seus

Antonio Manoel dos Santos Silva tros foram deslocados, alguns foram

trabalhos, está a consolidação do sistema de pós-graduação da universidade. Entre 1989 e 1993, o professor Silva foi vice-reitor da Universidade Ibero-Americana de Pós-Graduação, com sede em Salamanca, na Espanha. Desde então, é diretor regional da Associação Universitária Ibero-Americana para o Brasil, Portugal e Cone Sul. Foi até o início deste ano membro do Conselho Superior da FAPESP. A Unesp está presente na maioria das regiões do Estado, com 15 campi universitários, três campi avançados, 24 unidades universitárias e dez unidades complementares em 15 cidades. Com cerca de 3.500 professores, atende cerca de 23.260 alunos. Mantém 80 cursos de graduação e 46 de pós-graduação, com 92 programas de mestrado e 67 de doutorado.

lO

criados. Sua reitoria estava oficialmente em Ilha Solteira, a 666 km de São Paulo.

Em 1984, a Unesp passou por uma reestruturação. De certa maneira, foi democratizada, uma vez que mui­to mais pessoas passaram a participar dos órgãos cole­giados que definem seus destinos. Importantíssimo foi o ano de 1989, quando se estabeleceu a autonomia das três universidades públicas do Estado, entre elas a Unesp, que passaram a ter aplicado nelas um índice do orçamento do Estado. A partir desse ano, a Unesp te­ve um crescimento relativamente muito forte. Isso in­fluenciou seu papel de preparar cientistas e diferentes tipos de profissionais e situar-se na fronteira do conhe­cimento dentro do Estado de São Paulo, em pesquisas e desenvolvimento.

No início da autonomia, em 1989, a Unesp tinha 12 mil alunos de graduação. Hoje, tem 21 mil. Tinha 900 alunos regulares na pós-graduação. Hoje, tem 7 mil. Os números relativos ao crescimento do número de alunos das outras duas universidades estaduais não devem ser muito diferentes. Esse crescimento em dez anos mostra como foi importante para a universidade ter autonomia na gestão dos recursos que, aprovados pela Assembléia Legislativa, o Estado é obrigado mensalmente a repassar para a universidade pública.

Mas a Unesp está, de certa maneira, estrangulada. Não porque não esteja desenvolvendo bem o que desen­volve hoje. Mas porque não pode usar seu potencial para se desenvolver mais. A Unesp tem uma potenciali­dade altíssima para desenvolver o ensino e pesquisa.

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Mas não pode fazer mais do que faz. Os cordões que fa­zem este estrangulamento são vários. Vou citar um exemplo. Em 1989, no começo da autonomia, o paga­mento de inativos consumia 7% dos recursos da Unesp. Hoje, consome 26%.

Mesmo assim, a Unesp continua a crescer. Em 1989, a proporção do corpo docente com titulação mínima de doutor era de 38%. Hoje, subiu para 72%. Há a pre­visão de chegar ao fim do ano 2000 com uma propor­ção próxima às da USP e da Unicamp, de 85%. Daqui a seis anos, a Unesp terá condições de abrigar 30 mil alu­nos na graduação e 12 mil na pós-graduação. O papel da uni-

P ENSAN D O SÃ O PAUL O: UN I V ER S ID A DE S E I NST ITU TOS

As universidades têm de expor isso às instâncias que tomam as decisões, o Executivo e o Legislativo. Esses pro­blemas não são só das universidades, são também da so­ciedade que as sustenta. As universidades públicas e os institutos de pesquisa do Estado de São Paulo formam a estrutura e a base para o desenvolvimento científico e tec­nológico fundamental para o desenvolvimento do País.

Assim, um dos problemas das universidades é como trabalhar as demandas sociais de maneira a distinguir as realmente humanas das ditadas pelo eixo exclusivo do mercado. Elas têm de trabalhar isso muito bem, até

mesmo para atender às próprias exigências do mercado. Têm de

versidade na preparação de cien­tistas e profissionais qualificados é justamente este: o de formar se­res humanos, na graduação e na pós-graduação. As universidades fizeram muito, de acordo com os objetivos ou metas estabelecidos por diversas instâncias, quando foram criadas. Mas não fizeram o suficiente.

''Para matar pensar muito nisso. Essa é uma questão que vem sendo discutida de maneira candente dentro das próprias universidades. a universidade

pública, basta exigir que atenda

ao imediato do mercado''

Outra insuficiência da univer­sidade pública é sua territoriali­dade. As universidades públicas ocupam quase todo o Estado de São Paulo, mas não todo o esta­do. Há vazios. Pode-se citar dois lugares, o Vale do Ribeira e o lito-Um dos problemas diz respei­

to às relações da universidade com as empresas inovadoras. Falta algo para que elas possam absorver e desenvolver a pesquisa nacional. Outro é sua situação no que diz respeito às demandas sociais. Quem lidera essas de­mandas e quais são elas? Hoje, as universidades públi­cas recebem demandas de diversas instâncias. Uma das mais agressivas é a mídia. Ela pensa a curto prazo, en­quanto o prazo na universidade é no mínimo médio e longo. Não se faz melhoramento genético em menos de dez anos. Pode ser que com as novas tecnologias esse prazo diminua. Mas não se fazem coisas assim em pra­zo curto.

Um dos elementos a serem considerados é o tempo do próprio pesquisador. Ele tem de dividir a tarefa de pesquisar com a docência, o tempo dedicado a formar aqueles que vão dar continuidade às linhas de pesquisa. Isso é demoradíssimo. É necessário levar em conta, tam­bém, o tempo dedicado à própria constituição da uni­versidade. Ela precisa ser dinâmica e perceber as mu­danças que ocorrem em sua volta.

As demandas sociais feitas às universidades são de dois tipos. Algumas são ditadas pelo mercado e podem ser extremamente perigosas. Outras são demandas so­ciais realmente humanas. Sua identificação é um dos maiores problemas das universidades, não só para o de­senvolvimento da pesquisa e da tecnologia como para a formação dos recursos humanos. Para matar a universi­dade pública, basta exigir que elas atendam ao imediato do mercado.

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ral. Eles não têm universidades públicas e lá o desenvolvimento

científico e tecnológico é precário. As três universidades estaduais não podem resolver

os problemas que estrangulam o sistema público do en­sino superior de São Paulo. Mas podem contribuir com as instâncias que decidem, deliberando ou executando. Isso não está fora do tema central deste encontro, o de­senvolvimento científico e tecnológico, pois isso nos conduz para ó eixo central, a sociedade do conhecimen­to. Se, de fato, a sociedade do século 21 for a sociedade do conhecimento, quem não tiver acesso direto ou indi­reto aos atores do conhecimento, que são as universida­des, estará excluído dessa sociedade.

Se me perguntassem como resolver esses problemas, responderia "não sei". Mas sou professor há 37 anos e creio que as universidades, com seu grande corpo de es­pecialistas, doutores, cientistas, pesquisadores de ponta, podem juntar-se aos que devem pensar o futuro do es­tado. Assim, será possível chegar a algumas soluções, in­clusive a de dobrar o número de alunos nas escolas pú­blicas superiores de São Paulo.

Isso não é tão difícil. Lugares mais pobres do que São Paulo já o conseguiram. São Paulo é privilegiado com relação à infra-estrutura física, comercial, industrial. A infra-estrutura oferecida pelas suas universidades públi­cas e por algumas universidades privadas pode fazer com que, além de não ter excluídos pela miséria da fome e da falta de moradia, São Paulo não tenha também os excluídos do conhecimento.

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O gigante que pula colll ullla perna só

Reitor da Universidade de Santo Amaro (Unisa), Sidney Storch Outra é o representante

iiiiiiiiiiiiiiiiii;:::====;;jjjjjjjjiiiiiiiiii ~ A vigésima sétima Conferência Geral

da Região 3, que compreende os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, no conselho deliberativo do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB). Outra é formado em Engenharia Eletrônica pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tem especialização

~ da Unesco sobre educação superior, reali­~ zada em novembro de 1993, em Paris, ;o apresentou ao mundo uma definição so-

bre o que efetivamente é educação supe­rior. Trata-se, afirma, de "todo tipo de es­tudos, treinamento ou formação para pesquisa em nível pós-secundário, ofere­cido por universidades ou outros estabe­lecimentos educacionais aprovados como instituições de educação superior pelas autoridades competentes do Estado."

em Administração Financeira pela Escola de Administração Sidney Storch Outra

Essa definição tem a ver efetivamente com o papel das universidades no processo de desenvolvimento das nações e dos povos, tema central deste fórum. A proposta que trago para este seminário é a de que as universidades assumam, de fato, um pa­pel de liderança no processo de desenvol-de Empresas da Fundação Getúlio

Vargas e MBA na Sociedade de Desenvolvimento Empresarial de São Paulo. Atualmente, faz doutorado em Educação pela Universidade Andrews, dos Estados Unidos. Foi diretor-geral do Hospital São Vicente, de Curitiba, e diretor administrativo e financeiro da Amico Assistência Médica de São Paulo. A Universidade de Santo Amaro funciona em dois campi na Zona Sul da cidade de São Paulo. Surgiu em 1968, como Organização Santamarense de Educação e Cultura (Osec). Ganhou o novo nome ao adquirir o status de universidade, em 1994. Tem 10 mil alunos e 800 professores, em 27 cursos superiores. O CRUB reúne reitores de dezenas de universidades brasileiras. Participa da busca de soluções para problemas como o financiamento dos hospitais universitários e participa de projetas como a Ação da Cidadania contra a Fome e a Universidade Solidária.

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vimento, no que tange à ciência e tecnologia. Essa é uma conclusão óbvia, devido ao fato de que as universidades dispõem de trunfos únicos para desempenhar este papel.

Isso está inerente à sua própria missão, que consiste, primeiramente, em formar os dirigentes de amanhã. Essa formação é papel da universidade. Ao mesmo tempo em que ela forma pessoas no nível superior, forma líderes. A pesquisa dentro da universidade deve, acima de tudo, procurar ampliar os horizontes e expandir as mentes. As-sim, os líderes poderão, de fato, pensar no benefício do seu próximo e da sociedade.

A natureza fundamental da existência da universida-de é a de ser o motor do saber dentro da sociedade. Nos 35 anos que correram até 1995, o número de alunos matri­culados em cursos superiores em todo o mundo multipli­cou-se por mais de seis. Hoje, existem provavelmente 90 milhões de pessoas matriculadas no ensino superior. A afir­mação de que a educação é a alavanca do conhecimento não é ouvida só no Brasil. Ela ocorre em todo o mundo.

Esse aumento quantitativo não foi acompanhado por um crescimento qualitativo no sentido e contexto do de­senvolvimento das nações. Ficou constatado que ocasio­nou um aumento ainda maior na disparidade entre os países. No contexto mundial, 75% de novos conhecimen­tos no mundo provêm de um número restrito de países, a saber, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Japão, Fran­ça e Canadá. Esses países representam apenas 13% da popu­lação do globo. Praticamente todos os 87% restantes com-pram e consomem conhecimento, tecnologia e ciência.

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Isso pode ser corroborado por um dado publicado na edição de março de 1995 da revista Science. De acordo com esse dado, a América Latina produz apenas 0,9% das pesquisas realizadas no mundo. Deve-se ressaltar que, destes 0,9%, 70% das pesquisas da América Latina são realizadas no Brasil. Portanto, apesar do número global não ser favorável, o Brasil é líder dentro do contexto da América Latina. Trata-se de um fator importante.

De qualquer forma, pode-se fazer o diagnóstico de que o Brasil é fundamentalmente um consumidor de co­nhecimento. Vamos analisar um pouco mais profunda­mente essa questão. Para isso, vou usar dados de um trabalho produ-

PEN S ANDO SA O PAULO: U NIVER S IDAD ES E IN STITUTO S

ses países, quem paga a pesquisa básica é o governo, quem executa é a universidade. Na pesquisa aplicada, quem pa­ga, fundamentalmente, é a indústria, com alguma parti­cipação do governo. A parcela governamental correspon­de em grande parte à compra de patentes e de tecnologia, para que elas sejam trazidas para dentro do país. Quanto ao desenvolvimento de novos produtos, quem paga e quem realiza é o setor privado. É a outra perna do Saci.

Este modelo, no qual a universidade faz a ciência fun­damental, a pesquisa básica, e a indústria aplica e desen­volve tecnologia, parece ser o que mais fomenta o desen­

volvimento de forma rápida e segura. Não é função da universi­

zido pelo presidente da FAPESP, professor Carlos Henrique de Bri­to Cruz. Nele, é comparada a dis­tribuição institucional da ativida­de de pesquisa e desenvolvimento no Brasil com a de outros países.

''Não faz parte das funções

dade desenvolver produtos finais. Isso exige conhecimentos de carac­terísticas do mercado e um envol­vimento comercial não pertinen­tes à universidade. A universidade faz a pesquisa básica e a indústria faz a pesquisa aplicada. Os dados mostram que existe

uma diferença significativa. Nos Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá, a maior parte da atividade de pes­quisa e desenvolvimento é realiza-

da universidade desenvolver

produtos finais para o mercado''

No modelo brasileiro, já existe uma perna. Está faltando a outra, que é a aplicação e o investimento do setor privado. As universidades

da na indústria. No Brasil, ocorre exatamente o inverso. A pesquisa é realizada fundamen­talmente na universidade. O trabalho também compara artigos científicos publicados e patentes registradas nos Estados Unidos. O Brasil aparece entre os países que pro­duzem artigos científicos de maneira significativa, mas não está entre os que registram patentes.

Vale uma comparação com a Coréia, país que há 20 anos estava numa situação muito semelhante à do Brasil. Hoje, a Coréia aparece significativamente como grande publicadora de artigos científicos e registro de patentes, ou seja, possui as duas pernas que medem a questão da pesquisa e desenvolvimento de forma mais equilibrada. Todos devem concordar que no Brasil temos uma situa­ção diferente, estamos com uma perna só, publicamos muito e quase não registramos patentes. Usando uma fi­gura da mitologia brasileira, poderíamos afirmar que ainda sofremos da síndrome do Saci. O Brasil está pulan­do com uma perna só. Faz pesquisa nas universidades, mas não consegue transformar esta ciência e tecnologia em efetivo desenvolvimento para benefício de seu povo.

Na década de 80, o Brasil tinha uma situação até um pouco melhor que a da Coréia. Por volta de 1984 e 1985, po­rém, houve uma grande mudança na situação coreana. Na­quele período, houve um significativo aumento nos inves­timentos das empresas em pesquisa e desenvolvimento, o que gerou um grande acréscimo no registro de patentes.

É possível observar que o modelo coreano é quase uma cópia do modelo seguido nos Estados Unidos. Nes-

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podem e devem tomar a iniciati­va, liderar e buscar esse processo.

Durante muitos anos, a universidade brasileira esteve um pouco dissociada de sua real função. Isso ocorreu como uma reação ao regime militar, no qual a universidade, com raras exceções, esteve mais voltada para a questão políti­ca, para a implantação da democracia. No setor privado, não havia razão para investir em pesquisa e gerar novas tec­nologias. Havia um exagerado protecionismo e a reserva de mercado, ~orno no caso da informática, por exemplo.

Hoje, a sociedade brasileira paga por esses 20 anos de nossa história. Para solucionar o problema, o Brasil pre­cisa ser ágil. Não pode demorar muito. A impressão é a de que as instituições não-públicas têm um pouco dessa agi­lidade. Devido a essa velocidade, as instituições privadas podem exercer um papel importantíssimo de atrair contra­tos de parceria com o setor público e rapidamente gerar expertise em determinados nichos de mercado. A partir daí, é possível ter o retorno desejado em termos de desen­volvimento que tanto se almeja, do qual o país tanto pre­cisa, e que certamente nos conduzirá a um Brasil mais justo. Afinal, esta é a proposta fundamental deste fórum.

Concluindo, reafirmo que acima de tudo a função primeira das universidades ainda é a de combater a escas­sez de material humano. As grandes indústrias mundiais implantarão suas atividades de pesquisa e desenvolvi­mento onde houver potenciais de recursos humanos. Portanto, o aumento do investimento privado em ciência e tecnologia depende significativamente da nossa capaci­dade de recrutar e desenvolver talentos.

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Surgetn novas oportunidades para a educação continuada

O professor José Rubens Rebelatto, reitor da Universidade Federal

de São Carlos (UFSCar), formou-se em Educação Física em 1975 e em Fisioterapia em 1978, nos dois casos pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Começou a lecionar na UFSCar em 1980. Nessa universidade, fez especialização em Análise e Programação de Condições

~ Quando se analisa o papel de uma ins­§ tituição social em relação aos vários seg­il mentos sociais, é necessário estabelecer " com clareza quais são seus objetivos, suas

metas, sua missão. É preciso determinar qual é seu contrato social ou, pelo menos, qual era na sua gênese, quando a institui­ção foi concebida. O assunto é polêmico, mas neste debate vou assumir uma deter­minada missão para a universidade públi­ca. Trata-se da tarefa de produzir conheci­mento e de torná-lo acessível a todas as pessoas que possam precisar dele.

de Ensino, em 1983, o mestrado, em Educação Especial, em 1986, e o doutorado, em Educação, José Rubens Rebelatto

Até pouco tempo atrás, era usual ouvir que os objetivos das universidades, pelo menos as públicas, eram o ensino, a pes­quisa e a extensão. Mais recentemente, de­monstrou-se, inclusive em trabalhos aca­dêmicos, que essas são apenas atividades. em 1991. Suas áreas principais

de pesquisa são as de Prevenção em Fisioterapia e de Ensino em Fisioterapia. Antes de chegar à reitoria, o professor Rebelatto ocupou diversos cargos na UFSCar, inclusive os de chefe dos departamentos de Ciências da Saúde e de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, vice-coordenador dos órgãos suplementares, pró-reitor de extensão e vice-reitor. A Universidade Federal de São Carlos tem atualmente cerca de 4.800 alunos na graduação e 1.400 na pós-graduação, çom 25 cursos de graduação e 28 opções em pós-graduação. Além das instalações em São Carlos, tem outro câmpus permanente na cidade de Araras, onde funciona o curso de Engenharia Agronômica. Dos seus professores, nada menos do que 96,31% têm mestrado ou doutorado. É a maior proporção entre as universidades federais brasileiras.

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As razões de ser dessas atividades é que devem evidenciar a missão da instituição. Para que fazer pesquisa, para que produzir o conhecimento, para que realizar a atividade do ensino de extensão, se não for para a produção do co­nhecimento e tornar esse conhecimento acessível?

A primeira parte é a produção do conhecimento. A universidade pública está produzindo o conhecimento? Quais são as atividades dessa instituição no seu dia-a­dia que caracterizam a consecução desta parte de seu compromisso social? Aparentemente, sim. Mais de 96% do conhecimento científico e tecnológico brasileiros são produzidos nas universidades públicas. As atividades de pesquisa e de formação de futuros cientistas são feitas, majoritariamente, nas universidades públicas.

Quais as atividades desenvolvidas cotidianamente pe­las instituições públicas para tornar esse conhecimento acessível? Uma das mais tradicionais e conhecidas dessas maneiras é a formação dos futuros profissionais, que vão interferir na sociedade para resolver seus problemas. Ou­tra, menos conhecida, é a pós-graduação. Ao formar pro­fissionais cientistas para o país, torna acessível à socieda­de o conhecimento gerado pela universidade.

Existe, porém, uma atividade ainda menos conhecida, que é a de extensão. Ela está passando por uma evolução muito grande. Ela entra na concepção da educação con­tinuada, educação permanente ou educação para a vida toda. Essa atividade tem características que a tornam di­ferente das outras. Nem melhor nem pior, mas diferente e com um potencial de atendimento de demanda superior

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bastante privilegiado. Esse privilégio vem, entre outros fatores, de não ter os limites formais da graduação e da pós-graduação, podendo, por isso, atender demandas es­pecíficas da sociedade.

A extensão é pouco explorada, especialmente por ser um universo inacabado. Existe uma quantidade signifi­cativa de formas de atividades de extensão que precisam ser mais bem estudadas, descobertas e implementadas. A Universidade Federal de São Carlos está desenvolven­do várias experiências nesse campo. Três formas vão ser citadas, por suas características especiais. São os nú­cleos de extensão, os escritórios regionais e as incubadoras de co-

PENSANDO SÃO PAULO: UN IVERSIDADES E I NSTITU T OS

O terceiro exemplo é a incubadora de cooperativas que a Universidade Federal de São Carlos está pondo em prática em conjunto com a UniTrabalho. O problema a ser enfrentado, no caso, é o desemprego e a exclusão so­cial, resultados do momento político-econômico existente atualmente em todo o mundo e também no Brasil. O projeto partiu da convicção de que determinadas cama­das sociais poderiam usar o auxílio de várias áreas do co­nhecimento, como engenharia de produção, engenharia civil, ciências sociais, psicologia, advocacia e outras, para enfrentar essa situação.

A universidade fornece o co-nhecimento e uma infra-estrutu­

operativas. Os núcleos de extensão da Uni­

versidade Federal de São Carlos estão voltados para determinados segmentos sociais. Eles surgiram da necessidade de organizar ativi­dades da universidade. Há núcleos voltados para empresas, sindica­tos, município, saúde e cidadania. Além de se mostrarem eficazes na organização das atividades inter­nas, eles se mostraram potentes

''Primeira cooperativa formada na

ra básica para que as pessoas for­mem uma cooperativa. A partir daí, elas vão ao mercado e ofere­cem seus serviços. A primeira co­operativa formada na Universida­de Federal de São Carlos foi uma cooperativa de serviços de limpe­za. Antes, eram pessoas excluídas totalmente do mundo do traba­lho. Hoje, fornecem serviços de limpeza inclusive para a própria

U FSCar hoje faz a limpeza

da universidade''

organismos de interlocução do diagnóstico das demandas dos segmentos sociais e de agilização de trabalhos.

Quanto ao segundo exemplo, a UFSCar tem hoje es­critórios regionais em três cidades: Araçatuba, Assis e Fernandópolis. Eles surgiram da freqüência com que pre­feitos ou associações comerciais de municípios distantes da sede procuravam a universidade, pedindo seu auxílio para a solução de problemas específicos. Isso levou à cria­ção de um programa, com o qual, a partir de uma infra­estrutura fornecida pelos interessados e com a supervisão de um pesquisador e professor da universidade, eram tra­çados alguns objetivos, como diagnosticar mais correta­mente o problema levantado.

O programa envolve o uso de grupos de pesquisa e alunos de graduação e pós-graduação da universidade para o treinamento de pessoas do próprio município, capazes de resolver os problemas quando a universida­de se retira. Nem sempre o programa corre bem. Esse tipo de atividade levanta um grande número de proble­mas. Um deles é a descontinuidade político-partidária na direção dos municípios. Muitas vezes, o escritório está funcionando muito bem, mas é fechado quando se muda o prefeito. Houve cidades em que o mesmo escri­tório foi inaugurado quatro vezes. Quando isso aconte­ceu, foi estabelecida a exigência de que um escritório regional só é montado depois que uma legislação a res­peito é estudada e aprovada pela Câmara Municipal. Isso deu maior estabilidade ao programa.

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universidade, pois ganharam a li­citação. A universidade consegue

serviços por um preço bem menor que o pago a outras empresas e os cooperados ganham muito mais do que receberiam como empregados dessas empresas.

A educação continuada tem relação com o compro­misso da universidade pública de, além de formar futuros profissionais, ser responsável pela educação do cidadão no decorrer de sua vida. Isso exige outra concepção do que deve ser o papel da universidade no que era chama­do de extensão. A Universidade Federal de São Carlos es­tudou o que vem sendo chamado de educação continua­da ou educação permanente em vários países, Portugal, Espanha, Itália e Inglaterra. Descobriu que grande parte do que é feito nesses países já se faz nas universidades pú­blicas brasileiras.

A diferença exigida para que esse passo seja dado é ba­sicamente uma postura a favor dessas atividades, com maior agilidade administrativa e disposição para a capta­ção de recursos. A diferença está principalmente nessas três posições, embora nem mesmo elas devam ser enca­radas como fundamentais.

A missão de produzir o conhecimento e torná-lo aces­sível e a realização das atividades de pesquisa, ensino e prin­cipalmente de extensão são exemplos do compromisso e da contribuição das universidades públicas para o desen­volvimento da ciência e tecnologia. Isso, se concatenado com uma política governamental, da Secretaria de C&T, poderia fazer do Estado de São Paulo um exemplo único de desenvolvimento regional e evolução social no país.

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Sucesso leva à atnpliação da incubadora de etnpresas

O professor Claudio Rodrigues, superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas

e Nucleares (lpen), é um dos mais experientes cientistas brasileiros no campo da física nuclear. Desde 1965, quando foi contratado como pesquisador auxiliar do Instituto de Energia Atômica, antigo nome do lpen, ele trabalha nessa área. Formado em física pela Universidade de São Paulo (USP), Rodrigues obteve o doutorado em 1970, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com Claudio Rodrigues

O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) foi fundado em 19S6. Pouco mais de um ano depois de sua fun­dação, começou a operar, no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), o pri­meiro reator nuclear de pesquisa do He­misfério Sul. É uma instituição científica e tecnológica cujo compromisso é melho­rar a qualidade de vida do povo brasileiro. Para isso, produz conhecimento científico, desenvolve tecnologias, gera produtos e serviços e forma recursos humanos. Tem cursos de pós-graduação que outorga­ram, no ano passado, 29 títulos de doutor e 43 de mestre. Sua área, de SOO mil me­tros quadrados, ocupa cerca de um quar­to do câmpus da Cidade Universitária de São Paulo.

uma tese sobre os movimentos dos átomos do metanol estudados através do espalhamento de nêutrons. De 1971 a 1973, com uma bolsa de pós-doutorado da FAPESP, esteve no Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, participando de pesquisas sobre a presença do dióxido de carbono de origem industrial na atmosfera. O atual mandato é o segundo de Rodrigues como superintendente do lpen. Ele ocupou o mesmo cargo de 1985 a 1990, período no qual entrou em funcionamento o primeiro reatar nuclear construído no Brasil, o IPEN/MB-01. Os produtos preparados no lpen são usados hoje na medicina, na indústria e na agricultura de todo o Brasil e de vários países da América Latina. As atividades de pesquisa desenvolvidas no instituto, no entanto, não se limitam ao campo estritamente nuclear. Ali se investigam, também, áreas como a obtenção de hormônios humanos por engenharia genética e o crescimento de monocristais para uso em lasers.

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A principal atividade atual do Ipen está na área da saúde. Produz medicamentos e outros materiais radioativos para diagnóstico e terapia de diver­sas doenças. A distribuição desses medicamentos atinge todo o território brasileiro. Mais de SOO hospitais e clíni­cas recebem, em média quatro vezes por semana, mate­riais radioativos produzidos pelo Ipen. Os produtos do Instituto foram responsáveis, em 1999, pelo atendimento de mais de um milhão e meio de pacientes.

A distribuiÇão do material radioativo é just in time. O material radioativo produzido é transportado aos hospi­tais imediatamente; se não chegar rapidamente ao clien­te, perde a atividade. Há materiais radioativos com meia­vida de duas horas, ou seja, depois de duas horas, o medicamento já perdeu metade da atividade. É por isso que o Ipen funciona sem interrupções, em três turnos.

Há alguns anos, o Ipen desenvolveu um novo meca­nismo de gestão. Adotou uma política e um planejamen­to de gestão que focam principalmente as atividades do Instituto dirigidas para a demanda da sociedade e para o cliente. Em função disso, entrou fortemente num projeto de excelência tecnológica patrocinado pelo Conselho Na­cional de Pesquisas e pelo Ministério da Ciência e Tecno­logia. Todos os produtos médicos que saem do Ipen têm o certificado ISO 9002.

O Instituto, porém, não está ausente do novo paradig­ma da participação das instituições de pesquisa de São Paulo. Faz parte de uma importante parceria constituída pelo Ipen, o IPT e a USP, com a forte participação do Se­brae, que instalou no câmpus da USP em São Paulo uma

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incubadora de negócios de base tecnológica. Trata-se do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec).

A missão do Centro é ajudar o nascimento de novos negócios, idéias e empreendimentos de base tecnológi­ca. Fornece uma infra-estrutura básica com condições de aumentar o índice de sobrevivência e competitividade das novas empresas. Seu objetivo é auxiliar o crescimen­to da economia brasileira, aumentar a geração de empre­gos e melhorar a capacidade de exportação. A incubado­ra foi inaugurada no segundo semestre de 1998.

Há vários exemplos de empresas já incubadas no Cietec. Na área da biomedicina, há empresas que desenvolvem tecno-

P ENSANDO SA O PA U LO : U N I V ER S IDADE S E I NS TIT UT O S

USP, aproveitando espaços ainda disponíveis. Ele con­tribuiria para a política de atração de investimentos de qualidade da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econômico, contribuiria para a alteração da vocação econômica da Região Metropolitana de São Paulo e intensificaria a interação do Ipen, IPT e USP com as empresas.

O parque serviria, ainda, como motivação para a par­ticipação dos cerca de 4 mil pesquisadores que trabalham hoje na área e seria um estímulo para a ampliação dos empreendimentos bem-sucedidos a partir da incubadora

do câmpus. Esse parque tecnoló­gico já está em gestação. Um gru­

logias para a produção de válvulas para catéteres, grampeadores ci­rúrgicos e endoscópios. Na biotec­nologia, a fabricação de hormônio de crescimento humano, sintetiza­do por bactérias geneticamente mõdificadas, é exemplo de uma pesquisa que começou no Ipen e que está sendo transformada num negócio de importância significa­tiva para a sociedade, principal­mente se considerarmos o alto ín-

''o conhecimento e a tecnologia

obtidos nas universidades

devem chega r à sociedade''

po executivo formado pelos par­ceiros e constituído pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econômico está dan­do os primeiros passos para trans­formá-lo em realidade.

Há várias sugestões, proposi­ções e ações para que a produção científica e tecnológica seja efeti­vamente utilizada no desenvolvi­mento social e econômico de São

dice de nanismo encontrado na população brasileira.

No início, havia o prognóstico de que seriam necessá­rios entre três e quatro anos para que empresas de base tecnológica ocupassem o espaço alocado, capaz de abri­gar 15 empresas. O prognóstico estava errado. Em pouco mais de um ano, os 15 módulos já estavam ocupados. Hoje, mais de 80 empresas e negócios esperam a oportu­nidade de serem incubadas no parque.

Já existe uma proposta da parceria Ipen-IPT-USP, en­caminhada à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econômico, para a adequação de um número maior de galpões. Assim, o Centro receberia um número bem maior de empresas. Num primeiro momento, seriam criados mais 15 módulos. Mas é possível que o total de 70 empresas incubadas possa ser atingido antes do fim do ano. É provável que seja aberto no câmpus do IPT um espa­ço para empresas que tenham sinergia com esse Instituto. É um novo modelo. Pela primeira vez, uma incubadora ins­talada na área da USP teve sucesso e o sucesso foi forte.

O objetivo desse trabalho é criar condições para que a iniciativa privada participe um pouco mais da ciência no Brasil. O conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico obtidos nas universidades devem chegar re­almente à sociedade, ao mercado. A proposta é fazer isso em parcerias com empresas privadas, pequenas, médias e mesmo grandes.

Esse seria o objetivo de um parque tecnológico que poderia ser instalado inicialmente dentro da área da

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Paulo. É importante, de qualquer maneira, captar o interesse do setor,

por sua participação na definição de políticas e dos pro­gramas de incentivo à cooperação entre instituições de pes­quisa e empresas. É preciso tentar flexibilizar os mecanis­mos legais que impedem ou dificultam essa cooperação.

São necessários novos programas governamentais de apoio à inovação tecnológica que estejam voltados para a realidade, que sejam capazes de apoiar a inovação nas empresas de ·acordo com sua capacidade. As instituições de pesquisa precisam contar com o apoio de programas e organismos governamentais capazes de auxiliá-las no de­senvolvimento dessas atividades, principalmente na sua interação com as empresas e na preparação de novos ne­gócios dentro ou perto dos câmpus universitários.

Não é possível, ainda, esquecer o problema do capital de risco. As empresas residentes ou incubadas num Cen­tro de Criação de Empresas Tecnológicas ou num parque tecnológico precisam de capital de risco. Mas a solução desse probléma ainda está distante dos modelos propos­tos para a interação da ciência e da tecnologia.

As novas empresas não estão acostumadas a buscar capital de risco e não sabem onde procurá-lo. As grandes empresas, por sua vez, ou não estão interessadas numa associação ou, muitas vezes, não sabem falar a linguagem existente no mundo científico. Nosso mundo científico não está acostumado ou não está interessado em ouvir o discurso das empresas. É preciso fazer com que esses pa­radigmas sejam destruídos. Só assim, realmente, o saber alcançará o fazer.

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Área da saúde precisa de tratatnento diferenciado

O professor José da Rocha Carvalheira é o responsável pela Coordenação

dos Institutos de Pesquisa, um órgão da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É também o presidente da comissão brasileira que estuda as vacinas contra a Aids. O estudo das doenças trans­missíveis, como o mal de Chagas, faz parte de sua carreira. Carvalheira era professor titular do Departamento de Medicina Social da F acuidade de Medicina

~ O esforço de coordenação de ciência e ~ tecnologia na Secretaria da Saúde come­a çou há pelo menos 30 anos, com a refor­" ma administrativa de 1969, quando foi

de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, de onde

José da Rocha Carvalheira

criada a coordenadoria dos Institutos de Pesquisa. Os institutos tradicionais de pesquisa da área, porém, trabalham desde o início do século. Portanto, por serem anteriores até à constituição da própria Universidade de São Paulo, têm um papel extremamente relevante na história da pesquisa básica, da pesquisa aplicada e dos processos de produção associados. O Instituto Butantan fará 100 anos em 2001. O Instituto Adolfo Lutz é anterior ao Butantan. O Hospital Emílio Ribas e o Instituto Pasteur também são do começo do século.

se aposentou, em 1994, para dirigir o Instituto de Saúde, outro órgão estadual. Da direção do Instituto, passou para a coordenação dos institutos. Embora a coordenação seja relativamente recente, pois foi criada em 1969, ela é responsável por alguns nomes muito tradicionais da ciência brasileira, como o Instituto Butantan, o Instituto Adolfo Lutz, o Instituto Emílio Ribas, o Instituto Pasteur, a Hemorrede e outros organismos do governo estadual de São Paulo. Uma de suas funções é justamente a de servir como órgão de gestão, política, técnica e orçamentária, desses organismos, dos centros de vigilância e dos programas de ação coletiva ligados à saúde no estado.

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Essas instituições deram o tom da in­trodução da pesquisa experimental no Brasil. É preciso refletir sobre o que representava o paradigma adotado nessa época e que norteou a composição dessas institui­ções. A questão era sempre determinada socialmente. Ha­via problemas com os quais a sociedade se defrontava e pa­ra os quais era necessário encontrar algum tipo de solução.

Na área da saúde, o paradigma era dado pelo Institu­to Pasteur de Paris. Era um aprofundamento da pesquisa básica, dentro aa percepção de que a pesquisa básica de­veria ser informada pela realidade concreta, por meio de trabalhos de campo. Mais que isso, havia uma associação íntima com a pesquisa clínica e com a produção de soros e, posteriormente, de vacinas. Era assim que as institui­ções enfrentavam os problemas colocados pela sociedade.

A coordenação incorporou essas estruturas com toda a sua perspectiva e todo o seu trabalho acumulado. A es­trutura mais nova a ser criada foi o Instituto de Saúde, voltado fundamentalmente para uma característica da área de saúde menos existente em outras áreas, que é o aparecimento de uma tecnologia que não é material, mas tem maior importância.

O papel de uma secretaria da saúde é dar conta da si­tuação de saúde da população, promover e preservar a saúde, prevenir no que for possível a ocorrência de doen­ças, atender as pessoas que caíram doentes e, no final, tentar recuperar as seqüelas dos que adoeceram e com­pletaram o ciclo da doença.

Uma secretaria desse tipo não pode, assim, valer-se única e exclusivamente de tecnologias materiais, como

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medicamentos, equipamentos, vacinas e outros produtos dessa natureza. Na área da saúde, é da maior importância a tecnologia não material, de organização de serviços e das modalidades de gestão e atendimento, para que o poder público possa cumprir seus papéis. Este é o grande pro­blema com o qual se defronta, atualmente, a coordenação.

Apesar de seu nome indicar uma coordenação de ins­titutos de pesquisa, ela assumiu uma dimensão mais am­pla. Passou a incorporar uma parcela do que se conven­cionou chamar de saúde coletiva, envolvendo aí todos os sistemas de vigilância epidemiológica e sanitária e mes­mo estruturas ambulatoriais e hospitalares destinadas ao comba-

PENSANDO SAO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

dor Mário Covas. A comissão fez várias sugestões ao Exe­cutivo, ao Legislativo e a outras áreas de âmbito federal.

Uma dessas recomendações propunha a criação, no âm­bito federal, de um organismo parecido com o Conselho de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (Concite). Esse conselho teria caráter deliberativo e, portanto, pode­res muito maiores, com comissões voltadas para diversos setores e que acompanhariam o estado da arte em cada área, mantendo o conselho informado sobre o assunto.

Recomendava-se, ainda, a criação de um Instituto de Altos Estudos associado ao Congresso Nacional para cui­

dar dessas questões. O Congresso dos Estados Unidos tem um orga­

te a doenças transmissíveis, como é o caso do Instituto Emílio Ribas e do Centro de Referência de Aids.

Trata-se de um problema de extrema complexidade e inclui a análise do processo social mais importante vivido atualmente pe­lo Brasil, o processo de municipa­lização da saúde. Um processo dessa envergadura não pode dei­xar de ser analisado por um pen­samento crítico, de passar por uma

''os principais beneficiários não

consegu1nam comprar a

vacina contra

nismo semelhante. Uma Assem­bléia Legislativa do porte da de São Paulo também poderia pen­sar em ter um instrumento como esse, de modo a acompanhar os processos que tramitam pelo Le­gislativo estadual.

Existem permanentemente em tramitação questões de extre­ma complexidade e que, portan­to, devem merecer uma reflexão

a Aids''

análise científica detalhada. Essa é uma das tarefas a que estão associadas as instituições de pesquisa da Secretaria da Saúde de São Paulo.

Nos últimos dez anos, apareceu uma característica de extrema relevância na área da saúde. Foi a criação de um mecanismo de controle social representado por conse­lhos municipais, estaduais e, no nível federal, pelo Conse­lho Nacional de Saúde. Além dos conselhos, que são o instrumento paritário de controle social, existem, de ma­neira também paritária, as conferências municipais e es­taduais e a Conferência Nacional de Saúde. As conferên­cias, realizadas periodicamente, são os instrumentos que indicam os rumos desejados pela população brasileira para seu sistema de saúde.

Foi realizada em 1993, em Brasília, uma primeira con­ferência nacional de ciência e tecnologia em saúde. Entre as teses mais importantes levadas por São Paulo a essa conferência estava a de que, na convergência do sistema de ciência e tecnologia com o sistema de saúde, a orien­tação deve ser dada pelo SUS, com base nas necessidades de saúde da população. Propôs-se, na época, a criação de uma Secretaria Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, que nunca foi constituída, e de coordenações estaduais, semelhantes à existente em São Paulo.

Antes disso, em 1991, o Congresso Nacional organi­zou uma Comissão Parlamentar de Inquérito mista para examinar as causas e dimensões do atraso tecnológico brasileiro. A rela tora era a deputada Irma Passoni e o pre­sidente da comissão era o então senador e hoje governa-

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de grande profundidade. Na área da saúde, há situações de extre­

ma sensibilidade, nas quais o problema da propriedade intelectual e transferência de tecnologia precisa ser tra­tado com uma ótica diferente da mera análise do ponto de vista do mercado e da consideração de produtos ou processos como meras mercadorias. Um exemplo, no qual estou diretamente inserido atualmente, é a tentati­va, da qual participa toda a humanidade, de se conse­guir uma vaéina contra a Aids.

Exatamente sobre esse ponto, no qual os principais beneficiários seriam seguramente países incapazes de ad­quirir a vacina em quantidades suficientes, coloca-se em nível internacional uma discussão de extrema profundi­dade sobre mecanismos alternativos para trabalhar a questão da propriedade intelectual.

A Fundação Rockefeller, por exemplo, propôs que uma terceira parte, a Organização Mundial de Saúde ou a própria Fundação, sirva como intermediário sobre es­sas questões, permitindo que fossem abrandadas as exi­gências de propriedade intelectual para a transferência da tecnologia de produção de alguns produtos mais avança­dos do ponto de vista tecnológico. O objetivo seria torná­los acessíveis aos necessitados sem obedecer, obrigatoria­mente, às leis do mercado.

O preço da vacina contra a hepatite levou quase 20 anos para cair de US$ 50 por dose para alguns centavos por dose e poder, assim, ser distribuída nos países pobres, do Terceiro Mundo. Na área da saúde, assim, esta é uma questão de extrema importância.

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En1 busca de recursos para novas necessidades

F armado em Engenharia Elétrica e Mecânica

;;;;;;;=:==========::;;.;;;;;.; ~ O Instituto de Pesquisas Tecnológicas § já completou 100 anos. Sua existência tem & sido um exemplo de pioneirismo. É o retra­" to da saga paulista da busca da construção

pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Plínio Assmann acumulou uma enorme experiência antes de assumir o cargo de diretor-superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em junho de 1998. Entre os cargos que ocupou estão o de secretário dos Transportes do Estado de São Paulo, o de presidente da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), o de presidente do Metrô de São Paulo e o de presidente do conselho de administração do Metrô do Rio de Janeiro. Assmann foi ainda fundador e primeiro presidente da Associação Nacional dos Transportes Públicos, fundador e presidente da Associação de Administração Participativa (Anpar) e da Agência de Desenvolvimento de Cubatão (ADC) e presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia e do Instituto de Engenharia de São Paulo. Também ocupou a presidência dos conselhos de administração da Ferrovia Paulista (Fepasa), da Dersa, da Caraíba Metais e da Companhia Brasileira do Cobre. Com cerca de 1.000 funcionários, dos quais 800 são pesquisadores e técnicos, o IPT tem 72 laboratórios, com condições de realizar mais de 3 mil tipos de ensaios, testes e análises. O Instituto já está entrando em seu segundo século. Foi fundado em 1899, como Gabinete de Resistência de Materiais da Escola Politécnica.

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de um país industrialmente competitivo e de um povo que quer a modernidade. O IPT foi o berço do concreto armado no Brasil. Foi também a origem da indústria aeronáutica brasileira, muito antes da Em­braer, com seus protótipos de aviões com estrutura de madeira brasileira, muitos, muitos mesmo, ainda hoje servindo aos aeroclubes do país. .

Foi também a origem da engenharia de construção naval, experimentada no seu banco de provas para navios, o primeiro do Brasil. Esteve no começo do estudo da

Plínio Assmann mecânica de solos para áreas de risco em obras de infra-estrutura e áreas urbaniza­

das. Isso também ocorreu com a tecnologia do álcool-mo­tor. O IPT foi a principal base tecnológica de todo um pro­cesso de desenvolvimento econômico brasileiro durante o meio século da política de substituição das importações.

Durante esse tempo, o IPT forjou um conceito de pes­quisa industrial básica adequada aos movimentos de de­senvolvimento do país, adequou extensões tecnológicas às necessidades do mercado e formou uma numerosa equipe de pesquisadores competentes na gestão de políti­cas públicas, ética e profissionalmente preparados. Em fase importante de sua vida o IPT teve continuidade ad­ministrativa invejável. Inquestionavelmente, o IPT é um elemento significativo da política industrial.

No caso brasileiro atual, o IPT é parte da política in­dustrial real e não formal. Atrás de cada laboratório do IPT há procedimentos básicos para setores industriais que podem progredir ou não, direcionar-se nessa ou na­quela direção, na medida dos estímulos tecnológicos do­minados no IPT.

Uma recente pesquisa divulgada pela Sobeete, a asso­ciação de empresas e profissionais dedicada aos estudos dos impactos da globalização no país, mostrou que em­presas multinacionais, que representam 15% do PIB in­dustrial, investem 3% do seu faturamento em inovação e capacitação para adaptar os produtos e processos já de­senvolvidos pelas suas matrizes e, em 40% dos casos ana­lisados, para desenvolver novos produtos.

Se, por um lado, isso mostra que a abertura da econo­mia não resultará no extermínio dos esforços de inovação

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tecnológica no Brasil, indica, por outro, o quanto a in­dústria nacional precisa investir para se manter competi­tiva e o quanto é preciso fazer para dominar tecnologias em nosso ambiente, particularmente aquelas tecnologias adequadas às vantagens competitivas brasileiras, que so­mente serão estudadas por nós mesmos. Vale dizer, por nossos institutos de tecnologia.

As instituições de fomento à pesquisa estão cada vez mais abrindo programas de cooperação com empresas. Esse caminho está certo e tudo que se fizer nessa parte ainda será pouco. A ciência tem sido mais fomentada do que a tecnologia com recursos pú-blicos. O que distingue o esforço

PENSANDO SÃO PAU LO: UN I VERS I DADES E I NST ITUTOS

prática, de objetivos e de caráter nitidamente pró-ativo, elegeu dois programas-mestres: o primeiro, de apoio tecno­lógico a micro e pequenas empresas, por meio de labora­tórios itinerantes que vão às fábricas prover conhecimen­to e o domínio tecnológico do qual essas empresas estão hoje órfãs. É o chamado Projeto Prumo. O segundo, de apoio de extensão tecnológica à exportação, é o Projex.

Há que mencionar um dilema que não é apenas do IPT, mas de todos os institutos que trabalham abaixo de seu ponto de equilíbrio. De um modo geral, as agências de fomento não remuneram a aplicação de mão-de-obra

própria da instituição nos proje­tas propostos. Cobrem apenas

científico do esforço de desenvol­vimento tecnológico é a política industrial. Atrás do desenvolvi­mento científico vem o conheci­mento, atrás do conhecimento tecnológico vem o emprego.

O IPT tem grande potenciali­dade de crescimento e pode fazê­lo rapidamente. Sua vocação é multidisciplinar. Os seus 70 labo­ratórios abrangem praticamente todos os campos da tecnologia

''os últimos investimentos significativos

feitos pelo

materiais, equipamentos e mão­de-obra contratados com tercei­ros. No caso do IPT, temos difi­culdade de usar esses fundos de agências na proporção adequada para o programa de metrologia. Se forem usados os próprios pes­quisadores do IPT no trabalho, ele será obrigado a pleitear maior subsídio do Tesouro do Estado pa­ra compensar a receita cessante,

IPT ocorreram na década de 70''

industrial e podem trabalhar em conjunto, o que praticamente coloca o IPT numa situa­ção ímpar no contexto. Mas o IPT precisa modernizar-se. Os últimos investimentos significativos que fez ocorre­ram na década de 70.

De lá para cá, o país abandonou a sua política indus­trial autárquica, a economia modernizou-se e o mundo se globalizou. Particularmente, hoje é importante a ação na tecnologia metrológica, fundamental para a competi­ção industrial, tanto no mercado interno como externo. Dificilmente duplicaremos as exportações brasileiras sem uma base metrológica moderna. Igualmente o comércio eletrônico, business to business, somente será possível com metrologia garantida nos produtos comercializados.

A atualização dos laboratórios de metrologia do IPT é orçada em aproximadamente US$ 12 milhões. A metro­logia é essencial para embasar a exportação e conter a im­portação de produtos de baixa qualidade. É ainda fun­damental para agilizar a elaboração de normas, feitas profissionalmente e não de forma amadora, como ocorre no Brasil, assim como para construir barreiras técnicas e regulamentos que respondam às necessidades de controles quanto aos aspectos de saúde, segurança e meio ambien­te. O Brasil não pode escancarar as porteiras à importa­ção sem se proteger, como fazem os países adiantados, contra produtos que não lhe interessam.

Além de propugnar pela agilização da normalização com base em modernização metrológica, o IPT, incorpo­rando uma opção consciente por uma política industrial

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para o que não há lógica. Outra questão relevante é a prá­

tica do fomento de não financiar a pessoa jurídica. As agên­cias organizaram-se para financiar o pesquisador. Isso po­de ser adequado para a pesquisa científica, mas nem sempre é para a pesquisa tecnológica. Esse assunto precisa ser re­solvido até para o benefício das próprias agências de fo­mento, que estão sujeitas a críticas, ao privatizarem recur­sos públicos à margem das práticas da legislação em vigor.

O IPT vai crescer para atender às demandas da mo­derna tecnologia. Neste ano, pretende aumentar em 50% o seu ritmo de investimentos e crescer 15%. Mas a situa­ção financeira do Instituto não é boa. Ele acumula dívi­das no mercado, vencidas e não pagas. Necessita rapida­mente de um aporte extraordinário para poder continuar atuar normalmente. É certo que o desenvolvimento do IPT não deverá estrategicamente basear-se em recursos extras. Eles são, no entanto, agora necessários na situação de curto prazo, mas, superado esse problema, o IPT tra­balhará no seu ponto de equilíbrio, o que não consegue fazer hoje. A partir daí, poderá crescer em condição sau­dável e permanente.

Na base desse crescimento, é imprescindível a presen­ça permanente de recursos do Tesouro, como hoje, numa proporção de 50% do orçamento total. Para cada real que o IPT crescer com recursos auferidos de sua atuação no mercado, o Estado deverá crescer numa participação igual. Esta é uma proposta aceitável para a sociedade, e sua execução dará a ela um IPT tão atuante como no seu primeiro século de vida.

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Novas responsabilidades ' . se sotnatn a pesquisa

O engenheiro agrônomo Eduardo Antonio Bulisani, diretor-geral do Instituto

Agronômico de Campinas (IAC), formou-se pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade

iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii;;;;;:::::;;;;;;:==::; z Os institutos de pesquisas ligados à ~ agricultura em seu sentido amplo foram

6 fundados no Estado de São Paulo para re­" solver problemas da comunidade por meio

de São Paulo. Em 1979, obteve o mestrado, pela Universidade do Estado de Washington, nos Estados Unidos, e em 1994 o doutorado, pela Esalq.

de experimentação e pesquisa, essencial­mente, e também para se conseguir apro­priação de conhecimento e prestar serviços tecnológicos. A impressão é a de que os ca­sos paulistas foram extremamente bem-su­cedidos. Em poucos lugares do mundo foi possível alcançar tanto sucesso com relação aos recursos investidos. Os cálculos de taxa de retorno desses investimentos são todos altamente expressivos e ainda mais quan­do se consideram produtos individuais, co­mo café, cana-de-açúcar, algodão e citros.

Desde 1969, Bulisani é pesquisador do Instituto Agronômico, trabalhando especialmente no setor de Leguminosas. De 1981 a 1992, foi chefe da seção técnica e,

Eduardo Antonio Bulisani É sempre bom lembrar casos que rele­

vam a importância da pesquisa agrícola. Um dos mais citados é o do algodão.

de 1992 a 1998, diretor de divisão. Tem cerca de 30 artigos científicos publicados, especialmente sobre feijão, soja e adubação verde. Ganhou duas vezes o prêmio de Honra ao Mérito do governo de Estado de São Paulo, pelo desenvolvimento de novos cultivares de soja e feijão. O Instituto Agronômico já completou seu primeiro século. Foi fundado em 1887 pelo imperador dom Pedro 11, com o nome de Estação Agronômica de Campinas, e passou para o governo do Estado de São Paulo em 1892. Nos últimos 50 anos, lançou mais de 300 novos cultivares de diversas plantas. Atualmente, seus pesquisadores trabalham em cerca de 140 projetas, usando 6 mil hectares distribuídos por 20 estações experimentais espalhadas pelo estado.

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Quando, em 1929, houve uma crise de excesso de produ­ção de café, o algodão já existia como uma alternativa tec­nológica pronta para ser adotada. Isso contribuiu para que o Estado de São Paulo e o país sofressem menores perdas do que ocorreria normalmente.

Há exemplos mais recentes. A importância da existên­cia de uma tecnologia brasileira foi realçada por um fato, também ligado ao algodão, que ocorreu na safra de 1998 e 1999 no Esrado de Goiás. Os produtores, trabalhando com material importado, tiveram um prejuízo de aproxi­madamente R$ 55 milhões, devido ao intenso ataque de uma doença pouco importante para os cultivares de algo­dão desenvolvidos no Brasil. Ou seja, devido ao açoda­mento da iniciativa privada em importar materiais novos e plantá-los em larga escala, sem verificar se estavam per­feitamente adaptados ao meio, o potencial dos prejuízos causados por um agente, responsável por uma moléstia, elevou-se a tal ponto que nem os cultivares aqui desenvol-vidos, tidos como tolerantes, suportaram o ataque. Cente­nas de outros exemplos mostram como os institutos da área agrícola trabalhavam e trabalham com questões de alta relevância para a socioeconomia do país.

Os institutos paulistas ligados à agricultura, com o passar do tempo, passaram por um processo de especia­lização. Os diversos institutos criaram escolas e, princi­palmente, uma competência para resolver problemas, es­pecialmente quando atuam de maneira multidisciplinar e articulada. Sua capacidade instalada sempre pronta a se organizar e reorganizar permitiu que em pouco tempo

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fossem resolvidas dificuldades como a ocorrida em Goiás, a do nematóide de cisto da soja, a da nova mosca branca e dezenas de outras.

Nessa trajetória, os institutos se especializam cada vez mais. Vão sendo formados especialistas focados no co­nhecimento dos produtos e relativamente poucos volta­dos para os sistemas produtivos como um todo. Mas, de qualquer maneira, eles têm uma participação importan­te na definição de uma tecnologia agrícola tropical. Tra­ta-se de uma tecnologia que não pode ser importada. Ela precisa ser brasileira. E hoje, sem dúvida, o Brasil é deten­tor do maior e mais abrangente co-nhecimento desse setor no mundo.

PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

chamar de "agro-silvo-pastoril e pesca" é o de que eles as­sumiram, de maneira clara e precípua, a tarefa da difusão e transferência de conhecimento. Os institutos não po­dem prescindir dessa atividade. Mas essa responsabilida­de ajudou a quebrar um tripé que existia há algum tem­po, no qual os componentes do ensino, da pesquisa e da extensão rural apareciam separados. Agora, os institutos são cobrados permanentemente pela difusão e transferên­cia de tecnologia, de uma maneira até um tanto contunden­te, pois há uma certa confusão entre difundir e transferir com treinar. Treinar um determinado número de produ-

tores ou industriais é até relativa­mente fácil. Coloca-se o pessoal

Mas estão ocorrendo aconteci­mentos importantes. Examinan­do-se o quadro de pessoal, de fins de 1992 até hoje, verifica-se que o IAC conseguiu manter, aproxi­madamente, o mesmo número de pesquisadores. Entretanto, vem ocorrendo uma perda sensível de pessoal de apoio. Nessa área, a redução atingiu praticamente a metade do quadro de pessoal do Instituto. Trata-se de uma gran-

''o Estado não tem a i nda mecanismos eficazes para

a proteção

num auditório e passam-se as ex­plicações. Porém, treinar todos os produtores do estado, ou mesmo segmentos de cadeias produtivas em sua totalidade, é muito mais com­plicado, especialmente com as es­truturas e pessoal hoje existentes.

Houve, assim, uma mudança de trajetória com relação à pesqui­sa agropecuária, à produção de bens e à prestação de serviços fei-

do conhecimento''

de dificuldade, que deve ser mais bem avaliada.

Quando se examina a produção científica e tecnológi­ca dos institutos, somada à sua prestação de serviços, nota-se uma diferença em relação a um passado não dis­tante. O que aconteceu, e está acontecendo cada vez com maior intensidade, não é um desvio de função ou missão. Mas eles estão assumindo cada vez mais o papel de difu­sores de tecnologias e principalmente, em conjunto com as universidades, um papel de apoio ou de complemen­taridade nos cursos de pós-graduação. Esse é um fato ob­servado praticamente em todos os países onde se desen­volvem pesquisa e ensino públicos.

O processo, incipiente até 1970, foi evoluindo em fun­ção da capacidade instalada e da competência do pessoal formado em pós-graduação nos institutos. Hoje, é fato corriqueiro, na análise de currículos de pesquisadores, encontrarmos também a qualificação de docente.

Isso pode explicar em parte por que não ocorre uma queda na produção científica dos institutos. Muito pelo contrário, observa-se em determinadas áreas até um acrés­cimo acentuado. Isso ocorre porque a participação dos bolsistas está aumentando. O Instituto Agronômico abriga, hoje, um grande número de bolsistas, estagiários de uni­versidades e empresas ou recém-formados. Com 212 pes­quisadores científicos, atende até 300 bolsistas por ano, não propriamente trabalhando, mas estudando no IAC.

Outro fator que levou a mudanças de imagem e ativi­dade dos institutos de pesquisa na área que podemos

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tas pelos institutos da área agríco­la. Existem hoje, como diretrizes

básicas em função da realidade socioeconômica do país, da globalização e da modernização dos produtos e pro­cessos, quatro pontos que devem ser incorporados na concepção de sua atuação como básicos à sua inserção nas políticas públicas e na comunidade. Esses pontos são a geração de renda, a geração de trabalho, a inclusão so­cial e a qualidade certificada dos produtos. Os institutos, hoje, têm dificuldade para articular sua programação científica dentro dessas diretrizes básicas. Os próximos passos para que eles consigam continuar a trabalhar bem, prestar serviços à comunidade e avançar no conhecimen­to devem estar ligados à criação de mecanismos de apro­priação do conhecimento gerado.

Existe porém, nesse campo, a questão do tratamento desse conhecimento e da maneira como os institutos po­dem apropriar-se desse conhecimento em seu benefício próprio, auferindo recursos dele. Hoje, esse conhecimen­to é público e o que é público não protege o seu conheci­mento. O Estado não tem ainda mecanismos eficazes para sua proteção, ou mesmo para cobrar royalties ou usar processos de outra natureza para que esses recursos voltem para as instituições geradoras.

Além disso, será necessário criar novos mecanismos da gestão da pesquisa propriamente dita, principalmente da gestão das instituições, do ponto de vista financeiro, administrativo e patrimonial, a partir do imenso patri­mônio e da capacidade instalada para se executar ciência e tecnologia no estado.

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Page 24: Pensando São Paulo: Universidades e Institutos

Medidas para tnotivar e tnanter os funcionários

O presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo,

Nélson Raimundo Braga, é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ) e trabalha como pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Obteve o mestrado no departamento de Fitotecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com um trabalho

~ A conjuntura mundial vive, hoje, um ~ processo de implosão dos Estados nacio-6 nais. Tudo o que ocorre hoje em termos i' de debilitamento de empresas públicas,

de comparação de dez cultivares de soja num ambiente de alto rendimento. O doutorado foi

Nélson Raimundo Braga

de institutos de pesquisa e de universida­des vem de uma compressão orçamentá­ria com relação aos gastos sociais, resul­tante desse processo. O prioritário para o Estado, hoje, é pagar dívidas. Como se fosse uma homenagem aos 500 anos do descobrimento, a dívida pública brasilei­ra, interna ou externa, atingiu cerca de US$ 500 bilhões. Esse é o fato maior da conjuntura em que vive o Brasil e o mun­do. Sem olhar isso, não é possível falar de instituições de pesquisa ou de coisa algu­ma. A situação das instituições de pesqui­sa reflete o que ocorre com o país.

conseguido no departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. A tese examinou as possibilidades do cultivo do grão-de-bico na área de Viçosa. No IAC, onde está desde 1975, Braga trabalha no Centro de Plantas Graníferas e é autor de diversos trabalhos sobre a adaptação do cultivo de grão-de-bico ao Estado de São Paulo e sobre o melhoramento da soja. Participou do lançamento de diversos novos cultivares de soja. Nos últimos anos, vem pesquisando também a adubação verde, uma técnica com a qual é possível melhorar o solo e a produtividade das plantas com pouco ou nenhum uso de adubos químicos. Este é o seu terceiro ano, num segundo mandato, na presidência da Associação dos Pesquisadores.

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Quanto à dimensão do setor de ciên­cia e tecnologia, é dispensável e redundante falar da im­portância de instituições como os 17 institutos de pesqui­sa paulistas, da Embrapa e das universidades públicas, estaduais e federais, em termos de geração de conheci­mento básico e de sua tradução em tecnologias capazes de responder a questões concretas apontadas pela socie­dade. As tecnologias de que o mundo tropical precisa não · chegam pela Internet nem por satélite. Por isso, é funda­mental que o 13rasil revigore os institutos de pesquisa e as universidades do sistema público.

As dificuldades em São Paulo não começaram hoje. Uma pesquisa feita em 1984 pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia indicava já um quadro de crise, de retração orçamentária, de evasão de pessoal, de desconti­nuidade de medidas governamentais que sustentassem os institutos de pesquisa. É preciso, porém, conhecer os moti­vos da crise que atinge instituições de pesquisa da dimensão do Instituto Agronômico de Campinas. Em 1975, o IAC dispunha de 3.200 servidores. Hoje, tem menos de 1.500.

Se for feito o mapeamento desse pessoal, será possível observar que os pólos de criação de tecnologia no Insti­tuto Agronômico foram os mais debilitados. Um dos la­boratórios do Instituto, que participou do Projeto Geno­ma, merecedor de uma homenagem expressiva do governo do Estado, não dispunha de nenhum servidor de apoio permanente. Realizou a sua missão com compe­tência, mas recrutando pessoas na forma de bolsas e ou­tras formas de emprego não-estáveis. A situação dos ins­titutos de pesquisa está chegando ao limiar do escândalo.

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Eles hoje recrutam pessoal para trabalhar inclusive sem respeitar a legislação trabalhista.

No caso do Instituto Agronômico, em particular, seus pesquisadores tiveram este ano uma surpresa desagradá­vel. Em janeiro, foram informados de que, diante da falta de recursos, teriam de pagar parte do custo da publicação de seus trabalhos. Ou seja, o autor de uma pesquisa tem de tirar do seu bolso, do seu salário, os recursos para co­brir os custos de um periódico da instituição. O estado de penúria dos pesquisadores seria ainda pior se, no ano passado, o governador Mário Covas, após quatro ou cinco anos de luta de parte da Associação dos Pesquisadores e de setores so-

PE NS AN DO SÃO PA U LO: UN IV ERSIDADE S E INS TIT UTOS

nha condições de custear nossas atividades, como parte do trabalho. Assim, perderemos nossa autonomia e a isen­ção imprescindíveis a quem cumpre uma função pública de interesse social.

Não é digno que isso aconteça, não é justo. Ou se to­mam medidas urgentes de recuperação e de restauração dos institutos de pesquisa, ou eles passarão a representar o papel de tradutores de tecnologias importadas, difuso­res de tecnologia feita por outros e com interesse diferen­te do brasileiro. O país precisa buscar um caminho pró­prio, independente, autônomo e soberano, embora

evidentemente com uma visão global e universal. É preciso inse­

ciais solidários, não tivesse consa­grado a equiparação que os pes­quisadores tinham por lei com os salários dos docentes das universi­dades estaduais.

Sem dúvida, foi um ato de grandeza do governador. Mas, com relação ao pessoal de apoio, nada, porém, foi concretizado. A associação encaminhou ao gover­nador um anteprojeto que sinali­zava uma nova concepção de car-

''o país precisa buscar um

caminho próprio, independente,

autônomo

rir-se nesse mundo, dito globali­zado, mas com soberania, com independência e com a cara de Brasil. É a isso que os institutos de pesquisa se prestam. É para isso que foram edificados.

A médio e longo prazo, o ca­minho definitivo para recuperar uma política de pessoal que fixe, motive e dê estabilidade aos insti­tutos é proteger a carreira de pes-

e soberano''

reira. Até o valor correspondente do orçamento era secundário naquele instante. O objeti­vo da associação era mostrar ser possível uma gestão mo­derna nos institutos, para que eles possam recrutar, fixar, motivar e dar estabilidade ao seu pessoal permanente.

Parece, porém, que dentro de todos os governos, in­clusive do atual governo estadual de São Paulo, existe um entulho burocrático, formado por pessoas que aprende­ram profissionalmente a técnica de dizer não. Sempre que se encaminha ao governo alguma coisa que tenha mérito social, essas pessoas têm o capricho de justificar o não, de explicar o não.

De qualquer maneira, vive-se hoje um processo de sensibilização do governo, da Assembléia Legislativa, de to­dos os deputados, de todos os partidos. Esse movimento não tem caráter partidário, é um movimento em defesa do Brasil, de São Paulo e das suas instituições. Quem estiver ao lado dessas instituições, integra o movimento. Deve­mos buscar o caminho definitivo para conquistar uma po­lítica de recursos humanos que dê estabilidade aos insti­tutos a médio e longo prazo. Para isso, é fundamental tomar medidas que protejam os servidores de apoio à pesquisa.

O objetivo é evitar um mal maior, o colapso de insti­tuições que vão perder a sua característica de instituições públicas para se transformarem talvez, na melhor das hi­póteses, em prestadoras de serviços a terceiros. Daqui a alguns anos, nós, que pesquisamos soja, talvez sejamos compelidos a sair fazendo palestras ou outras atividades, sob o patrocínio da Monsanto ou de quem quer que te-

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soal de apoio. Em caráter emer­gencial, porém, é básico estender o

diferencial salarial concedido ao pessoal de apoio à saúde a todos os outros servidores, de maneira universal e não excludente. Se o Brasil não tiver a Embrapa, empresas es­taduais e universidades fortalecidas, não terá como reagir para desenvolver-se com soberania e justiça social. Abri­gará uma população de consumidores e produtores re­féns de poucas transnacionais, que imporão aos brasilei­ros o que e cÓmo eles vão produzir e consumir.

Os institutos de pesquisa vivem hoje um momento dramático. A associação tem sugerido que o Poder Execu­tivo e a Assembléia Legislativa realizem visitas e audiên­cias públicas nos próprios institutos. A posição dos pes­quisadores científicos é de transparência, é de respeito à verdade dos fatos. Não há nada a esconder. É preciso evi­denciar méritos e carências de cada instituição.

O governador teria uma caminhada muito positiva se ele fosse aos institutos. Apesar das crises, ele encontraria o Instituto Agronômico, por exemplo, produzindo novas variedades de manga, de café, de soja, amendoim, trigo, feijão, participando do Projeto Genoma, com espírito cria­tivo e produtivo e tentando romper as dificuldades. De­pois destas audiências, governador e deputados poderiam assumir suas decisões com mais convicção. O que os pes­quisadores representados pela associação pedem neste momento é a ajuda do Poder Legislativo e do Executivo para retirar os institutos do isolamento e da marginalida­de e para que suas realidades, finalmente, sejam conheci­das e modificadas.

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Para crescer, a agricultura precisa ser cotnpetitiva

A o defender a adoção de novos parâmetros para avaliar os resultados

da pesquisa agropecuária no Brasil, o ~ngenheiro agrônomo Alberto Duque Portugal pisa em terreno conhecido. Ele concentrou seus estudos e pesquisas nas áreas de gestão de pesquisa, socioeconomia, economia agrícola e desenvolvimento rural. Desde maio de 1995, ele é presidente

w O americano Jeffrey Sachs afirmou ~ d _ recentemente que o mundo não está ivi-~ dido pela ideologia, mas pela capacidade g ~ de gerar e absorver tecnologia. Informa-~ ções da Unesco e do Banco Mundial in-

da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura Alberto Duque Portugal

dicam, realmente, que há uma forte cor­relação entre indicadores de renda e intensidade de ciência e tecnologia entre países. Relacionando-se a renda per capi­ta PPA (Paridade de Poder Aquisitivo) com o número de pesquisadores científi­cos por milhão de habitantes, constata­se que as regiões mais desenvolvidas do mundo, as que têm renda per capita aci­ma de US$ 20 mil ao ano, têm acima de 3 mil pesquisadores por milhão de habi­tantes. Blocos de países em desenvolvi­mento, como a América Latina, possuem uma renda per capita PPA entre US$ 5 e Abastecimento, responsável,

em boa parte, pela posição de destaque do país com relação à agricultura em áreas tropicais e subtropicais. Sua experiência inclui um período, entre setembro de 1993 e março de 1994, no qual foi secretário-executivo e ministro interino, no Ministério da Agricultura. Portugal formou-se engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1968, e obteve o doutorado em sistemas agrícolas pela Universidade de Reading, na Inglaterra, em 1982. Trabalhou como engenheiro agrônomo e agente de extensão rural em Minas Gerais e Goiás. Foi chefe do Departamento de Zootecnia e diretor de Operações Técnicas da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Antes de ir para Brasília, chefiou o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Leite (CNPGL) da Embrapa, em Coronel Pacheco (MG). No setor privado, foi produtor rural e serviu como presidente da Associação de Produtores Rurais do Vale do Rio Preto (MG).

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mil e US$ 10 mil, e sua relação é de menos de 500 pes­quisadores por milhão de habitantes.

A mesma relação é observada quando se compara a renda per capita PPA com a porcentagem de investi­mentos em ciência e tecnologia ( C&T) com relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Tomando apenas o pro­duto agrícola bruto, os países desenvolvidos investiram, em média, 2,3% no ano de 1997. Alguns se aplicaram mais do que i~so. Os Estados Unidos investiram 3,4%, o Reino Unido, 3,7% e o Canadá, 5,3%. Os países desen­volvidos investem mais de 2% de seu PIB em C&T, en­quanto, para as nações em desenvolvimento, o valor mé­dio é de 0,5%. Estima-se que a África invista apenas ao redor de 0,3% de seu PIB em C&T.

Um fator importante é que essa diferença está au­mentando. Entre 1971 e 1992, houve um crescimento de 68,7% nos investimentos em ciência e tecnologia dos países mais ricos. Nos menos desenvolvidos, o aumento foi de 27%.

O Brasil melhorou bastante, nos últimos anos. Esti­ma-se que esteja investindo ao redor de 1,0% de seu PIB em atividades de C&T, computando-se os setores públi­co e privado. Este valor está muito acima da média dos países em desenvolvimento, de 0,5%, graças a esforços do governo federal e de vários estados, inclusive São Paulo. Mas, embora os investimentos estejam aumen­tando, ainda estão aquém das potencialidades e necessi­dades para que o Brasil entre num ritmo de desenvolvi­mento mais rápido.

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Que fatores levam a essa diferença entre países ricos e países pobres? Primeiro, os países ricos dão maior im­portância à C&T do que os países pobres. Portanto, in­vestem mais em C&T. Outro fator é a participação do Estado. Nenhum país é capaz de criar um sistema forte de ciência e tecnologia, capaz de proporcionar desen­volvimento, sem a ativa participação do Estado. Além disso, em todos os países mais ricos há uma crescente presença do setor privado, complementando ou soman­do esforços com o poder público. É um diferencial que não se observa nos países em desenvolvimento.

Existe ainda um fator extre­mamente importante, que é a

PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

sível de agentes econômicos, especialmente pequenos produtores rurais. Esses desafios só poderão ser venci­dos se a estrutura produtiva brasileira tiver o suporte de uma forte estrutura de ciência e tecnologia.

Há áreas de C&T que farão a diferença, com impac­tos muito fortes sobre a agricultura no século que se ini­cia. Entre elas há áreas inovadoras como a biotecno­logia, incluindo a engenharia genética. Elas estão mudando as vantagens competitivas entre regiões e paí­ses. Elas tornam possível, por exemplo, desenhar um produto de acordo com os desejos do mercado. Podem

também levar a métodos de pro­dução mais baratos e com o me­

existência de um arcabouço legal adequado, capaz de proteger a propriedade intelectual. O Brasil começou agora, na década de 90, a montar um arcabouço legal desse tipo, com agilidade e flexi­bilidade, capaz de dar condições para que a ciência e a tecnologia avancem rapidamente e de esti­mular a participação do setor privado em parceria com o setor público.

''o agronegócio pOSSUI Um

grande potencial

nor uso de defensivos. Outra área inovadora é a agri­

cultura de precisão. Constitui-se em um sistema integrado de in­formações e tecnologias, baseado no conceito de que as variabilida­des espacial e temporal influen­ciam os rendimentos de cultivos e a sua sustentabilidade. Seu uso permite a redução do risco eco­nômico, ao diminuir custos de

de crescimento no Brasil''

Há vários motivos para que o Brasil e, em particular, o Estado de São Paulo conti­nuem a investir em pesquisa agropecuária. Embora te­nha decrescido a participação da agricultura na renda nacional, o que é normal num processo de desenvolvi­mento, a contribuição do agronegócio, como um todo, representa ao redor de 25% do PIB nacional. Além de ser, isoladamente, o setor mais importante da econo­mia, possui um grande potencial de crescimento, pela abundância de seus recursos naturais, como terras nos cerrados, e pela disponibilidade de tecnologia e capaci­dade empresarial.

Num mundo em rápido processo de globalização, com crescente abertura comercial, a agricultura para crescer deve ser competitiva, em termos de qualidade dos produtos, preços e continuidade de oferta. Ao mes­mo tempo, precisa estar constantemente preocupada com a sustentabilidade, especialmente do ponto de vis­ta ambiental. O Brasil precisa ser competitivo, mas sem perder de vista essa questão. A questão ambiental já es­tá colocada de maneira decisiva e definitiva em toda a sociedade. Há ainda a questão da qualidade da nutri­ção. Serão cada vez mais valorizados os vínculos exis­tentes entre agricultura, alimento, nutrição e saúde. Es­tes são três desafios comuns à agricultura de qualquer país do mundo.

O Brasil tem, ainda, outro desafio: a eqüidade social. Precisa incorporar ao processo produtivo de mercado, ao processo de desenvolvimento, o maior número pos-

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produção. Permite também redu­zir o risco de contaminação, do

solo e da água, já que os insumos são aplicados localiza­damente, em quantidades variáveis e em tempos especí­ficos, de conformidade com mapeamentos obtidos an­teriormente.

Outras tecnologias são aquelas que agregam valor ao produto agropecuário, ou atuam sobre o processamen­to ou a diversificação de seu uso. Há ainda as tecnolo­gias que torn(lm mais ágil o acesso e a disseminação de informações. Se o Brasil não conseguir dominar bem es­sas tecnologias, dificilmente será capaz de vencer os seus desafios e manter-se no mercado. Todas essas tecnolo­gias terão um impacto muito grande no século 21.

A superação dos desafios e o domínio dessas tecno­logias são importantes não somente para a agricultura brasileira. Eles têm outros efeitos positivos. O Brasil tem uma posição geográfica similar à de países menos desen­volvidos no mundo tropical: África, Ásia e América La­tina. País tropical e subtropical, é detentor de um forte estoque de conhecimento de tecnologia para o agrone­gócio nessas áreas. O estoque de tecnologia tropical e subtropical desenvolvido pelo Brasil pode ser um exce­lente instrumento de cooperação técnica com países da África, Ásia e da própria América Latina e do Caribe, com a conseqüente integração comercial e política, co­locando o Brasil em posição privilegiada.

A Embrapa está inserida em todo esse contexto. A sua missão é viabilizar soluções para o desenvolvimen­to sustentável do agronegócio brasileiro por meio da

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PENSAN D O SÃO PAU LO: UN IVERS ID ADES E I NS TI TU TOS

geração, adaptação de transferência e conhecimentos e tecnologias em benefício da sociedade. O papel da Em­brapa hoje não é simplesmente fazer pesquisa, mas viabilizar soluções por meio da pesquisa, com a preo­cupação de olhar a do agronegócio com uma visão que vai desde a do pequeno produtor até à do grande em­presário.

A Embrapa entende como agronegócio não só a grande empresa, mas todo um conjunto, composto pelo que está dentro da fazenda, antes da fazenda e depois da fazenda, incluindo aí o pequeno produtor. Sua política de administração está baseada numa filosofia de relacionamento

buscar a eficiência e a racionalização no uso de recursos e ter foco nas necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade. Devem ser modelos com processos azeita­dos, embasados em avaliações por resultado.

Outro aparte é o necessário engajamento do setor privado. Esse setor participa ativamente no desenvolvi­mento da ciência e tecnologia em países desenvolvidos. A equação do desenvolvimento brasileiro, em todas as áreas, mas especialmente no agronegócio, não poderá ser adequadamente resolvida somente com os recursos do Estado. O setor privado terá de participar decisiva-

mente desse esforço. Finalmente, investimentos em

com a sociedade e com o merca­do, entendido num sentido am­plo, não se limitando ao que se refere a transações financeiras, e com três políticas setoriais bem definidas, uma de pesquisa e de­senvolvimento, outra de negócios tecnológicos e uma terceira de co­municação empresarial.

Essas políticas partem da pre­missa de que a Embrapa está num negócio, como outro qualquer.

''o pequeno tem de receber a tecnologia,

po1s nao tem condições de comprá-la''

ciência e tecnologia agropecuária pelo Estado de São Paulo mante­rão a sua liderança, em relação ao resto do Brasil, que resultará em futuros bons negócios para o es­tado. A Embrapa tem hoje em São Paulo cerca de 40 projetas de pesquisa em andamento, envol­vendo 13 instituições em Jagua­riúna, Campinas e São Carlos. A Embrapa tem procurado fazer

Mas está entendido que a Embra-pa não vai vender tecnologia para o pequeno produtor. Ele tem de receber essa tecnologia, pois não tem condi­ções de comprá-la. Então, é óbvio que órgãos de desen­volvimento, ministérios, secretarias estaduais, coopera­tivas, associações, têm de tornar viável essa tecnologia.

Mas como podem o Estado de São Paulo e o Brasil aumentar suas capacidades de gerar ciência e tecnologia agropecuárias? Há quatro questões fundamentais a con­siderar. A primeira é a valorização institucional. É de fundamental importância que a população brasileira en­care a questão da ciência e tecnologia como um seta r es­tratégico, tão importante para o seu futuro como a edu­cação, a segurança e o transporte.

Outro ponto é o arcabouço legal. Felizmente, nos últimos anos, o Brasil aprovou uma legislação sobre propriedade intelectual, o que aumentou a possibilida­de de o setor privado investir também na área. Mas, ainda, é preciso buscar, dentro do arcabouço legal bra­sileiro, um nicho que dê à ciência e tecnologia um am­biente propício para o desenvolvimento institucional. A pesquisa precisa de continuidade, estabilidade, agili­dade e flexibilidade, características essenciais a insti­tuições que queiram acompanhar o avanço científico mundial.

Também é fundamental desenvolver e exercitar mo­delos de gestão capazes de atender às expectativas da so­ciedade e do próprio governo, que é quem banca os re­cursos das instituições públicas. Esses modelos devem

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um grande esforço. Acho que toda a estrutura de ciência e tec­

nologia tem que fazer seu dever de casa nesse sentido.

FORU M SÃO PAULO SÉCU LO 2 1

PRESIDENTE: DEPUTADO VANDERLEI MACRIS

RELATOR-GERAL: DEPUTADO ARNALDO JARDIM

GRU PO T E M Á TIÇO NÚM E RO 13

CL~NCJA, T EC NOLOG IA E C OMUNIC A ÇOES

COORDENADOR: DEPUTADO CARLOS ZARATTINI

RELATOR: DEPUTADO EDMUR MESQUITA

CONSELHO TEMATICO:

JosB ANIBA L PERES DE P ONTES

F LAVIO GRYNSZPAN

OZIRES SILVA

ALDO M ALAVASI

H ERNAN CHA IMOVICH

ANTON IO M ANOEL DOS SANTOS SILVA

CARLOS VOGT

CRODOWALDO PAVAN

JOAO PISYSIEZNIG F ILHO

NELY BACELAR

0 TAVIANO H ELENE

NBLSON RAIMU DO B RAGA

EDUARDO ANTONIO B ULISANI

FERNANDO L EÇA

CARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ

CLAUD IO RODRIGUES

H BLIO WALDMAN

MARCOS ANTONIO MONTEIRO

M ONICA TEIXEIRA

PESQUI SA FAPESP