jornal sem terra 319

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www.mst.org.br ANO XXX– Nº 319 – JUN/JUL/AGO 2012 O realismo fantástico do escritor Gabriel Garcia Márquez Página 14 LITERATURA José Ricardo apresenta tarefas da militância até o 6º Congresso Páginas 4 e 5 ENTREVISTA Unidos pela Reforma Agrária! Reportagem e ensaio fotográfico do encontro dos movimentos do campo Encarte ESPECIAL Encontro dos movimentos do campo reúne 7 mil pessoas em Brasília e planeja lutas unitárias

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Jornal sem terra 319

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Page 1: Jornal Sem Terra 319

www.ms t . o rg . b r ANO XXX– Nº 319 – JUN/JUL/AGO 2012

O realismo fantástico

do escritor Gabriel

Garcia Márquez

Página 14

LITERATURA

José Ricardo apresenta

tarefas da militância

até o 6º Congresso

Páginas 4 e 5

ENTREVISTA

Unidos pela Reforma Agrária!

Reportagem e ensaio

fotográfico do encontro dos

movimentos do campo

Encarte

ESPECIAL

Encontro dos movimentosdo campo reúne 7 milpessoas em Brasília eplaneja lutas unitárias

Page 2: Jornal Sem Terra 319

2 JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

EDITORIAL O Encontro demonstrou que para vencermos é necessário buscar a unidade

Palavra do leitor FRASE DO MÊS

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

Edição-chefe: Igor Felippe Santos. Edição-adjunto: Luiz FelipeAlbuquerque. Revisão: Jade Percassi. Projeto gráfico e diagramação:Eliel Almeida. Assinaturas: Elaine Silva. Tiragem: 10 mil exemplares.Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/SP – Tel/fax: (11) 2131-0850. Correio eletrônico: [email protected]ágina na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal SemTerra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação,desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.

Mande sua mensagempara o Jornal Sem Terra

Sua participação é muito importante. Ascorrespondências podem ser enviadas [email protected] ou para a Alameda Barão de Limeira,1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. Asopiniões expressas na seção “Palavra do leitor” nãorefletem, necessariamente, as opiniões do Jornal sobreos temas abordados. A equipe do JST pode,eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.Foto da capa: Valter Campanato/ABr

Unidos, podemossomar forças quedemonstrem aogoverno e ao latifúndioque o povo do campoquer Reforma Agrária

A REFORMA AGRÁRIA, nossa princi-pal bandeira de luta, sofre sérios ataquesdiante da atuação do agronegócio e dolatifúndio brasileiro. Este modelo avançasobre os recursos naturais e minérios,mediante a concentração de terras e aliançacom empresas transnacionais, comoCargill, Bayer, Monsanto, Syngenta, den-tre outras. Não é de hoje que denunciamoso agronegócio e o perigo que representapara a produção de alimentos saudáveise para o acesso à terra de milhares decamponeses e camponesas.

No entanto, verifica-se que, no âmbitopolítico, os inimigos da Reforma Agráriaganham força e influência em diversospoderes do Estado. Se analisarmos aCâmara dos Deputados e o Senado Fede-ral, enfrentamos a atuação da bancada

ruralista, cujo compromisso é impedir queos trabalhadores alcancem conquistasimportantes, como a democratização daterra, direitos trabalhistas e ambientais.

Até mesmo as conquistas recentes, con-seguidas a duras penas pelos movimentospopulares do campo brasileiro, estão amea-çadas pelo o agronegócio, CNA e seusrepresentantes no Congresso Nacional.Programas como o de Alimentação Esco-lar (PNAE), o Programa de Aquisição deAlimentos (PAA), assistência técnica,políticas de agroecologia e habitação ru-ral correm o risco de passar para as mãosde quem mais combatemos: o latifúndio.

O governo federal demonstra fragili-dades ao enfrentar o agronegócio e o saquedos recursos naturais. Podemos citar comoexemplo a derrota do governo diante dasmudanças ao Código Florestal que benefi-cia a mercantilização das terras brasileirasem detrimento do meio ambiente. Alémdisso, mudanças no Código de Mineraçãoe no Código de Processo Civil tendem aaumentar a disputa por terra e território,acrescendo a quantidade de trabalhadoressem acesso a terra, além da criminalizaçãodos movimentos sociais e da organizaçãodos pobres do campo e da cidade.

Em certa medida, o governo é coni-vente e faz o papel ideal para o capital ao

imprimir este modelo de agriculturadominada por apenas algumas grandestransnacionais. No que tange à ReformaAgrária, o governo abandonou a luta con-tra o latifúndio ao não promover novasdesapropriações de terras.

Diante dessa conjuntura, os movimen-tos populares do campo realizaram, entre20 e 22 agosto, um encontro que rememo-rou o primeiro Congresso de Lavradorese Lavradoras, realizado em 1961 na cidadede Belo Horizonte (MG). O EncontroUnitário dos Trabalhadores, Trabalhado-ras e Povos do Campo das Águas e dasFlorestas contou com a participação demais de sete mil pessoas, organizadas em30 movimentos que fazem a luta pela terrae território, incluindo indígenas, quilombo-las, pescadores, pequenos agricultores,extrativistas, assalariados rurais, assentadose sem terras. Uma bela marcha com cercade 10 mil pessoas foi realizada em Brasília,ao nos direcionamos ao Palácio doPlanalto, onde fica a presidenta Dilma,para cobrar Reforma Agrária.

As avaliações realizadas durante oEncontro Unitário mostram que acorrelação de forcas é desfavorável e asconquistas no campo têm sido cada vezmais escassas. Verificamos que os desafiossão grandes e, para vencê-los, é preciso

que priorizemos a organização unitária emtodos os estados, que deve culminar emjornadas de lutas unificadas, que reafirmema defesa da terra e do território, a ReformaAgrária e a legitimidade da organizaçãode trabalhadores do campo, camponeses,índios, pescadores e quilombolas.

Com a luta unitária, temos o objetivode garantir a nossa soberania alimentar,construindo um projeto camponês paraprodução de alimentos saudáveis, semagrotóxicos, baseado na agroecologia ena diversificação. Além disso, devemosexigir que as conquistas dos movimentossociais na política pública sejamfortalecidas, e não apropriadas peloslatifundiários e transnacionais.

A força do agronegócio e a postura doEstado frente ao latifúndio nos mostra que,sozinhos, podemos não alcançar conquistasreais para o povo do campo. No entanto,unidos, dialogando com o conjunto dosmovimentos sociais, podemos somarforças por meio de um amplo calendáriode lutas unitárias e massivas, que demons-trem ao governo e ao latifúndio que o povodo campo quer Reforma Agrária e queestamos cada vez mais fortes e dispostos alutar por Terra, Território e Dignidade.

Tarefa é construir a luta unitária emassiva dos movimentos sociais do campo

Admiramos a luta devocês, nos inspira emotiva a nos mobilizarpor uma realidade maisjusta e menos violenta.Obrigado pela aula nasemana passada, pelosjornais, livros e as armasque tem maior podercontra o imperialismo e aopressão, a educação!Um Forte Abraço... Paz!"

DETENTOS DO PROJETO ‘COMO VAI SEU MUNDO,SISTEMA CARCERÁRIO DE SÃO PAULO

“Que o movimento pela ReformaAgrária continue soando forte.Parabéns para todos que fazem a lutaacontecer por um amanhã melhor”.

ROBINSON

•••“Companheiros, saúdo o MST comoexemplo a ser seguido por todos mesolidarizando e apoiando essa luta”.

AFONSO HENRIQUE COSTA

•••A miséria da consciência vilAssola o "raciocínio humano"Causando disparidades nauseabundasGerando contrastes, infortúnio e óbitos

A abastança dos palacianos poucosEm detrimento dos palafitanos milImensuráveis latifúndios ociososCrianças camponesas sob lonas

Vulnerabilidade à compra de sufrágioNecessidade maior que dignidadeRetroalimento um ciclo imundoOnde hipócritas são tidos como heróis

O futuro do país é uma incógnitaE só se fará patente um dia dessesOu quando o povo resolver agirOu for de uma vez subjugado

SÉRGIO TARGINO DA SILVA FIDELES

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3JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

ESTUDO Jovem tem de forjar experiências onde possa ser protagonista de sua história e criar novo espaço no meio rural

POR PAULO MANSAN

PASTORAL DA JUVENTUDE RURAL

SEGUNDO O ÚLTIMO Censo de 2010,há 8,1 milhões de jovens rurais no Brasil,sendo que 2,4 milhões deles vivem emsituação de extrema pobreza. Muitos delessonham em conseguir trabalho e obterrenda e, assim, reproduzir sua existênciae melhorar de vida.

Não muito diferente dos jovens da ci-dade, a relação entre juventude camponesae o capitalismo também é repleta decontradições. Porém, é necessário notarque a juventude camponesa é umacategoria que sempre se recria junto como campesinato, sendo por vezes os sujeitossociais mais dinâmicos dos assentamentosou das comunidades, bem como das or-ganizações sociais e políticas.

A juventude é um dos atores queproporcionam a esperança de diasmelhores, seja pela sua alegria, por suaorganização em grupos, disponibilidade delutar ou mesmo pela sua disposição nostrabalhos da família, provendo assimesperança e energia na luta camponesa.

No entanto, no debate em torno da per-manência do jovem no meio rural, há duasquestões centrais que tornam o êxodo ruraluma realidade presente: a pressão do capitalsobre o campo e a questão sucessória.

Na primeira, há tanto a problemáticade um campo pensado sem vida, represen-tado pelo agronegócio que não gera empre-go nem absorve a demanda por trabalho,quanto a ideia criada no imaginário popularde que o campo é algo atrasado, enquantoa cidade seria o lugar ideal para se viver.

Já a questão sucessória vem daincapacidade das áreas de assentamento edas propriedades rurais absorverem asgerações seguintes. Isso ainda contribui

para uma possível perda da identidade deluta e vínculo com a terra. Dentre osdiversos fatores que estão por detrás dessarealidade está a falta de infraestruturabásica, que inclui estradas, escolas,saneamento, acesso a terra, a saúde e acultura, transporte, formas de lazer, e emespecial a geração de renda.

Os jovens têm dificuldades de ter rendanas famílias camponesas, já que na maiorparte das vezes todos os recursos estãoconcentrados pelo pai ou pela mãe parasuprir as necessidades da família.

Com isso, os jovens são expulsos eutilizam a migração à cidade como umaforma de manifestar sua necessidade porautonomia e independência, que poderiaser suprida com espaço de real participaçãonas comunidades e nos assentamentos.

Desafios

Em busca da construção de um campocompreendido como um lugar de trabalhodigno para se viver, portanto, precisamosnos empenhar para construir outroparadigma de produção e de consumo. Issoimplica em assumir um estilo de vidavoluntariamente simples e harmonizar asociedade atual com o meio ambiente.

Os jovens, em especial, precisamaprender a conviver em sintonia com a

natureza, conhecer a matrizagroecologica, desenvolver atividadesconcretas de trabalho e ensaiarmudanças da matriz produtiva.

Temos que construir uma via querompa com a dominação do capital,reconfigurando a vida social, onde aeconomia esteja a serviço das necessidadesreais e da construção de relaçõesintegralmente humanas.

A proposta é que, associados, ostrabalhadores e as trabalhadoras seorganizem em grupos ou outras formasde cooperação, para garantir a produçãomaterial. Ao mesmo tempo, organizem ummovimento cooperativista solidário epopular, com gestão democrática, cujaestratégia é tecer, pouco a pouco, os fiosde relações cooperativas e solidárias emredes de complementaridade, em todas asesferas da vida econômica.

Portanto, uma economia sob controlesocial, que tem na cooperação, na partilha,na reciprocidade, na complementaridadee na solidariedade seus valores éticosfundamentais, baseado em uma visãointegral do ser humano emancipado.

A juventude tem de forjar experiênciasonde possa ser protagonista de sua históriae da história da sua geração, ou seja, tenharenda, independência e autonomia paraencaminhar sua vida. Não é romper com

Os desafios da permanência dajuventude do campo

as gerações passadas, mas beber nasexperiências já existentes para construir suahistória como um ator político do processo.O que pressupõe a necessidade de se criaroutro espaço no campo construído pelajuventude Sem Terra.

Experiências

Já existem algumas experiências dejovens que se organizaram para perma-necer no campo, como os Grupos deProdução e Resistência (GPRs), quegarantiram a geração de renda e o com-promisso com um novo modelo.

O GPR é um espaço onde os jovensse organizam para construir a experiên-cia da agroecologia e da cooperação, eensaiar um jeito solidário de economia.Para isso, se organizam coletivamentepara produzir, inclusive em pequenasagroindústrias, e interagem com o mer-cado. Nesse espaço, os grandes respon-sáveis pelo processo de construção sãoos próprios jovens camponeses.

Somos desafiados a construir e a parti-lhar alternativas concretas de permanênciada juventude nos assentamentos. São di-versas as experiências que têm demons-trado que é possível construir outra socia-bilidade e garantir a permanência e o pro-tagonismo da juventude.

Marcha da Jornada Nacional da Juventude no Paraná

A proposta é construirformas cooperadas deprodução onde aeconomia esteja a serviçodas necessidades reais

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4 JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

Para dirigente do MST, o 6º Congresso tem de se transformar em momento permanente de formaçãoENTREVISTA

LUIZ FELIPE ALBUQUERQUE

SETOR DE COMUNICAÇÃO DO MST

JST – Qual é o papel da militânciana construção desse congresso?

JR - O primeiro passo é entender quea construção do 6° Congresso se dádesde o término do 5° Congresso. Co-meçou a se intensificar desde o co-meço de 2011, principalmente nosmomentos das nossas instânciasnacionais. Neste ano, passamos afazer o debate interno nas nossas ins-tâncias nos estados, nas regionais eagora nas nossas brigadas e coletivos.No segundo semestre, começamos afazer esse processo na nossa base, nanossa militância mais localizada, alémdos nossos amigos e aliados. Háalgumas tarefas importantes que estão

dadas para construirmos o congresso.A primeira é dar continuidade e am-pliar o trabalho de base. É o momen-to que mais temos que nos voltar paranossa base e ouvi-la, fazer avaliação,discutir nossa trajetória. Discutir to-dos os temas relatados anteriormente.Outro desafio importante é retomara discussão, ampliar a questão da mís-tica e da nossa simbologia. O 6° Con-gresso tem que formar nossa militân-cia, nossa base e também os aliadosdentro de um momento místico, fazerpresente todos nossos símbolos queconstruímos ao longo de todos essesanos de luta.

JST – Há mais desafios?JR - Mostrar e divulgar o resultadoda Reforma Agrária. Claro que temosdesafios e problemas, mas tambémtivemos muitas conquistas. Temosconstruído muitas experiências e pos-sibilidades em torno de vários proces-sos representados em todos os setores,estados e regiões. Também temos quetrabalhar o processo de solidariedadeentre nós, entre o povo pobre, a alian-ça campo-cidade e o internacionalis-mo. Há o desafio mais interno daampliação dos princípios pelo qual

objetivos do 6° Congresso.Para que possamos fazer o trabalhode base, estamos retomando váriosnúmeros que fizeram parte de nossahistória, do nosso processo, amplian-do a produção dos cartazes para quecada família possa levar o seu. Alémda produção de outros materiais,como a ampliação de bonés que cha-

me a atenção para o congresso, cami-setas, bandeiras, vinhetas nas rádios,os produtos da Reforma Agrária.No final de todo esse processo, quere-mos deixar em cada local que pas-sarmos uma referência do 6° Con-gresso. São muitos os trabalhos queestão sendo feitos para que na

“Precisamos fazer o processo de formaçãonos estados e consultar nossa base”

sempre zelamos e precisamos fortale-cer cada vez mais.O congresso não tem de se limitarapenas nesse processo de preparação,mas tem de se transformar em ummomento permanente de formaçãopara nossa base e militância, além deampliar e radicalizar a luta no campoe na cidade.Outra tarefa pela qual somos cobra-dos por sermos um movimento socialde referência é a socialização dosdesafios com outras organizações.

JST – Que materiais estão sendoconstruídos de subsídio para ostemas que serão trabalhados nocongresso?

JR – Há duas cartilhas que vem desde2009. Uma sobre a questão interna eoutra sobre questões externas. Em 2011e 2012, produzimos mais duas cartilhascom o objetivo de contribuir naformação da nossa base e militância,para que possam se preparar para esseprocesso, em relação à conjuntura, asociedade, o Estado e os desafios doMovimento. Estamos ampliando aquantidade de cartilhas, dos materiaismetodológicos e os vídeos que trazemesses elementos da construção dos

O 6º Congresso do MST, que será reali-zado no ano que vem, se aproxima ecoloca desafios e tarefas em torno desua construção. Em entrevista ao JornalSem Terra, José Ricardo, da DireçãoNacional do MST, apresenta o papel eas tarefas da militância nesse processo,a importância dos congressos e os mate-riais construídos para o trabalho de base.“Os congressos são a nossa maior instân-cia e espaços onde o MST pauta asdecisões que serão tomadas, o que revelaa sua importância. Primeiro, a importân-cia de fortalecer, ampliar e afirmar tantoas linhas políticas quanto o caráter, osobjetivos e o programa. Os congressossão os momentos que paramos pararetomar tudo aquilo que nos constituiu eo que nos faz ser o que somos”, disse.A seguir, leia a entrevista com odirigente do MST, que atua no Ceará.

“Estamos ampliando ascartilhas, os materiaismetodológicos,os vídeos quetrazem os elementosda construção dosobjetivos do Congresso”

Mística de encerramento do 5° Congresso Nacional do MST, em 2007

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realidade de cada local seja criada aideia da construção de um novomomento, referendando-se a luta, ahistória e todo o processo do MST.

JST – Qual a importância doscongressos para o MST?

JR - Os congressos são a nossa maiorinstância e espaços onde o MST pauta asdecisões que serão tomadas, o que revelaa sua importância. Primeiro, a impor-tância de fortalecer, ampliar e afirmartanto as linhas políticas quanto o caráter,os objetivos e o programa. Os congressossão os momentos que paramos pararetomar tudo aquilo que nos constituiu eo que nos faz ser o que somos.

Mais do que fazer um dos maiorescongressos da classe trabalhadora doBrasil, queremos chamar a atençãopara o grande momento de confrater-nização da classe camponesa.Outro processo importante é a aliançacom a cidade. Esse sempre foi o mo-mento em que convocamos os mo-vimentos do campo e da cidade, ami-gos e amigas, parceiros e movimentosinternacionais para que possamcompartilhar desse momento.Dentre as diversas culturas do MSTentre os estados, as regiões, municí-pios, acampamentos e assentamentos,também chamamos a atenção para aconstrução da unidade nacional. Somoso que somos até então porque temosmantido acima de tudo nossosprincípios. Um dos mais valiosos temsido a capacidade de manter a unidadede tudo aquilo que discutimos,combinamos e testamos coletivamente.Temos que debater a gênese do MSTe em qual projeto apostamos, comonossa proposta de Reforma AgráriaPopular. Isso demanda maiores co-nhecimentos, determinações, entendi-mentos e debates, que vão muito alémdo Movimento em si. O sucesso dessalógica é puxar para a luta. Não esta-

mos fazendo um congresso apenas porfazer. É a realização e afirmação dosocialismo. O MST tem esses objeti-vos e com certeza não abrimos mão.

JST – Que rumo aponta a discussãoem torno da palavra de ordem?

JR - Temos o desafio de formar umlema, que sempre marcam os nossosCongressos. Nos próximos anos, vamosapresentar para os trabalhadores, paraos movimentos sociais e para o mundoo nosso próximo lema que determinaráos desafios que estão colocados para aclasse trabalhadora, para o Movimentoe para a construção do socialismo.

JST – O que torna esse congressocomo diferente dos outros?

JR – A nossa meta é ter um númeromaior do que as 18 mil pessoas donosso último congresso. Também des-tacaremos a amplitude do processo desolidariedade internacional queconstruímos, a ampliação do MST emoutros países, continentes, realidadese o fortalecimento da Via Campesina.Os resultados que vamos levar da Re-forma Agrária – que já teve sua de-monstração no 5° Congresso –, em tor-no da cultura, da educação, da forma-ção, da produção, da cooperação e daarte serão marcos muito importantes.Além da luta pela terra, o Movimentotomou outras dimensões dentro doprocesso organizativo, metodológicoe mais ainda da criatividade.O 6° Congresso será um processo deconfraternização, de estudo, de for-mação e de luta. O valor desse con-gresso será apontar outro patamar de

enfrentamento da luta de classe noBrasil, dentro de um processo de lutaconjuntural para o movimento cam-ponês no Brasil. A nossa expectativaé que tenhamos capacidade de pautara luta de classe e a continuidade doprojeto socialista.

JST – Qual a importânciado Encontro Unitário entreos movimentos sociais docampo, que aconteceu em agosto,para o nosso Congresso?

JR – O encontro unitário é uma ten-tativa de aproximar as váriassituações que passamos na luta de

para base e militância

“Queremos criar a ideiada construção de umnovo momento,referendando-se a luta,a história e todo oprocesso do MST”

classes no Brasil. Que acima de tudotenha um caráter de unidadenacional em torno dos problemas,desafios e contradições que estãocolocadas em torno da disputa daburguesia e do agronegócio com oscamponeses, trabalhadores,sindicalistas. Os próximos anosserão de grandes lutas, agregandoum projeto comum em torno debandeiras e no enfrentamento de uminimigo comum: agronegócio, ocapital e o Estado. Essacontribuição teórica, metodológicae conjuntural vai nos ajudar muitoa pensar nesse processo da sociedadebrasileira, da luta de classes nocampo. Essa aliança possível podeculminar em outras frentes de lutae fortalecer a Via Campesina e oprojeto popular para o Brasil.

JST – Quais atividadesserão realizadas pelo MSTaté o Congresso?

JR – Temos agora que dar conta determinar o processo de formação nosestados, construir o processo de orga-nização e de consulta da nossa base emovimentá-la. Depois sistematizar essasquestões, vamos em um segundo mo-mento fazer uma preparação mais amplae mais forte para o Congresso. Mas tudoisso não está separado do processo deluta. Continuaremos fazendo ocupa-ções, o enfrentamento com as empresas,com o capital e com o agronegócio.Estaremos na luta das companheiras emmarço, faremos a jornada de abril, o 1°de maio, ou seja, não só o calendárioem torno do Congresso.

Materiais parao trabalho de base:1 Cartilha: serve para debater

com os militantes os desafiosda sociedade brasileirapara implementar a ReformaAgrária Popular

2 Subsídio sobre a naturezaorganizativo do MST

3 Elementos de metodologia detrabalho de base

4 Filme divido em 4 partes:a) Brasil e seus desafiosb) História do MSTc) Avanço do agronegóciod) Nossas lutas

5 Cartaz a ser distribuído a toda basedo MST rumo ao 6° Congresso

6 Documentos históricos do MST

Plenária do 1º Congresso Nacional do Movimento

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6 JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

ESTADOS Para o coordenador da Via Campesina e do MST, Roberto Baggio, o governo brasileiro está em débito

POR EDNUBIA GHISI

CERCA DE 50 MIL quilosde sementes foram distribuí-das aos mais de 4 mil partici-

pantes na 11ª Jornada de Agroecologia,realizada no mês de agosto em Londrina,no Paraná. A partilha das sementes criou-las, preservadas e multiplicadas pelos pró-prios camponeses, serviu como um ato sim-bólico de um modelo de agricultura pro-posto pelos movimentos sociais do campo.

Diversos movimentos e organiza-ções sociais participaram da Jornada,além de brigadas internacionalistas eintegrantes de órgãos públicos muni-cipais, estaduais e federais.

Pelo segundo ano consecutivo, aUniversidade Estadual de Londrina (UEL)sediou a Jornada de Agroecologia, afirman-do e efetivando a missão da universidadepública. Para a reitora da UEL, Nádina

Aparecida Moreno, a organização daJornada e a luta diária dos movimentoscamponeses são uma lição de como osgestores públicos devem atuar. “Vocês nosmostram, com solidariedade, união,harmonia e compromisso, que podemosalcançar todos nossos sonhos e objetivos”.

O dirigente da Via Campesina e doMST, Roberto Baggio, cobrou doestado brasileiro avanços nas políticaspara o campo, com a ampliação dacompra da produção dos assentamen-tos, melhor estrutura e mais funcio-nários para o Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária (Incra),e a efetivação da Reforma Agrária,negligenciada pelo atual governo. Sóno estado do Paraná, há mais de 5 milfamílias que continuam acampadas.

“Para continuarmos avançando, épreciso democratizar a propriedade daterra, e nesse sentido a presidenta Dilmaestá em dívida com o conjunto de pautasda Reforma Agrária”, disse o dirigente.

Já o então presidente nacional doIncra, Celso Lacerda, destacou que, assimcomo na vida concreta dos camponeses,a influência do agronegócio está forte-mente presente dentro do governo, e porisso não é possível “fazer mudança sem apressão e organização dos camponeses”.

Para ele, a força dos latifundiáriosestá escancarada na grande mídia.Lacerda cita como exemplo uma recen-te reportagem mentirosa da Rede Globoque mostrou desmatamentos em as-sentamentos da Amazônia. O Incra pro-vou a inverdade propagada na reporta-gem, porém, apenas uma pequena notafoi veiculada pela emissora.

Documentos finaisAssim como nas outras dez edições, a

Carta Final da 11ª Jornada de Agroecologiatraz uma análise do último ano sobre aatual realidade da vida no campo e suasconsequências para a sociedade como umtodo. O documento aponta que, em oposi-ção ao campesinato e ao modelo agroecoló-gico de produção, que carecem de políticaspúblicas estruturantes, os latifundiários eo agronegócio continuam recebendo ge-nerosas parcelas do recurso público.

A partir da crise econômica de 2008,novas formas de acumulação têm sidoengendradas pelo sistema capitalista he-

gemônico, num esforço de manter a ló-gica do lucro a qualquer custo. Estados egovernos nacionais, empresas e organismosmultilaterais passaram a ameaçar o direitoà água, à alimentação, à terra, dentreoutros, por meio da “economia verde”, aoapresentá-la como solução à criseambiental. Os mecanismos pelos quais seconcretizam são mercados de carbono, deserviços ambientais, de compensações porbiodiversidade e o mecanismo de Reduçãode Emissões por Desmatamento eDegradação florestal (REDD+).

O documento apresenta oito pontosde reivindicações aos governos esta-duais e federal: criação e implementa-ção imediata de políticas públicas es-truturantes à promoção da agroecolo-gia; banimento de todos os agrotóxicos,manutenção da Moratória Internacionalcontra a liberação das tecnologiasterminator; garantia de política públicade proteção aos defensores e defensorasde Direitos Humanos ameaçados/as,combate à criminalização dos movi-mentos sociais, à violência e impunida-de no campo, manutenção da exclusãodo Estado paraguaio do Mercosul e daUnião de Nações Sul-Americanas(Unasul) enquanto não se restabelecero governo de Fernando Lugo, a nãoaprovação da PEC 215 que desmonta apolítica dos direitos indígenas e manu-tenção do decreto que trata da regulari-zação fundiária dos territórios quilombolas.

Já a Carta da Juventude, resultado doprocesso de debate e participação da juven-

tude na Jornada, afirma a necessidade dofortalecimento da organização enquantojuventude e da ampliação da articulaçãoentre os movimentos sociais. “Precisamosnos constituir como protagonistas dos espa-ços em que estamos inseridos, a partir daauto-organização e da participação efetivanos distintos espaços de luta, em consonânciacom as diretrizes das nossas organizações”.

Além disso, quatro moções foramaprovadas durante a plenária final: contrao golpe de estado do Paraguai, apoio aostrabalhadores do Incra (que estavam emgreve por melhores salários e condiçõesde trabalho) e às 76 famílias residentesno acampamento Elias Gonçalves deMeura, em Planaltina do Paraná, e pelamanutenção da unidade de pesquisaValmir Mota Keno, destinada ao InstitutoAgrônomo do Paraná (Iapar), sem usode agrotóxicos e transgênicos.

Jornada de Agroecologia aponta deficiênciasnas políticas públicas para os camponeses

Em oposição ao campesinato,que carecem de políticaspúblicas estruturantes, oagronegócio continuarecebendo generosas parcelasdo recurso público

Mais de 4 mil pessoas participaram da 11ª Jornada de Agroecologia

“A influência doagronegócio está

fortemente presentedentro do governo,

e por isso não é possívelfazer mudança sem apressão e organização

dos camponeses”CELSO LACERDA, DO INCRA

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7JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

ESTADOS 56 camponeses concluíram o curso após cinco anos de lutas

POR IRIS PACHECO

DO SETOR DE COMUNICAÇÃO DO MST

A CELEBRAÇÃO de umagrande conquista em umadata memorável. Assim se

configurou a formatura da primeiraturma de Direito Evandro Lins e Silva.São 56 camponeses e camponesas queconcluíram o curso de bacharelado emDireito na Universidade Federal deGoiás (UFG), por meio da parceria doInstituto Nacional de Colonização eReforma Agrária (Incra), do ProgramaNacional de Educação na ReformaAgrária (Pronera), Via Campesina,MST, Confederação Nacional dosTrabalhadores na Agricultura

aqui não seja o final da caminhada,mas o fim de uma etapa nessa longajornada”, disse.

O direito à educação é uma lutahistórica dos movimentos sociais docampo. O acesso de camponeses ecamponesas às universidades no Brasilé resultado direto da mobilização eresistência destes movimentos.

Também presente na solenidade, oministro da Secretaria Geral daPresidência da República, GilbertoCarvalho, representando o paraninfo daturma, o ex-presidente Luiz InácioLula da Silva, afirmou em nome daPresidenta Dilma Roussef a garantia deque haverá outros cursos iguais a esse,sob o princípio de assegurar a educaçãopara a classe trabalhadora do campo.

Enquanto isso, os mais novosbacharéis em Direito assumiram emcoletivo, no meio da Praça de eventos daCidade de Goiás, município do estado deGoiás, o compromisso com o povo queos forjaram. “O ato de ocupar faz parteda pressão social para se obter direitos eque este deve ser um instrumento defortalecimento e construção da luta daclasse trabalhadora”, disseram.

Turma de Direito se forma em Goiás

POR WESLEY LIMA E ALAN TYGEL

DO SETOR DE CULTURA DO MST

MAIS DE MIL PESSOASparticiparam dos festejos dos

25 anos do MST na Bahia. A co-memoração aconteceu na primeira áreaocupado pelos Sem Terra no estado, oAssentamento 4045, localizado nomunicípio de Alcobaça, entre os dias 6e 7 de setembro.

Durante os dois dias de festas foramfeitas homenagens aos companheirose companheiras que ajudaram aconstruir e fortalecer a luta doMovimento no estado, exposição doartesanato e da produção regional, umresgate histórico contando o início daluta pela terra nos municípios baianose diversas atrações musicais.

O plantio de mudas de árvoresfrutíferas foi a forma simbólica deeternizar os 25 anos de lutas, resistênciae conquistas do MST na Bahia.

No dia 6 de setembro de 1987 o

MST reuniu cerca de 350 famíliasvindas dos municípios de Alcobaça,Teixeira de Freitas, Prado, Itanhéme Itamaraju que juntas ocuparam a

fazenda 4045, uma área de eucalip-to. Apesar das diversas dificuldadescom a falta de infraestrutura, no dia7 de setembro já estava consolidada

Formandos da Turma de Direito Evandro Lins e Silva

(CONTAG) e Federação dos Traba-lhadores na Agricultura do Estado deGoiás (FETAEG).

Do total de formandos, 12 já pas-saram no exame da Ordem dosAdvogados do Brasil (OAB).

Após cinco anos de determinação eresistência para garantir o direito àeducação digna, a turma de DireitoEvandro Lins e Silva é resultadorecente da luta por acesso a educaçãodigna para o campo.

“Tenho esperança que a partir de

hoje tenho companheiros que vãomostrar que o Direito não deve ser dojeito como ele é”, ressaltou GilmarMauro, da coordenação nacional doMST, ao reforçar a importância da turmaem atuar com um novo instrumento naluta pela Reforma Agrária.

Patrono da turma, Dom TomásBalduíno retratou a solenidade comouma celebração realizada numa datahistórica, que se configura numapequena semente em germinação.“Esperamos que a luta não pare, que

MST comemora 25 anos de lutas e conquistas na Bahia

Foram conquistados 132 assentamento onde moram 10.483 famílias

Concluíram o curso debacharelado em Direito56 camponeses ecamponesas, sendo que12 já passaram na OAB

a primeira ocupação de terra doMST na Bahia.

Passado essa ocupação que germinoua luta por todo o estado, muito seconquistou ao longo desses 25 anos.

Foram 132 assentamentos onderesidem 10.483 famílias. Estas famíliasproduzem e promovem sua indepen-dência financeira e política por meioda agricultura familiar. Há ainda mais212 acampamentos, totalizando 34.292famílias nas áreas.

Além das conquistas de terra,houve as implantações de agroin-dústrias e fecularias, a organizaçãodas redes produtivas do café, leite,cacau, mamona, mandioca, dentretantas outras.

Algumas áreas do estado, como oassentamento Terra Vista, em Arataca,já possuem produção 100% agroeco-lógica. Em outras, como o Recôncavo,há em curso uma formação massiva deassentamentos e acampamentos para atransição agroecológica.

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ESPECIAL Na maior marcha que aconteceu no Rio de Janeiro, mais de 80 mil saíram às ruas para protestar contra o modelo capitalista

98 JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

POR JOSÉ COUTINHO JÚNIOR

SETOR DE COMUNICAÇÃO DO MST

O RIO DE JANEIRO foi palco da Conferência das Nações Unidas sobreDesenvolvimento Sustentável, a Rio+20, no mês de julho. O evento se propôsa analisar a atual crise ambiental da sociedade e pensar em soluções concretaspara elas. No entanto, a Rio+20 excluiu a sociedade civil e as soluções queesta propõe para as crises, ao favorecer os interesses das empresastransnacionais e as soluções por dentro do mercado. Paralelamente à Rio+20,ocorreu a Cúpula dos Povos, que reuniu diversas organizações da sociedadecivil, de movimentos sociais a Organizações não Governamentais (ONGs),para debater as soluções dos povos para a crise ambiental.

Um dos principais eixos debatidos na Cúpula foi a questão da Soberania

Mobilizações na Cúpula dos Povos condenamempresas transnacionais da agricultura

Os três mil militantes da ViaCampesina foram em marchapara o Stand da ConfederaçãoNacional da Agricultura (CNA), naZona Portuária da cidade do Riode Janeiro, para protestar contraos males do agronegócio. Paraleloa marcha, cerca de 400 militantesentraram no Stand ao passaremdespercebidos e realizaram umato exigindo o banimento dosagrotóxicos e questionando omodelo excludente do latifúndio.“A CNA está propagandeandomedidas teoricamente

Mais de 80 mil estavampresentes na Marcha dos Povos,que lotou a Avenida Rio Branco.Além dos movimentos sociais edas organizações presentes na

Os movimentos se uniram em

frente à sede da Vale do Rio

Doce para protestar contra as

práticas das grandes

corporações. A Vale foi escolhida

como símbolo para representar

as práticas das empresas que

desrespeitam os trabalhadores e

causam grande impacto

ambiental, ao afetarem a

sustentáveis para o campo, mas éa grande responsável peladestruição do Código Florestal.Como falar de agriculturasustentável se eles lutaramferozmente pela diminuição dasÁreas de Proteção Permanente(APPs), pela diminuição dasReservas Legais e o nãoreflorestamento de áreasdesmatadas ilegalmente,anistiando os desmatadores?”,disse Tatiana Paulino, doMovimento dos Atingidos porBarragem (MAB).

Alimentar. As sementes transgênicas, o uso de agrotóxicos, o poder dastransnacionais e o modelo produtivo do agronegócio, adotado em larga escalapelos governos como a principal forma de se cultivar o campo, foram dura-mente criticados nos debates e plenárias da Cúpula, e tidos como as principaisresponsáveis pela crise alimentar e climática pela qual passamos hoje. Dentreas soluções apontadas para a saída da crise alimentar, tem-se maior inves-timento na agricultura familiar, reconhecendo a importância e o protagonismodas mulheres no campo, o respeito à natureza e aos saberes tradicionais doscamponeses e adotar o modelo de produção da agroecologia, que visa umaprodução de alimentos saudáveis, sem uso de sementes transgênicas e negandoos alimentos como mercadorias, mas como algo necessário para a vida humana.

Nesse sentido, os países devem se tornar autosuficientes na produçãoalimentícia. A Cúpula deixou claro que para implantar efetivamente essas

ações é necessário que haja uma mudança estrutural na sociedade. Taispropostas, dessa forma, são incompatíveis com o modelo capitalista, que sevolta cada vez mais para a exploração dos recursos naturais. A resposta quea Cúpula dos Povos deu sobre como realizar esta mudança profunda nasociedade esteve presente nas ruas do Rio: lutas e mobilizações. Duranteuma semana, os movimentos sociais se uniram em lutas abrangendo diversostemas e abrindo o diálogo com a sociedade. A Via Campesina, com umadelegação de 3 mil integrantes, além de organizar seu próprio ato, se somoua diversas mobilizações e atos políticos (confira as principais nos boxes).

As mobilizações da Cúpula dos Povos mostraram que os movimentossociais, independente de terem bandeiras diferentes, estão unidos em nomede uma luta em comum, pois o inimigo é o mesmo: o capitalismo que geraas desigualdades e destrói a natureza.

Ação contra o agronegócio

Mais de 10 mil mulheres

foram às ruas exigir o fim da

violência contra as

mulheres, a legalização do

aborto, condições justas de

trabalho na cidade e no

campo e o fim do modelo

capitalista, que incentiva o

machismo e a lógica de

exploração das mulheres.

Segundo Alana Moraes,

integrante da Marcha

Mundial das Mulheres

(MMM), “não há como o

capitalismo se reproduzir de

maneira sustentável, pois

sempre precisará da nossa

carga de trabalho doméstico

e está baseado na

exploração do trabalho.”

Cúpula dos Povos, a população doRio de Janeiro protestou contra oavanço do capital e as tomadas dedecisões a portas fechadas dosestadistas na Rio+20.O dirigente do MST, João PedroStedile, afirmou que odestruidor do mundo “é o

capitalismo, as grandestransnacionais, os bancos queavançam para querer seapoderar dos recursos doplaneta e, em seguida, com aprivatização da terra, água eaté do ar, poderem retomarseus ciclos de usurpação”.

Marchados Povos

Luta dasMulheres

natureza e as comunidades

próximas. Além disso, a empresa

explora seus trabalhadores,

aumentando jornadas,

diminuindo salários e realizando

demissões em massa. Para

Jeremias Vunjanhe, militante da

ONG Justiça Ambiental, “a Vale

usa a mesma estratégia em todos

os países do mundo”.

Ato contra as grandes corporações

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10 JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

Servidor denuncia que demanda de trabalho é maior que capacidade operacionalREALIDADE BRASILEIRA

ou deixado de fazer, mas que são a nossamissão institucional.Não há nenhum documento que expressea posição do governo em relação àReforma Agrária ou à reestruturação: oque vemos são discursos e falas soltas. Oproblema é que não se coloca a questãoda terra como principal.Ou seja, o minifundiário vai continuarcomo está, o sem terra também, e oIncra vai atuar como o órgão que dáassistência técnica nos assentamentosque estão na condição de misériaextrema. O discurso que tem vindovai contra o projeto que defendemos.É um discurso que não ataca a raizdo problema, de retomar o processode desconcentração fundiária, questão

central para o desenvolvimento docampo brasileiro.

JST – No que implica a inclusão do Incrano programa Brasil Sem Miséria?

AZL – A miséria hoje no Brasil seconcentra no campo. 16 milhões depessoas estão em situação de pobrezaextrema, e 50 % disso está no campo.Como a população do campo é muitomenor que a urbana, a pobreza no meiorural é relativamente muito maior.O papel central do Incra é fazer ReformaAgrária, porque é isso que vai darcondições para as famílias saírem dasituação de miséria. A miséria no campoé oriunda da concentração fundiária, eos bolsões de pobreza no campo estãonesses lugares com alta concentraçãofundiária e grilagem de terras.

JST - Qual sua opinião sobre odiscurso do governo de que a ReformaAgrária vai acontecer através demelhorias nos assentamentos jáexistentes, e não pela quantidade deterras distribuídas?

AZL – Essa é uma falsa dicotomia.Essa ideia começa com o debate de quea Reforma Agrária “é cara”. Virousenso comum a ideia de que “ouavançamos na obtenção de terras ouna qualidade dos assentamentos”. Énecessário avançarmos nas duasfrentes, e isso só depende de vontadepolítica do governo federal.Da mesma forma que se avança em outraspolíticas estruturantes, podemos avançarna Reforma Agrária, e não só por meiodo Incra, mas também com o Ministériodo Desenvolvimento Social, governosestaduais, colocando as Empresas deAssistência Técnica e Extensão Rural(Ematers) para dar assistência técnica.Há um mar de possibilidades, mas oque vemos hoje é que nem o governoLula nem o governo Dilma fizeram essaopção em avançar de maneira impor-tante na Reforma Agrária e nos assenta-mentos. O valor do orçamento do Incrade 2012, se colocarmos um defletor, éo mesmo de 1995. Não houve umamelhoria no investimento por parte dosgovernos, e isso reflete na quantidade

de famílias assentadas em 2011 e 2012.Na verdade, o governo não está desa-propriando terras nem melhorando aqualidade dos assentamentos.

JST - O que o Incra precisapara realizar um processoefetivo de Reforma Agrária?

AZL – Temos que convencer a presi-denta de que a Reforma Agrária é im-portante, porque ela não entende nadade questão agrária. A assessoria dela naCasa Civil em relação ao tema é péssima:são as mesmas pessoas desde o governoFHC (Fernando Henrique Cardoso).Por isso há a visão de que a ReformaAgrária é cara e desnecessária. Pelo con-trário, ela é tão importante como neces-sária, por isso existem mais de 180 milfamílias acampadas por aí. A questãocentral é dar importância política a essapauta, e mostrar que a Reforma Agráriaé necessária para o desenvolvimento dopaís, inclusive como uma política an-ticíclica dessa crise do capitalismo.

JST - Quais são as condições detrabalho dos servidores do Incra?

AZL – Nosso problema é a relação entredemanda de trabalho versus capacidadeoperacional. Entrei no Incra em 2006.Dos colegas que entraram comigo nomesmo concurso, mais de 40% já foramembora. No primeiro semestre desse ano,mais de 200 pessoas se aposentaram noIncra, e o indicativo é que até o fim dogoverno Dilma, mais 2500 pessoas seaposentem, o que vai diminuir nossacapacidade operacional em mais de 50%.É impossível um técnico fazer um traba-lho efetivo, qualificado, de acompanha-mento do processo de desenvolvimentodo assentamento quando há uma relaçãode um técnico para 1500 famílias. Alémdisso, o técnico muitas vezes tem querodar 600, 700 quilômetros da sede doIncra até os assentamentos.Uma das coisas que apoiávamos nodebate de reestruturação era a criação denovas unidades avançadas, que levassemo Incra mais para o interior, sem que ostécnicos tivessem de depender tanto dacapacidade operacional das capitais ondese localizam as sedes.

“O papel central do Incra é fazer aReforma Agrária”, afirma sindicalista

POR JOSÉ COUTINHO JÚNIOR

SETOR DE COMUNICAÇÃO DO MST

Jornal Sem Terra - Os funcionáriosdo Incra estiveram em greve pormais de três meses, e a reestruturaçãodo órgão era uma das pautas. Comovocê avalia a reestruturaçãoapresentada pelo governo?

Acácio Zuniga Leite - Nossa pautaem relação à reestruturação do Incratinha foco em duas questões: retomar oprocesso de Reforma Agrária, que estáparalisada, e garantir o aumento do corpotécnico, para dar vazão ao processo dequalificação dos assentamentos, de com-bate a grilagem, fiscalização cadastral,coisas que o Incra tem feito muito pouco

O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e o novopresidente do Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária (Incra), Carlos Guedes de Guedes, declararam no mêsde setembro a reestruturação do órgão federal. A mudança maissignificativa no Incra está na sua principal prioridade: oferecerassistência técnica aos assentamentos, ao invés da desapro-priação de terras. Segundo o funcionário do órgão e Diretor daConfederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra(CNASI), Acácio Zuniga Leite, essa é uma falsa dicotomia, e“o governo não está desapropriando terras nem melhorando aqualidade dos assentamentos”. Confira a entrevista:

Reestruturação do Incra não muda a realidade das 180 mil famílias acampadas

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11JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

CARLA BUENO

LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE

A JUVENTUDE É O segmento maisafetado pela política cruel que o ca-pitalismo impõe na nossa sociedade.Alguns comportamentos que são na-turalizados pela sociedade, como aviolência e a disputa exagerada porstatus social, se difundem entre a po-pulação, mas são socialmente cons-truídos para sustentar a lógica do indi-vidualismo entre os jovens de hoje.

É oportuno para o capital que aconcorrência abasteça o coração dajuventude, pois assim a responsabili-dade de garantia de todas as demandasbásicas de educação, cultura, trabalhoe renda não recaem sobre o Estado,mas sim nos ombros dos própriosjovens, que passam a ver uns aos ou-tros como concorrentes, competidorespor melhores condições no mercadode trabalho, e que para obterem ascondições materiais para uma vidadigna basta o esforço individual.

É esse mesmo sujeito – jovem - oalvo principal do incentivo ao consu-mismo desenfreado. Tudo nos leva aquerer seguir o modelo da “juventudefeliz”, que fica estampado nas novelase nos comerciais dos canais de televisão,mas que não é representativo da juven-tude brasileira. Cerca de 13 milhões dejovens vivem abaixo da linha da pobrezae 85% não tem acesso ao ensino superior.Porém, nós, os mesmos jovens, temoso maior potencial de transformação danossa própria condição de oprimidas eoprimidos, mesmo com todo o esforçodo capital em nos travar, nos cercar enos massacrar, com uma política cruelde erradicação dos nossos sonhos.

Tanto nos grandes centros urbanosquanto no meio rural a juventude nãoencontra mais espaços de sociabilidadeque possibilitem a percepção de suacondição juvenil. Não há alternativacultural que coloque os jovens em contatopara sentirem valores como a coletividade,a solidariedade e a importância daorganização para reivindicar melhoras nassuas condições de vida.

A questão é que esses espaços nãosão negados à juventude por acaso, éestratégico para o capital que ajuventude permaneça num mundo deconsumos e que busque a sua saída demaneira individual, pois é assim quese mantém a lógica do sistema. Aorganização política da juventudeatrapalha o capital em materializar seusplanos de morte e exploração dajuventude, especialmente da juventudeda classe trabalhadora.

Organização PopularEnxergando e sentindo na pele essa

realidade, um grupo de jovens doBrasil todo optou por se organizar paraconstruir as bases de uma nova propostapolítica para a sociedade brasileira. OLevante Popular da Juventude nascenesse contexto, muito referenciado

pelos movimentos sociais do campobrasileiro, com a proposta de colocara juventude em movimento para pautaros seus direitos e o seu próprioprotagonismo político na sociedade. OLevante vem ao mundo disposto aatrapalhar o capitalismo em seusplanos cruéis para juventude brasileira.

Sempre ouvimos que os jovens são ofuturo da sociedade, se somos mesmo,estamos dispostos a transformá-la, e isso sóse faz na ação coletiva, no desenvolvimentode novos valores e práticas e na construçãode novos métodos de luta. Entendemos quesó conseguiremos desestruturar as bases docapital com ação direta, com muita luta ecom milhões de pessoas em movimento.

LutasNossa força somos nós mesmos.

Enquanto o capital tem o Estado, o di-nheiro e a mídia, nós temos a maioria dajuventude brasileira, que sente as mesmascontradições do sistema e são essas massasjovens que queremos conquistar para onosso projeto, na proposta de reconstruiras relações sociais entre a juventude epreencher o vazio que o capital impõe emnossos corações e mentes.

No último período, por observar asmovimentações da conjuntura no que tange

Levante Popular nasce para construir base de transformação da sociedadeREALIDADE BRASILEIRA

Juventude se organiza para defender seusdireitos e mostrar protagonismo político

a necessidade de averiguar os fatos reaisde períodos obscuros da nossa história, oLevante se lançou na sociedade através daação, seguindo o lema de CarlosMarighella: “a ação faz a organização”.

Construímos os escrachos aostorturadores por entendermos que épapel da sociedade brasileira como umtodo apontar os erros do passado. Nós,jovens, não vivemos esse erro, nãofomos diretamente torturados damesma forma, mas vivemos osresquícios de uma sociedade afetadapela ditadura militar, sentimos suasconsequências e nos sentimosresponsáveis pela busca da verdade.

Seguiremos em ação, pois acredi-tamos que nossa força está na orga-nização popular da juventude. En-frentaremos a violência contra a ju-ventude, o tráfico, apontaremos osproblemas da educação brasileira enos colocaremos em movimento paraajudar a resolvê-los. Trataremos asbandeiras da juventude como causacentral das nossas vidas. Lutaremospor cultura, lazer, trabalho, democra-cia e seremos sujeitos da reconstruçãodos nossos sonhos!

Juventude que Ousa Lutar Constróio Poder Popular!

Cerca de 13 milhõesde jovens vivem abaixoda linha da pobrezae 85% não tem acessoao ensino superior

Ação do Levantes contra um ex-torturador da ditadura

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12 JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

O objetivo é reunir milhares de pessoas de todo o mundo para reafirmar a solidariedadeINTERNACIONAL

POR MARCELO BUZETTO

COLETIVO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO MST

ENTRE OS DIAS 28 de novembro e1º de dezembro acontecerá, em PortoAlegre (RS), o Fórum Social MundialPalestina Livre (FSMPL). É a primeiravez que uma atividade como esta éorganizada. Será um Fórum Temáticosobre um dos principais conflitosexistentes na atualidade.

O objetivo é reunir milhares depessoas de todo o mundo para rea-firmar a solidariedade com a justa elegítima resistência popular palestinaque, desde 1948, luta contra a ocu-pação militar israelense.

No Brasil cresce a solidariedade aopovo palestino. Em novembro de 2011foi realizado o 1° Encontro Nacionalde Solidariedade ao Povo Palestino, naEscola Nacional Florestan Fernandes(ENFF), em Guararema (SP). Nesseencontro foi elaborado um documentohistórico, que sintetiza as principaisbandeiras que estarão sendo defendidasem Porto Alegre. Agora, um ano de-pois, temos o FSMPL.

Um consenso entre o Comitê Or-ganizador (existe um tanto na Palestinaquanto no Brasil) optou para que estefórum não fosse um espaço para ouviras várias opiniões sobre o conflitoIsrael-Palestina, pois isso permitiriaque o Estado de Israel e os apoiadoresde sua política de genocídio tambémapresentassem suas posições.

Foi acordado, portanto, que oFSMPL será um espaço de tomada deposição a favor da luta contra a ocupação

israelense, pela libertação dos presospolíticos palestinos, pelo direito aoretorno dos refugiados palestinos à suasterras, pela construção do Estado daPalestina e de apoio à todas as formasde luta que este povo tem desenvolvidodurante a luta pela libertação nacional.

O MST e a Via Campesina estarãopresentes para debater temas como “Aconstrução da Via Campesina na Pa-lestina”, “Os desafios da Esquerda Pa-lestina na atualidade” e “O papel dasmulheres na Revolução Palestina”.Estas serão algumas das atividades au-togestionadas pelo MST/Via Campe-sina, União dos Comitês de TrabalhoAgrícola (UAWC-Palestina), Uniãodos Comitês de Mulheres Palestinas(UPWC-Palestina), Centro de Infor-mação Alternativa (AIC-Palestina) eMUNDUBAT (Palestina).

No Brasil, além do MST, váriasorganizações estão se preparando paraparticiparem do FSMPL, tais comoCentral Única dos Trabalhadores(CUT), Central dos Trabalhadores eTrabalhadoras do Brasil (CTB),Coordenação Nacional de Lutas(CONLUTAS), Marcha Mundial deMulheres (MMM), entre outras, além

de entidades da comunidade árabe-palestina do Brasil.

HistóricoEm 14 de maio de 1948 é fundado o

Estado de Israel, como resultado de umaarticulação política internacionaldirigida por representantes das potênciasimperialistas (EUA, Inglaterra e França)e do sionismo internacional. O EstadoJudeu ficaria com 56,4% do território,o Estado Palestino ficaria com 42,9%,e 0,7% correspondente à cidade deJerusalém, seria administrado pelaONU, por ser local sagrado para cristãos,judeus e muçulmanos.

Desde os primeiros dias de suaexistência, o governo sionista impediu acriação do Estado Palestino, desrespeitan-do com isso a resolução 181 da ONU, queprevia a constituição de dois Estados. Teminício a Guerra da Palestina, onde de umlado está o Exército Sionista-Colonialistade Israel e, de outro, a população palestina,que desde esta época luta pela sualibertação, pela criação de um EstadoLaico e Democrático, onde possam viverem paz judeus, cristãos e muçulmanos.

Portanto, desde 1948 o povopalestino vive uma tragédia: foram

Fórum Social Mundial Palestina Livre:um encontro internacionalista

Será um espaço pelalibertação dos presospolíticos, pelaconstrução do Estadoda Palestina e de apoioa todas as formas deluta do povo palestino

expulsos de suas terras e de suas casas, etiveram suas propriedades roubadas oudestruídas pelo chamado Exército deDefesa de Israel. Vilas e cidades palestinasvêm sendo constantemente destruídasdurante os 62 anos da Nakba (“Atragédia”). Milhares de pessoas seguiramo caminho do exílio e os refugiadospalestinos já chegam a 5 milhões.

Localização estratégicaEm 1967, o expansionismo israe-

lense se intensifica. Novas colônias eassentamentos judeus-sionistas sãocriados em Gaza, Cisjordânia e Jeru-salém, agora tomada militarmente peloexército colonialista, em mais um des-respeito às resoluções da ONU sobre aquestão palestina. Além disso, Israelocupa militarmente as colinas de Go-lan, que são da Síria, e a Península doSinai, do Egito. A única resolução daONU que Israel respeitou até o momen-to foi a da sua própria criação.

Israel segue hoje como o único paísdo Oriente Médio com armas nuclea-res, ou seja, armas de destruição emmassa. Fala-se de 200 ogivas.

A Palestina é um território de27.000 km2 que se localiza entre oEgito, Líbano, Síria e Jordânia, tendoum vasto litoral com saída para o MarMediterrâneo. Pelo sul da Palestinachega-se ao Golfo de Ácaba, que levaráqualquer navegante ao Mar Vermelho,Golfo de Áden, Mar da Arábia, golfode Omã e Oceano Índico.

Do ponto de vista econômico, po-lítico e militar, sua localização é es-tratégica. A Palestina fica no centro domundo, na divisa entre a África e aÁsia, e bem próxima da Europa. Porisso tal território sempre foi alvo deinvasões ao longo de sua história. Aregião também sempre foi importanterota comercial terrestre e marítima.

Povo palestino luta pela criação de um Estado onde judeus, mulçumanos e cristãos vivam em paz

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13JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

Mais de 1600 delegados participaram do momento de união e afirmação da luta por terraLUTADORES DO POVO

POR DÊNIS DE MORAES

PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

A UNIDADE dos movimentos de tra-balhadores rurais e a definição de rei-vindicações consensuais em favor daReforma Agrária e do combate ao lati-fúndio transformaram o 1º CongressoNacional de Lavradores e Trabalha-dores Agrícolas, realizado em BeloHorizonte no dia 17 de novembro de1961, em marco histórico do processode lutas sociais no campo.

Pela primeira vez, organismos eentidades que atuavam no meio ruralaprovaram uma declaração conjunta deprioridades e visões críticas, em sintoniacom as mobilizações pelos direitos dacidadania que caracterizaram o governodo presidente João Goulart (1961-1964).

Presentes 1.600 delegados de todoo país, o Congresso terminou indicandoos principais pontos para a ReformaAgrária: desapropriação de terras não-aproveitáveis com área superior a 500hectares; pagamento de indenizaçãomediante títulos da dívida pública;concessão gratuita das terras devolutasaos camponeses; entrega de títulos depropriedade aos atuais posseiros;estímulo à produção cooperativa.

Essa pauta de reivindicações foiconstruída a partir de avaliaçõesconvergentes sobre a dramáticasituação de concentração da terra. Oscontrastes eram alarmantes. Para umapopulação rural de 38 milhões dehabitantes, existiam apenas doismilhões de propriedades agrícolas.Neste número, incluíam-se 70 milpropriedades latifundiárias, querepresentavam 3,39% do total dosestabelecimentos agrícolas existentes

e acumulavam nada menos do que62,33% da área total ocupada.

Tal cenário foi denunciado nodocumento final do Congresso: “É omonopólio da terra, vinculado ao capitalcolonizador estrangeiro, notadamente onorte-americano, que nele se apóia, paradominar a vida política brasileira emelhor explorar a riqueza do Brasil. Éainda o monopólio da terra o responsávelpela baixa produtividade de nossaagricultura, pelo alto custo de vida e portodas as formas atrasadas, retrógradas, eextremamente penosas de exploraçãosemifeudal, que escravizam e brutalizammilhões de camponeses sem terra. Essaestrutura agrária caduca, atrasada, bárbarae desumana constitui um entrave decisivoao desenvolvimento nacional e é uma dasformas mais evidentes do processoespoliativo interno.”

As barreiras burocráticas aoreconhecimento dos sindicatos rurais foramremovidas ainda na fase parlamentaristado governo João Goulart, através deportaria do ministro do Trabalho, FrancoMontoro, de 26 de junho de 1962.

Jango também criou a Superinten-dência da Reforma Agrária (Supra),conseguiu aprovar o Estatuto doTrabalhador Rural (espécie de CLT paraos assalariados do campo) e estendeubenefícios da previdência social aos

camponeses. Em Pernambuco, ogovernador Miguel Arraes obrigou osusineiros da Zona da Mata a pagaremsalário mínimo.

Lei ou na marraAo discursar em Belo Horizonte,

Francisco Julião, líder das Ligas Cam-ponesas (organização surgida no interiorde Pernambuco em fins dos anos 1950 eque logo se expandiu a estados vizinhos),arrancou demorados aplausos da plateiacom uma célebre frase, que seria a partirdaí repetida pelos setores mais aguerridos:“A reforma agrária será feita na lei ou namarra, com flores ou com sangue.”

A palavra de ordem de Julião odistanciava da União dos Lavradores eTrabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab),entidade hegemonizada pelo PartidoComunista Brasileiro (PCB). O choque deestratégias se traduzia na insistência doscomunistas em prosseguirem no trabalhode sindicalização rural e de negociação como governo para a ampliação dos direitostrabalhistas e sociais ao homem do campo.

Já as Ligas Camponesas sobinfluência de Julião exigiam umaReforma Agrária profunda e rápida,capaz de acelerar o que imaginavam serpossível naquela quadra histórica: atransição para o socialismo. De 1961 àeclosão do golpe militar de 1964, os

Congresso Camponês de 1961, um marcohistórico das mobilizações no campo

Para uma populaçãorural de 38 milhões dehabitantes, existiamapenas dois milhões depropriedades agrícolas.

movimentos no campo seguiram juntosna luta mais geral contra o latifúndio epela socialização da terra, mas divididosquanto aos rumos e intensidades quedeveria ter para concretizar seus objetivos.

De qualquer forma, o Congresso de BeloHorizonte significou um forte estímulo àorganização dos camponeses no Brasil. Emfins de 1963, o Ministério do Trabalho járegistrava 270 sindicatos de trabalhadoresrurais reconhecidos e 557 em processo delegalização. No mesmo período,levantamento do 2º Exército indicava aexistência de 218 Ligas Camponesas em20 Estados, sendo 64 em Pernambuco.

A problemática agrária era questãodecisiva na sucessão presidencial previstapara 1965. Francisco Julião chegou aidealizar uma grande marcha de 50 milcamponeses a Brasília, às vésperas dopleito. A multidão cercaria o CongressoNacional com o intuito de pressionar osparlamentares a aprovarem uma emendaque modificasse a Constituição, permitindoo pagamento das desapropriações de terraem títulos da dívida pública.

“Era o momento adequado, pois ocandidato a Presidente que se opusesseperderia o apoio de centenas de milharesde votos no campo”, explicaria Juliãoduas décadas depois. A marcha jamaispôde ser realizada, porque a brutalidadedo golpe militar impediu.

Trabalhadores rurais cobravam a desapropriação de áreas improdutivas

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14 JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

Escritor do chamado realismo mágico ganhou Nobel em literaturaLITERATURA

POR PAULO CESAR DA COSTA

MILITANTE DO MST E MESTRANDO EM

LITERATURA NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA.

FAZ POUCOS MESES que recebemosa infeliz notícia de que o colombianoGabriel García Márquez, aos 85 anos,encerrava sua atividade literária devidoao estágio avançado de uma doençaassociada à perda de memória.

Considerado o grande escritor dochamado realismo mágico latino-ame-ricano, García Márquez está entre es-critores cujo estilo narrativo, entre oreal-histórico e o fantástico, espalhoupelo mundo uma face e acentuou traçosda realidade latino americana até entãopouco familiar aos olhos ou ao paladardos ditos países desenvolvidos, antigosespreitadores de tudo o que existe dolado de cá do oceano.

Em 1968, García Márquez recebiao Nobel em Literatura pela AcademiaSueca de Letras e entrava para osgrandes nomes da literatura modernalatino-americana, com seu livro Cemanos de Solidão (1967).

um sutil humor irônico, é solidamenteenraizada nos dilemas sociais e histó-ricos de seu país. Valendo-se frequen-temente de recursos do chamado rea-lismo mágico, o autor percorre em cadaconto e romance a vastidão e riquezade histórias de toda sorte, consagradasna memória pessoal e no imagináriodo povo. Das encruzilhadas emble-máticas incontáveis recolhe o inex-plicável e até mesmo o absurdo.

Mas, em sua implacável irrever-sibilidade, o autor não perde o eixoda realidade. Ditadores genocidas,caminheiros enigmáticos, solidão, an-gústia e esquecimento, conspiração ereviravolta compactuam com a deso-lação das derrotas, com os retrocessose a anulação do tempo, com a estag-nação histórica. Opressão e luta depovos e classes desembocam na in-compreensão e até mesmo na loucura.Tudo isso é ainda breve diante do tur-bilhão de inquietudes e de assombros,que, permeados por uma extrema na-turalidade da narrativa, povoam comofantasmas as obras do autor.

A universalidade de Garcia Márquezao cantar a sua aldeia

“(...)Aureliano, o primeiro ser humanoque nasceu em Macondo, ia fazerseis anos em março. Era silencioso eretraído. Tinha chorado no ventre damãe e nasceu com os olhos abertos.Enquanto lhe cortavam o umbigomovia a cabeça de um lado para ooutro, reconhecendo as coisas doquarto, e examinava o rosto daspessoas com uma curiosidade semassombro. Depois, indiferente aosque vinham conhecê-lo, manteve aatenção concentrada no teto depalmas, que parecia estar quasedesabando sob a tremenda pressãoda chuva. Úrsula não tornou a selembrar da intensidade desse olharaté o dia em que o pequenoAureliano, na idade de três anos,entrou na cozinha no momento emque ela retirava do fogão e punha namesa uma panela de caldo fervente.O garoto, perplexo na porta, disse:

“Vai cair.” A panela estava posta bemno centro da mesa, mas, logo que omenino deu o aviso, iniciou ummovimento irrevogável para a borda,como impulsionada por um dinamismointerior, e se espedaçou no chão.(...)”

“(...)O CORONEL Aureliano Buendíapromoveu trinta e duas revoluçõesarmadas e perdeu todas. Teve dezessetefilhos varões de dezessete mulheresdiferentes, que foram exterminados um porum numa só noite, antes que o mais velhocompletasse trinta e cinco anos. Escapoude quatorze atentados, setenta e trêsemboscadas e um pelotão de fuzilamento.Sobreviveu a uma dose de estricnina nocafé que daria para matar um cavalo.Recusou a Ordem do Mérito que lheoutorgou o Presidente da República.Chegou a ser comandante geral dasforças revolucionárias, com jurisdição emando de uma fronteira à outra, e ohomem mais temido pelo governo, masnunca permitiu que lhe tirassem umafotografia. Dispensou a pensão vitalíciaque lhe ofereceram depois da guerra eviveu até a velhice dos peixinhos de ouroque fabricava na sua oficina de Macondo.Embora lutasse sempre à frente dos seus

homens, a única ferida que recebeu foiproduzida por ele mesmo, depois deassinar a capitulação da Neerlândia, quepôs fim a quase vinte anos de guerrascivis. Desfechou um tiro de pistola no peitoe o projétil saiu-lhe pelas costas semofender nenhum centro vital. A única coisaque ficou de tudo isso foi uma rua com oseu nome em Macondo. Entretanto,conforme declarou poucos anos antes demorrer de velho, nem mesmo isso eleesperava, na madrugada em que partiu comos seus vinte e um homens, para se reuniràs forças do General Victorio Medina.(...)”

Trechos de Cem Anos de Solidão

Leia mais

Algumas obras primas do autor:• O amor nos tempos do cólera”• Ninguém escreve ao coronel• Cem anos de solidão• Crônica de uma morte anunciada

Gabriel García Márquez, o”Gabo”,como é chamado o escritor, criou,literariamente, a mais curiosa cidademítica e imaginária da América, aMacondo, situada ao revés de uma serraquase impenetrável, a oeste de Riohacha,na Colômbia, onde se dá uma intrigantehistória do clã da família Buendía, quelá viveu, num raio de sete gerações, asmais trágicas e alucinantes reviravoltas,

tendo o curioso costume de atribuir aossucessores sempre os mesmos nomes, etendo como um dos personagens centraisa irredutível figura de um coronelconspirador, Aureliano Buendía, que,entre investidas e façanhas, promovera32 guerras, vencendo a morte em todas,mesmo que sempre fosse derrotado.

Sua prosa levemente melancólica emetafórica, muitas vezes permeada por

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15JORNAL SEM TERRA • JUN/JUL/AGO 2012

Para não esquecer

Novembro

04 Assassinato de Carlos Marighella,militante comunista, 1969

10 Nascimento de Álvaro Cunhal 1913Um dos mais importantesdirigentes comunistasportugueses. Opositor da ditadurafascista que governava Portugal,foi preso diversas vezes. Com aRevolução dos Cravos, retornou doexílio e foi ministro e deputado.

20 Assassinato de Zumbi dosPalmares, 1695

20 Massacre de Felisburgo, MinasGerais (2004)Cinco Sem Terra foram mortospor 18 assassinos encapuzados,coordenados pelo latifundiárioAdriano Chafik, ao invadiram oacampamento Terra Prometida,na fazenda Nova Alegria, umaterra grilada pelo latifundiário.

22 Revolta da Chibata, 1910

28 Nascimento deFriedrich Engels, 1820

30 Promulgação do Estatutoda Terra, 1964

Outubro

21 Assassinato de Valmir Motta,o Keno, líder Sem Terrano Paraná, 2007.

23 Nascimento de Carlos Lamarca, 1937

23 Assassinato sob tortura deJoaquim Câmara Ferreira, daAliança de Libertação Nacional.

25 Nascimento de Pablo Picasso(1881) e Darcy Ribeiro (1922)

27 Nascimento de Graciliano Ramos, 1892Escritor e autor do clássico VidasSecas. Nasceu na cidade deQuebrangulo, em Alagoas. Em1945, filia-se ao PartidoComunista. No dia 20 de marçode 1953, falece no Rio deJaneiro, vitima de câncer.

31 Assassinato de Dorcelina Folador,na cidade de Mundo Novo, noMato Grosso do Sul, com oitotiros pelas costas, 1999

Keno foi assassinado por umamilícia armada, contratada pela

Syngenta e financiada pelaSociedade Rural da Região Oeste

paranaense, que invadiu oacampamento do MST e da Via

Campesina no centro de pesquisasda multinacional Syngenta, em

Santa Tereza do Oeste.

Charles Trocante, poeta e militantedo MST no Pará, se tornou membroda Academia de Letras Sul eSudeste Paraense (ALSSP), aoassumir a cadeira de nº 16, tendocomo patrono o escritor paraenseDalcídio Jurandir (1909-1979),romancista que implantou aAmazônia na Literatura Brasileira,além de tratar do proletariadobrasileiro em suas obras.Dentre outros livros, Charles publicou"Ato primavera" e "Bernardo, meuspoemas de combate", ao se utilizardas palavras para denunciar, deforma lírica, os males do latifúndio e

O livro Revolução Agroecológicasistematiza a experiência deimplantação do modelo de produçãoagroecológico e sustentável naspequenas propriedades, cooperativase hortas urbanas em Cuba, a partir dametodologia do Movimento de“Camponês a Camponês (CAC)”, daAssociação Nacional de PequenosAgricultores de Cuba (ANAP).

O Movimento AgroecológicoCAC foi iniciado pela ANAP em1997, quando camponeses ecamponesas se tornam protagonistasno processo de transição para aagroecologia, realizando experiências

com diferentes formas de cultivos,que em seguida, foramcompartilhadas com outroscamponeses.

Após onze anosde trabalho ométodo atingiumais de 100 milfamíliascamponesas,tornando aagriculturafamiliar ecamponesa asolução para a garantia dasoberania alimentar no país.

do agronegócio na região.Em seu discurso de posse, ele disseacreditar que nas suas poesias“estão longos momentos de reflexões,minha posição do mundo,aprendizado de longa data, - arevolução como meio acultura como fim -debates sobre estéticaliterária, travadas com osclássicos (minhaadorável angustia dainfluência), e com o meutempo presente feito decarne e osso”.Para Ademir Braz,

Livro sobre Revolução Agroecológicaapresenta experiência camponesa cubana

membro da ALSSP, o Sem Terracultiva as palavras “para saciar asede de justiça de um povo e de umaterra profundamente espoliados pelavoracidade do latifúndio e dasgrandes corporações”.

Sem Terra entra para Academia de Letras Sul e Sudeste Paraense

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